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UNIVERSIDADE JOSÉ DO ROSÁRIO VELLANO - UNIFENAS

CÁSSIO FELINTO DANILO GOMES

VITIMOLOGIA NO ÂMBITO VIRTUAL

Alfenas – MG
2017
CÁSSIO FELINTO DANILO GOMES

VITIMOLOGIA NO ÂMBITO VIRTUAL

Primeiro e segundo capítulos da monografia sobr eo


tema Vitimologia no Âmbito Virtual, apresentado à
disciplina Trabalho de Conclusão de Curso II do Curso
de Direito da Universidade José do Rosário Vellano –
UNIFENAS, como parte das exigências para conclusão
do curso de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof.

Alfenas – MG
2017
1- Evolução histórica da vítima e surgimento da Vitimologia

A História da Vitima se deu em três fases:


A primeira foi a fase da vingança privada e da justiça privada, também conhecida
como “idade de ouro” da vítima, sendo que tal período marcou profundamente a civilização,
pois foi neste momento em que o vitimizado deteve em suas mãos a garantia de escolher a
forma que seria solucionado o problema decorrente do delito, ou seja, lhe era facultado o
direito de vingança ou de compensação em relação ao seu agressor. Considerando essa
vingança como uma forma de resposta à agressão, estava baseada em impor ao algoz punições
físicas, retirada de seus bens materiais, podendo chegar até à sua morte. Esses direitos
concedidos às vítimas nos primórdios da existência do direito tinham, além da finalidade de
proporcionar ao ofendido uma satisfação pessoal, o propósito primário de fazer que voltasse a
prevalecer a paz originária da coletividade que fora conturbada em decorrência da prática do
fato criminoso.
Na segunda fase da história da vítima, momento em que a mesma, marginalizada,
passou a ficar em segundo plano decaindo de sua até então posição central para uma posição
periférica, ocorreu a sua neutralização e inevitável enfraquecimento. Após o surgimento das
organizações sociais através da evolução social e política, se compreendeu que não era mais
de interesse a vingança ilimitada, havendo, portanto, o desaparecimento do instituto da
vingança privada. Nasce nesse momento o Direito Penal como matéria de ordem pública,
sendo que a partir de então, o Estado traz para si a responsabilidade da administração da
justiça, passando a ser o único possuidor da persecutio criminis. (Calhau, 2003)
Já a terceira, e atual fase da vítima, denominada como a fase do redescobrimento,
teve seu início com o fim da II Guerra Mundial, momento em que a nação mundial presenciou
perplexa, um dos maiores atos de atrocidades já praticados que foi o martírio de seis milhões
de judeus em campos de concentração nazistas sob o comando de Adolf Hitler. Nesta fase,
portanto, surge a Vitimologia, que neste momento estava encarregada de realizar a referida
redescoberta, pois passou a estudar qual o motivo do esquecimento do sistema penal em
relação à vítima e qual era a razão da mesma não poder se enquadrar no rol dos sujeitos de
direitos, pois tal prerrogativa era concedida aos acusados.

A Vitimologia tem como seu fundador Benjamin Mendelsohn, Advogado e Professor


Emérito de Criminologia da Universidade Hebraica de Jerusalém, que no ano de 1947
apresentou sua conferência “Um novo Horizonte na ciência biopsicossocial – a Vitimologia”.
Nessa conferência o autor deixa claro de que não se poderia mais considerar a vítima como
simples coadjuvante de um ilícito penal, não podendo mais ser taxada como mero sujeito
passivo do crime, enfatizando ser indispensável o estudo do comportamento vitimológico, os
atos conscientes e inconscientes que podem levar à eclosão de um crime. Propõe também a
sistematização de pesquisas e estudos sobre o referido assunto, não mais como um ramo da
Criminologia, mas como uma ciência própria e autônoma denominada de Vitimologia.
Depois de vários anos de pesquisas, é lançada por Mendelsohn no ano de 1956 “A
Vitimologia”, obra que foi publicada na Revista Internacional de Criminologia e de Polícia
Técnica, sendo posteriormente reproduzida nas demais revistas de grande prestígio político no
mundo. (Moreira Filho, 2004)
Apesar de Mendelsohn ser considerado pelos especialistas como o fundador da
Vitimologia, não se pode deixar de citar a existência de vários trabalhos de importante
conteúdo, divulgados em datas anteriores.
Um deles foi o trabalho do Professor Marvin Wolfgang, direcionado exclusivamente
ao homicídio provocado pela vítima, relatando que Gabriel Tarde, em sua obra A Filosofia
Penal (1912), criticou as legislações por se focarem, quase que exclusivamente para a
premeditação do delito pelo delinquente, se voltando de forma irrelevante aos motivos que
mostram uma significativa inter-relação entre a vítima e o criminoso.
Hans Gross, no ano de 1901, na Alemanha, tratou sobre a credulidade das vítimas de
fraude, tendo, também, Edwin Sutherland, em 1980, nos Estados Unidos, realizado um
trabalho sobre a vítima que contribui, pelo uso de sua má-fé para a fraude do escroque,
trabalho este, que levou Willy Callewaert a dissertar na França uma tese relacionada
“A Vítima por Desonestidade Própria”. (Edmundo Oliveira, 2005)
Ernest Roesner lançou em 1936 e 1938 na Alemanha, dois estudos sobre homicidas
relacionados com suas vítimas, se valendo de estatísticas de condenados cumprindo pena
privativa de liberdade.
Após a conferência apresentada por Mendelsohn em 1947, a qual representou um
marco para a abertura dos conhecimentos técnicos em relação à vítima, valiosas contribuições
foram surgindo que, de algum modo, se vinculam com os temas da Vitimologia na órbita
científica.
Hans Von Hentig, um dos primeiros estudiosos da vítima, fez a classificação de
vítima nata, como sendo aquela que detêm um comportamento agressivo, de personalidade
insuportável, que pelo modo de agir, de viver, propicia a ocorrência de um delito. Seu estudo
teve grande significado para acabar com a visão da vítima como sendo apenas mero sujeito
passivo da ação criminosa, pois ela poderá, em diversos níveis, revelar uma função
criminógena e até mesmo apresentar uma alta tendência para se tornar vítima.
Em 1979 foi criada a Sociedade Mundial de Vitimologia, e em 28 de julho de 1984,
foi fundada no Rio de Janeiro a Sociedade Brasileira de Vitimologia, através da união de
vários especialistas das áreas de Direito, Medicina, Psiquiatria, Psicanálise, Psicologia,
Sociologia e Serviço Social, além de outros estudiosos das ciências sociais, que se uniram
para consolidar no Brasil os conhecimentos relacionados com a novel ciência da Vitimologia.
Essa Sociedade tem como objetivo realizar estudos, pesquisas, seminários e congressos
referentes ao tema, mantendo, para tanto, contato com outros grupos nacionais e
internacionais organizando reuniões regionais, nacionais ou internacionais sob aspectos
relevantes dos diversos campos do Direito que refletem na ciência da Vitimologia.
Finalmente, no ano de 1985, na Assembleia Geral da ONU, foi aprovada a
Declaração dos Princípios Básicos de Justiça para as Vítimas de Delito e de Abuso de Poder,
mesmo ano em que a Sociedade Mundial de Vitimologia foi credenciada como órgão
consultivo.
Essa declaração foi extraída dos debates realizados no Sétimo Congresso das nações
Unidas, realizado em Milão, Itália, o qual tratou da Prevenção do Delito e do Tratamento do
Delinquente, cujo seu conteúdo relata que a vítima vem a ser a pessoa que, individual ou
coletivamente, tenha sofrido alguma espécie de dano, podendo ser lesão física ou mental,
sofrimento emocional, perda financeira ou diminuição substancial de seus direitos
fundamentais, como consequência de ações ou omissões que transgridam a norma penal
vigente nos Estados Membros, ou que, embora não haja violação das leis penais nacionais,
violem normas internacionais reconhecidas referentes aos Direitos Humanos. (Edmundo
Oliveira, 2005)

Conhecido o histórico do surgimento do termo Vitimologia, passamos agora a


analisa-lo sob um aspecto mais contemporâneo, onde discutiremos como se aplicas às novas
modalidades de crimes, mais precisamente, os cibernéticos.

A cada minuto, 54 pessoas são vítimas de crimes cibernéticos no Brasil, segundo a


multinacional Symantec, empresa de segurança na internet. O mundo virtual é campo fértil
para os pedófilos e também para hackers que limpam contas bancárias e devassam arquivos
pessoais na web, em busca de algo que possa ser usado para extorquir o dono do computador.
Só nas duas delegacias especializadas de Belo Horizonte estão em andamento mil
procedimentos inquéritos abertos ou diligências iniciadas de casos registrados em Minas.

A criminalidade está disseminada pela rede mundial de computadores, espalhando


armadilhas para milhares de usuários anônimos. Foi a grande repercussão, porém, da
exposição da intimidade de uma pessoa famosa que fez o Congresso Nacional acordar para a
necessidade de aprovar leis que ajudem a frear os hackers, No ano de 2012 foi aprovada na
Câmara Federal o projeto de lei 2.793/2011, que prevê penas de até cinco anos de prisão para
quem comete crimes cibernéticos. No entanto o texto foi aprovado e recebeu o aval do Senado
e passou pela sanção da presidente Dilma Rousseff entrou em vigor em 30 de nov de 2012.

A aprovação chamada de simbólica, por ter sido a toque de caixa, após rápido acordo
entre os deputados federais ocorreu depois que a atriz Carolina Dieckmann foi vítima de
tentativa de extorsão e de crime contra a honra. Fotos em que ela aparece nua foram extraídas
do laptop da atriz. O hacker exigiu R$ 10 mil da vítima, que se negou a pagar, e as imagens
foram divulgadas na internet. A nova lei tipifica o crime de devassa de dispositivo de
informática alheio, prevendo pena de três meses a um ano de prisão e multa. No caso da
Carolina Dieckmann, o acusado poderia responder por extorsão e injúria, previstas no Código
Penal, mas não havia tipificação para a devassa do computador, uma vez que a informática foi
o meio usado para cometer o crime.

Nossas crianças estão sendo aliciadas para o mundo cibernéticos estão sendo levado
a cometer tais crimes e serão mais vítimas do que as próprias vítimas, serão então pessoas que
não chegaram a ter o conhecimento do mundo real, pois precocemente estão trancafiadas
nesse escuro mundo com o pseudônimo de segurança, nosso jovem adolescentes perdido na
marginalidade virtual com equipamento ainda mais potentes, também são vítimas de um
mundo moderno .Nesse contexto se apresenta a importância da vitimologia, com esse estudo é
capaz de encontrar vítima e vitimados dentro de uma faixa etária de idade, classe social e até
os meios pelos os quais se cometem os delitos, assim como as possíveis razões do
cometimento de tais delitos e quais as razões os levaram para esse mundo.

De acordo com a DRCI-Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática se pode


evidenciar algumas especificidades de atos ilícitos realizados por meio virtual e que já
possuem previsão legal. São eles:

• Calúnia: Art. 138 do Código Penal;

• Difamação: Art.139 do Código Penal;

• Injúria: Art. 140 do Código Penal;

• Ameaça: Art.147 do Código Penal;

• Furto: Art.155 do Código Penal;

• Dano: Art.163 do Código Penal;

• Apropriação Indébita: Art. 168 do Código Penal;

• Estelionato: Art. 171 do Código Penal;

• Violação de direito autoral: Art. 184 do Código Penal;

• Pedofilia: Art. 247 da Lei 8.069/90 (Estatuto de Criança e do Adolescente);

• Crime contra a propriedade industrial: Art.183 e segs. da Lei 9.279/96;

• Interceptação de comunicações de informática: Art. 10 da Lei 9.296/96;


• Interceptação de E-mail comercial ou pessoal: Art.10 da Lei 9.296/96

• Crimes contra software (conhecido popularmente como pirataria): Art.12 da Lei 9.609/98.

Crimes cibernéticos. Disponível em: https://divinaldo.escavador.com/artigos/529/crimes-


ciberneticos-o-uso-do-tcp-ip-e-mac-como-importantes-alternativas-na. Acesso em 09 de
março de 2017, 11:34.

Como visto, são diversas as modalidades de crimes cibernéticos, que vão de crimes
contra o patrimônio, contra a dignidade em suas varias vertentes (sexual, religiosa, de gênero,
etc.) podendo desencadear, em casos mais extremos, em crimes contra a vida ou hediondos.

Aqui vamos nos concentrar na modalidade de crimes contra a imagem, sob a ótica da
“recente” lei 12.737, de 30 de novembro de 2.012, conhecida nacionalmente como lei
Carolina Dieckmann, por ter sido aprovada em caráter de urgência, e editada em tempo
record, em comparação com outras leis, após a referida atriz ter fotos em situação íntima
divulgadas de um aparelho eletrônico, que dispõe:
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional
decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o Esta Lei dispõe sobre a tipificação criminal de delitos informáticos e
dá outras providências.
Art. 2o O Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal,
fica acrescido dos seguintes arts. 154-A e 154-B:
“Invasão de dispositivo informático
Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede
de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e
com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem
autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar
vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
§ 1o Na mesma pena incorre quem produz, oferece, distribui, vende ou
difunde dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir a
prática da conduta definida no caput.
§ 2o Aumenta-se a pena de um sexto a um terço se da invasão resulta
prejuízo econômico.
§ 3o Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações
eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações
sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do
dispositivo invadido:
Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não
constitui crime mais grave.
§ 4o Na hipótese do § 3o, aumenta-se a pena de um a dois terços se houver
divulgação, comercialização ou transmissão a terceiro, a qualquer título, dos
dados ou informações obtidos.
§ 5o Aumenta-se a pena de um terço à metade se o crime for praticado
contra:
I - Presidente da República, governadores e prefeitos;
II - Presidente do Supremo Tribunal Federal;
III - Presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Assembleia
Legislativa de Estado, da Câmara Legislativa do Distrito Federal ou de
Câmara Municipal; ou
IV - dirigente máximo da administração direta e indireta federal, estadual,
municipal ou do Distrito Federal.”
“Ação penal
Art. 154-B. Nos crimes definidos no art. 154-A, somente se procede
mediante representação, salvo se o crime é cometido contra a administração
pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, Estados, Distrito
Federal ou Municípios ou contra empresas concessionárias de serviços
públicos.”
Art. 3o Os arts. 266 e 298 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de
1940 - Código Penal, passam a vigorar com a seguinte redação:
“Interrupção ou perturbação de serviço telegráfico, telefônico, informático,
telemático ou de informação de utilidade pública
Art. 266. ........................................................................
§ 1º Incorre na mesma pena quem interrompe serviço telemático ou de
informação de utilidade pública, ou impede ou dificulta-lhe o
restabelecimento.
§ 2o Aplicam-se as penas em dobro se o crime é cometido por ocasião de
calamidade pública.” (NR)
“Falsificação de documento particular
Art. 298. ........................................................................
Falsificação de cartão
Parágrafo único. Para fins do disposto no caput, equipara-se a documento
particular o cartão de crédito ou débito.” (NR)
Art. 4o Esta Lei entra em vigor após decorridos 120 (cento e vinte) dias de
sua publicação oficial.
Brasília, 30 de novembro de 2012; 191o da Independência e 124o da
República.
DILMA ROUSSEFF
José Eduardo Cardozo
Este texto não substitui o publicado no DOU de 3.12.2012 (Lei 12.272 de 30
de Novembro de 2012, publicada em

Apesar do fato citado ter sido uma tentativa de extorsão, não será esse o foco do
nosso estudo, mas sim, a obtenção e divulgação indevidas das imagens, e para tratar da
participação da vítima, vamos pedir ajuda ao ramo da psicologia que trata do ego, no sentido
da necessidade pessoal de se expor.

Vejamos a reportagem da revista Isto É, que trata do assunto, em sua edição de


número 2300, de 18 de dezembro de 2013:
A era do exibicionismo digital
O que leva cada vez mais pessoas a abrir mão de sua privacidade e divulgar
detalhes da sua intimidade nas redes sociais, numa exposição sem limites e
repleta de riscos.
"Ela não anda, ela desfila, é top, capa de revista. É a mais mais, ela arrasa no
look. Tira foto no espelho pra postar no Facebook"
O funk “Ela é Top”, de MC Bola, onipresente nas pistas brasileiras desde
abril do ano passado, descreve uma típica garota carioca, de formas, gestuais
e vestuário superlativos, que, não contente em chamar a atenção por onde
passa, registra todos os seus provocantes trajes em fotos e as posta nas redes
sociais. Tamanho sucesso tem explicação óbvia, além do ritmo pegajoso e
hipnotizante. O hábito da musa de MC Bola é adotado por milhões de
pessoas, homens e mulheres que, desde a mais tenra idade, numa viagem um
tanto inconsequente e com altas doses de carência, diversão e
despreocupação, abrem mão da privacidade e compartilham sua rotina e
intimidade nas redes sociais, numa exposição sem limites e repleta de riscos.
Até o presidente dos Estados Unidos embarcou nessa onda egocêntrica. Na
terça-feira 10, Barack Obama, o primeiro ministro britânico, David Cameron,
e a premiê da Dinamarca, Helle Thorning-Schmidt, ganharam a atenção do
mundo ao registrarem um polêmico autorretrato pelo celular durante o
funeral do líder africano Nelson Mandela.
Ainda que a foto não tenha ido parar em nenhuma rede social, o gesto do
poderoso trio é uma marca dos dias atuais, tanto que ganhou um nome: selfie.
O termo em inglês é usado para descrever fotos de si mesmo e foi eleito pelo
“Dicionário Oxford” como a palavra do ano. Se antes as chances de
fotografar pessoas e momentos únicos estavam restritas a, no máximo, 36
poses de um filme, hoje as novas tecnologias possibilitam infinitas tentativas,
com os mais diversos conteúdos. São inúmeras as ferramentas para registrar
imagens e lugares, produzir vídeos e publicá-los na internet, passatempo hoje
de milhões de usuários das redes sociais. O Brasil se destaca nessa área. Uma
pesquisa realizada pela Nielsen detectou que os brasileiros são os que mais
usam mídias sociais no mundo, superando países mais populosos como
Estados Unidos, Índia e China. O levantamento mostra que 75% da
população nacional acredita que a principal função do smartphone é acessa-
las.
“As pessoas gostam de se relacionar e de contar aspectos de sua vida
particular às outras e a web potencializou esse comportamento”, afirma
Fernanda Pascale Leonardi, especialista em direito digital. “Os brasileiros
têm o hábito de se expor, de dizer que vão viajar, de contar o que compraram,
mas é preciso entender que na internet há um nível insuficiente de
privacidade.” A bacharel em direito Gabriela Fonseca, 25 anos, é adepta das
redes sociais desde os tempos do Orkut. Por meio dele, por exemplo,
conheceu o marido, Bruno Barioni. E pelas novas plataformas descobriu um
jeito inovador de organizar seu casamento. “Encontrei minha assessora por
meio do Facebook e todos os fornecedores foram contratados pelo
Instagram.” Um dia antes da cerimônia, Gabriela teve a ideia de pedir para
seus convidados desbloquearem as redes sociais para que ela pudesse ter
acesso às fotos do dia. Com isso, criou-se uma teia de amigos que
compartilhavam informações sobre o evento. “Percebi que as pessoas
começaram a usar mais as redes sociais durante as cerimônias”, diz. Temos,
então, o que muitos críticos apontam como a sociedade do espetáculo, na
qual comemorações particulares ganham ares de grandes acontecimentos
públicos.
A publicitária Ângela de Carvalho Valadão, 23 anos, também sempre foi uma
entusiasta das redes sociais e tinha necessidade de compartilhar detalhes de
sua rotina. “Quando o Instagram surgiu, fiquei bem viciada, postava fotos de
tudo o que eu fazia, do que comia ou comprava”, afirma. “Não conseguia
ficar dois dias sem usar.” Ângela conta, no entanto, que no ano passado
sentiu que era preciso se afastar do Facebook, após o término de um
relacionamento. “Publicava letras de músicas e frases bem tristes, depois não
gostava que as pessoas viessem me perguntar o que estava acontecendo”,
conta. Ela percebeu que perdeu o controle da situação e deixava que qualquer
um participasse de sua intimidade. “Ficava incomodada com uma coisa que
eu mesma permitia que acontecesse”, conta. Hoje, Ângela encontrou uma
nova forma de usar as redes sociais. A publicitária optou por compartilhar
apenas momentos positivos. “As pessoas continuam comentando o que
publico, mas agora estou certa de que são informações que realmente quero
tornar públicas.” Com cerca de 900 fotos publicadas no Instagram e mais de
300 seguidores, Ângela costuma postar fotos de seus cachorros, momentos
com amigos e de si mesma.
“O ser humano criou a necessidade de se expor em um grupo virtual. É
possível criar fantasias nesse mundo e uma imagem daquilo que gostaríamos
de ser”, diz Ana Luiza Mano, psicóloga do núcleo de pesquisa de psicologia
em informática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
A sociedade vive um momento de supervalorização do “eu”. “As pessoas
constroem a personalidade de forma a ter mais visibilidade, é uma maneira de
se transmitir para o mundo”, diz Rodrigo Nejm, diretor de prevenção da
SaferNet Brasil. E isso ocorre de forma instantânea. Uma vez publicado, um
post pode receber imediatamente curtidas ou comentários. A celeridade na
reação dos amigos é um dos fatores que trazem bem-estar. Se o grupo se
comportar com indiferença, o internauta tende a se sentir um fracassado.
“Temos percebido uma ansiedade e um imediatismo muito grande”, diz a
psicóloga Ana Luiza. “Motivadas pelas redes sociais, as pessoas desejam ter
uma resposta muito rápida e quando isso não acontece acabam passando por
um processo de frustração.”
Publicar fotos no Facebook se tornou um passatempo divertido para a
administradora de empresas Renata Coelho Ricci, 36 anos. Para ela, as redes
sociais ganharam outra dimensão desde que ficou grávida. “Estava de licença
médica do trabalho e criei o hábito de publicar fotos da gravidez”, diz.
Renata conta que o retorno é sempre imediato. “Amigos, família, pessoas
distantes e gente que nem imaginamos curtem nossas fotos.” A
administradora pretende continuar publicando as fotos do filho Miguel, hoje
com dois anos, e, por enquanto, ainda não se preocupa com o que o ele possa
pensar no futuro sobre essa exposição involuntária. “É uma maneira de deixar
as pessoas admirá-lo.” O sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, da
Universidade Federal do ABC, alerta: “A maioria das pessoas nem imagina o
poder do compartilhamento de informações.”
Tudo o que é postado na rede deixa uma espécie de rastro virtual e pode
colocar em risco a privacidade do usuário. “As redes sociais montam um
banco de dados de tudo o que fazemos e as empresas vêm se aperfeiçoando
nas tecnologias de monitoramento, por isso é fundamental pensar em formas
de se proteger durante a navegação”, diz Silveira. Existem diversos riscos
implícitos no simples ato de publicar uma informação pessoal na rede. Sem
perceber, os usuários acabam divulgando detalhes importantes acerca de sua
rotina. “Não é recomendável publicar que estamos saindo de férias, que a
casa ou o apartamento ficará sem ninguém”, afirma a especialista na área
digital Fernanda Leonardi. “Também não é aconselhável postar fotos com
crianças com roupas de praia. As imagens podem ser facilmente usadas por
sites de pornografia infantil.” Além disso, o retrato ou o comentário
considerado engraçado hoje pode se tornar um problema amanhã. Várias
empresas olham o conteúdo do que os aspirantes a um emprego colocam na
internet e, dependendo do que está exposto, eles podem perder a vaga. Outro
componente importante é o cyberbullying. “As pessoas que publicam fotos
com frequência tornam a sua imagem pública e ficam vulneráveis”, alerta a
psicóloga Ana Luiza. “Muitos usuários perdem o controle sobre a sua
imagem e não estão preparados para administrar as consequências de uma
agressão que pode vir de um anônimo ou não.”
Quem experimentou a ampla repercussão de uma imagem divulgada numa
rede social foi o jogador Emerson Sheik, do Corinthians. O atacante
enfrentou uma avalanche de críticas, em agosto deste ano, depois de publicar
uma foto em que aparecia dando “um selinho” em um amigo para comemorar
a vitória do clube sobre o Curitiba no Campeonato Brasileiro. Dezenas de
celebridades também têm o hábito de postar fotos nas redes sociais,
compartilhando sua rotina com os fãs. A apresentadora Luciana Gimenez
passou a semana passada publicando imagens de sua barriga e de detalhes de
sua calcinha. A modelo Gisele Bündchen postou uma foto sua de roupão
amamentando a filha Vivian. São momentos íntimos que eles mesmos
divulgaram. Por isso, é curioso que depois costumem reclamar de invasão de
privacidade por parte da imprensa quando são fotografados em locais
públicos.
A justificativa mais comum das celebridades para ser atuante nas redes
sociais é a possibilidade de se comunicar sem filtros com os fãs e fazer com
que se sintam próximos delas. A atriz Thaila Ayala é uma das mais ativas.
Publica fotos de viagens, moda e imagens relacionadas à proteção de
animais. Ela afirma, entretanto, que tenta se precaver antes de divulgar
qualquer informação. “Hoje, tudo é tomado como verdade absoluta, então é
muito difícil postar um conteúdo com alguma ironia, com duplo sentido”, diz.
“As pessoas não querem pensar sobre o que é compartilhado; então, temos
que publicar mensagens mais práticas”, afirma.
O Instagram, o mais popular aplicativo para postar fotografias, permite aos
usuários se tornar uma espécie de “microcelebridade”. Quem publica
imagens tem a sensação de inspirar seus seguidores em diferentes aspectos –
desde o jeito de vestir até a prática de atividades físicas. A designer Gabriela
Pugliesi, 27 anos, é dona de um dos perfis mais seguidos do Instagram. Ela
entrou para a rede social postando fotos de quando praticava exercícios
físicos e decidiu apostar no estilo fitness para “inspirar os demais usuários”.
“Gosto de ver as pessoas se alimentando bem e praticando exercícios; então,
comecei a usar o Instagram com essa finalidade”, afirma. Quando os usuários
aumentaram, a blogueira passou a receber mensagens de pessoas que diziam
ter mudado de vida por sua causa. “Hoje preciso postar, é o meu trabalho”,
diz.
A autopromoção é o que mais se vê nas redes sociais atualmente. O gerente
de projetos Peter Hahmann, 26 anos, gosta de compartilhar mensagens
motivacionais e usar as redes sociais como um canal para se promover. “Se
todo mundo posta fotos do trânsito ruim, publico uma imagem bonita para
inspirar as pessoas”, diz. Ele também costuma divulgar fotos de viagens e
passeios e o que mais gosta é o retorno que alcança. “As pessoas vêm falar
comigo e dizem que precisam ouvir exatamente aquilo que postei.”
Rafael Nakamura, 30 anos, mora e trabalha em Cabo Frio, Rio de Janeiro, em
uma plataforma de petróleo. Em seus momentos de lazer, costuma frequentar
a academia. Mas mesmo durante os exercícios físicos ele conta que não deixa
o celular de lado. “Publico fotos de vitaminas que compro para o corpo
porque as pessoas vêm conversar comigo e pedir informações”, afirma.
“Desde o início do Facebook, compartilho fotos de academia e de produtos
para melhorar a disposição; assim, muitos se inspiram em mim”, conta,
admitindo estar alimentando sua vaidade com esse gesto. “Gosto disso, faz
bem para o ego.” Registrar o lugar exato onde está – o famoso check in –
também é um hábito de Nakamura. “Quando saio à noite, gosto de fazer
check in porque tem muitos restaurantes e bares que oferecem brindes”,
afirma. A pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação
Getulio Vargas, Joana Varon Ferraz, explica que há um número cada vez
maior de pessoas que criam perfis para compartilhar conteúdo relacionado a
autopromoção. “Caiu no gosto popular fazer uma espécie de marketing
pessoal nas redes sociais”, diz ela.
Na contramão dos exibicionistas, um grupo de pessoas que parecem estar
saturadas dos efeitos causados pelas redes sociais começa a ganhar força.
Para Rodrigo Nejm, da SaferNet, aparecem os primeiros sinais de cansaço
digital. Mais poderosa rede social do mundo, o Facebook, por exemplo,
começou a registrar uma diminuição no número de usuários. “Algumas
pessoas já estão migrando para redes sociais que tentam garantir um nível
maior de privacidade”, afirma Nejm. Isso não significa que a era do “selfie”
esteja com os dias contados. Ela é um caminho sem volta, dizem os
especialistas. Mas, se o exibicionismo digital for feito com responsabilidade e
segurança, já é um bom começo.

Como visto, o estudo da vitimologia não é um assunto recente, e podemos identifica-


lo nos mais diversos âmbitos na análise da criminologia, inclusive no âmbito virtual, nos
chamados crimes cibernéticos, tema que iremos estudar neste trabalho, mais especificamente
no que se refere ao direito de imagem.

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