Você está na página 1de 9

A COLONIZAÇÃO DA

História da América Colonial e


A MÉ R I C A : U M ME C A N I S MO
Independente - Capítulo 5
D E C O N Q U I S TA D O
TERRITÓRIO
O declínio dos impérios

Como foi possível que grupos tão organizados e numericamente superiores fossem dominados pelos
europeus recém chegados?

A resposta para esta questão está na soma de diversos aspectos, muitos deles anteriores a chegada dos
europeus.

A autora Marianne Mahn-Lot (1990) inicia a análise destas questões por um dos argumentos muito
utilizados: a superioridade dos armamentos. Para ela, não podemos superestimar este fator, pois apesar
das armas de fogo causarem terror e pânico entre os indígenas que não conheciam a pólvora, não eram
apropriadas para o tipo de guerra na América, e assim como os cavalos, tinham um efeito mais psicológico.

Outro fator foi o trauma. A princípio de ordem biológica, pois só a chegada dos europeus, mesmo antes de
qualquer ataque, provocava um choque microbiano e viral que se traduzia por epidemias assustadoramente
assassinas para os índios.

Assim como as doenças, o choque mental também foi extremamente forte. A própria experiência de
encontrar homens vindos do mar em naus, com roupas estranhas, couraças, barbudos, armados com fogo
que explodiam, tinha algo de aterrorizante e ao mesmo tempo fascinante.
Outro choque foi o trabalho excessivo imposto aos vencidos, onde o desconhecimento da cultura original
destes povos, com regras próprias, foi traumático.

Um dos fatores mais importantes para entendermos o sucesso da conquista europeia, e que podemos
considerar como um consenso entre os autores, foi o auxílio/uso/exploração de grupos indígenas rivais
contra os seus antigos opressores.

Se tomarmos como exemplo a queda do império inca, vermos que começou com a morte de Wayna
Kapaq, em 1528, isso fez com que a luta pelo poder entre seus dois filhos (de mães diferentes),
desestabilizasse o Império. A sucessão deu início a uma guerra civil.

De acordo com Favre (1998, p. 84):


Se o Império inca não estivesse atravessando naquele momento mais uma das crises cíclicas que se
desencadeavam com a morte de cada soberano, os espanhóis não teriam certamente se assenhoreado
dele com tanta facilidade.

Da mesma forma Cortez não teria conseguido conquistar o México sem seus aliados Tlaxcaltecas. Em
todas as operações de exploração e pacificação, os auxiliares índios constituíam, e de longe, o grosso
das tropas. Não apenas lutavam com obstinação, mas, nas regiões onde não havia animais de carga,
eram eles quem traziam as provisões, encaminhavam as peças de artilharia etc.
Conquistar ou colonizar?

O autor J. H. Elliott (1998) afirma que no contexto dos séculos XV e XVI, conquistar podia significar assaltar,
saquear e seguir adiante. Mas também, podia significar colonização.

No primeiro sentido concebia a riqueza de uma forma dinâmica, ou seja, mais relacionada à posse de objetos e
bens fáceis de transportar como pilhagens, metais preciosos, gado, e também o domínio sobre outros grupos
(vassalos), mas não a posse da terra em si. Já no segundo sentido dava primazia à ocupação e exploração da terra.

Em uma sociedade cujas estruturas estão em transição, saindo de laços feudais, temos que levar em conta um fator
muito importante: a possibilidade de ascensão social. “Mobilidade implicava aventura, e aventura em uma
sociedade militar aumentava enormemente as oportunidades de elevar a própria posição aos olhos de seus iguais”
(ELLIOTT, 1998, p.138).

Para dar continuidade a empreitada foi necessário o estabelecimento de uma série de tratativas (Bulas Inter
coeteras; Eximiae devotionis; Dudum squidem) entre as Coroas Ibéricas, tendo a Igreja como mediadora. Foi
assinado o Tratado de Tordesilhas em 1494, que regulamentou a “partilha do mundo” entre Portugal e Espanha,
definindo que aos primeiros pertenceriam as terras situadas aquém de um meridiano traçado de polo a polo e
passando a 370 léguas a oeste das Ilhas de Cabo Verde; aos segundos ficariam as terras localizadas além do
referido meridiano.
As outras nações não aceitaram caladas estas divisões. O Rei da França, Francisco I, teria dito: “Gostaria que espanhóis e
portugueses me mostrassem onde está o testamento de Adão, que divide o mundo entre Espanha e Portugal” (PINSKY et al,
1998).
A assinatura do Tratado de Tordesilhas evitou, por um tempo, o conflito entre as monarquias ibéricas, permitindo o
prosseguimento da expansão ultramarina.

Colonização de Hispaniola: um exercício para o continente

Em 1501 Nicolás de Ovando foi outorgado pela Coroa como Governador das Índias (Antilhas) e veio para administrar
Hispaniola (São Domingos), e muitas de suas tentativas de colonização da Ilha se tornaram o modelo seguido no império
espanhol.

Um dos primeiros problemas enfrentados era o de como impor estabilidade em um mundo em transição? Recentemente
invadido, o paraíso dos indígenas já dava sinais de colapso: as doenças, a falta de alimentação e consequentemente de mão
de obra. Uma realidade bem conhecida pelos homens europeus, que fugiam de situação muito semelhante na Europa.

A possibilidade de acumular riquezas, aliada ao desejo de conquistar honras, acabou por tornar a colonização da América
espanhola muito mais complexa do que a Coroa havia pensado. Para Elliott (1998) lidar com a indisciplina “endêmica” de um
bando de espanhóis cujo único pensamento era a riqueza fácil, mostrou ser uma tarefa árdua aos representantes dos reis aqui
na América.
Duas frentes de ocupação haviam sido lançadas: a primeira delas, fixa, para colonizar as ilhas e
estabelecer um ponto de partida para o continente; e a outra, dinâmica, para reconhecer, conquistar
terras, ouro e as gentes, ou seja, a base da dominação espanhola.

Segundo Jaime Pinsky et al. (1994, p. 42) a dominação espanhola estabeleceu-se a partir da extração
mineral, secundada por uma agricultura de subsistência e de um complexo comercial que permitia a
chegada dos minerais à Espanha e dos produtos europeus à América colonial.

Depois de encerrados os processos de conquista dos territórios, principalmente dos Estados Asteca e
inca, e das populações que os ocupavam, estabeleceu-se um relacionamento entre a Espanha e a
América que ficou conhecido como sistema colonial mercantilista.

Os espanhóis haviam se voltado às Antilhas com um objetivo muito claro: procurar ouro. As primeiras
tentativas de instalação não deram certo. Buscando reestabelecer a colonização foi proposto aos colonos
construir uma cidade, plantar suas culturas, criar seu gado e instalar uma cadeia de armazéns bem
defendidos.

Mas o projeto não saiu conforme o esperado e o sonho se diluiu. Um dos problemas centrais da
colonização já ficava evidente: a falta de mão de obra.
A resposta a esta questão foi a escravização dos índios. Porém, os indígenas foram considerados pela Igreja
e pelo Estado como pagãos e não como infiéis, e, portanto, não poderiam ser escravizados, pois eram “livres
e não sujeitos a escravidão” a não ser se fossem aprisionados em uma “guerra justa”.
E então as “guerras justas” iniciaram tanto nas Ilhas como no continente...

O resultado extremo deste processo foi a total extinção de muitos grupos que ocupavam a costa do México,
deixando algumas ilhas completamente despovoadas.

Tentativas de substituir o trabalho escravo pelo voluntário pago não deram certo, como era de se esperar em
uma sociedade que desconhecia totalmente o conceito europeu de trabalho (ELLIOTT, 1998). E em 1503 a
Coroa aprovou um sistema de trabalho forçado, pelo qual o governo teria liberdade para distribuir a mão de
obra indígena, sendo pago salários aos que recebessem essa consignação.

O repartimiento, distribuição dos índios aos concessionários, trazia uma série de obrigações para com a
coroa, dentre elas a responsabilidade de cuidar dos índios e instruí-los na fé cristã. Este sistema lembrava a
encomienda, porém não incluía a distribuição de terras ou de arrendamentos.

Era, segundo Elliott (1998), simplesmente uma concessão pelo Estado, de mão de obra compulsória,
vinculada a responsabilidades específicas dos encomenderos, que para receber tal concessão deveriam ter
propriedades com uma residência urbana.
Era uma forma de incentivar a instalação de espanhóis em pequenas comunidades urbanas, sob o olhar atento do
seu cabildo (conselho da cidade). Só tinha direito ao repartimiento os vecinos, ou seja, cidadãos com plenos direitos.
Além dos índios destinados à encomienda, outros eram destinados ao serviço nas casas das famílias espanholas, os
naborías.

Outra medida tomada por Ovando em Hispaniola foi o incentivo da produção da cana-de-açúcar (sucesso nas
colônias portuguesas) e a criação de gado. Para ele, tais medidas afastariam os homens da busca incessante pelo
ouro e os amarraria à terra.

Aos poucos o projeto de Ovando foi dando certo e a Ilha de Hispaniola passou de entreposto para tornar-se uma
colônia. Porém, as “guerras justas” para obtenção de mão de obra para a encomenda acabou por dizimar a
população de várias ilhas do entorno, levando os “colonos” a ir cada vez mais longe atrás dos índios, levando consigo
esse processo destrutivo de captura, exploração e extinção. Cada vez chegavam mais imigrantes e a situação
piorava a olhos vistos.

A solução para este novo/velho problema, que era a falta de mão de obra, foi solucionado trazendo africanos
escravizados para a América espanhola. Tal medida, em um primeiro momento não trouxe os resultados esperados,
mas proporcionou o estabelecimento de uma nova e lucrativa atividade: o tráfico de escravos. Com os africanos
escravizados trabalhando nas atividades antes indígenas, a base da economia das ilhas estava mantida, o que
liberou os conquistadores para uma nova empreitada, a preda e captura dos índios no continente.
Universidade Luterana do Brasil - ULBRA. História da América
Colonial e Independente. Vários Autores. Canoas: livro digital, s.d.

GOMES, Juliane Maria Puhl. A Colonização da América: um


Mecanismo de Conquista do Território. Capítulo 5, p. 86-104.

Você também pode gostar