Objetivos:
- Pretende agitar as consciências (abrir os olhos), conduzir à reflexão.
- Pretende evitar o mal e preservar o bem (sal que tenta salgar)
• ESTRUTURA EXTERNA
Este sermão é constituído por seis capítulos:
Exórdio (capítulo I) - apresentação do tema que vai ser trabalhado no sermão, a partir do conceito
predicável (“vos sois o sal da terra”) e das ideias a defender e que, geralmente, termina com uma breve
oração, invocando a Virgem. Esta parte reveste-se de grande importância dado que é o primeiro passo
para captar a atenção e benevolência dos ouvintes.
Exposição (capítulo II a III) e Confirmação (capítulo IV a V) - retoma a explicação do assunto, com uma
breve explicação da organização do discurso; desenvolvimento e enumeração dos argumentos, contra-
argumentos, seguidos de exemplos e/ou citações. A exposição situa-se desde o início do capítulo II até
“Santo António abria a sua (boca] contra os que não se queriam lavar” no capítulo III; e a confirmação
começa a partir de “Ah moradores do Maranhão, enquanto eu vos pudera agora dizer neste caso!” e
termina no final do capítulo V.
Peroração/epílogo (capítulo VI) - conclusão do raciocínio com destaque para os argumentos mais
importantes. Saliente-se que esta é a parte que a memoria dos ouvintes melhor retém, pelo que deverá
conter os aspetos principais desenvolvidos no sermão, de modo a deixar clara a mensagem veiculada e a
levar os ouvintes a pôr em prática os seus ensinamentos.
- CAPÍTULO I (EXÓRDIO OU INTRÓITO)
Ideia sumaria da matéria que vai ser tratada; baseia-se num conceito predicável (“Vos estis sal
terrae”) extraído da Sagrada Escritura. Viera quer que os pregadores façam na terra, o que faz o sal -
impedir que cresça algo que neste caso é a corrupção - mas quando a terra se vê tão corrupta como
está a nossa mesmo havendo muitos nela que tenham ofício de sal. Qual pode ser a causa desta
corrupção? Ou é porque o sal não salga (culpa dos pregadores) , ou porque a terra se não deixa salgar
(culpa dos ouvintes).
• Função do sal/pregadores: impedir corrupção
• Porque o sal não salga: os pregadores não pregam a verdadeira doutrina; os pregadores dizem
uma coisa e fazem outra; os pregadores pregam-se a si mesmos, e não a Cristo
• Porque a terra não se deixa salgar: os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhes dão, a
não querem receber; os ouvintes querem imitar o que fazem os pregadores e não fazer o que
dizem; os ouvintes em vez de seguir a Cristo, servem a seus apetites.
• Figura elogiada ao longo do excerto: Santo António, o protótipo de pregador (usou a palavra
para converter os homens). Viera demonstra claramente a sua enorme admiração por Santo
António, vendo-o como modelo a seguir.
• Decisão tomada pelo orador/pregador: “Quero hoje, à imitação de Santo António, voltar-me da
terra ao mar, e já que os homens se não aproveitam, pregar aos peixes.”
• Alegoria do Sal:
termo concreto- “sal” – conservar; impedir a corrupção da Terra
termo abstrato- “pregadores e a sua doutrina” - regenerar, purificar os Colonos
Existe uma analogia entre a função regeneradora e purificadora da mensagem Evangélica dos
pregadores e a função de conservação do sal.
A estruturação do raciocínio de forma simétrica (“ou é porque o sal não salga (…) ou porque a
terra não se deixa salgar”) facilita a compreensão da mensagem por parte do auditório. Ao
acrescentar sucessivas hipóteses em alternativa, dá ao sermão um ritmo que facilita a captação da
mensagem.
A interrogação retórica serve para manter o auditório “preso” ao discurso, pois implica uma
mudança de tom que vai suscitar a curiosidade do auditório em relação ao assunto que vai expor.
O Padre António Vieira cita Cristo, tratando-se de um argumento de autoridade. O reconhecido
valor das palavras de Cristo confere credibilidade à argumentação de Vieira.
Numa tentativa de tornar o seu discurso mais vivo e interventivo, recorre a diferentes processos
que se traduzem em constantes mudanças de ritmo:
- sucessão de frases curtas e interrogativas (“Que faria logo? Retirar-se-ia? Calar-se-ia?
Dissimularia?”). Desta forma, o pregador imprime ao discurso um ritmo rápido e assegura uma
interação constante com o auditório, que contribuem para que este esteja atento às suas palavras.
- simetria lexical e morfossintática que confere ao discurso um ritmo binário (“Deixa as praças,
vai-se às praias; deixa a terra, vai-se ao mar”). A mudança de ritmo concorre, mais uma vez, para
imprimir dinamismo/vivacidade ao discurso, não deixando que público ouvinte desvie a atenção.
- frases exclamativas e interjeições (“Oh maravilhas do Altíssimo! Oh poderes do que criou o
mar e a terra!”) - visa atingir o coração dos ouvintes, apelando às suas emoções.
- CAPÍTULO II (EXPOSIÇÃO)
Exposição- referência às obrigações do sal; indicação das virtudes dos peixes; crítica aos homens.
• Assunto do sermão: "E onde há bons, e maus, há que louvar, e que repreender.”
• Inicio da alegoria: A partir deste capítulo todo o sermão é uma alegoria porque os peixes são
metáfora dos Homens. As suas virtudes são, por contraste, metáforas dos defeitos dos Homens
e os seus vícios são diretamente metáfora dos defeitos dos homens. O pregador fala aos peixes,
mas o alvo é o Homem.
Peixes Homens
Louvor Afronta
• Qualidades do ouvinte: ouvir e não falar- auditório ideal, pois estão muito atentos a
acompanhar o que se está a dizer
O Sermão aos peixes (e, obviamente, aos homens) será, pois, dividido em dois pontos:
1. Louvar as qualidades;
2. Repreender os vícios.
• Quiasmo: figura de estilo que consiste na disposição de quatro elementos, agrupados dois a
dois, segundo o esquema da letra “X”, isto é, a segunda parte da construção contém os mesmos
elementos, mas pela ordem inversa de sucessão.
• LOURORES EM GERAL Homens: a razão sem uso
- Foram os primeiros seres que Deus criou (“vós fostes os primeiros que Deus criou”);
- São melhores que os homens (“e nas provisões (...) os primeiros nomeados foram os
peixes”);
- Existem em maior número (“entre todos os animais do mundo, os peixes são os mais e
os maiores”);
- Revelam obediência (“aquela obediência, com que chamados acudistes todos pela honra
de vosso Criador e Senhor”);
- Seu “retiro” e afastamento dos homens (meditação que permite a proximidade com
Deus; paz e pureza de espírito, porque se afastam dos vícios mundanos);
- Não se deixam domesticar (“só eles entre todos os animais se não domam nem
domesticam”).
“Mas esta dor é tão ordinária, que já pelo costume quase se não sente.” (Il. 3 e 4) – Padre António
Vieira afirma que o facto de os peixes não se converterem lhe causa um sofrimento a que já se
acostumou, já que os seres humanos também não se querem converter, isto é, não aceitam os
ensinamentos do pregador no sentido de se purificarem.
Concluindo, o orador manifesta o seu cansaço ao ver que a sua palava não dá frutos em São Luís do
Maranhão.
À semelhança de Santo António, o pregador aplicará as propriedades do sal (“conservar o são e
preservá-lo, para que se não corrompa”) ao seu sermão. O texto assim recupera a alegoria que o
estrutura (“vos estis sal terrae”).
- CAPÍTULO III (EXPOSIÇÃO)
• LOURORES EM PARTICULAR
Peixe de Tobias- simboliza a bondade, o poder purificador da palavra de Deus - o seu fel era
bom para sarar a cegueira e o coração para lançar fora os demónios. Os homens, ao contrário
de Tobias, não quiseram aproveitar o fel de Santo António para curar a cegueira (falta de fé),
nem o seu coração para se livrarem dos demónios (limpeza das almas), como fez Asmodeu.
Rémora- simboliza a força e o poder que a palavra do pregador tem para ser guia das almas -
pequeno no corpo, mas grande na força, pelo poder orientador e controlador. Prende e amarra
as naus, impedindo-as de avançar. Os homens não souberam dar valor ao poder e à força da
palavra (língua) de Santo António que domou a fúria das paixões humanas (Soberba, Vingança,
Cobiça, Sensualidade), impedindo as pessoas de caírem nas mais variadas desgraças
(naufrágios).
Torpedo- simboliza o poder que a palavra de Deus tem de fazer tremer os pescadores que
pescam na terra tudo quanto apanham - a sua energia tem a capacidade de fazer tremer a
mão do pescador, impedindo-o de pescar. Os homens, “pescadores em terra”, não temem a
Deus porque são ambiciosos e não se deixam converter ao caminho reto. No entanto, 22
pescadores destes tremeram ouvindo as palavras de Santo António e converteram-se.
Quatro-olhos- simboliza a prudência que os cristãos devem ter, afastando os olhos da vaidade
terrena - dois olhos olham para cima (vigiam os predadores do ar) e os outros dois para baixo
(vigiam os predadores do mar), defendendo-se assim de diversos tipos de males. Os homens
esquecem-se que há Céu (em cima) e Inferno (em baixo).
• Comparação a Santo António- “Se alguma rémora houve na terra, foi a língua de Santo
António (...).” - “Língua” simboliza a palavra e o seu poder regenerador.
“Oh se houvera uma Rémora na terra, que tivesse tanta força como a do mar, que menos perigos
haveria na vida, e que menos naufrágios no mundo!”
António Vieira estabelece uma relação de associação (semelhança) entre as virtudes da Rémora e
as das pregações de Santo António. De facto, o orador louva as virtudes deste “peixezinho” pequeno,
mas cuja força e poder são enormes. Posteriormente, ao extrapolar estas virtudes para o plano dos
homens, o orador exprime a necessidade de haver na terra alguém com a mesma força para guiar os
homens para o bem evitando que estes sucumbam às mais variadas desgraças. Chega-se à conclusão
que a língua de Santo António foi “rémora da terra”, pois este santo, com a pregação da doutrina,
domou a fúria das paixões humanas, evitando muitos naufrágios.
• Paralelismo anafórico: pescar simbólico- “ No mar, pescam as canas, na terra pescam as varas
(...), pescam as ginetas, pescam as bengalas, pescam os bastões e até os ceptros pescam, e
pescam mais que todos, porque pescam Cidades e Reinos inteiros.” - Gradação crescente ou
ascendente.
varas: juízes / ginetas: militares / bengalas: comerciantes / bastões: nobres / ceptros: reis
O Torpedo faz tremer o braço do pescador devido a uma descarga elétrica. Na terra, os juízes, os
militares, etc., “pescam” muito, tiram proveito dos outros, mas não “tremem”, ou seja, não manifestam
qualquer arrependimento, logo não dão indícios de pretenderem converter-se.
• Discurso maniqueísta- discurso que opõe dois polos (Céu vs. Inferno; bom vs. mau) “para cima,
considerando que há Céu, e para baixo, lembrando-me que há Inferno”. Padre António Vieira
afirma, com toda a humildade, ter aprendido com o Quatro-olhos como orientar as suas ações
sabendo que há Céu e que há Inferno, logo, com prudência, deve defender-se dos diferentes
praticar o bem.
- CAPÍTULO IV (CONFIRMAÇÃO)
• REPREENSÃO EM GERAL
- Os peixes comem-se uns aos outros (andam sempre à procura de como se hão de
comer, comem-se os mortos (comem-nos os herdeiros, testamentos, a mulher, o
coveiro, o padre, etc…), comem-se vivos (por exemplo a um réu comem-no a
testemunha, o juiz, etc…).
Nos dez primeiros parágrafos, que constituem o ponto alto deste sermão, aponta-se o
terrível defeito que os peixes/homens têm de se comerem (explorarem) uns aos outros
devido à sua cobiça desmedida, o que prova a sua crueldade, a sua maldade, a sua injustiça.
Também se deixam enganar facilmente, movidos pela vaidade.
No último parágrafo, o orador tenta persuadir o auditório a mudar a sua conduta de
antropofagia social (vício de se comerem uns aos outros), mostrando que é uma loucura os
homens deixarem-se ir por vaidade, gastando nisso toda a sua vida.
• Polissemia-
- “ (...) ainda o pobre defunto o não comeu a terra (sentido literal - pretérito
perfeito do indicativo), e já o tem comido toda a terra (pessoas, sociedade - pretérito
perfeito do conjuntivo).
Os Homens não se comem apenas quando estão mortos, mas também quando estão vivos “São
piores os homens que os corvos.” - os corvos são necrófagos da mesma forma que os Homens são
implacáveis.
- CAPÍTULO V (CONFIRMAÇÃO)
• REPREENSÃO EM PARTICULAR
Roncadores - “peixinhos pequeninos”, mas “as roncas do mar” - muita arrogância, pouca
firmeza. Simbolizam a arrogância, a soberba, a vaidade - não param de roncar, apesar da sua
fragilidade. Os homens, atraídos pelo saber e pelo poder, falam demasiado em vez de se
calarem e imitarem Santo António.
Exemplos de homens: Pedro (sozinho avançou para o exército romano; se todos
fraquejassem, só ele permaneceria até à morte - só ele fraquejou; Cristo pediu-lhe que
estivesse atento no horto e encontrou-o dormindo), Golias (quarenta dias consecutivos esteve
armado no campo- bastou um pastorzinho com um cajado e uma funda para o aniquilar).
• Quiasmo- “Não contente com ser peixe, quiseste ser ave, e já não és ave nem peixe.” e “A
Natureza deu-te a água, tu não quiseste senão o ar, e eu já te vejo posto ao fogo.”
• Paralelismo Anafórico- “Se está nos limos, faz-se verde; se está na areia, faz-se branco; se está
no lodo, faz-se pardo; e se está em alguma pedra, como mais ordinariamente costuma estar,
faz-se da cor da mesma pedra.”
- CAPÍTULO VI (PERORAÇÃO)
“Com esta advertência vos despido” - assim começa o último capítulo do Sermão de Santo António que
constitui a peroração, ou seja, a conclusão final.
• Tópicos:
- A condição dos peixes é superior à dos outros animais
- A condição dos peixes é superior à do pregador Vieira
- Apelo aos ouvintes
- Hino de louvor final
• SINTESE
Três objetivos programáticos da eloquência:
Docere- instruir o auditório, provando a veracidade das afirmações (o pregador transmite informação, faz
citações, fornece conceitos, apresenta argumentos);
Delectare- agradar ao auditório através de uma argumentação “brilhante” (o pregador, através do seu
estilo muito próprio, torna os seus textos agradáveis e cativantes, recorrendo a várias figuras de estilo, de
forma a envolver emotivamente o auditório);
Movere- convencer o auditório, levando-o a transformar a sua conduta em favor da causa defendida (o
pregador tenta cativar a atenção do auditório, seduzi-lo, fazê-lo pensar e levá-lo a mudar
comportamentos; para isso, recorre muitas vezes a um discurso apelativo (exortativo), a exemplos, usa
interrogações retóricas).
• Quiasmo- “Não contente com ser peixe, quiseste ser ave, e já não és ave nem peixe.” e “A
Natureza deu-te a água, tu não quiseste senão o ar, e eu já te vejo posto ao fogo.”
• Paralelismo Anafórico- “Se está nos limos, faz-se verde; se está na areia, faz-se branco; se está
no lodo, faz-se pardo; e se está em alguma pedra, como mais ordinariamente costuma estar,
FREI LUIS DE SOUSA
• ROMANTISMO
Em Portugal, o Romantismo está diretamente ligado às lutas liberais, porque os escritores românticos
mais representativos deste movimento estético – Garrett e Herculano – foram combatentes liberais.
Qualquer destes escritores foi exilado político na altura das lutas liberais, tendo vivido em França e
Inglaterra. Ao regressarem, trouxeram consigo os ideais deste novo movimento estético-literário que
introduziram em Portugal.
→ CARACTERÍSTICAS DO ROMANTISMO
• O idealismo- O romântico aspira ao infinito e a um ideal que nunca é atingido. Por isso, valoriza
o devaneio e o sonho.
• A inadaptação social- Por isso, mantêm uma atitude de constante desprezo e rebeldia face à
realidade e às normas estabelecidas, considerando-se inadaptado e vítima do destino.
• A atração pela melancolia, pela solidão e pela morte como solução para todos os males.
• O gosto pela natureza noturna- Para os românticos, a natureza é a projeção do seu estado de
alma, em geral tumultuoso e depressivo. Assim, esta é representada de forma invernosa,
sombria, agreste, solitária e melancólica (“locus horrendus”), contrariamente ao “locus
amoenus” dos clássicos, que é uma natureza luminosa, harmoniosa e primaveril. Esta natureza
noturna traduz a atração que o romântico tem pela própria morte.
• O amor a tudo o que é popular e nacional – Para o romântico, é no povo que reside a alma
nacional. Daí o gosto pela Idade Média, pelas lendas, pelas tradições, pelo folclore, por tudo o
que é nacional.
• Na tragédia antiga, o Homem é uma peça do Destino. Este é uma força superior que age de
forma inexorável sobre o protagonista, sem que ele tenha qualquer culpa.
• Tem poucas personagens (três). Estas são nobres de sentimentos ou de condição social.
• Existia um coro que tinha como função comentar e anunciar o desenrolar dos acontecimentos.
• A tragédia clássica obedece à lei das três unidades- unidade de espaço (não há em geral
mudança de cenário e os acontecimentos passam-se todos no mesmo lugar), unidade de tempo
(todos os acontecimentos têm de se desenrolar no espaço de 24 horas, mostrando que a ação
do Destino é imperativa e fulminante) e unidade de ação (a tragédia antiga exige que o
espectador se centre apenas no problema central, sem desvio para ações secundárias).
A Hybris (desafio) - Consiste num desafio que o protagonista realiza, após um momento de crise. Tal
desafio pode ser contra a lei dos deuses, a lei da cidade, as leis e os direitos da família, ou, finalmente,
contra as leis da natureza.
O Pathos (sofrimento)- A sua decisão, o seu desafio, a sua revolta, têm como consequência o seu
sofrimento, que ele aceita e que lhe é imposto pelo Destino e executado pelas Parcas. Tal sofrimento será
progressivo
O Agón (combate)- É o combate ou a luta que nasce do desafio e se desenrola na oposição de homens
contra deuses, de homens contra homens ou de homens contra ideias. Pode ser físico, psicológico,
individual ou coletivo. O conflito é a alma da tragédia.
A Anankê (destino)- É o Destino, sombria potestade a que nem aos deuses é permitido desobedecer. É,
pois, cruel, implacável e inexorável.
A Katársis (catarse)- É o efeito completo da representação trágica que visa purificar os espectadores de
paixões semelhantes às dos protagonistas, pelo terror e pela piedade.
• AÇÃO
Toda a ação se passa nos finais do séc. XVI, após o desaparecimento de D. Sebastião na Batalha de
Alcácer-Quibir. Com ele parte D. João de Portugal, personagem vital que desaparece também
desencadeando toda a ação dramática em Frei Luís de Sousa. Todos estes acontecimentos decorrem sob
domínio Filipino.
Após o desaparecimento de D. João de Portugal, D. Madalena manda-o procurar durante sete anos mas
em vão. Casa então com D. Manuel de Sousa, nobre cavaleiro, de quem tem uma filha de 14 anos.
D. Madalena vive uma vida infeliz, cheia de angústia e de tranquilidade, no receio de que o seu primeiro
marido esteja vivo e acabe por voltar. Tal facto acarretaria para Madalena uma situação de bigamia e a
ilegitimidade de Maria, sua filha. Esta é tuberculosa e vive, em silêncio, o drama da sua mãe que será o
seu. Efetivamente D. João de Portugal acaba por regressar, acarretando o desenlace trágico de toda a
ação.
• PERSONAGENS
- D. MADALENA DE VILHENA
• Nobre: família e sangue dos Vilhenas
• Sentimental: deixa-se arrastar pelos sentimentos muito mais do que pela razão
• Pecadora
• Torturada pelo remorso do passado: não chega a viver o presente por impossibilidade de
abandonar o passado
• Apesar de ser uma heroína romântica, D. Madalena não luta por nenhuma ordem de valores
superiores, nem por nenhum idealismo generoso, pois nela não se evidencia de forma
particular a luta por qualquer ideal
• O que nela transparece acima de tudo é a sua natureza feminina, o seu amor de mulher a que
prioritariamente se entrega, pois há nela um conceito ou um desejo de felicidade que assenta
numa vida objetiva, concreta à dimensão humana
• Racional: deixa-se conduzir pela razão no que contrasta com a sua mulher
• Encarna o mito romântico do escritor: refúgio no convento, que lhe proporciona o isolamento
necessário à escrita
• Até à vinda do romeiro, representa o herói clássico racional, equilibrado e sereno. A razão
domina os sentimentos pela ação da vontade
• Tem como ideal de vida o culto pela honra, pelo dever, pela nobreza de ações (daí o seu
nacionalismo e o incêndio do palácio)
• Porém, no início do ato III, após o aparecimento do romeiro, Manuel de Sousa perde a
serenidade e o equilíbrio clássico que sempre teve e adquire características românticas. A
razão deixa de lhe disciplinar os seus sentimentos, e estes manifestam-se com descontrolada
violência. Exemplos:
o Revela sentimentos contraditórios (deseja simultaneamente a morte e a vida da filha)
o Opta por atitudes extremas (a ida para o convento) como solução para uma situação
socialmente condenável
o Ao optar por esta atitude, encarna o mito do escritor romântico, como um ser de
exceção, que se refugia na solidão para se dedicar à escrita
- D. JOÃO DE PORTUGAL
• Nobre: família dos Vimiosos
• D. João é uma personagem dupla. Por um lado, é uma personagem abstrata porque só por si
não participa no conflito. Por outro, é uma personagem concreta, porque mesmo ausente ele
é a força desencadeadora de toda a energia dramática da peça, permanecendo
permanentemente em cena através das outras personagens (através das evocações de
Madalena, das convicções de Telmo, do Sebastianismo de Maria, das crenças, dos agouros e dos
sinais)
• D. João é assim uma personagem simbólica que movimenta todas as outras personagens.
Simboliza a fatalidade, a força do Destino que atua inexoravelmente sobre as outras
personagens, levando a ação a um desfecho trágico.
- D. MARIA DE NORONHA
• Nobre: sangue dos Vilhenas e dos Sousas
• A ameaça que percorre o texto é-lhe essencialmente dirigida, razão pela qual se torna vítima
inocente e consequentemente heroína. Quer atuando, quer através das falas das outras
personagens, Maria está sempre em cena, tornando-se assim o núcleo de construção de toda a
peça.
• Maria não nos aparece nunca como uma personagem real pois a sua figura é altamente
idealizada. Como consequência dessa idealização, Maria não tem uma dimensão psicológica
real, porque é simultaneamente criança e adulto, não se impondo com nenhum destes
estatutos.
- TELMO PAIS
• Não nobre: escudeiro
• Confidente de D. Madalena
• Desempenha três funções do coro das tragédias clássicas: diálogo, comentário e profecia
• Telmo vive assim um drama inconciliável entre o passado a que quer ser fiel e o presente
marcado pelo seu amor a Maria. É este drama da unidade/fragmentação do “eu”, ou seja, este
espetáculo da própria mudança feito em cena que é uma novidade e uma nota de modernidade
no teatro de Garrett.
• Claro que esta autorrevelação é provocada por um acontecimento externo que é o Destino,
sem a atuação do qual esta revelação não se teria dado.
- FREI JORGE
• É confidente e conselheiro e à semelhança do coro clássico, faz comentários aos factos
• ESPAÇO
Capela
• TEMPO
Ato II
• Casamento com Manuel de Sousa
04/08/1599 Coutinho: 7 anos depois da batalha
Sexta-feira Sexta-feira
Tarde
Ato III
• Regresso de D. João de Portugal no
04/08/1599 21º aniversário da batalha
Sexta-feira 04/08/1599 (sexta-feira)
Alta noite
• A verosimilhança é perfeita
Ato I Ato II
Alta noite
uma semana
• Não respeita a duração de 24 horas
Ato III: Parte baixa do palácio de D. João: casarão sem ornato algum-
abandono dos bens deste mundo. A cruz: elemento conotador de
morte e de esperança.
• O coro da tragédia clássica não existe, mas está representado, de forma esporádica, nas
personagens Telmo e Frei Jorge
• MARCAS ROMANTICAS NA OBRA
• A crença no Sebastianismo
• O individualismo
• O tema da morte
Indícios trágicos- sinais da fatalidade que se avizinha ou pressente. Os indícios ou presságios podem surgir
sob a forma de acontecimentos, comportamentos, comentários, alusões ou informações que nem sempre
são entendidos pelas personagens como sinais de tragicidade. Ao longo da ação de Frei Luís de Sousa, há
várias situações e elementos que contribuem para a criação de um ambiente de medo e de suspeita e que
funcionam como uma espécie de preparação para o desenlace trágico.
• SINTESE
• O amor é um dos temas centrais. Trata-se da força motriz que desencadeia e faz avançar a
intriga principal- a relação sentimental entre Carlos e Maria Eduarda -, mas também do
ingrediente que precipita as personagens para um desfecho desditoso.
• O incesto, ainda que involuntário e inconsciente, quando se descobre que as duas personagens
centrais, com uma ligação amorosa, são irmão e irmã.
• A educação é outro tema da obra. Dois modelos de educação são colocados em confronto:
modelo tradicional português, orientado pelos valores da fé católica, baseado no estudo teórico
e livresco e na aprendizagem do latim; e o modelo britânico, apologista do exercício físico, do
contacto com a natureza, de uma formação moral sólida e humanista e do estudo das línguas
vivas.
→ ESPAÇOS
Ramalhete- a casa dos Maias em Lisboa e que corresponde à noção de lar da família na capital;
Quinta de Santa Olávia- propriedade dos Maias no Douro, representa as origens rurais da família, o que
lhe confere uma ligação ao campo, à natureza e ao que há de mais genuinamente português e não foi
corrompido pela cidade. Funciona também como um santuário onde Carlos cresce e o avô Afonso se
refugia;
Hotel Central- onde jantam Carlos, Ega e outras personagens da narrativa o leitor assiste a uma discussão
literária (que encena a polémica entre o Ultrarromantismo e o Realismo/Naturalismo) e às reflexões
trocistas sobre a situação política e económica de Portugal. Nesta confraternização entre personagens com
formação e com relevo na vida nacional, não só observamos a indiferença e a insensibilidade perante a
decadência do País como a incapacidade de alguns membros da elite lisboeta se comportarem com civismo
e dignidade.
No episódio das corridas de cavalos, que decorre no hipódromo, é denunciado o culto da aparência da
sociedade burguesa e a sua aspiração de se mostrar requintada e cosmopolita, imitando a realidade das
corridas inglesas. No entanto, o evento revela-se monótono e entediante, e os comportamentos, artificiais.
Mais ainda, o ambiente apenas anima quando o provincianismo lusitano vem à superfície numa cena de
discussão e pugilato que põe a nu a genuína falta de civismo do português.
No jantar em casa dos condes de Gouvarinho, é a classe dirigente da nação que revela a sua falta de
cultura bem como a mediocridade das suas ideias e das propostas que tem para o País.
Os vícios do jornalismo e a aspiração da burguesia são tratados nos episódios que decorrem nas
redações dos jornais A Corneta do Diabo e A Tarde.
No sarau artístico no Teatro da Trindade critica-se a futilidade da sociedade burguesa. A cultura das
classes privilegiadas é pobre e falta-lhes o gosto e a sensibilidade pela arte mais exigente.
• Por outro lado, assume igualmente uma dimensão simbólica, facto que subverte os cânones
naturalistas.
Ramalhete- a descrição no início do primeiro capítulo (antes e depois das obras de remodelação) é
reveladora do bom gosto e do requinte de Carlos, evidenciando o seu diletantismo. Constitui um marco de
referência fundamental e o seu apogeu e/ou degradação acompanham o percurso da família, de que o
jardim é um símbolo.
“Toca”- a descrição do ninho de amor de Carlos e Maria Eduarda aponta para a expressão de um gosto
exótico, requintado e sensual, apropriado à vivência de uma paixão marginal. Sendo o covil de um animal,
o nome escolhido para este espaço aponta para o local onde os dois amantes se preservam da curiosidade
da sociedade. Na descrição do quarto, multiplicam-se os elementos simbólicos, que indicam o carácter
interdito e o fim trágico do amor, como o quadro de Vénus e Marte, o leito, um painel tétrico e uma coruja
empalhada.
Espaços de Lisboa percorridos no passeio final de Carlos e Ega- começam por percorrer o Loreto, espaço
em que a estátua de Camões representa simbolicamente a época áurea dos Descobrimentos, que
contrasta com a estagnação, inércia e decadência que marcam a sociedade do séc. XIX.
A decadência da sociedade está associada à degenerescência da própria população portuguesa, que é
descrita como «feiéssima, encardida, molenga, reles, amarelada, acabrunhada».
De seguida, os dois amigos chegam à Avenida da Liberdade, espaço que representa simbolicamente um
Portugal pretensamente moderno e cosmopolita. Neste espaço confirma-se também a degenerescência
dos portugueses – neste caso, especificamente através da descrição da juventude. Com efeito, esta
«mocidade pálida» limita-se a passear pela Avenida da Liberdade sem propósito aparente.
Finalmente, Carlos aponta para «velhos outeiros da Graça e da Penha», que representam simbolicamente
a hipótese de orientação para aquilo que é genuinamente português. No entanto, como Ega refere, esta
solução também não é satisfatória, uma vez que implicaria o regresso a um passado decrépito, associado
ao domínio do clero e da nobreza.
• DESCRIÇÃO DO REAL E O PAPEL DAS SENSAÇÕES
As descrições de lugares, personagens e comportamentos concretizam-se em anotações que resultam
sobretudo de observações do narrador. Tal significa que o registo descritivo assenta em perceções visuais
desses elementos; ou seja, nesta obra a ficção simula-se que o narrador caracteriza os espaços e as figuras
que, pretensamente, estaria a observar.
Esta caracterização dos espaços, em que domina a técnica da verosimilhança, procura representar os
lugares «como eles são». Ela serve os princípios artísticos e os objetivos do Realismo, pois, ao representar
o mundo social, analisa-o também socialmente.
Outra técnica descritiva usada por Eça é a técnica impressionista. Neste tipo de descrição de lugares,
figuras e elementos dá-se maior relevo à luz e às manchas de cor de um conjunto do que à forma exata ou
aos contornos desses elementos.
Há, no entanto, momentos d’Os Maias em que as descrições se destacam por referências ou sugestões a
sensações olfativas, auditivas e táteis. As sensações olfativas estão frequentemente associadas a cenários
naturais e decorrem das fragâncias exaladas pela vegetação.
• A paixão obsessiva que nutre pela mãe acaba, na idade adulta, por ser
transferida para Maria Monforte, figura feminina bela, fútil, caprichosa e
manipuladora.
• Deste modo, o único elemento sublime que acaba por restar desta relação
amorosa são as recordações de Ega, que este evoca junto de Carlos e Craft, mas
cujo dramatismo é, mais uma vez, diluído pelo facto de aquele se encontrar
profundamente ébrio (alcoolizado).
• (.
- CARLOS/MARIA EDUARDA
• Todas as relações anteriormente referidas contribuem para exaltar o carácter
sublime (grandioso, perfeito) desta última relação amorosa.
• É uma personagem profundamente digna, que não se deixa seduzir pelo luxo
que Carlos tanto aprecia, vivendo de forma simples e austera. Acresce o facto de
ser inteligente, culto e caridoso – tanto com as pessoas, como com os animais.
- MARIA EDUARDA
• Apesar de todas as infelicidades ao longo da sua vida, Maria Eduarda nunca
perde a sua dignidade; A sua caracterização é feita do contraste entre si e as
outras personagens femininas. É sempre apresentada como um ser superior.
- PEDRO DA MAIA
• Temperamento nervoso, fraco e de grande instabilidade emocional
- CARLOS DA MAIA
• Carlos era culto, bem-educado, de gostos requintados. Ao contrário do seu pai, é
fruto de uma educação à Inglesa.
• Todavia, apesar da educação, Carlos fracassou. Não foi devido a esta, mas falhou,
em parte, por causa do meio onde se instalou - uma sociedade parasita, ociosa,
fútil e sem estímulos. Mas também devido a aspetos hereditários - a fraqueza e a
cobardia do pai, o egoísmo, a futilidade e o espírito boémio da mãe.
- MARIA MONFORTE
• É vítima da literatura romântica e daqui deriva o seu carácter pobre, excêntrico e
excessivo.
- JOÃO EGA
• João da Ega é a projeção literária de Eça de Queirós. É uma personagem
contraditória: por um lado, romântico e sentimental, por outro, progressista e
crítico, sarcástico do Portugal Constitucional. Amigo íntimo de Carlos desde os
tempos de Coimbra, onde se formara em Direito.
• Terminado o curso, vem viver para Lisboa e torna-se amigo inseparável de Carlos.
- CONDE DE GOUVARINHO
• Era voltado para o passado. Tem lapsos de memória e revela uma enorme falta
de cultura. Não compreende a ironia sarcástica de Ega.
- EUSEBIOZINHO
• Este representa a educação retrógrada portuguesa. Amigo de infância de Carlos
com quem contrastava na educação.
- CRAFT
• Representa a formação britânica, o protótipo de como deve ser um homem. É
culto e forte de hábitos rígidos.
- INTRIGA PRINCIPAL
• Carlos vê Maria Eduarda no Hotel Central;
• Carlos declara-se a Maria Eduarda;
• Carlos e Maria Eduarda consumam o incesto inconscientemente;
• Guimarães faz revelações a Ega;
• Ega transmite as revelações de Guimarães a Carlos;
• Carlos faz revelações a Afonso;
• Carlos comete incesto, conscientemente;
• Afonso morre, de apoplexia, no Ramalhete, ao perceber o ato do neto;
• Ega revela toda a verdade a Maria Eduarda;
• Maria Eduarda parte definitivamente para Paris.
-EPÍLOGO
• Viagem de Carlos e Ega – 1 ano
• Carlos em Sevilha;
• Reencontro de Carlos e Ega – passados 10 anos
O epílogo retoma o ritmo rápido inicial: dez anos são contados em cerca de duas
páginas. Esta concentração temporal é conseguida através de:
o Elipses
o Resumos
O famoso passeio final, no momento simbólico e de reflexão protagonizado por Carlos e
Ega ocupa o resto do capítulo XVIII, desacelerando o ritmo narrativo e aproximando-se
do ritmo da segunda parte.
• TEMPO
→ TEMPO DA NARRATIVA
Os Maias abarcam uma faixa temporal de cerca de setenta anos, de 1820 a 1887, dos quais apenas
catorze meses são objeto de uma atenção diferenciada.
Inicialmente, apresenta-se o Ramalhete e Afonso da Maia em 1875; depois, recua-se a 1820 para se
resumir a história da família; por fim, regressa-se a 1875 e ao Ramalhete, para se narrar a intriga central,
que tem a duração de catorze meses.
→ TEMPO HISTÓRICO
A sequência de gerações Afonso - Pedro - Carlos corresponde à evolução de grandes coordenadas
históricas do séc. XIX português:
• Com Afonso da Maia, figura emblemática do Liberalismo romântico, evoca-se o período de agonia
do Absolutismo.
• Com Pedro da Maia, reconstitui-se o ambiente excessivamente doentio do Ultrarromantismo,
representado pelo suicídio da personagem.
• Com Carlos da Maia, evoca-se o cenário de um Portugal saído da Carta Constitucional e que sofre
as consequências da mentalidade romântica.
→ TEMPO PSICOLÓGICO
A passagem do tempo influencia as personagens, não apenas no seu envelhecimento, mas também em
mudanças comportamentais. Esse referencial de mutações, que reflete vivências e emoções das
personagens, denomina-se tempo psicológico, de que são exemplo:
• As horas passadas no consultório, que Carlos considerava monótonas e “estúpidas”
• O último episódio, em que Carlos e Ega visitam e contemplam o velho Ramalhete e refletem sobre
o passado e o presente. “É curioso! Só vivi dois anos nesta casa, e é nela que me parece estar
metida a minha vida inteira”.
• RESUMO
A ação de "Os Maias" passa-se em Lisboa, na segunda metade do séc. XIX. Conta-nos a história de três
gerações da família Maia.
A ação inicia-se no Outono de 1875, altura em que Afonso da Maia, nobre e rico proprietário, se instala
no Ramalhete. O seu único filho- Pedro da Maia- de carácter fraco, resultante de uma educação
extremamente religiosa e perfecionista à portuguesa, casa-se, contra a vontade do pai, com a filha de um
antigo negreiro, Maria Monforte, de quem tem dois filhos — um menino e uma menina. Mas a esposa
após conhecer Tancredo, um príncipe italiano que Pedro alvejara acidentalmente enquanto caçava,
acabaria por o abandonar para fugir com o Napolitano, levando consigo a filha, de quem nunca mais se
soube o paradeiro.
O filho- Carlos da Maia- viria a ser entregue aos cuidados do avô, após o suicídio de Pedro da Maia,
devido ao desgosto da fuga da mulher que tanto amava. Carlos passa a infância com o avô, recebendo uma
educação rígida. Principalmente direcionada à educação e só depois à religião. Forma-se depois, em
Medicina, em Coimbra. Carlos regressa a Lisboa, ao Ramalhete, após a formatura, onde se vai rodear de
alguns amigos, como o João da Ega, Alencar, Damaso Salcede, Palma de Cavalão, Euzébiozinho, o maestro
Cruges, entre outros.
Seguindo os hábitos dos que o rodeavam, Carlos envolve-se com a Condessa de Gouvarinho, que depois
irá abandonar.
Um dia fica deslumbrado ao conhecer Maria Eduarda, que julgava ser mulher do brasileiro Castro
Gomes. Carlos segue-a algum tempo sem êxito, mas acaba por conseguir uma aproximação quando é
chamado por ela, para visitar, como médico, a sua governanta que adoecera. Começam então os seus
encontros com Maria Eduarda, visto que Castro Gomes estava ausente. Carlos chega mesmo a comprar
uma casa onde instala a amante. Castro Gomes descobre o sucedido e procura Carlos, dizendo que Maria
Eduarda não era sua mulher, mas sim sua amante e que, portanto, podia ficar com ela.
Entretanto, chega de Paris um emigrante, que diz ter conhecido a mãe de Maria Eduarda e que a
procura para lhe entregar um cofre desta que, segundo ela lhe dissera, continha documentos que
identificariam e garantiriam para a filha uma boa herança. Essa mulher era Maria Monforte- a mãe de
Maria Eduarda era, portanto, também a mãe de Carlos. Os amantes eram irmãos.
Contudo, Carlos não aceita este facto e mantém abertamente, a relação incestuosa com a irmã, sem que
esta saiba que são irmãos. Afonso da Maia, o velho avô, ao descobrir que Carlos, mesmo sabendo que
Maria Eduarda é sua irmã, continua com a relação, morre de desgosto.
Ao tomar conhecimento, Maria Eduarda, agora rica, parte para o estrangeiro; e Carlos, para se distrair,
vai correr o mundo.
O romance termina com o regresso de Carlos a Lisboa, passados 10 anos, e o seu reencontro com
Portugal e com Ega, que lhe diz: - "Falhámos a vida, menino!"
• CRITICA SOCIAL
A crónica de costumes da vida lisboeta da Segunda metade do séc. XIX desenvolve-se num certo
tempo, projeta-se num determinado espaço e é ilustrada por meio de inúmeras personagens
intervenientes em diferentes episódios.
Lisboa é o espaço privilegiado do romance, onde decorre praticamente toda a vida de Carlos ao longo
da ação. O carácter central de Lisboa deve-se ao facto de esta cidade, concentrar, dirigir e simbolizar toda
a vida do país. Lisboa é mais do que um espaço físico, é um espaço social. É neste ambiente monótono,
amolecido e de clima rico, que Eça vai fazer a crítica social, em que domina a ironia, corporizada em certos
tipos sociais, representantes de ideias, mentalidades, costumes, políticas, conceções do mundo, etc.
• MENSAGEM
A mensagem que o autor pretende deixar com esta obra, tem uma intenção iminentemente crítica.
É através do paralelo entre duas personagens - Pedro e Carlos da Maia, que Eça concretiza a sua
intenção. Ambos, apesar de terem tido educações totalmente diferentes, falharam na vida. Pedro falha
com um casamento desastroso, que o leva ao suicídio; Carlos falha com uma ligação incestuosa, da qual sai
para se deixar afundar numa vida estéril e apagada, sem qualquer projeto seriamente útil, em Paris.
Por outro lado, estas duas personagens, representam também épocas históricas e políticas diferentes.
Pedro, a época do Romantismo, e seu filho, a Geração de 70 e das Conferências do Casino, geração
potencialmente destinada ao sucesso. Mas não foi isso que sucedeu e é este facto que o escritor pretende
evidenciar com o episódio final - o fracasso da Geração dos Vencidos da Vida.
Assim, estas personagens representam os males de Portugal e o fracasso sucessivo das diferentes
correntes estético-literárias. Fracasso este que parece dever-se, não às correntes em si, mas às
características do povo português - a predileção pela forma em detrimento do conteúdo, o diletantismo
que impede a fixação num trabalho sério e interessante, a atitude "romântica" perante a vida, que consiste
em desculpar sistematicamente, os próprios erros e falhas, e dizer "Tudo culpa da sociedade".
• SIMBOLISMO
Ramalhete- esta designação e o emblema (o ramo de girassóis) mostram a importância "da terra e da
província" no passado da família Maia. A "gravidade clerical do edifício"” demonstra a influência que o
clero teve no passado da família e em Portugal.
Obras de restauro- levadas a cabo por Carlos, introduziram o luxo e a decoração cosmopolita, simbolizam
uma nova oportunidade, uma reforma da casa (ou do país) para uma nova etapa - é o reflexo do ideal
reformista da Geração de Carlos. Carlos é um símbolo da Geração de 70, tal como o é Ega.
Cascata do Ramalhete- também sofre uma evolução. No primeiro capítulo a cascata está seca porque o
tempo da ação d’ Os Maias ainda não começou. No último capítulo, o fio de água da cascata é símbolo da
eterna melancolia do tempo que passa, dos sentimentos que leva e traz, mostra-nos também que o tempo
está mesmo a esgotar-se e o final da história d' Os Maias está próximo. Este choro simboliza também a dor
pela morte de Afonso da Maia.
Estátua de Vénus- enegrece com a fuga de Maria Monforte. Agora, (no último capítulo) coberta de
ferrugem simboliza o desaparecimento de Maria Eduarda e os seus membros agora transformados dão-lhe
uma forma monstruosa fazendo lembrar Maria Eduarda e monstruosidade do incesto. Esta estátua marca
então, o início e o fim da ação principal. Ela é também símbolo das mulheres fatais d' Os Maias - Maria
Eduarda e Maria Monforte.
Quadro com cabeça degolada- No quarto de Maria Eduarda, na Toca, o quadro com a cabeça degolada é
um símbolo e presságio de desgraça. Os seus aposentos simbolizam o carácter trágico, a profanação das
leis humanas e cristãs.
Cor vermelha- Maria Monforte e Maria Eduarda são portadoras de um vermelho feminino, despertam a
sensibilidade à sua volta; espalham a morte. O vermelho é, portanto, o símbolo da paixão excessiva e
destruidora.
Dourado- está também presente, indicando a paixão ardente; anunciando a velhice (o Outono), a
proximidade da morte.
Preto- Morte prefigurada pela cor negra, símbolo de uma paixão possessiva e destruidora.
Mãe e filha conjugam em si estas três cores: elas são, portanto, vida e morte, o divino e o humano, a
aparência e a realidade, a força
ANTERO DE QUENTAL- SONETOS COMPLETOS
• FUNÇÃO DA POESIA
A poesia de Antero surge como forma de intervenção potenciadora de mudança na sociedade, sendo a
poeta o mensageiro dos ideais de transformação social. "Povo deve substituir Deus no altar."
Fora filosofia e não arte que Antero quisera fazer e apenas teria produzido ensaios filosóficos. Porém, se os
temas que o inquietavam eram metafísicos, na forma fixa do soneto encontrou o molde perfeito para o
desenvolvimento da ideia, da filosofia.
Em termos de rima, nas quadras segue rigorosamente o esquema rimático definido para o soneto,
contendo rima interpolada e emparelhada; nos tercetos apresenta as várias variantes possíveis, fazendo
uso das rimas cruzadas, interpoladas e emparelhadas.
Em termos de organização do tema, a ideia é apresentada e desenvolvida nas duas primeiras quadras
e acentuada no primeiro terceto; deste modo, no segundo terceto surge uma conclusão inevitável,
natural (acabando assim com chave de ouro)
• A ANGÚSTIA EXISTENCIAL
• CONFIGURAÇÕES DO REAL
- Desejo absoluto
- Imaginação e sonho
- Perfeição e plenitude das realizações do “eu” (imaginárias ou reais)
• SONETOS
Discurso conceptual- caracteriza-se pelo recurso a conceitos abstratos, a noções filosóficas, metafísicas e
abstratas, de maior ou menor densidade, que apresenta nos seus poemas.
• Chegado ao local, o poeta exige nele entrar, apresentando-se como “o Vagabundo, o Deserdado”,
aquele que lutou, que superou provas e que precisa de se acolher de tão dura travessia.
• No entanto, quando as portas se abrem, apenas encontra “Silêncio e escuridão – e nada mais!”.
Acentuando a desilusão do s.p., o último terceto revela a tomada de consciência de que os desejos e
as expectativas são inatingíveis. Aspirando ao absoluto, o “eu” lírico só a si próprio se encontra, numa
luta constante para alcançar a felicidade inatingível.
• Não é neste local que o poeta poderá exorcizar os seus medos, os seus desesperos, as suas angústias.
Partindo de imagens-símbolo, Antero reflete sobre a
desesperança:
• Em primeiro lugar apresenta um ser frágil, uma
ave “a quem roubaram/Ninho e filhos e tudo”, e
Deixá-la ir, a ave, a quem roubaram
que fica, portanto, sem razão para existir. O tom
Ninho e filhos e tudo, sem piedade.
de sofrimento atroz está instalado, pois tudo lhe
Que a leve o ar sem fim da soledade
foi tirado, “sem piedade”, e “as asas partidas”
Onde as asas partidas a levaram.
estão;
Deixá-la ir, a vela, que arrojaram
Os tufões pelo mar, na escuridade • Apresenta a “alma lastimosa”, condenada à
Quando a noite surgiu da imensidade, “morte queda, à morte silenciosa”, porque perdeu
Quando os ventos do sul se levantaram. “fé e paz e confiança”, ou seja, os pilares da vida. A
abdicação é a única saída para quem perdeu os
Deixá-la ir, a alma lastimosa,
princípios orientadores da vida;
Que perdeu fé e paz e confiança,
À morte queda, à morte silenciosa.
• Por último, é a nota que concretiza o spleen, o
Deixá-la ir, a nota desprendida tédio existencial, a tendência romântica do mal du
Dum canto extremo.. e a última esperança.. siècle, com a representação do cansaço e do
E a vida.. e o amor.. deixá-la ir, a vida.! desespero, sendo a morte a derradeira felicidade.
O soneto acaba por ser o intérprete perfeito da Ideia anteriana, pois a apresentação e o
desenvolvimento da tese são apresentados nas duas quadras e no primeiro terceto, sendo o último a
chave de ouro, isto é, a conclusão do tema apresentado, à boa maneira de Petrarca ou do nosso Camões.
É de assinalar, igualmente, o uso da adjetivação de cunho latinizante (“mesto”, “gélido”, “rudo”), por
vezes utilizada em formas duplas (“largo e fundo”, “pálido e triste”).
Os sonetos são, em Antero, um testemunho de um estado de alma em agonia.
CESÁRIO VERDE- CANTICOS DO REALISMO
• A REPRESENTAÇÃO DA CIDADE E DOS TIPOS SOCIAIS
O interesse de Cesário Verde por cenas do quotidiano cruza-se com a temática social- a vida nos bairros
burgueses e proletários, a venda de produtos pelas ruas, a construção de edifícios, a pavimentação das
ruas, o descarregar dos navios, os trabalhos agrícolas, as lides domésticas.
• Descrição da cidade (Lisboa)- vertente física e humana, reveladora dos contrastes sociais.
• Cidade- espaço sufocante, angustiante e conotado com a morte, a corrupção de valores e a doença.
• Crítica e solidariedade social (face aos desfavorecidos).
ANÁLISE:
A Débil
Eu, que sou feio, sólido, leal, Sorriam, nos seus trens, os titulares;
A ti, que és bela, frágil, assustada, E ao claro sol, guardava-te, no entanto,
Quero estimar-te sempre, recatada A tua boa mãe, que te ama tanto,
Numa existência honesta, de cristal. Que não te morrerá sem te casares!
Via-te pela porta envidraçada; E eu, que urdia estes fáceis esbocetos,
E invejava, — talvez que não o suspeites! - Julguei ver, com a vista de poeta,
Esse vestido simples, sem enfeites, Uma pombinha tímida e quieta
Nessa cintura tenra, imaculada. Num bando ameaçador de corvos pretos.
• Nas estrofes 2 a 12, faz-se a explicitação da atitude decadentista do s.p., sentado à mesa de um
“café devasso”, a beber absinto, atitude esta que é subitamente alterada aquando da observação
da jovem “fraca e loura”, em contraste com a “Babel tão velha e corruptora”.
• A descrição da jovem pueril, nas suas roupas simples, desperta o desejo do “eu” lírico.
Para Cesário Verde, ver é perceber o que se esconde na realidade, é captar as impressões que as coisas
lhe deixam e, por isso, o poeta perceciona o real minuciosamente através dos sentidos. Ou seja,
deambulando por espaços físicos vários, o real exterior é apreendido pelo mundo interior do observador,
que o interpreta e recria com grande nitidez, numa atitude de captação do real pelos sentidos, com
predominância dos dados obtidos pela visão: cor, luz, recorte, formas, movimento.
• O carácter deambulatório.
• O real e o quotidiano como fonte de inspiração.
• A observação objetiva como ponto de partida para a poetização.
• A poética de cariz realista.
ANÁLISE:
Dez horas da manhã; os transparentes E rota, pequenina, azafamada,
Matizam uma casa apalaçada; Notei de costas uma rapariga,
Pelos jardins estancam-se as nascentes, Que no xadrez marmóreo duma escada,
E fere a vista, com brancuras quentes, Como um retalho da horta aglomerada
A larga rua macadamizada. Pousara, ajoelhando, a sua giga.
• Desta forma, Cesário regressa ao real e, com o seu olhar crítico e solidário, observa agora uma
pobre trabalhadora, que é explorada até ao seu limite para sobreviver. A dimensão crítica e
solidária do poeta é, assim um aspeto estruturante da sua poesia.
Encontramos os sons da cidade, os cheiros da vida quotidiana de uma Lisboa pulsante e geradora de
tensões sociais. Ao deambular pela cidade, o poeta apreende o real que servirá de ponto de partida para
a sua produção literária - “A mim o que me rodeia é o que me preocupa”.
• A ESTRUTURAÇÃO DO POEMA
Estrutura narrativa segundo uma progressão temporal:
Ave Marias → Noite Fechada → Ao Gás → Horas Mortas
- “Ave Marias”
• Sugere, em termos de tempo, o fim da tarde e o início da noite, momento
dedicado à oração e escolhido pelo sujeito poético para iniciar a sua errância
e observar os vários espaços que vai descrevendo, nomeadamente os
edifícios, as edificações... numa deambulação solitária e crítica por uma cidade
que lhe provoca um “desejo absurdo de sofrer”, fazendo surgir a insatisfação e
o nojo.
- “Noite Fechada”
• O passeio continua, agora num espaço mais confinado, com a referência à
cadeia do aljube, à velha Sé, a igrejas, a quartéis, a andares, a tendas, a
palácios que rivalizam com espaços mórbidos, negros e metafóricos da ideia de
enclausuramento e de solidão, numa perfeita sintonia com o título. O
fechamento progressivo do espaço é notório nesta secção, estando o mesmo
conotado com a ideia de tristeza, de morbidez, de fechamento.
• Anoitecer.
- “Ao Gás”
• A escuridão é agora evidente, o que cria uma atmosfera de alucinação,
conduzindo à interpenetração da realidade externa com a realidade subjetiva
do s.p. na sua errância. Os espaços são agora os passeios, as lojas, a padaria, as
casas de confeção, as longas descidas, as esquinas, a catedral, e as
personagens femininas que desfilam.
- “Horas Mortas”
• Na cidade “às escuras”, caminha-se de lanterna. A noite da cidade já não
sufoca, porque está reintegrada na noite natural, mas, por baixo do “teto
fundo de oxigénio”, a ideia de prisão está lá, com os portões e os bloqueios.
•
• A transfiguração do real é notória, com os faróis próximos de uma carruagem
que são olhos sangrentos em contraste com o som pastoril de uma flauta
distante, paradigma da libertação associada ao campo.
• A ação da narrativa centra-se no triângulo amoroso constituído por Simão, Teresa e Mariana.
• Simão Botelho era filho do juiz Domingos Botelho e de D. Rita Preciosa. Este era, no entanto,
odiado por Tadeu de Albuquerque, pai de Teresa, na medida em que, num litígio, não tomara uma
decisão favorável àquela personagem. O azedume entre as famílias adensou-se pelo facto de o
protagonista, num episódio em que espancou vários criados que se encontravam junto a uma
fonte, ter ferido também criados de Tadeu de Albuquerque.
• Antes de se apaixonar por Teresa, Simão destaca-se pelo seu comportamento violento e
arruaceiro. No entanto, o amor tem nele um efeito redentor: abandona a vida boémia e passa a
concentrar-se exclusivamente nos estudos, com o objetivo de garantir uma carreira futura e o
sustento da família com que sonhava.
• Contudo, o ódio entre as famílias não permite que os jovens fiquem juntos: Tadeu de
Albuquerque quer impor a sua filha o casamento com o seu primo Baltasar Coutinho. No entanto,
Teresa é, tal como Simão, profundamente corajosa e obstinada. Assim, apesar de ser uma filha
afetuosa, enfrenta abertamente o pai, recusando-se terminantemente a casar com um homem
que não ama. Como represália, Tadeu de Albuquerque decide enclausurá-la num convento.
• Quando se desloca para Viseu, de modo a estar mais próximo de Teresa, o protagonista instala-se
em casa de João da Cruz, um ferrador a quem o seu pai salvara de uma sentença de morte. Esta
figura do povo, de traços marcadamente realistas (inclusivamente pelo registo popular das suas
falas), funcionará como uma figura protetora para Simão, contrastando, pela sua dimensão
pragmática, com o idealismo do herói. Com efeito, não só hospeda e aconselha Simão, como lhe
salva a vida aquando da emboscada que é preparada por Baltasar Coutinho.
• Quanto a Mariana, filha de João da Cruz, a jovem revela traços característicos da mulher-anjo do
Romantismo. Com efeito, entrega-se totalmente à sua paixão por Simão sem esperar nada em
troca. O seu amor por Simão leva-a a cuidar dele com desvelo maternal, chegando a entregar-lhe,
sem que ele o saiba, as suas economias. O seu espírito de sacrifício é tão grande que acede a
garantir a comunicação entre o seu amado e Teresa. Depois de Simão ser preso, Mariana chega ao
extremo de abandonar o pai, por quem nutria grande afeto, para cuidar dele. No fim, abraça-se ao
cadáver do seu amado e morre com ele.
• Apesar de Teresa também ter características da mulher-anjo - pela sua pureza, fragilidade e pela
sua capacidade ilimitada de sofrer em nome do amor - contrasta com Mariana, na medida em que
o afastamento de Simão que lhe é imposto a converte progressivamente numa figura ideal, cuja
vida se pauta cada vez mais por uma resistência passiva ao pai e ao primo. Em contrapartida,
Mariana é uma figura bem real, que tem um papel ativo na vida de Simão. Assim, ao aperceber-se
de que ela o ama, o protagonista mostra uma intensa perturbação, por não lhe ser possível
corresponder a um sentimento vivido de forma tão nobre.
• Além disso, as qualidades de Mariana são também evidenciadas pelo seu pai, que sente um
enorme orgulho pela sensatez, coragem e determinação da filha — garantindo a Simão que, caso
casasse com ela (o que se lhe afigura impossível, em virtude das diferenças sociais), seria muito
feliz.
• O afeto entre João da Cruz e Mariana contrasta com a relação que tanto Teresa como Simão
mantêm com os seus pais: o primeiro caso, embora Tadeu de Albuquerque ame a filha (o que é
percetível pelo desgosto que evidencia no momento em que a espera à porta do convento de
Viseu para a acompanhar até ao convento de Monchique, no Porto), sobrepõe o seu ódio
mesquinho e a obsoleta noção de honra à sua felicidade. Quanto a Teresa, o afeto que nutre pelo
pai leva-a a ser uma filha dócil em tudo aquilo que é possível - à exceção das imposições relativas
ao casamento, na medida em que o amor por Simão é tão grande que se mostra disposta a abdicar
de tudo (inclusivamente da própria vida) em seu nome. Com efeito, acabará por morrer no
convento, no momento em que assiste à partida de Simão para o exílio.
• No segundo caso, a relação de Simão com os pais nunca é pacífica. Domingos Botelho recusa-se
mesmo a interceder por ele aquando da sua prisão e condenação à forca. Apenas o faz por
imposição de um dos seus parentes. D. Rita Preciosa pede-lhe, em vão, clemência. No entanto, o
narrador acrescenta que o faz não tanto por amor ao filho, mas sobretudo para contrariar o
marido. Posteriormente, muito embora manifeste preocupação em relação a Simão, é incapaz de
providenciar o seu sustento, que é garantido por Mariana. À exceção do afeto que nutre pela irmã
mais nova, Rita, Simão parece estar assim muito isolado no contexto familiar. Não é, pois,
surpreendente que o amor por Teresa se converta na questão mais importante da sua vida. Com
efeito, também o protagonista, após três anos de uma luta inglória em nome do amor, acabará por
morrer, na sequência da notícia da morte da sua amada.
• O AMOR- PAIXÃO
A apologia da liberdade individual feita pelo Romantismo, associada à valorização do amor - visto como
um dos sentimentos mais importantes (senão o mais importante) na vida do Homem - leva o amor-paixão
a ser um dos temas centrais das obras deste movimento.
É efetivamente isto o que sucede em Amor de perdição: o narrador assume uma posição subjetiva -
critica o carácter absurdo do ódio entre as duas famílias, bem como a injustiça que está subjacente às
tentativas, por parte de Tadeu de Albuquerque, de impor à sua filha um casamento com um homem que
ela não amava, e que a condenaria a ser infeliz para todo o sempre. Em contrapartida, é louvado o carácter
heroico de Teresa e de Simão, que, tendo consciência da dimensão sublime da sua paixão, estão dispostos
a abdicar da liberdade e, posteriormente, até da própria vida, em seu nome. A morte não os intimida, dado
que ambos encaram o amor como um sentimento ideal, que, caso não possa ser vivido na Terra, será
concretizado no Céu. Com efeito, ambos estão seguros do carácter eterno da sua paixão, e não se deixam
impor pela sociedade.
O amor-paixão é também vivido por Mariana, na medida em que, como foi anteriormente referido,
apesar de ter consciência de que o seu sentimento não é correspondido, acabará por dedicar toda a sua
vida a Simão. Contudo, ao contrário dos protagonistas, esta personagem, pelo seu carácter prático, ao
invés de projetar na eternidade a esperança de ser amada por Simão, tem esperança de ser correspondida
ao acompanhá-lo no exílio. O pragmatismo não torna, no entanto, o seu amor inferior ao de Teresa: sabe
que a sua vida não faz sentido sem o amado e diz friamente que, caso este morra, se suicidará - o que
efetivamente acaba por suceder.
O amor-paixão
• Intensidade do sentimento
• Entrega espiritual
• Impossibilidade de concretização física
• Motivador de conflito com a sociedade
• Catalisador da tragédia
• CONSTRUÇÃO DO HERÓI ROMÂNTICO
As narrativas e os dramas escritos durante o Romantismo criam a figura do herói romântico. Em traços
gerais, podemos defini-lo como uma personagem que acredita em valores elevados e «humanos» e se
move por ideais grandes e, regra geral, inalcançáveis: o amor, a justiça, a liberdade, a construção de um
mundo melhor, etc. A grandeza do herói romântico decorre também do facto de entrar em conflito com a
sociedade, numa luta desigual, por recusar as regras e convenções que esta impõe. A rebeldia termina
geralmente em desgraça ou frustração profunda.
Simão Botelho encarna a figura do herói romântico. O protagonista dedica a vida a um amor
idealizado e sem limites, por ele enfrenta a autoridade dos pais e as regras sociais e, por não ser possível
realizá-lo, acaba por morrer. Mas a elevação de carácter da personagem reside também noutros nobres
sentimentos e atitudes que o animam: a coragem que revela nos seus atos, a determinação, o seu
conceito de honra, o respeito pelos que não são da sua condição social (como Mariana ou João da Cruz).
Por exemplo, é sem hesitação que se entrega à justiça depois de matar Baltasar ou que, no cárcere, recusa
ser tratado com privilégios.
Por outro lado, o herói romântico é uma personagem de grande vitalidade, força e complexidade
interior. Traça um grande plano para a sua vida e dedica a existência ao cumprimento desse objetivo.
Simão Botelho move-se pelo ideal do Amor (do seu amor por Teresa) e sacrifica toda a vida a esse ideal. A
sua complexidade decorre das contradições e dos conflitos interiores
O herói romântico é também uma personagem que se define pelo seu isolamento existencial:
individualista e egocêntrico, Simão distingue-se e demarca- se das demais personagens e existe num
mundo que é só seu e diferente do dos outros homens
- O NARRADOR
• O narrador é uma entidade que existe no universo da história e que relata a ação. Contudo, em
casos como o de Amor de perdição, podemos associar o narrador à figura do autor, que
assume ser o sobrinho de Simão Botelho na frase final da novela: “A última pessoa falecida, há
vinte e seis anos, foi Manuel Botelho, pai do autor deste livro”.
• O narrador é não participante; ainda assim, não relata a história de forma imparcial e neutra.
Na verdade, a narração é acompanhada por juízos emitidos sobre as personagens e sobre a
sociedade. O narrador apresenta a sua opinião, tira conclusões sobre episódios da intriga e
desenvolve reflexões e críticas sobre comportamentos sociais. Não raro estas intervenções
assumem a forma de julgamentos morais.
• Em vários momentos, este narrador dirige-se diretamente a um narratário, que ele designa por
“a leitora” ou “o leitor”. Desta forma cúmplice, envolve os leitores na avaliação do mundo e das
personagens da intriga e veicula as ideias centrais da obra
- OS DIÁLOGOS
• A linguagem é dominada por um nível de língua corrente, mas outros níveis de língua intervêm,
consoante o enunciador que produz o discurso. Consequentemente, a par de um léxico corrente
encontramos palavras de um nível culto, mas também vocábulos populares e regionais.
• Dominam na novela a frase curta e a coordenação, que contribuem para conferir ritmo e
vivacidade à narração dos acontecimentos. Também há a escolha cuidada dos verbos; e o efeito
de antepor o verbo às restantes palavras da frase (“Conseguiu ele, sempre balanceado da
fortuna, transferência para Vila Real”). Já o adjetivo é usado com moderação.
• Quanto ao uso de recursos expressivos destaque-se a subtileza da ironia na crítica social
veiculada pelo narrador ou por algumas personagens. Por outro lado, a metáfora é
frequentemente usada para exprimir os sentimentos das personagens.
• Os diálogos são também momentos em que as personagens se expõem e, por isso, revelam-se
situações privilegiadas de caracterização direta e indireta (através de comportamentos, da
linguagem, etc.).
• Encontramos uma evocação dos sentimentos e dos factos passados pelos dois amantes. O
tempo psicológico manifesta-se aqui e traduz-se nos períodos de reflexão das personagens
(quando pensam um no outro) ou na espera de correspondência.