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Espaço Labore

CIVILIZAÇÃO BÁRBARA MODERNA


Psicologia do Mal e Raízes da Violência
Intervenções Salvadoras na Infância

O aumento a cada ano da gravidade e da frequência de eventos brutais que afetam crianças
incita esta retomada do texto/palestra de 2009 com título “Infância Ameaçada: Violência nas Famílias,
nas Escolas e na Sociedade”. Para refletir sobre os tempos bárbaros contemporâneos - brotos
vigorosos das raízes milenares da violência – é importante considerar: os estudos da psicologia do mal
sobre as causas do comportamento violento; os achados da neuropsiquiatria sobre as conseqüências
imediatas e tardias do bullying; a contribuição da psicologia positiva e da educação moral para a
abordagem da epidemia de violência.
O cuidado com as crianças assume neste contexto relevância impar, como inúmeros
estudiosos do comportamento humano ressaltam desde a antiguidade. O fundamento do cuidado é
orientar as crianças para não precisar punir os adultos e minimizar o trauma infantil que é a origem da
psicopatologia do adulto. Uma sociedade que não protege suas crianças está muito doente e é
responsável pela fonte-mãe de todas as formas de violência que é a transformação de crianças
vítimas de violência em adultos agentes de violência.

SOCIEDADE e VIOLÊNCIA
A epidemia de violência ameaça a infância porque está em toda parte, afeta todos os espaços
de vivência das crianças, desde as famílias passando pela escola até a sociedade.
A forma de organização social contemporânea - a chamada Sociedade do Espetáculo - é
geradora da violência: sob a égide da banalização do mal ninguém mais se espanta com a maldade
que acontece sob as vistas de todos, que se tornam insensíveis a ela. A glamorização da violência
torna aceitável e valorizada a agressão ao outro, multiplicada nos filmes e até nos desenhos
animados. Consumo compulsivo, permissividade, ausência de limites, intolerância à frustração,
insatisfação crescente, são elementos que constroem o ambiente propício para que a violência se
instaure e tenha sustentação. A sociedade contemporânea é violenta.
A humanidade evoluiu da barbárie para a civilização como modo de organização social. Os
grupos se organizavam em torno da valorização do SER, fundada na vivência de experiências de
prazer: as pessoas se constituíam como sujeitos a partir de suas ações no mundo. Este modo de
funcionamento social logo foi substituído pela valorização do TER, ancorada na posse de objetos de
prazer, levando a um consumo sem limites e uma insatisfação crescente: as pessoas são reconhecidas
pelo que possuem materialmente.
A civilização material, ao invés de progredir para a civilização moral é dominada pela moderna
barbárie. No mundo atual surge um novo paradigma, a valorização do PARECER: não importa ser, não
importa ter, é mais importante parecer que é, parecer que tem. A sociedade do espetáculo vive de
simulacros da realidade, da vida cibernética, onde a realidade virtual é mais interessante e mais
importante que a vida real.
Quando o mundo real se torna extremamente desagradável é compreensível que os jovens
queiram se refugiar no mundo virtual: em recente pesquisa, adolescentes revelaram o desejo de
permanecer conectados durante todo o tempo. Há uma pressão social com caráter de urgência: ser
visível a qualquer preço, APARECER PARA SER. Hoje mais do que nunca todos buscam os seus “quinze
minutos de fama”: rompe-se a fronteira entre público e privado, e a exposição despudorada de corpos
e mentes norteia as ações. Há um esvaziamento do sentido de SER. SER ALGUÉM significa ser alguém
famoso sem nada ter realizado, ganhar notoriedade mesmo que associada a fatos negativos, ter
milhões de amigos/seguidores nas redes sociais.
A psicologia do mal revela que na inexistência da incorporação de valores morais os instintos
violentos humanos não encontram qualquer limite. Hannah Arendt no seu texto “Banalização do Mal”
mostra a suscetibilidade humana ao revelar nos campos de concentração nazistas atrocidades
perpetradas por pessoas comuns impregnadas por uma ideologia que legitimava a eliminação dos
diferentes. O “experimento da prisão” da Universidade de Stanford na década de 70 foi interrompido
após seis dias para preservar a integridade física e mental dos participantes ao comprovar como
pessoas aparentemente boas e normais podem realizar atos de extrema crueldade, induzidas por
preconceitos sobre papéis sociais.

INFÂNCIA AMEAÇADA
A dupla face da violência na infância é revelada nos dados do Instituto de Segurança Pública
do Estado do Rio de Janeiro de 2006, que registram um total de 20.449 ocorrências envolvendo
crianças e adolescentes: 90,8 % (18.559) são vítimas ; 9,2% (1.890) são infratores.
Embora a Declaração dos Direitos da Criança (ONU 1959) e o Estatuto da Criança e do
Adolescente (Brasil 1990) assegurem a proteção à infância a realidade mostra a sua ineficácia na vida
cotidiana: as crianças estão desprotegidas e sofrem. O direito universal a uma infância feliz é negado
a crianças de todo o mundo. Analisando estes documentos torna-se flagrante o abismo que é preciso
transpor para torná-los realidade. Um demonstrativo da dificuldade de estabelecer salvaguardas
mínimas para proteger a infância é a própria Declaração dos Direitos da Criança, que embora redigida
em 1924 só foi promulgada 35 anos depois.
Em todos os artigos desta Declaração encontramos amor, compreensão, felicidade,
assistência, cuidado, proteção, palavras que não tem significado para as crianças porque não é assim
que a sociedade procede com elas. A escolarização da pré-escola cumpre papel significativo neste
processo: as crianças aos quatro anos já tem “tarefinhas” e precisam aguardar a hora do recreio para
brincar. É um contrassenso, pois a brincadeira é o trabalho da infância, forma de aprendizagem
privilegiada que permite experiências de trocas de papéis e aquisição lúdica de comportamentos
socialmente organizados.
A forma como a sociedade trata a infância tem conseqüências perversas. No Congresso
Internacional de 2007 em São Paulo da Sociedade Internacional de Fonoaudiologia e Foniatria um dos
temas principais foi “Comunicação, Aprendizagem e Violência” apontando que crianças que tem
dificuldade de comunicação começam a ser excluídas do grupo, sofrem retraimento, depressão,
agressividade, apresentam problemas na aprendizagem, repetem a série escolar. Isto cria um círculo
vicioso: a baixa escolaridade perpetua os poucos recursos lingüísticos tornando a criança incapaz de
resolver os conflitos pelo diálogo, e deixando como única saída a resolução violenta. Quando as
crianças não tem acesso a uma educação satisfatória a comunicação ineficiente se torna a raiz da
violência, que se estende para a vida adulta resultando em conflitos familiares e sociais. Se não é
possível negociar a alternativa é expropriar, tomar do outro de forma violenta aquilo que não se
conseguiu obter pelo diálogo. A mais grave sequela desta situação é o círculo vicioso da cadeia de
reprodução da violência: de vítimas na infância a agentes na vida adulta.
Aura Helena Ramos pesquisadora da UFRJ em estudo de 2007 observou que a diminuição do
número de dias letivos por fechamento de escolas motivadas pela “guerra do tráfico” e pelas invasões
policiais produz perda de conteúdos e de continuidade do processo de aprendizagem. Torna-se quase
impossível aprender nestas condições extremamente adversas.
A violência na escola está se transformando numa epidemia: abuso/assédio/bullying (físico,
sexual, moral, psicológico); discriminação entre alunos e por docentes. Pesquisa da UFParaná nos
últimos 6 meses de 2008 detectou que 70% dos alunos sofreram socos e chutes. Estudo da
UFFluminense em 2010 e 2011 apontou que em 68% das escolas investigadas( 53 escolas públicas e
privadas no Rio de Janeiro, Niteroi e São Gonçalo) ocorreram casos constantes de violência. É cada
vez mais freqüente a convocação pela internet para brigas entre grupos de jovens, onde também são
exibidas imagens de grupo de adolescentes espancando selvagemente um único adolescente indefeso.
Extremamente preocupante é que a forma encontrada para resolver o problema é a via
repressiva e não a educativa, como demonstra a criação das “tropas escolares” no Rio de Janeiro em
maio de 2012. Policiais militares armados irão patrulhar 90 escolas estaduais e seus entornos,
podendo entrar nas unidades e revistar alunos “suspeitos”.
A civilização bárbara moderna utiliza a estratégia dos bárbaros primitivos para resolver
conflitos: a intimidação, a dominação violenta. Ao longo dos anos cidadãos foram sitiados em falsas
ilhas de segurança garantida por homens armados. Parodiando um poema muito conhecido atribuído a
Mayakovsky: primeiro as trancaram nos shoppings, depois nos condomínios, agora nas escolas, até
um dia quando perceberam que as crianças já não tinham liberdade, mas já era tarde demais. Por que
a sociedade gasta mais com a indústria da morte que com a indústria da vida?
A violência na família assume variadas formas: negligência, maus tratos, abuso. Negligência,
não cuidar, não atender, não assistir, desconhecer as necessidades fundamentais da criança é
violência. Maus tratos todos os dias, abusos dentro de casa: a maioria dos casos de violência contra a
criança, a mulher e o idoso acontece no âmbito familiar. Um dos grandes problemas da nossa
sociedade é que as famílias estão muito doentes e a violência é uma das manifestações desta doença.
Por todas as mídias, de todas as partes do país e do mundo chegam as notícias da barbárie:
as crianças são vitimizadas e a violência assume múltiplas faces. Mães abandonam seus bebês nas
latas de lixo, nos valões, nos terrenos baldios; pais e mães jogam crianças pelas janelas, espancam,
abusam sexual e psicologicamente, deixam trancadas sozinhas nos carros e nos quartos, acorrentam
em árvores e postes nos quintais; babas batem na cabeça e no rosto dos bebês; professor decepa
dedo de aluna; mãe mata gato da filha no forno de micro-ondas; hospitais atendem crianças com
múltiplas fraturas e cicatrizes; pai engravida sucessivas vezes filha que mantém em cativeiro por
décadas com os filhos do incesto no porão de sua casa; pais agenciam filhos para a prostituição; redes
de pedofilia na internet são descobertas todos os dias com integrantes de todas as faixas sociais,
econômicas, profissionais; criança de dez anos mata com pedaço de madeira vizinho de três anos;
adolescente invade a escola e mata alunos e professores; adolescente espancada na escola entra em
coma e morre; motorista embriagada sobe calçada e causa a morte de sua própria filha de quatro
anos no banco da frente sem cinto de segurança e de uma família com duas crianças que estavam no
ponto de ônibus; menina de 4 anos morre com bala na cabeça quando brincava no pátio da escola.
A violência oculta é mais terrível forma de violência, gera sequelas físicas e emocionais graves
e permanentes, principalmente por passar despercebida, por parecer que não há violência.
Relembrando o texto de Freud “O chiste e sua relação com o inconsciente” é possível dar-se conta de
que brincando é que se dizem as coisas mais duras. Na infância é frequente a vivência de situações
traumáticas e desorganizadoras do psiquismo. O abuso não pode ser visto como uma brincadeira, um
jogo, senão a violência vai sendo naturalizada, fica parecendo que é possível viver assim, mas não é.
A espiral da violência cresce porque aquilo que um indivíduo vive ele tende a reproduzir. Deste modo
cada um deve ficar atento para perceber em si o germe da violência, a atitude belicosa diante dos
pequenos conflitos do cotidiano.
SINAIS DE ALERTA DO SOFRIMENTO NA INFÂNCIA
A criança vítima de violência envia sinais de alerta do seu sofrimento psíquico. O cérebro-
mente em formação da criança faz com que as disfunções assumam expressões diferenciadas em
relação aos quadros sintomáticos de adultos submetidos a situações traumáticas semelhantes.
Quando criança e adulto vivenciam o mesmo trauma, as consequências e sequelas serão sempre
maiores para o cérebro em formação que para o cérebro já formado: ao invés de se formar o cérebro
poderá se deformar.
O sofrimento psíquico manifesta-se como alterações de: comportamento, ritmos biológicos,
humor, aprendizagem, socialização. Há comprometimento da saúde biopsicossocial: o sofrimento
atinge o corpo, a mente, e a interação social. Distúrbios dos relógios biológicos comprometem o sono,
a alimentação, o ritmo intestinal A dificuldade cognitiva afeta a aprendizagem e o desempenho
escolar. A dificuldade afetiva e interacional prejudica a formação de vínculos e a socialização: a
criança que não aprendeu com o outro como organizar o comportamento e estabelecer uma relação
de afeto e respeito só vai saber agir como agiram com ela, reproduzirá a violência.
Quando a angústia e o sofrimento psíquico não conseguem ser descarregados de forma
motora ou verbal surgem as manifestações psicossomáticas com os conteúdos psico-emocionais
ganhando expressão somática: o conflito psíquico aparece no corpo, nas dores mais diversas, na
diminuição da imunidade com infecções recidivantes, nas doenças autoimunes, nas alergias (cutâneas,
respiratórias, digestivas), etc.
Sintomas psíquicos são mais facilmente percebidos como relacionados ao sofrimento
emocional: incontinência urinária e/ou fecal, anorexia, bulimia, ansiedade, fobia, insônia, terror
noturno, pânico, manias, TOC, depressão, distúrbios da atenção e hiperatividade.
A depressão atinge 11% das vítimas de BULLYING na escola de acordo com pesquisa da
UFParaná. Na criança o quadro depressivo pode apresentar-se como: inapetência, irritabilidade
apatia, hiperatividade, desinteresse, agressividade, instabilidade emocional, dores de cabeça e no
corpo, desmaios, dormências, tremores, perturbações dos sentidos.
O sofrimento da criança é um sinal de alarme e não pode ser ignorado, em virtude da
gravidade dos danos que pode causar.

INTERVENÇÕES SALVADORAS
Diante da infância ameaçada surgem questões cruciais para pais, escolas e sociedade. Como
interromper o círculo vicioso da reprodução da violência? Como fazer cumprir a Declaração dos
Direitos da Criança? O que fazer para protegê-las?
As intervenções salvadoras são o caminho para que as crianças tenham direito a uma infância
feliz, e podem ser agrupadas em três categorias: protetoras, preventivas e recuperadoras.
As intervenções protetoras estão voltadas para a estruturação das bases do comportamento
que promovem a autonomia: construir um sujeito com organização psíquica e autoconfiança
suficientes para lidar com as situações de conflito do mundo e contar com a família como ponto de
referência para proteção. É preciso criar crianças seguras, que se sintam capazes de agir sozinhas,
que não se sintam amedrontadas e temerosas de tudo. Este processo de formação da autoestima e da
autoconfiança começa na mais tenra idade a partir do envelope sensorial, do apego seguro, da
interação sensorial e simbólica, e de limites para o comportamento.
Durante a amamentação o acolhimento no seio envolvendo o bebê traz para o corpo como um
todo a sensação de aconchego, proteção e tranquilidade e constrói o envelope sensorial. Este
invólucro estruturador estimula a integração do eu/corpo. Nas crianças maiores e mesmo nos adultos
em sofrimento psíquico muitas vezes é importante reconstruir o envelope sensorial: fazer com que
aquele corpo físico onde só há registro de desprazer/dor/sofrimento passe a sentir relaxamento e
sensações prazerosas.
Um bom envelope sensorial é base para o apego seguro que é a forma de vínculo saudável
entre a mãe e o bebê que se tornará matriz para todas as outras relações interpessoais. Um bebê
continuamente sacudido por uma mãe muito agitada vive sob a ameaça da queda iminente,
desenvolve apego inseguro diante de um mundo que não tem estabilidade, e carregará para a sua
vida esta forma de estabelecer vínculo.
Interação sensorial e simbólica é fundamental para estabelecer uma melhor comunicação com
a criança. A interação sensorial é o diálogo tônico mãe-bebê, o compartilhamento de
sensações/emoções que desenvolve a empatia e contribui para o apego seguro.
Muito precocemente deve-se estar atento para dar significado às sensações: o sensível deve
se integrar ao inteligível, a emoção precisa ser organizada pela razão. Não é mais possível pensar e
agir como se emoção e razão fossem incompatíveis, inconciliáveis ou excludentes. Como propõe
Antonio Damásio em seu livro O Erro de Descartes: é preciso desenvolver estratégias para que as
emoções funcionem como sinalizadores de bem estar e mal estar e a partir daí a razão diga como
proceder para buscar o bem estar e fugir do mal estar. As crianças precisam ser resgatadas do mundo
das sensações e trazidas para o mundo das significações, dominar a interação simbólica para
expressar de forma clara para seus responsáveis as eventuais situações de mal estar, abuso, e
violência.
Intervenção protetora é fazer a criança compreender que o limite existe para resguardá-la do
mal estar. Não é possível educar sem limites. As crianças pedem desesperadamente uma intervenção,
esperam pelo “não” e quando este freio ao descontrole da pulsão não vem surge a angústia.
Ao invés de construir o limite pelo medo, recorrendo aos castigos físicos e psicológicos, os
adultos devem investir no limite pela confiança, explicitando para a criança as razões das interdições e
as consequências das transgressões. Para isso é preciso que as crianças acreditem nas palavras dos
adultos, que devem ser firmes, claras e verdadeiras: não se deve mentir para as crianças, mas
cultivar sua confiança.
“Se a criança percebe no mundo em que vive, que as pessoas (com destaque para
as afetivamente significativas) dizem uma coisa e fazem outra, mentem, não
cumprem suas promessas, são desrespeitosas e violentas, mais merecem
desconfiança que confiança, se tal coisa acontecer, a vontade de tornar-se moral
poderá fenecer, e o despertar do senso moral será apenas um pequeno episódio de
vida logo abandonado. Mas, se a confiança prevalecer, ela seguirá o longo caminho
do desenvolvimento moral, trilhado por aqueles que se preocupam seriamente com
virtudes como justiça, generosidade e dignidade.” (O despertar do senso moral - Yves de La
Taille - Revista Mente e Cérebro nº230 – março 2012– pg.37).
A essência da educação moral são os princípios humanistas de justiça, generosidade e
dignidade, e a confiança é o requisito fundamental para que estes conteúdos essenciais do dever
moral sejam apreendidos pela criança. A confiança nasce do vínculo, da construção de um apego
seguro, das experiências compartilhadas com um representante da cultura que se transformam em
exemplos de comportamentos e valores para serem imitados.
É com base na confiança que a criança aceita o limite como forma de proteção e pode relatar
suas necessidades, dificuldades e sofrimentos. As crianças vitimizadas pela violência muitas vezes
permanecem caladas por acreditar que fizeram algo errado e poderão ser punidas pelos pais.
Para que a criança esteja resguardada da violência do mundo a educação deve estar voltada
para ensiná-las a se autoproteger, fornecer as condições para o seu amadurecimento, reconhecê-la
como sujeito, oferecer o espaço para que possa ser vista, escutada, respeitada, atendida nas suas
necessidades, recebida e acolhida pela família.
Educar é uma tarefa complexa que não é natural, mas cultural; não se está ensinando às
crianças as leis da sobrevivência na natureza, mas sim como se comportar no mundo social. As mães
precisam de suporte social para se organizar psicoemocionalmente, para poder se dedicar ao
acolhimento do bebê e ocupar seu lugar de mãe. É fundamental que ela garanta a entrada da figura
paterna na relação com o bebê para cortar a excessiva simbiose da relação fusional primária, trazer a
interdição, garantir a existência do sujeito com seu próprio desejo, independente, autônomo. A
criança precisa se sentir vinculada à estrutura familiar para se sentir parte de uma linhagem, se
assegurar da sua filiação, ponto de dúvidas angustiantes ainda na primeira infância. Para crianças
adotadas o conhecimento da condição deve ser trabalhado desde muito cedo, pois ela tem direito de
saber sobre sua origem.
As intervenções preventivas se baseiam na constante vigilância e atenção às condições de
risco para fornecer orientações objetivas adequadas ao nível de cognição da criança. Para as crianças
menores, o conto “Chapeuzinho Vermelho” serve como metáfora para alertar sobre os disfarces e para
os cuidados necessários com pessoas más que se fantasiam para enganar e maltratar.
As crianças pequenas não podem ser deixadas sozinhas, pois não possuem os instrumentos
cognitivos para detectar situações de perigo. No cotidiano elas vão aprender a se proteger das janelas
sem grades, das piscinas sem proteção, dos veículos sem cinto de segurança, dos carros ao
atravessar a rua, dos adultos com manipulações corporais inadequadas.
As intervenções recuperadoras voltadas para reparar os danos produzidos pela violência são
biopsicossociais: identificação e remoção dos fatores deflagradores de sofrimento; suporte físico para
os comprometimentos da saúde orgânica; apoio psicológico para superação dos traumas emocionais,
desde “supernanny” a medicamentos e psicoterapia.
Intervenções salvadoras são sempre necessárias. Intervenções protetoras são imprescindíveis
para todas as crianças para que possam se autoproteger. Intervenções preventivas também são para
todas as crianças, para minimizar os riscos de violência. Intervenções recuperadoras são para as
crianças que sofrem com a violência e suas consequências.

FERRAMENTAS PARA A CONSTRUÇÃO DA CULTURA DA PAZ


A educação moral para o desenvolvimento humano se apresenta como fundamental para a
evolução da sociedade na direção de uma cultura da paz como alternativa à violência da sociedade do
espetáculo. As ferramentas para esta construção são conhecimento, cuidado, confiança, compaixão e
gentileza.
“O conhecimento do conhecimento obriga. Nos obriga a tomar uma atitude de
permanente vigília contra a tentação da certeza, a reconhecer que nossas certezas
não são provas de verdade... Nos obriga porque ao saber que sabemos não
podemos negar o que sabemos. ....e cada vez que nos encontremos em contradição
ou oposição com outro ser humano, com o qual quiséssemos conviver, nossa
atitude não poderá ser a de reafirmar o que vemos desde nosso próprio ponto de
vista, senão a de apreciar que nosso ponto de vista é ... tão válido como o de
nosso oponente, ainda que o seu nos pareça menos desejável. O que caberá,
então, será a busca de uma perspectiva mais abarcadora, de um domínio
experiencial onde o outro também tenha lugar e no qual possamos construir um
mundo com ele.....
.... sair do que até este momento era invisível ou inamovível, permitindo ver que,
como humanos, só temos o mundo que criamos com outros. A este ato de ampliar
nosso domínio cognitivo reflexivo, que sempre implica uma experiência cheia de
novidade, podemos chegar seja porque raciocinamos até ele, ou bem, mais
diretamente, porque alguma circunstância nos leva a olhar o outro como um igual,
em um ato que habitualmente chamamos de amor. Porém, mais ainda, isto nos
permite dar-nos conta de que o amor, ou se não queremos usar uma palavra tão
forte, a aceitação do outro junto a si na convivência, é o fundamento biológico do
fenômeno social: sem amor, sem aceitação de um ao outro não há socialização, e
sem socialização não há humanidade. (Humberto Maturana e Francisco Varela – El Arbol del
Conocimiento: las Bases Biológicas del Conocimiento Humano – 1990 – p.208-209).
Sabemos que a violência ameaça as crianças e este conhecimento é o início da transformação
que é preciso empreender na sociedade para que as crianças tenham direito a uma infância feliz. Esta
tarefa começa com o cuidado, com o cultivo da confiança, fundamental para relações saudáveis. E
deve seguir o caminho da compaixão, como orienta o Dalai Lama, para abrir as portas para uma vida
com paixão por todas as formas de vida e reacender a esperança de que a humanidade seja mais
humana e menos bárbara. Exige de todos o esforço para resistir à tentação de reagir à violência com
repressão violenta alimentando sua escalada, e aprender com o Profeta Datrino que gentileza gera
gentileza.
Não existe limite de idade para cultivar a árvore moral de qualidades humanas com seus
numerosos ramos.

*
Paz
União
Alegrias
Esperança
Amor Sucesso
Realizações Luz
Respeito Harmonia
Saúde Solidariedade
Felicidade Humildade
Confraternização Pureza
Amizade Sabedoria Perdão
Igualdade Liberdade Boa Sorte
Sinceridade Estima Fraternidade
Equilíbrio Dignidade Benevolência
Fé Bondade Paciência Brandura Força
Tenacidade Prosperidade Reconhecimento
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Sugestões para saber mais


VIOLÊNCIA
Infância Ameaçada: Violência nas Famílias, nas Escolas e na Sociedade – Anangélica Moraes Gomes – 2009.
O Polêmico Experimento da Prisão de Stanford 40 anos depois – Philip G. Zimbardo - Mente e Cérebro nº224 – setembro 2011.
SOCIEDADE DO ESPETÁCULO
Sociedade do Espetáculo e Cultura da Paz no Século 21 – Anangélica Moraes Gomes – 2006.
http://www.messuka.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=14&Itemid=30
CULTURA DA PAZ
Educação para a Paz: Novas Estratégias na Atenção Integral à Criança – Anangélica Moraes Gomes – 2005.
http://www.messuka.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=13&Itemid=30
EDUCAÇÃO MORAL
Educação Moral na perspectiva de Alasdair Macintyre – Maria Judith Sucupira da Costa Lins – Editora Access – Rio de
Janeiro, 2007.
PSICOLOGIA POSITIVA
Fábrica de heróis – Giovanni Sabato - Mente e Cérebro nº229 – fevereiro 2012.
COMPAIXÃO
Bondade e compaixão – Dalai Lama – www.dalailama.org.br/ensinamentos/bondade.php
GENTILEZA
http://oimpressionista.wordpress.com/museu-virtual-gentileza/
http://letras.terra.com.br/marisa-monte/47282/
Rio de Janeiro, 10 de maio de 2012

Anangélica Moraes Gomes


Médica
Autora do livro A CRIANÇA EM DESENVOLVIMENTO:CÉREBRO, COGNIÇÃO E COMPORTAMENTO
Editora REVINTER 2005
ecologiadocorpo@gmail.com

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