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O LIVRO DO ECLESIÁSTICO

O livro do Desde os primeiros


ECLESIÁSTICO coloca ao tradutor séculos do Cristianismo até há
e ao leitor vários problemas pouco tempo, o nome mais comum
difíceis. É um livro muito usado no para designar este livro era
judaísmo; especialmente citado no “Eclesiástico” (do latim
Talmud, exerceu bastante “Ecclesiasticus liber”), o que
influência na liturgia judaica (festa significa o livro da igreja ou da
do Grande Perdão; Oração das 18 assembléia, por antonomásia. São
Bênçãos). Apesar de ser estimado e Cipriano, falecido em 248, parece
usado pelos cristãos e de fazer ter sido o primeiro a usar esse
parte da coleção dos livros nome, devido ao uso que dele se
religiosos em Alexandria, os fazia na Igreja antiga. Com efeito,
cristãos dos primeiros séculos de entre os Livros Sapienciais, é
tiveram alguma hesitação em este o mais rico de ensinamentos
relação a ele, provavelmente por práticos, apresentados de um
causa da história complicada da modo paternal e persuasivo.
sua transmissão e pelo fato de não Apesar de se lhe chamar
ter sido integrado no Cânon também “Sirácide”, derivado de
judaico. É, portanto, um livro uma forma alternativa de “Sira”,
Deuterocanônicos. os principais manuscritos gregos
NOME usam o título de “Sabedoria de
Jesus, filho de Sira” (51,30), ou (50,1-21). Para a identificação de tal
então, “Sabedoria de Sira”. Porque Simão com Simão II é decisiva a
o texto considerado pela Igreja notícia que nos é dada pelo
como canônico é o grego, parece tradutor grego da obra, filho ou
aceitável a adoção moderna de neto do autor, que escreve por
livro de “Sirácide” ou de volta de 132 a.C., correspondente
ECLESIÁSTICO como título, ao ano 38 de Ptolomeu VII
apesar da longa tradição do uso de Evergetes (ver Prólogo).
” Ben Sira”. O livro deve ter sido
escrito por volta de 180 a.C. e antes
AUTOR E DATA da trágica situação que começa
Excetuando os escritos com a destituição de Onias III,
proféticos, é este o único livro do filho de Simão, em 174 a.C., a
Antigo Testamento do qual temos quando da violenta perseguição de
a certeza de conhecer o autor: Antíoco Epifânio (175 a.C.) e da
“Sabedoria de Jesus, filho de Sira”, conseqüente sublevação dos
como vem assinalado no fim, em Macabeus (167 a.C.). O próprio
jeito de assinatura (51,30; ver ECLESIÁSTICO nos fornece
50,27). Segundo muitos autores, alguns dados sobre a sua
terá assinado a sua própria obra, identidade e o seu trabalho. Em
por influência helenística. 51,23 fala da própria escola e
Jesus Eclesiástico, ou convida os ignorantes a
Sirácide, terá vivido em Jerusalém inscreverem-se para poderem
(50,27) no início do séc. II a.C., adquirir gratuitamente a sabedoria
como se pode deduzir do louvor (51,25).
que faz a Simão, Sumo Sacerdote
O período em que toma consciência de que esse novo
ECLESIÁSTICO compõe a sua movimento de idéias e de
obra e estabelece, na sua própria costumes se opõe a certas
casa, uma escola de formação exigências fundamentais da
sapiencial, está profundamente religião judaica (2,12-14). Com
marcado por uma forma de outros judeus piedosos, pressente
civilização que se chama o fim da coexistência pacífica entre
“helenismo.” É uma forma nova de o helenismo e o judaísmo e prevê o
vida, cuja expansão no Médio momento da cisão entre as duas
Oriente ocorreu depois de visões diferentes do mundo.
Alexandre; caracterizava-se Em 198 a.C., depois da
essencialmente pela convivência batalha de Pânias, a Palestina
de culturas, pelo sincretismo passou do domínio dos Ptolomeus
religioso, por um universalismo do Egito para uma outra, mais
que tende a abolir as fronteiras de hostil, dos Selêucidas de Antioquia
raças e de religião, pela da Síria. Antíoco III (223-187) e o
glorificação das forças da natureza seu sucessor Seleuco IV (187-175)
e pelo culto do homem. ainda foram bastante favoráveis
Perante o dinamismo e a aos judeus, concedendo-lhes
expansão sempre crescente do privilégios e isenções,
helenismo na própria Palestina, o contribuindo até, pessoalmente,
judaísmo começou a sentir para as despesas do culto no
ameaçada a sua própria existência. templo (2 Mac 3,3). Mas a situação
E ECLESIÁSTICO, apesar da sua política precipitou-se rapidamente
abertura de espírito em relação a com Antíoco Epifânio (175-164),
certos valores do mundo grego, que, devido ao jogo de influências,
destituiu Onias III do cargo de Originariamente,
Sumo Sacerdote e desencadeou ECLESIÁSTICO foi escrito em
uma violenta perseguição contra hebraico; mas esse texto, perdido
os seus opositores. durante séculos, só foi descoberto
Esta situação política a partir de 1896 na velha sinagoga
posterior a Eclesiástico, aliada à do Cairo, em diversos fragmentos
situação religiosa e cultural acima de vários manuscritos medievais.
descrita, viria a provocar a Mais tarde, outros pequenos
sublevação judaica chefiada pelos fragmentos foram encontrados
Macabeus. Foi precisamente numa gruta de Qumrân. Em 1964
perante a invasão avassaladora do foi encontrado na fortaleza de
helenismo que ele escreveu para Maçada, junto ao Mar Morto, um
defender o patrimônio religioso, longo texto que abrange 39,27-
histórico, sapiencial e cultural do 44,17, numa escrita do início do
judaísmo, a sua concepção de século I a.C.. O texto hebraico
Deus, do mundo e da eleição ainda foi conhecido por São
privilegiada de Israel. Neste livro Jerônimo, que faleceu em 419.
procura convencer os seus Felizmente já havia, pelo
compatriotas de que possuem, na menos, uma tradução grega, feita
sua Lei revelada, a sabedoria no Egito pelo neto do autor. Foi
autêntica e, por isso, não devem esta que entrou para a Bíblia grega,
capitular perante o pensamento e a sendo depois aceite pela Igreja
civilização dos Gregos. como texto canônico. O autor da
tradução acrescenta-lhe um
TEXTO prólogo. Hoje reconhecem-se dois
estados do texto hebraico: um
antigo, que serviu de base à versão por um elogio da sabedoria.
grega feita no Egito por volta de Alguns autores apresentam outra
130 a.C. (texto grego I); outro mais divisão, também em duas partes,
recente, revisto na perspectiva das depois do Prólogo: uma primeira
idéias farisaicas, entre 50 e 150 da propriamente sapiencial, segundo
nossa era, e utilizado para uma o gênero e o estilo dos Provérbios
revisão do texto grego, entre 130 e (1,1-42,14); e uma segunda, que é
215 da nossa era (texto grego II). A mais de meditação sobre as obras
versão siríaca estará ligada ao de Deus na Criação e na História
texto hebraico revisto. (42,15-50,29). É a que seguimos
O texto seguido nesta nesta edição.
Bíblia é o tradicional da tradução
grega dos Setenta (texto longo), TEOLOGIA
inclusivamente entre os capítulos O livro de
30 e 36, onde algumas traduções ECLESIÁSTICO testemunha uma
optam pela ordem da Vulgata e do época de transição onde já se
Siríaco. Colocamos em itálico as começam a esboçar os traços
passagens do texto longo. Os característicos do judaísmo como
algarismos entre parênteses forma evoluída de religião bíblica.
correspondem a linhas do texto Trata-se de um judaísmo
original. poliforme, onde o próprio
cristianismo viria lançar raízes.
DIVISÃO Mas é diferente da tendência
O livro pode dividir-se rabínica posterior, a que o ramo
pelo menos em duas etapas: 1-23 e preponderante do farisaísmo,
24-50, começando cada uma delas especialmente a partir de 70 da
nossa era, viria dar um aspecto sabedoria e a Lei de Deus (24,23) é
monolítico. a afirmação mais inovadora e
Do confronto helenismo- característica de ECLESIÁSTICO,
judaísmo, ECLESIÁSTICO assimila tal como é inovadora a inserção da
o que considera bom e compatível História no gênero sapiencial.
com a sua fé; mas rejeita o que se A série de personagens da
opõe à essência da fé judaica e História de Israel, cujo relato se
alerta para os perigos da cultura apresenta na parte final do livro
envolvente e dominante. A (44,1-50,21), tem o objetivo
respeito do Cânon das Escrituras, pedagógico de despertar o orgulho
o Prólogo menciona já a divisão em pertencer a um povo de
tripartida “Lei, Profetas e os outros grandes homens. Porque eles
livros” (ver 39,1-3), e o próprio seguiram a palavra de Deus com
livro cita ou menciona mais ou toda a fé e coragem e foram bem
menos diretamente muitos desses sucedidos, são uma lição para o
livros sagrados. povo e serão sempre lembrados na
O autor faz ainda uma posteridade.
síntese da religião tradicional e da ECLESIÁSTICO defende a
sabedoria comum, à luz da sua fé tradicional do seu povo: Deus é
própria experiência. O tradutor eterno e único (18,1; 36,4; 42,21), é
grego quis tornar este manual de autor de uma criação perfeita,
conduta acessível a todos aqueles apesar dos seus mistérios e
“que, em terra estrangeira, querem contradições aparentes (42,21.24);
instruir-se, reformar os seus e, diante dela, o próprio
costumes e viver segundo a Lei” Eclesiástico, como o salmista,
(Prólogo). A identificação entre a enche-se de um especial
entusiasmo (39,12-35; 42,15-43,33). preciso que os amigos do saber
Deus tudo conhece (42,15-25); “Ele possam também ser úteis aos de
é tudo” (43,27), governa o universo fora, tanto por palavras como por
com justiça e prudência (16,17-23) obras escritas.
e retribui com equidade (33,13); é Foi por isso que Jesus,
misericordioso, capaz de perdoar e meu avô, depois de se ter aplicado
de salvar no tempo da aflição com afinco ao estudo da Lei, dos
(2,11); é Pai, não apenas de Israel, Profetas e dos outros Livros dos
de quem é o Deus único (17,17-18; nossos antepassados, e tendo
24,12), mas também de cada adquirido neles uma grande
indivíduo (23,1). Esta concepção ciência, quis também escrever
constitui um progresso alguma coisa de instrução e de
considerável na teologia do sabedoria, a fim de que as pessoas
judaísmo. desejosas de aprender,
familiarizando-se com essas coisas,
PRÓLOGO DO TRADUTOR pudessem progredir ainda mais
GREGO em viver segundo a Lei.
“Muitos e excelentes Sois, portanto, convidados
ensinamentos nos foram a ler este livro com benevolência e
transmitidos pela Lei, pelos atenção, e a ser indulgentes pois,
Profetas, e por outros Escritos que não obstante todo o engenho com
se lhes seguiram; e, por causa que nos aplicamos, parece não
disso, convém louvar Israel pela termos conseguido traduzir
sua instrução e pela sua sabedoria. adequadamente a ênfase de certas
E, como não se deve aprender a expressões, porque as coisas ditas
ciência apenas pela leitura, é em hebraico perdem muita da sua
força, quando traduzidas em necessário trabalhar com cuidado e
língua estrangeira. E isto não zelo para traduzir este livro.
acontece somente com este livro, Durante esse tempo, empreguei
pois também a Lei, os Profetas e os muitas vigílias e muita ciência, a
outros Livros são muito diferentes, fim de concluir e publicar esta
quando se compara a versão com o obra, para utilidade dos que, em
texto integral. terra estrangeira, querem instruir-
No ano trinta e oito do se, reformar os seus costumes e
reinado de Evergetes, cheguei ao viver segundo a Lei.”
Egito e, tendo ali permanecido Fonte:
algum tempo, observei uma http://www.catequisar.com.br/texto/m
diferença não insignificante na ateria/biblia/curso/curso1/27.htm

instrução. Por isso, julguei muito

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