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Introdução
Foi feita uma análise comparativa do conteúdo de reportagens publicadas pelos
principais jornais do Brasil e de Moçambique sobre dois importantes projetos realizados
pelo Brasil em Moçambique no âmbito da Cooperação Internacional para o
Desenvolvimento (CID): o ProSavana, que visa promover o desenvolvimento da
agricultura no Corredor de Nacala; e a construção da Fábrica de Antirretrovirais em
Matola, visando o combate aos efeitos da AIDS, no Sul de Moçambique.
Considerados projetos estruturantes, isto é, projetos que criam e/ou fortalecem as
bases institucionais, tecnológicas e de recursos humanos do país receptor de forma a
tornar o projeto sustentável em longo prazo, tais iniciativas, apesar de suas
particularidades, se tornam interessantes casos de análise por exemplificarem a
estratégia adotada pelo Brasil [1] na CID. Esse tipo de cooperação que vem sido feita
pelo Brasil atualmente com países do Sul global no âmbito da Cooperação Sul-Sul [2],
pautada na horizontalidade, tem requerido elevados recursos financeiros e maior tempo
de execução se comparado a projetos mais pontuais, o que teoricamente atrairia maior
atenção da mídia.
A análise tem como objetivo revelar as semelhanças e diferenças de cobertura
sobre ambos os projetos para entender que tipo de abordagem é feita pela imprensa de
cada país e, assim, tornar visível a existência ou não de vieses e debates políticos,
deficiências, insuficiências, e direcionamentos na publicação dessas informações.
Com tal análise busca-se então compreender o nível de importância que a mídia
de cada país dá aos projetos e o que isso representa em termos de política externa e
política pública para os países. Ficará visível o modo como as sociedades de cada país
encaram os projetos de desenvolvimento no que tange seus impactos e expectativas
futuras.
Metodologia
Utilizando o método comparativo [3], a pesquisa envolverá a coleta e análise do
conteúdo das reportagens publicadas pelos maiores jornais do Brasil e Moçambique
desde o momento da assinatura dos acordos de cooperação que confirmam o inicio das
atividades de execução dos projetos ProSavana e da Fábrica de Antirretrovirais até a
data do fim desta pesquisa.
O estudo inclui a análise da disponibilidade, diversidade, quantidade e qualidade
das informações divulgadas nesses veículos de informação referentes a todo o processo
de planejamento e etapas de execução dos projetos bem como as reações que estes
provocaram nos diferentes atores da sociedade civil. Será avaliado como os objetivos
propostos, os realizadores, as atividades, os desafios, as consequências e os resultados já
alcançados pelos projetos são expostos e analisados pela mídia de cada país.
Para mais, especial atenção será dada ao modo como o tema da cooperação
internacional para o desenvolvimento em geral e, sobretudo, a Cooperação Sul-Sul é
abordado, exposto e conceituado pela imprensa brasileira e moçambicana, revelando as
diferenças de conceituação entre as reportagens escritas no Brasil e em Moçambique, e
entre jornalistas e especialistas/estudiosos do campo da cooperação internacional.
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Nacala é citado como um fundo de investimento privado para levantar US$ 2 bilhões
para aproveitar os ganhos de produtividade que serão adquiridos com o projeto de
cooperação. Ainda em 2012, no dia 11/12 duas reportagens no O Globo foram
publicadas contendo o termo ProSavana. A primeira, com o título “Clima e abundância
de recursos naturais são traços comuns: Semelhanças entre Brasil e Moçambique
aproximam os laços com o continente africano”, faz menção ao projeto ProSavana
como um dos maiores projetos de cooperação brasileira no contexto da aproximação de
laços entre Brasil e Moçambique fornecendo um pouco mais de detalhes sobre as
atividades que a Empraba tem realizado no país africano. A outra reportagem com título
“Brasil e Moçambique, uma relação a cada dia mais forte: Empresas verde-amarelas
redescobrem o país e, juntas, desbancam Portugal do posto de maior investidor
estrangeiro”, argumenta que os investidores brasileiros estão esperançosos pela
possibilidade de expansão comercial com o estreitamento das relações com
Moçambique e citam o ProSavana como um dos motivos pelos quais os agricultores
brasileiros veem a savana moçambicana como “sob medida” para seus investimentos.
Em 2013, no dia 18/04 a matéria com a manchete “Fundo Corredor de Nacala inicia
road show para captar US$ 500 milhões” menciona o ProSavana como um dos projetos
ao qual a FGV desenvolveu o plano direto. Em 2014, com o título “Contexto: Embrapa
ajudou no salto da produção agropecuária: Empresa ganhou forte relevância
internacional, principalmente por sua atuação em países da África e da América Latina”,
a reportagem cita rapidamente o ProSavana como um dos projetos que exemplificam a
forte atuação internacional da Embrapa nos últimos anos.
O Estado de São Paulo (estadão.com.br), publicou três reportagens diferentes
contendo o termo ProSavana, todas em 2013, a primeira em 03/07, intitulada “Agenda
Agro para a Cooperação Brasil-África”, cita, brevemente, o ProSavana como um projeto
tripartite entre Brasil, Moçambique e Japão no qual a Embrapa se destaca na execução
de cooperação técnica em meio a outros projetos agrícolas em andamento no continente
africano. A matéria do dia 05/11 do mesmo ano intitulada “Projeto Agrícola pretende
adaptar técnicas do cerrado e divide opiniões Moçambique”, foca nas reações que o
projeto do ProSavana tem provocado, mostrando que, dentre os agricultores
moçambicanos locais afetados pelo projeto de alguma maneira, há reações positivas e
negativas e que isso tem provocado grande debate no país. A reportagem ainda traz
dados do censo rural de Moçambique. No final do ano, no dia 29/12, o Prosava é citado
como um projeto no norte de Moçambique cuja área foi arrendada por companhias
brasileiras e japonesas para a produção de soja e milho.
Sobre a fabrica de antirretrovirais em Matola, no site da Folha foram
encontradas sete reportagens citando a fábrica de antirretrovirais em Moçambique. Em
2010, superficialmente, a fabrica é citada. Em 09/07 e 08/11, em reportagens diferentes,
é anunciado de forma breve que o presidente da época, Lula, iria visitar a fábrica de
medicamentos antirretrovirais, executada pela Fundação Osvaldo Cruz, sem dar mais
detalhes. Em 09/11, uma outra reportagem cita a viagem do presidente da época a
áfrica, no qual pede a agilização da implantação da fábrica que deveria ter sido
inaugurada no ano anterior.
Em 2012, a matéria “BRICS criam novo modelo de ajuda a países pobres, diz
relatório” cita, rapidamente, a decisão do Brasil de construir em Moçambique a fábrica
como uma iniciativa que tem ajudado a melhorar a situação dos países mais pobres. No
dia 16/07 o jornal anuncia brevemente que o vice presidente Michel Temer iria
representar Dilma na inauguração de “uma fabrica de antirretrovirais” em Moçambique.
Dois dias depois, em 18/07 traz a informação de que o relatório da Unaids daquele ano
citou o Brasil como destaque na ajuda a outros países por haver transferido tecnologia
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ProSavana como por exemplo. As matérias apresentaram o decorrer dos drafts do Plano
de ação para o projeto e denunciam veementemente a falta de transparência e acesso as
informações passadas advinda das autoridades sobre o plano do projeto. As reportagens
criticam o tempo entre a assinatura do memorando de entendimento assinado entre os
países e o início de fato das atividades do projeto. Em duras críticas aos governos e aos
investidores, as reportagens assumem tom informal, por vezes irônico, e argumentam
que muitos camponeses moçambicanos, por serem iletrados, estão sendo ludibriados por
estrangeiros e tendo suas terras usurpadas.
Manchetes fortes como “Camponeses exigem a verdade sobre o ProSavana”,
“Os investidores estrangeiros agudizam a pobreza dos camponeses”. “Prosavana – que
de Pro não tem nada....” e “Não há espaço para o ProSavana” são algumas frases de
demonstram a postura adotada pelo jornal @Verdade. Apesar das publicações abrirem
espaço para que as partes criticadas defendam o projeto ProSavana como demonstra a
reportagem com manchete ““Os camponeses estão a dizer não” ao ProSAVANA,
“qualquer obstáculo que apareça vamos atropelar”, responde o Governo de
Moçambique””, o jornal não se limita aceitar as defesas e argumentos expostos por
líderes, criticando-os duramente pela falta de espaço para que membros da sociedade
civil tomem parte nas negociações e planejamentos do projeto.
No que toca a fábrica de antirretrovirais, a quantidade de reportagens no jornal
@Verdade é bem reduzido se comparado as abordagens do projeto ProSavana. Há
relatos sobre a visita de Lula à fabrica em 2010. Algumas reportagens, com detalhes
mais específicos da construção e funcionamento da fabrica, descrevem melhor em que
fase de implementação está o projeto e as expectativas para os próximos anos. Curioso
é notar que não houve crítica de qualquer tipo ao projeto e sua implementação, nem
mesmo a demora e atraso para o funcionamento da fábrica, de fato.
O jornal “O país” (opais.sapo.mz) também traz um número considerável de
reportagens citando o projeto ProSavana sobre o projeto traz mais detalhes técnicos
sobre o projeto e sobre as especificidades do local onde será implementado o projeto.
Essa abordagem se assemelha mais a cobertura brasileira abordando alem de detalhes
técnicos, o fato de o projeto ser uma iniciativa de cooperação trilateral entre Brasil,
Japão e Moçambique, citando o impulso comercial que a agricultura de Moçambique
vem ganhando nos últimos anos ressaltando o potencial econômico dos projetos.
Diferente da cobertura brasileira e do jornal @Verdade, em nenhum momento foi
destacado o fato de haverem críticas e rejeições ao projeto por parte da sociedade civil
moçambicana, principalmente por parte dos camponeses.
Sobre a fábrica de antirretrovirais, o jornal moçambicano O País se iguala bastante ao
jornal @Verdade, dando detalhes técnicos e informações sobre as etapas da instalação
da fábrica de medicamentos. Ressalta-se a boa relação entre Brasil e Moçambique e a
situação precária em que se encontra Moçambique no tratamento de AIDS. As criticas
ao atraso da implementação do projeto não são mencionadas.
Conclusão
A comparação da cobertura jornalística de jornais brasileiros e moçambicanos
tornou visível a falta de interesse por parte da mídia brasileira no que tange a
cooperação para o desenvolvimento. Somado aos silêncios e confusões na reportagem
sobre as especificidades dos projetos de cooperação, o resultado é o de uma população
que, em parte, lê jornais, procura estar atualizado sobre as ações do governo e o uso dos
recursos públicos, mas que acaba por não ter interesses e nem conhecimento de fato
sobre os projetos de cooperação brasileira. Isso acaba por dificultar que o cidadão
comum, que não tem acesso a estudos mais detalhados sobre os projetos de cooperação,
exerça sua cidadania no que tange tomar conhecimento e opinar sobre como se governo
está agindo ou deveria agir.
Importante salientar que, no caso do projeto ProSavana, o jornal @Verdade tem
um incentivo maior por publicar reportagens que relatem sobre o projeto porque há uma
demanda maior por discussão por parte da sociedade civil, que se vê diretamente afetada
negativamente pelo projeto. Por não causar tantas controvérsias quanto o ProSavana, o
projeto da Fábrica de Matola acaba por receber menos atenção tanto da mídia brasileira
quanto de Moçambique. Mesmo sendo o projeto brasileiro de cooperação que
consumiu mais recursos e tempo, além de se tratar da fabricação de medicamentos
importantíssimos para o combate a AIDS num país que tem mais de 1,5 milhões de
pessoas infectadas, o projeto não ganha a atenção merecida se comparada ao também
importantíssimo ProSavana. Isso demonstra que tanto a mídia quanto a população em
geral ainda não consegue entender a importância e efeitos, tanto positivos quanto
negativos que tais projetos têm, não só na vida diária dos que recebem e são afetados
diretamente pelos projetos quanto daqueles que fazem parte da sociedade que contribui
para que os recursos e técnicos sejam destinados ao projeto.
Todos as questões aqui levantadas passam por um ponto crucial na divulgação
das informações sobre os projetos e que afeta todo o modo com a cobertura sobre tais
programas é feito: a transparência e acesso as informações sobre todas as etapas, custos,
esforços e envolvidos nos projetos. Essas informações, que deveriam ser divulgadas
pelas entidades, sejam elas públicas ou privadas, que estão de alguma forma envolvidas
ativamente com o projeto, muitas vezes encontram-se incompletas, confusas e, em
parte, indisponíveis. O motivo pelo qual as agencias de cooperação, as entidades do
governo e órgãos técnicos não divulgam determinadas informações é algo que deve ser
alvo de pesquisas futuras. No entanto, cabe tanto à mídia, que necessita dessas
informações para fazer um trabalho mais completo e prestativo; quanto aos
pesquisadores, centros de pesquisas e think tanks, que dependem desses dados para
análises mais precisas; e, principalmente, a sociedade civil, que deve estar a par de
como o governo que a representa utiliza os recursos para fins de política externa, fazer
pressão e reivindicar para que o direito de acesso a informação seja garantido.
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