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Ideologia, confronto e autoconsciência política

Adrian Piper

Nós começamos com crenças sobre o mundo e sobre nosso lugar nele que não pedimos
ou questionamos. Somente mais tarde, quando estas crenças são atacadas por novas
experiencias que não se encaixam nelas, começamos a duvidar. Por exemplo: Será que
nós e nossos amigos realmente entendemos uns aos outros? Será que realmente não temos
nada em comum com negr_s1 / branc_s / gays / trabalhador_s/ a classe média /outras
mulheres /outros homens / etc.?

Duvidar implica numa autoanálise porque uma investigação no quanto suas crenças e
atitudes são plausíveis é uma verificação em todas as constituintes do self. Explicações
sobre o porquê você falsamente supôs X incluem : seus motivos para crer em X ( seu
desejo de manter uma relação, seu impulso de ser uma pessoa caridosa, seu objetivo de
se tonar uma pessoa melhor), as causas de você acreditar X (seu condicionamento desde
o começo, você ter bebido demais , sua inata predisposição ao otimismo ) e suas razões
objetivas de acreditar X (é consiste com suas outras crenças, explica a maior parte dos
dados, é confirmada intuitivamente , pessoas que você respeita acreditam). Estas
explicações revelam os jeitos e disposições que individualizam um self de outro.

Então autoexaminação implica em autoconsciência. Por exemplo, consciência dos


componentes do próprio self. Mas autoconsciência é em maior parte uma questão de
formação. Se você só teve algumas experiencias discordantes, ou experiencias
dissonantes relativamente superficiais, você não precisa se autoaxaminar profundamente
em ordem de revisar suas falsas certezas. Por exemplo: você acabou por conhecer uma
pessoa ponderada, sensível e não exploradora que curte sadismo na cama. Você pensa
consigo mesma “Isto não mostra que minhas crenças sobre sadismo no geral estão
erradas, afinal pense no que Krafft-Ebing diz! Esta pessoa em particular é meramente
uma exceção à regra geral que sadistas sexuais são dementes.” Ou você pensa “Meu
desejo de construir uma amizade com esta pessoa é baseada na possibilidade de reforma-
la ( e não tem relação com nenhuma curiosidade de aprender mais sobre meus próprios
gostos sexuais)” tais reparos puramente cosméticos na estrutura da sua crença as vezes

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Forma usar o plural sem generalizar para o masculino visto que na língua inglesa consegue-se conceber
um plural neutro.
são o suficiente para manter seu senso de autoconsciência. A menos que você seja
confrontado com uma genuína crise pessoal ou escolha livremente cavar mais fundo e
perguntar a si mesmo questões mais compreensíveis e perturbadoras sobre a gênesis e a
justificativa de suas próprias convicções, seu nível atual de autoconsciência pode
permanecer relativamente ínfimo.

Geralmente as convicções que permanecem mais inexploradas e expostas a análise crítica


são aquelas as quais precisamos nos segurar em ordem de manter uma certa composição
de nós mesmos e de nossa relação com o mundo. Estas são aqueles que temos o
investimento pessoal mais profundo. Consequentemente estes são aqueles mais
resistentes a uma revisão; por exemplo, nós temos de acreditar que outras pessoas são
capazes de empatia e compreensão, de comportamento honrável e responsável, em ordem
de não nos sentirmos completamente alienados e paranoicos com as pessoas ao nosso
redor. Ou: algumas pessoas têm que acreditar que o mundo da catástrofe política e social
é completamente alheio e foge ao seu controle em ordem de justificar sua indiferença para
com ele.

Algumas dessas crenças podem ser verdade, algumas podem ser falsas. Isto é difícil de
averiguar porque só podemos confirmar ou refutar estes pontos de vista que estão sob
análise com referência em outros pontos de vista que em si requerem análise por si
próprios. De todo modo, o conjunto de teses falsas que uma pessoa tem um investimento
pessoal em manter é ao que vou me referir (seguindo Marx) como a ideologia de uma
pessoa.

Ideologia é perniciosa por várias razões. A razão óbvia é que faz as pessoas se
comportarem de maneira estupida, insensível, egoísta e frequentemente as custas de
outras pessoas ou grupos. Mas também é perniciosa por conta dos mecanismos que ela
usa para proteger a si mesma e sua consequente capacidade de autorregeneração em face
da mais óbvia evidência contraria. Alguns desses mecanismo são:
My Calling (Card) # 1 (for Dinners and Cocktail Parties) and My Calling Card #2, série de
performances, 1986-19902

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Traduções ao final do texto.
(1) O mecanismo da identidade falsa

Em ordem de preservar suas crenças ideológicas em face a ataques, você as identifica


como fatos objetivos e não como crenças. Por exemplo: você insiste que é um fato que
pessoas negras são menos inteligentes que pessoas brancas, ou que indivíduos de
sexualidades dissidentes da sua são doentios, violentos ou antissociais. Ao manter que
estes são fatos declarados ao invés de crenças declaradas compiladas das experiências
que você pessoalmente acabou por ter, você evita ter de examinar e talvez rever essas
crenças. Esta negação pode ser crucial para manter sua concepção de self longe de
ataques. Se você é branco e suspeita que você pode não ser tão inteligente assim, supor
que pelo menos existe toda uma raça de pessoas que são menos inteligentes que você
pode ser uma importante fonte de autoestima. Ou se você não é totalmente bem sucedido
em lidar com seus próprios impulsos sexuais que não estão de acordo com a norma
hegemônica, isolar e identificar a dissidência sexual como doença, violência ou
antissocial pode servir para a função muito importante de reforçar a percepção de si
mesmo enquanto “normal”.

A falácia do mecanismo da falsa identidade como defesa de uma ideologia pessoal


consiste na suposição que existem fatos sociais objetivos que não são construções de
concepções que pessoas tem umas sobre as outras.

(2) A Ilusão da perfeição

Aqui você defende sua ideologia ao convencer a si mesmo que o trabalho árduo da
autoanalise tem um fim e um produto final, em outras palavras um senso de verdade
central e um conjunto de crenças irrefutáveis sobre um assunto; e que você de fato chegou
ao final e consequentemente não precisa mais submeter suas crenças para maiores
investigações. Visto que não existe tal produto, todas as implicações que supostamente
vem desta tese são falsas. Exemplo: você é um veterano do movimento antiguerra e
desenvolveu um bem-sucedido e muito elogiado sistema de aconselhamento para a evitar
o alistamento, sob o qual todo seu senso de valor pessoal é construído. Quando fica claro
para você que tais serviços beneficiam em primeiro lugar a classe média —e que isto
consequentemente força um número muito maior de pobres, sem educação e negros para
servir e serem mortos em seu lugar. Você resiste em revisar seus conceitos por conta desta
informação embasado em seu trabalho e pensamento árduo sob a questão. Tendo
desenvolvido uma crítica sofisticada e, portanto, sem nenhuma razão para reconsiderar
suas opiniões ou esforços. Você assim trata, a experiencia a priori de ter refletido
profundamente sob um assunto como uma defesa contra a autorreflexão propriamente
dita, que talvez revele seu investimento pessoal na política de não-alistamento.

A ilusão da perfeição é na realmente o pecado da arrogância, pois ele supõe que


dogmatismo pode ser justificado por ter pago a sua dívida / ter feito a sua parte..
.
.
(3) O mecanismo da comunicação de via única

Você desvia dissensos, criticismos ou ataques em suas queridas ideias ao tratar todos dos
seus pronunciamentos como genuína transmissão de informação, ao tratar as falas de
outras pessoas como meros sintomas de algum defeito moral ou psicológico. Digamos
que você seja comprometida com feminismo, mas tem dificuldade para traçar um contato
genuíno com outras mulheres. Você ignora todos os argumentos advogando maior
atenção para lésbicas e suas questões especificas dentro do movimento feminista com
base de que eles são mantidos por odiadoras de homens frustradas que só querem seus
nomes nos holofotes. Ao reduzir questões referentes as relações entre mulheres a uma
patologia, ou um sintoma de um auto interesse excessivo, você evita de confrontar o
conflito entre suas convicções intelectuais e sua atual alienação a outras mulheres, e,
portanto, os motivos que poderiam explicar esse conflito. Se estes motivos deveriam
incluir coisas como sentimentos profundos de rivalidade com outras mulheres, ou um
desejo de atenção masculina, então evitar o reconhecimento desse conflito é crucial para
manter seu auto respeito.

O mecanismo da comunicação de via única é uma forma de elitismo que garante motivos
puros, saudáveis e politicamente altruístas apenas para um indivíduo (ou um grupo)
enquanto reduz todos que discordam para um status de moralmente defeituosos ou
egocêntricos e sub-humanos autocentrados em si em quais é inteiramente justificado
manipular ou ignorar mas para com quem a possibilidade de um diálogo racional não
deve ser levada a sério.
Existem vários outros mecanismos para defender a ideologia de uma pessoa. Estes são
apenas alguns exemplos para os representar. Juntos, eles todos vão adicionar ao que vou
chamar de ilusão de onisciência. A ilusão consiste em estar convencido da infalibilidade
das suas próprias suposições sobre todos os outros que você esquece que está percebendo
e experenciando outras pessoas de uma perspectiva que é de sua própria maneira tão
subjetiva e limitada quanto a dos outro. Portanto você confunde suas experiencias
individuais com realidade objetiva e esquece que você tem um self limitado e subjetivo
que está selecionando, processando e interpretando suas experiências de acordo com suas
próprias capacidades limitadas. Você supõe que suas percepções sobre alguém são
verdade sobre ele ou ela; que seu entendimento sobre alguém é compreensivo e completo.
Portanto sua concepção de real não é demarcada pela existência de outras pessoas. Ao
invés, você os apropria na sua produção de mundo como objetos psicologicamente e
metafisicamente transparentes da sua consciência. Você ignora sua independência
ontológica, sua opacidade psicológica e, portanto, a essência de sua personalidade. A
ilusão da onisciência resulta na falácia do solipsmo.

O resultado é a cegueira para as necessidades genuínas das outras pessoas, ligada a


convicção arrogante e perigosa de que você entende as necessidades delas melhor do que
elas mesmas; e uma consequente inabilidade de responder a estas necessidades de
maneira politicamente efetiva.

O antidoto, eu sugiro é o confronto do pecador com a evidencia do pecado: as


racionalizações, os mecanismos de defesa subconscientes, as estratégias para evitar, negar
, recusar e retirar que sinalizam de um lado a retirada do self para um enclave protegido
da ideologia; e do outro precisamente a prova de subjetividade e a margem de erro que a
ideologia é tão ansiosa por ignorar. Esta é a preocupação dos meus trabalhos recentes ao
longo dos últimos 3 anos.

O sucesso do antidoto aumenta com a especificidade do confronto. E como eu não te


conheço eu não posso ser tão específica quanto gostaria, eu posso apenas indicar assuntos
gerais que tem referências especificas em minha própria experiência. Mas se esta
discussão fez você autoconsciente em qualquer grau de suas concepções políticas ou
sobre suas estratégias para preservá-las ou mesmo verdadeiramente desconfortável ou
incomodado a ter de discuti-las ou levantou os mais leves reflexos de dúvida sobre a
veracidade das suas opiniões, então eu vou considerar este texto um rugido de sucesso.
Se não, então eu apenas terei de tentar novamente, pro meu próprio bem. Porque é claro,
eu não estou falando apenas sobre você, é sobre nós.

Calling Cards // Cartões de visita

Meu cartão de visita # 1 (para jantares e coquetéis)

Caro Amigo,

Não estou aqui para pegar ninguém ou ser pega por alguém. Estou aqui sozinha, por que eu quero estar
aqui, SOZINHA.
Este cartão não é parte de uma extensa técnica de flerte.

Obrigada por respeitar minha privacidade.

Meu cartão de visita #2

Caro amigo,

Eu sou negra
Eu tenho certeza que você não percebeu isto quando fez/ riu/ concordou com aquela
colocação racista. No passado, eu tentei alertar pessoas brancas da minha identidade
racial com antecedência. Infelizmente, isto invariavelmente os faz reagir a mim como
incomoda, manipuladora ou socialmente inapropriada. Portanto, minha postura é
assumir que pessoas brancas não fazem estas colocações, mesmo quando acreditam não
haver nenhuma pessoa negra presente, então eu distribuo estes cartões quando elas o
fazem.

Sinto muito por qualquer desconforto que minha presença esteja causando a você, assim
como sei que você sente muito pelo desconforto que o seu racismo esta me causando.

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