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Carlos Biasotti

Código de Defesa do Consumidor


(Casos Especiais em Matéria Criminal)

2021
São Paulo, Brasil
O Autor

Carlos Biasotti foi advogado criminalista, presidente da


Acrimesp (Associação dos Advogados Criminalistas do Estado
de São Paulo) e membro efetivo de diversas entidades (OAB,
AASP, IASP, ADESG, UBE, IBCCrim, Sociedade Brasileira de
Criminologia, Associação Americana de Juristas, Academia
Brasileira de Direito Criminal, Academia Brasileira de Arte,
Cultura e História, etc.).

Premiado pelo Instituto dos Advogados de São Paulo, no


concurso O Melhor Arrazoado Forense, realizado em 1982, é autor
de Lições Práticas de Processo Penal, O Crime da Pedra, Tributo aos
Advogados Criminalistas, Advocacia Criminal (Teoria e Prática), além
de numerosos artigos jurídicos publicados em jornais e revistas.

Juiz do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo


(nomeado pelo critério do quinto constitucional, classe dos
advogados), desde 30.8.1996, foi promovido, por merecimento, em
14.4.2004, ao cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça.

Condecorações e títulos honorícos: Colar do Mérito


Judiciário (instituído e conferido pelo Poder Judiciário do Estado
de São Paulo); medalha cívica da Ordem dos Nobres Cavaleiros de
São Paulo; medalha cultural “ Brasil 500 anos”; medalha “ Prof. Dr.
Antonio Chaves”, etc.
Código de Defesa do Consumidor
(Casos Especiais em Matéria Criminal)
Carlos Biasotti

Código de Defesa do Consumidor


(Casos Especiais em Matéria Criminal)

2021
São Paulo, Brasil
Índice

I. Proêmio...................................................................................11

II. Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90):


Ementas (Doutrina e Jurisprudência)......................................13

III. Casos Especiais (Reprodução Integral do Voto).....................19

IV. Quando a Exageração na Propaganda é Crime.......................81


Proêmio

Comete crime contra as relações de consumo, por


violação do dever de cuidado objetivo, o comerciante
que, negligentemente, expõe à venda produto com
prazo de validade vencido (art. 7º, nº IX, e parág. único,
da Lei nº 8.137/90) e, portanto, impróprio ao uso e
consumo (art. 18, § 6º, nº I, da Lei nº 8.078/90: Código
de Defesa do Consumidor).
Não incorre nas penas do art. 66 do referido
Código (“afirmação falsa ou enganosa”) o agente que,
para vender produto, encarece-lhe as qualidades, sem
contudo mentir sobre sua natureza e características.
Espécie de “dolus bonus”, é estratagema a que de
ordinário recorrem os negociantes para gabo de suas
mercadorias, cujas excelências não raro exaltam até
aos cornos da Lua.
12

Essas matérias (e quejandas) compõem o livrinho


que ora sai à luz. São votos que proferi na 2a. Instância
da Justiça Criminal do Estado de São Paulo.
De boa mente lho ofereço, benévolo e gentil leitor;
aceitando-o, que lhe seja de algum proveito; com o que
assaz folgarei.

O Autor
Ementário Forense
(Votos que, em matéria criminal, proferiu o Desembargador
Carlos Biasotti, do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo. Veja a íntegra dos votos no Portal do Tribunal de
Justiça: http://www.tjsp.jus.br).

• Código de Defesa do Consumidor


(Lei nº 8.078/90)

Voto nº 687

Apelação Criminal nº 1.071.103/0


Art. 7º, nº IX, da Lei nº 8.137/90;
art. 18, § 6º, nº I, da Lei nº 8.078/90
(Código de Defesa do Consumidor)

— A infração do art. 7º, nº IX, da Lei nº 8.137/90, combinado com o


art. 18, § 6º, nº I, da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor),
é formal e de mero perigo presumido. Para configurar-se, não há
mister mais que a comprovação de que o agente vendia, tinha em
depósito para vender ou expunha à venda ou, de qualquer forma,
entregava matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias
ao consumo (art. 7º, nº IX, da Lei nº 8.137/90), contando-se nesse
número os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos (art.
18, § 6º, nº I, da Lei nº 8.078/90).
— Pois se cuida de crime de perigo abstrato, de todo o ponto
irrelevante é tenha a análise laboratorial concluído que os produtos,
cujos prazos de validade estavam vencidos, ainda eram próprios para
o consumo.
14
Voto nº 734

Apelação Criminal nº 1.081.909/5


Art. 7º, nº IX, da Lei nº 8.137//90;
art. 18, § 6º, nº I, da Lei nº 8.078/90
(Código de Defesa do Consumidor)

— A infração do art. 7º, nº IX, da Lei nº 8.137/90, combinado com o


art. 18, § 6º, nº I, da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor),
é formal e de mero perigo presumido. Para configurar-se, basta a
comprovação de que o agente vendia, tinha em depósito para vender
ou expunha à venda ou, de qualquer forma, entregava matéria-prima
ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo (art. 7º, nº IX,
da Lei nº 8.137/90).

Voto nº 792

Embargos de Declaração nº 1.071.103/0 1


Art. 18, § 6º, nº I, da Lei nº 8.078/90
(Código de Defesa do Consumidor)

— Rejeitam-se os embargos declaratórios se o acórdão não padece


de vício algum dos que lhes autorizam a oposição, a saber:
ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão (art. 619 do Cód.
Proc. Penal).
15
Voto nº 935

Apelação Criminal nº 1.099.997/8


Art. 7º, nº IX, e parág. único, da Lei nº 8.137/90
(Código de Defesa do Consumidor)

— Não constitui vulneração do princípio da congruência, ou da


correlação entre a denúncia e a sentença (“Sententia debet esse
conformis libello”), isto de o Juiz dar ao fato concreto nova definição
jurídica, se a circunstância elementar já se continha explicitamente
na peça acusatória.
—“O juiz, na sentença, pode corrigir o erro (emendatio libelli). É orientação
do STF (RTJ 79/95)” (apud Damásio E. de Jesus, Código de Processo
Penal Anotado, 13a. ed., p. 250).
— A infração do art. 7º, nº IX, da Lei nº 8.137/90, é formal e de mero
perigo presumido. Para configurar-se, não é preciso mais que a
comprovação de que o agente vendia, tinha em depósito para vender
ou expunha à venda ou, de qualquer forma, entregava matéria-prima
ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo (art. 7º, nº IX,
da Lei nº 8.137/90), contando-se nesse número os produtos cujos
prazos de validade estejam vencidos (art. 18, § 6º, nº I, da Lei nº
8.078/90).
16
Voto nº 1228

Apelação Criminal nº 1.105.495/5


Art. 7º, nº IX, da Lei nº 8.137/90;
art. 18, § 6º, nº I, da Lei nº 8.078/90
(Código de Defesa do Consumidor)

— Comete crime contra as relações de consumo, por violação do dever


de cuidado objetivo, o comerciante que, negligentemente, expõe à
venda produto com prazo de validade vencido (art. 7º, nº IX, e parág.
único, da Lei nº 8.137/90) e, portanto, impróprio ao uso e consumo
(art. 18, § 6º, nº I, da Lei nº 8.078/90: Código de Defesa do Consumidor).
— A infração do art. 7º, nº IX, da Lei nº 8.137/90, combinado com
o art. 18, § 6º, nº I, da Lei nº 8.078/.90 (Código de Defesa do
Consumidor), é formal e de mero perigo presumido. Para que se
configure, basta a comprovação de que o agente vendia, tinha em
depósito para vender ou expunha à venda ou, de qualquer forma,
entregava matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao
consumo (art. 7º, nº IX, da Lei nº 8.137/90), sendo desse número os
produtos cujos prazos de validade estejam vencidos (art. 18, § 6º, nº I, da
Lei nº 8.078/90).

Voto nº 2068

Apelação Criminal nº 1.180.537/7


Art. 66 da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor)

— Não comete o crime do art. 66 do Código do Consumidor (afirmação


falsa ou enganosa) o agente que, para vender produto, encarece-lhe as
qualidades, sem contudo mentir sobre sua natureza e características.
Trata-se de “dolus bonus”, estratagema a que recorre a generalidade
dos negociantes para gabo de suas mercadorias, cujas excelências
não raro exaltam até aos cornos da Lua.
17
Voto nº 2165

Apelação Criminal nº 1.203.411/3


Art. 7º, nº IX, da Lei nº 8.137/90;
art. 18, § 6º, nº I, da Lei nº 8.078/90
(Código de Defesa do Consumidor);
art. 89 da Lei nº 9.099/95

— Nos casos em que a lei comina penas alternativas – v.g.: art. 7º da


Lei nº 8.137/90 (detenção ou multa) – tem lugar, indisputavelmente,
a suspensão condicional do processo, pois ainda que a sentença
condenatória haja optado pela pena detentiva, é a pecuniária
(porque a mínima) a que serve de craveira punitiva para os efeitos
do art. 89 da Lei nº 9.099/95.
— É doutrina que professam os mais dos autores que a suspensão
condicional do processo constitui direito penal público subjetivo de
liberdade, quando presentes os requisitos legais (art. 89 da Lei nº
9.099/95).
—“Preenchidas as condições legais, a suspensão provisória do processo é um
direito do acusado, não configurando sua proposição uma faculdade do
Ministério Público” (Damásio E. de Jesus, Lei dos Juizados Especiais
Criminais Anotada, 4a. ed., p. 108).
— O Magistrado, na sala de audiências e despachos, não é um conviva
de pedra; não deve ficar de braços cruzados sobre os largos peitos;
ao invés, órgão da jurisdição, ele é quem preside e encaminha o
processo; ele, o que diz o direito.
—“O Juiz não pode recusar-se a praticar os atos de seu ministério; não
pode delegar a sua jurisdição, devendo exercê-la pessoalmente, por força
e atribuição de sua investidura” (Vicente de Azevedo, Curso de Direito
Judiciário Penal, 1958, vol. I, p. 150).
— Ao Ministério Público, no caso que discorde da decisão do
Magistrado, assegura a lei o acesso à via recursal, que porá cobro
a eventual erro ou ilegalidade.
18
Voto nº 2291
Apelação Criminal nº 1.206.637/1
Art. 171, “caput”, do Cód. Penal;
art. 67 da Lei nº 8.078/90
(Código de Defesa do Consumidor): propaganda enganosa

— Pratica estelionato (art. 171, “caput”, do Cód. Penal) o sujeito que


vende linhas telefônicas e recebe do comprador de boa fé o preço
total da transação, mas não lhas transfere sob o argumento de não
haver disponíveis. É manifesto o dolo (“animus laedendi”) de quem
assim procede, pois dá à venda o que não tem.
— Incorre nas penas do art. 67 da Lei nº 8.078/90 (Cód. do Consumidor),
por delito de propaganda enganosa, aquele que, no intento de
vender produtos e prestar serviços, apregoa-lhes, para conciliar
clientela, atributos que não possuem ou não respondem à verdade.

Voto nº 3853

“Habeas Corpus” nº 411.208/8


Art. 66, “caput”, da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor)

— Sob pena de constituir violência contra o “status dignitatis” do


indivíduo, a instauração de persecução penal unicamente se admite
em face de prova cabal da existência do crime e de indícios
veementes de sua autoria.
Não se trata de fraqueza da Justiça punitiva, mas um de seus brasões
de glória, isto de obrarem seus agentes com muita cautela: cumpre-
-lhes, com efeito, atender a que não se percam aqueles que,
por equívoco, insídia ou malícia, foram submetidos a formal
indiciamento, ato procedimental cujos estigmas persistem “ad
aeternum” nos registros dos órgãos da Polícia e da Justiça Criminal.
Casos Especiais
(Reprodução Integral do Voto)
PODER JUDICIÁRIO

1
T RIBUNAL DE A LÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA C ÂMARA

Apelação Criminal nº 1.081.909/5


Comarca: São Paulo
Apelantes: LSG e ABC
Apelado: Ministério Público

Voto nº 734
Relator

— A infração do art. 7º, nº IX, da Lei nº


8.137/90, combinado com o art. 18, § 6º,
nº I, da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa
do Consumidor), é formal e de mero perigo
presumido. Para configurar-se, basta a
comprovação de que o agente vendia,
tinha em depósito para vender ou expunha
à venda ou, de qualquer forma, entregava
matéria-prima ou mercadoria, em condições
impróprias ao consumo (art. 7º, nº IX, da
Lei nº 8.137/90).
22

1. Condenados à pena de 2 anos de reclusão e 10


dias-multa, por infração do art. 7º, nº IX, da Lei nº
8.137/90 (crime contra as relações de consumo), apelam para
este Egrégio Tribunal LS e ABC, comerciantes de
profissão, com o fito de reformar a r. sentença proferida
pelo MM. Juízo de Direito da 3a. Vara Criminal da
Comarca da Capital.

Alegam, por seu dedicado patrono, que não


procederam dolosamente, pelo que mereciam absolvidos;
a dar-se o caso, porém, que esta colenda Câmara
mantenha o decreto condenatório, será de rigor se lhes
substitua a pena de detenção pela de multa (fls.
149/160).

Apresentou contrarrazões de apelação o órgão do


Ministério Público: refutou os argumentos dos réus e
pugnou pela confirmação da r. decisão recorrida (fls.
164/166).

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em


agudo e escorreito parecer do Dr. José Roberto Dealis
Tucunduva, opina pelo provimento dos recursos para o
fim de substituir-se a reclusão por detenção e excluir a
multa, “não prevista na norma” (fls. 173/175).

É o relatório.
23

2. O Ministério Público denunciou os apelantes à


Justiça Criminal por crime contra as relações de
consumo.

Foi o caso que, no dia 22 de janeiro de 1996, cerca


de 10h30, na Rua Guaiapá (Vila Leopoldina), nesta
Capital, obrando em concurso e com unidade de
propósitos, expuseram à venda, nas dependências do
estabelecimento comercial denominado (…), alimentos
impróprios para o consumo.

Com efeito, naquela data, Paulo César Marques da


Silveira entrou no referido estabelecimento e pediu um
sanduíche – pão com recheio de mortadela – que se
achava exposto na vitrina.

Já regalava as entranhas (pois comera metade do


pão), quando caiu na conta que o produto que levava à
boca estava deteriorado: percebeu que, dentro do pão,
larvas se agitavam freneticamente.

Deu o toque de rebate e pediu lhe viesse à presença


o proprietário da panificadora; este, porém, não fez caso
nem cabedal do incômodo achado.

O desafortunado Paulo César, então, deliberou


consigo dar parte do fato à Polícia (fls. 9/11).
24

Nas declarações que prestara em Juízo, disse


que o soldado que atendeu à ocorrência, conquanto
acostumado a incidentes de toda a laia, “assustou-se com
as larvas que saíam do sanduíche” (fl. 112).

A testemunha policial, ao depor na instrução do


processo, afirmou ter visto o pão e nele as larvas (fl. 98),
que o Instituto Adolfo Lutz identificou como “de insetos
da ordem díptera vivas e mortas” (fl. 11).

A essa ordem, esclarecem os compêndios de


Entomologia, pertencem os “insetos que possuem só duas
asas e de aparelho bucal libador ou pungitivo, à qual
pertencem as moscas e mosquitos” (Pequeno Dicionário
Brasileiro da Língua Portuguesa, 11a. ed.; v. díptero).

A condenação dos apelantes, responsáveis pelo


estabelecimento comercial, era pois medida impostergável.

3. A absolvição que ora pretendem, pelo argumento


de que não ficara demonstrado o elemento subjetivo do
tipo, não se mostra, “data venia”, atendível.

Primeiro que o mais, como advertiu a douta


Promotoria de Justiça (fl. 165), cumpre notar que o art.
7º, nº IX, da Lei nº 8.137/90, ao revés do que inculca a
diligente Defesa, admite às expressas a forma culposa,
caso em que haverá redução da pena (cf. parág. único).
25

No particular, todavia, os réus não procederam


com culpa “stricto sensu” apenas, senão com dolo (ainda
que indireto), uma vez expuseram à venda alimento de
sua fabricação, notoriamente inadequado ao consumo
humano.

O crime configurou-se com a mera transgressão da


norma legal incriminadora.

Vem aqui a ponto o magistério da Jurisprudência:

“O delito do art. 7º, nº IX, da Lei nº 8.137/90 é formal


e de mero perigo presumido, sem a necessidade de
constatação da existência de perigo concreto, bastando
à sua configuração a comprovação de vender, ter
em depósito para vender ou expor à venda, ou,
de qualquer forma, entregar a matéria-prima ou
mercadoria, em condições impróprias de consumo, sendo
irrelevante o local de exibição dos produtos apreendidos”
(RJTACrimSP, vol. 30, p. 104; rel. Oldemar
Azevedo).

Como se trata de delito apenado com detenção,


emendo neste pouco o erro material da r. sentença (que
impôs aos réus a pena de 2 anos de reclusão), para que se
entendam condenados a 2 anos de detenção; pena esta
que não se mostra razoável substituir por multa, como
impetra o douto defensor dos apelantes, pois era
insuficiente para a repressão e prevenção do crime.
26

Demais, porque a pena privativa de liberdade


cominada à figura jurídica do art. 7º da Lei nº 8.137/90
é alternativa (não cumulativa), fica a multa excluída,
conforme o alvitre da egrégia Procuradoria-Geral de
Justiça.

4. Destarte, dou provimento parcial aos recursos para,


substituída a reclusão por detenção, excluir a pena de
multa, mantida no mais a r. sentença de Primeira
Instância.

São Paulo, 4 de janeiro de 1997


Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

2
T RIBUNAL DE A LÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA C ÂMARA

Apelação Criminal nº 1.071.103/0


Comarca: São Paulo
Apelante: MIHR
Apelado: Ministério Público

Voto nº 687
Relator

— A infração do art. 7º, nº IX, da Lei nº


8.137/90, combinado com o art. 18, § 6º, nº I,
da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do
Consumidor), é formal e de mero perigo
presumido. Para configurar-se, não há
mister mais que a comprovação de que
o agente vendia, tinha em depósito
para vender ou expunha à venda ou, de
qualquer forma, entregava matéria-prima
ou mercadoria, em condições impróprias
ao consumo (art. 7º, nº IX, da Lei nº
8.137/90), contando-se nesse número os
“produtos cujos prazos de validade estejam
vencidos” (art. 18, § 6º, nº I, da Lei nº
8.078/90).
28

— Pois se cuida de crime de perigo abstrato,


de todo o ponto irrelevante é tenha a
análise laboratorial concluído que os
produtos, cujos prazos de validade estavam
vencidos, ainda eram próprios para o
consumo.

1. Da r. sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito


da Comarca da Capital (2a. Vara Criminal do Foro
Regional do Jabaquara), que a condenou a pagar 10
dias-multa por infração do art. 7º, nº IX, da Lei nº
8.137/90, combinado com o art. 18, § 6º, ns. I e II, da
Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), apela
MIHR para este Egrégio Tribunal, levando a mira em
reformá-la.

Alega, em suma, que não se caracterizara o delito pelo


qual a condenou a Justiça, uma vez que incomprovado
fossem impróprios para consumo os produtos apreendidos
em seu estabelecimento comercial.

Ao demais, os que o Departamento de Polícia do


Consumidor (DECON) arrolou entre os produtos que se
achavam com prazo de validade vencido, sustenta a
apelante que não eram senão matérias-primas já postas
de parte e à espera de que as empresas fornecedoras os
recolhessem; não havia confundir “ter em depósito para
consumo” com “ter em depósito para descarte” (fl. 230).
29

Pelo que, à falta de tipicidade de sua conduta,


aguarda absolvição (fls. 212/236).

Apresentou a digna Promotoria de Justiça


contrarrazões de recurso, nas quais houve por
improcedente a pretensão da apelante e pugnou pela
mantença do edito condenatório (fls. 239/242).

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em


fundamentado parecer do Dr. Renato N. Fabbrini,
opina pelo improvimento do recurso (fls. 239/242).

É o relatório.

2. É dos autos que agentes policiais do DECON


receberam a notícia anônima de que pessoa adquirira
produto de confeitaria no estabelecimento comercial
denominado (…), situado na Avenida Ipiranga (Centro)
e, após comê-lo, sentiu-se mal.

Foram ao dito estabelecimento, cujo proprietário


lhes informou que os produtos que vendia eram
fabricados e comercializados pela empresa (…), com
sede nesta Capital na Rua das Uvaias (Saúde).
30

Tomaram então os agentes policiais para o Bairro


da Saúde, no dia 17 de setembro de 1996, cerca de
13h30, onde, conforme reza a denúncia, deram com
diversos produtos e gêneros alimentícios fabricados por
(…), com o prazo de validade vencido, a maioria sem
data de fabricação, alguns e outros sem indicação de
procedência, apreendidos e submetidos a exame
químico-legal.

O douto Juízo de Direito, como houvesse por


suficientemente comprovada a imputação, expediu
decreto condenatório (fls. 195/197), contra o qual ora
se insurge a apelante, por seus insignes patronos.

3. Primeiro que o mais, seja-me lícito significar o


júbilo que inunda a alma do juiz, quando deita os olhos
a uma petição forense que, peça de fino lavor, ao
mesmo passo que argui as excelências dos profissionais
que a subscreveram, é poderosa a exaltar o prestígio da
classe a que pertencem.

Nesses tempos tão mofinos, em que o espírito


parece haver perdido o primado sobre a matéria, os
que acalentam altos sonhos não ficam indiferentes
ao verificar que advogados existem (e tomara os
haja sempre!) que, desempenhando com pertinácia,
dedicação, elegância, talento e ética seu nobre múnus
31

público, têm jus àquele soberbo elogio de Laudo de


Camargo, conspícuo e saudoso Ministro do Supremo
Tribunal Federal:

“O nome de certos advogados debaixo de uma petição é


meia prova feita do que está pedindo” (apud Eliézer
Rosa, A Voz da Toga, 2a. ed., p. 24).

Os dignos profissionais que firmaram a petição de


recurso – Drs. José Roberto Batochio e Guilherme
Octavio Batochio – estão nesse número! Ainda quando
não fosse reconhecida e proclamada a justiça da causa
que advogam, recomendar-se-iam pela grandeza com
que souberam pleitear à face de Têmis incorruptível.
E isto lhes servirá de valioso timbre de glória!

4. Atestou o laudo pericial que os produtos


alimentícios enumerados de 1 a 10 e 14 “apresentavam
suas datas de validade vencidas” (fl. 58).

Tal comprovação implica já o reconhecimento da


ocorrência do tipo delituoso descrito na denúncia.

Dispõe, em verdade, a Lei nº 8.137/90 (art. 7º, nº


IX), que constitui crime contra as relações de consumo
“vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de
qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em
condições impróprias ao consumo”.
32

Quais sejam os produtos impróprios ao consumo,


bem claro o discrimina o art. 18, § 6º, do Código do
Consumidor. Seu inciso I trata precisamente da hipótese
dos autos: “os produtos cujos prazos de validade estejam
vencidos”.

Ao revés do que afirmam os combativos e doutos


defensores da apelante, não há mister apurar eventual
deterioração do produto, para se caracterize a figura
penal: delito de perigo comum, aperfeiçoa-se com a
só violação da norma incriminadora.

A lição de Manzini é, ao propósito, constantemente


invocada:

“Trata-se de um delito de mero perigo, e de perigo


remoto e presumido, já que não se exige que o perigo
para a saúde pública tenha ocorrido e nem que seja
demonstrado o perigo para a saúde pública dos remédios
estragados ou imperfeitos, sendo tal perigo inerente à
qualidade das coisas, e presumido, portanto, de modo
absoluto pela lei” (apud E. Magalhães Noronha,
Direito Penal, 3a. ed., vol. IV, p. 54).

Tem sido esta, igualmente, a jurisprudência de


nossos Tribunais:
33

“A conduta do comerciante que expõe à venda produto


com o prazo de validade vencido é suficiente para a
caracterização do crime previsto no art. 7º, nº IX, da
Lei nº 8.137/90, combinado com o art. 18, § 6º, nº I,
da Lei nº 8.078/90, sendo irrelevante que após a
apreensão da mercadoria se constate, através de análise
laboratorial, que a mesma ainda era própria para
o consumo, visto que o delito em apreço é de perigo
abstrato, aperfeiçoando-se com a mera transgressão
da norma incriminadora, independentemente de
comprovação da impropriedade material ou real
do produto” (RJTACrimSP, vol. 30, p. 110; rel.
Roberto Mortari).

Ainda:

“O delito do art. 7º, nº IX, da Lei nº 8.137/90 é formal


e de mero perigo presumido, sem a necessidade de
constatação da existência de perigo concreto, bastando
à sua configuração a comprovação de vender, ter
em depósito para vender ou expor à venda, ou,
de qualquer forma, entregar a matéria-prima ou
mercadoria, em condições impróprias de consumo, sendo
irrelevante o local de exibição dos produtos apreendidos”
(Ibidem, p. 104; rel. Oldemar Azevedo).
34

5. A r. sentença recorrida, ao consignar que “a simples


visualização da irregularidade, no que se refere à validade,
basta para caracterizar a infração penal, independentemente
da constatação de nocividade do produto” (fl. 197), dirimiu a
controvérsia à luz da exegese que melhor responde ao
teor literal e ao espírito da lei.

O engenhoso argumento da apelante, de que os


produtos cujo prazo de validade estava já vencido não
seriam utilizados, mas “estavam à espera do descarte
oferecido por empresas do setor alimentício” (fl. 230), não se
mostra poderoso a contrastar a prova dos autos.

Com efeito, como advertiu o parecer da douta


Procuradoria-Geral de Justiça, “armazenava a apelante
produtos cuja validade expirara há diversos meses” (fl. 248),
estando nesse caso “três pacotes de creme confeiteiro Mestre
Grandina, cujo prazo vencera em 29 de novembro de 1995,
portanto dez meses antes de sua apreensão (fl. 56)” (Ibidem).

Ora, excede as posses da razão isto de manter


alguém, em seus depósitos, para descarte (ou
substituição pelos fornecedores), por dilatadíssimo
tempo, tão copioso lote de produtos impróprios para o
consumo.
35

Donde a forçosa conclusão de que, embora com


prazo de validade vencido, seriam tais produtos
comercializados ou utilizados para confeiçoar doces
e bolos.

Guarda-se, pois, a r. sentença apelada dos


formidáveis golpes dialéticos desferidos pelos estrênuos
e competentes advogados da ré.

Merece mantida em sua inteireza.

6. Em face do que levo exposto, nego provimento ao


recurso.

São Paulo, 12 de dezembro de 1997


Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

3
T RIBUNAL DE A LÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA C ÂMARA

Embargos de Declaração nº 1.071.103/0 1


Comarca: São Paulo
Embargante: MIHR
Embargada: 15a. Câmara Criminal

Voto nº 792
Relator

— Rejeitam-se os embargos declaratórios se


o acórdão não padece de vício algum dos
que lhes autorizam a oposição, a saber:
ambiguidade, obscuridade, contradição ou
omissão (art. 619 do Cód. Proc. Penal).
37

1. Por seus mui doutos e competentes advogados,


MIHR opõe Embargos de Declaração ao venerando
acórdão proferido por esta colenda Câmara, que lhe
improveu recurso interposto da r. sentença do MM.
Juízo de Direito da 2a. Vara Criminal do Foro Regional
do Jabaquara, que a condenara ao pagamento de 10
dias-multa por violação do art. 7º, nº IX, da Lei nº
8.137/90, combinado com o art. 18, § 6º, ns. I e II, da Lei
nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor).

Aduz que o acórdão recorrido não ferira de frente


“questão fundamental versada nos autos” (fl. 266), pois
que, ao refutar a tese da Defesa, fizera-o com base
no argumento de que o lapso de tempo (decorrido entre
a data de validade da mercadoria apreendida e a da
autuação) depunha contra os protestos de inocência da
embargada, uma vez ensejava, por força, “a conclusão de
que, embora com prazo de validade vencido, seriam tais
produtos comercializados ou utilizados para confeiçoar doces e
bolos”, como exarou a decisão colegiada (fl. 266).

Afirma, ainda, que a conclusão do acórdão


arrostou a unanimidade dos testemunhos, os quais
persuadiam estavam os malsinados produtos ali alojados
por se destinarem “à troca, e não à sua comercialização”
(fl. 266).
38

Em suma, pretende, mediante embargos, seja


declarado “se foi atribuída alguma valoração à matéria aqui
suscitada” (fl. 269), “para fins de virtual reexame da causa
em superior grau de jurisdição” (fl. 270).

É o relatório.

2. Entrou em dúvida a embargante acerca do seguinte


ponto: se, para sua fundamentação, o acórdão tomara
em linha de conta o fato de que alguns produtos “com
prazo de validade expirado estavam em recinto isolado para
serem descartados” (fl. 266).

É fora de controvérsia que a ele se arrimou o


acórdão como a elemento circunstancial de valor
extraordinário. Afirmou-o às expressas:

[O engenhoso argumento da apelante, de que os produtos cujo


prazo de validade estava já vencido não seriam utilizados, mas
“estavam à espera do descarte oferecido por empresas do setor
alimentício” (fl. 230), não se mostra poderosa a contrastar a prova
dos autos.

Com efeito, como advertiu o parecer da egrégia Procuradoria-


-Geral de Justiça, “armazenava a apelante produtos cuja validade
expirara há diversos meses” (fl. 248), estando nesse caso “três pacotes
de creme confeiteiro Mestre Grandina, cujo prazo vencera em 29
de novembro de 1995, portanto dez meses antes de sua apreensão
(fl. 56)” (Ibidem).
39

Ora, excede as posses da razão isto de manter alguém, em seus


depósitos, para descarte (ou substituição pelos fornecedores), por
dilatadíssimo tempo, tão copioso lote de produtos impróprios para o
consumo.

Donde a forçosa conclusão de que, embora com prazo de


validade vencido, seriam tais produtos comercializados ou utilizados
para confeiçoar doces e bolos.]

3. Essa prova indiciária houvera de fazer


naturalmente forte impressão no ânimo da Turma
Julgadora, pois nela se estribara a acusação, “ipsis verbis”:

“(…) onde constataram, de início, cerca de 100 quilos de


produtos com prazo de validade vencido, e alguns sem
procedência, bem como referida empresa comercializava
tais produtos sem autorização e registro do Ministério
da Saúde, sendo todos apreendidos e periciados” (fl. 3).

Demais, o laudo pericial consignara que 3 pacotes


de creme de confeiteiro apresentavam data de fabricação
de 29.6.95; seu prazo de validade: 5 meses, i.e., até
29.11.95.

Ora, deu-se a apreensão do mencionado produto


aos 17 dias do mês de setembro de 1996, 10 meses
portanto após o vencimento de seu prazo de validade, o
que os tornara impróprios para consumo, conforme a
40

cláusula do inc. I do § 6º do art. 18 da Lei nº 8.078, de


11.9.90 (Código de Defesa do Consumidor).

Cumpre notar que a embargante contestara, em


verdade, a asserção de que os referidos produtos seriam
comercializados ou utilizados no preparo de bolos e
confeitos, informando que os havia “em depósito para
descarte” (fl. 269). Defesa é essa, no entanto, que o
espírito discreto e o siso comum francamente repelem.

Com que então aguardava o estabelecimento


comercial pelo prazo de 10 meses o descarte? Não fora
crível! Admiti-lo seria contundir a razão!

Fundamento da r. sentença apelada, tomou-o


também para si o acórdão: a existência, no interior do
estabelecimento comercial, de produtos com prazo
de validade vencido, argui a culpa (“lato sensu”) da
embargante, nos moldes do art. 7º, nº II, da Lei nº 8.137,
de 27.12.80.

Ainda: tendo o acórdão, quanto à r. decisão de


Primeira Instância, exarado textualmente – “merece
mantida em sua inteireza” (fl. 261) –, subscreveu-a, por
todos os seus fundamentos, e em relação a todas as
imputações, sem excetuar aquela de que a “referida
empresa comercializava tais produtos sem autorização e
registro do Ministério da Saúde” (fl. 3), incidindo, pois,
na sanção do art. 18, § 6º, nº II, do Código de Defesa do
41

Consumidor (são impróprios ao uso e consumo: os


produtos “em desacordo com as normas regulamentares de
fabricação, distribuição ou apresentação”.

4. Em obséquio à dedicação profissional e ao talento


dos nobres patronos judiciais da embargante, procedi
a rigoroso exame crítico do acórdão recorrido. Nada
me sugeriu, porém, devesse emendar-lhe a redação;
nenhuma hipótese, com efeito, nele achei das que
autorizam a oposição de embargos declaratórios:
ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão (art.
619 do Cód. Proc. Penal).

Ora:

“Se na decisão inexiste ponto obscuro, omisso ou


contraditório, cuja declaração se imponha, são de rejeitar
os embargos de declaração interpostos com essa finalidade”
(Rev. Forense, vol. 190, p. 241).

5. Pelo exposto, conheço dos embargos de declaração, mas


rejeito-os.

São Paulo, 13 de fevereiro de 1998


Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

4
T RIBUNAL DE A LÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA C ÂMARA

Apelação Criminal nº 1.099.997/8


Comarca: São Paulo
Apelante: XJ
Apelado: Ministério Público

Voto nº 935
Relator

— Não constitui vulneração do princípio


da congruência, ou da correlação entre
a denúncia e a sentença (“Sententia debet
esse conformis libello”), isto de o Juiz
dar ao fato concreto nova definição
jurídica, se a circunstância elementar
já se continha explicitamente na peça
acusatória.

—“O juiz, na sentença, pode corrigir o erro


(emendatio libelli). É orientação do STF
(RTJ 79/95)” (apud Damásio E. de
Jesus, Código de Processo Penal Anotado,
13a. ed., p. 250).
43

— A infração do art. 7º, nº IX, da Lei nº


8.137/.90, é formal e de mero perigo
presumido. Para configurar-se, não há
mister mais que a comprovação de que
o agente vendia, tinha em depósito
para vender ou expunha à venda ou, de
qualquer forma, entregava matéria-prima
ou mercadoria, em condições impróprias
ao consumo (art. 7º, nº IX, da Lei nº
8.137/90), contando-se nesse número os
produtos cujos prazos de validade estejam
vencidos (art. 18, § 6º, nº I, da Lei nº
8.078/90).

1. Da r. sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito


da 17a. Vara Criminal da Comarca de São Paulo, que a
condenou ao pagamento de 2 dias-multa, por infração
do art. 7º, nº IX, e parágrafo único, da Lei nº 8.137/90
(crime contra as relações de consumo), apela XJ para este
Egrégio Tribunal, com o propósito de reformá-la.

Alega, por seu douto patrono, que a decisão


condenatória não podia prevalecer porque dissentira da
capitulação da denúncia e das provas dos autos.

Aduz ainda que os produtos apreendidos não


estavam expostos à venda, mas separados para “serem
jogados fora”.
44

Pelo que, espera que esta colenda Câmara a


absolva e mande em paz (fls. 141/143).

O digno Dr. Promotor de Justiça, apresentou


contrarrazões de apelação, nas quais exalta os
predicados da r. sentença condenatória, digna a seu
aviso de subsistir incólume (fls. 145/147).

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em


objetivo e terminante parecer do Dr. Hermenegildo de
Camargo Dias, opina pelo improvimento do recurso
(fls. 152/153).

É o relatório.

2. O Ministério Público deu denúncia contra a ré


porque, no dia 7 de abril do ano passado, no
estabelecimento comercial denominado (…), situado
nesta Capital na Rua (…), (Bela Vista), por negligência,
vendia mercadorias cuja embalagem, tipo, especificação
e composição estavam em desacordo com as prescrições
legais ou não correspondiam à respectiva classificação
oficial.

No referido estabelecimento, de que a ré era


proprietária e pelo qual respondia, apreendeu também a
Polícia mercadorias com prazo de validade vencido;
outras apreendeu em condições impróprias ao consumo.
45

Por evidente engano, a denúncia capitulou o fato


no inciso I do art. 7º, combinado com o seu parágrafo único,
da Lei nº 8.137/90, quando o intento de seu subscritor
era fazê-lo no inciso II, a que corresponde o tipo “vender
ou expor à venda mercadoria cuja embalagem, tipo,
especificação (…) esteja em desacordo com as prescrições
legais”, etc.

Firme na prova oral e técnica, o MM. Juiz acolheu


parcialmente a denúncia para condenar a ré, não pelo
crime definido no inciso II do art. 7º, e seu parágrafo único,
da Lei nº 8.137/90, mas por infração do inciso IX do
citado dispositivo, a que melhor se ajustava a descrição
de um dos fatos: “vender, ter em depósito (…) mercadoria,
em condições impróprias ao consumo”.

Irresignada, apelou a ré; não lhe acho razão,


todavia.

3. Com efeito, não constitui vulneração do princípio


da congruência, ou da correlação entre a denúncia e a
sentença (“Sententia debet esse conformis libello”), isto de o
Juiz dar ao fato concreto nova definição jurídica, se a
circunstância elementar já se continha explicitamente
na peça acusatória.
46

Tal entendimento depara patrocínio abalizado em


Damásio E. de Jesus:

“O juiz, na sentença, pode corrigir o erro (emendatio


libelli). É orientação do STF (RTJ 79/95)” (Código de
Processo Penal Anotado, 13a. ed., p. 250).

Disso nenhum prejuízo adveio à defesa da ré; aliás


– e aqui bate o ponto –, seu próprio advogado foi
quem, nas razões de recurso, esclareceu que “a acusada
baseou sua defesa como tendo infringido o art. 7º, inciso IX,
da referida lei” (fl. 141).

Rejeito, por isso, o argumento que, à guisa de


preliminar, deduziu o nobre defensor da apelante.

4. Respectivamente ao mérito, não pode ser provido


o apelo da ré, pois que a r. sentença, contra a qual se
insurge, desatou a lide penal a preceito.

Deveras, o laudo do Instituto de Criminalística (fls.


60/61) revelou que no restaurante de propriedade da ré
havia produtos em condições impróprias ao consumo,
“verbi gratia”: um vidro de tempero Panda apresentava
extraordinária “proliferação de fungos” (a foto de fl. 75
mostra a “grande formação de bolor”); a banha de galinha
apresentava “um filamento queratinoso”, i.e., cabelo
humano (como se observa na foto de fl. 71). A banha da
47

marca Aurora estava com o prazo de validade vencido


(cf. fl. 72).

A justificativa que deu a ré em seu interrogatório


– que a referida mercadoria estava no interior da
cozinha, à espera do coletor de lixo de rua (fl. 90) –
evidentemente não colhe.

É que, válida por 120 dias a banha Aurora


(fabricada em 30.3.94), havia 3 anos que a apelante
esperava pela passagem do carro coletor…

O acerto da r. decisão de primeiro grau – que


impôs à ré a pena de 2 dias-multa, reconhecida a
modalidade culposa (negligência), por violação do art. 7º,
nº IX, combinado com o seu parágrafo único, da Lei nº
8.137/90 – não pode ser validamente contestado.

Confirmo, destarte, por seus próprios e jurídicos


fundamentos, a r. sentença que proferiu o insigne
Magistrado Dr. José Luiz de Carvalho.

5. Em face do que levo expendido, rejeito a preliminar


e nego provimento ao recurso.

São Paulo, 26 de maio de 1998


Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

5
T RIBUNAL DE A LÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA C ÂMARA

Apelação Criminal nº 1.105.495/0


Comarca: Guarulhos
Apelantes: JVFC e BC
Apelado: Ministério Público

Voto nº 1228
Relator

— Comete crime contra as relações de


consumo, por violação do dever de cuidado
objetivo, quem, negligentemente, expõe
à venda produto com prazo de validade
vencido (art. 7º, nº IX, e parág. único, da
Lei nº 8.137/90) e, portanto, impróprio ao
uso e consumo (art. 18, § 6º, nº I, da Lei
nº 8.078/90: Código de Defesa do Consumidor).
49

— A infração do art. 7º, nº IX, da Lei nº


8.137/90, combinado com o art. 18, § 6º,
nº I, da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa
doConsumidor), é formal e de mero perigo
presumido. Para que se configure, basta a
comprovação de que o agente vendia, tinha
em depósito para vender ou expunha à
venda ou, de qualquer forma, entregava
matéria-prima ou mercadoria, em condições
impróprias ao consumo (art. 7º, nº IX, da
Lei nº 8.137/90), sendo desse número os
produtos cujos prazos de validade estejam
vencidos (art. 18, § 6º, nº I, da Lei nº
8.078/90).

1. Da r. sentença proferida pelo MM. Juízo de


Direito da 2a. Vara Criminal da Comarca de Guarulhos
que os condenou à pena de 1 ano e 4 meses de
detenção, com “sursis”, por infração do art. 7º, nº IX,
combinado com o art. 7º, parág. único, da Lei 8.137/90,
apelam para este Egrégio Tribunal, com o propósito de
reformá-la, JVFC e BC.

Arguem, preliminarmente, por seu douto e


combativo patrono, extinção de punibilidade pela
prescrição da pretensão punitiva estatal; notam ainda
de nula a r. sentença, visto lhe faleceria motivação.
50

No mérito, argumentam não ter concorrido para


a prática do ilícito penal.

Alegam ainda fragilidade de prova, pois não ficara


demonstrada sequer a materialidade do delito.

Pleiteiam, por isso, absolvição, firmes na prova dos


autos, na lição da Doutrina e na jurisprudência deste
Egrégio Tribunal.

A digna Promotoria de Justiça contrariou, com


vigor, a pretensão dos réus e pugnou pela mantença da
r. decisão apelada (fls. 232/236).

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça em


extenso, minucioso e escorreito parecer do Dr. José
Roberto Dealis Tucunduva, opina pelo improvimento
dos recursos (fls. 241/244).

É o relatório.

2. A Justiça Pública moveu processo aos réus porque,


no dia 22 de outubro de 1993, na Av. Dr. Timóteo
Penteado (Vila Galvão), na cidade de Guarulhos, no
interior do estabelecimento comercial denominado (…),
expuseram em suas prateleiras mercadorias em
condições impróprias ao consumo, avariadas e com
validade vencida.
51

Transcorreu em forma regular o processo e, ao


termo, foram os réus condenados.

Pedem e esperam agora absolvição, ou a decretação


da nulidade do processo.

3. Pelo que respeita à matéria arguida em preliminar,


mostra-se inatendível a pretensão dos réus, pois lhes
não ocorreu a alegada extinção de punibilidade, que
prescrição não houve.

Condenados à pena de 1 ano e 4 meses, a


prescrição, conforme dispõe o art. 109, nº V, do Código
Penal, prescreve em 4 anos.

Ora, no caso de que se trata, não se consumou,


quaisquer sejam seus termos iniciais. Pelo que,
improcede a preliminar suscitada de prescrição da
pretensão punitiva.

A outra a que também chamaram preliminar,


sendo em verdade questão de mérito (falta de motivação
da sentença), será examinada em seu lugar.

Ao revés do que aduz a esforçada Defesa, não


incorreu a r. decisão apelada na censura de falta de
fundamentação.
52

Com efeito, seu eminente prolator acabou


pela culpabilidade dos réus porque, segundo o
comprovou a perícia, os alimentos apreendidos em seu
estabelecimento comercial estavam avariados e com as
datas de validade vencidas. Os réus, esses teriam obrado
com culpa “stricto sensu”.

Os laudos de fls. 12, 16 e 36, do Instituto Adolfo


Lutz, comprovaram que os alimentos expostos no
estabelecimento comercial dos réus (queijos e linguiças)
achavam-se em condições impróprias ao consumo.

Em seus interrogatórios, negaram eles a


imputação: Bernardo alegou que, embora sócio-
-proprietário do supermercado, pouco o frequentava.
Disse mais que o seu gerente era o corréu João Victor,
que cuidava da empresa (fl. 172). João Victor, de sua
vez, alegou que mercadorias avariadas havia de fato
“dentro do balcão frigorífico, porém não estavam expostas
à venda, e sim para troca” (fl. 173).

As testemunhas inquiridas na instrução, de sua


parte, confirmaram os fatos descritos na denúncia.

4. Do mesmo passo que a materialidade dos fatos,


ficou demonstrada a culpabilidade dos apelantes: do
proprietário (Bernardo) porque, na exata expressão da
r. sentença, “negligenciou com os seus deveres de fiscalização
53

dos trabalhos exercidos por seu gerente” (fl. 204); pelo


que respeita a João, “gerente do estabelecimento, deveria
verificar a conduta de seus subordinados, evitando que fossem
expostas à venda mercadorias com data de validade vencida
ou estragadas” (Ibidem).

Não procederam, é certo, com dolo; que tenham


atuado culposamente, no entanto, não há negá-lo, sem
mentir à prova dos autos.

Violaram o cuidado objetivo exigível: excede, com


efeito, às posses da razão isso de manter alguém,
expostos à venda nos balcões de seu estabelecimento,
produtos impróprios ao consumo e com prazo de
validade vencido.

A infração do art. 7º, nº IX, da Lei nº 8.137/90,


combinado com o art. 18, § 6º, nº I, da Lei nº 8.078/90,
(Código de Defesa do Consumidor), é formal e de mero
perigo presumido. Para configurar-se, não há mister
mais que a comprovação de que o agente vendia, tinha
em depósito para vender ou expunha à venda ou,
de qualquer forma, entregava matéria-prima ou
mercadoria, em condições impróprias ao consumo (art.
7º, nº IX, da Lei nº 8.137/90), contando-se nesse número
os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos
(art. 18, § 6º, nº I, da Lei nº 8.078/90).
54

Faz ao intento a jurisprudência a seguir transcrita:

“O agente que, negligentemente, expõe à venda produto


com prazo de validade vencido, pratica a infração
prevista no art. 7º, nº IX, e parágrafo único, da Lei
nº 8.137/90” (Rev. Tribs., vol. 752, p. 617; rel. Xavier
de Aquino).

5. Em face da existência de prova superior a toda a


dúvida, não só da materialidade da infração penal e de
sua autoria que também da culpabilidade dos agentes,
era força dar pela procedência da denúncia.

A condenação dos réus, portanto, satisfez ao exame


crítico dos autos do processo e à vontade da lei.

A pena, fixou-lhes o Magistrado com a prudência


do bom varão; está correta e não tolera reparo de
nenhuma ordem.

O “sursis”, com ser direito público subjetivo do réu,


era mesmo de deferir aos apelantes.

Em suma, proferida segundo os melhores de


direito, merece confirmada, por seus jurídicos e lógicos
fundamentos, a r. sentença do insigne Magistrado Dr.
Marcelo Matias Pereira.
55

6. Pelo exposto, nego provimento aos recursos.

São Paulo, 20 de novembro de 1998


Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

6
T RIBUNAL DE A LÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA C ÂMARA

Apelação Criminal nº 1.180.537/7


Comarca: Taubaté
Apelante: Ministério Público
Apelado: PHM

Voto nº 2068
Relator

— Não comete o crime do art. 66 do Código


do Consumidor (afirmação falsa ou enganosa)
o agente que, para vender produto,
encarece-lhe as qualidades, sem contudo
mentir sobre sua natureza e características.
Trata-se de “dolus bonus”, estratagema a
que recorrem os mais dos negociantes
para gabo de suas mercadorias, cujas
excelências não raro exaltam até aos
cornos da Lua.
57

1. Da r. sentença que proferiu o MM. Juízo de


Direito da 3a. Vara Criminal da Comarca de Taubaté,
absolvendo PHM da imputação de haver infringido
o art. 66 da Lei nº 8.078/90 (Código do Consumidor),
interpôs recurso para este Egrégio Tribunal, com o
intuito de reformá-la, o ilustre representante do
Ministério Público.

Alega, em bem elaboradas razões de recurso (fls.


181/188), que o fato criminoso imputado ao réu ficou
amplamente comprovado; pelo que, espera que a
colenda Câmara lhe proveja o recurso para o efeito de
condenar o réu nos termos da denúncia de fls. 143/144.

Apresentou a nobre Defesa contrarrazões de


recurso, nas quais repeliu a pretensão da douta Justiça
Pública e ressaltou os predicados da r. sentença, digna
a seu aviso de prevalecer (fls. 190/194).

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em


percuciente, ponderado e cabal parecer do Dr. José
Roberto Dealis Tucunduva, opina pelo provimento do
recurso (fls. 199/201).

É o relatório.
58

2. Foi submetido o réu a processo-crime porque,


segundo a denúncia, no dia 9 de março de 1998,
na Avenida Benedito Leite Guimarães, 158, e na
Rua Roque Passarelli, 71, cerca de 16h e 17h,
respectivamente, na cidade de Taubaté, fez afirmação
falsa ou enganosa sobre a natureza ou características de
carnês do Baú da Felicidade.

Rezam os autos que, vendedor do denominado


carnê de mercadorias Baú da Felicidade, foi o réu a
Taubaté onde, em contacto com as moradoras das
referidas residências, Domingas dos Santos Pereira e
Aparecida Vítor, ofereceu-lhes o dito carnê, que se trata
de título de capitalização; afirmou-lhes haviam sido
selecionadas pela empresa, num rol de 50 pessoas
da localidade, que, além dos prêmios normais,
concorreriam ao sorteio de uma casa e dois automóveis,
no prazo de dois anos.

Tal assertiva, afirma a denúncia, era falsa, pois que


os adquirentes de todo o País concorreriam ao sorteio.

Dessa forma, vendeu um carnê a Domingas dos


Santos, pela quantia de R$ 12,00, e outro a Aparecida
Vítor pelo mesmo preço.

Transcorreu o processo em forma legal.


59

Ao cabo, foi o réu absolvido, sob o fundamento de


que o fato que praticara não constitui o crime descrito
na denúncia.

O órgão da Acusação, contudo, não levou à


paciência o desfecho da lide penal e, por isso, apelou
para esta Corte de Justiça.

3. Sem embargo dos forçosos e persuasivos


argumentos expendidos pelo diligente Dr. Promotor de
Justiça que subscreveu as razões do recurso (fls.
181/188), ratificadas e enaltecidas pelo douto parecer
da Procuradoria-Geral de Justiça, estou em que a
r. sentença de Primeiro Grau decidiu a preceito a
controvérsia entretida nos autos.

Na real verdade, inquiridas na instrução da causa,


esclareceram as vítimas que, armando ao fito de vender-
-lhes carnês do famigerado Baú da Felicidade, o réu
afirmara que, em Taubaté, houvera sorteios de várias
casas pelo referido sistema.

Tais sorteios, no entanto, não existiram.

Esse fato, no entanto, quanto é de si, não


caracteriza o crime imputado ao réu.
60

É que, ao vender às vítimas carnês, nenhuma


afirmação falsa fizera, assim com respeito à natureza do
produto como às suas características.

De igual passo, não lhes asseverou que a aquisição


do produto desfecharia no prêmio de uma casa.

O que sempre afirmou foi que as adquirentes


participariam de sorteios.

De outra parte, não foram as vítimas ilaqueadas


em sua boa fé. Domingas declarou que comprara o
carnê porque já o fazia de longa data: “já era compradora
do carnê do Baú” (fl. 163); Aparecida, essa informou que
adquirira o seu em face da insistência do vendedor.
Disse-o às claras: “comprou carnê porque queria que o
acusado fosse embora e já estava perturbada com a insistência
dele” (fl. 160).

Que tenha sido o réu insistente, e ainda


importuno, vá; que haja delinquido, não há por onde
rastreá-lo.

4. Nas penas do art. 66 do Código do Consumidor


incorre quem faz afirmação falsa ou enganosa sobre a
natureza e características de produto.
61

Ora, às vítimas não fez o réu afirmação alguma


falsa ou enganosa acerca do produto que vendia: carnê do
Baú; tampouco lhe atribuiu características ou predicados
que não possuísse.

Não embaiu, pois, a fé às vítimas; apenas as


atormentara – isso atormentara! – pelo processo
dialético do vendedor, que não trepida, para vendê-los,
em exaltar aos cornos da Lua as excelências de seus
produtos.

Declararam as vítimas, com efeito, que adquiriram


o produto ao réu, não porque este falseara a verdade,
senão porque já as importunava seu palavrório
fastidioso.

Ao vendê-los às vítimas, se acaso o réu exagerara


as qualidades ou predicamentos dos produtos (carnês),
e ainda recorrera à mentira verbal, obrou com “dolus
bonus”, o qual, segundo a Doutrina, “são os estratagemas,
os artifícios usados no comércio para gabo da própria
mercadoria e que, se não são fraudulentos, não chegam a
constituir ato ilícito nem são reprovados” (Leib Soibelman,
Enciclopédia do Advogado, 3a. ed., p. 137).

Merece confirmada, portanto, por seus bons e


jurídicos fundamentos, a sentença que proferiu a Dra.
Érika Christina de Lacerda Brandão Raskin.
62

5. Pelo exposto, nego provimento ao recurso.

São Paulo, 7 de abril de 2000


Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

7
T RIBUNAL DE A LÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA C ÂMARA

Apelação Criminal nº 1.203.411/3


Comarca: São Paulo
Apelante: Ministério Público
Apelado: HRS

Voto nº 2165
Relator
Designado

— Nos casos em que a lei comina penas


alternativas – v.g.: art. 7º da Lei nº
8.137/90 (detenção ou multa) – tem lugar,
indisputavelmente, a suspensão condicional
do processo, pois ainda que a sentença
condenatória haja optado pela pena
detentiva, é a pecuniária (porque a
mínima) a que serve de craveira punitiva
para os efeitos do art. 89 da Lei nº
9.099/95.
64

— É doutrina que professam os mais dos


autores que a suspensão condicional do
processo constitui direito penal público
subjetivo de liberdade, quando presentes
os requisitos legais (art. 89 da Lei nº
9.099/95).
—“Preenchidas as condições legais, a suspensão
provisória do processo é um direito do acusado,
não configurando sua proposição uma faculdade
do Ministério Público” (Damásio E. de Jesus,
Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada,
4a. ed., p. 108).
— O Magistrado, na sala de audiências e
despachos, não é um conviva de pedra; não
deve ficar de braços cruzados sobre os
largos peitos. Ao invés, órgão da jurisdição,
ele é quem preside e encaminha o
processo; ele, o que diz o direito.
—“O Juiz não pode recusar-se a praticar os atos
de seu ministério; não pode delegar a sua
jurisdição, devendo exercê-la pessoalmente, por
força e atribuição de sua investidura” (Vicente
de Azevedo, Curso de Direito Judiciário
Penal, 1958, vol. I, p. 150).
— Ao Ministério Público, no caso que
discorde da decisão do Magistrado,
assegura a lei o acesso à via recursal, que
porá cobro a eventual erro ou ilegalidade.
65

1. Trata a espécie de recurso interposto pela mui


digna e douta Promotoria de Justiça contra decisão que
proferiu o MM. Juízo de Direito da 2a. Vara Criminal
do Foro Regional do Jabaquara (Comarca da Capital),
suspendendo o processo instaurado contra HRS, por
infração do art. 7º, nº IX, da Lei nº 8.137/90, combinado
com o art. 18, § 6º, nº I, da Lei nº 8.078/90 (Código de
Defesa do Consumidor).

Foi o caso que o ilustre representante do


Ministério Público deixou de formular proposta de
suspensão condicional do processo, nos termos do art.
89 da Lei nº 9.099/95, sob color de que a pena mínima
cominada ao crime é superior a 1 ano (fl. 58).

O nobre Magistrado, no entanto, firme no


argumento de que ao tipo do art. 7º, nº IX, da Lei
nº 8.137/90, o legislador cominou pena privativa de
liberdade ou, alternativamente, a imposição de sanção
pecuniária, e invocando a lição da Doutrina e da
Jurisprudência, promoveu, de ofício, a suspensão do
processo, mediante as condições do art. 89, § 1º, ns. II,
III e IV, da Lei nº 9.099/95 (fl. 82).
66

2. O caso dos autos não se mostra incompatível com


o benefício do art. 89 da Lei dos Juizados Especiais
Criminais.

Em verdade, satisfaz o apelado aos requisitos


subjetivos da primariedade e dos bons antecedentes (fls.
65/68 e 82).

A pena mínima cominada ao crime também lhe


não pode dificultar a concessão. Com efeito, ainda que
condenado a cumprir 2 anos de detenção, a pena
mínima cominada ao delito do art. 7º, nº IX, da Lei nº
8.137/90 é a de multa, aplicável alternativamente.

As penas previstas para as infrações do citado


dispositivo são: detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou
multa.

Ora, conforme o sistema legal, a suspensão


condicional do processo deve aferir-se objetivamente
pelo padrão da pena cominada ao crime: igual ou
superior a 1 (um) ano (art. 89 da Lei nº 9.099/95).

No caso, o tipo penal prevê também a aplicação,


em caráter alternativo, da pena pecuniária; esta,
portanto, é a que se deve reputar a pena mínima.
67

Pelo que, ainda pudesse o réu, em tese, ser


condenado à pena detentiva de 2 anos, a pena mínima
que o legislador cominou ao crime do art. 7º, nº IX, da
Lei nº 8.137/90, é a de natureza pecuniária, que serve de
craveira para a boa exegese do art. 89 da Lei nº 9.099/95.

É este o sentimento comum dos melhores


intérpretes:

“Nas hipóteses em que penas diversas vêm cominadas


alternativamente (prisão mínima acima de um ano
ou multa, ad exemplum, arts. 4º, 5º e 7º da Lei nº
8.137/90), nos parece muito evidente o cabimento da
suspensão do processo, pela seguinte razão: a pena
mínima cominada é a de multa. Se a lei (art. 89)
autoriza a suspensão condicional do processo em caso de
pena privativa de liberdade mínima até um ano,
a fortiori, conclui-se que, quando a pena mínima
cominada é a multa, também cabe tal instituto. Pouco
importa que a multa seja, no caso, alternativa. Se o
legislador previu tal pena como alternativa possível é
porque, no seu entender, o delito não é daqueles que
necessariamente devam ser punidos com pena de prisão”
(Ada Pellegrini Grinover et alii, Juizados Especiais
Criminais, 2a. ed., p. 236).
68

Seria, pois, frustrar a “mens legis” denegar ao


apelado suspensão condicional do processo.

3. A despeito da excelência dos argumentos expostos


pelos órgãos do Ministério Público (fls. 92/97 e
112/113), não se me afiguram dignos de acolhimento,
“data venia”.

Em verdade, trata-se de doutrina, que os mais


dos autores professam, constituir direito penal público
subjetivo de liberdade a suspensão condicional do processo,
quando presentes os requisitos legais.

A lição de Damásio E. de Jesus faz ao propósito:

“Preenchidas as condições legais, a suspensão provisória


do processo é um direito do acusado, não configurando
sua proposição uma faculdade do Ministério Público”
(Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada, 4a. ed.,
p. 108).

Pelo mesmo teor, a jurisprudência dos Tribunais:

“A suspensão condicional do processo, solução extrapenal


para o controle social de crimes de menor potencial
ofensivo, é um direito subjetivo do réu, desde que
presentes os pressupostos objetivos” (Revista do Superior
Tribunal de Justiça, vol. 123, p. 403; rel. Min.
Vicente Leal).
69

Ora, no particular em apreço, conspiram, em tese,


os requisitos da concessão do benefício: responde o
apelado por crime a que o legislador cominou a pena
mínima de multa, alternativa (art. 7º, nº IX, da Lei nº
8.137/90); não consta, ao demais, esteja respondendo a
outro processo nem tenha sofrido condenação (fl. 64).

Faz jus, portanto, ao “sursis” processual.

4. O Magistrado, na sala de audiências e despachos,


não é um conviva de pedra; não deve ficar de braços
cruzados sobre os largos peitos. Ao invés, órgão da
jurisdição, ele é quem preside e encaminha o processo;
ele, o que diz o direito. “O juiz deixou de ser mero
espectador da batalha judicial”, como afirmou o eminente
Ministro Sálvio de Figueiredo (Revista do Superior
Tribunal de Justiça, vol. 129, p. 360).

Ora:

“O juiz não pode recusar-se a praticar os atos de seu


ministério; não pode delegar a sua jurisdição, devendo
exercê-la pessoalmente, por força e atribuição de sua
investidura” (Vicente de Azevedo, Curso de Direito
Judiciário Penal, 1958, vol. I, p. 150).
70

Ao Ministério Público, no caso que discorde da


decisão do Magistrado, assegura a lei o acesso à via
recursal, que porá cobro a eventual erro ou ilegalidade.

5. Pelo exposto, nego provimento ao recurso e confirmo,


por seus jurídicos e lógicos fundamentos, a r. decisão
que proferiu o distinto e culto Juiz Dr. Nelson
Francisco Vaz.

São Paulo, 5 de junho de 2000


Carlos Biasotti
Relator Designado
PODER JUDICIÁRIO

8
T RIBUNAL DE A LÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA C ÂMARA

“Habeas Corpus” nº 411.208/8


Comarca: São Paulo
Impetrantes: Dr. Luís Carlos Dias Torres e
Dra. Fabíola Emelin Rodrigues
Paciente: PSVM

Voto nº 3853
Relator

— Sob pena de constituir violência contra


o “status dignitatis” do indivíduo, a instauração
de persecução penal unicamente se admite
em face de prova cabal da existência
do crime e de indícios veementes de sua
autoria.
72

— Não se trata de fraqueza da Justiça


punitiva, mas um de seus brasões de glória,
isto de obrarem seus agentes com muita
cautela: cumpre-lhes, com efeito, atender
a que não se percam aqueles que, por
equívoco, insídia ou malícia, foram
submetidos a formal indiciamento, ato
procedimental cujos estigmas persistem
“ad aeternum” nos registros dos órgãos da
Polícia e da Justiça Criminal.

1. Os ilustres advogados Dr. Luís Carlos Dias Torres


e Dra. Fabíola Emelin Rodrigues, com fundamento no
art. 5º, nº LXVIII, da Constituição Federal e art. 647 e
seguintes do Código de Processo Penal, impetram a este
Egrégio Tribunal ordem de “habeas corpus” que ponha
termo ao constrangimento ilegal que alegam está a
sofrer PSVM, por parte do MM. Juízo de Direito da
1a. Vara Criminal do Foro Regional do Tatuapé
(Comarca da Capital).

Alegam, em extensa e esmerada petição, que foi


instaurado contra o paciente inquérito policial (sendo
vítima Regina Célia Issi) por suposta infração do art.
66, “caput”, da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do
Consumidor).
73

Foi o caso que, tendo a vítima adquirido à empresa


(…) o denominado “Sistema Cultural Educativo
Multimídia”, um dos volumes da coleção apresentara
defeito; ainda: os respectivos discos não estariam
funcionando corretamente.

Esclarecem também os impetrantes que, em


face da persecução penal, determinou a autoridade a
apreensão dos discos, para a realização de perícia.

O laudo pericial atestou que eram os discos


originais, porém “não efetuavam a pesquisa e impressão do
conteúdo”.

Após a juntada do laudo, acentuam os impetrantes,


o paciente, diretor da (…), informou que, ao ter ciência
do problema técnico apresentado, efetuara a troca do
produto; declarou mais que nenhuma outra reclamação
tivera quanto à mercadoria adquirida pela vítima, nem
junto ao PROCON.

Relatam ainda os impetrantes que, remetidos à


Justiça os autos do inquérito policial, o douto Promotor
de Justiça houve por tipificado o crime previsto no
art. 66, “caput”, da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa
do Consumidor) e requereu designação de audiência
74

preliminar, na forma e para os fins do art. 72 da Lei nº


9.099/95; deferiu-o o MM. Juízo de Direito da 1a. Vara
Criminal do Foro Regional do Tatuapé e assinou
audiência para 6 de maio de 2002.

Argumentam os dignos impetrantes que os fatos


imputados ao paciente não quadram ao tipo do art. 66
do Código de Defesa do Consumidor, pois falece no processo
prova, ainda que indireta, de que o paciente omitisse
“informação relevante sobre a natureza, característica,
qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade,
preço ou garantia de produtos ou serviços”.

Defendem ainda que os discos entregues pela


vítima não permitiram “a pesquisa e a impressão do seu
conteúdo”, do que se extrai que, em tese, poderiam
estar com defeito, mas também podia haver “alguma
incompatibilidade com os computadores em que estão sendo
rodados” (fl. 5).

No caso de haver defeito, adiantam os impetrantes


que o paciente protestou que a empresa (…) providenciaria
a troca, segundo o Código de Defesa do Consumidor. Não
estava, porém, afastada a hipótese de incompatibilidade
entre os próprios discos e o computador utilizado pela
vítima.
75

Aduzem ainda que ilícito somente haveria se ficasse


comprovado que a empresa, conhecendo-lhes os defeitos,
continuasse a vender discos como se perfeitos, com o
intento de ilaquear a fé ao consumidor.

À derradeira, enfatizam que, além de incaracterizado


o crime definido e punido pelo art. 66 do Código de
Defesa do Consumidor, nenhuma é a prova da autoria.

O paciente, ao aviso dos impetrantes, estaria sendo


arguido de crime pela só condição de diretor da
empresa (…), o que daria à persecução criminal os
contornos de responsabilidade objetiva, o que repugnava
ao Direito Penal.

Pelo que, firmes no argumento de que falta justa


causa para a ação penal, impetram “habeas corpus” a fim
de suspender a audiência preliminar designada (fls. 2/8).

Ao pedido acostaram cópias processuais de


interesse da causa (fls. 9/58).

A egrégia Vice-Presidência do Tribunal, pelo r.


despacho de fl. 60, proferido pelo eminente Juiz Renato
Nalini, concedeu a medida liminar “apenas para sustar o
ato marcado”.
76

Prestou as informações de praxe a mui digna


autoridade judiciária apontada como coatora, o distinto
e reputado Juiz Dr. Augusto Amaral Mello.

Confirmou, por maior, os termos da petição inicial


e instruiu o ofício de informações com novas cópias de
peças processuais (fls. 66/92).

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em


minudente, criterioso e abalizado parecer do Dr.
Roberto Calderaro, opina pela concessão da ordem para
trancamento do feito, por falta de justa causa (fls.
94/98).

É o relatório.

2. Como o preclaro Procurador de Justiça subscritor


do parecer de fls. 94/98, sou que assiste razão aos
impetrantes.

Foi instaurada persecução criminal contra o


paciente, sem contudo ficasse demonstrada, bem que em
tese, a existência do crime previsto no art. 66 do Código
de Defesa do Consumidor: nenhum indício de que o
tivesse cometido rastreia nos autos aquele que os versar
com mão diligente.
77

Conforme o sentiu o douto parecer, trata-se de


caso de “venda e compra comercial, operada eletronicamente,
que não se completou a contento” (fl. 97), sem avultasse a
demonstração de ocorrência de má-fé, com o intuito de
lesar o consumidor.

O laudo técnico pericial (fls. 40/48) não elucida o


ponto principal da controvérsia, i.e., a razão por que os
discos não funcionaram a preceito no equipamento da
vítima.

Em casos que tais, como observou o lúcido


parecer, a praxe é enviar as partes ao Juizado Especial
de Pequenas Causas, na esfera do Juízo Cível, não à
Justiça Criminal, que isto consubstancia, sem falta,
constrangimento ilegítimo.

Pelo muito que tem de apropositada, não resisto à


força que em mim faz o desejo de reproduzir a bela e
imortal lição do insigne Carrara:

“O processo criminal é o que há de mais sério no mundo.


Quer dizer: tudo nele deve ser claro como a luz, certo
como a evidência, positivo como qualquer grandeza
algébrica; nada de suposto, nada de anfibológico, nada
de ampliável; acusação positivamente articulada, para
78

que a defesa seja possivelmente segura; banida a


analogia, proscrito o paralelismo, assente o processo
exclusivamente sobre a precisão morfológica legal, e
esta outra precisão mais salutar ainda: a da verdade
sempre desataviada de dúvidas” (apud Romeiro Neto,
O Direito Penal Militar nos Casos Concretos, 1966,
p. 30).

Pelo mesmo teor a lição de Rogério Lauria Tucci,


processualista emérito, de que, no Direito Penal, atento
o seu caráter coercitivo e sancionador, é força “preservar,
no âmbito do processo penal, em sua integridade, a
preocupação secular dos nossos legisladores de acautelar,
sempre e sempre, a inocência e a própria justiça, contra os
procedimentos infundados, levianos e temerários” (in Rev.
Tribs., vol. 571, pp. 291-294).

Não se trata de fraqueza da Justiça punitiva, mas


um de seus brasões de glória, isto de obrarem seus
agentes com muita cautela: cumpre-lhes, com efeito,
atender a que não se percam aqueles que, por equívoco,
insídia ou malícia, foram submetidos a formal
indiciamento, ato procedimental cujos estigmas persistem
“ad aeternum” nos registros dos órgãos da Polícia e da
Justiça Criminal.
79

No âmbito dos Tribunais, passa o mesmo:

a) “Para o exercício regular da ação penal pública ou


privada, indispensável o requisito da justa causa,
expressa em suporte mínimo da prova da imputação.
O simples relato do fato, sem qualquer elemento
que indique sua provável ocorrência, inviabiliza o
recebimento da queixa-crime ou da denúncia” (Rev.
Tribs., vol. 674, p. 341; rel. Min. José Cândido);

b) “Para que a ação penal tenha condições de viabilidade,


é preciso que haja o fumus boni juris. É imperativo o
controle do Juiz sobre essa condição de viabilidade
do pedido acusatório, pois, se assim não for, podem
ser atingidos, indevidamente, o status libertatis, e o
status dignitatis do acusado” (Rev. Tribs., vol. 451,
p. 337; rel. Dalmo Nogueira).

3. Pelo exposto, concedo ordem de “habeas corpus” para


trancar a ação penal instaurada contra o paciente
PSVM, confirmada a medida liminar.

São Paulo, 5 de junho de 2002


Carlos Biasotti
Relator
Quando a Exageração na Propaganda é Crime

1. A par dos mitômanos(1), que não conhecem outra


linguagem senão a da mentira, estão aqueles que não
trepidam em exagerar, a qualquer respeito, as qualidades
e atributos de suas coisas.

Teor de proceder é esse que, as mais das vezes,


ninguém toma ao sério, por sabê-lo fruto de fantasia
desordenada, ingênua hipérbole ou mera bazófia.

É da condição humana, com efeito, isto de


exagerarem as pessoas as notas positivas de tudo o que
possuem: tanto lhes agrada ter e cobiçar o melhor ou
o mais raro de uma ordem ou classe!

Não foi, portanto, matéria para estranheza haver


certo comerciante, num rasgo de orgulho e vaidade,
mandado afixar à porta de seu estabelecimento (de
carnes e embutidos), cartaz em que anunciava, à guisa
de publicidade, a venda das “melhores linguiças do
mundo”(2). (Os fregueses simplesmente adquiriam o
produto, que decerto presumiam superior à craveira
mediana, mas nenhuma importância ligavam à
existência do termo de comparação, por onde pudessem
aferir as excelências da mercadoria!).
82

As patranhas que, nas Aventuras do Barão de


Münchhausen, os garotos de primeira instrução liam
outrora, fascinados, parecem havê-los acompanhado
pela vida fora!…

2. Há casos, porém, em que essa a que pudéramos


denominar malícia verbal da propaganda cede o lugar à
sanção penal, visto se trata de crime(3).

É desse número a hipótese que versou o Tribunal


de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, no acórdão
a seguir reproduzido:
PODER JUDICIÁRIO

T RIBUNAL DE ALÇADA C RIMINAL

DÉCIMA QUINTA CÂMARA

Apelação Criminal nº 1.206.637/1


Comarca: Guarujá
Apelante: KCO
Apelado: Ministério Público

Voto nº 2291
Relator

— Pratica estelionato (art. 171, “caput”, do Cód.


Penal) o sujeito que vende linhas telefônicas e
recebe do comprador de boa fé o preço total
da transação, mas não lhas transfere sob o
argumento de não as haver disponíveis. É
manifesto o dolo (“animus laedendi”) de quem
assim procede, pois dá à venda o que não tem.
84

— Incorre nas penas do art. 67 da Lei nº 8.078/90


(Código de Defesa do Consumidor), por delito de
propaganda enganosa, aquele que, no intento
de vender produtos e prestar serviços,
apregoa-lhes, para conciliar clientela, atributos
que não possuem ou não respondem à
verdade.

1. Da r. sentença que proferiu o MM. Juízo de


Direito da 2a. Vara Criminal da Comarca de Guarujá,
condenando-a à pena de 2 anos de reclusão, no regime
aberto, além de 25 dias-multa, por infração do
art. 171, “caput”, combinado com o art. 29, do Código
Penal, e 2 anos de detenção, no regime aberto, por
infração dos arts. 67 e 69 da Lei nº 8.078/90 (Código de
Defesa do Consumidor), interpôs recurso para este
Egrégio Tribunal, com o intuito de reformá-la, KCO.

Nas razões de apelação, afirma que a prova


acusatória, frágil e insegura, era inidônea para justificar
o decreto condenatório.

Requer, destarte, o provimento de seu recurso para


ser absolvida, por insuficiência de provas (fl. 364).

A douta Promotoria de Justiça, reexaminando a


matéria dos autos, propugnou a confirmação da r.
sentença apelada (fls. 368/369).
85

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em


detido e criterioso parecer do Dr. José Albino Zorthea,
opina pelo provimento parcial do recurso, a fim de
absolver a ré pelo crime do art. 69 do Código do
Consumidor (fls. 378/380).

É o relatório.

2. O Ministério Público ofereceu denúncia contra a


ré porque, no dia 23 de março de 1996, na Avenida
Emílio Carlos, na cidade de Guarujá, obrando em
concurso e com unidade de intuitos com MAS, obteve
para si vantagem ilícita, em prejuízo de Valdemar Perez
Dantas, induzindo-o e mantendo em erro, mediante o
artifício de vender linha de telefone inexistente.

Consta dos autos que a vítima, atraída pela


publicidade, comprou à empresa (…) uma linha
telefônica, mediante o pagamento de sinal e mais 4
parcelas.

A quantia de R$ 1.800,00, referente ao pagamento


da entrada, foi entregue aos réus no momento da
celebração do contrato; as mais parcelas, posteriormente.

A linha telefônica, entretanto, essa não foi jamais


instalada.
86

Apurou-se ainda que os réus promoveram


publicidade enganosa e abusiva, uma vez prometiam a
instalação de linhas telefônicas, sem condições de
cumpri-lo.

Instaurada a persecução criminal, tramitou o


processo na forma da lei; ao final, foram condenados
pela r. sentença de fls. 343/347.

Inconformada com a decisão condenatória, a ré


manifestou recurso para esta colenda Corte de Justiça,
na expectativa de ser absolvida.

3. A solução do litígio não podia ser outra que


a consubstanciada na r. sentença recorrida, pois
indiscutivelmente o conjunto probatório evidenciou a
responsabilidade criminal da ré.

A vítima, inquirida em Juízo, narrou ter comprado


à empresa (…) um telefone em 4 prestações; pagou a
importância total de R$ 3.080,00, mas nunca o recebeu.

A prova literal de suas alegações acha-se


entranhada nos autos (fls. 10/12).

Pelo mesmo teor o depoimento da testemunha


Gilberto Dantas Lima. Confirmou as palavras da vítima
e garantiu que, a despeito de haver pago integralmente
o preço da linha telefônica, a empresa da ré não
87

procedeu à instalação de seu telefone; tampouco lhe


devolveu o dinheiro expendido para a sua aquisição
(fl. 72).

A prova oral obtida na fase de instrução do


processo revelou, à saciedade, que a ré, proprietária de
empresa que anunciava a venda e pronta entrega
de linhas telefônicas, induziu em erro a vítima,
causando-lhe vultoso prejuízo econômico.

Foi criminoso, portanto, o seu procedimento,


definido e punido pelo art. 171 do Código Penal.

A alegação de que se tratava de matéria que devia


ser desatada na esfera cível mostra-se de todo
improcedente. É o caso dos autos exemplo de ilícito
penal, porquanto a ré, ao prometer a venda das linhas
telefônicas, sem as possuísse, atuara maliciosamente,
com o dolo de obter lucro mediante fraude.

Que operações comerciais desse quilate configuram


estelionato bem o persuadem arestos infinitos de todos
os Tribunais do País. Por me não demasiar, faço
menção deste apenas:

“Pratica o crime de estelionato o agente que autoriza a


celebração de contrato com a vítima, de venda de linha
telefônica, como se já estivesse com ela à sua disposição,
quando, na verdade, já sabia que, por ser ela
inexistente, não tinha condições de transferi-la para o
88

nome da vítima. Evidente, portanto, o escopo de lucro


ilícito e não mero negócio frustrado por problemas
financeiros surgidos após a sua concretização” (Rev.
Tribs., vol. 736, p. 648; rel. Mesquita de Paula).

Comprovada, além de toda a dúvida sensata, a


imputação atribuída à ré, era força julgar procedente a
denúncia.

À derradeira, importa ressaltar que a ré não se


empenhou em restituir o dano à vítima, com que
patenteou sua insigne má-fé.

4. Outro tanto, o delito de propaganda enganosa


(art. 67 da Lei nº 8.078/90), ficou suficientemente
caracterizado, visto que, a pôr fé inteira nas palavras
da sentença, “as cópias dos panfletos da empresa da
ré noticiavam credibilidade total para sua segurança final”
(fl. 345).

Mais mentiroso, conforme áspero epigrama, só


elogio de epitáfio (“transeat”)!

Não só amplificados, os termos que a ré empregou


para qualificar seus serviços eram também mentirosos e
armavam ao intuito de ilaquear a boa fé das pessoas.

O pregão que fazia de sua atividade era, portanto,


de caráter enganoso.
89

Vem aqui a talho de foice a lição do provecto e


reputado jurista Paulo José da Costa Jr.:

“Ao fazer ou promover a publicidade, que sabe ser


enganosa ou abusiva, o agente se conduz iluminado pelo
dolo genérico, consistente na vontade de realizar a
conduta, consciente dos efeitos que dela irão desencadear-
-se, em detrimento do consumidor, da paz pública, do
meio ambiente” (Crimes contra o Consumidor, 1999,
p. 44).

Que o comerciante, com o propósito de conciliar o


interesse da clientela, exalte as qualidades de seus
produtos ou serviços, bem está; que o faça, porém, por
meio de mentira e engodo, não se admite e a própria lei
o reprime severamente (art. 67 do Código de Defesa do
Consumidor).

A infração do art. 69 do Código de Defesa do


Consumidor (“deixar de organizar dados fáticos, técnicos e
científicos que dão base à publicidade”), como o ressaltou,
com raro aviso, o parecer da douta Procuradoria-
-Geral de Justiça, não depara no processado elementos
probatórios que a configurem; pelo que, é força absolver
a ré desta acusação, o que faço com fundamento no
art. 386, nº VI, do Código de Processo Penal.
90

5. A pena fixada à ré pelo estelionato (2 anos de


reclusão), não sofre modificação alguma: acima do
mínimo legal, por amor das inúmeras vítimas que, com
dolo intenso, lesou, e pelas graves repercussões sociais
do fato na urbe de Guarujá.

Pelo que respeita à pena privativa de liberdade


estipulada à ré, por infração do art. 67 do Código de
Defesa do Consumidor (propaganda enganosa), é força
reduzi-la a 6 meses de detenção, metade do máximo legal
cominado ao tipo. Não será de bom exemplo exasperar
ao extremo, sem causa que o justifique, a pena prevista
para os crimes. “Virtus in medio”!

Ao demais, da data do fato – 23.3.96 (fl. 2) – até


à data do recebimento da denúncia pelo ven. acórdão
de fls. 381/388 – 30.4.98 – decorreu lapso de tempo
superior a 2 anos.

Destarte, fixada em 6 meses, a pena de detenção


acha-se prescrita, ao módulo do art. 109, nº VI, do
Código Penal.

Assim, quanto ao crime do art. 67 do Código


de Defesa do Consumidor, cumpre julgar extinta a
punibilidade da ré, pela prescrição da pretensão punitiva
estatal.
91

Em suma: provejo parcialmente o recurso para


absolver a ré quanto à infração do art. 69 da Lei nº
8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) e reduzir-lhe
a 6 meses de detenção a pena referente ao art. 67 do
mencionado estatuto legal; no tocante a este delito,
julgo-lhe extinta a punibilidade pela prescrição da
pretensão punitiva estatal (art. 107, nº IV, 1a. fig., e 109,
nº VI, do Cód. Penal), mantida no mais a r. sentença de
Primeiro Grau, máxime a condenação por estelionato e
o regime prisional.

6. Pelo exposto, dou provimento parcial ao recurso para


os fins que constarão no acórdão.

São Paulo, 14 de julho de 2000


Carlos Biasotti
Relator
_______________
Notas:

(1) Já entrou em provérbio a notória vocação dos


pescadores para a mentira: dizia um deles que era
tão grande o peixe que pescara, que somente a
sua fotografia pesou 2 kg. Nos ranchos em que
se acomodam, é também frequente dar-se com
esta inscrição: Aqui se reúnem pescadores e outros
mentirosos!
92

(2) (3) Lei nº 8.078/90


(Código de Defesa do
Consumidor):
Art. 66. Fazer afirmação
falsa ou enganosa, ou
omitir informação
relevante sobre a natureza,
característica, qualidade,
quantidade, segurança,
desempenho, durabilidade,
preço ou garantia de
produtos ou serviços:
Pena — detenção de 3 (três)
meses a 1 (um) ano e
multa.

Art. 67. Fazer ou


promover publicidade que
sabe ou deveria saber ser
enganosa ou abusiva.
Pena — detenção de 3 (três)
meses a 1 (um) ano e
multa.
Trabalhos Jurídicos e Literários de
Carlos Biasotti

1. A Sustentação Oral nos Tribunais: Teoria e Prática;


2. Adauto Suannes: Brasão da Magistratura Paulista;
3. Advocacia: Grandezas e Misérias;
4. Antecedentes Criminais (Doutrina e Jurisprudência);
5. Apartes e Respostas Originais;
6. Apelação em Liberdade (Doutrina e Jurisprudência);
7. Apropriação Indébita (Doutrina e Jurisprudência);
8. Arma de Fogo (Doutrina e Jurisprudência);
9. Cartas do Juiz Eliézer Rosa (1a. Parte);
10. Citação do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
11. Crime Continuado (Doutrina e Jurisprudência);
12. Crimes contra a Honra (Doutrina e Jurisprudência);
13. Crimes de Trânsito (Doutrina e Jurisprudência);
14. Da Confissão do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
15. Da Presunção de Inocência (Doutrina e Jurisprudência);
16. Da Prisão (Doutrina e Jurisprudência);
17. Da Prova (Doutrina e Jurisprudência);
18. Da Vírgula (Doutrina, Casos Notáveis, Curiosidades, etc.);
19. Denúncia (Doutrina e Jurisprudência);
20. Direito Ambiental (Doutrina e Jurisprudência);
21. Direito de Autor (Doutrina e Jurisprudência);
22. Direito de Defesa (Doutrina e Jurisprudência);
23. Do Roubo (Doutrina e Jurisprudência);
24. Estelionato (Doutrina e Jurisprudência);
25. Furto (Doutrina e Jurisprudência);
26. “Habeas Corpus” (Doutrina e Jurisprudência);
27. Legítima Defesa (Doutrina e Jurisprudência);
28. Liberdade Provisória (Doutrina e Jurisprudência);
29. Mandado de Segurança (Doutrina e Jurisprudência);
30. O Cão na Literatura;
31. O Crime da Pedra (Defesa Criminal em Verso);
32. O Crime de Extorsão e a Tentativa (Doutrina e Jurisprudência);
33. O Erro. O Erro Judiciário. O Erro na Literatura (Lapsos e
Enganos);
34. O Silêncio do Réu. Interpretação (Doutrina e Jurisprudência);
35. Os 80 Anos do Príncipe dos Poetas Brasileiros;
36. Princípio da Insignificância (Doutrina e Jurisprudência);
37. “Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?”;
38. Tópicos de Gramática (Verbos abundantes no particípio;
pronúncias e construções viciosas; fraseologia latina, etc.);
39. Tóxicos (Doutrina e Jurisprudência);
40. Tribunal do Júri (Doutrina e Jurisprudência);
41. Absolvição do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
42. Tributo aos Advogados Criminalistas (Coletânea de Escritos
Jurídicos); Millennium Editora Ltda.;
43. Advocacia Criminal (Teoria e Prática); Millennium Editora
Ltda.;
44. Cartas do Juiz Eliézer Rosa (2a. Parte);
45. Contravenções Penais (Doutrina e Jurisprudência);
46. Crimes contra os Costumes (Doutrina e Jurisprudência);
47. Revisão Criminal (Doutrina e Jurisprudência);
48. Nélson Hungria (Súmula da Vida e da Obra);
49. Ação Penal (Doutrina e Jurisprudência);
50. Crimes de Falsidade (Doutrina e Jurisprudência);
51. Álibi (Doutrina e Jurisprudência);
52. Da Sentença (Doutrina e Jurisprudência);
53. Fraseologia Latina;
54. Da Pena (Doutrina e Jurisprudência);
55. Ilícito Civil e Ilícito Penal (Doutrina e Jurisprudência);
56. Regime Prisional (Doutrina e Jurisprudência);
57. Alimentos (Doutrina e Jurisprudência);
58. Estado de Necessidade (Doutrina e Jurisprudência);
59. Receptação ((Doutrina e Jurisprudência);
60. Inquérito Policial. Indiciamento ((Doutrina e Jurisprudência);
61. A Palavra da Vítima e seu Valor em Juízo;
62. A Linguagem do Advogado;
63. Memorando aos Colegas da Advocacia e da Magistratura.
www.scribd.com/Biasotti
Código de Defesa do Consumidor (Matéria Criminal) Carlos Biasotti

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