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LINGUAGEM,

INTERAÇÃO E
SOCIEDADE
DIÁLOGOS SOBRE O ENEM

LEILANE RAMOS DA SILVA RAQUEL


MEISTER KO.FREITAG
Organizadoras

Coleção Gelins
Volume II

Editora do CCTA João Pessoa 2015


© Copyright by Gelins, 2015

Produção Gráfica e Capa DAVID FERNANDES

Revisão DÉBORA REIS AGUIAR

FICHA CATALOGRÁfICA

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SUMÁRIo

APRESENTAÇÃO .......................................................................... 9

INTRODUÇão ........................................................................ 15

LInGUAGEM, InTERAçÃO E SOCIEDADE: o EnEM COMo foco DE PESQUISAS GELIns


Raquel Meister Ko. Freitag, Leilane Ramos da Silva, Denise Porto Cardoso, Isabel Cristina
Michelan de Azevedo & Taysa Mércia dos Santos de Souza Damaceno.................................25

SEÇÃo I
As COMPETÊNcIAS DA PRovA DE REDAçÃO

A c OMPETÊNcIA I nA pROVA DE REDAÇÃO DO EnEM


Raquel Meister Ko. Freitag....................................................................................................................... 23

ORGANIzAÇÃO DE TEXTos DISSERTATIVO-ARGUMEnTATIVOs EM PROSA: o QUE


SE PERCEBE EM DEZ Anos DE REAlIzAÇÃO Do EnEM?
Isabel Cristina Michelan de Azevedo ....................................................................................................... 33

O ESTATUTo DA lEITURA nA REDAÇÃO DO EnEM 2014: o cASO DA fUGA AO


TEMA
Solange dos Santos & Débora Reis Aguiar .............................................................................................. 51

ARGUMENTAÇÃO E MATRIz DE REFERÊNcIA DO EnEM: o ESPAÇo DA


c OMPETÊNcIA III no lIVRo DIDÁTICo EM SERGIPE
Leilane Ramos da Silva, Danillo da Conceição Pereira Silva, Layane Mayara Dantas da Cruz &
Nathalia da Silva Paixão ............................................................................................................ 63

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A PRODUÇÃO ESCRITA EM PROCESsos sELETIVOS E o DESENVOLVIMENTo DE
c OMPETÊNcIAS E CAPACIDADES
Aline Malaquias da Silva & Regina Celi Mendes Pereira....................................................... 79

E XERCÍcIo DA CIDADAnIA E DIREITos HUMANos: AS fUNçÕES DA


c OMPETÊNcIA V nA REDAÇÃO Do EnEM
Ricardo Nascimento Abreu ..................................................................................................... 97

SEÇÃo II
A PROVA DE LInGUAGENs, cÓDIGOS E SUAS TECnolOGIAS

O ESTATUTo DA VARIAÇÃO lInGUíSTICA nAS PROVAS DO EnEM


Sammela Rejane de Jesus Andrade ......................................................................................................... 111

PERFORMatividade E MoDAlIzAÇÃO nA pROVA DO EnEM


Leilane Ramos da Silva, Jaqueline dos Santos Nascimento, Layane Mayara Dantas da Cruz &
Nathalia da Silva Paixão ............................................................................................................ 129

AlTERNÂncIA GÊNERO/ TEXTo nAS QUESTÕES DA PROVA DE LInGUAGENs,


CÓDIGOs E SUAS TECnolOGIAS DO EnEM
Denise Porto Cardoso, Fabíola dos Santos Lima & Francielle Santos Araújo ........................................ 139

SEÇÃo III
IMPActos E PERCEPÇÕES DO EnEM

O EnEM ENQUANTo políTICA pÚBlICA


Marlucy Mary Gama Bispo ...................................................................................................................... 151

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O DESEMPEN ho nA PROVA DE REDAÇÃO DO EnEM DA REDE ESTADUAL DE SERGIPE
Raquel Meister Ko. Freitag, Fernando da Cunha Mendonça & José Júnior de Santana Sá ........... 163

IMPActos DO EnEM SOBRe o ColÉGIO DE AplICAÇÃO DA UnIVERSIDADE FEDERAl


DE SERGIPE
Maria Josefa de Menezes Almeida......................................................................................... 173

O EnEM: MAl ESTAR ConTEMPORÂnEO


Onireves Monteiro de Castro ..................................................................................................179

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APRESENTAÇÃo

A Coleção Gelins firma-se na proposta de divulgar à comunidade acadêmica


resultados das pesquisas que têm sido desenvolvidas no âmbito do grupo de estudos
de nome homônimo, cujo foco é intercambiar áreas do saber linguístico, fomentando
abordagens centradas na tríade ‘linguagem, interação e sociedade’. Neste seu
segundo volume, a ideia é trazer à baila pesquisas que têm sido desenvolvidas, no
escopo da linha ‘Competências comunicativas: formação docente ensino de língua
materna’, sobre o Exame Nacional do Ensino Médio – Enem, dada a importância
que este instrumento de aferição das habilidades dos egressos da educação básica
assume nos dias atuais.
Incurso num conjunto de políticas públicas que sistematicamente instituem
avaliações seletivas e/ou diagnósticas em larga escala, o Enem é, sem dúvida, um
dos instrumentos mais comentados junto às escolas, secretarias de educação,
universidades e demais espaços sociais e, como tal, tem despertado estudos nos
diversos segmentos que legitimam a educação no país. A par dessa emergência, o
Gelins, desde 2009, subsidia e incentiva estudos que vão desde a observação do
estatuto da leitura, do tipo de gênero e de questão na prova do Enem, até àqueles
cujo olhar se volta para a ideologia que perpassa a formulação desse exame como
política pública, passando pelos que analisam como a sua inserção vem,
gradativamente, contribuindo para uma mudança na práxis educacional em
Sergipe.
Considerada, então, a relevância social da temática e, claro, em razão do bom número
de projetos já executados com foco no Enem, com alegria, a equipe Gelins aprovou
a publicação em livro do que tem desenvolvido sobre tão impactante teste
diagnóstico e seletivo da educação básica brasileira. Este livro abriga, então, a
introdução da proposta de trabalho, intitulada “Linguagem, interação e
sociedade: o Enem como foco de pesquisas Gelins”, assinada pelas pesquisadoras
sêniores do grupo, a qual situa o Enem como um exame em larga escala e aponta
alguns dos estudos realizados pelo Gelins, 12 capítulos e um ensaio, distribuídos
em três seções: i) Competências da prova de redação; ii) A prova de Linguagem,
códigos e suas tecnologias; e iii) Impactos e percepções do Enem.

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Abrindo a seção I, Raquel Freitag, em seu “A competência I na prova de redação do
Enem”, analisa os documentos norteadores do Enem, as diretrizes desse exame
seletivo e a matriz de competência para a avaliação da prova de redação,
especificamente no que diz respeito ao tratamento da norma e da diversidade
linguística no cenário brasileiro, e mostra que a competência I da referida matriz
não condiz com o que preveem os Parâmetros Curriculares Nacionais e o
Programa Nacional de Livro Didático. A autora aponta, entre outras, que essa
divergência penaliza o estudante da escola pública, de modo a ampliar o abismo
social em terras brasileiras.
Em “Organização de textos dissertativo-argumentativos em prosa: o que se percebe
em dez anos de realização do Enem?”, Isabel Azevedo apresenta uma discussão
sobre o escopo da competência II, enfatizando como sua respectiva evolução no
processo avaliativo parece estar alinhada ao reconhecimento do gradativo valor que
a argumentação passou a ter na sociedade.
Em sendo a intepretação da proposta o elemento primeiro da competência II, e dado
o número expressivo de redações avaliadas com nota 0 pelo critério ‘fuga ao tema’,
na edição de 2014, Solange dos Santos e Débora Aguiar, em “O estatuto da
leitura na redação do Enem 2014: o caso da fuga ao tema”, trazem
questionamentos sobre os motivos que provocaram esse desempenho
deficitário dos egressos do ensino médio. Em linhas gerais, validam que o
deslocamento temático na prova, que se traduz como ‘fuga ao tema’, relaciona-
se às dificuldades afetas ao tratamento da leitura, na medida em que o candidato não
identifica adequadamente o eixo temático sobre o qual o seu texto deve versar.
Também na linha de destaque para o estatuto da argumentação, Leilane Ramos da
Silva, Danillo Pereira, Layane Cruz e Nathalia Paixão reconhecem, no capítulo
“Argumentação e matriz de referência do Enem: o espaço da competência III no livro
didático em Sergipe”, a definição da competência III da matriz de avaliação das
redações do Enem enquanto habilidade cognitiva e voltam-se para a análise do espaço
que esse expediente linguístico-discursivo ocupa nas atividades voltadas para a
produção do texto dissertativo-argumentativo da coleção de língua
portuguesa/ensino médio mais adotada na Grande Aracaju. Grosso modo, os
autores evidenciam a dissociação entre o que preveem os documentos oficiais que
legitimam o Enem, o currículo de língua portuguesa considerado nesse tipo de
avaliação e a concepção de linguagem respaldada no livro didático selecionado
para análise.
À luz de aportes teórico-metodológicos do Interacionismo Sociodiscursivo, em “A
produção escrita em processos seletivos e o desenvolvimento de

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competências e capacidades”, Aline Malaquias e Regina Pereira apresentam,
focando os eixos avaliativos propostos pela matriz do Enem, especificamente os
relacionados à Competência IV, referente ao conhecimento dos mecanismos
gramaticais necessários à construção da argumentação, uma análise de redações
elaboradas por candidatos inscritos no Processo Seletivo Seriado 2012 da
Universidade Federal da Paraíba.
O último capítulo da seção I, intitulado “Exercício da cidadania e direitos humanos:
as funções da competência V na redação do Enem”, de Ricardo Abreu, a par de uma
discussão necessária sobre a formação cidadã do indivíduo como meta da
educação, discute as peculiaridades da competência V da matriz de avaliação da
redação do Enem e faz emergir a responsabilidade de a escola garantir ao indivíduo
uma formação menos apegada a preconceitos e mais consciente de uma sociedade
plural, em que todos têm direito à dignidade humana.
A seção II é aberta com o capítulo “O estatuto da variação linguística nas provas do
Enem”, de Samella Andrade, cuja finalidade é observar as competências exigidas na
prova de Linguagens, códigos e suas tecnologias do Enem, do período
compreendido entre 2000 e 2012, a partir da ênfase nos aspectos
sociolinguísticos, de modo a responder se a prova aplicada nessas edições
mantém (ou não) um diálogo com as diretrizes dos PCN, com as do PNLD e com a
própria matriz de avaliação das redações do Enem.
Em “Performatividade e modalização na prova do Enem”, Leilane Ramos da Silva,
Jaqueline Nascimento, Layane Cruz e Nathalia Paixão, a par de uma perspectiva
acional, apresentam uma análise dos atos de fala incursos na prova de Linguagens,
códigos e suas tecnologias do Enem 2011. Tal análise focaliza aspectos inerentes
à estruturação dos atos de fala impressos nas referidas questões, à expressão de
modalização que atualizam, aos mecanismos de definição dos lugares do locutor e
do interlocutor nesse tipo de situação e, por fim, à própria relação que o tipo de ato
de fala em avaliação mantém com cada uma das questões formuladas na prova.
Ainda com foco em edições de prova na área de Linguagens, códigos e suas
tecnologias, Denise Porto Cardoso, Fabíola Lima e Franciele Araújo
conduzem o capítulo “Alternância gênero/texto na prova de questões de
Linguagens, códigos e suas tecnologias do Enem”. De modo prático, as autoras
espelham os gêneros e os domínios discursivos característicos das questões que
integram a prova de 2013, observando como tais categorias estão incursas no
exame e em que medida contribuem para a avaliação das competências e
habilidades conquistadas pelos egressos da educação básica.

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A terceira e última seção tem início com a leitura de “O Enem enquanto política
pública”, de Marlucy Bispo. O capítulo guarda como característica principal
analisar, a partir da consideração de fenômenos que envolvem conceitos técnicos do
modelo teórico de avaliação da policy cicle, de que modo a política de avaliação em
larga escala que legitima o Enem tem sido implementada e como este exame se
delineia nos dias atuais.
No limiar dessa questão, em “O desempenho na prova de redação do Enem da
rede estadual de Sergipe”, Raquel Meister Ko. Freitag, Fernando da Cunha
Mendonça & José Júnior de Santana Sá apresentam dados acerca dos impactos e
reflexos das avaliações externas do INEP no currículo da rede escolar, analisando o
desempenho dos estudantes da rede pública estadual de Sergipe na prova de
redação/Enem aplicada em 2012 e exibindo percepções e avaliações de alunos e
professores dessa esfera sobre esse desempenho.
A propósito desse olhar sobre ‘impactos’, Maria Josefa Almeida realça, no capítulo
“Impactos do Enem sobre o Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe”,
o significado que o Enem tem na atualidade, dando vez a um diálogo cujo foco reside
em destacar a atuação (ou não) desse instrumento de avaliação na organização
curricular do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe.
O desfecho desta edição se concretiza com o capítulo “O Enem: mal estar
contemporâneo”, de Onireves Castro, que traz algumas considerações peculiares ao
Enem, enquanto processo seletivo, focando o modo como este exame tem
impactado no ingresso de estudantes do Centro de Formação de Professores da
Universidade Federal de Campina Grande, em Cajazeiras-PB.
Agora que as linhas norteadoras deste volume já foram apresentadas, ressaltamos
o que há de mais protocolar: a alegria de estarmos cumprindo nosso papel como
professoras e pesquisadoras trazendo a lume mais uma publicação na área de estudos
linguísticos aplicados à prática pedagógica e de, para isso, contar com outras tantas
mãos. Sem dúvida, a produção é de todos, assim como a alegria também o é, porque,
para além de dedicação e compromisso diários, empreendemos amor ao que
fazemos. Nossos agradecimentos, então, a todos que integram a família Gelins, que
não mediram esforços para compilar os dados de seus projetos e nos enviar um
capítulo e, também, aos colegas que, não integrando formalmente este grupo,
também se dispuseram com zelo e atenção ao nosso pedido. De modo especial,
registramos nossa gratidão aos colegas de outros centros universitários, na torcida
por futuras parcerias de sucesso.
A você, que, como nós, dedica-se ao exercício do magistério, prepara-se para esta
atuação profissional ou simplesmente nos respeita pela singular

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contribuição social que deixamos para as gerações, dedicamos este livro, um dos
frutos de nossa preocupação em dirimir a suposta distância entre a universidade e o
ensino promovido na educação básica. Boa leitura!

São Cristóvão, 08 de setembro de 2015.

LEIlANE RAMos DA SIlVA E RAQUEL MEISTER Ko. FREITAG


-organizadoras-

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INTRODução
LINGUAGEM, INTERAÇÃO E SOCIEDADE:
O ENEM COMO FOCO DE PESQUISAS GELINS
RAQUEl MEISTER Ko. FREITAG LEILANE R AMos DA SILVA DENISE PoRTo C ARDOso
IsABEl CRISTINA MICHELAn DE AZEVEDO T AYSA MÉRCIA Dos SANTos SoUZA DAMACEno

No bojo das mudanças operacionalizadas na estrutura educacional brasileira,


especialmente do final dos anos de 1990 para cá, está a adoção de uma série de
políticas públicas que legitimam avaliações (seletivas e diagnósticas) em larga
escala, como Provinha Brasil, Prova Brasil e Enem. Desses instrumentos, sem
dúvida, este último tem merecido um destaque à parte, sendo foco de
discussões em diferentes segmentos da sociedade nacional e, também,
internacional, já que outros países passaram a usar a nota que o candidato tirou no
exame para ingresso em suas universidades. Neste capítulo, uma espécie de
introdução dialogada com uma memória sobre o Enem, fazendo jus ao título que lhe
foi atribuído, o propósito é listar algumas das ações que o Grupo de Estudos em
Linguagem, Interação e Sociedade – Gelins executou (ou ainda executa) em torno
de tão discutido exame de aferição das competências e habilidades dos egressos
da educação básica nacional. Avante!
Seguindo a mesma premissa das demais avaliações em larga escala, a de avaliar a
educação do país, e em consonância com documentos norteadores da educação
nacional, a exemplo da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, em sua edição
de 1996, e dos Parâmetros Curriculares Nacionais, instituídos em 1997, em 1998,
por intermédio da Portaria Ministerial Nº 438 de 28 de maio, o Inep criou o Enem,
um exame cuja proposta é definir políticas públicas voltadas para o ensino médio,
tal como a disseminação da interdisciplinaridade por meio de habilidades e
competências.
Com a portaria nº 109, de 27 de maio de 2009, este exame tornou-se mecanismo
de seleção para o ingresso no ensino superior, especialmente das instituições que
aderiram ao Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e

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Expansão das Universidades Federais (REUNI), com o decreto nº 6.096, de 24 de
abril de 2007. Nesse cenário de democratização de acesso aos cursos superiores, a
Universidade Federal de Sergipe, conforme a Resolução nº 21/2009/CONEPE,
regulamentou que o seu processo seletivo passaria a utilizar as notas do Enem
para classificar os candidatos ao ingresso nos cursos de graduação, o que foi
implementado somente em 2013.
No entanto, o Enem tem múltiplas finalidades. Segundo o edital nº 12, de 08 de maio
de 2014, as informações obtidas a partir dos resultados do Enem podem ser
utilizadas para:
 compor a avaliação de medição da qualidade do ensino médio no país;
 subsidiar a implementação de políticas públicas;
 criar referência nacional para o aperfeiçoamento dos currículos do ensino médio;
 desenvolver estudos e indicadores sobre a educação brasileira;
 estabelecer critérios de acesso do participante a programas governamentais;
 constituir parâmetros para a autoavaliação do participante, com vista à continuidade de
sua formação e à sua inserção no mercado de trabalho;
 certificar nível de conclusão do ensino médio;
 servir como mecanismo de acesso à educação superior ou em processos de seleção nos
diferentes setores do mundo do trabalho.

Ainda como efetivação de políticas públicas, o Enem compõe o documento do


Plano Nacional de Educação – (PNE), que, por intermédio da lei presidencial nº
13.005, de 25 de junho de 2014, apresenta a nota do exame como uma das
estratégias previstas para a garantia da meta de número 13 do plano: “Elevar a
qualidade da educação superior, a medida que propõe “substituir o Exame
Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE aplicado ao final do primeiro
ano do curso de graduação pelo Exame Nacional do Ensino Médio – Enem, a fim
de apurar o valor agregado dos cursos de graduação”, e principalmente, no
que se refere à educação básica, a estratégia de “incorporar o Exame Nacional do
Ensino Médio, assegurada a sua universalização, ao sistema de avaliação da
educação básica, bem como apoiar o uso dos resultados das avaliações
nacionais pelas escolas e redes de ensino para a melhoria de seus processos e
práticas pedagógicas” está vinculada à meta 7: “Fomentar a qualidade da educação
básica em todas as etapas e modalidades”.
Dada sua amplitude e relevância no cenário educacional, é de se esperar que o
exame tenha se tornado alvo de estudos e críticas, o que fez com que passasse
por mudanças e adaptações e chegasse aos moldes do que conhecemos hoje. Desde
o ano de 2009, as proporções da avaliação se tornaram ainda maiores, tendo em vista
que o resultado do exame está sendo utilizado pela maioria das
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universidades federais do país como forma de ingresso ao Ensino Superior, em
substituição aos exames vestibulares. A multifuncionalidade do exame teve como
consequência o aumento na participação (figura 1) e cabe às escolas considerar, em
sua proposta político-pedagógica, as especificidades do exame.

FIGURA 1: EvolUçÃo nA PARTICIPAÇÃo no ENEM (NACIonAl, 1998-2014)

Diferentemente dos tradicionais vestibulares, cujo foco são os conteúdos, a matriz de


avaliação do Enem está estruturada em competências e habilidades. Segundo o
documento básico, as competências podem ser concebidas como modalidades
estruturais da inteligência, ou seja, evidenciam, por meio de ações e operações que
utilizamos para estabelecer relações com e entre objetos, situações, fenômenos e
pessoas, as capacidades que cada um possui para responder aos desafios
cotidianos. As habilidades, por sua vez, decorrem das competências adquiridas e
referem-se ao plano imediato do “saber fazer”. Nesse sentido, é por meio dessas
ações e operações que as habilidades podem ser articuladas e aperfeiçoadas, o
que possibilita nova reorganização das competências.
A fundamentação do exame se dá através de uma matriz que indica a associação
de conteúdos, competências e habilidades, que devem ser de domínio dos jovens
concluintes dessa etapa de ensino.

Para estruturar o exame, concebeu-se uma matriz com a indicação de competências e


habilidades associadas aos conteúdos do ensino fundamental e médio que são próprias ao sujeito
na fase de desenvolvimento cognitivo, correspondente ao término da escolaridade básica. Tem como
referência a LDB, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), a Reforma do Ensino

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Médio, bem como os textos que sustentam sua organização curricular em Áreas de
Conhecimento, e, ainda, as Matrizes Curriculares de Referência para o SAEB. (BRASIL, 2000, p.
2).

Atualmente, o exame é configurado em quatro provas objetivas – Linguagens,


códigos e suas tecnologias; Matemática e suas tecnologias; Ciências da
Natureza e suas Tecnologias, e Ciências Humanas e suas Tecnologias – e
uma prova discursiva, a prova de redação. As provas têm em comum cinco eixos
cognitivos, que correspondem às áreas de conhecimentos adquiridos ao longo da
vida escolar do candidato. Para avaliar a aprendizagem e o modo com que cada um
interpreta as questões, os eixos apresentam uma mescla entre os domínios da
linguagem, fenômenos naturais e ciências exatas. Os eixos cognitivos da prova,
comuns a todas as áreas de conhecimento, são:

I. Dominar linguagens (DL): dominar a norma culta da Língua


Portuguesa e fazer uso das linguagens matemática, artística e
científica e das línguas espanhola e inglesa.
II. Compreender fenômenos (CF): construir e aplicar conceitos
das várias áreas do conhecimento para a compreensão de
fenômenos naturais, de processos histórico-geográficos, da
produção tecnológica e das manifestações artísticas.
III. Enfrentar situações-problema (SP): selecionar, organizar,
relacionar, interpretar dados e informações representados de
diferentes formas, para tomar decisões e enfrentar situações-
problema.
IV. Construir argumentação (CA): relacionar informações,
representadas em diferentes formas, e conhecimentos disponíveis
em situações concretas, para construir argumentação consistente.
V. Elaborar propostas (EP): recorrer aos conhecimentos
desenvolvidos na escola para elaboração de propostas de
intervenção solidária na realidade, respeitando os valores
humanos e considerando a diversidade sociocultural. (BRASIL,
2009, p.34).

Além desta classificação cognitiva, cada área possui matrizes de referência. A


da prova de redação do Enem é tratada a partir de cinco competências distintas:

I - Demonstrar domínio da norma padrão da língua escrita (0 a


200 pontos)
II - Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das
várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro

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dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo (0 a 200 pontos)
III - Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações,
fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista (0 a
200 pontos)
IV - Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos
necessários para a construção da argumentação (0 a 200 pontos)
V - Elaborar proposta de solução para o problema abordado,
respeitando os valores humanos e considerando a diversidade
sociocultural (0 a 200 pontos) (BRASIL, 2009, p. 63)

Enquanto as provas objetivas do Enem são avaliadas pela metodologia da Teoria de


Resposta ao Item, de modo que duas provas, ainda que tendo o mesmo quantitativo
de acertos, não obterão a mesma nota, a prova de redação apresenta critério objetivo
e aplicado do mesmo modo a todos os participantes. Por conta deste fator, os
ranqueamentos das instituições participantes consideram paritariamente o peso
da nota de redação. Desde a edição de 2013, o aluno pode ter acesso ao espelho da
sua prova, motivando divulgações e julgamentos externos ao exame, extensíveis à
instituição escolar. Por esses motivos, consideramos que a prova de redação apresenta
visibilidade maior no espaço escolar, merecendo uma investigação mais acurada, o
que foi objeto do projeto “Impactos da prova de redação do ENEM no currículo
da rede pública estadual”, financiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa e
Inovação Tecnológica de Sergipe – FAPITEC, proposto em função das demandas da
Secretaria Estadual de Educação de Sergipe, que tem interesse em estudos sobre
impactos e reflexos das avaliações externas do INEP no currículo da rede escolar
(edital FAPITEC NAP 13/2012).
Esse projeto foi desenvolvido pelo Gelins, no período de 2012 a 2015, e envolveu,
se associou a outras iniciativas e ainda se desdobra em diferentes ações, como os
projetos de Iniciação Científica “Impacto da prova de redação do Enem no currículo
escolar da rede estadual de Sergipe” (2013-2014), “Performatividade e modalização:
o pacto acional nas questões de língua portuguesa do Enem” (2013-2014), “Os
gêneros textuais na prova do Enem” (2014-2015), “Argumentação e matriz de
referência do Enem: o espaço da competência III no livro didático de LP/Sergipe”
(2014-2015), “Argumentação, livro didático de língua portuguesa e redação do Enem:
o estatuto da competência III nas coleções adotadas em Sergipe” (em andamento
desde agosto de 2015), a dissertação de mestrado de Sammela Rejane de Jesus
Andrade “Competências linguísticas na prova do ENEM: uma abordagem
sociolinguística”, defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Letras da
Universidade Federal de Sergipe, em 2015, e a tese de doutorado de Marlucy Mary
Gama Bispo, “Políticas públicas para o ensino

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médio: impacto do ENEM no currículo de Língua Portuguesa da escola pública do
estado de Sergipe”, em andamento junto ao Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal de Sergipe.
Para tal empreendimento, contamos com a interação com outros grupos de
pesquisa, a exemplo do Grupo de Estudos em Letramentos, Interação e
Trabalho (GELIT/CNPq/UFPB), que tem investigado processos de ensino-
aprendizagem da escrita em vários contextos, buscando analisar, dentre outras
realidades, as estratégias de didatização desenvolvidas, o contexto de produção, os
parâmetros dos gêneros e os elementos linguísticos-discursivos presentes na
materialidade textual.
Sem receio com a modéstia, urge reafirmar que a equipe Gelins, seja com um projeto-
piloto focado no impacto que a prova de redação do Enem tem causado no
currículo do Estado de Sergipe, seja com ações desdobradas e/ou paralelas a ele
associadas, que se voltaram, entre outras, para a avaliação do tipo de questões e de
gêneros incursos da prova de Linguagens, códigos e suas tecnologias, para o
espaço das competências da matriz de avaliação da redação no livro didático adotado
na rede pública da Grande Aracaju, cumpre seu papel de fomentar e prolongar um
conjunto de discussões legítimas sobre a problemática da avaliação do Enem, ao
tempo que também se debruça sobre outros vieses inerentes a avaliações em
larga escala e, claro, sobre os diferentes campos conceituais tratados nas
pesquisas descritivas e analíticas contempladas pelas linhas investigativas que
congrega.
Enfim, a proficuidade na formação de recursos humanos, por si só, já é um
indicador do impacto e da relevância acadêmica das ações desses projetos. No
entanto, destacamos outro: a inserção social do Gelins, que vem contribuindo
para a melhoria da qualidade do ensino em Sergipe. Desde 2007, ano de sua
criação, o grupo tem se dedicado a temáticas relacionadas ao currículo de Língua
Portuguesa, que, com todo o respeito acadêmico que se deve ter às diferentes
filiações teóricas com as quais lida, subsidiam propostas de aplicação em
programas de ensino e, em última instância, na sala de aula. Eis o que a
sociedade espera de uma universidade centrada na tríade
ensino/pesquisa/extensão.

Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira. Exame Nacional do Ensino Médio: fundamentação teórico-metodológica. Brasília, 2000.
BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira. Matriz de Referência do Enem 2009. Brasília, 2009.

20
Seção I

AS COMPETÊNCIAS DA PROVA DE
REDAÇÃO

21
21
A COMPETÊNCIA I NA PROVA DE REDAÇÃo
DO ENEM
R AQUEl M EISTER Ko. FREITAG

Introdução1

O cenário atual da educação básica no Brasil é modelado por uma série de políticas
públicas que vem sistematicamente instituindo avaliações (seletivas e diagnósticas)
de larga escala, como Provinha Brasil, Prova Brasil e Enem. Tais políticas
educacionais são pautadas em diretrizes curriculares que, em muitos casos, não
dialogam com as diretrizes da academia (universidades e centros de pesquisa e de
formação docente), e, em caso mais grave, não dialogam sequer entre si,
configurando um cenário tenso e dissonante que impacta, diretamente, na sala de
aula e nas decisões do professor.2
A partir da análise dos documentos norteadores do Enem, as diretrizes do exame
seletivo e a matriz de competência para a avaliação da prova de redação,
especificamente no que tange ao tratamento da norma e da diversidade linguística no
cenário brasileiro, mostramos que a matriz de competência para avaliação da prova
de redação do Enem não está em consonância com as diretrizes dadas pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa e com o Programa
Nacional do Livro Didático.

1
Este texto é uma versão do que se encontra publicado na Interdisciplinar: Revista de Estudos de Língua e Literatura, v. 20, n. 20 (FREITAG,
2014).
2
Por exemplo, como resultado do projeto “Ler+Sergipe: Leitura para o letramento e cidadania” (Observatório da Educação –
CAPES/INEP/2012), constatamos que, nas diretrizes de exame de avaliação diagnóstica de leitura, especificamente na Provinha Brasil, o
conteúdo da matriz de competências está alinhado com os resultados de pesquisas internacionais, que preconizam o trabalho com a consciência
fonológica para o aprendizado inicial da leitura, o que, no entanto, não é componente curricular dos cursos de formação docente, nas licenciaturas
em Pedagogia (FREITAG, 2013; 2010; FREITAG; ALMEIDA; ROSÁRIO, 2013).
23
1 O tratamento da diversidade linguística nos documentos oficiais

Num país de dimensão continental como o Brasil, a ideia de que todos falamos o
mesmo português é efeito de planificação linguística. O reconhecimento e o
tratamento da diversidade são basilares nos documentos oficiais. Tanto os
Parâmetros Curriculares Nacionais, quanto o edital do Programa Nacional do Livro
Didático apresentam concepção convergente no que diz respeito ao ensino de
língua, focado na relação entre uso e reflexão. Enquanto o primeiro documento
traça as diretrizes curriculares, o segundo avalia a sua operacionalização; a
coerência entre ambos é uma consequência desejável, que mostra o alinhamento
entre as propostas. Vejamos, a seguir, como se dá a avaliação da implementação
dessa proposta, examinando a matriz de referência do Enem e os critérios de
avaliação da prova de redação.
No que diz respeito às competências e habilidades, a matriz de referências
cognitivas do exame prevê que, quanto à linguagem, o candidato deve “dominar a
norma culta da Língua Portuguesa e fazer uso das linguagens matemática,
artística e científica e das línguas espanhola e inglesa”. (BRASIL, 2012b).
Por trás das competências da Matriz de Referência, há objetos de conhecimento
associados que, em Língua Portuguesa, voltam-se, primordialmente, ao “estudo dos
aspectos linguísticos da língua portuguesa: usos da língua: norma culta e variação
linguística - uso dos recursos linguísticos em relação ao contexto em que o texto é
constituído”. (BRASIL, 2009, p. 62). A prova de Linguagens, Códigos e suas
Tecnologias segue a matriz de referência apresentada na figura 1.

FIGURA 1: M ATRIz DE R EFERÊNCIA DE LInGUAGENs, C ÓDIGos E SUAS T ECNol OGIAS

24
A competência de área 8 prevê que o estudante deve “Compreender e usar a
língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da
organização do mundo e da própria identidade”, implementada pelas habilidades
25-27:

Observamos que, na matriz de referência, a habilidade privilegiada pelo Enem é o


reconhecimento das variedades da Língua Portuguesa, conceito parcialmente
convergente com os Parâmetros Curriculares Nacionais e com o Programa
Nacional do Livro Didático: ambos os documentos preconizam uma noção mais
ampla de domínio da norma, seja com o conceito de “norma urbanas de prestígio”
presente no Programa Nacional do Livro Didático, seja com o reconhecimento
da pluralidade de normas. No entanto, a habilidade 27 retoma o conceito de norma
padrão “em uso”, uma condição que diverge dos conceitos assumidos em outros
documentos, que a concebem como idealizada, referencial e atemporal, e, portanto,
desvinculada do uso. A ênfase da norma padrão é retomada na matriz de avaliação
da redação no Enem.

2 A prova de Redação do Enem

A prova de Redação do Enem avalia o desempenho do candidato em cinco


competências: 1) demonstrar domínio da modalidade escrita formal na língua
portuguesa; 2) compreender a proposta e aplicar conceitos das várias áreas de
conhecimento para desenvolver o tema; 3) selecionar, relacionar, organizar e
interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de
vista; 4) demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a
construção da argumentação, e 5) elaborar proposta de intervenção para o
problema abordado, respeitando os direitos humanos.
O tratamento da norma e da diversidade linguística no cenário brasileiro, preconizado
nas competências e habilidades da matriz do Enem, é desviado para o domínio da
norma padrão, implementado na competência 1 da matriz da prova de redação.

25
O Guia do Participante do Enem na edição de 2012, cujo objetivo é, em suas
palavras “tornar o mais transparente possível a metodologia de correção da redação,
bem como o que se espera do participante em cada uma das competências
avaliadas” (BRASIL, 2012, p. 3), avalia o candidato, na competência 1, sua
capacidade de “demonstrar domínio da norma padrão da língua escrita”
(BRASIL, 2012, p. 10, grifos acrescidos). A habilidade cobrada na competência 1
contrasta com o que preconiza o Programa Nacional do Livro Didático (BRASIL,
2011), com o domínio das normas urbanas de prestígio, especialmente em sua
modalidade escrita; contrasta ainda com a própria matriz cognitiva geral do Enem,
que cobra o domínio da norma culta da Língua Portuguesa. Diferenças de
terminologias ou diferenças de propósito?
No detalhamento da matriz de avaliação por competência, o Guia do Participante do
Enem 2012 reitera que “a primeira competência a ser avaliada no seu texto é o
domínio do padrão escrito formal da língua [...] Na escrita formal, por exemplo,
deve-se evitar o emprego repetido de palavras, como ‘e’, ‘aí’, ‘daí’, ‘então’,
próprias de um uso mais informal, para relacionar ideias”. (BRASIL, 2012, p. 11,
grifos acrescidos).3 Outro conceito é apresentado, já que “padrão escrito formal”
é diferente de “norma padrão da língua escrita”, no início do mesmo documento.
Formal e informal (e suas gradações) constituem um contínuo, que é diferente da
modalidade falada e escrita. Podemos ter fala formal e fala informal, assim como
escrita formal e escrita informal, em todas as variedades de uma língua. A confusão
terminológica, dissonante dos documentos oficiais que norteiam inclusive o próprio
exame, como o caso da matriz cognitiva geral do Enem, fica mais evidente no seguinte
excerto: “Na redação do seu texto, você deve procurar ser claro, objetivo, direto;
empregar um vocabulário mais variado e preciso do que o que utiliza quando fala e
seguir as regras prescritas pela norma padrão da Língua Portuguesa”.
(BRASIL, 2012, p. 11, grifos acrescidos).
O termo “norma” pode tanto remeter a preceito, ou seja, aquilo que é normativo;
como a descrição de usos recorrentes, ou seja, aquilo que é normal. Faraco (2008)
faz uma distinção interessante entre norma culta, norma-padrão, norma gramatical
e norma curta. A norma culta é definida como “conjunto de fenômenos linguísticos
que ocorrem habitualmente no uso dos falantes letrados em situações mais
monitoradas de fala e escrita” (FARACO, 2008, p. 73). Refere-

3
Especificamente sobre “e”, “aí”, “daí”, “então”, itens linguísticos que atuam na função de sequenciação discursiva, é interessante
observar os resultados de estudos descritivos (TAVARES, 2008; 2010; BARRETO; FREITAG, 2009) que apontam tendências de uso de cada
uma das formas associadas a um contínuo de formalidade e informalidade, na fala e na escrita.

26
se aos usos linguísticos socialmente prestigiados, vistos pelos falantes como
pertencentes a uma variedade superior em relação às chamadas variedades não-
padrão ou populares. O prestígio não decorre de propriedades gramaticais, ou
linguísticas, mas de características extralinguísticas relacionadas a processos
sócio-históricos: enquanto algumas variedades são socialmente avaliadas
positivamente, outras recebem valoração negativa, podendo até ser estigmatizadas. Essa
noção de norma culta se aproxima à noção de normas urbanas de prestígio, do
Programa Nacional do Livro Didático (BRASIL, 2011). Já a norma-padrão não é uma
variedade da língua (como é a norma culta), mas “uma codificação
relativamente abstrata, uma baliza extraída do uso real para servir de referência, em
sociedades marcadas por acentuada dialetação, a projetos políticos de
uniformização linguística” (FARACO, 2008, p. 75). Regulando explicitamente os
comportamentos dos falantes, a norma-padrão funciona como coerção social em
busca de um efeito unificador e como uma referência suprarregional e
transtemporal. Norma culta e norma padrão são conceitos distintos; não há quem
escreva na norma padrão, pois esta não é uma variedade da língua,
diferentemente do que é previsto na Habilidade 27 da Competência 8 da matriz do
Enem, como vimos anteriormente. Tal confusão conceitual tem implicações na
abordagem do estudante no que tange às escolhas a serem feitas no decorrer do
exame.
O guia do participante do Enem 2012 (BRASIL, 2012, p. 12-13) tipifica o que
considera como prescrição de norma padrão – tais como concordância nominal
e verbal, regência nominal e verbal, pontuação, flexão de nomes e verbos, colocação
de pronomes átonos, grafia das palavras, acentuação gráfica, emprego de letras
maiúsculas e minúsculas; e divisão silábica na mudança de linha – e ainda
estabelece uma gradação de penalidades (desvios mais graves, graves e leves) que
não apresenta respaldo na literatura:

ATENÇÃO!

Seguem algumas inadequações do uso linguístico ao registro formal escrito que são
penalizadas na Competência 1.
Desvios mais graves:
- falta de concordância do verbo com o sujeito (com sujeito antes
do verbo);
- períodos incompletos, truncados, que comprometem a
compreensão;
- graves problemas de pontuação;

27
- desvios graves de grafia e de acentuação (letra minúscula
iniciando frases e nomes de pessoas e lugares); e
- presença de gíria

Desvios graves:
- falta de concordância do verbo com o sujeito (com sujeito
depois do verbo ou muito distante dele);
- falta de concordância do adjetivo com o substantivo;
- regência nominal e verbal inadequada (ausência ou emprego
indevido de preposição);
- ausência do acento indicativo da crase ou seu uso inadequado;
- problemas na estrutura sintática (frases justapostas sem
conectivos ou orações - subordinadas sem oração principal);
- desvios em palavras de grafia complexa;
- separação de sujeito, verbo, objeto direto e indireto por vírgula; e
- marcas da oralidade.

Desvios leves
- ausência de concordância em passiva sintética (exemplo: uso de
“vende-se casas” em vez de “vendem-se casas”); e
- desvios de pontuação que não comprometem o sentido do texto.

Tal posicionamento prescritivista esbarra no que preconizam os Parâmetros


Curriculares Nacionais:

[...] por exemplo, professores e gramáticos puristas continuam a exigir que se escreva (e até que se
fale no Brasil!):
O livro de que eu gosto não estava na biblioteca, Vocês vão assistir a um filme
maravilhoso,
O garoto cujo pai conheci ontem é meu aluno, Eles se vão lavar / vão lavar-se naquela
pia,
quando já se fixou na fala e já se estendeu à escrita, independentemente de classe social ou grau
de formalidade da situação discursiva, o emprego de:
O livro que eu gosto não estava na biblioteca, Vocês vão assistir um filme
maravilhoso,
O garoto que eu conheci ontem o pai é meu aluno, Eles vão se lavar na pia. (BRASIL, 1998,
p. 31)

As inconsistências no guia do participante 2012 não passaram desapercebidas;


o guia do participante 2013, ao invés de avaliar o domínio da norma padrão, busca
avaliar o “domínio da modalidade escrita formal da Língua

28
Portuguesa” (BRASIL, 2013), sinalizando uma mudança de postura e revisão dos
equívocos conceituais apresentados no documento do ano anterior. A mudança
pode ser percebida na explicação acerca do que é modalidade escrita formal, com a
explicitação das dimensões formalidade e informalidade, oral e escrito:

Você já aprendeu que as pessoas não escrevem e falam do mesmo modo, uma vez que são
processos diferentes, cada qual com características próprias. Na escrita formal, por exemplo,
deve-se evitar, ao relacionar ideias, o emprego repetido de palavras, como “e”, “aí”, “daí”,
“então”, próprias de um uso mais informal. Por isso, para atender a essa exigência, você precisa ter
consciência da distinção entre a modalidade escrita e a oral, bem como entre registro formal e
informal.
Outra diferença entre as duas modalidades diz respeito à constituição das frases. No registro
informal, elas são muitas vezes fragmentadas, já que os interlocutores podem complementar as
informações com o contexto em que a interação ocorre, mas, no registro escrito formal, em que esse
contexto não está presente, as informações precisam estar completas nas frases.
A entoação, recurso expressivo importante da oralidade, e as pausas, que conferem coerência
ao texto, são muitas vezes marcadas, na escrita, por meio dos sinais de pontuação. Por isso, as regras
de pontuação assumem também essa função de organização do texto. (BRASIL, 2013, p. 11)

Na edição de 2013, o edital do Enem apresentou duas especificidades em relação à


prova de redação: a anulação de redações que tragam “parte do texto
deliberadamente desconectada com o tema proposto”; e o tratamento como
“excepcionalidade” de desvios gramaticais desde que “não caracterizem
reincidência” (BRASIL, 2013).
A edição de 2014 voltou, novamente, à concepção de escrita em norma padrão,
conforme o enunciado da proposta de redação da prova.
Ainda persiste a desarticulação entre o que preconizam os documentos que
orientam as práticas de ensino, como os Parâmetros Curriculares Nacionais e o
Programa Nacional do Livro Didático, e os documentos que embasam a
avaliação do Enem. Tal desarticulação, em última instância, prejudica os
estudantes da escola pública, cujo currículo e seleção de materiais didáticos são
direcionados por estes documentos. Escolas privadas tendem a balizar seu
currículo pelos editais de seleção: antes o vestibular, agora o Enem.

29
Considerações finais

A prova de redação do Enem, apesar das modificações na edição de 2013, ainda


precisa ser mais bem analisada, pois, nas diretrizes de exame seletivo, a matriz de
competência para a avaliação da redação não considera as discussões
sociolinguísticas e os resultados de investigação no Brasil, nem apresenta
coerência com as diretrizes dadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de
Língua Portuguesa, ao cobrar norma padrão (e não norma culta) e tipificar os
erros em “leves”, “médios” e “graves”, sem, no entanto, apontar justificativas ou
embasamento linguístico (seja teórico, seja empírico). Este cenário penaliza o
estudante da escola pública e amplia ainda mais o abismo social existente hoje no
Brasil.
Entender como está estruturada a prova de redação, considerando os aspectos
linguísticos elencados para a avaliação da competência do candidato (norma
culta/norma padrão, tipos de textos/gêneros textuais; propostas de intervenção;
autoria), é essencial para o planejamento de ações e adequações nos currículos
escolares.
Ainda não há estudos que avaliem o impacto da prova de redação do Enem na
modelagem dos currículos, menos ainda estudos sobre as percepções e anseios dos
atores escolares diretamente envolvidos com o exame – alunos e professores. Os
resultados destes estudos são essenciais para embasar decisões que, em última
instância, determinam o futuro do estudante, ao lhe abrir (ou fechar) as portas
de acesso ao ensino superior.

Referências
BARRETO, E. A.; FREITAG, R. M. K. Procedimentos discursivos na escrita de Itabaiana/SE:
estratégias de sequenciação de informação. Scientia Plena, v. 5, p. 115801-1, 2009.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Média e Tecnológica. A redação no
Enem 2012: Guia do participante. Brasília: Ministério da Educação, 2012.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Média e Tecnológica. A redação no
Enem 2013: Guia do participante. Brasília: Ministério da Educação, 2013.
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais do ensino médio: Linguagens, códigos e suas
tecnologias. Brasília: Ministério da Educação,1998.
BRASIL. Programa nacional do livro didático. Edital de convocação para inscrição no processo de
avaliação e seleção de coleções didáticas para o PNLD 2011. Brasília: Ministério da Educação, 2011.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto
ciclos do ensino fundamental. Brasília: Ministério da Educação, 1998.

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FARACO, C. A. Norma culta brasileira: desatando alguns nós. São Paulo: Parábola, 2008. FREITAG,
R. M. K. Entre norma e uso, fala e escrita: contribuições da Sociolinguística à alfabetização. Nucleus,
n. 8, v. 1, p.1-10, 2010.
FREITAG, R. M. K. Leitura, Letramento e Cidadania: explorando a Provinha Brasil. Curitiba:
Appris, 2013.
FREITAG, R. M. K. Prova de redação do Enem: divergências entre as orientações para a prática e as
diretrizes de avaliação. Interdisciplinar, n.20, v.20, p. 61-72, 2014.
FREITAG, R. M. K.; ALMEIDA, A. N. S.; ROSARIO, M. M. S. Contribuições para o aprimoramento da
Provinha Brasil enquanto instrumento diagnóstico do nível de alfabetização e letramento nas séries
iniciais. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 94, n. 237, p. 390-416, 2013.
TAVARES, M. A. Aí especificador na fala, na escrita e na escola. Odisseia, v. 1, p. 45-58, 2008.
TAVARES, M. A. Conectores sequenciadores E, AÍ e ENTÃO na fala de Natal (RN): indícios de
especialização funcional. Interdisciplinar: Revista de Estudos em Língua e Literatura, v. 12, p.
195-213, 2010.

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