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Português 11ºano

SERMÃO DE SANTO ANTÓNIO AOS PEIXES


Porquê o nome deste sermão dado por Padre António Vieira?
- Homenagem ao Sto. António (pregado no dia de Santo António)
- Segue o exemplo do sermão de Santo António (aos peixes)
- Tal como Sto. António tenta converter os hereges, também Padre António Vieira tenta fazer isso com os
colonos portugueses no Brasil.

Objetivos:
- Pretende agitar as consciências (abrir os olhos), conduzir à reflexão.
- Pretende evitar o mal e preservar o bem (sal que tenta salgar)

Quem pregou? Padre António Vieira


Onde? São Luís do Maranhão (Nordeste do Brasil)
Quando? 13 de Junho de 1634 (dia de Santo António) “três dias antes de embarcar
ocultamente para o Reino, a procurar remedio da Salvação dos Índios.”
Para quem? Ouvintes de São Luís do Maranhão (colonos e suas famílias)
Em que contexto? No contexto da luta de Viera pela libertação dos índios contra a
exploração dos colonos. A reação dos colonos foi tao negativa que ele teve de partir
clandestinamente para Lisboa pouco depois da sua pregação.

• ESTRUTURA EXTERNA
Este sermão é constituído por seis capítulos:
Exórdio (capítulo I) - apresentação do tema que vai ser trabalhado no sermão, a partir do conceito
predicável (“vos sois o sal da terra”) e das ideias a defender e que, geralmente, termina com uma breve
oração, invocando a Virgem. Esta parte reveste-se de grande importância dado que é o primeiro passo
para captar a atenção e benevolência dos ouvintes.

Exposição (capítulo II a III) e Confirmação (capítulo IV a V) - retoma a explicação do assunto, com uma
breve explicação da organização do discurso; desenvolvimento e enumeração dos argumentos, contra-
argumentos, seguidos de exemplos e/ou citações. A exposição situa-se desde o início do capítulo II até
“Santo António abria a sua (boca] contra os que não se queriam lavar” no capítulo III; e a confirmação
começa a partir de “Ah moradores do Maranhão, enquanto eu vos pudera agora dizer neste caso!” e
termina no final do capítulo V.

Peroração/epílogo (capítulo VI) - conclusão do raciocínio com destaque para os argumentos mais
importantes. Saliente-se que esta é a parte que a memoria dos ouvintes melhor retém, pelo que deverá
conter os aspetos principais desenvolvidos no sermão, de modo a deixar clara a mensagem veiculada e a
levar os ouvintes a pôr em prática os seus ensinamentos.
- CAPÍTULO I (EXÓRDIO OU INTRÓITO)
Ideia sumaria da matéria que vai ser tratada; baseia-se num conceito predicável (“Vos estis sal
terrae”) extraído da Sagrada Escritura. Viera quer que os pregadores façam na terra, o que faz o sal -
impedir que cresça algo que neste caso é a corrupção - mas quando a terra se vê tão corrupta como
está a nossa mesmo havendo muitos nela que tenham ofício de sal. Qual pode ser a causa desta
corrupção? Ou é porque o sal não salga (culpa dos pregadores) , ou porque a terra se não deixa salgar
(culpa dos ouvintes).
• Função do sal/pregadores: impedir corrupção

• Porque o sal não salga: os pregadores não pregam a verdadeira doutrina; os pregadores dizem
uma coisa e fazem outra; os pregadores pregam-se a si mesmos, e não a Cristo

• Porque a terra não se deixa salgar: os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhes dão, a
não querem receber; os ouvintes querem imitar o que fazem os pregadores e não fazer o que
dizem; os ouvintes em vez de seguir a Cristo, servem a seus apetites.

• Figura elogiada ao longo do excerto: Santo António, o protótipo de pregador (usou a palavra
para converter os homens). Viera demonstra claramente a sua enorme admiração por Santo
António, vendo-o como modelo a seguir.

• Decisão tomada pelo orador/pregador: “Quero hoje, à imitação de Santo António, voltar-me da
terra ao mar, e já que os homens se não aproveitam, pregar aos peixes.”

• Alegoria do Sal:
termo concreto- “sal” – conservar; impedir a corrupção da Terra
termo abstrato- “pregadores e a sua doutrina” - regenerar, purificar os Colonos

Existe uma analogia entre a função regeneradora e purificadora da mensagem Evangélica dos
pregadores e a função de conservação do sal.
A estruturação do raciocínio de forma simétrica (“ou é porque o sal não salga (…) ou porque a
terra não se deixa salgar”) facilita a compreensão da mensagem por parte do auditório. Ao
acrescentar sucessivas hipóteses em alternativa, dá ao sermão um ritmo que facilita a captação da
mensagem.
A interrogação retórica serve para manter o auditório “preso” ao discurso, pois implica uma
mudança de tom que vai suscitar a curiosidade do auditório em relação ao assunto que vai expor.
O Padre António Vieira cita Cristo, tratando-se de um argumento de autoridade. O reconhecido
valor das palavras de Cristo confere credibilidade à argumentação de Vieira.
Numa tentativa de tornar o seu discurso mais vivo e interventivo, recorre a diferentes processos
que se traduzem em constantes mudanças de ritmo:
- sucessão de frases curtas e interrogativas (“Que faria logo? Retirar-se-ia? Calar-se-ia?
Dissimularia?”). Desta forma, o pregador imprime ao discurso um ritmo rápido e assegura uma
interação constante com o auditório, que contribuem para que este esteja atento às suas palavras.
- simetria lexical e morfossintática que confere ao discurso um ritmo binário (“Deixa as praças,
vai-se às praias; deixa a terra, vai-se ao mar”). A mudança de ritmo concorre, mais uma vez, para
imprimir dinamismo/vivacidade ao discurso, não deixando que público ouvinte desvie a atenção.
- frases exclamativas e interjeições (“Oh maravilhas do Altíssimo! Oh poderes do que criou o
mar e a terra!”) - visa atingir o coração dos ouvintes, apelando às suas emoções.

• Invocação- o orador invoca o auxílio do divino para a exposição de ideias.


Pedido de invocação: Invoca Maria, a Senhora do mar (“Domina maris”). Por um lado, porque o
assunto é “desusado”, ou seja, não está habituado a falar para os peixes, logo necessita de uma
inspiração especial (“espero que me não falte com a costumada graça”); em segundo lugar,
porque o nome Maria significa “Senhora do mar”, o que se adequa ao facto de Vieira se
encontrar junto do mar.

- CAPÍTULO II (EXPOSIÇÃO)
Exposição- referência às obrigações do sal; indicação das virtudes dos peixes; crítica aos homens.
• Assunto do sermão: "E onde há bons, e maus, há que louvar, e que repreender.”

• Inicio da alegoria: A partir deste capítulo todo o sermão é uma alegoria porque os peixes são
metáfora dos Homens. As suas virtudes são, por contraste, metáforas dos defeitos dos Homens
e os seus vícios são diretamente metáfora dos defeitos dos homens. O pregador fala aos peixes,
mas o alvo é o Homem.

Peixes Homens

“quietos e devotos” “furiosos e obstinados”


“atentos e suspensos”

Louvor Afronta

• Qualidades do ouvinte: ouvir e não falar- auditório ideal, pois estão muito atentos a
acompanhar o que se está a dizer

• Propriedades do sal: “conservar o são e preservá-lo para que se não corrompa.”

• Propriedades das pregações de Santo António:


- Louvar o bem (“para o conservar”).
- Repreender o mal (“para preservar dele”).

O Sermão aos peixes (e, obviamente, aos homens) será, pois, dividido em dois pontos:
1. Louvar as qualidades;
2. Repreender os vícios.

• Quiasmo: figura de estilo que consiste na disposição de quatro elementos, agrupados dois a
dois, segundo o esquema da letra “X”, isto é, a segunda parte da construção contém os mesmos
elementos, mas pela ordem inversa de sucessão.
• LOURORES EM GERAL Homens: a razão sem uso

Qualidades e virtudes dos peixes: Peixes: o uso sem a razão

- Ouvem e não falam;

- Foram os primeiros seres que Deus criou (“vós fostes os primeiros que Deus criou”);

- São melhores que os homens (“e nas provisões (...) os primeiros nomeados foram os
peixes”);

- Existem em maior número (“entre todos os animais do mundo, os peixes são os mais e
os maiores”);

- Revelam obediência (“aquela obediência, com que chamados acudistes todos pela honra
de vosso Criador e Senhor”);

- Revelam respeito e devoção ao ouvirem a palavra de Deus, (“aquela ordem, quietação


e atenção com que ouvistes a palavra de Deus da boca do seu servo António. (...) Os
homens perseguindo a António (...) e no mesmo tempo os peixes (...) acudindo a sua voz,
atentos e suspensos às suas palavras, escutando com silêncio (...) o que não
entendiam.”);

- Seu “retiro” e afastamento dos homens (meditação que permite a proximidade com
Deus; paz e pureza de espírito, porque se afastam dos vícios mundanos);

- Não se deixam domesticar (“só eles entre todos os animais se não domam nem
domesticam”).

Estas qualidades são por antítese os defeitos dos homens.


Os peixes em comparação aos outros animais são os mais livres “E, entretanto, vós, peixes, longe
dos homens e fora dessas cortesanias, vivereis só convosco, sim, mas como peixe na água.”

“Mas esta dor é tão ordinária, que já pelo costume quase se não sente.” (Il. 3 e 4) – Padre António
Vieira afirma que o facto de os peixes não se converterem lhe causa um sofrimento a que já se
acostumou, já que os seres humanos também não se querem converter, isto é, não aceitam os
ensinamentos do pregador no sentido de se purificarem.
Concluindo, o orador manifesta o seu cansaço ao ver que a sua palava não dá frutos em São Luís do
Maranhão.
À semelhança de Santo António, o pregador aplicará as propriedades do sal (“conservar o são e
preservá-lo, para que se não corrompa”) ao seu sermão. O texto assim recupera a alegoria que o
estrutura (“vos estis sal terrae”).
- CAPÍTULO III (EXPOSIÇÃO)

• LOURORES EM PARTICULAR
Peixe de Tobias- simboliza a bondade, o poder purificador da palavra de Deus - o seu fel era
bom para sarar a cegueira e o coração para lançar fora os demónios. Os homens, ao contrário
de Tobias, não quiseram aproveitar o fel de Santo António para curar a cegueira (falta de fé),
nem o seu coração para se livrarem dos demónios (limpeza das almas), como fez Asmodeu.

Rémora- simboliza a força e o poder que a palavra do pregador tem para ser guia das almas -
pequeno no corpo, mas grande na força, pelo poder orientador e controlador. Prende e amarra
as naus, impedindo-as de avançar. Os homens não souberam dar valor ao poder e à força da
palavra (língua) de Santo António que domou a fúria das paixões humanas (Soberba, Vingança,
Cobiça, Sensualidade), impedindo as pessoas de caírem nas mais variadas desgraças
(naufrágios).

Torpedo- simboliza o poder que a palavra de Deus tem de fazer tremer os pescadores que
pescam na terra tudo quanto apanham - a sua energia tem a capacidade de fazer tremer a
mão do pescador, impedindo-o de pescar. Os homens, “pescadores em terra”, não temem a
Deus porque são ambiciosos e não se deixam converter ao caminho reto. No entanto, 22
pescadores destes tremeram ouvindo as palavras de Santo António e converteram-se.

Quatro-olhos- simboliza a prudência que os cristãos devem ter, afastando os olhos da vaidade
terrena - dois olhos olham para cima (vigiam os predadores do ar) e os outros dois para baixo
(vigiam os predadores do mar), defendendo-se assim de diversos tipos de males. Os homens
esquecem-se que há Céu (em cima) e Inferno (em baixo).

• Conclusão- 1º os homens pescam muito e tremem pouco;


2º “Se eu pregara aos homens e tivera a língua de Santo António, eu os fizera
tremer.”;
3º os peixes são o sustento dos pobres e dos ricos; ajudam à abstinência nas
quaresmas; sustentam as Cartuxas e os Buçacos (ordens religiosas que
recusavam a carne); com eles, Cristo festejou a Páscoa; ajudam a ir ao Céu;
multiplicam-se rapidamente (os que são consumidos pelos pobres).

• Comparação a Santo António- “Se alguma rémora houve na terra, foi a língua de Santo
António (...).” - “Língua” simboliza a palavra e o seu poder regenerador.

“Oh se houvera uma Rémora na terra, que tivesse tanta força como a do mar, que menos perigos
haveria na vida, e que menos naufrágios no mundo!”

António Vieira estabelece uma relação de associação (semelhança) entre as virtudes da Rémora e
as das pregações de Santo António. De facto, o orador louva as virtudes deste “peixezinho” pequeno,
mas cuja força e poder são enormes. Posteriormente, ao extrapolar estas virtudes para o plano dos
homens, o orador exprime a necessidade de haver na terra alguém com a mesma força para guiar os
homens para o bem evitando que estes sucumbam às mais variadas desgraças. Chega-se à conclusão
que a língua de Santo António foi “rémora da terra”, pois este santo, com a pregação da doutrina,
domou a fúria das paixões humanas, evitando muitos naufrágios.
• Paralelismo anafórico: pescar simbólico- “ No mar, pescam as canas, na terra pescam as varas
(...), pescam as ginetas, pescam as bengalas, pescam os bastões e até os ceptros pescam, e
pescam mais que todos, porque pescam Cidades e Reinos inteiros.” - Gradação crescente ou
ascendente.
varas: juízes / ginetas: militares / bengalas: comerciantes / bastões: nobres / ceptros: reis

O Torpedo faz tremer o braço do pescador devido a uma descarga elétrica. Na terra, os juízes, os
militares, etc., “pescam” muito, tiram proveito dos outros, mas não “tremem”, ou seja, não manifestam
qualquer arrependimento, logo não dão indícios de pretenderem converter-se.

• Discurso maniqueísta- discurso que opõe dois polos (Céu vs. Inferno; bom vs. mau) “para cima,
considerando que há Céu, e para baixo, lembrando-me que há Inferno”. Padre António Vieira
afirma, com toda a humildade, ter aprendido com o Quatro-olhos como orientar as suas ações
sabendo que há Céu e que há Inferno, logo, com prudência, deve defender-se dos diferentes
praticar o bem.

- CAPÍTULO IV (CONFIRMAÇÃO)

• REPREENSÃO EM GERAL

- Os peixes comem-se uns aos outros (andam sempre à procura de como se hão de
comer, comem-se os mortos (comem-nos os herdeiros, testamentos, a mulher, o
coveiro, o padre, etc…), comem-se vivos (por exemplo a um réu comem-no a
testemunha, o juiz, etc…).

- Os peixes grandes comem os pequenos;

- São ignorantes e cegos, deixando-se enganar facilmente por qualquer isco.

Nos dez primeiros parágrafos, que constituem o ponto alto deste sermão, aponta-se o
terrível defeito que os peixes/homens têm de se comerem (explorarem) uns aos outros
devido à sua cobiça desmedida, o que prova a sua crueldade, a sua maldade, a sua injustiça.
Também se deixam enganar facilmente, movidos pela vaidade.
No último parágrafo, o orador tenta persuadir o auditório a mudar a sua conduta de
antropofagia social (vício de se comerem uns aos outros), mostrando que é uma loucura os
homens deixarem-se ir por vaidade, gastando nisso toda a sua vida.

• Polissemia-
- “ (...) ainda o pobre defunto o não comeu a terra (sentido literal - pretérito
perfeito do indicativo), e já o tem comido toda a terra (pessoas, sociedade - pretérito
perfeito do conjuntivo).

Os Homens não se comem apenas quando estão mortos, mas também quando estão vivos “São
piores os homens que os corvos.” - os corvos são necrófagos da mesma forma que os Homens são
implacáveis.
- CAPÍTULO V (CONFIRMAÇÃO)

• REPREENSÃO EM PARTICULAR
Roncadores - “peixinhos pequeninos”, mas “as roncas do mar” - muita arrogância, pouca
firmeza. Simbolizam a arrogância, a soberba, a vaidade - não param de roncar, apesar da sua
fragilidade. Os homens, atraídos pelo saber e pelo poder, falam demasiado em vez de se
calarem e imitarem Santo António.
Exemplos de homens: Pedro (sozinho avançou para o exército romano; se todos
fraquejassem, só ele permaneceria até à morte - só ele fraquejou; Cristo pediu-lhe que
estivesse atento no horto e encontrou-o dormindo), Golias (quarenta dias consecutivos esteve
armado no campo- bastou um pastorzinho com um cajado e uma funda para o aniquilar).

Pegadores- simbolizam o parasitismo, o oportunismo, a adulação, a ignorância- são peixes


pequenos que vivem à custa de outros maiores. Morrem com eles. Os homens, movidos pela
cobiça, também se apegam por interesse, por exemplo, a governadores.
Exemplos de homens: Vice-Rei ou Governador (parte para as conquistas; rodeado de
pegadores para que cá lhe matem a fome- acontece-lhes o mesmo que os pegadores do mar),
Família da corte de Herodes (morto Herodes morreu toda a família), Adão e Eva (Homens
desgraçados- outrem comeu e nós pagamos)

Voadores- simbolizam a ambição, a presunção, o capricho, a vaidade. São pescados como


peixes e caçados como aves. Morrem queimados. Os homens, movidos pela ambição
desmedida, acabam por perder tudo.
Exemplos de homens: Simão Mago (arte mágica pela qual havia de subir ao céu); S. Máximo
(começou a voar muito alto, caindo quebrou os pés “quem tem pés para andar, e quer asas
para voar, justo é que perca as asas, e mais os pés”)

Polvo- simboliza a traição, a dissimulação, o fingimento, o engano, mimetismo. Os homens,


devido à sua maldade, traem-se mutuamente, preparando armadilhas, ciladas.
Exemplos de homens: Judas (abraçou a Cristo, mas os outros prenderam-no- o polvo abraça
e prende; com os braços fez o sinal- o polvo dos braços faz as cordas; planeou a traição às
escuras, mas executou-a às claras- o polvo planeia e executa às escuras as traições).

• Quiasmo- “Não contente com ser peixe, quiseste ser ave, e já não és ave nem peixe.” e “A
Natureza deu-te a água, tu não quiseste senão o ar, e eu já te vejo posto ao fogo.”

• Paralelismo Anafórico- “Se está nos limos, faz-se verde; se está na areia, faz-se branco; se está
no lodo, faz-se pardo; e se está em alguma pedra, como mais ordinariamente costuma estar,
faz-se da cor da mesma pedra.”
- CAPÍTULO VI (PERORAÇÃO)
“Com esta advertência vos despido” - assim começa o último capítulo do Sermão de Santo António que
constitui a peroração, ou seja, a conclusão final.

• Tópicos:
- A condição dos peixes é superior à dos outros animais
- A condição dos peixes é superior à do pregador Vieira
- Apelo aos ouvintes
- Hino de louvor final

• SINTESE
Três objetivos programáticos da eloquência:
Docere- instruir o auditório, provando a veracidade das afirmações (o pregador transmite informação, faz
citações, fornece conceitos, apresenta argumentos);

Delectare- agradar ao auditório através de uma argumentação “brilhante” (o pregador, através do seu
estilo muito próprio, torna os seus textos agradáveis e cativantes, recorrendo a várias figuras de estilo, de
forma a envolver emotivamente o auditório);

Movere- convencer o auditório, levando-o a transformar a sua conduta em favor da causa defendida (o
pregador tenta cativar a atenção do auditório, seduzi-lo, fazê-lo pensar e levá-lo a mudar
comportamentos; para isso, recorre muitas vezes a um discurso apelativo (exortativo), a exemplos, usa
interrogações retóricas).

• Quiasmo- “Não contente com ser peixe, quiseste ser ave, e já não és ave nem peixe.” e “A
Natureza deu-te a água, tu não quiseste senão o ar, e eu já te vejo posto ao fogo.”

• Paralelismo Anafórico- “Se está nos limos, faz-se verde; se está na areia, faz-se branco; se está
no lodo, faz-se pardo; e se está em alguma pedra, como mais ordinariamente costuma estar,
FREI LUIS DE SOUSA

• ROMANTISMO
Em Portugal, o Romantismo está diretamente ligado às lutas liberais, porque os escritores românticos
mais representativos deste movimento estético – Garrett e Herculano – foram combatentes liberais.
Qualquer destes escritores foi exilado político na altura das lutas liberais, tendo vivido em França e
Inglaterra. Ao regressarem, trouxeram consigo os ideais deste novo movimento estético-literário que
introduziram em Portugal.

→ CARACTERÍSTICAS DO ROMANTISMO

• O idealismo- O romântico aspira ao infinito e a um ideal que nunca é atingido. Por isso, valoriza
o devaneio e o sonho.

• A inadaptação social- Por isso, mantêm uma atitude de constante desprezo e rebeldia face à
realidade e às normas estabelecidas, considerando-se inadaptado e vítima do destino.

• Privilegia a liberdade como um valor máximo- Contrariamente ao classicismo que cultiva a


razão, o romântico cultiva o sentimento e a liberdade, daí a expressão “Viva a liberdade!”.

• A atração pela melancolia, pela solidão e pela morte como solução para todos os males.

• A sacralização do amor- O amor é um sentimento vivido de forma absoluta, exagerada e


contraditória, precisamente por ser um ideal inatingível. A mulher ou é um ser angelical bom
(mulher-anjo, que leva à salvação), ou é um ser angelical mau (mulher-demónio, que leva à
perdição).

• O “mal du siède” ou o “spleen” – É o pessimismo, o cansaço doentio e melancólico, a solidão,


uma espécie de desespero de viver, resultante da posição idealista que mantém perante a vida.
Por isso, o romântico é sempre um ser incompreendido que cultiva o sofrimento e a solidão.

• O gosto pela natureza noturna- Para os românticos, a natureza é a projeção do seu estado de
alma, em geral tumultuoso e depressivo. Assim, esta é representada de forma invernosa,
sombria, agreste, solitária e melancólica (“locus horrendus”), contrariamente ao “locus
amoenus” dos clássicos, que é uma natureza luminosa, harmoniosa e primaveril. Esta natureza
noturna traduz a atração que o romântico tem pela própria morte.

• O amor a tudo o que é popular e nacional – Para o romântico, é no povo que reside a alma
nacional. Daí o gosto pela Idade Média, pelas lendas, pelas tradições, pelo folclore, por tudo o
que é nacional.

• A linguagem é declamativa e teatral, porém o vocabulário é muitas vezes mais corrente e


familiar.
• DRAMA CLÁSSICO

→ CARACTERÍSTICAS DO DRAMA CLÁSSICO

• Na tragédia antiga, o Homem é uma peça do Destino. Este é uma força superior que age de
forma inexorável sobre o protagonista, sem que ele tenha qualquer culpa.

• Dividia-se em prólogo, três atos e epílogo.

• Tem poucas personagens (três). Estas são nobres de sentimentos ou de condição social.

• A ação dispõe-se sempre em gradação crescente, terminando num clímax.

• Contém sempre vários elementos essenciais- o desafio (hybris) , o sofrimento (pathos), o


combate (ágon) , o Destino (anankê) , a peripécia (peripéteia), o reconhecimento (agnorisis) , a
catástrofe (katastrophé) e a catarse (katársis).

• Existia um coro que tinha como função comentar e anunciar o desenrolar dos acontecimentos.

• A tragédia clássica obedece à lei das três unidades- unidade de espaço (não há em geral
mudança de cenário e os acontecimentos passam-se todos no mesmo lugar), unidade de tempo
(todos os acontecimentos têm de se desenrolar no espaço de 24 horas, mostrando que a ação
do Destino é imperativa e fulminante) e unidade de ação (a tragédia antiga exige que o
espectador se centre apenas no problema central, sem desvio para ações secundárias).

• A linguagem da tragédia é em verso

A Hybris (desafio) - Consiste num desafio que o protagonista realiza, após um momento de crise. Tal
desafio pode ser contra a lei dos deuses, a lei da cidade, as leis e os direitos da família, ou, finalmente,
contra as leis da natureza.

O Pathos (sofrimento)- A sua decisão, o seu desafio, a sua revolta, têm como consequência o seu
sofrimento, que ele aceita e que lhe é imposto pelo Destino e executado pelas Parcas. Tal sofrimento será
progressivo

O Agón (combate)- É o combate ou a luta que nasce do desafio e se desenrola na oposição de homens
contra deuses, de homens contra homens ou de homens contra ideias. Pode ser físico, psicológico,
individual ou coletivo. O conflito é a alma da tragédia.

A Anankê (destino)- É o Destino, sombria potestade a que nem aos deuses é permitido desobedecer. É,
pois, cruel, implacável e inexorável.

A Peripéteia (peripécia)- É a súbita mutação dos sucessos, no contrário. A peripécia é, pois, um


acontecimento quase sempre imprevisto que altera completamente o rumo da ação, invertendo a marcha
dos acontecimentos e precipitando o desenlace

A Anagnórisis (reconhecimento)- É o aparecimento de um lado novo, quase sempre a identificação de


uma personagem culta. Para Aristóteles, o reconhecimento devia dar-se juntamente com a peripécia.
A Katastophé (catástrofe)- Desenlace fatal onde se consuma a destruição das personagens. A catástrofe
deve vir indiciada desde o início, dado que ela é a conclusão lógica da luta entre a Hybris e a Anankê, luta
que é crescente (clímax) e atinge o ponto culminante (acmê) na agnórise.

A Katársis (catarse)- É o efeito completo da representação trágica que visa purificar os espectadores de
paixões semelhantes às dos protagonistas, pelo terror e pela piedade.

• INTRODUÇÃO A FREI LUIS DE SOUSA


Frei Luís de Sousa contém o drama que se abate sobre a família de Manuel de Sousa Coutinho e D.
Madalena de Vilhena. As apreensões e pressentimentos de Madalena de que a paz e a felicidade familiar
possam estar em perigo tornam-se gradualmente numa realidade. O incêndio no final do Ato I permite
uma mutação dos acontecimentos e precipita a tensão dramática. No palácio que fora de D. João de
Portugal, a ação atinge o seu clímax, quer pelas recordações de imagens e de vivências, quer pela
possibilidade que dá ao Romeiro de reconhecer a sua antiga casa e de se identificar a Frei Jorge.
O ato I inicia-se com Madalena a repetir os versos d'Os Lusíadas:
"Naquele engano d'alma ledo e cego, que a fortuna não deixa durar muito…"
As reflexões que se seguem transmitem, de forma explícita um presságio da desgraça que irá
acontecer. Obedecendo à lógica do teatro clássico desenvolve a intriga de forma a que tudo culmine num
desfecho dramático, cheio de intensidade: morte física de Maria e a morte para o mundo de Manuel e
Madalena

• DO DRAMA CLÁSSICO AO DRAMA ROMÂNTICO


Se se pretender fazer uma aproximação entre esta obra e a tragédia clássica, poder-se-á dizer que é
possível encontrar quase todos os elementos da tragédia, embora nem sempre obedeça à sua
estruturação objetiva.
A hybris é o desafio, o crime do excesso e do ultraje. D. Madalena não comete um crime propriamente
na ação, mas sabemos que ele existiu pela confissão a Frei Jorge de que ainda em vida de D. João de
Portugal amou Manuel de Sousa, apesar de guardar fidelidade ao marido. O crime estava no seu coração,
na sua mente, embora não fosse explícito como entre os clássicos.
Manuel de Sousa Coutinho também comete a sua hybris ao incendiar o palácio para não receber os
governadores. A hybris manifesta-se em muitas outras atitudes das personagens.
O conflito que nasce da hybris, desenvolve-se através da peripécia (súbita alteração dos acontecimentos
que modifica a ação e conduz ao desfecho), do reconhecimento (agnórise) imprevisto que provoca a
catástrofe. O desencadear da ação dá-nos conta do sofrimento (páthos) que se intensifica (clímax) e
conduz ao desenlace. O sofrimento age sobre os espectadores, através dos sentimentos de terror e de
piedade, para purificar as paixões (catarse). A reflexão catártica é também dada pelas palavras do Prior,
quando na última fala afirma: "Meus irmãos, Deus aflige neste mundo àqueles que ama. A coroa da glória
não se dá senão no céu".
Tal como na tragédia clássica, também o fatalismo é uma presença constante. O destino acompanha
todos os momentos da vida das personagens, apresentando-se como um força que as arrasta de forma
cega para a desgraça.
Garrett, recorrendo a muitos elementos da tragédia clássica, constrói um drama romântico, definido
pela/o:
• valorização dos sentimentos humanos das personagens;
• tentativa de racionalmente negar a crença no destino, mas psicologicamente deixar-se afetar por
pressentimentos e acreditar no sebastianismo;
• uso da prosa em substituição do verso
• utilização de uma linguagem mais próxima da realidade vivida pelas personagens; sem
preocupações excessivas com algumas regras, como a presença do coro ou a obediência perfeita à
lei das três unidades (ação, tempo e espaço).

• EXTRUTURA EXTERNA E INTERNA

Atos Estrutura externa Estrutura interna


Ato I Cenas I-IV Informações sobre o passado das personagens
Cenas V-VIII Decisão de incendiar o palácio
Cenas IX-XII Ação: incêndio do palácio

Ato II Cenas I-III Informações sobre o que se passou depois do incêndio


Cenas IV-VIII Preparação da ação: ida de Manuel de Sousa Coutinho a Lisboa
Cenas IX-XV Ação: chegada do romeiro

Ato III Cena I Informações sobre a solução adotada


Cenas II-IX Preparação do desenlace
Cenas X-XII Desenlace

• AÇÃO
Toda a ação se passa nos finais do séc. XVI, após o desaparecimento de D. Sebastião na Batalha de
Alcácer-Quibir. Com ele parte D. João de Portugal, personagem vital que desaparece também
desencadeando toda a ação dramática em Frei Luís de Sousa. Todos estes acontecimentos decorrem sob
domínio Filipino.

Após o desaparecimento de D. João de Portugal, D. Madalena manda-o procurar durante sete anos mas
em vão. Casa então com D. Manuel de Sousa, nobre cavaleiro, de quem tem uma filha de 14 anos.
D. Madalena vive uma vida infeliz, cheia de angústia e de tranquilidade, no receio de que o seu primeiro
marido esteja vivo e acabe por voltar. Tal facto acarretaria para Madalena uma situação de bigamia e a
ilegitimidade de Maria, sua filha. Esta é tuberculosa e vive, em silêncio, o drama da sua mãe que será o
seu. Efetivamente D. João de Portugal acaba por regressar, acarretando o desenlace trágico de toda a
ação.
• PERSONAGENS

- D. MADALENA DE VILHENA
• Nobre: família e sangue dos Vilhenas

• Sentimental: deixa-se arrastar pelos sentimentos muito mais do que pela razão

• Pecadora

• Torturada pelo remorso do passado: não chega a viver o presente por impossibilidade de
abandonar o passado

• Redimida pela purificação no convento: saída romântica para solução de conflitos

• Modelo da mulher romântica: para os românticos, a mulher ou é anjo ou é diabo

• Personagem modelada: profundidade psicológica evidente; capacidade de gerir conflitos

• Marcada pelo destino: amor fatal

• Apesar de ser uma heroína romântica, D. Madalena não luta por nenhuma ordem de valores
superiores, nem por nenhum idealismo generoso, pois nela não se evidencia de forma
particular a luta por qualquer ideal

• O que nela transparece acima de tudo é a sua natureza feminina, o seu amor de mulher a que
prioritariamente se entrega, pois há nela um conceito ou um desejo de felicidade que assenta
numa vida objetiva, concreta à dimensão humana

• De qualquer modo, D. Madalena é uma personagem que se impõe à compreensão, à estima e


à simpatia do leitor, talvez pela espontaneidade com que vive a sua vida sentimental e moral.
Embora procure no segundo casamento uma proteção para a sua instabilidade, mantém sempre
uma integridade moral em relação à sua própria condição e até uma dignidade de classe que
naturalmente a impõe

• Marcas psicológicas: angústia, remorso, inquietação, insegurança, amor, medo e horror à


solidão e é uma personagem tendencialmente modelada porque apresenta bastante densidade
psicológica

- MANUEL DE SOUSA COUTINHO


• Nobre: cavaleiro de Malta (só os nobres é que ingressavam nessa ordem religiosa)

• Racional: deixa-se conduzir pela razão no que contrasta com a sua mulher

• Bom marido e pai terno

• Corajoso, audaz e decidido

• Marcado pelo destino

• Encarna o mito romântico do escritor: refúgio no convento, que lhe proporciona o isolamento
necessário à escrita
• Até à vinda do romeiro, representa o herói clássico racional, equilibrado e sereno. A razão
domina os sentimentos pela ação da vontade

• Tem como ideal de vida o culto pela honra, pelo dever, pela nobreza de ações (daí o seu
nacionalismo e o incêndio do palácio)

• Porém, no início do ato III, após o aparecimento do romeiro, Manuel de Sousa perde a
serenidade e o equilíbrio clássico que sempre teve e adquire características românticas. A
razão deixa de lhe disciplinar os seus sentimentos, e estes manifestam-se com descontrolada
violência. Exemplos:
o Revela sentimentos contraditórios (deseja simultaneamente a morte e a vida da filha)

o Utiliza um vocabulário trágico e repetitivo, próprio do código romântico (“desgraça”,


“vergonha”, “escárnio”, “desonra”, “sepultura”, “infâmia”, etc.)

o Opta por atitudes extremas (a ida para o convento) como solução para uma situação
socialmente condenável

o Ao optar por esta atitude, encarna o mito do escritor romântico, como um ser de
exceção, que se refugia na solidão para se dedicar à escrita

- D. JOÃO DE PORTUGAL
• Nobre: família dos Vimiosos

• Cavaleiro: combate com o seu rei em Alcácer Quibir

• Ama a pátria e o seu Rei

• Representante da época de oiro portuguesa

• Imagem da Pátria cativa

• Ligado à lenda de D. Sebastião

• D. João é uma personagem dupla. Por um lado, é uma personagem abstrata porque só por si
não participa no conflito. Por outro, é uma personagem concreta, porque mesmo ausente ele
é a força desencadeadora de toda a energia dramática da peça, permanecendo
permanentemente em cena através das outras personagens (através das evocações de
Madalena, das convicções de Telmo, do Sebastianismo de Maria, das crenças, dos agouros e dos
sinais)

• D. João é assim uma personagem simbólica que movimenta todas as outras personagens.
Simboliza a fatalidade, a força do Destino que atua inexoravelmente sobre as outras
personagens, levando a ação a um desfecho trágico.
- D. MARIA DE NORONHA
• Nobre: sangue dos Vilhenas e dos Sousas

• Precocemente desenvolvida, fisica e psicologicamente

• Doente: tuberculose, a doença dos românticos

• Culto de Camões: evoca constantemente o passado

• Culto de D. Sebastião: martiriza a mãe involuntariamente

• Poderosa intuição e dotada do dom da profecia

• Marcada pelo Destino: a fatalidade atinge-a e destrói-a

• Modelo da mulher romântica: a mulher-anjo bom

• A ameaça que percorre o texto é-lhe essencialmente dirigida, razão pela qual se torna vítima
inocente e consequentemente heroína. Quer atuando, quer através das falas das outras
personagens, Maria está sempre em cena, tornando-se assim o núcleo de construção de toda a
peça.

• Maria não nos aparece nunca como uma personagem real pois a sua figura é altamente
idealizada. Como consequência dessa idealização, Maria não tem uma dimensão psicológica
real, porque é simultaneamente criança e adulto, não se impondo com nenhum destes
estatutos.

• Maria apresenta algumas marcas de personalidade romântica:


o É intuitiva e sentimental
o É idealista e fantasiosa, acreditando em crenças, sonhos, profecias, agoiros, etc.
o Tem capacidade de desafiar as convenções pois ama a aventura e a glória
o Tem o culto do nacionalismo, do patriotismo e do Sebastianismo
o Apresenta uma fragilidade física em contraste com uma intensa força interior (é
destemida)
o Morre como vítima inocente

- TELMO PAIS
• Não nobre: escudeiro

• Ligado sempre à nobreza

• Confidente de D. Madalena

• Elo de ligação das famílias

• Chama viva do passado: alimenta os terrores de D. Madalena

• Desempenha três funções do coro das tragédias clássicas: diálogo, comentário e profecia

• Ligado à lenda romântica sobre Camões


• Telmo tem como que uma dupla personalidade (uma personalidade convencional e outra
autêntica). A personalidade convencional é a imagem com que Telmo se construiu para os
outros, através dos tempos (a do escudeiro fiel). A personalidade autêntica é a sua parte
secreta, aquela que ele próprio não conhecia, e que veio à superfície num momento trágico da
revelação em que Telmo teve que decidir entre a fidelidade a D. João de Portugal ou a
fidelidade a Maria.

• Telmo vive assim um drama inconciliável entre o passado a que quer ser fiel e o presente
marcado pelo seu amor a Maria. É este drama da unidade/fragmentação do “eu”, ou seja, este
espetáculo da própria mudança feito em cena que é uma novidade e uma nota de modernidade
no teatro de Garrett.

• Claro que esta autorrevelação é provocada por um acontecimento externo que é o Destino,
sem a atuação do qual esta revelação não se teria dado.

- FREI JORGE
• É confidente e conselheiro e à semelhança do coro clássico, faz comentários aos factos

• Pressente o desenlace trágico, contribuindo assim para que os acontecimentos sejam


suavizados por uma perspetiva cristã

• ESPAÇO

Palácio de Manuel de Sousa Coutinho: moderno, luxuoso,


aberto para o exterior- Lisboa

Palácio de D. João de Portugal: salão antigo,


melancólico.

Sala dos retratos

Parte baixa do castelo de D. João

Capela
• TEMPO

Tempo da ação Tempo simbólico


Ato I
• Visão de Manuel de Sousa Coutinho
28/07/1599 pela primeira vez, à sexta-feira
Sexta-feira
Fim da tarde • Alcácer-Quibir
Noite 04/08/1578 (sexta-feira)

Ato II
• Casamento com Manuel de Sousa
04/08/1599 Coutinho: 7 anos depois da batalha
Sexta-feira Sexta-feira
Tarde

Ato III
• Regresso de D. João de Portugal no
04/08/1599 21º aniversário da batalha
Sexta-feira 04/08/1599 (sexta-feira)
Alta noite

• INTEGRAÇÃO DA OBRA NA LEI DAS TRÊS UNIDADES

Ação • Os acontecimentos encadeiam-se extrínseca e intrinsecamente

• Nada está deslocado nem pode ser suprimido

• O conflito aumenta progressivamente provocando um


sofrimento cada vez mais atroz

• A catástrofe é o desenlace esperado

• A verosimilhança é perfeita

• A unidade da ação é superiormente conseguida


Tempo
1599 Julho Agosto
Sexta-feira Sábado Domingo 2ª 3ª, 4ª, 5ª, 6ª,
28 29 30 31 1 2 3 4

Ato I Ato II

Fim da tarde Tarde

Noite Ato III

Alta noite
uma semana
• Não respeita a duração de 24 horas

• A condensação do tempo é evidente e torna-se um facto


trágico

• O afunilamento do tempo é evidente: 21 anos, 14 anos, 7 anos,


tarde noite, amanhecer

• Uma semana justifica-se pela necessidade de distanciamento


do acontecimento do ato I e da passagem a primeiro plano dos
referentes ao regresso de D. João de Portugal

• O simbolismo do tempo: a sexta-feira fatal- o regresso de D.


João de Portugal faz-se no 21º aniversário da batalha de
Alcácer-Quibir (sexta-feira); morte de D. Sebastião (sexta-feira);
visão de D. Manuel pela 1ª vez (sexta-feira)

Espaço Espaço físico: Almada

Ato I: Palácio de Manuel de Sousa Coutinho: luxo, grandes janelas


sobre o Tejo- felicidade aparente

Ato II: Palácio de D. João de Portugal: melancólico, pesado, escuro-


peso da fatalidade, a desgraça

Ato III: Parte baixa do palácio de D. João: casarão sem ornato algum-
abandono dos bens deste mundo. A cruz: elemento conotador de
morte e de esperança.

• MARCAS CLÁSSICAS DA OBRA

• A nível formal divide-se em três atos conforme a tragédia clássica

• Apresenta um reduzido número de personagens e estas são nobres de condição social e de


sentimentos

• A ação desenvolve-se de forma trágica, apresentando todos os passos da tragédia antiga (o


desafio, o sofrimento, o combate, o conflito, o destino, a peripécia, o reconhecimento, o clímax
e a catástrofe)

• O coro da tragédia clássica não existe, mas está representado, de forma esporádica, nas
personagens Telmo e Frei Jorge
• MARCAS ROMANTICAS NA OBRA

• A crença no Sebastianismo

• O patriotismo e o nacionalismo- tais sentimentos estão bem patentes no comportamento de


Manuel de Sousa Coutinho e no idealismo de Maria

• As crenças- agoiros, superstições, as visões e os sonhos, bem evidentes em Madalena, Telmo e


Maria

• A religiosidade- A permanente referência ao cristianismo e ao culto

• O individualismo

• O tema da morte

• CARÁCTER INOVADOR DE FREI LUÍS DE SOUSA

• A reestruturação e modernização do teatro nacional a nível do conteúdo e da forma. A peça é


atual, mas é enraizada nos valores nacionais.

• A linguagem é simples, coloquial, emotiva, adaptada a todas as circunstâncias.

• O gosto pela realidade quotidiana:


o Descrição de espaços concretos (casa, ambientes, decorações)
o Descrição de relações familiares (marido-mulher, pai-filha, tio-sobrinha, etc.)
o Descrição de ações do quotidiano (ler, escrever, passear, dormir, etc.)
o Preocupações que revelam a vida privada das personagens (doença, visitas, etc.)

Indícios trágicos- sinais da fatalidade que se avizinha ou pressente. Os indícios ou presságios podem surgir
sob a forma de acontecimentos, comportamentos, comentários, alusões ou informações que nem sempre
são entendidos pelas personagens como sinais de tragicidade. Ao longo da ação de Frei Luís de Sousa, há
várias situações e elementos que contribuem para a criação de um ambiente de medo e de suspeita e que
funcionam como uma espécie de preparação para o desenlace trágico.

• SINTESE

- 1º ATO: decorre no palácio de D. Manuel de Sousa Coutinho


- O ambiente leve e exótico revela o estado de espírito da família (feliz no geral);
- Inicia-se um acto com um excerto d’Os Lusíadas, mas precisamente o excerto de Inês de Castro, em
que afirma que o amor cega e condena a alma ao sofrimento; este excerto é lido por D. Madalena de
Vilhena, mulher de Manuel de Sousa Coutinho;
- Telmo, o fiel escudeiro da família, entra em cena e ambos discutem sobre Maria, filha de D.Madalena
e Manuel de Sousa Coutinho;
- Os medos de D. Madalena em relação ao regresso do ex-marido (D. João de Portugal, que nunca
regressou da batalha de Alcácer-Quibir) refletem-se na proteção da sua filha em relação ao
Sebastianismo (se D. Sebastião voltasse, o seu ex-marido também podia), um tema na altura muito
discutido;
- Maria é considerada muito frágil (doente; possui tuberculose não diagnosticada), e Telmo, que já fora
escudeiro de D. João, incentiva-a a acreditar no Sebastianismo, o que ela abraça fortemente apesar do
o desaprovar sua mãe;
- Por fim chega com D. Manuel, um cavaleiro da nobreza, que informa as personagens da necessidade
de movimentação daquela casa, porque os “governantes” (na altura Portugal estava sob o domínio
espanhol) viriam e desejavam instalar-se em sua casa;
- O ato acaba com D. Manuel a incendiar a sua própria casa, como símbolo de patriotismo, incendiando
também um retrato seu (simboliza o início da destruição da família), movendo-se a família para o
palácio de D. João de Portugal (apesar dos agouros de D. Madalena).

- 2º ATO: decorre no palácio de D. João de Portugal


- O ambiente fechado, sem janelas, com os quadros grandes das figuras de D. João, Camões e D.
Sebastião revelam uma presença indesejada e uma família mais abatida (algo está para vir);
- D. Madalena apresenta-se muito fraca; com a chegada de D. Manuel (que teve de fugir devido à
afronta aos governantes) e a indicação de que estes o tinham perdoado, D. Madalena fica mais
descansada, mas ao saber por Frei Jorge, um frei do convento dos Domínicos, que este terá que partir
para Lisboa para se apresentar, fica de novo desassossegada;
- D. Manuel parte para Lisboa na companhia de Maria e Telmo, deixando em casa D. Madalena e Frei
Jorge;
- Aparece um Romeiro que não se quer identificar ao princípio, mas dá indícios de ser D. João de
Portugal, que voltaria exatamente 21 anos depois da batalha de Alcácer-Quibir (7 para procurar o
corpo + 14 casamento de D. Madalena e D. Manuel);

- 3º ATO: decorre na parte baixa do palácio de D. João de Portugal


- Um ambiente muito fechado, representando a falta de saída da família que, caso o romeiro fosse D.
João, estaria perante um casamento (D. Madalena e D. Manuel) e uma filha (D. Maria) ilegítimos (a
morte era a única forma de “divórcio”);
- O Romeiro encontra-se a sós com Telmo (que, entretanto, volta com Maria e D. Manuel) e este
imediatamente reconhece o antigo amo, mas a sua lealdade não é certa (entre D. João e Maria, a sua
nova ama apesar de ter criado ambos); o Romeiro pede-lhe que minta por ele, que diga que é um
impostor, que salve a família (momento em que a audiência acredita que possa haver salvação);
- Telmo vai pedir conselhos a Frei Jorge, que lhe diz que, se tem a certeza ser D. João, a verdade não
deve ser escondida (mostra uma faceta obediente e inflexível desta personagem)
- Por fim, não tendo outra salvação, Maria morre de desgosto (de ser filha ilegítima; de tuberculose) e
os pais (D. Madalena e D. Manuel) vão para um convento (a religião como consolação), tornando-se D.
Manuel, Frei Luís de Sousa.
MAIAS

• EPISÓDIOS DA VIDA ROMÂNTICA


No “Os Maias” (entrelaçada com a história da família Maia, que está na origem do título) Eça desenvolve
uma comédia de costumes da sociedade burguesa e lisboeta finissecular, como sugere o subtítulo
“Episódios da vida Romântica”. Em plena época da Regeneração, marcada pelo conservadorismo, pelo
fracasso liberal, pela decadência e pela persistência de uma mentalidade romântica frustrada, Eça constrói
a história de uma família, ao longo de gerações, que se vai desintegrando.

• TEMAS D’OS MAIAS

• O amor é um dos temas centrais. Trata-se da força motriz que desencadeia e faz avançar a
intriga principal- a relação sentimental entre Carlos e Maria Eduarda -, mas também do
ingrediente que precipita as personagens para um desfecho desditoso.

• O incesto, ainda que involuntário e inconsciente, quando se descobre que as duas personagens
centrais, com uma ligação amorosa, são irmão e irmã.

• Tema profundamente realista, o adultério, A infidelidade amorosa está presente em linhas


narrativas secundárias do romance, condicionando a vida de certas personagens. N’Os Maias
estuda-se literariamente este fenómeno social, revelando como ele se associa à futilidade e à
esterilidade do modo de vida e da mentalidade das classes burguesa e aristocrática bem como à
educação que os seus membros receberam.

• A educação é outro tema da obra. Dois modelos de educação são colocados em confronto:
modelo tradicional português, orientado pelos valores da fé católica, baseado no estudo teórico
e livresco e na aprendizagem do latim; e o modelo britânico, apologista do exercício físico, do
contacto com a natureza, de uma formação moral sólida e humanista e do estudo das línguas
vivas.

• Decadência: degradação dos costumes e da moral, a incompetência e a indiferença da classe


dirigente, a falta de civismo da sociedade portuguesa.

• A REPRESENTAÇÃO DE ESPAÇOS SOCIAIS E A CRÍTICA DE COSTUMES


A ação d’ Os Maias decorre, em grande parte, em vários lugares de Lisboa e dos seus arredores, como
em Sintra; no entanto, a infância e na juventude de Carlos da Maia com o seu avô na quinta passou-se na
quinta de Santa Olávia e em Coimbra.
Esses lugares, que constituem o espaço físico do enredo do romance, são olhados de outra forma
quando criam ambientes povoados com personagens da narrativa- várias delas personagens-tipo- e
proporcionam momentos de caracterização de grupos sociais, de figuras individuais e, sobretudo, de crítica
de costume. A estes cenários que convidam à análise de comportamentos e de personagens (ambientes)
dá-se o nome de espaço social.
Também se pode considerar o espaço psicológico, constituído pela consciência das personagens,
manifestando-se em momentos de maior densidade dramática (ex.: reflexões de Carlos sobre o incesto)
Lisboa é o grande palco onde se desenrola o enredo d’Os Maias porque é na capital portuguesa que se
movimenta a sociedade nacional, que é estudada e criticada no romance. É nos episódios que têm lugar
em vários espaços lisboetas e dos arredores da cidade que assistimos aos vícios e à decadência da
sociedade burguesa da segunda metade do séc. XIX. Subtilmente, estabelecem-se contrastes entre Lisboa
e outras capitais europeias- sobretudo Paris e Londres- para melhor dar a conhecer os vícios cívicos e
civilizacionais do nosso país.

→ ESPAÇOS
Ramalhete- a casa dos Maias em Lisboa e que corresponde à noção de lar da família na capital;

Quinta de Santa Olávia- propriedade dos Maias no Douro, representa as origens rurais da família, o que
lhe confere uma ligação ao campo, à natureza e ao que há de mais genuinamente português e não foi
corrompido pela cidade. Funciona também como um santuário onde Carlos cresce e o avô Afonso se
refugia;

Toca- vivenda nos Olivais e que serve de ninho ao


amor de Carlos e Maria Eduarda. É um lugar afastado
Ambas as casas estão marcadas pelo
e resguardado do epicentro da vida social de Lisboa e,
signo dos sentimentos impuros: a
até certa altura, dos rumores e da maledicência.
primeira, porque está associada ao
incesto, e a segunda, ao adultério.
Vila Balzac- é a casa que acolhe os amores de Ega e
de Raquel Cohen.

Hotel Central- onde jantam Carlos, Ega e outras personagens da narrativa o leitor assiste a uma discussão
literária (que encena a polémica entre o Ultrarromantismo e o Realismo/Naturalismo) e às reflexões
trocistas sobre a situação política e económica de Portugal. Nesta confraternização entre personagens com
formação e com relevo na vida nacional, não só observamos a indiferença e a insensibilidade perante a
decadência do País como a incapacidade de alguns membros da elite lisboeta se comportarem com civismo
e dignidade.

No episódio das corridas de cavalos, que decorre no hipódromo, é denunciado o culto da aparência da
sociedade burguesa e a sua aspiração de se mostrar requintada e cosmopolita, imitando a realidade das
corridas inglesas. No entanto, o evento revela-se monótono e entediante, e os comportamentos, artificiais.
Mais ainda, o ambiente apenas anima quando o provincianismo lusitano vem à superfície numa cena de
discussão e pugilato que põe a nu a genuína falta de civismo do português.

No jantar em casa dos condes de Gouvarinho, é a classe dirigente da nação que revela a sua falta de
cultura bem como a mediocridade das suas ideias e das propostas que tem para o País.
Os vícios do jornalismo e a aspiração da burguesia são tratados nos episódios que decorrem nas
redações dos jornais A Corneta do Diabo e A Tarde.

No sarau artístico no Teatro da Trindade critica-se a futilidade da sociedade burguesa. A cultura das
classes privilegiadas é pobre e falta-lhes o gosto e a sensibilidade pela arte mais exigente.

→ ESPAÇOS E O SEU VALOR SIMBÓLICO E EMOTIVO


O espaço é uma componente essencial no romance, visto que ajuda a definir o pano de fundo que
serve de cenário à ação e permite assinalar aspetos simbólicos relevantes para a construção da diegese.
Em Os Maias, a referência a espaços físicos reveste-se de uma dupla função:
• Por um lado, é uma forma de ancoragem da ação, criando também, tal como as referências
históricas, efeito do real;

• Por outro lado, assume igualmente uma dimensão simbólica, facto que subverte os cânones
naturalistas.

Ramalhete- a descrição no início do primeiro capítulo (antes e depois das obras de remodelação) é
reveladora do bom gosto e do requinte de Carlos, evidenciando o seu diletantismo. Constitui um marco de
referência fundamental e o seu apogeu e/ou degradação acompanham o percurso da família, de que o
jardim é um símbolo.

“Toca”- a descrição do ninho de amor de Carlos e Maria Eduarda aponta para a expressão de um gosto
exótico, requintado e sensual, apropriado à vivência de uma paixão marginal. Sendo o covil de um animal,
o nome escolhido para este espaço aponta para o local onde os dois amantes se preservam da curiosidade
da sociedade. Na descrição do quarto, multiplicam-se os elementos simbólicos, que indicam o carácter
interdito e o fim trágico do amor, como o quadro de Vénus e Marte, o leito, um painel tétrico e uma coruja
empalhada.

Espaços de Lisboa percorridos no passeio final de Carlos e Ega- começam por percorrer o Loreto, espaço
em que a estátua de Camões representa simbolicamente a época áurea dos Descobrimentos, que
contrasta com a estagnação, inércia e decadência que marcam a sociedade do séc. XIX.
A decadência da sociedade está associada à degenerescência da própria população portuguesa, que é
descrita como «feiéssima, encardida, molenga, reles, amarelada, acabrunhada».
De seguida, os dois amigos chegam à Avenida da Liberdade, espaço que representa simbolicamente um
Portugal pretensamente moderno e cosmopolita. Neste espaço confirma-se também a degenerescência
dos portugueses – neste caso, especificamente através da descrição da juventude. Com efeito, esta
«mocidade pálida» limita-se a passear pela Avenida da Liberdade sem propósito aparente.
Finalmente, Carlos aponta para «velhos outeiros da Graça e da Penha», que representam simbolicamente
a hipótese de orientação para aquilo que é genuinamente português. No entanto, como Ega refere, esta
solução também não é satisfatória, uma vez que implicaria o regresso a um passado decrépito, associado
ao domínio do clero e da nobreza.
• DESCRIÇÃO DO REAL E O PAPEL DAS SENSAÇÕES
As descrições de lugares, personagens e comportamentos concretizam-se em anotações que resultam
sobretudo de observações do narrador. Tal significa que o registo descritivo assenta em perceções visuais
desses elementos; ou seja, nesta obra a ficção simula-se que o narrador caracteriza os espaços e as figuras
que, pretensamente, estaria a observar.

Esta caracterização dos espaços, em que domina a técnica da verosimilhança, procura representar os
lugares «como eles são». Ela serve os princípios artísticos e os objetivos do Realismo, pois, ao representar
o mundo social, analisa-o também socialmente.

Outra técnica descritiva usada por Eça é a técnica impressionista. Neste tipo de descrição de lugares,
figuras e elementos dá-se maior relevo à luz e às manchas de cor de um conjunto do que à forma exata ou
aos contornos desses elementos.

Há, no entanto, momentos d’Os Maias em que as descrições se destacam por referências ou sugestões a
sensações olfativas, auditivas e táteis. As sensações olfativas estão frequentemente associadas a cenários
naturais e decorrem das fragâncias exaladas pela vegetação.

Em algumas descrições irrompe a sinestesia, ou seja, expressões em que se cruzam ou se fundem


diferentes perceções sensoriais.

• REPRESENTAÇÕES DO SENTIMENTO E DA PAIXÃO (DIVERSIFICAÇÃO DA INTRIGA AMOROSA)


N’Os Maias, a diversificação da intriga amorosa é conseguida através da referência a diferentes tipos de
relação- entre os quais se destacam as ligações Pedro da Maia/ Maria Monforte, Ega/Raquel Cohen e
Carlos da Maia/Maria Eduarda.

- PEDRO DA MAIA/MARIA MONFORTE


• Pedro, personagem marcadamente naturalista, é vítima da hereditariedade, da
educação e do meio em que viveu. No fundo é um rapaz apático, passivo e
nervoso, em consequência da educação tradicional portuguesa.

• A paixão obsessiva que nutre pela mãe acaba, na idade adulta, por ser
transferida para Maria Monforte, figura feminina bela, fútil, caprichosa e
manipuladora.

• A fragilidade psicológica de Pedro torna-o incapaz de sobreviver à fuga da


mulher, suicidando-se.
- EGA/RAQUEL COHEN
• A paixão de Ega acaba por ser o romance adúltero com Raquel Cohen, mulher do
banqueiro Cohen, paixão esta que é influenciada pelos ideais do amor romântico.

• Esta relação termina no momento em que Cohen, descobrindo o adultério,


expulsa Ega. No entanto, este episódio acaba por ser investido de um tom
grotesco, uma vez que, porque tudo sucedeu num baile de máscaras, Cohen se
encontrava vestido de beduíno e Ega de Mefistófeles. Além disso, Raquel é
espancada pelo marido, mas acaba por se reconciliar com ele.

• Deste modo, o único elemento sublime que acaba por restar desta relação
amorosa são as recordações de Ega, que este evoca junto de Carlos e Craft, mas
cujo dramatismo é, mais uma vez, diluído pelo facto de aquele se encontrar
profundamente ébrio (alcoolizado).

• (.
- CARLOS/MARIA EDUARDA
• Todas as relações anteriormente referidas contribuem para exaltar o carácter
sublime (grandioso, perfeito) desta última relação amorosa.

• A paixão entre os protagonistas decorre de uma sintonia de personalidades- já


que ambos são inteligentes, cultos e requintados- que os eleva acima da
sociedade mesquinha em que vivem e lhes permite superarem todas as
contrariedades- até que um destino impiedoso se abate definitivamente sobre
eles.

• O desdém que mostra pela mentalidade romântica rapidamente se desfaz no


momento em que se revela incapaz de contar a verdade a Maria Eduarda,
acabando por ceder à tentação e cometendo incesto voluntariamente.

• CARACTERÍSTICAS TRÁGICAS DOS PROTAGONISTAS E TIPOS DE PERSONAGENS


A ação central apresenta uma típica estrutura de tragédia, que, no sentido clássico, se caracteriza pela
presença de um destino insondável que se abate sobre as personagens, envolvendo toda a família Maia.
As personagens da tragédia têm uma condição elevada: Afonso da Maia, Carlos da Maia e Maria
Eduarda são personagens de condição superior não apenas pelo seu estatuto de fidalgos, mas também (e
sobretudo) pela nobreza do seu carácter. Ainda que nenhuma destas figuras seja perfeita, a verdade é
que todas têm traços heroicos.
- AFONSO DA MAIA
• É um homem de carácter culto e requintado nos gostos. Tem altos e firmes
princípios morais.

• Apesar de os princípios morais o terem levado a desaprovar o casamento de


Pedro, quando este regressa, humilhado, após a partida de Maria Monforte, o seu
amor paternal leva-o a reconciliar-se com o filho e a apoiá-lo, ao invés de o
recriminar;

• A sua enorme força interior é demonstrada pela capacidade de sobreviver à


morte do filho e de se dedicar com entusiasmo à educação do neto;

• É uma personagem profundamente digna, que não se deixa seduzir pelo luxo
que Carlos tanto aprecia, vivendo de forma simples e austera. Acresce o facto de
ser inteligente, culto e caridoso – tanto com as pessoas, como com os animais.

- MARIA EDUARDA
• Apesar de todas as infelicidades ao longo da sua vida, Maria Eduarda nunca
perde a sua dignidade; A sua caracterização é feita do contraste entre si e as
outras personagens femininas. É sempre apresentada como um ser superior.

• À semelhança de Carlos e Afonso da Maia, é inteligente e culta. Além disso, herda


de Afonso da Maia a capacidade de se compadecer dos mais fracos.

• Encarna a heroína romântica, perseguida pela vida e pelo destino.

Para além destes existem outras personagens centrais:

- PEDRO DA MAIA
• Temperamento nervoso, fraco e de grande instabilidade emocional

• Tinha assiduamente crises de "melancolia negra que o traziam dias e dias,


murcho, amarelo, com as olheiras fundas e já velho"

• Pedro é vítima do meio baixo lisboeta e de uma educação retrograda. O seu


único sentimento vivo e intenso fora a paixão pela mãe.

• Apesar da robustez física, é de uma enorme cobardia moral (como demonstra a


reação do suicídio face à fuga da mulher).

- CARLOS DA MAIA
• Carlos era culto, bem-educado, de gostos requintados. Ao contrário do seu pai, é
fruto de uma educação à Inglesa.

• É corajoso e frontal. Amigo do seu amigo e generoso.


• Destaca-se na sua personalidade o cosmopolitismo, a sensualidade, o gosto pelo
luxo, e diletantismo (incapacidade de se fixar num projeto sério e de o
concretizar).

• Todavia, apesar da educação, Carlos fracassou. Não foi devido a esta, mas falhou,
em parte, por causa do meio onde se instalou - uma sociedade parasita, ociosa,
fútil e sem estímulos. Mas também devido a aspetos hereditários - a fraqueza e a
cobardia do pai, o egoísmo, a futilidade e o espírito boémio da mãe.

- MARIA MONFORTE
• É vítima da literatura romântica e daqui deriva o seu carácter pobre, excêntrico e
excessivo.

• Leviana e imoral, é, em parte, a culpada de todas as desgraças da família Maia.


Fê-lo por amor, não por maldade.

Também existem as personagens-tipo:

- JOÃO EGA
• João da Ega é a projeção literária de Eça de Queirós. É uma personagem
contraditória: por um lado, romântico e sentimental, por outro, progressista e
crítico, sarcástico do Portugal Constitucional. Amigo íntimo de Carlos desde os
tempos de Coimbra, onde se formara em Direito.

• Boémio, excêntrico, exagerado, caricatural, anarquista sem Deus e sem moral. É


leal com os amigos. Sofre também de diletantismo- concebe grandes projetos
literários que nunca chega a executar.

• Terminado o curso, vem viver para Lisboa e torna-se amigo inseparável de Carlos.

• Ega, um falhado, corrompido pela sociedade, encarna a figura defensora dos


valores da escola realista por oposição à romântica. Na prática, revela-se em
eterno romântico.

- CONDE DE GOUVARINHO
• Era voltado para o passado. Tem lapsos de memória e revela uma enorme falta
de cultura. Não compreende a ironia sarcástica de Ega.

• Representa a incompetência do poder político (principalmente dos altos cargos).

• Fala de um modo depreciativo das mulheres. Revelar-se-á, mais tarde, um bruto


com a sua mulher.
- DÂMASO SALCEDE
• Dâmaso é uma súmula de defeitos. Filho de um agiota, é presumido, cobarde e
sem dignidade.

• É dele a carta anónima enviada a Castro Gomes, que revela o envolvimento de


Maria Eduarda com Carlos. É dele também, a notícia contra Carlos n' A Corneta do
Diabo. Mesquinho e convencido, provinciano e tacanho, tem uma única
preocupação na vida o "chic a valer".

• Representa o novo riquismo e os vícios da Lisboa da segunda metade do séc.


XIX. O seu carácter é tão baixo, que se retrata, a si próprio, como um bêbado, só
para evitar bater-se em duelo com Carlos.

- EUSEBIOZINHO
• Este representa a educação retrógrada portuguesa. Amigo de infância de Carlos
com quem contrastava na educação.

- CRAFT
• Representa a formação britânica, o protótipo de como deve ser um homem. É
culto e forte de hábitos rígidos.

• Defende a arte como o que há de melhor na natureza.

• LINGUAGEM, ESTILO E ESTRUTURA


Título- Os Maias
- Romance sobre uma família, focado em três gerações (Afonso da Maia, Pedro da Maia e Carlos da
Maia).
- História de amor de Carlos com Maria Eduarda- intriga principal

Subtítulo- Episódios da Vida Romântica


- Representação da sociedade portuguesa da segunda metade do séc. XIX, através de personagens
emblemáticas e de ambientes e eventos específicos- crónica de costumes.
- A ação principal do romance (crónica de costumes e intriga principal) é preparada pela intriga
secundária.
- A intriga secundária não ocupa todo o texto que vai do capítulo I ao IV; a educação de Carlos também
prepara a ação principal;
- A crónica de costumes e a intriga principal (incesto) acontecem quase sempre em paralelo;
- À medida que a intriga do incesto avança, a crónica de costumes continua a desenrolar-se, mas cada vez
com menos intensidade;
- O epílogo dá-se quando, tendo passado dez anos, a intriga principal está há muito terminada.

→ ESTRUTURA DA INTRIGA CENTRAL


A intriga central, organizada em torno dos amores incestuosos de Carlos e Maria Eduarda, apresenta
uma estrutura tripartida- antecedentes da ação, ação principal e epílogo.

- ANTECEDENTES DA INTRIGA CENTRAL – INTRODUÇÃO E PREPARAÇÃO DA AÇÃO


• Instalação dos Maias, em Lisboa; descrição e história do Ramalhete, casa da
família Maia;

• Grande analepse, com o objetivo de explicar os antecedentes da família e o


aparecimento de Carlos, em Lisboa, no outono de 1875
o Juventude de Afonso e exílio em Inglaterra;
o Vida de Pedro;
o Infância de Carlos,

Neste primeiro momento da intriga, o ritmo é rápido, os acontecimentos sucedem-se


velozmente, assemelhando-se ao ritmo narrativo característico da novela.

- INTRIGA PRINCIPAL
• Carlos vê Maria Eduarda no Hotel Central;
• Carlos declara-se a Maria Eduarda;
• Carlos e Maria Eduarda consumam o incesto inconscientemente;
• Guimarães faz revelações a Ega;
• Ega transmite as revelações de Guimarães a Carlos;
• Carlos faz revelações a Afonso;
• Carlos comete incesto, conscientemente;
• Afonso morre, de apoplexia, no Ramalhete, ao perceber o ato do neto;
• Ega revela toda a verdade a Maria Eduarda;
• Maria Eduarda parte definitivamente para Paris.
-EPÍLOGO
• Viagem de Carlos e Ega – 1 ano
• Carlos em Sevilha;
• Reencontro de Carlos e Ega – passados 10 anos

O epílogo retoma o ritmo rápido inicial: dez anos são contados em cerca de duas
páginas. Esta concentração temporal é conseguida através de:
o Elipses
o Resumos
O famoso passeio final, no momento simbólico e de reflexão protagonizado por Carlos e
Ega ocupa o resto do capítulo XVIII, desacelerando o ritmo narrativo e aproximando-se
do ritmo da segunda parte.

• TEMPO

→ TEMPO DA NARRATIVA
Os Maias abarcam uma faixa temporal de cerca de setenta anos, de 1820 a 1887, dos quais apenas
catorze meses são objeto de uma atenção diferenciada.

Inicialmente, apresenta-se o Ramalhete e Afonso da Maia em 1875; depois, recua-se a 1820 para se
resumir a história da família; por fim, regressa-se a 1875 e ao Ramalhete, para se narrar a intriga central,
que tem a duração de catorze meses.

Devido a este desfasamento, ao longo do romance é possível detetar:


• Analepses: a inicial, que apresenta a história da família Maia, antes de instalação de Carlos e do avô
no Ramalhete, bem como a referente ao passado de Maria Eduarda;
• Resumo ou sumários: “E esse ano passou. Gente nasceu, gente morreu. Searas amadureceram,
arvoredos murcharam”. É através de sumários que são conhecidos os episódios relativos à
existência das três gerações dos Maias;
• Elipses ou omissões: Outros anos passaram”

→ TEMPO HISTÓRICO
A sequência de gerações Afonso - Pedro - Carlos corresponde à evolução de grandes coordenadas
históricas do séc. XIX português:
• Com Afonso da Maia, figura emblemática do Liberalismo romântico, evoca-se o período de agonia
do Absolutismo.
• Com Pedro da Maia, reconstitui-se o ambiente excessivamente doentio do Ultrarromantismo,
representado pelo suicídio da personagem.
• Com Carlos da Maia, evoca-se o cenário de um Portugal saído da Carta Constitucional e que sofre
as consequências da mentalidade romântica.
→ TEMPO PSICOLÓGICO
A passagem do tempo influencia as personagens, não apenas no seu envelhecimento, mas também em
mudanças comportamentais. Esse referencial de mutações, que reflete vivências e emoções das
personagens, denomina-se tempo psicológico, de que são exemplo:
• As horas passadas no consultório, que Carlos considerava monótonas e “estúpidas”
• O último episódio, em que Carlos e Ega visitam e contemplam o velho Ramalhete e refletem sobre
o passado e o presente. “É curioso! Só vivi dois anos nesta casa, e é nela que me parece estar
metida a minha vida inteira”.

• RESUMO
A ação de "Os Maias" passa-se em Lisboa, na segunda metade do séc. XIX. Conta-nos a história de três
gerações da família Maia.
A ação inicia-se no Outono de 1875, altura em que Afonso da Maia, nobre e rico proprietário, se instala
no Ramalhete. O seu único filho- Pedro da Maia- de carácter fraco, resultante de uma educação
extremamente religiosa e perfecionista à portuguesa, casa-se, contra a vontade do pai, com a filha de um
antigo negreiro, Maria Monforte, de quem tem dois filhos — um menino e uma menina. Mas a esposa
após conhecer Tancredo, um príncipe italiano que Pedro alvejara acidentalmente enquanto caçava,
acabaria por o abandonar para fugir com o Napolitano, levando consigo a filha, de quem nunca mais se
soube o paradeiro.
O filho- Carlos da Maia- viria a ser entregue aos cuidados do avô, após o suicídio de Pedro da Maia,
devido ao desgosto da fuga da mulher que tanto amava. Carlos passa a infância com o avô, recebendo uma
educação rígida. Principalmente direcionada à educação e só depois à religião. Forma-se depois, em
Medicina, em Coimbra. Carlos regressa a Lisboa, ao Ramalhete, após a formatura, onde se vai rodear de
alguns amigos, como o João da Ega, Alencar, Damaso Salcede, Palma de Cavalão, Euzébiozinho, o maestro
Cruges, entre outros.
Seguindo os hábitos dos que o rodeavam, Carlos envolve-se com a Condessa de Gouvarinho, que depois
irá abandonar.
Um dia fica deslumbrado ao conhecer Maria Eduarda, que julgava ser mulher do brasileiro Castro
Gomes. Carlos segue-a algum tempo sem êxito, mas acaba por conseguir uma aproximação quando é
chamado por ela, para visitar, como médico, a sua governanta que adoecera. Começam então os seus
encontros com Maria Eduarda, visto que Castro Gomes estava ausente. Carlos chega mesmo a comprar
uma casa onde instala a amante. Castro Gomes descobre o sucedido e procura Carlos, dizendo que Maria
Eduarda não era sua mulher, mas sim sua amante e que, portanto, podia ficar com ela.
Entretanto, chega de Paris um emigrante, que diz ter conhecido a mãe de Maria Eduarda e que a
procura para lhe entregar um cofre desta que, segundo ela lhe dissera, continha documentos que
identificariam e garantiriam para a filha uma boa herança. Essa mulher era Maria Monforte- a mãe de
Maria Eduarda era, portanto, também a mãe de Carlos. Os amantes eram irmãos.
Contudo, Carlos não aceita este facto e mantém abertamente, a relação incestuosa com a irmã, sem que
esta saiba que são irmãos. Afonso da Maia, o velho avô, ao descobrir que Carlos, mesmo sabendo que
Maria Eduarda é sua irmã, continua com a relação, morre de desgosto.
Ao tomar conhecimento, Maria Eduarda, agora rica, parte para o estrangeiro; e Carlos, para se distrair,
vai correr o mundo.
O romance termina com o regresso de Carlos a Lisboa, passados 10 anos, e o seu reencontro com
Portugal e com Ega, que lhe diz: - "Falhámos a vida, menino!"

• CRITICA SOCIAL
A crónica de costumes da vida lisboeta da Segunda metade do séc. XIX desenvolve-se num certo
tempo, projeta-se num determinado espaço e é ilustrada por meio de inúmeras personagens
intervenientes em diferentes episódios.

Lisboa é o espaço privilegiado do romance, onde decorre praticamente toda a vida de Carlos ao longo
da ação. O carácter central de Lisboa deve-se ao facto de esta cidade, concentrar, dirigir e simbolizar toda
a vida do país. Lisboa é mais do que um espaço físico, é um espaço social. É neste ambiente monótono,
amolecido e de clima rico, que Eça vai fazer a crítica social, em que domina a ironia, corporizada em certos
tipos sociais, representantes de ideias, mentalidades, costumes, políticas, conceções do mundo, etc.

• MENSAGEM
A mensagem que o autor pretende deixar com esta obra, tem uma intenção iminentemente crítica.

É através do paralelo entre duas personagens - Pedro e Carlos da Maia, que Eça concretiza a sua
intenção. Ambos, apesar de terem tido educações totalmente diferentes, falharam na vida. Pedro falha
com um casamento desastroso, que o leva ao suicídio; Carlos falha com uma ligação incestuosa, da qual sai
para se deixar afundar numa vida estéril e apagada, sem qualquer projeto seriamente útil, em Paris.

Por outro lado, estas duas personagens, representam também épocas históricas e políticas diferentes.
Pedro, a época do Romantismo, e seu filho, a Geração de 70 e das Conferências do Casino, geração
potencialmente destinada ao sucesso. Mas não foi isso que sucedeu e é este facto que o escritor pretende
evidenciar com o episódio final - o fracasso da Geração dos Vencidos da Vida.

Assim, estas personagens representam os males de Portugal e o fracasso sucessivo das diferentes
correntes estético-literárias. Fracasso este que parece dever-se, não às correntes em si, mas às
características do povo português - a predileção pela forma em detrimento do conteúdo, o diletantismo
que impede a fixação num trabalho sério e interessante, a atitude "romântica" perante a vida, que consiste
em desculpar sistematicamente, os próprios erros e falhas, e dizer "Tudo culpa da sociedade".

• SIMBOLISMO
Ramalhete- esta designação e o emblema (o ramo de girassóis) mostram a importância "da terra e da
província" no passado da família Maia. A "gravidade clerical do edifício"” demonstra a influência que o
clero teve no passado da família e em Portugal.

Ramalhete (último capítulo) - abandonado e tristonho, cheio de recordações de um passado de tragédia e


frustrações, está muito relacionado com o modo como Eça via o país, em plena crise do regime
Não é difícil lermos o percurso da família Maia, nas alterações sofridas pelo Ramalhete. No início o
Ramalhete não tem vida, em seguida habitado, torna-se símbolo da esperança e da vida, é como que um
renascimento; finalmente, a tragédia abate-se sobre a família e eis a cascata chorando, deitando as últimas
gotas de água, a estátua coberta de ferrugem; tudo tem um carácter lúgubre. Note-se que as paredes do
Ramalhete foram sempre sinal de desgraça para a família Maia. O cedro e o cipreste, são árvores que pela
sua longevidade, significam a vida e a morte, foram testemunhas das várias gerações da família. Mas
também, simbolizam a amizade inseparável de Carlos e João da Ega. A morte instala-se nesta família. No
Ramalhete todo o mobiliário degradado e disposto em confusão, todos os aposentos melancólicos e frios,
tudo deixa transparecer a realidade de destruição e morte. E se os Maias representam Portugal, a morte
instalou-se no país.

Obras de restauro- levadas a cabo por Carlos, introduziram o luxo e a decoração cosmopolita, simbolizam
uma nova oportunidade, uma reforma da casa (ou do país) para uma nova etapa - é o reflexo do ideal
reformista da Geração de Carlos. Carlos é um símbolo da Geração de 70, tal como o é Ega.

Cascata do Ramalhete- também sofre uma evolução. No primeiro capítulo a cascata está seca porque o
tempo da ação d’ Os Maias ainda não começou. No último capítulo, o fio de água da cascata é símbolo da
eterna melancolia do tempo que passa, dos sentimentos que leva e traz, mostra-nos também que o tempo
está mesmo a esgotar-se e o final da história d' Os Maias está próximo. Este choro simboliza também a dor
pela morte de Afonso da Maia.

Estátua de Vénus- enegrece com a fuga de Maria Monforte. Agora, (no último capítulo) coberta de
ferrugem simboliza o desaparecimento de Maria Eduarda e os seus membros agora transformados dão-lhe
uma forma monstruosa fazendo lembrar Maria Eduarda e monstruosidade do incesto. Esta estátua marca
então, o início e o fim da ação principal. Ela é também símbolo das mulheres fatais d' Os Maias - Maria
Eduarda e Maria Monforte.

Quadro com cabeça degolada- No quarto de Maria Eduarda, na Toca, o quadro com a cabeça degolada é
um símbolo e presságio de desgraça. Os seus aposentos simbolizam o carácter trágico, a profanação das
leis humanas e cristãs.

Cor vermelha- Maria Monforte e Maria Eduarda são portadoras de um vermelho feminino, despertam a
sensibilidade à sua volta; espalham a morte. O vermelho é, portanto, o símbolo da paixão excessiva e
destruidora.
Dourado- está também presente, indicando a paixão ardente; anunciando a velhice (o Outono), a
proximidade da morte.

Preto- Morte prefigurada pela cor negra, símbolo de uma paixão possessiva e destruidora.

Mãe e filha conjugam em si estas três cores: elas são, portanto, vida e morte, o divino e o humano, a
aparência e a realidade, a força
ANTERO DE QUENTAL- SONETOS COMPLETOS
• FUNÇÃO DA POESIA
A poesia de Antero surge como forma de intervenção potenciadora de mudança na sociedade, sendo a
poeta o mensageiro dos ideais de transformação social. "Povo deve substituir Deus no altar."

Fora filosofia e não arte que Antero quisera fazer e apenas teria produzido ensaios filosóficos. Porém, se os
temas que o inquietavam eram metafísicos, na forma fixa do soneto encontrou o molde perfeito para o
desenvolvimento da ideia, da filosofia.

• CARACTERISTICAS DO SONETO ANTERIANO


O soneto anteriano segue o modelo do soneto italiano (petrarquista). Em termos estróficos é, pois,
composto por 14 versos, distribuídos por 2 estrofes de 4 versos (quadras) seguidas de 2 estrofes de 3
versos (tercetos).
Em termos de métrica, os versos são decassílabos, podendo ser:
- versos heroicos: acentuação tónica nas 6.º e 10 sílabas;
- versos sáficos: acentuação tónica nas 4.º,8. e 10.º sílabas.

Em termos de rima, nas quadras segue rigorosamente o esquema rimático definido para o soneto,
contendo rima interpolada e emparelhada; nos tercetos apresenta as várias variantes possíveis, fazendo
uso das rimas cruzadas, interpoladas e emparelhadas.

Em termos de organização do tema, a ideia é apresentada e desenvolvida nas duas primeiras quadras
e acentuada no primeiro terceto; deste modo, no segundo terceto surge uma conclusão inevitável,
natural (acabando assim com chave de ouro)

• A ANGÚSTIA EXISTENCIAL

• Inquietação espiritual e desassossego;


• Insatisfação perante o real;
• Visão do mundo oscilando entre o tormento e a euforia;
• Pessimismo, desencanto e frustração;
• Angústia, dor, morbidez e cansaço;
• Interiorização reflexiva;
• Procura contínua de um sentido para a existência;
• Desilusão e incredulidade face à luta;
• Anseio pela Morte

• CONFIGURAÇÕES DO REAL
- Desejo absoluto
- Imaginação e sonho
- Perfeição e plenitude das realizações do “eu” (imaginárias ou reais)
• SONETOS
Discurso conceptual- caracteriza-se pelo recurso a conceitos abstratos, a noções filosóficas, metafísicas e
abstratas, de maior ou menor densidade, que apresenta nos seus poemas.

• Através da metáfora de um “cavaleiro andante”, o


Sonho que sou um cavaleiro andante. sujeito poético imagina-se, qual D. Quixote, a
Por desertos, por sóis, por noite escura, corajosamente enfrentar as adversidades até
Paladino do amor, busco anelante encontrar “O palácio encantado da Ventura!”. Este
O palácio encantado da Ventura! defensor incansável do Amor universal parece
determinado em encontrar o local que lhe trará a tão
Mas já desmaio, exausto e vacilante,
ansiada calma e que significará o fim da sua
Quebrada a espada já, rota a armadura.
demanda.
E eis que súbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e aérea formosura!
• A segunda estrofe, contudo, a partir da adversativa
Com grandes golpes bato à porta e brado: “Mas”, desvenda já o final inglório deste cavaleiro,
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado. que desmaia e está “exausto e vacilante”, e a
Abri-vos, portas de ouro, ante meus ais! frustração das suas intenções, pois os símbolos de
luta- a espada e a armadura, que o poderiam
Abrem-se as portas d'ouro com fragor.
proteger- estão inutilizados. O desafio é inumano e as
Mas dentro encontro só, cheio de dor,
forças teimam em falhar. Porém, subitamente, esse
Silêncio e escuridão - e nada mais!
“palácio” do domínio onírico é avistado, “fulgurante”,
Antero de Quental, in "Sonetos" com “pompa e aérea formusura”, o que faz renascer
a esperança.

• Chegado ao local, o poeta exige nele entrar, apresentando-se como “o Vagabundo, o Deserdado”,
aquele que lutou, que superou provas e que precisa de se acolher de tão dura travessia.

• No entanto, quando as portas se abrem, apenas encontra “Silêncio e escuridão – e nada mais!”.
Acentuando a desilusão do s.p., o último terceto revela a tomada de consciência de que os desejos e
as expectativas são inatingíveis. Aspirando ao absoluto, o “eu” lírico só a si próprio se encontra, numa
luta constante para alcançar a felicidade inatingível.

• Não é neste local que o poeta poderá exorcizar os seus medos, os seus desesperos, as suas angústias.
Partindo de imagens-símbolo, Antero reflete sobre a
desesperança:
• Em primeiro lugar apresenta um ser frágil, uma
ave “a quem roubaram/Ninho e filhos e tudo”, e
Deixá-la ir, a ave, a quem roubaram
que fica, portanto, sem razão para existir. O tom
Ninho e filhos e tudo, sem piedade.
de sofrimento atroz está instalado, pois tudo lhe
Que a leve o ar sem fim da soledade
foi tirado, “sem piedade”, e “as asas partidas”
Onde as asas partidas a levaram.
estão;
Deixá-la ir, a vela, que arrojaram
Os tufões pelo mar, na escuridade • Apresenta a “alma lastimosa”, condenada à
Quando a noite surgiu da imensidade, “morte queda, à morte silenciosa”, porque perdeu
Quando os ventos do sul se levantaram. “fé e paz e confiança”, ou seja, os pilares da vida. A
abdicação é a única saída para quem perdeu os
Deixá-la ir, a alma lastimosa,
princípios orientadores da vida;
Que perdeu fé e paz e confiança,
À morte queda, à morte silenciosa.
• Por último, é a nota que concretiza o spleen, o
Deixá-la ir, a nota desprendida tédio existencial, a tendência romântica do mal du
Dum canto extremo.. e a última esperança.. siècle, com a representação do cansaço e do
E a vida.. e o amor.. deixá-la ir, a vida.! desespero, sendo a morte a derradeira felicidade.

O soneto acaba por ser o intérprete perfeito da Ideia anteriana, pois a apresentação e o
desenvolvimento da tese são apresentados nas duas quadras e no primeiro terceto, sendo o último a
chave de ouro, isto é, a conclusão do tema apresentado, à boa maneira de Petrarca ou do nosso Camões.
É de assinalar, igualmente, o uso da adjetivação de cunho latinizante (“mesto”, “gélido”, “rudo”), por
vezes utilizada em formas duplas (“largo e fundo”, “pálido e triste”).
Os sonetos são, em Antero, um testemunho de um estado de alma em agonia.
CESÁRIO VERDE- CANTICOS DO REALISMO
• A REPRESENTAÇÃO DA CIDADE E DOS TIPOS SOCIAIS
O interesse de Cesário Verde por cenas do quotidiano cruza-se com a temática social- a vida nos bairros
burgueses e proletários, a venda de produtos pelas ruas, a construção de edifícios, a pavimentação das
ruas, o descarregar dos navios, os trabalhos agrícolas, as lides domésticas.
• Descrição da cidade (Lisboa)- vertente física e humana, reveladora dos contrastes sociais.
• Cidade- espaço sufocante, angustiante e conotado com a morte, a corrupção de valores e a doença.
• Crítica e solidariedade social (face aos desfavorecidos).

ANÁLISE:
A Débil

Eu, que sou feio, sólido, leal, Sorriam, nos seus trens, os titulares;
A ti, que és bela, frágil, assustada, E ao claro sol, guardava-te, no entanto,
Quero estimar-te sempre, recatada A tua boa mãe, que te ama tanto,
Numa existência honesta, de cristal. Que não te morrerá sem te casares!

Sentado à mesa dum café devasso, Soberbo dia! Impunha-me respeito


Ao avistar-te, há pouco, fraca e loura, A limpidez do teu semblante grego;
Nesta Babel tão velha e corruptora, E uma família, um ninho de sossego,
Tive tenções de oferecer-te o braço. Desejava beijar sobre o teu peito.

E, quando socorreste um miserável, Com elegância e sem ostentação,


Eu, que bebia cálices de absinto, Atravessavas branca, esbelta e fina,
Mandei ir a garrafa, porque sinto Uma chusma de padres de batina,
Que me tornas prestante, bom, saudável. E de altos funcionários da nação.

"Ela aí vem!" disse eu para os demais; "Mas se a atropela o povo turbulento!


E pus-me a olhar, vexado e suspirando, Se fosse, por acaso, ali pisada!"
O teu corpo que pulsa, alegre e brando, De repente, paraste embaraçada
Na frescura dos linhos matinais. Ao pé dum numeroso ajuntamento.

Via-te pela porta envidraçada; E eu, que urdia estes fáceis esbocetos,
E invejava, — talvez que não o suspeites! - Julguei ver, com a vista de poeta,
Esse vestido simples, sem enfeites, Uma pombinha tímida e quieta
Nessa cintura tenra, imaculada. Num bando ameaçador de corvos pretos.

Ia passando, a quatro, o patriarca. E foi, então, que eu, homem varonil,


Triste eu saí. Doía-me a cabeça. Quis dedicar-te a minha pobre vida,
Uma turba ruidosa, negra, espessa, A ti, que és tênue, dócil, recolhida,
Voltava das exéquias dum monarca. Eu, que sou hábil, prático, viril.

Adorável! Tu, muito natural,


Seguias a pensar no teu bordado;
Avultava, num largo arborizado,
Uma estátua de rei num pedestal.
• O poema “A Débil” é exemplificativa da representação de uma classe hostil, corrupta, opressora,
impregnada de sórdidos valores morais. É nessa “Babel corruptora” que o sujeito poético expressa
toda a sua atitude decadente ao beber absinto num café, sem nada que o faça despertar do
imobilismo até avistar uma jovem, bela e frágil, que, por ser tão diferente da típica mulher
citadina, sedutora e distante, desperta nele uma súbita vontade de a proteger.

• Nas estrofes 2 a 12, faz-se a explicitação da atitude decadentista do s.p., sentado à mesa de um
“café devasso”, a beber absinto, atitude esta que é subitamente alterada aquando da observação
da jovem “fraca e loura”, em contraste com a “Babel tão velha e corruptora”.

• A descrição da jovem pueril, nas suas roupas simples, desperta o desejo do “eu” lírico.

• É de salientar a referência à cidade em luto, a acompanhar as exéquias de um monarca, o que leva


o sujeito lírico a contrastar a velha cidade com a “adorável” presença desta jovem, mais ligada ao
ambiente natural do campo.

• Um dos processos típicos em Cesário, a transfiguração poética do real, evidencia-se na metáfora


antitética da frágil rapariga, tímida e desprotegida na cidade, face aos corvos negros e
ameaçadores.

• DEAMBULAÇÃO E IMAGINAÇÃO: OBSERVADOR OCIDENTAL

Para Cesário Verde, ver é perceber o que se esconde na realidade, é captar as impressões que as coisas
lhe deixam e, por isso, o poeta perceciona o real minuciosamente através dos sentidos. Ou seja,
deambulando por espaços físicos vários, o real exterior é apreendido pelo mundo interior do observador,
que o interpreta e recria com grande nitidez, numa atitude de captação do real pelos sentidos, com
predominância dos dados obtidos pela visão: cor, luz, recorte, formas, movimento.
• O carácter deambulatório.
• O real e o quotidiano como fonte de inspiração.
• A observação objetiva como ponto de partida para a poetização.
• A poética de cariz realista.

ANÁLISE:
Dez horas da manhã; os transparentes E rota, pequenina, azafamada,
Matizam uma casa apalaçada; Notei de costas uma rapariga,
Pelos jardins estancam-se as nascentes, Que no xadrez marmóreo duma escada,
E fere a vista, com brancuras quentes, Como um retalho da horta aglomerada
A larga rua macadamizada. Pousara, ajoelhando, a sua giga.

Rez-de-chaussée repousam sossegados, E eu, apesar do sol, examinei-a.


Abriram-se, nalguns, as persianas, Pôs-se de pé, ressoam-lhe os tamancos;
E dum ou doutro, em quartos estucados, E abre-se-lhe o algodão azul da meia,
Ou entre a rama do papéis pintados, Se ela se curva, esguelhada, feia,
Reluzem, num almoço, as porcelanas.

Como é saudável ter o seu conchego,


E a sua vida fácil! Eu descia,
Sem muita pressa, para o meu emprego,
Aonde agora quase sempre chego
Com as tonturas duma apoplexia.
Caminhando e observando, Cesário apropria-se do material de que necessita para eternizar em verso o
que objetivamente apreende. O poeta entrelaça a perceção do real objetivo com a sua rica imaginação
precursora do Surrealismo.
• Enquanto o criado de uma das casas é hostil para com aquela que representa o campo, o sujeito
poético delicadamente oferece a sua ajuda e, nesse momento, a sua “visão de artista” surge,
provocando a transfiguração do real com a transformação dos legumes e dos vegetais do cesto da
hortaliceira num novo corpo orgânico - “Num ser humano que se mova e exista/Cheio de belas
proporções carnais?!” - antitético ao da frágil mulher que carrega.

• Descrita ao longo do poema como a representante da vitalidade, da pureza e da liberdade ligadas


ao campo, não obstante o facto de ser “feia” e “rota”, a hortaliceira é reduzida, no final do poema,
a uma “pobre caminhante”, afundada no peso do cesto que carrega.

• Desta forma, Cesário regressa ao real e, com o seu olhar crítico e solidário, observa agora uma
pobre trabalhadora, que é explorada até ao seu limite para sobreviver. A dimensão crítica e
solidária do poeta é, assim um aspeto estruturante da sua poesia.

• PERCEÇÃO SENSORIAL E TRANSFIGURAÇÃO POÉTICA DO REAL


Inerente à dimensão pictórica e impressionista da poesia de Cesário está, evidentemente, o seu carácter
sensorial, que resulta das sensações que a realidade exterior suscita no s.p. e que são veiculadas através
dos vários sentidos.
• Descrição objetiva da realidade com “fugas imaginativas”.
• Representação do exterior a partir da visão subjetiva do “eu”.
• Influência impressionista na captação do real: sensações e impressões provocadas pelo meio
envolvente.

Encontramos os sons da cidade, os cheiros da vida quotidiana de uma Lisboa pulsante e geradora de
tensões sociais. Ao deambular pela cidade, o poeta apreende o real que servirá de ponto de partida para
a sua produção literária - “A mim o que me rodeia é o que me preocupa”.

• A ESTRUTURAÇÃO DO POEMA
Estrutura narrativa segundo uma progressão temporal:
Ave Marias → Noite Fechada → Ao Gás → Horas Mortas

- “Ave Marias”
• Sugere, em termos de tempo, o fim da tarde e o início da noite, momento
dedicado à oração e escolhido pelo sujeito poético para iniciar a sua errância
e observar os vários espaços que vai descrevendo, nomeadamente os
edifícios, as edificações... numa deambulação solitária e crítica por uma cidade
que lhe provoca um “desejo absurdo de sofrer”, fazendo surgir a insatisfação e
o nojo.
- “Noite Fechada”
• O passeio continua, agora num espaço mais confinado, com a referência à
cadeia do aljube, à velha Sé, a igrejas, a quartéis, a andares, a tendas, a
palácios que rivalizam com espaços mórbidos, negros e metafóricos da ideia de
enclausuramento e de solidão, numa perfeita sintonia com o título. O
fechamento progressivo do espaço é notório nesta secção, estando o mesmo
conotado com a ideia de tristeza, de morbidez, de fechamento.

• Anoitecer.

- “Ao Gás”
• A escuridão é agora evidente, o que cria uma atmosfera de alucinação,
conduzindo à interpenetração da realidade externa com a realidade subjetiva
do s.p. na sua errância. Os espaços são agora os passeios, as lojas, a padaria, as
casas de confeção, as longas descidas, as esquinas, a catedral, e as
personagens femininas que desfilam.

- “Horas Mortas”
• Na cidade “às escuras”, caminha-se de lanterna. A noite da cidade já não
sufoca, porque está reintegrada na noite natural, mas, por baixo do “teto
fundo de oxigénio”, a ideia de prisão está lá, com os portões e os bloqueios.

• A transfiguração do real é notória, com os faróis próximos de uma carruagem
que são olhos sangrentos em contraste com o som pastoril de uma flauta
distante, paradigma da libertação associada ao campo.

• LINGUAGEM, ESTILO E RIMA


O s.p. oferece-nos as suas impressões, ou seja, as sensações através das quais essa realidade chega até
nós, leitores:
• As sugestões cromáticas, de que a visão é a principal responsável;
• As sugestões da luz;
• As sugestões gustativas.
AMOR DE PERDIÇÃO – MEMÓRIAS DE UMA FAMÍLIA (CAMILO CASTELO BRANCO)

• SUGESTÃO BIOGRÁFICA (SIMÃO E NARRADOR)


A novela Amor de Perdição foi publicada em 1862, época em que o seu autor se encontrava preso na
Cadeia da Relação do Porto, por ter raptado Ana Plácido e ter cometido adultério com ela.
O facto de o protagonista - que, na conclusão, é identificado como tio do autor da obra - ter um
percurso biográfico com pontos de contacto com o de Camilo Castelo Branco virá conferir um maior
dramatismo aos eventos narrados — o que contribuirá, de forma decisiva, para o enorme interesse dos
leitores oitocentistas por esta obra.
No entanto, além de jogar com esta coincidência a nível biográfico, o autor procurará, acima de tudo,
evidenciar a injustiça subjacente à história trágica de Simão e de Teresa. É por esta razão que o narrador
assume, desde o início, uma posição subjetiva em relação às personagens e aos eventos narrados,
sublinhando o carácter heroico dos protagonistas, que, em nome do amor, ousam enfrentar os
preconceitos absurdos das respetivas famílias, bem como a repressão que lhes é imposta por uma
sociedade em que não há lugar para a vivência dos sentimentos sublimes, mas apenas para a
mediocridade, o materialismo e a hipocrisia. Como é evidente, desta forma, Camilo procura justificar a sua
própria transgressão das normas da sociedade, mostrando que, na realidade, se tratava de uma revolta
legítima contra um meio em que a liberdade e a felicidade dos indivíduos eram sufocadas por convenções
mesquinhas.

• RELAÇÕES ENTRE PERSONAGENS


adversário de filho de Domingos Botelho
Baltasar Coutinho Simão
D. Rita Preciosa

prima de filha de João da Cruz


filha de
Tadeu de (a mãe falecera)
Albuquerque Triangulo
(a mãe falecera) amoroso
Teresa Mariana

• A ação da narrativa centra-se no triângulo amoroso constituído por Simão, Teresa e Mariana.

• Simão Botelho era filho do juiz Domingos Botelho e de D. Rita Preciosa. Este era, no entanto,
odiado por Tadeu de Albuquerque, pai de Teresa, na medida em que, num litígio, não tomara uma
decisão favorável àquela personagem. O azedume entre as famílias adensou-se pelo facto de o
protagonista, num episódio em que espancou vários criados que se encontravam junto a uma
fonte, ter ferido também criados de Tadeu de Albuquerque.

• Antes de se apaixonar por Teresa, Simão destaca-se pelo seu comportamento violento e
arruaceiro. No entanto, o amor tem nele um efeito redentor: abandona a vida boémia e passa a
concentrar-se exclusivamente nos estudos, com o objetivo de garantir uma carreira futura e o
sustento da família com que sonhava.
• Contudo, o ódio entre as famílias não permite que os jovens fiquem juntos: Tadeu de
Albuquerque quer impor a sua filha o casamento com o seu primo Baltasar Coutinho. No entanto,
Teresa é, tal como Simão, profundamente corajosa e obstinada. Assim, apesar de ser uma filha
afetuosa, enfrenta abertamente o pai, recusando-se terminantemente a casar com um homem
que não ama. Como represália, Tadeu de Albuquerque decide enclausurá-la num convento.

• Quando se desloca para Viseu, de modo a estar mais próximo de Teresa, o protagonista instala-se
em casa de João da Cruz, um ferrador a quem o seu pai salvara de uma sentença de morte. Esta
figura do povo, de traços marcadamente realistas (inclusivamente pelo registo popular das suas
falas), funcionará como uma figura protetora para Simão, contrastando, pela sua dimensão
pragmática, com o idealismo do herói. Com efeito, não só hospeda e aconselha Simão, como lhe
salva a vida aquando da emboscada que é preparada por Baltasar Coutinho.

• Quanto a Mariana, filha de João da Cruz, a jovem revela traços característicos da mulher-anjo do
Romantismo. Com efeito, entrega-se totalmente à sua paixão por Simão sem esperar nada em
troca. O seu amor por Simão leva-a a cuidar dele com desvelo maternal, chegando a entregar-lhe,
sem que ele o saiba, as suas economias. O seu espírito de sacrifício é tão grande que acede a
garantir a comunicação entre o seu amado e Teresa. Depois de Simão ser preso, Mariana chega ao
extremo de abandonar o pai, por quem nutria grande afeto, para cuidar dele. No fim, abraça-se ao
cadáver do seu amado e morre com ele.

• Apesar de Teresa também ter características da mulher-anjo - pela sua pureza, fragilidade e pela
sua capacidade ilimitada de sofrer em nome do amor - contrasta com Mariana, na medida em que
o afastamento de Simão que lhe é imposto a converte progressivamente numa figura ideal, cuja
vida se pauta cada vez mais por uma resistência passiva ao pai e ao primo. Em contrapartida,
Mariana é uma figura bem real, que tem um papel ativo na vida de Simão. Assim, ao aperceber-se
de que ela o ama, o protagonista mostra uma intensa perturbação, por não lhe ser possível
corresponder a um sentimento vivido de forma tão nobre.

• Além disso, as qualidades de Mariana são também evidenciadas pelo seu pai, que sente um
enorme orgulho pela sensatez, coragem e determinação da filha — garantindo a Simão que, caso
casasse com ela (o que se lhe afigura impossível, em virtude das diferenças sociais), seria muito
feliz.

• O afeto entre João da Cruz e Mariana contrasta com a relação que tanto Teresa como Simão
mantêm com os seus pais: o primeiro caso, embora Tadeu de Albuquerque ame a filha (o que é
percetível pelo desgosto que evidencia no momento em que a espera à porta do convento de
Viseu para a acompanhar até ao convento de Monchique, no Porto), sobrepõe o seu ódio
mesquinho e a obsoleta noção de honra à sua felicidade. Quanto a Teresa, o afeto que nutre pelo
pai leva-a a ser uma filha dócil em tudo aquilo que é possível - à exceção das imposições relativas
ao casamento, na medida em que o amor por Simão é tão grande que se mostra disposta a abdicar
de tudo (inclusivamente da própria vida) em seu nome. Com efeito, acabará por morrer no
convento, no momento em que assiste à partida de Simão para o exílio.
• No segundo caso, a relação de Simão com os pais nunca é pacífica. Domingos Botelho recusa-se
mesmo a interceder por ele aquando da sua prisão e condenação à forca. Apenas o faz por
imposição de um dos seus parentes. D. Rita Preciosa pede-lhe, em vão, clemência. No entanto, o
narrador acrescenta que o faz não tanto por amor ao filho, mas sobretudo para contrariar o
marido. Posteriormente, muito embora manifeste preocupação em relação a Simão, é incapaz de
providenciar o seu sustento, que é garantido por Mariana. À exceção do afeto que nutre pela irmã
mais nova, Rita, Simão parece estar assim muito isolado no contexto familiar. Não é, pois,
surpreendente que o amor por Teresa se converta na questão mais importante da sua vida. Com
efeito, também o protagonista, após três anos de uma luta inglória em nome do amor, acabará por
morrer, na sequência da notícia da morte da sua amada.

• O AMOR- PAIXÃO
A apologia da liberdade individual feita pelo Romantismo, associada à valorização do amor - visto como
um dos sentimentos mais importantes (senão o mais importante) na vida do Homem - leva o amor-paixão
a ser um dos temas centrais das obras deste movimento.
É efetivamente isto o que sucede em Amor de perdição: o narrador assume uma posição subjetiva -
critica o carácter absurdo do ódio entre as duas famílias, bem como a injustiça que está subjacente às
tentativas, por parte de Tadeu de Albuquerque, de impor à sua filha um casamento com um homem que
ela não amava, e que a condenaria a ser infeliz para todo o sempre. Em contrapartida, é louvado o carácter
heroico de Teresa e de Simão, que, tendo consciência da dimensão sublime da sua paixão, estão dispostos
a abdicar da liberdade e, posteriormente, até da própria vida, em seu nome. A morte não os intimida, dado
que ambos encaram o amor como um sentimento ideal, que, caso não possa ser vivido na Terra, será
concretizado no Céu. Com efeito, ambos estão seguros do carácter eterno da sua paixão, e não se deixam
impor pela sociedade.
O amor-paixão é também vivido por Mariana, na medida em que, como foi anteriormente referido,
apesar de ter consciência de que o seu sentimento não é correspondido, acabará por dedicar toda a sua
vida a Simão. Contudo, ao contrário dos protagonistas, esta personagem, pelo seu carácter prático, ao
invés de projetar na eternidade a esperança de ser amada por Simão, tem esperança de ser correspondida
ao acompanhá-lo no exílio. O pragmatismo não torna, no entanto, o seu amor inferior ao de Teresa: sabe
que a sua vida não faz sentido sem o amado e diz friamente que, caso este morra, se suicidará - o que
efetivamente acaba por suceder.

O amor-paixão
• Intensidade do sentimento
• Entrega espiritual
• Impossibilidade de concretização física
• Motivador de conflito com a sociedade
• Catalisador da tragédia
• CONSTRUÇÃO DO HERÓI ROMÂNTICO
As narrativas e os dramas escritos durante o Romantismo criam a figura do herói romântico. Em traços
gerais, podemos defini-lo como uma personagem que acredita em valores elevados e «humanos» e se
move por ideais grandes e, regra geral, inalcançáveis: o amor, a justiça, a liberdade, a construção de um
mundo melhor, etc. A grandeza do herói romântico decorre também do facto de entrar em conflito com a
sociedade, numa luta desigual, por recusar as regras e convenções que esta impõe. A rebeldia termina
geralmente em desgraça ou frustração profunda.
Simão Botelho encarna a figura do herói romântico. O protagonista dedica a vida a um amor
idealizado e sem limites, por ele enfrenta a autoridade dos pais e as regras sociais e, por não ser possível
realizá-lo, acaba por morrer. Mas a elevação de carácter da personagem reside também noutros nobres
sentimentos e atitudes que o animam: a coragem que revela nos seus atos, a determinação, o seu
conceito de honra, o respeito pelos que não são da sua condição social (como Mariana ou João da Cruz).
Por exemplo, é sem hesitação que se entrega à justiça depois de matar Baltasar ou que, no cárcere, recusa
ser tratado com privilégios.
Por outro lado, o herói romântico é uma personagem de grande vitalidade, força e complexidade
interior. Traça um grande plano para a sua vida e dedica a existência ao cumprimento desse objetivo.
Simão Botelho move-se pelo ideal do Amor (do seu amor por Teresa) e sacrifica toda a vida a esse ideal. A
sua complexidade decorre das contradições e dos conflitos interiores
O herói romântico é também uma personagem que se define pelo seu isolamento existencial:
individualista e egocêntrico, Simão distingue-se e demarca- se das demais personagens e existe num
mundo que é só seu e diferente do dos outros homens

- O herói romântico - As heroínas românticas


• Excecionalidade • Mariana:
• Força de sentimentos o Nobreza de sentimentos: (sofre em silencio por
• Individualismo amor; generosidade, dedicação)
• Egocentrismo o Indiferença em relação à sociedade
• Esperança o Morte por amor
• Idealismo • Teresa:
• Confronto com a sociedade o Nobre, jovem, pura e frágil (mulher-anjo)
• Desilusão / Frustração o Sentimentos fortes (amor-paixão), recusa da
autoridade paterna

• OBRA COMO CRÓNICA DA MUDANÇA SOCIAL


Para além do amor existem outras questões sociais que ganham especial relevância na novela, como a
noção de honra, as falsas virtudes ou a condição da mulher no início do século XIX.
Na verdade, Amor de perdição assume-se como uma crónica da vida em sociedade e dos costumes
desta época de mudança social e política na transição do Antigo Regime (Absolutismo) para a Época
Moderna do Liberalismo.
Na narrativa encontramos dois sistemas de valores, ideias e entendimentos do mundo em confronto:
• noções de honra, de privilégio das classes sociais dominantes, de autoridade familiar e de (falsa)
virtude cristã, associados ao Antigo Regime;
• valores de liberdade, igualdade, justiça social, que o Liberalismo e o Romantismo vêm reivindicar.
O narrador denuncia e satiriza os valores caducos da sociedade antiga (isto é, anterior à Revolução
Liberal) e os comportamentos sociais condenáveis - sobretudo da velha nobreza e do clero - tais como a
falência da justiça, as práticas dos membros da Igreja (recordem-se as freiras do convento onde Teresa é
encerrada), a noção de autoridade paterna (de Domingos Botelho e de Tadeu de Albuquerque)

- Crónica como mudança


• Critica à sociedade do século XIX
• Sentimento de revolta e
desencanto face ao país
• Antagonismo entre a honra dos
protagonistas e a moral social
decadente e anacrónica

• LINGUAGEM, ESTILO E ESTRUTURA

- O NARRADOR
• O narrador é uma entidade que existe no universo da história e que relata a ação. Contudo, em
casos como o de Amor de perdição, podemos associar o narrador à figura do autor, que
assume ser o sobrinho de Simão Botelho na frase final da novela: “A última pessoa falecida, há
vinte e seis anos, foi Manuel Botelho, pai do autor deste livro”.

• O narrador é não participante; ainda assim, não relata a história de forma imparcial e neutra.
Na verdade, a narração é acompanhada por juízos emitidos sobre as personagens e sobre a
sociedade. O narrador apresenta a sua opinião, tira conclusões sobre episódios da intriga e
desenvolve reflexões e críticas sobre comportamentos sociais. Não raro estas intervenções
assumem a forma de julgamentos morais.

• Em vários momentos, este narrador dirige-se diretamente a um narratário, que ele designa por
“a leitora” ou “o leitor”. Desta forma cúmplice, envolve os leitores na avaliação do mundo e das
personagens da intriga e veicula as ideias centrais da obra

- OS DIÁLOGOS
• A linguagem é dominada por um nível de língua corrente, mas outros níveis de língua intervêm,
consoante o enunciador que produz o discurso. Consequentemente, a par de um léxico corrente
encontramos palavras de um nível culto, mas também vocábulos populares e regionais.

• Dominam na novela a frase curta e a coordenação, que contribuem para conferir ritmo e
vivacidade à narração dos acontecimentos. Também há a escolha cuidada dos verbos; e o efeito
de antepor o verbo às restantes palavras da frase (“Conseguiu ele, sempre balanceado da
fortuna, transferência para Vila Real”). Já o adjetivo é usado com moderação.
• Quanto ao uso de recursos expressivos destaque-se a subtileza da ironia na crítica social
veiculada pelo narrador ou por algumas personagens. Por outro lado, a metáfora é
frequentemente usada para exprimir os sentimentos das personagens.

• Os diálogos são também momentos em que as personagens se expõem e, por isso, revelam-se
situações privilegiadas de caracterização direta e indireta (através de comportamentos, da
linguagem, etc.).

- A CONCENTRAÇÃO TEMPORAL DA AÇÃO


• A ação da novela é narrada de forma linear, relatando-se os acontecimentos por ordem
cronológica. Há, no entanto, momentos de retrospetiva (analepse), em que se narram
antecedentes da ação. Por exemplo, quando, no Capítulo I, se dá conta de antecedentes da
família de Simão.

• Não há uma proporcionalidade entre o tempo cronológico e o tempo da narrativa:


inicialmente os acontecimentos são relatados em ritmo acelerado (o Capítulo I dá conta de
momentos da história da família ao longo de quatro décadas). Os demais capítulos centram-se
na vida de Simão Botelho e nos seus amores por Teresa. Aqui, os acontecimentos espraiam-se
por um período de cerca de três anos (de 1804 a 1807).

• Encontramos uma evocação dos sentimentos e dos factos passados pelos dois amantes. O
tempo psicológico manifesta-se aqui e traduz-se nos períodos de reflexão das personagens
(quando pensam um no outro) ou na espera de correspondência.

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