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19/09/2018 Morashá | HOMENS NA HISTÓRIA - FLÁVIO JOSEFO TRAIDOR OU TRAÍDO?

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FLÁVIO JOSEFO TRAIDOR OU TRAÍDO?


Flávio Josefo (Flavius Josephus), em hebraico: Iossef ben Matitiahu ha-Cohen, nasceu em 37 ou 38 E.C.,
falecendo por volta do ano 100 E.C. Foi político, soldado e historiador.
Edição 34 - Setembro de 2001

Nascido em Jerusalém, de família sacerdotal, foi criado na melhor tradição da Judéia e recebeu boa educação
geral. Segundo sua autobiografia, de onde procedem todas as informações a seu respeito, o pai ministrou-lhe
minuciosa iniciação nos textos tradicionais e legais da Torá; mais tarde, procurou por iniciativa própria
abeberar-se nos ensinamentos dos saduceus, fariseus e essênios, decidindo-se, a seu dizer, pelo farisaísmo.
Aos 26 anos foi enviado em missão menor a Roma onde logrou o favor da imperatriz Pompéia, fato que
posteriormente lhe seria de grande utilidade.

Chegou a ser um dos chefes do heróico e reduzido exército que tentou defender a região contra os invasores
romanos. Terminou seus dias em Roma, onde, de 70 até o fim do século, dedicou-se à história e à
apologética: história da catástrofe nacional que havia destruído o Segundo Templo e despovoado a Judéia, e
a história monumental de uma nação vencida mas altiva, que tem para si a antigüidade, portanto, a nobreza;
apologia dessa nação caluniada até em Roma pela ralé alexandrina, e apologia de si mesmo, suspeito tanto
aos olhos de seus correligionários, como aos olhos dos cortesãos romanos.

Flávio Josefo. Esse nome híbrido de que a tradição o dotou reflete todas as contradições do personagem, a
sina do homem e o destino póstumo do historiador. Josefo (Iossef) é o prenome bíblico que o pai lhe deu ao
nascer. Quando, mais tarde, o imperador Vespasiano fez dele um cidadão romano, o prenome tornou-se um
cognome associado ao nome de família do benfeitor que o libertou após tê-lo aprisionado.

Soldado, político e traidor...

Em 64, Josefo foi a Roma, em missão semi-oficial, para libertar sacerdotes judeus presos por Nero. Esta
viagem que Josefo fez a Roma desempenhou um papel importante na sua vida. Ele ficou fascinado pela
potência romana e convencido de que os romanos eram invencíveis. Ao regressar, tentou em vão dissuadir
seus compatriotas de empreender a guerra contra os romanos. Não obstante, quando irrompeu a revolta, ele

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aceitou organizar a resistência judaica na Galiléia. Em conseqüência, quando os judeus da Palestina se


revoltaram e reconquistaram temporariamente a independência em 66, foi considerado especialista em
questões políticas e mandado à Galiléia, como representante do governo revolucionário.

Ao irromper a grande revolta da Judéia, em 66, colocou-se ao lado dos insurretos e foi designado pelo
San’hedrin governador militar da Galiléia, assumindo o supremo comando militar. Desaveio-se violentamente
com os extremistas patrióticos, acusado de tendência à contemporização. Depois de participar de vários
combates, foi aprisionado com uns quarenta homens da sua tropa; e, talvez num acesso de terror, sacrificou-
os traiçoeiramente, com exceção de um só, para salvar a própria pele.

De Iossef a Josefo – a traição

Julho de 67 da nossa era. Há 14 meses desencadeia-se a guerra entre judeus e romanos. Depois de 47 dias
de cerco, as tropas de Vespasiano conseguem tomar e destruir Jotápata, uma praça forte na Galiléia. Josefo,
com 30 anos de idade, defensor da cidade e chefe dos revoltosos da Galiléia, refugia-se numa cisterna
profunda junto com 40 companheiros. O esconderijo é descoberto. Vespasiano convida Josefo a se render,
prometendo-lhe que sua vida será salva. Diante de seus companheiros, aceitar tal proposta seria uma traição:
todos prefeririam morrer a se entregar”. Josefo dissuadiu-os do suicídio e propôs estrangularem-se
reciprocamente segundo uma ordem determinada pela sorte. Restaram vivos somente ele e um companheiro,
como ele mesmo tenta explicar, constrangido, em Guerra III, 387-391: “Não sei se deveríamos dizer que por
efeito do acaso ou da Providência Divina”. Teria havido um truque ao tirar a sorte? Josefo se entrega a
Vespasiano e prediz que ele ostentaria em breve a púrpura imperial; quando isto se confirmou, foi liberto,
como recompensa por sua previsão. O ex-prisioneiro passou para o lado dos vencedores. Terminada a
guerra, tornou-se cidadão romano. De acordo com o costume local, adotou o nome de família de seu protetor,
Flávio, de onde resultou o cognome pelo qual ficou conhecido na história e na literatura: Flávio Josefo. A partir
daí, tornou-se caudilho romano; depois do esmagamento da revolta, foi contemplado com algumas
propriedades confiscadas na Judéia, mas viveu em Roma o resto da vida. Rico e considerado, de agora em
diante passaria dias felizes na capital imperial.

Ao que tudo indica, depois de ir com o imperador a Alexandria, retornou à guerra da Palestina, na esteira de
Tito, testemunhou o cerco e a queda de Jerusalém, acompanhando o vencedor até Roma. Fixou-se na capital
do Império, onde sob o patrocínio de Vespasiano, Tito e Domiciano, escreveu a maior parte de seus trabalhos,
dos quais restam quatro.

É difícil determinar com precisão o papel que teve nesses acontecimentos, pois a única fonte disponível são
seus próprios escritos, nos quais tentou, simultaneamente, demonstrar sua integridade como líder patriótico e
sua devoção à causa de Roma. Contudo, são essas as fontes mais autorizadas da história dos judeus, nos
primeiros séculos antes e depois do início da E. C., e da guerra de 66-70.

Remorso em sua obra

A maneira como salvou sua vida deixou, sem a menor dúvida, remorsos na alma de Josefo. Desta dor na
consciência nasceu uma obra literária. Aos olhos dos que o acusavam de traição, Josefo quis justificar sua
passagem para o campo romano e apresentar sua explicação sobre a guerra judaica. Os judeus destruíram-
se a si mesmos por causa de suas divisões sectárias. Deus os castigou e deu aos romanos uma força
irresistível. Este é o tema de “A guerra dos Judeus” cuja edição aramaica desapareceu. A versão grega,
ampliada, surgiu entre 76 e 79. Josefo relatou os acontecimentos de que foi testemunha; esclareceu-os,
porém, remontando ao passado até a revolta dos Macabeus, no século II antes da nossa era.

Não é por acaso que o seu primeiro livro é “A Guerra Judaica”. Além de relatar os acontecimentos em que se
viu envolvido e cuja decisão lhe parecia, acertadamente, fazer história na vida de seu povo, tratou-se, para
ele, de justificar sua própria atuação, que era alvo de violentas acusações de parte dos zelotas e outras
correntes judaicas. Assim, não são de admirar o tom polêmico, os exageros laudatórios e as deformações
subjetivas dessa obra que, de outro modo, constitui um documento vivo e compreensivo da luta, uma das
poucas fontes sobre as particularidades de seu desenvolvimento e da derradeira resistência de Jerusalém ao
gládio romano. Josefo a compôs originalmente em aramaico, sobretudo para os judeus da Babilônia;
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encorajado a traduzi-lo para o grego, ele próprio o fez com o auxílio de estilistas helênicos, e foi esta versão
que chegou até nós. A seguir viu-se instado a expandir o relato numa história do seu povo, desde o começo
até o seu tempo. Daí surgiram as Antigüidades Judaicas, em vinte livros. Obra muito desigual na matéria que
apresenta, suas narrativas fabulosas, contradições e erros mesclam-se com dados preciosos, que denotam
conhecimentos aprofundados da história e das tradições judaicas e que a arqueologia moderna vem
comprovando de maneira às vezes surpreendente. Ainda hoje ela é não só um repositório literário, um
clássico da historiografia antiga, como um dos principais anais do passado de Israel.

A opção política de Josefo não significou abandono de suas convicções religiosas judaicas. De fato, ele sofria
muito por causa da ignorância e do desprezo que o mundo greco-romano alimentava em relação aos judeus e
à Bíblia. Por isso, esforçou-se para tornar conhecidas entre os gregos tradições igualmente veneráveis e mais
antigas do que as deles nas suas Antigüidades Judaicas (ou História Antiga dos Judeus), que apareceram em
93 ou 94.

Justo de Tiberíades, antigo companheiro de luta e seu rival na Galiléia, contestou o papel de Josefo na
guerra; imediatamente, este se justificou, publicando sua Vida (Autobiografia), que ele acrescentou como um
apêndice a uma nova edição das Antigüidades, no fim do século I, a qual é, acima de tudo, uma autodefesa
política com algumas notícias sobre a vida do autor, no começo e no fim do livro.

Parte do tormento que lhe ia na alma transparece em textos como o discurso que Josefo põe nos lábios de
um dos chefes, seu companheiro, que se manteve leal até o fim. Vigorava no mundo greco-romano um
considerável anti-semitismo, particularmente entre os intelectuais pagãos que não entendiam a religiosidade
obstinada dos judeus.

Gregos de Alexandria, entre eles um certo Apion, questionavam as afirmações de Josefo nas Antigüidades
sobre o povo judeu, não atestadas nas fontes gregas. O testemunho da Bíblia não tem valor. O anti-semitismo
mascara a realidade dos costumes judaicos. Então Josefo retoma o trabalho, para demonstrar a antigüidade e
a tradição bíblica e para defender os valores do judaísmo, num livro que chegou até nós sob o título de Contra
Apion. Trata-se de uma de suas melhores realizações literárias. Escrita com grande veemência, é uma peça
de defesa apaixonada, mas autêntica. Não obstante o seu tom, contém na segunda parte um esforço
compreensivo das concepções de vida e dos costumes religiosos e legais dos judeus que, colocados sob a
égide da legislação revelada de Moisés e da polis teocrática, inspirada diretamente nos Mandamentos de
Deus, encontraram na sua Torá as noções que são também as dos mais sábios dentre os gregos, com a
vantagem de terem sido convertidas em prática preceitual e religiosa, argumenta Flávio Josefo.

O espírito apologético impregna todos esses trabalhos que se propunham também a sustentar a causa
judaica ante a freqüente hostilidade do mundo greco-romano. Neste sentido, porém, a sua obra mais
representativa é o tratado Contra Ápio ou da Antigüidade do Povo Judeu, onde procede à apologia do
mosaísmo diante das investidas do gramático alexandrino, que foi o expoente do anti-semitismo clássico.

O Historiador: sua obra e permanência

Se ele houvesse levado em conta exclusivamente os judeus, com grande possibilidade a obra de Josefo
jamais teria chegado até nós. Ele só é citado na literatura judaica a partir do século X. Em contrapartida, seus
escritos interessaram vivamente os cristãos, que, desde cedo, começam a citá-lo e a utilizá-lo: Orígenes,
Eusébio de Cesaréia, Jerônimo e muitos outros em seguida, que viram em Josefo o complemento das
Escrituras, particularmente do Novo Testamento. Como os Evangelhos ou os Atos, Josefo fala de Herodes e
de seus descendentes, dos procuradores da Judéia, Pôncio Pilatos, Félix. Ainda fala de João Batista, de
Jesus e de Tiago. Aliás, a preocupação de Josefo de mostrar a antigüidade da religião judaica vai ao encontro
das próprias preocupações da apologética cristã: Moisés, que os cristãos, tanto quanto os judeus, afirmavam
ser anterior aos filósofos gregos. Era a prova da veracidade da revelação bíblica e do cristianismo.

Muitos enfatizaram os limites da obra de Josefo, seu pouco rigor cronológico, seu exagero nos números
quando se referem a pessoas, sua vontade constante de se defender ou de se valorizar, seus preconceitos de
classe etc. Seu comportamento durante a guerra judaica, o proveito que ele tirou de sua ligação com os
vencedores não o tornam muito simpático. É preciso reconhecer, entretanto, que o apego de Josefo ao
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judaísmo valeu para conservar acontecimentos e ensinamentos que só ele transmite. “Sem Josefo, não
saberíamos quase nada a respeito do destino do povo judaico durante os dois últimos séculos de sua
existência nacional, nada do meio histórico em que nasceu o cristianismo” (Th. Reinach, em 1930). Sem
dúvida alguma, as descobertas de Qumram matizam hoje esta afirmação.

Essa imensa obra transmitida em língua grega, foi lida e relida incessantemente no Ocidente cristão, desde a
Renascença até o século XIX. Somente o século XX, esquecido das humanidades, afastou-se dela. Houve
um tempo em que, na França, na Holanda, na Inglaterra, cada família cristã possuía seu Flávio Josefo, assim
como possuía sua Bíblia, e a guarda de um in-fólio que continha a Guerra ou as Antigüidades tinha tanto
direito quanto um Evangelho a receber os nomes dos filhos recém-nascidos. A cristandade via nele menos o
“Tito Lívio grego”, como o chamava Jerônimo, do que o único historiador judeu que mencionou a existência de
Cristo, num trecho aliás muito curto e controverso. Ele era também um maravilhoso contador da história
santa, testemunha do que foi, segundo os cristãos, o seu episódio final: a punição do povo condenado às
lagrimas e à errância eternas. É a esse mal-entendido que a obra de Flávio Josefo deve sua sobrevivência.

Traído?

Talvez o fundamento principal da fama duradoura de Josefo como historiador seja o respeito excepcional em
que suas obras eram tidas pela Igreja, desde os tempos mais remotos. Este fato devia-se a que ele tinha sido
quase contemporâneo de Jesus e dos Apóstolos, na Judéia. Seus relatos (assim consideram muitos
modernos eruditos, tanto cristãos quanto judeus) foram textualmente alterados, nos primórdios da era cristã,
por ultrazelosos propagandistas da igreja, a fim de obter corroboração histórica para a missão de Jesus, como
o Cristo ou Messias, uma vez que não havia outro testemunho histórico contemporâneo e externo que o
comprovasse.

No século XVIII, Padre Hardouin, jesuíta francês, irritado com esse autor, popular demais para o seu gosto em
país protestante e ainda por cima traduzido para o francês por um jansenista, Robert Arnauld d’Andilly, impôs
a ortografia Josefo para distinguir o historiador antigo dos santos de mesmo nome. Esse foi, com certeza, o
único legado à posterioridade desse curioso jesuíta, para quem a Eneida não passava de uma alegoria cristã
imaginada por um beneditino do século XIII e que professava que Jesus e os apóstolos haviam pregado em
latim. Assim criou-se o hábito de reservar o nome Josefo ao historiador judeu, que os ingleses chamam, à
maneira latina, de Josephus.

Para o judaísmo, Josefo, embora nunca tenha renegado sua origem e sua fé, passou por filho perdido: por ter
sido suspeito de traição; por ter ido viver em Roma, no palácio do vencedor; por ter escrito e difundido sua
obra em grego; por ter sido recuperado pelo cristianismo desde os primórdios da Igreja, como um outro judeu,
o filósofo Fílon de Alexandria.

Confiscado pelos teólogos, Josefo foi também considerado perdido, em grande medida, para a história
romana, à qual, porém, ele dá uma preciosa contribuição. Para abordar a época de que é contemporâneo, os
historiadores de Roma sempre se serviram abundantemente dos autores latinos, sobretudo Tácito e Suetônio,
restringindo Josefo a um papel de cronista dos assuntos da Judéia. Estes estão tão estreitamente
relacionados com os assuntos de Roma, que dois generais vitoriosos da Judéia, Vespasiano e Tito, se
sucederam à frente do império. Sobre as circunstâncias da ascensão ao trono, do caráter, do círculo de
pessoas, do comportamento em campanha desses dois personagens, o testemunho de Josefo, que, ao
contrário dos outros autores, os acompanhou de perto dia a dia, é insubstituível. Mas, enquanto os autores
latinos, estudados de maneira incansável no Ocidente, forneciam aos escritores a matéria de inúmeras
tragédias, a obra de Josefo, que em praticamente cada página sua podia inspirar uma tragédia, foi deixada de
lado pelos dramaturgos.

Narrador de uma terrível tragédia, Josefo também evoca a sociedade judaica que existia antes desta, e,
embora o nascimento do cristianismo não o tenha atingido particularmente, ele nos faz penetrar em seu meio
de origem. Não há um autor moderno de uma história da Palestina no tempo de Jesus ou de uma história dos
judeus no império romano que não o tenha plagiado despudoradamente. Alguns não hesitaram em atacar sua
preciosa fonte para melhor realçar uma hipotética contribuição original.

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Caluniado ou pelo menos suspeito de parcialidade – que historiador não o é quando narra fatos vividos? –
Josefo tem direito ao lugar que reivindicava para si mesmo com justo orgulho: “O historiador digno de
louvores”, escreve em seu prefácio ao relato da guerra, “é aquele que registra fatos cuja história nunca foi
escrita e que faz a crônica de seu tempo para as gerações futuras”.

Conclusão: o Tribunal da História

Em sua vida póstuma milenar, Flávio Josefo assumiu os rostos mais diversos. Cristão sem saber, mago,
matemático, defensor da fé ou semeador de dúvida, foi assim que ele foi apresentado desde a Antigüidade
até os Tempos Modernos. Há um século, aproximadamente, os historiadores que o utilizam com gratidão
como fonte principal para o período que ele cobre em seus textos, sentem-se como que obrigados a fazer por
Josefo o que não lhes ocorreria fazer por nenhum outro historiador antigo: julgar o homem. A parcialidade
evidente do autor da Guerra os leva a isso. Não só o ardente F. de Saulcy, mas também o austero Emil
Schürer, emitem sua opinião indignada ou severa: “Ninguém se sente inclinado a justificá-lo”, escreve este
último. “A vaidade e a presunção são os principais componentes de seu caráter. Mesmo que ele não fosse o
traidor vil e desprezível que confessa mais tarde ser em sua Autobiografia, pelo menos transferiu para os
romanos sua obediência e para a família dos Flavianos sua fidelidade, com mais rapidez e tranqüilidade de
alma do que convinha a um israelita fingindo lamentar-se sobre a destruição de seu povo”. Théodore Reinach
escreve que Josefo não é “nem um grande espírito, nem um grande caráter, mas um composto singular de
patriotismo judaico, da cultura helênica e de vaidade”. Recentemente, Pierre Vidal-Naquet acentuou “a
vaidade, o feroz espírito de classe, o cinismo” de sua personalidade, e, confrontando as traições de Tibério
Júlio Alexander, do apóstolo Paulo e de Josefo, dava a palma do traidor a este último.

Paralelamente, nos círculos sionistas redescobria-se Josefo com um certo constrangimento. Ter-se-ia
preferido um herói para contar a história de Massada. Em vez disso, tratava-se de um adversário ferrenho dos
heróis cuja coragem se admirava. Em 1937, um grupo de estudantes de Direito reabriu o Dossiê de Flávio
Josefo e pronunciou a condenação do traidor. Em 1941, em plena guerra, um grupo de jovens resistentes, de
inspiração sionista, reagindo como patriotas franceses e judeus, decretou a condenação de Flávio Josefo por
colaboração. No Estado de Israel, não foi sem hesitação que deram seu nome a uma rua, o que é uma forma
de apreciar a dívida histórica contraída em relação a ele, o que quer que se pense de sua personalidade.

A história narrada por Josefo está presente no espírito de jornalistas e de escritores, que se referem a ela
sempre que as divisões políticas internas se tornam violentas demais, graças ao contra-senso que pode
facilmente ser feito sob o título habitual de sua obra, a Guerra dos Judeus, que preferimos chamar de a
Guerra da Judéia. Sem realmente reabilitar Josefo, a esquerda militante assimila de bom grado os zelotes,
partidários do Grande Israel.

A longa história póstuma de Flávio Josefo deve tornar-nos desconfiados em relação a todas as utilizações que
podem ser feitas de seu destino e de sua obra, mais particularmente da Guerra. Basta lembrar que Saulcy
não via nada mais semelhante a ela do que o terror sob a Revolução, que Reinach a via como uma imagem
antecipada do cerco de Paris e da Comuna, e que até a comparação com a Revolução Russa foi feita. Poder-
se-ia igualmente, nos dias de hoje, mencionar a situação libanesa. A verdade é que toda guerra civil, todo
confronto fratricida pode lembrar a obra de Josefo para aqueles que a leram.

Não é de causar espanto que foi um judeu alemão, Lion Feuchtwanger, convencido pela Primeira Guerra
Mundial do horror dos conflitos armados, da ascensão do nazismo e do horror do nacionalismo, que tenha
empreendido a reabilitação de Josefo. Em sua trilogia, Josefo torna-se um personagem atormentado por
todos os problemas de identidade e pelas aflições dos judeus da Diáspora, aspirando a ser um verdadeiro
cidadão do mundo. Segundo um crítico, seria Stefan Zweig que foi descrito através dele. Observemos apenas
que costuma-se referir a Zweig (autor em 1916 de um drama intitulado Jeremias) e a Flávio Josefo, como o
profeta Jeremias.

Esbocemos um retrato de Josefo: um rapaz brilhante, confiante em sua estrela; um intelectual eloqüente, que
não gosta de derramamento de sangue; um ambicioso que não quer morrer aos trinta anos; um espírito mais
político do que guerreiro; um racionalista que odeia a exaltação mística; um cortesão por senso de

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compromisso; e, com tudo isso, um judeu profundamente fiel.

Para ser um herói, era preciso que ele tivesse morrido em Jotapata, sem ter escrito nada, mas deste fato a
posteridade jamais teria tido consciência. Devemos lamentar que ele não tenha sido um herói?

© Jane Bichmacher de Glasman


Professora da UERJ e do ISTARJ

Em síntese, suas obras são as seguintes:

A Guerra dos Judeus, 7 tomos, escrita nos últimos anos do reinado de Vespasiano;
A Antigüidade dos Judeus, 20 tomos, a história dos judeus desde o começo até a deflagração da guerra
contra Roma, escrita em 93;
Autobiografia, defendendo-se das acusações de um historiador rival, Justo de Tiberíades, de que teria sido
responsável pela guerra judaica; o relato que aí faz da própria participação nos acontecimentos de 66-70
difere, em muitos aspectos, do relato consignado no primeiro desses trabalhos;
Contra Apion, 2 tomos, defendendo o povo judeu das acusações do sofista alexandrino Apion.

Bibliografia

A Sabedoria de Israel, v. I. org. Lewis Browne. R.J., Ed. Biblos, 1963.


Do Estudo e da Oração. Org. J. Guinsburg. S.P., Ed. Perspectiva, 1968.
Enciclopédia Judaica. RJ, Ed. Tradição, 1967.
Flávio Josefo: uma testemunha do tempo dos Apóstolos. Trad. I. F. Leal Ferreira. SP, Paulinas, 1986.
Hadas-Lebel, Mireille. Flávio Josefo: o judeu de Roma. RJ, Imago Ed., 1991.

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