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Diário Digital DIRECTOR: PEDRO CURVELO

16-08-2011 às 22:08

Portugal na Balança da Europa e do Mundo


Por Samuel de Paiva Pires *

Em 1830, Almeida Garrett publicava em Londres uma das suas emblemáticas obras de teor político, intitulada “Portugal na Balança da Europa – Do que tem sido e do que ora lhe convém ser na nova
ordem de coisas do mundo civilizado”. Dedicando-a à Nação Portuguesa, Almeida Garrett principiou a sua obra afirmando que “É sem duvida a servidão o mais insuportável dos males e o mais abomináve
dos flagícios: como nascidos que somos para a liberdade, nossa própria natureza a ela repugna; a existência se nos torna indiferente, e a morte que a termina lhe deve ser preferível”.
Chegamos ao actual estado de coisas com a nossa liberdade cada vez mais reduzida, obrigados à submissão para que nos seja possível sobreviver, sem alternativa a uma das mais permanentes
características da nossa política externa que é a gestão de dependências, e regressados ao centro de um complexo tabuleiro geopolítico como há décadas não acontecia. Inevitavelmente, surge no
horizonte a interrogação sobre a nossa viabilidade financeira enquanto estado soberano, agora que voltamos a ser bons alunos e até vamos merecendo nota positiva da troika FMI/BCE/CE, enquanto a
União Europeia vai navegando à vista nesta crise das dívidas soberanas, que arrisca fragmentar ou aprofundar o processo de integração europeia, em relação à qual também as palavras de Garrett
continuam actuais: “Somos chegados a uma crise da Europa, de todo o mundo civilizado; uma crise que há tantos anos se prepara, que tantos sintomas anunciavam próxima; cujos resultados desfarão
todos os falsos e forçados antigos equilíbrios políticos, e os estabelecerão novos e regulares”.

Mas, apesar dos contornos indefinidos quanto ao desfecho desta crise, ainda para mais agora que também Itália e França parecem estar à beira de sofrer cortes no rating das respectivas dívidas
públicas e, consequentemente, ver aumentar os juros cobrados para que se possam financiar nos mercados, o que realmente nos deve preocupar é que a viabilidade futura de Portugal depende, em
primeiro lugar, da nossa esfera política interna. O estado português carece de uma verdadeira reforma estrutural que diminua abruptamente o peso deste na economia, o que passa por extinguir milhares
de organismos, institutos, fundações e privatizar ou também fechar muitas das empresas do sector empresarial estatal. O Orçamento Geral do Estado para 2012 será a prova de fogo do actual governo
PSD-CDS, nesta matéria. Só isto permitirá libertar recursos e diminuir impostos, assim criando um ambiente de maior competitividade e de incentivo à iniciativa privada, o qual estamos condenados a
gerar se queremos que Portugal se mantenha enquanto estado soberano durante as próximas décadas. Se não conseguirmos gerar este ambiente, as empresas não produzirão, não gerarão riqueza,
poupança e investimento suficiente para nos permitir liquidar sustentadamente as dívidas que temos.

Contudo, na balança europeia e mundial, também a nossa política externa tem um papel essencial a desempenhar no processo de recuperação da nossa liberdade. Tendo sido completamente reorientada
com o advento da III República, poderá ter chegado a hora de a reorientarmos novamente. O vector europeísta da nossa política externa está cada vez mais esgotado, e esta, que sempre serviu para
que procurássemos no exterior recursos para nos desenvolvermos internamente, precisa de se virar para onde estes existem e onde, ainda por cima, os seus detentores nos são histórica e culturalmente
próximos. Sinais neste sentido têm aparecido nos últimos anos, com a valorização da cooperação com o Brasil e países da CPLP. Mas estas relações têm que ser reforçadas e têm que se concretizar e
reflectir materialmente, indo muito para além da retórica, por mais difícil que seja a reafectação de recursos internos no prosseguimento da nossa política externa. O Atlântico sempre foi o principal vector
desta, até 1974. Talvez esteja na altura de recuperar esta orientação, para que, como escreveu Fernando Pessoa, possamos cumprir Portugal.

Não será fácil, mas se há algo verdadeiramente constante na nossa História são as permanentes crises económicas, sociais e políticas em frente das quais nos soubemos reinventar. Cabe-nos,
reportando-me novamente às palavras de Garrett, “não nos iludir com aparências, não nos cegar com facilidades. Temos estorvos grandes que remover, obstáculos imensos que superar, grandes e
perplexas e quase inextricáveis dificuldades que deslindar e desembaraçar. (…) Venceremos, mas não sem trabalho. Havemos de triunfar, mas não sem sacrifício”.

* Nota: o texto publicado é da exclusiva responsabilidade do autor.

Do mesmo autor
Contra o processo de apagamento da identidade portuguesa em curso

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19/06/2016 22:50 19/06/2016 22:50


POH.'J'UG A 1.

. NA ll.\ J.A:'\C.\

••
DA EUROPA;
:DO Q\IE TEX 11 DO

'E "lfl1 qur tft'll lttt carcbtm itt" na nabK tft"'lftm "lfr
cahhu• lta nlunlJa cibílitalJa.

LONDRES:
S. W. SUSTI~l'\ANCE,
1621 PICC ADILLY.

1830.
I
A NACÃO POitTU<iUEZA,

Quando (lO!,, 6 vnrüc~ uthcuieo5e&, quando o qae ~o•


cumpre havei• de fazer , Quando alguma coi-a ac:con·
tecer? Quando a dcs::raça 'i, r! I: do pre&eutr et~tado
ele coi>u «JUill tlevc ser •os•n opit.ião? Eu por mim
jul~o qac para homena linel< oito ha maior desgraça do
que o dC>lhonra !JUc de 11eus feitoh lhe \Cm. Quererciij
roJJiinunr n oudo•· como vadios pela~ praças perguntan-
do uns a011 outroi: "0 <JUC ba de novo?"-E
que maior novidade pbde haver do que ~uhjugar o
I I
lllllccdonio os Athcuicn~es, c estar dando leis á
G1·ccia~-"JR morreria Philippe!" (ptTtpmta um)-
" lX•io (rtl}"t1Uic oucro) mt\8 eatú dl)cnte."-Quc vos iln.
porto. n v6a luo? P<>is, ac algum mal lhe nccontecel'
11 cllc, c6do TOS forei11 v6a wearuos outr<>
P IIi li p p t, ae d'atc n1odo cuidaia dali coisas; poia
nem a«[uclle, tanto por a u a a ft>r ç a i cresceu,
quanto pela o o 1 a a n eg li g coei L
DIUIO!TIII:!'f. l>IIILIPP. A .

Quuo dirigir c encommendar á minha naçilo um livro


que de puro amor seu foi cscriplo, para seu desengano e
illus•raçlto é publicado; c tomei por thema das poucas li-
nhas que para este fim ouso enviar-lhe, as memorandas
e eloqücnles palavras do maior orador dos antigos tempos,
do mais iitmoso campclio da liberdade, que na triuuna de
Atheuas fulminava seus tcrriveis inimigos, c a seus tibioo
t frou1os ami~;os com igualpodêr e E'ncrgia stimulava.
\'I

Nem que hoje e por algum ardente orador portugut'z


fossem escriptas, éstas palavras de Demosthenes seriam
mais proprias de nos.qo estado e calamidades,-da ver-
gonhosa im.lilferença em que, por desmoralizados e
corruptos, os Portuguezes cahiram e nlo ouiam Jevaruar-
se.
t sem dúvida a seni.ião o mais insupportavel dos males
e o mais abominavel dos ftagicios: como DaScidos que so-
mos para a liberdade, nossa propria natureza a ella re-
pugna ; a existencia se nos toma indilferente, e a morte
que a termina lhe deve ser preferível. Sentença foi
t!sta de outro grande orador da liberdade, Cicero.•
E este sentimento era tam profundamente gravado
no cornçio dos Romanost, que ainda depois de extincta
a republica se professava•n taes princípios: os quaes,
se a corrupçlo lhes quebrava toda a efficacia e valor,
todavia existiam, e eram, quando menos, veneraveis
relíquias do an~ao character naciooal.
D'essa fatal corrupção das sociedades nasce o maior

• Mon aervitute auteponeaà ftl : qaa albil est faediu aat


mi•erlua: cam ad dea11 et libertatem na li aimu: quam aut
temere, aut cum libertate rnorl debernu1,
CIClla, PUILIPP, 111.
&rvitaa poatremam malorum omnlam, non modo beno,
•ed morte etiam repelleadum.
Cacaa, PBJLJPP. U.
t Quem Jnpiter odit, senam bane prlmum f'acit.
PL.&UT. AMPUTa.
\"li

inimigo da liberdade, o i 11 di rfc r c n tis mo. Quan-


do uma naçllo pervertida e podre chega n cahir u'~ste ~­
tado paralytico, nem ha que esperar para a libPrdade
nem que rcceiar para o despotismo.... i\Tas a Providencia
que rege este universo, e que para sua eterna ordem cqüi-
librou em todas as partes d'cllc os males com os bens,
paraque, sendo diversas suas relações, resultasse o bem
geral da diYisio e repartição de uus c outros,-a Provi-
dencia permittc que quando n'esse apathico estado len-
tamente agoniza um povo, apparcça, para d'cllc o tirar, um
agente poderoso que lhe sirva de <:astigo e de rcmcdio,
um tyranno cruel e sangüinario, que é para essa ínfcrmi-
dadc moral como os estimulantes fortes para a molcstia do
physico abatimento.
Esse beneficio da J>rovidencia foi para ti, nio duvides,
ó Naçlo Portugueza, o flagello da írn de Deus que ha dous
annos te consomme : foi D. 1\Iiguel que te veio castigar
de tua criminosa indilferença e cedo te restituirá ao estado
de vigor e energia que so póde comportar o alimento sio,
sólido e nutriente da liberdade.
!\las tomae tento que, extincto esse, vos nlio creeis vós
mesmos o u t r o .l\1 i g u c I. Como o Philippe dos
Athcnienses, lambem esse nlio cresceu tanto por .mas pro-
pria.r f6rçw quauto pela nossa negligcnciu.
Nlio vos queixeis da fortuna; que ella muito nos tent
favorecido; c mais clla de nó~, dOfJU!l 11~ de nós propri~s
t"cmos cuidado. •

• Uf.)IO•TR. I'HILII'I'. A.
VIII

Ponde os olhos no po' o tr.111crz, no !!randt!-po\'0, no po·


\'O modcllo dos outros povos : c vere1s fJuanto pôde a so,

des:~judada e des:~rmada mrça de uma n:~çào que ousa que-


rer, e fortemente sabe q••ercr ser livre. lruitac-a n'es.~
deliberada c resoluta vontade; imitac..a em !'CU "-alor na
pdeja, em su.1 constancia quando vencida, na modera-
çlfo quando vencedora.
Em rlous .grandes escolho!! se p<!rde a liberdade ; na
tibieza com que se defende, ou na demazia com que d'ella
~e goaa : evitemos um c outro.
Somos poucos e pequenos; mas nem so para as grandes
nações crcou Deus a liberdade : antes, mais facil vemos
em toda a historia manter-se ella nos menores do que
nos maiorl'S Estados.
l~"puls:trcis o abjecto tyranno que ainda é maior nodoa
de vossa honra doquc flagello de vossa exi~tenci:.. Ex-
pulsá-lo-heis: mas outra vc7 \'O!! repito as p:.lavros de
Demosthenes, gravae-a!l no coração, trarei-as presentes
cempre na memoria :-" Cedo t·os farcil t•ús mesmot
o tr t r o P h i i i p p c sr, romo utequi /,at•ciljet'to, CO'flti-
nuarcltj a nridar n.uim de t'OSSUJ coi.m.,, •

• lht MOnn , ilohl ,


PHOI.Ot:O.

P E~S.\to fJUC hoje dou ao público é obra du longo tra·


l•:alho, c que desde os fins de 1825 se começou a escrever.
~cm por isso é mais perfeita, porque a espaços foi inter-
rompida, muitas vetes obandvnada, muita, alte;.;do o ~
plano, outras muitas cmfim continuada ~cm nexo, com
rcflcxõc:; s(,Jtas, n mii"1do incompletas.
De seu coml:ço núo foi dcstin:\11:\ a ver luz d'imprenst ;
era um i\I c mo r a n dum politico para com.crvar no papel
o que ú memoria ou rcilcliJlo acudia,e so pua uso ou lem·
brança do nuctor se ia escrevendo. Nos primeiros meses
de 1826, ro;nuo de um meu muito particular e cxcel-
lente amigo, cujo nome tanto me pêza nâo estampar aqui
para crt'<iito <.la ul.>ra c s:1tisfacçào <.lo auctor, -dei para s~
inserir em uma puiJiicaçiw IlOrtu:;ucza que então se fazia
cm Londres, parte de meu trabalho-o que na presente
cdiçiio (.-onstituc a primeira sccçlio d'ellc. • Em dous
jorule." que de I '.!6 a 27 se publicaram cm Lisboa. o
PoRTUOUEZ c o Cuno:-.tsTA, os quacs muito me !!lorio
de haver ruodado, C dctlOÍS cm ma,.i ma parte sustentado C

• l'oi com 110uca dill'cnmçn publi<';ulo cm uw número do


l'••pular de I t;2o..
X

dtrigido, inseri acaso algumas folhas uo meu i\1 em o r a n-


d um, o menos desfiguradas e descompostas que a fradesca
tesoira da censura as deixou. Mais algumas se estampa-
ram depois interpoladamente em outras composições pe-
riodicas que cm Londres sabiam ha dous annos.
As circumstâncias do tempo em que estes extractos de
meu l\1 em o r a n dum viram luz pública, as fizeram
muita vez apparecer tr:msmudadas do que originalmente
eram e se escreviam. !'tias ver-se-ha quanto sahiu
certo quasi tudo o que ahi se dizia, nlio porque o
auctor fosse prophela ou presuma se-lo, mas porque se
deu o trabalho de examinar as coisas e conhecer as pes-
soas, e com a mestra historia na m!lo, calculou a possibili-
dade das conseqüencias.
O fim que ora me proponho em publicar este quadro de
factos eJ observações é pôr bem presente na memoria dos
Portuguezes as causas e os effeitos de nossos erros e desgra-
ças, paraquc no futuro se emendem uns, c se evitem as
outras.
Diz-se,-e diz-se por calumniosos inimigos, assim co-
mo por loucos amigos-que a naçiio portugueza nlio está
preparada para a liberdade. Qual é o homem ou o povo
que não esteja preparado para o natural estado do homem
social e da sociedade ?-l\las o gov~rno representativo
sem o qual, no presente modo-de-ser das nações, a liber-
dade fora castigo c llagcllo, que não bençlro e gôso,-o go-
vêmo representativo, accrescenlam, requer educaçiio pro·
pria especial, exige illustração no povo; c nem todos m.

povos estio n'csse ponto; portanto nem todos preparadoi


pam receber instituições livres. •
O argumento é spccioso, e como tal a muitos seduz:
mas a raz.ão o dcstroi, c a c.xpcricncia o desmente. Quem
assim argumenta parece suppor um tempo, uma epocha
prévia ao estabelecimento do gov~rno representativo, du-
rante a qual o povo se estivesse educando para elle. Ora
n'csc;e tracto de tempo algum havia ser o gov~rno que
esse povo n.>gcssc: e ci:Jro está que nlo podia ser o libe-
ral. Era cntlio debaixo do despotismo que o povo se
estaria educando para a liberdade? E certo, a verificar-se
tal hypothese, scría esse o melhor methodo de consolidar
a liberdade das nações, de formar os costumes, de ar-
raignr os habitos constitucionaes. A historia nos deixou
um grande t'Xemplo cm Lycurgo; c nlguns políticos nos
querem f.ucr nccrcditar que o actual rei de Prussia re-
nova cm llerlin o exemplo de Lacedemonia. Ainda
porêm admittindo este último, quantos ha d'csscs exem-
plos l Em r~ra, uma naç!io que recobra a liberdade,
por seu proprio impulso, csfôrço c vontade o faz: que
lhe resta para essa prepara)ii.O tam fallada! Os ha-
bitas constitucionacs : ~ so practicando, se adqüirem:
quanto ao mais, polo facto de procurar, desejar c proclamar

• Al;::umt.s H'ZCI se dcsinvoh·cu c comhatcu ésta mesma


i•lra no citado Jornal O l'oTtU&Ut: : muita!! ele• figurou a cenaura
., qu" se cscre,ia, e muilu outra' o ~>urprlmiu intclrarucutc.
.xir

a lii.Jcnl.idc, para clla ficou prep.1rada, c mostrou que a me~


reci:t.
Quem preparou Roma para n liberdade? Quem edu-
cou para a republica esses lavradores-soldados que so in~
tendiam da charrua c da espada ? Qual era a illustraçãc .
de Fabricio e Cincinnato ?
Mas, di1.em, esses exemplos n:~da valem; nós somO!.
gente mui diversa; é t!rro argumentar para as naçõc.c; mo-
dernas com
Gregos, Ruru!ios c tudo n outra ~:ente. •

-Supponhamos, dêmos isso de barato, ja que assim o


querem, c ftira longo, nlto diRicil, mostrar o contrário.
Perguntarei : que t;d era a instrucção dos Lombardos, dos
Florentinos, dos Pi~anos, de todos cs-;cs povos que nos
scculos de barbaridade c profunda ignorancia, emquanto
o papa dava c tirava coroas, a inquisiçlio e S. Domingos
n<~S:wam hcrejcs c frigiam schismaticos, cstabeleccrnm
essas rC'publicas d'J\alia, d'ondc depois, c Jomcntrulas JICÚ'
librrdc:dc, TC\Ívcram as artes c lls scicncias, nasceu o com-
mf.rcio modcrno,t que rllustraram, enriqueceram, ed~tca­
Tam o resto da Europ.1 ?

•J~I:RRF.IRA,

t (Ir.y~tema mmhlal, que é o alma e D('rTo do commérdo


moderno, e •cm o •1unl clle n reduziria a mui limitado drculo,
foi, .-e;rondo n opiui1io dos melborea audoi'C!<, iuY('Jitado pelos
ridad~ofl dliS rcpublit1lll italianas da meia idad('. \'. ,\u::nilo
S~hicbc, auctor moderno allcmã.o na~~ sua~~ lJ:e Lehre der
ll'e~lrJtlhrlf:J~. I:'•IB (, rcnlrncnlt' a opimiio que n•ai' fuu.

tl;uln• base• UJll'rcscut.l Os <pie se arrimam 11 dua• (ln1"3!l't'us


X iii

Que lctrraclo cr:1 l~utlhcrmc Tcll, c que illustraçao


achou cllc nos Suissos? Os lloll::mdczes quando formaram
su:t fcdcraçlto, os Suecos quando o~:mizaram !:ua antiga
con~titu'u;ão, os lnglC?.cs quando expulsaram a primeira \'e'l.
~ Stuarts, tam illustrados, tam preparadw estavam ~
De proposito fallci primeiro em ~cral, para desc:~hir de~
pois no particular do meu presup<lStO, que é responder ás
injust.'lS argu'içõcs que a Portugui!Wl c Hcspnnhoes se
tcem feito, de que nilo estavam prtparado$ para o systema
que cm 1812 e 1820 adoptaram.
l'icm citarei ns discussões das assemblcas legislativas,
nem nenhuma de tantas próvas que á mlio véem, e que
C'XUbí'rantemcntc mostram o estado de illustraçlio da clas.<>e
mhlia, unica influente, no actual estado dos povos do Oc-
cidcntc europeu. Respondo unicamente com os princi~
pios que do coml>ço deixo postos. Quando for possível
destrui-los, havera ~o C'nlflo mister de outra resposta.
E aos que argumentarem cx-post-facto: "Se tam pre-
parada estava a PcniMuln, se nem de prcpamçlio se pre-
cisa pam estabelecer a liberdade, porque se niio man~
teve ella ?"-l'cla mesma razlto que entre tantos povos
.,
de C:icrro a Allico parn auppor IUI lcltra~-dc-cAmbio ja cm uso
('ntre Gr('goa c Romaoot, pouco tcc:m <JOC dar por suu razóC!'.
1\Jais vnlcntc é o J•arcocr de )o:n-arl', 1\Jonl~uico, Raynal,
Arnold etc., que oltriburu1 u im·cnçúo d'el1:1~ &08 Judeus ex-
pulw!l olc J"ronc;n <Dl 610, 11 I c 1310 no,. reinad08 de D:l-
~:ob('rto, l'l•llipi•C·•\ngul'lo r. l'hil opJ>C·l .ongn; c Iodaria niio
n!Trrrcc tanl.o prohabili<larl•• como nquelloutrn op:a,lio.
CJUe ja gos.vam U.t liiJcnJade C de SU:l.~ UêOÇ'liO~, buje Ím•
pcra o despotismo. 1~"1 ~ a sorte da humanid:1rle, luctar
incessantemente entre a tyrannia c a li!Jerdadc, !>uccum-
bir aqui, erguer-se ncot.i : hoje triümpba na Grccia, áman-
han cede cm Roma. Desde que a historia ou a tradição
nos conservaram memoriai do mundo, não vemos outra
coisa por toda a terra. E d3 liberdade dos JlO''os podê-
mos dizer o que dos costumes escrevia Sencca • a
Lucílio : "que nunca houve tempo al;um em que so
fossem bons ou so mau~, mas que se podiam comparar ás
{tguas do mar, que ora cavadas cm ondas de tempestade,
ora murmurando cm bonança, mas scmprc agiradas, por-
CJUC é fJ mot·ÚJI('IIfo n~turcza c qualidade sua." Assim o
c~pirito d:! liberdade ora mais violento c ~cral, ora mais
soce<0rado <' p:-trcial, mas sempre const."'nle em movimento,
lucta contra a tyrannia, porque essa é a natureza sua, a do
homem, c n da sociedade para a qual crcou Deus o ho-
mem.
Vinde dJ Egypto lt Grcci:~, que é o mais longe d'ondc
memoria d'homem Jhide vir, d'ahi a Roma, a Ca"rthago,
ás Hcspanhas: que \~CS scn~o lucta de liberdade e
despotismo ? Cai o impcrio romano: scguc;-se a idade
ml.'C.!ia: desde \'ene-.ta até Florença continúa a ininter-
rompada serie de pelejas. Civiliza-se m.:~is a Europa;
e eisahi as Hcspanhas, a Hungria, a Succia, a Inglaterra,
a l'olouia, u America, a França,- outra vez a Iralia, a
Hcspanha, ultimamente c de novo, ambas as Peninsu-

' St:NF.<"4 d t iiUIÍlu. toc/ T.tu·.t.


XV

las, a Grl!cia, o Brazrl c tüda a .\mcrica mcridioui.ll, ao


cabo a propria Russia clamando por hbcrdade: em fim
a liberdade reconquistam cm França, c d'ahi prometten-
do allag:~r o mundo. N'uma epocha vencida, na outra
,·encedora,-ora mais scintill:mtc, ora mais amortecida,
mas sempre viva, e n'essa on n'ésta porçlo da terra fais-
cando a chamma da libetdade,-contínua sempre c
sem iutersticios a guerra dos opprimidos e oppressores.
N'cstc quadro pois tentei mostrar sensivelmente tam
importante verdade, e abrir os olhos portuguezes ao des-
engano, que atcqui parece que p:ua elles nio fora feito.
Tenho que cm nenhuma occasilo foi mais nccessario.
Ou muito me cegam bons desejos. ou alguma utilidade
se colherá da leitura d'um cscripto em que n!o ha senlo
verdade e lizura, sem espírito de seita t>m opiniões de
coi.fcu,-ou de partido cm ju"izos de pu1oas. O leitor
imparcial observará que eu so julgo de acções conhecidas,
que so approvo ou rt:provo factos: mal ou bem apparada,
a minha pcnna é minha so e do público; sempre o foi,
sê-lo-ba sempre : a controversia pessoal ha mister pen-
nas compradas, ou cortadas pela vingança e repassadas
no fel de privados odios.
Eu perseguido, por meus inalteravcis princípios, quasi
desde que me conheço até agoro,-em carceres e des-
terros ha oito annos, amargurado na flor da idade por
injúrias e dissabores que tam precoce a desbotaram, e
tam curta duraçito lhe promettem,-eu cuido que não
dou pequeno documento de imp..,rcialidadc c abnegação
propria-cm me abster de toda :1 vingança, para a qual
n'í.-stas paginas linha amplo lagar c opportuna ocrasilio.
PORTUGAL
NA BALANCA DA EUROPA.

r\cc diu potcst q1111e multorum ma!<J excrcctur 1tare poteotia.


Q. CoaT.

INTBODUOÇJÃO.

SoMos chegados a uma grande crise da Euro-


pa, de todo o mundo civilizado;-crise que ba
tantos annos se prepara, que tantos symptomas
annunciavam prox i ma; cujos resultados desfarão
todos os falsos e for'Sados antigos equilibrios polí-
ticos, e os estabelecerão novos e regulares.
No centro da ci,·ilização do mundo, na illustra-
da c experimentada França veio rapida essa crise,
pouco perigosa, c quasi por terminada se póde
dar.
Porl>m a victoria da civilização sôhrc os abusos
u
PORTUGAL

gothicos-do pO\'O sôbrc a oligarchia-quc para a


grande nação franccza foi tam prompta, tam fa-
cil de alcançar, tam gencro~'\ depois J.c ohtida-
llâo hadc nem p6de con!'eguir-sc igual cm todo
os pai;:cs onde ja começou ou ,·ai come~ar a
lucta.
Pouco !'angue c menos lagrymal', quasi nenhu-
ma cli~s~~nl)ão c·ivica custou a rccon'luista da li-
bcrcladc nos YCnccdorcs Je Jcrnappes e 1\larengo.
Nós que vamos entrar na licc, nús os outros povos
da terra, que ha\'cmos, CJUc não podêmos deixar
de seguir aquelle grande impulso, Jifficilmentc,
erradamente espcrnriamos tam faceis triümphos.
Cumprc-uo.c;, no contrário, 11ão nos illudir com
apparcncias, não uos cegar com facilidades. Tc-
mos estorvo;; grnndt'!s que remo\·cr, obstaculos im-
mcnsos que superar, grandes c perplexas c quasi
inextricavci~ difficultladcs que deslindar e desem-
baraçar. Xão tremamos dcantc d'cllas, não re-
c;ucmos •lc co,·ardcs: - - âvante, que ja não é
•lcccntc, nem houraclo, nem possi\'cl recuar:
{,\'autc-ruas não in"istamos cm carreira de CE>gO;
-arquemo~ com o ioimigo, maa de olhos aber-
tos, de peito a peito. V~ mu oio sem
trabalho. Havemoe de triümpbar. mas não sem
muito 88Cri&eio.
O graode impaiJo 41a Prauc;a vai COIDIDuoicar·
se electricameote, nio a todos os povoe opprimi·
dos--inda mal! Dlo a toct.-IDII a qaantos ja
abriram 01 olhos para coohecel\ a magnitude de
sua oppreuão e a iDSigniftcancia de seus oppil..
aores. Muit:OI elo aquellea. Tambem ja nie aio
poucoa eatea : a civilizac;io cresce a olhos ..mtoe,
e 01 vai augmentaudo de dia a dia-quaai de
hora a hora.
Um dOI poolal do mundo civilizado que pri-
meiro bade MDtir o impulao, que primeiro o bacle
reverberar. repercutir e cootinuar-quem nio vê
qae11eri a peDÍDIUia hiapenic:a? Todos 01 po1'08
o conbeeem; e 1e01 olb01 ae estendem com aoxi-
edade e esperanc;a para 01 Pyreoeoe e para o
T~o.-Todol 01 -oliprcbu o •beoi; e 11111 i*
preparam aercitoa. (impotenta!) outi'OI {etDB•
acertados vão) ja armam astucias e cngauos para
4 l'On l UGA 1.

JHC\ cu ir, ou abafar, ou pelo menos des' a~rar c


tornar inutil esse que clles conhecem hade ser
forçoso c incvitavcl movimento.
llespanha c Portugal ,·ão entrar na lice: nin-
gucm o que.stiona ou duvida. Quando? Hadc ser
breve. Como? AfluÍ \'ai o grande ponto, este é
objecto do terror c das esperanças de meio uni-
verso.
Se bem entrarmos cm balalha, se bem comba-
termos, o triümpho é certo, infallivcl. Se sou-
bermos usar da victoria, tere~uos longa, feliz c du-
radoura paz.-i\Ias se errarmos em uma ou outra
coisa, se nos deixarmos seduzir da perfidia estran-
geira, atraiçoar da malcvolcncia doméstica: se nos
entregarmos cegos ú covardia e inepcia de chefes
indignos e dcshonrados, se a oligarchia disfarçada
vier trajando as· roupas da liberdade e nos levar
ao degolladouro ignominioso em vez de nos con-
duzir â peleja c á ''ictoria ;-se por outTo lado a
demagogia dcsassis:ula e interesseira (que sempre
o é) nos desvairnr com seus phantasmas, e nos ar-
rojar alêm dos limites do possi\'el c do neccssario,
pod~mos perder n maior parle, talvez tudo o que
a ju~tiçn de nossa causq, c a opportunidade das
circumstuncias, tanto nos promctte.
Em tal crise é dever de todo o bom cidadão,
de todo o homem Vl'rdadeiro amigo tlc sua patria
junctar quanto caberia! de luz<'S lhe deu Deus,
c1uanto ganhou cm estudo e expericncia, e acccu-
der seu pequeno plwrol para o grande luminar da
instrucção do po,·o.
O povo hadc erguer o brac;o; não o du\'ide-
mos; hadc pelejo r, c hade vencer. Façamos
quanto em nós está para que hc111 o erga, uem
peleje, bem vença, c bem saiba usar da victoria.
l'Olt TUG A L

SECÇÃ O PRIMEI R A.

Balança da Buropa.-0 que era Portugal na antiga La-


lançfl da Europa.-DcscqiiilibradtL usa antiga balança
]>elo actual movimt~do da civüizaçüo, o que dm~ ser
Portugal na 11om m·dcm. ele coiJaJ.-Saltlre::a da crise
que trouxa a noc:a ordt:71l de coiJas. -Causas d'l'ta
cri-1c, arldiautamcnto da cü•ilizaçiio.-Deducção rapida
dos prO!JTc.fSO.f que fr.z e cslort·o.t 'JlLB cncontrort a civi-
lizaçt1o dc.wle Carlos V ~ dr~cubcrta da .llmcrira até o
primeiro quartel r/' este sce~do, cm que parece~t t•cncida
]JCÜJ cpltemcro triiimplw da cllliança denominada
sandll.

I.

De todas ns quntro partc.s em que temos ui-


,.idido o planeta que habittuno:<, é por nós con-
tada primeira n nos"n Europa; c no estado da
'Civilização presente (a ser esse o princípio ele
proccclcncia) facil obtcrà ella o primeiro Jogar
se com as outras Pntrnr em I ide {Ir prcroóatiYas.
NA RALAN~A t>A EUROJ',\ , 7

A ítltima da.:; quatro, por nós clescuberta e po-


voada, de\·cri:t scguir-~e n'c;;;;a ordem, com quanto
na puberdade apenn-. tla ci,·ilizac;ão-"c não é
que na inf.1ncia cm muitos Jogares e rc~peitos:

tal é o estado de clccrcpiturle Jos outras duas.


Dcciclidinclo pori'm n CJII<'-"tão aristocraticamentl',
quero uizcr, pela ordem historica dós progrcc:.sos
da raça humana, daríamos o primeiro Jogar á
Asia, onde nos põe a religião o bcrc;o do pri-
meiro homcn1, c as tracli~õc~ todas, c oracs, es-
criptas-por essa Chiua c Indostan-o de todas as
humanas artes c civili:t.ação. D'ahi as recebeu
o Egypto; por ontlc se clcvcria lt Africa o segun-
do logar. De lr1 no-la trouxe a Grccia á nossa
Europa, que n'esta ordem se-riu a terceira. So
nós a lcvClmos á Amcrica ;(1) c so quarto logar
as:.im lbc compete.
~Ia~ desde que a Grccia por suas luzes, a pO-
tencia Romana por cllas c por suas armas poze-
ram a coroa-de prccminencia 11a cabeça da Eu-
ropa, n'essa posse tem estado c se conscn·a. E
pelas mesmas razões ele scicncia c força n Ame-
8 I'I)P.TUC AL

rica l! n seguntln-nntrs uma continun<;ào ou lhla·


tnçüo dn primeira porçüo do globo.
A' volta do XVI scculo da nos"a era os in-
tcrêsscs rcacs ou imnginario (ou amb:ts as coisas)
dos Estados e dos príncipes o fizeram convir em
certo cqiiilibrio politico a que chamaram os esta-

distas 'Bnlança da Europa:' u qual, mais ou Íneuos
modificado, se conservou ou pretendeu conservar
até quasi ít cpocha cm que vnmos.(2)
A emancipação da A mcrica, a revolu';ãO de
fo'ran~a c suas conscqücncias, o engrandecimento
da llussia c outras causas menores teem tornado
impossivcl o antigo cqiiilibrio, a que todavia ad-
hcre a teima de muitos gabinetes. A actual crise
da Europa o vai desmanchar completamente, e
substituir-lhe outro mais natural c permanente.

IL
O que era l'ortugal 11:1 balança da Europa.

N'essa antiga balança Portugal era conside-


rado como um contrap~zo neccssario ao eqüili-
brio das tres grandes potencias do Oeste da Eu-
~A liA I,ANÇA DA t.:U It OPA. !)

ropa, França, Inglaterra c IJ(spanba. A mais


interes:;ada era Iuglatcrra; c 1.l'ahi lhe tem susten-
tado c garantido sua independeucia. Se bta in-
depcndencia era real ou nominal, ~e a~; condic-
çõcs d'ella eram tolera,•eis, uão ó ainda para aqui
examinar. Baste-nos dizer porora, que descqüi-

librada pela novn ordem das coisa:> essa antiga
balança, Portug~l sahiu de sua antiga posição
no mundo politico; hade tomar outra, c deve to-
mar a que mais lhe convier.
,
III.
Korn ordem de wlsns na Europ:~.

Para j ulgnrmo~ qual deva ser a posi~ão que a


Portugal convenha na nova ordem do mundo po-
litico, para conhecermo!; o que lhe convem ser e
elle p6dc ser na nova balan<;a da Europa, cumpre
examinar a natureza d'css..'l • nova ordem de coi-
sas.' Para n ix'm examinar e intender, ~ preciso
intender n crise que a trouxe, cm quê estamos,
c que ccuo vai terminar.
o
lO l'Oil'f UGAL

IV.
CriM actual 1: í.'liUwos que a produziram.

A civilizafiiio exasperada pela perseguição da


oligarchia(3) nos trouxe a crise actual. A civili-
zação lucta ha muito, tem auccumbido muita
\'CZ, tem \'eucido muitas mais, e pro\'avelmente
agora vai em sua estrada triümphal.
. Antes de
tudo, e para bem nos entranharmos em nosso as-
sumpto, passemos rapidamente os olhos pela his-
toria de seu progresso, dos obstaculos que lhe tem
posto a oligarchia, dos que ja \'ão vencidos, dos
que lhe falta vencer ainda.

v.
FAhulo do IUundo yc:Jho uo dcscuLrir-3e a Amcrica.

O Occidentc da Europa começava a civilizar-se


pelos fins do XIV seculo. O repouso das guer-
ras do Lc,·ante, ou cru1.adas, deixava tomar fole-
go a06 po,·os, e cultivar as artes da paz ; as artes
e as lettrns, extinctas no Oriente com o imperio
dos Constantinos, fugiam do nlfange de Mabomcth
N.A JU.LA}il.jA DA EUROPA. 11

para o amparo da christ:mllade-refluiam para o


Oeste da Europa ali reliquias da !-~iencia-embora
ja meio-barbara-que em Constantinopola se con-
sen·avam todavia. A:. linguagcn" indi::.tinctas
que rudnmentc se haviam formado das fezes do
Latim c Grego com o~ dialectos dos invasores do
Xortc c com a algaravia dCls conquistadores sarra-
cenos, tomavam consi~tencia de lin~ua, e ja co-
meçavam a regularizar-se. Onde esses mesmos
dialectos scptcntrionac!l prevaleciam mais estrê-
mcs, tambcm nhi se pu liam c allinhavam pelo con-
tacto c imit:u,;ão das antigas línguas do Sul. Ac-
cendia a imprcn.;a o grande phanal da illustração.
Os costumes adoçavam-se; o feudalismo abran-
da\'3 um tanto de sua crueza pelas concessões que
era obrigaclo a fazer á indústria e riqueza das ci-
dade5.-A sorte dos po,•os parecia em geral me-
lhorar-se.
Mail a liberdade, que (! a unica c <;6lida base de
toda a felicidade elas nações, dcsfallecia e mingua-
va; porque n'cssas crns havia uma civilizal.jâo
P.ORTlJQ .. ~

mediana e imperfeita, que amolga os animos, en-


tíbia o espírito, e, acobardando os povos, os subo
mette ao jugo da tyranoia-quaoto uma civili-
za~o mais completa, que illuatra o homem,

lbe dá energia para abhorrecer o despotismo e


mrça para resistir á oppressãQ.
Os povos atelli rudos mu nlentes, illiteratos
mas virtuosos, pobres mas 'iocorruptos, ignoravam
as tbeõrias dos direitos do homem, mas sabiam
defender os seus : não liam (porque nem esses
livros havia, nem ler elles sabiam) os Grocios e os
Puffendorfios, mas detestavam a tyrannia e casti-
gavam os tyranoos. Barbaramente o fa'liam; barba-
ra, iAcoherente e imperfeita era sua liberdade: mas
era liberdade ao menos! Liberdade que n'essa
rudeza se creiu'a, que n'ella e d'ella vivia eseman-
tinba. Veio a aurora das ~ps, e amaciou os cos-
tumes ; a das artes, e crecf precisões novas, facti-
cias :-mais ligado, mais prêso, o braço do homem
affrouxou; o córpo inc1inou-se para o trabalho;
~ a cerviz costumada a vergar-se para adqüi-
N .\ 11.\J,ANÇA DA EUROPA.. 13

rir, não ja soo neccssano mas o superfluo tam-


bcm, soffrcu paciente o jugo que atelli sacudira
com nobre indepcndcncia.
Tal era o crcpusculo da civilização na Euro-
pa. Os papas c imperadores haviam dado cabo da
liberdade na ltalia ;(4) c se cm Ycneza c Gcnova,
deixaram o nome de rc~ublica c o simulacro de
liberdade, allevantaram c sustentavam n'ellas a
omnipotcncia aristocratica sôbrc a ru'ina e servi-
dão do povo.
Na Allcmanha propriamente ditta, a republica
federativa( .'.i) das pcctucnas potencias que a compu-
nham, succumbia á <loruiuação da casa d'Austria,
antiga, im·ctcrada c constautc inimiga de toda
indcpendcncia e liberrladc.
N'ns Hespanhas, os foros de Aragão c Castella
ou eram nffogados cm sangue ou cabiam cm
dcsuso.{ô) Em Portugal diminuia o podêr dos
nobres, mas augmenlava o do rei e do clero.
Em ambos os reinos da península iberica se
espaçavam, mais c mais, as convocações da&
<'Õrtes que atclli tinham parte, uão !'O na legi!'la-
'" l'OR fUCAL

tura, mas na adminislr:u,ão c govcrnança da coisa


pil blica.(7)
Em Inglaterra a magna-charta estava quasi redu-
zida a nome vão, c a ca~a de Tudor reinava abso-
luta nos dous reinos: F~cocia comia-se de dis-
scnções.-Em França ou as crueldades de um
dcspota como Luiz XI-, ou a infrene licença dos
''assallos da coroa tyrannizavam á porfia o povo.

VI.
Dcscub<-rta dl\ America.

E tal era o estado politico c moral da Europa


quando Christovam Colon, tentando um caminho
no\'O para as Indias,(7) Cabral seguindo o esteiro
do Gama, depararam quasi ao mcsmo tempo, e am-
bos fortuitamente, com o no\'o hemispherio: sen-
do assim obra de mero acaso o que tanto havia de
influir um dia nos destinos de toda a humanidade.
Após a descoberta veio a conquista e a coloni-
zação ;(8) c com ella entrou no llO\'O mundo essa
imperfeita civilização do \'Clho, c com e5sa todos
S€!11~ hon!'l c maus etleitos.
'!\A IIALA:-.l•jA OA Et•not•,\. 1.)

VII.
ln6uencia da di!Scubcrta da ,\mcricn o~ d~tinos da Ecropa.

Hesoh·it.lo está ja hoje o grande problema:-


•· Se a descuberta do llO\'O mundo foi util ou
prejudicial ao \elho." Ja não ha que disputar
entre politicos: a solt11;ão de per si mesma se
está presentando aos olhos de todos: o que tantos
sabios não souberam julgar, decidirá boje o me-
nos lettrado observador de nossos dias. Descu-
cubriu-nos o acaso a .A merica; muito crime no'-
la submettcu ; perdida~ torrentes de ouro que
vieram sovertcr-sc cm Li:;boa c Madrid,(9) e flUe,
sem enriquecer as duas nações conquistadoras,
rcfluiram para mais industriosos paizcs, emfim
scccaram: vicios, luxo e pcrdicção, que com-
sigo trouxeram, permanecem todavia; e se olhar-
mos so atehi, a condicção do mundo velho em-
peiorou com n de:. cuberta e dominação do novo.
l\Jas passaram tres scculos e não passaram em
''ão: a Amcrica, jovcn, ricca, vigorosa vem com
;o;eu p~zo immcnso desfazer na balança rla Europa
I'OUTIJGAL

todos esse.. falsos cqitilibrius que sustentavam


invenções arguciosas, pucri::. armadilhas, cuja
unica fôrçn estam na cegueira dos povos-como
a~ miraculosas habilidades do saltimbanco e "es
camotcur" de feira, que pela mor parte est.1o
no cmbahimento ou ua simplicidade de seus espcc-
• tadorcs.
Qualquer me,tiano observador conhecerá quan-
to ésta influencia do mundo novo sôbre o velho é
vant:tjosa ú causa da humanidade - - á da liber-
dade, que ~ Rynouima.

VIII.
O despotismo triümpha 011 Europa e vai prrstguir na Americ:a
a liberdade (oraglda.

E ja pelos meio:. do X VI scculo, a liberdade


das naçõc« curopcas dava o último arranco: tri-
úmphára Carlos V c "CU systema.. Parecia que
a Providencia, que havia retirado sua mão de
sóbrc o velho mundo, pennittia que a supcrficic
da térra se alargnssc para dar mai:; vasta praça á
tyrannia! ... Succedcu porém f1s yc-.sa~. A libcr-
l'iA .IULA.NÇA DA 'EUROPA. li

clade expulsa da Europa, foi acoit.'lr-sc na A me-


rica:(lO) ahi jazeu occulta c oppr<'_c;sa tambem;
mas entre uma população nova, não roida a'inda
dos cancros de abastardeadas dynastia~, de privi..
legiadas c parasytas classes, que no antigo hemis-
pherio damnam toda liberdade c cmpc<.'Cm toda
reforma. So classes productoras occupavam o
solo americano. O rlcspotismo da Europa tre-
meu quando attentou n'estc estado ameaçador de
de suas colonias .... - - Que não ha maior
terror para despotas, nem melhor prC'.c;agio de li-
bcrdaclc que o \'cr um povo trabalhador, activo e
proprietario.
" A pobreza é o maior de todos os males"
disse Salomão. Ésta sentença é \'crdadciramente
divina c inspirada,-porque a pobreza é a maior
inimiga da liberdade. A pobrc?.a de Sparta e
Roma não era pobreza: chamar-lh'o foi ignoran-
cia dos primeiros escriptorc!l, c mau hã.llito dos
moderno~, um verdadeiro abuso de palavras.
Aquelln crn igualdade de rique1.as, mas não po-
breza: clia foi o paiadio tle sua li herdade. Nem
D
18

era pobrt'za a dos Lac<•uemonios de Lycurgo, nem


a dos Romanos de Cincinnato. Esses v;viam com
pouco,(ll) tinham poucos misteres c precisões.
dava-lhes para ellas o 11ue tinham: não é isso !'Cr
pobre.
l\faa os tyrannos da Europa olharam com so-
bre)':a)to c medo para o estado de suaa colonias
tran!'atlanticas; tre:ncram d'cssa propria riqueza
que os curicJuccia, cl'c!'~a crescente grandeza com
que tanto se cngrancleciam elles. Pozeram por
obra tocla~ as machinaçõcs da politica oppre.ssora
para atalhar o progresso das cousas: porêm a
arte do homem, se ás vezes consegue retardar um
tanto a ordem da natureza, jamais chega a impe-
di-la de todo. Xa Europa tinha augmentado a
ci,·ilização, mas tambcrn tinham augmentado os
ob:.tnculo. d'clla:-porque se de um lado a refor-
ma religio$a, as sciencia~, a.; artes, sôbre tudo a
imprensa, iam dcsbastccendo a treva dos antigos
crrob,-por outro as combinações machiavelicas
dos gabinetes,( I'.!) o, exercito:. permanentes, a es-
pionagem, n ccn:-u ra, a J>Cll icia entra ,.a,·am o anch-
:-iA BALA:SÇA DA J:UHOI'A· ]I)

mento natural das cousas, e abafava111 a labareda


d'essc faxo que debalde se at<.:ava para o espírito
humano. Porêm na America, se foi mais lenlo
o progre:;so da ci\·ilização, tambem achou menos
tropeços; lóC chegou mais quebrado o raio de sua
luz, lambem achou menos refracç(io. Tambem
lá o movime'nto das machinaçõcs dos gabinetes
era menos ncti\'0, porque tantos márcs e tanto cs-
pa<;o diminuiam a fôrc;a de seu agente. A má
administração do govêrno dcspotico achava na
Europa muito appoio nas cl~scs parasytas que
tanto interêsse tccm na conservac;ão dos abusos, e
que escoram e sustentam a tyrannia paraque ella
os deixe carcomer o Estado. Na A merica, cuja
'
popula(jàO toda era de productore..:;., quem hou\"era
de sustentar o de;poti~mo, e folgar por interessa-
do, cm suas exacc;ões. N cccssario era recorrer
a força estranha, a uma remessa pcriodica de
parasytos da Europa que devorassem a substancia
americana, a um tractamcnto antiphlogistico, (se
l: licita a c.xprt:s"ão) às baionetas, aos canhões, a
toda n plenitude do !lystema prohihitivo e d<'pres-
20 PORTUG~L


sivo. Isso fizeram, e isso os sustentou algum
tempo.

IX.
A lib,•rdado renge ru Amcrlça contra o despol~IDO Europeu.

1\Jas a cubiça, a sêde rle ouro e mando cegou os


opprcssores; deram-se elles mesmos pressa para
sua rui na: dobraram exacções, appertaram com
vexames, não houve limites para suas tyrannias
- - a America desenganou-se, conheceu SUdS
fôrças e 1cudiu o jugo. Reagiu c venceu a liber-
dade; e eisabi a aurora da regeneração do unh·crso
que nasce do seu Occidcntc!
Com razão dizia o Cummo'1 se1lsc, cnergico es-
cripto dirigido aos bra\'OS Americanos do Sorte
quando se travava a lucta de sua cmancipasão:
" Em vossos livros sagrados haveis lido a historia
" do genero humano submergido m geral innun-
" dação do globo: uma uuica familia sobrevive, c
" ê encarregada pelo Eterno de renovar a terra.
" Nós somos essa família. O da;potismo innun-
"A BA r.A.:'Iitj \ l>.A r: e ltOP.\. 21

" dou tudo, c a nôs 110:; iucultlbe regenerar pela


.. segunda ,·cz o Jlllllulo."(l3)

X.
lnfiucnda da religiiu na CUU>II da hullllluidadt'.

Pcrmita-s~-r11C artui urna digrcsiío, antes uma


pcCJuena dilatação de liruites nos mui estreitos
que a Yastidão da materia me impõe para a dedu-
zir em tam rapido csbôço.-Quero fallar da reli-
gião; c peço licen~a para não correr tam açodado
por meu assumpto como geralmente corro, por-
que o grave do assumptu o requer, c a importan-
cia das consideraçõc:1 o exige.
A religião do Evangelho, da qual disse Rous-
seau, " que se não fOb..~ divin:~, merecia :"e-lo" é
a natural protectora dos direitos do homem, de-
.tiva de sua igualdade, funda-se em sua liber-
dade, prega, acconselhn, ordena o amor da ordem
e da justiça. Uma religião que declara c professa
ser o Crcador o unico arbitro e senhor do univer-
so, todos os homens iguaes dcante d'elle, que
promette amparo ao fraco e desvalido, castigo ao
I'OltTUGAL

1ubcrbo c opprcssor, que declara uma commum


origem, uma lei commum, um commum juiz
de todos os homens, é · a maior c mais certa
c mais poderosa base de liberdade que pódc
entrar na mornl pública dos povos. O espírito
do Christianismo quebra os ferros dos escravos,
consola os opprirnidos, conforta os fracos, pro-
mette ju~tic;a aos aggravados; e a espada de
seu Deus vingador está, COlHO a de Damocles,
suspcn~a por um fio sôbrc a cabeça dos reis, lem-
brando-lhes a todo o instante C)Ue ha leis superiores
ás d'cllcs, leis que igualam os homens na presença
do supremo Arbitro tlc tudo.
Os conselheiros dos despotas, a oligarcbia que
os rodeia, bem Yiram onde o espírito de tal religião
havia de l~var os homem:; apenas elles tivessem
luz bastante para o conhecerem, e intenderem.
verdade e purc-1.a.
Extermin:i-Ja, não podiam: adulterá-la e per-
\'ertê-la, foi l'CU expediente. Então se formou
essa funesta liga sacrilegamcnte chamada do thro-
'l(J c do altar, como se o throno alevantado para
padrão c tribunal de justiça, o altar erguido á
mnjc...taue de Deus, pouesscm jamais prostitu"ir-se,
para tacs fins sem perder sua augusta natureza.
Formou. se a liga; mas foi entre os tyranuos que
abusavam c dcturpa\"am o throuo, c entre os sa-
cerdotes que profanavam o altar. Invocou-se o
nome tlc Deus para o ultrajar, o Evangelho para
o calcar aos pés, a religião para a pen·ertcr e des-
truir.-Os sacerdotes sacrílegos fizeram leis suas,
e blasphcmaram chamando-as de Deus : os reis as
sanccionaram, e invocaram a lllasphcmia dos sa-
cerdotes para as fazer acreditar divinas, e cumprir
como taes. A pureza, a simplicidade, a divin-
c.laJe do Evangelho se perdeu entre as maximas
infernaes dos sacerdotes blasphemadores; e a reli-
gião divina de Jesu Christo se fez instrumento
de crimes, capa de vicios, esteio de tyrannias,
Ütxo de discordias, ílagello de cruclissima perse-
gui~ão. Os ministros da palavra, <Jue no princi-
pio da igreja tanto se tinham approveitado das
luzes e illustração dos p0\'0." para os comencer
<lo l:rro (ln idolatria, e lia vaiclactc flo philosophii-
21 l'Oill' UGAL

wo,-agora se declararam o:. inimigos das luze,:,, c


as apagaram por tocla a parte. Fez~se crime até
da leitura dos linos :.anctos, chamou-se sacrilegio
o proprio cstuclo da ki de Deus! Ignoraucia
crassa, cstupiJa, a maior inimiga do Christianismo,
!ncompath·cl com uma crença que eleva o espírito
e exalta o coração, a ignorancia foi feita virtude 1
-virtude primeira e cardial da religião do He-
dcmptor!
Al)sim a Religião christau, que tanto favorece,
que tanto protege a liberdade, que a ensina, que
a prega, que a manda guardar,-a religião
christan foi feita o maior e mais poderoso auxi-
liar dos dc:;potas. Escusemos deduzir mais
clocumento::.: nomeemos a inquisição, e tudo et.tá
ditto e provado.
Mas a índole do Cbristianismo era outra ; a
pureza de seu espírito foi penetrando a tra,·ez das
impo:.tura~ do~ homens: a Providencia, que tole-
rou tanto sacrilegio, pôs-lhe termo cmfim. Os
homens começaram a abrir os olhos, e a pretender
examinar como era possível que a Lei do Crea~
NA Jl ,\1, \NefA ])A ~UROPA. 25

clor fosse o maior flagcllo da creatt11a. Pouco a


pouco !;C conheceu a Ycrdade: distinguiu-se entre
Christo e Barrabas~ ''iu-sc que a religião era boa
e divina, ~cus traidore mini;;tro;; pe.<:.simos c in-
femaes. Então se arvorou o c~landarte da re-
forma-cahiu a má..cara fi hypocrisia, e com a
tyrannia l'accrdot:ll ,·acillou o despotismo dos
ret«.
Não é d'eslc logar <"xnminar, c muito menos
rlecidir, se os reformadores ccclesia"ticos foram
alêm dos limites de,·idos, se a reforma podia ou
não ser feita sem schisma: o que actualmE.>nle me
importa observar para o meu objecto é que, assim
como pervertido pelos abusos sacerdotacs, o
Christianismo !;('rviu os tyrannos contrn os povo~.

assim restitu'ido a seu naturnl espírito, auxiliou os


po,·os contra os tyrannos. A historia ela A llcma ·
nha, «la Inglaterra, da Françn no XVI, X:VII e
princípios do XVIII scculo, o tem patente a todos.
Xem o brado ela religião foi o menor ou o
menos cflicaz tlos que na Amcrica do Norte susci·

"
26 PORTUGAL

taram o po,·o á liberdade, a defendê-la, a morrer


por ella.
Suspendo aqui ~stas reflexões; voltarei a ellas
no decurso do presente ensaio.

XI.
Systc-ma da liberdadt' an•eric:ana,

Auxiliada da poderosa c benefica intluencia


do Christianismo, (14) a liberdade triümphou no
nO\'O mundo. Sua victoria custou muito san-
gue mas não deixou remorsos aos triümphaclo-
res: não foram elles que provocaràm a peleja.
Quebrado o jugo do govêrno oppressor, os
Americanos tractaram de se ligar por um pacto
que não f()!;SC oneroso para os governados, c segu·
rasse sufficiente fôrça aos governantes. E então
resoh·eram eUes o que atclli se jqlgava insoluvel
problema: quero dizer: o methodo de estabe.
lecer permanentemente uma republica em um
territorio usto, e no actual estado de nossos cos-
tumes, usos e abusos, de nDfsa politica, de nossa
rPiigião.
:'\A 8ALA.Nij.~ DA I::UROPA. 27

A Grccia republicana dera e.m antigos tempos


um vislumbre de exemplo d'es,.c grande sy:...tema:
pois, com 11uanto ~ <livcr:-os Estados gregos não
tinham um centro commum de govêrno qlie lhes
dés...,c ncn·o, c regularizasse a l"ctlcrasão roboran·
do-a; todavia cm quanto unidos permaneceram
por e!'sc mesmo mal-dado la~o, foram quasi
invencivci;;. ( 15)
Em posteriores scculos n Su·u;sa c a Lombardia
haviam dado novo tc~tilllunho c documento da
cxccllcncia c ,·akntia do sp;tcma federativo. O
exemplo da Su!ssa é bem sabido de todos; não
assim o da" Liga Lomharda," que (no seculo a
que Lady l\Iorgan com razão tlá o nome de se·
culo do" merito ignorado") defcmleu por tantos
anno~ c com tanto valor o Norte da l talia da
usurpação imperial.
Porém todos esses systemns cratn defeituoso:>,
porque lhes falta\':\ um nexo, um centro, um
ponto director, alheio indiviuualmente a cada um
dos Estad<>s de per si, c todavia C:,scncialmcnte
28 l'OR 'l'UG.\ L

11eccssario à máchina federati\·a, como v balau<;O


da pcndula a um rclogio.
A Hollanda certo é que havia t'omcçado a
melhôraro im·cnto; mas ainda tinha muita imper-
feição o systcma a h i adoptado: assim elle falhou
muitas vezes. Mas os Estado,... Unidos· do sep-
tentrião da America toram os verdadeiros des~
cubridorcs d'cssa " pedra philosophal" das re-
publicas,(l6)-cssa federação maravilhosa, que, as-
sim como no interior divide o Estado em menores
porções, com o que mais facilmente obsta á
usurpação de qualquer ambicioso ; assim no ex-
terior o apprescnta regular c magn!fico edificio,
cuja fortaleza e formosura é o terror de inimigos,
inveja de vizinhos c admirat;ão de todos.

XII.
EJrcitos da re•oluçlo americana no mundo •-dbo. Rnol~ão
fmDCcza ; auaa cunK"qÜenciou gerae~.

Este grande exemplo para os povos, és ta grande


licção para os reis, se para e&:SCS foi infructuosa,
não o foi para aquelloutros. A Europa, que da

NA BA LA.CjA DA KU ROPA. f9

America não bavia tirado eeoiÓ eu~ de poueo


proftito para u01, inutil pua outroe, ~ieial
a qUIIJi toclc», recebeu entio o melbor premio de
auaa deacabertM, importou de aUM coloniu a
maia lucroea mercancia. A a c ' - 'Utei& dowlbo
mundo ~aram a IOI'te doe aeaa irmãos do tiO\'Oõ
e d-..m eDtle si.: " Tambem u6a traballll-
•• moe. e perdêmoa o fructo de DOI80I aaorea;
" tambem n61 produzimoe, e u01101 oppre.rne
" CODIOIDmem; tambem D6t austentlmoe o ~
" do, e ulo 10 Dão temoe parte em eua admiois-
" tra.jio, mu por elle 10m011 liblnclouad<ll,
" tlafavorecidoe, aYuedot, eatreguel á domioa·
" Cjlo d'_. c.._ pri'ritepdai e iuuteis, que
•• DOI bebemOJIIIIUII 8DOieleataecem,que mem
•• ele DOIIO trabalho, e DOI desprezam como ~
• abjecta, DMCida pua a ~enidão. Porque Dão
•• tomanmc11 D6l o uemplo h Americ:laol?
•• Porque Dlo taav.emoe n6s de coaqaistar tam-
• bem a liberdade para eermoe como éllea fe.
• lilel?"
A Europa toda murmurou •im: o delcooten-
l'ORTIJG.AL

tamento foi geral, geral a cllervcscencia; o vul-


<:ão immenso da indignação pública rcsoa,·a tre-
mendamente por toda a parte.- Em alguma bada
clle de rebentar primeiro. Foi no centro da Europa,
c centro queja então era de sua civilização.
Veio em ,·erdadc a revolução com terri,·cis
symptomas n'essa Fr:mça, onde quantos abuso:;
podem opprimir a humanidade tinham subido de
ponto nquc1le ruaximo grau em que ja não ~ão
~;upportaveis. Então se marcou na historia do
gencro humano uma d'aqucllas epochas que so be

renovam de longos cm lougos intcn·allo!", como os ,


phenomcnos astronomicos. Grandes, c:-pautosos,
formic.lavcis-diz Lady i\Jorgan-!iãoos resultados
do instiocto moral do homem, que o leva sempre a
ouscar o all1vio dos males c o augmento dos bens,
-fim unico e verdadeiro da sociedaJc, fim para
o qual tudo se dirige, o presente e o porvir, o boi
sacrificado a Isis, e a luz analyzada por New·
too. (17)
O cebo da França retiniu dos Alpes ao Qüi-
l'inal, do Sena ao Rhirn e ao Danubio. Lavrou,
NA BAJ.ANÇA DA EUROPA. :31

correu, ateou-se qua.c;i geral a labareda, a qu~ a


opprcs:;ão c a tyrannia ha tanto seculo estavam
amontoando combustíveis. Os amigos dos ho-
mens viram amanhecer o dia rln regeneração da
cspecie, e cuiJaram que a grande hora da agonia
dos dr.spotas ha\'Ía soado • . ..
Inda mal !-o estado da Europa era mui
differentc do da Amcrica, (k;; iutcrt:sscs muitos e
desvairados, as clas.o;cs inutcis poderosas e propa-
gadas, o fannlismo ,·alente a'inda. Quantas bar-
reiras, quam gramlc.~ difficuldadc!! para superar e
vencer! Porêm a acção era de immcsuraveis
fôrças; a rcarção uão fez senão irritá-la, c dobrar-
lh'as.
~Jas ~sa chamma que mais c mais se ateou
com os esforc;os inuteis dos que a queriam apagar,
tanto augmcntou ele inten ida<le, que devorou
inimigo... e amigos, o podre c o são da sociedade,
-con ummiu, acalJou tudo... ..Como o braço
de Sansão C'JUC a si e a seus inimigos se sepulta
:;ob a~ ruinas do templo, como a mina da cidade
I' O n"l' UGA L

~itiada que dcstroi em :-ua explosão o sitiante eu


cercado.

XIII.
BOitlpnrte.-J.:mprararntnlo da liberdade.

N"a desordem, 11a dr.,organizac;ão geral apparcce


um homem extm~rdinario, que le\-antando seu
brado crcador' no meio cl'es~es cabos de elementos
reluctaJrteti, os compclle á ordem e submette á
organização. A França c o mundo agradecido
se prostraram ante clle, c o adoraram como ao
salvador da cspccie humana. Mas o applauso
uni\·crsal, mas css~ cultos de admiração e agrade-
cimento cegaram o objecto d'elles: viu os homens
e as nações curvada::; deante de si, e da altura
onde cc:tnva lhe escorregou o pé para sôbre as
ccrvizes que se lhe inclinavam. A Europa era ja
escrava de Bonaparte e aiuda duvida·ra de sua
servidão :-o-. povos tinham perdido liberdade,
indepcndcncia, gloria, honra,-e ainda lhes cu~
tava a crer que fos<:e seu tyranno quem ha,·ia siclo
~cu libertador.
MA 8.lLA.l'~A. DA. EUftUP.l.

XIV.
Opposiçlo ingka. l'itt.

Um so pO\'O <.lo antigo mundo se isolou com-


pletamente da fôrça electrica ela revolução fran·
ccza; fallcmos mais exactamente, da revolução <.la
Europa contra seus tyrannos: a Inglaterra. Foi
a cloqüeucia tle Pitt e Burkc a que impos si1encio
e conteve ao grande número de fautores e parti-
distas que essa revolu<fão tinha na Gran Bretanha?
Mas <'SSa cloqüencia uunca pôde responder a08
descarnad08 argumentos de Payne e 1\lackintosh.
Seria a fraqueza do partido liberal ? Não : foram
as muitas liberdades e franquias que na revoluljão
do seculo anterior o po\'O inglez tinha conquista-
do, e cuja fruição pacifica o não excitava a novas
e arriscarias conquistas. D'<'SSa natural ten-
dencia ao repouso poderam e souberam valer-se
011oligarchas, para des,·airnr o ànimo do povo
inglez e suscitar em sua opinião, uma reacção de
odio e ciüme implacavel, que tam fatal veio a
lei' á liberdade do Continente, e que sendo, como
roi, podt!rosa alavanca para det~IOCllr o throno de
r
34 PORTUGAL

Bonaparte, foi lambem nas mãos de Castlereagh e


seus euccessores instrumento para se reconstruir
o antigo despotismo de todo o Sul e parte do
Norte da Europa.
Mas não anticipemos datas. Basta que n'este
Jogar fique appontada a causa da quietação de
Inglaterra no meio do bulício e efl'ervescencia
geral :-1nglaterro ja era litre.

XV.
c...nquistas de Bunapart~. Se-ul ~ffdtos mora~s.

Não defraudemos a glória militar do maior


capitão da terra, de seus grandes generaes, de
suas bra,·as legiões; niio presumamos negar o
que todo o mundo confessou com terror e sub-
missão ;-mas digamos, porque é verdade, que
muitas de suas victorias, e mormente as primeiras,
as deveu ú cooperac;ão eflkaz dos povos, que de-
sejavam, que pediam ser conquistados :- tal era
a affiic~;ão e descoutênto cm que toda a Europa
,·ivia ! Emquanto os pendões tricolores annunci·
aram liberdade, nunca acharam rrsisteucia nos
NA liA LA:-' \iA 0.\ l:U JlO!'A. 35

f>OVO:., autes de muitos foram irivocados,-de


todos seriam bem recebidos. As legiões fran-
cczas so foram odiadas e accanuuettida.s da in-
digna<;ão popular, que ao cabo as venceu, depoi~;

que seu chefe ja legitimado pelos reis, ja amigo


federado d'clles, como cllcs enganou, e zombou
das na<;õcs cm suas promessas.
Mas ao passo que as Aguias francezas d~cor­
riam a Europa, ja não para levar liberdade como
o antigo estandarte do primeiro consul, nas em
busca de prêza e conquista para suas garras im-
pcriacs, a civilização vinha com cllas disfarc;ada e
como de contrabando; com ellm; penetrou nos mais
obscuros rccé:-;~os da Europa, até ot11.le mais em-
brutecidos os povos do despoti<:.mo .sacerdotal ou
real, ou de ambos, quasi se podia dizer apagada a
natural luz da razão., c o divino instincto da liber·
dade morto.
A felicidade da terra cstC\'C nas mãos de Bona.-
pnrtc .•. c niío dc,·emo:. a sunl) armas :.euâo este
bem : mas l.! cllc prq ucno?
XVI.
n..acção llo~ poY05 l.:ontro Bcmapart~.

J~ esse homem, que havia sabido das pbalanges


do poro, c de quem todos os povos esperavam
liberdade, não so pejerou, e atraiçoou a causa
que defendêra, mas esqueceu na dominação, e na
grandeza a origem de sua elevação; esqueceu-se
que pelo povo reiuava,desprezou o appoio de quem
o alevantára, e quiz firmar-se nos abusos e no
êrro, que ja haviam precipitado seus antecesso-
res: chamou as classes inuteis para deredor
de seu throno, federou-se com os reis e potenta-
dos contra "'"s nações e os povos, retrogradou a
ci\'ilização e cuidou aniqüilar a liberdade.
1\Ias a civilização e r..· liberdade, que lhe ti-
nham aberto caminho para o throno, e as quaes,
de hallucinado.. imaginou dominar tambem, o
puniram de sua ingratidão e perjurio. A
França opprimida; a ltalia (18) enganada; Ve-
neza vendida ; GenO\'a e Piemonte reduzidos a
províncias do imperio; a Allemanha trahida;.
a Polonia sacrificada á an1bic;ão do ueurpador;
:t" vcneravcis canl> da antiga Sulssa ultrajada:.
com um protcctorato opprc:.sor ; a Hespanha in-
sultada com um rei de galhofa c t>scarneo; Por-
tugal em fim retalhado, c dc<:tinaclo para premio da
trai~:1o e preço da infidelidade-tudo se lhe rebe-
lou: uma ço•tiura\ião universal, uma conspira-
ção da opiniiio pública ~c formou geral e esponta-
neamente por toda a Europa.
O pundonor castelhano, a altivez portugueza,
que uão solrrem jugo alheio, nem por estranha
dominação podem ser submettidos, deram o exem-
plo, e mostraram ás outras uaçõcs(lS)) que o liber-
ticida e seus excrcitos não eram in,·cnciveis. Os
povos desengnnados desafl'rontnram-se, empenha-
ram sangue, vida, fazenda; luctaram até o último
folego; cahiram exhaustos e quasi moribundos de
tanto exc~;,O e esfôn;o; mas venceram: a liber-
dade, a civilização triümpharam, o apostata de
sua causa foi debellado c punido.

)
POH1'UG A L

XVII.
l ugrntidúo dos rri' pam c:om "'' pv.,,

E que haviam feito os reis antes d'~sa lucta


sloriosa? Que fizeram durante ~sa gr.mde con-
tenda sem par nem exemplo na h isto ria? Como
obraram depois do triümpho ?-Ligaram-se. pele-
jaram contra o soldado ele fortuna cmquanto elle
trajou as roupas da liberdade, c desembainhou a
espada cm prol da 11 t1manitlaue. Venccu ellc, op-
poz-sc á torrente Jo scculo, fotjou um sceptro,
como o d'ellcs, de ft•rro c de bronze; e desde esse
momento foi ídolo c adoração dos reis o que o
ha,·ia sido dos povos.(~O) Solicitaram sua alliauça,
pagaram-lhe párcas c tributos: receberam assen-
tamento de criados seus, (2 1) prostituiram-lhc
suas filhas! •.. <:2) e até houve d'elle:. que abdi-
-caram sati;;;feitos a coroa, com tanto que passasse
enferrujada para cabeças tam despoticas com as
-d'cllcs, c que não melhorasse a sorte do povo.(23)
1\las o conquistador, que trahtra as na~ões, tam-
bem por fim trahiu o~ reis: os miseraveis, que
ta,·il\m ,·cndido ~cus po,·os, n:lo tin•rnm a fJUCtn
recorrer ou appellnr. Então pri,ionciros uns,
outros fugith·os, outro~ rccluzidos a cxarchas ou
ho:-podarcs do impcrio, (':24) sem conhecerem to-
da,·ia seu êrro, ainda a sim não accusavam o op-
pre:.sor :-enão pelo que llll'S ccrccitra da auctori-
dade, que ja não podia ser tam danmosa c aggra-
vante.
Porêm quando o po\'o indignado sacudiu o jugo
alheio, e mettcu hombros á reconquista da inde-
pendencia, qual tl'cllc:; apparcceu lt frente d'cssas
legiões denodallas e g<'nerosas? ('2.>) Os que. ser-
Yiam nos paços de seu amo renovaram protestos
de submissão; os exarchasjururam de novo vassal-
lagem; (:26) os ílue hnviam fugido com seus the-
souros mais se esconderam a si e a clle.s, c nem um
ceitil sahiu de .cus cofl"rcs para ajudar a cau~a
commum, que ,·ilmcnte haviam dcsempara-
do.('27)
Triümpharam os povos, porque sempre a th·i-
lizac;ão c as luzes triümpharâo, mais hora menos
hora, da :oppres<:ão c elo engano. Vencido o li-
bertici,)l\ C'll\ nome tln liberdade, persuadidas as.
40 PORTUGAl,

nações que so razoada c regrada esS3 libcnladc


podia fa:r.er sua ventura, que as discordias civis
geravam a anarchia, e a anarchia o despotismo;
tranqüillas e satisfeitas receberam seus antigos
reis, confiadas que a experiencia lbes teria mos-
trado o êrro, a desgraça ensinado a prudencia; e
que a gratidão sôbre tudo os inclinaria a genero-
sas concessões para com seus defensores(28). So-
lemnes promessas e juramentos á face de Deus e
doe homens affian'iavam tam lisongeira esperança;
o synodo dos monarchaa o havia decretado; todos
julgllmos os fina da revolução conseguidos, a ver-
dadeira epocha da felici3ade chegada, o imperio
da lei(29) consolidado, a razão e a justiça estaveis
arbitres e senhores dos destinos dos homens.
E que foi feito d"essas esperanças, como se
cumpriram tam obrigatorias promessas?
A França é engodada com um simulacro de
liberdade; a Suissa liberta de direito, ficou de
Jacto mais escrava que d'antes, e sujeita ao trí-
plice protectorato da Austria, da Prussia e da
França; a ltalia aquinhoada entre principinho1 de
:SA HALANÇA DA I;UROPA. 41

todos os sexos c tamanhos, depois de tirar a Aus-


tria sua porção opima; na Allemanha a Baviera e
quasi todos os Estados de segunda e terceira ordem
sacrificados á ambição da A ustria, da Prussia, e
até do co)o...!:'o ela Ru~sia: a Ilollanda constrangi-
c.la a ~ahir do statu 'JIIO adoptado como base pelas
altas potencias (so crn quanto lhes conveio} , for-
çac.la pela legitimidade a receber um rei, que nun-
ca tircra antes da usurpação, c as fó•·mas monar-
chicas, que so lhe dera o usurpador; a Prussia,
a quem tanto c tam solcmnC'mcntc se prometteu,
(30) mais militar que nunca, c mais militarmente
go\·cruada que nos dias do liberal despotismo de
Frederico II; a Polonia, a infeliz c heroica Polo-
uia, retalhada, como havia sido, entre o:. tres gran-
de:; de~potas do Norte(31}, c dotado seu maior
quinhão com fal~a indepcndcncia c fingida liber·
dade, nccessario.... in...trumcntos do deí'potismo e
~eguridade do invasor principai(:J2): finalmente,
na Península, a gcnrrosa He--panha atrai!.;oada e
punida pelo -.cu tyrnnno por lhe haycr sah·ado a
coroa, tle que era indigno; o honrado Portugal
(l
42 l'OilTUOAL

roubado, sem commércio, sem indústria, sem agri-


cultura, consumido e avcxado, reduzido a colonia
de suas colonias, go,·ernado por uma delegação
impotente(33) e estupida, finalmente dado em
bachalio a um soldado estrangeiro(34).

XVIIL

Trrguu nll P.uropa.-A lucia progrede r:~> Ame rica.

Tal era o estado do mundo velho no fim da pri-


meira lucta geral entre as luzes c as trevas, a
igualdade. c os privilcgios, a civilização e a bar-
baric. Que havia feito no entretanto a America,
e qual era a sua posit;ão u'cssc tempo? Éstas
duas porções do globo tam intimamente ligadas
por intercECS communs, pelos \'Ínculos do sangue,
da linguagem, da religião, de tudo quanto prende '
os homens c as nações, e que, sendo pbysicamente
as mais separadas por sua situação geõgraphica,
são ele todas as quatro as que moralmente mais
unidas estão, necc.<osariamente de\·em sy mpatbizar,
-c influir podcrosamcn!c na sorte de uma o que
na outra ror influ<'nte.
!IA BALANÇA DA EUROPA. 43

E comeffeito vimos o grande accontecimE'.nto


dae provindas septentriOtJaea da America, imme-
diata e deciah·amente reflectir na Europa, e remo-
ver dos fundamentos toda a ordem du cou888 ba
aec::ulos estabelecidL Mu o mundo velbo, pelos
complicados motivos que ja apontei, recuou no ca-
minho da liberdade, e cedeu momentaneamente l
poderosa influencia de um so homem: a America,
que aguardava impaciente o desfecho de uma
contenda que tinba de decidir a sorte do mundo
civilizado, apeou a viu auccumbir, entrou imme-
diatamente na lice; e como poderoso membro da
confederação geral doa opprimidoe contra 01 op·
preaeores, anorou 01 pendões da independencia.
A liberdade triümphante correu dm•o Septem-
trião ao Meio-dia, e por todo esse vuto conti-
nente substituiu l tyrannia do Nero du Heapa-
nhu o imperio das leia e da juatiça(35).

XIX.
Bntdl.

Uma ao e interea•nte porçio do continente


POltTUGAL

americano pcrrnaneccu no meio c.l'ésta innunda)âo


de liberdade, isolada c alheia do mo,·imento geral,
como ficaria a tôrrc dos fi Ihos de Noé á volta do
segundo diluvio. E assim oiTereceu este novo
Babel, mais confuso, mais dcs,·ai raóo e mais louco,
um espetaculo estranho, incoherente, um novo e
mais claro monumento Ja cegueira vao, e estupi-
da prcsump<;ão do homem, do que a orgulhosa fá-
brica da Syria. l\1as se para confundir a desme-
surada subcrba d'n.quellcs ec.li ficadores, foi neces-
sario um dos maiores milagres de que rezam os
livros de .Moisés, par:t destrUir a obra de est'ou-
tros sobeja a ordem natural das coisas, e a ten-
dencia necessaria da civilização ao nivelamento.
geral; propriedade eminente d'este fluido sublime.
a qual (assim como a nenhum a póde tirar o mais
experto hydraulico) tan1bem o mais habil politico
jamais conseguirá destruTr-lhc~

XX.
Descu~rta e coluai.;aaç'ão do Bruil.

Portugal domin:\\'a ja u'Afric.l e Asia quando


c.l~cuhriu
o Bmzil. Desde a:; prn11as fronteiras de
Anila c Tangere até ao Scio·p<'r::;ico c máres da
China, uma linha de conquistas, que começava em
Berberia, rodeava toda a orla occidental d' A frica,
dobrava o Cabo-das-Tormentas, seguia toda a
costa oriental, e discorria assim pela Asia-mar·
cava a estrada triümpbal dos Portuguezes, e, para
d'esta sorte o dizer, a f1ia militar de seus galeões,
que para áquem das columnas d'Hercules senha.
reavam o imperio dos máres. Por maneira que a
nova descoberta pouca sensa'ião fez em tal abun-
dancia de conquistas: a especiaria e os diamantes
d' As~ o marfim e ouro d' Africa cegavam os
olhos do commerciante; a vassallagem de tanta
Dac;ão florescente, as páreas de tanto rei poderoso
deslumbravam o monarcba; tanta victoria o ge-
nio militar da nação; e até a conversão de tam
riccos potentados satifazia a religião de uns, a by-
pocrisia de outros, e o fanatismo de todoe. Que
podia oft'erecer o Brazil ao commércio d'aquelles
tempoe~ Algum pau de tinturaria. Que pro.
mettia ao espírito de missão e proeelytismo ~ A
40 l'Olt r Uti.A 1.

convcr~ão de algumas cabiluas de selvagens igno-


rant('$. Com que podia li:.onjcar a ambic;ão do
príncipe? Com a desmesurada extensão d'um
terreno inculto, bravo, mal povoado. O rei não
curou de sua nova OCIJUÍ~ição, c do povo os
que a não ignoravam a reputaran1 de nenhum
valor. (36)
TodaYia com o andar tlo tempo uns e outros
se foram convencendo da ituportancia do ''asto
,
continente que a fortuna lhes deparára. Errado,
mas n'aquellas eras ucccssario, systcma de coloni-
zação,(37) atral>OU seu augmento e povoac;ão;
porêm o tclllpo, a riquesa do terreno, a bondade
do clima resistiram á maldade e imperícia dos
homens, á barbaridade e estupiclcz das leis: o
Brazil descuhcrto no principio do XVI seculo,
era ja no X VIl objecto da cubiça e inveja de
toda!! as nações maritimas e commerciantes. En-
tão ja os galeõe.-. do Tejo tinham perdido o scep-
tro dos máres: a Hollanda livre e independente
o havia tomado qua!'li sem esfôrço das desfalleci-
-<las mãos de Portugal st~jeito c escravo. As
:-óA D.\LA:S<jA DA :Cl:JtOJ'A. 47

conquistas ele Albuquerque, as dcscubertas de


Gama tinham succumbitlo ao jugo (!os audazes
republicanos: por pouco esteve que ás de Cabral
outro tanto não succedessc.(38) E foi nccessa-
rio, para11ue Portugal conhecesse o ,·alor de tam
riccos domínios, que lh'o viesse a cubiça estran-
geira demonstrar a casa. (39} Desde então come-
c;ou o Bra1.il a ser, e a considerar-se, quando não a
mais relevante, uma das principacs partes da mo-
narchia. Porém o receio de perdê-lo fez augmen-
tar as vexac;ões á propor~õo que sua valia aug-
mcntaYa: c assim começou a formar-se aquelle
systcma oppressor e barbarmcnte colonial, que
aperfci~oou c regularizou <h'pois o rnarrJuez de
Pombal : systema que seguiram (com menos
juizo sim, porêm com mais crueldade) os minis-
tros pygmeus que succederam ao dt.-spotismo, e
nuo nos talentos, d'aquelle extraordinario e gi-
gantesco ingenbo politico; systcma que ainda
hoje cegamente seguiria, se lh'o deixassem, o
gabinete portuguez, que nunca para o presente
ou futuro te\·e olhos, e apenas rio passado ,.c o
48 PORTUGAL

que de eacarmento, experiencia, ou exemplo lhe


não póde servir. Mas extraordinarios succes808
interromperam a rotina ministerial.

XXI.
Eirado do Bnuil no priadplo do ttelllo decimo aoao.

De todo o immenao territorio que à ribeira do


mar se estende desd'o A mazooas ao La-Plata
apenas as ourellas marítimas eram salpi,:adas de
povoação, e essa taro mesclada que 80 a quinta ou
sexta parte se poderia dizer branca.(40) A raça
escrava certo mui longe estava de ser tractada de
maneira que não envergonhasse a natureza: mas
aYnda assim não eram as crueldades dos colonos
portuguezes para comparar-se com os horrores
verdadeiramente caoibaes de inglezes e fraoce-

zes.
O govêrno porém era estupido e tyraunico: a
auctoridade dos capitães generaes sem limites e
sem recurso; a jurisdicção mixta e intrincada dos
ouvidores e juizes de f6ra faziam a governaoça do
Brazil não 80 a mais despotica, senão tambem a maia
SA 11.\LANÇA DA EUROP.\. 49

absurda de todas as administrações coloniaes.


Nem as proprias relações do Rio e Bahia
eram essas mesmas tribunaes independentes;
porque pre10ididas pela auctoridade administra-
tiva, (-11) eram as leis por que julga·mm as por-
tarias do governador, c seus accordams minutados
nas secretarias d'elle.
O clero pobre e Ignorante inOuia pouco; as
ordens religiosas tambPm pouco medradas não
preponderavam muito: so o commércio, apezar
de todos os barrancos da legisla<;ão e abusos de
seus executores, tinha importancia c valor. Po-
rêm o commhcio era exclusivo com Portugal;
Lisboa c Porto os mcrcad~ do Brazil para as
naçõe11 do Europa; não lhe con!;Cotindo a metro-
poJe o mínimo tratto ou tráfico com o resto do
universo. Até o ensino e a<~ luzes eram objecto
de monopolio, porque no Brnzil não havia nem
5eminarios, nem collcgios, nem unh·ersidades; e
não soo medico, o jurisconsulto, o mathematico,
o philo!õopho, tua.:. até o que l>C de:.tina,·a aos mais
11
50 l'OR'J'UC:AI,

triviacs conhecimentos e profi~sões da socieclade


as tinha de vir apprender e estudar a Portugal.
Todavia, a massa geral d'cssa população era boa;
so lhes fallecia bom govêrno para de tam flo-
rescentes colonias se dcsim·olver a mais poderosa
nn'ião das terras trnnsatlanticas.

xxn.
O Ilrnzil metropol~.

E esse era o estado do Brazil quando a casa de


Brangança fugitiva de Portugal apportou n'aquclle
h~misphcrio, offcrcccndo ao novo mundo o novo
spectaculo de um monarcha, de uma côrte eu-
ropen transplantados <los gothicos palacios das re-
giões feudacs para um solo \' irgcm dcari:-tocracia!',
c cuj()s habitantes, ricco!t e igualados pela com-
mumlci do trabalho, não conheciam mais c.uelleu-
cias que as do seu go\·ermttlor ou do sru bispo, nem
mais sc"J,,>rias que as do seu ouvidor e juiz de fóra.
Subitamente uma nu,·em de grandes, de mag-
natas de todas as ordens c jcrarchias im·a-
dem suas terras, maltrattam, roubam, afl'rontam
e fazem sentir aos povos do 8razil todas as du·
çuras c bcnções de um govêrno patemal elegi-
timo.(42)
Este foi o primeiro effeito que resultou ao Bra-
zil de sua nova posição politica. Pesados e vio-
lentos tributos, vexações de toda n ordem e
guiza vieram logo. As esperanças dos Brazilei-
ros esvaêceram-se; escravos, opprimidos como
d'antcs, so tinham mudado"tle condicção em ter
mais perto o oppressor.( 43) Mas uma causa estra-
nha veio melhorar a a sorte do novo imperio. O
gabinete britannico quiz os portos abertO!\ para
os mavios de sua nação; e o ministerio portuguez
forçado, mau grado seu, a fazer bem ú classe in-
dustriosa, consentiu em franqucnr os portos do
Brazil. Assim acabou (4·t) o monopolio de Por-
tugal, assim os mercados de Lisboa c Porto se
mudaram para o Rio, Bahia, Pernambuco e mais
cidades marítimas do Brazil. O cotnml!rcio cres-
ceu florentissimo, e continuou a luctar com mais
52 J'OilTUGA L

fõrças contra a pen·ersidade do govt:rno c de seu»


actos, a qual, ainda assim, crescia parallela com o
augmento da fortuna pública.
A venalidade e imperícia dos ministros, a devas-
sidão da côrte, o augmento, abusos e pretenções
da aristocracia haviam subido ao maximo ponto,
e deixaram muito atraz quanto na Europa se co-
nhecia: esse não era so despotismo, mas despotismo
oriental, estupido, infame e indecente. Govêrnos
tacs não quebram (polque nem para isso tem força)
os laços sociaes, mas apodrecem-os; o mínimo
movimento, que de leve toque n'essas massas des-
compostas, descubrirá a falsa posição d'uma
sociedade sem mais vínculos que o hábito d'elles.
sem mais ordem ou umão que o longo costume
de existir sem ella.

XXIII.
Revolução do Brazil.

N'éstas inconsistente:J circumstâncias do Brazilp


o rodeava por toda a parte a conflagração gera•
do continente americano ; cm tal crc~cimento de
abusos, de privilegio~, de csfon;os rctrogrados, a
ch·ilizalião crescia victoriosa cm deredor de seus
limites, e destruía todos c,..,..es erros e absurdos
que lhe eutravaYarn a c::.trada triümphal. So o
Brazil parecia cstacionario c impassível quando,
situado no meio da America, todos os raios do
grande circulo americano pareciam dever con·
verger para ellc como para centro. Não ! ... a
electricidade ja f;\isca por suas províncias, ja
estala por suas cidades; aquelle sussurro per-
cursor das grandes commosõcs politicas começa
ja de sentir-se; os ministros imbecis despertam em
fim : declara-se a guerra aos novos Estados; trac·
tase de aCfastar para longe o exemplo, de evitar o
contacto. (45) A pacificação da Europa veio a
ponto para ajudar os projectos do ministerio
brazilicnsc: a flor dos batalhões portuguezes,
aguerridos por tam longa campanha, audazes por
tanta victoria, é obrigada a desertar das bandeiras
da h.onra e independencia nacional para ir
.) l l'ORTUC.I.L

ablistar-sc sob o estandarte da invasão illegttima,


da usurpação absurda.
Éstas brio:oas phalang~s costumadas a vencer,
\'cncem apczar da estranheza do clima e dos in-
explicaveis obstaculos f(Ue em todo O genero se
lhe punham de deante.
A revohu;ão ja imminente do Brazil foi espaça-
da por algum tempo; e os que mais atrevidos le-
vantamm o grito ela libcruade em Pernambuco
foram victimas d'essa tentativa temporan. As
classes parasitas cantaram triümpho, embria-
garam-se com o cheiro do sacrificio, e adormece-
ram sôbre o perigo, que todavia não tinha cessa-
do. Mais forte, mais v-alente, mais irritada pela
compressão, a revolução existia cheia de vigor e
de vida no coração do Brazil : o mini mo impulso,
o levíssimo lOC(Ue faria rebentar n'um instante
todas essas comportas apodrecidas, que empresa-
vam a torrente da cirilização. E esse instante
não tardou. As \'elhas instituições da Europa
seguravam ainda por tlebil fio ésta derradeira
porção da A mcrica: mas a Europa tinha recebi-
NA liA LANÇA DA IW ROPA. b5

do da America o exemplo c impulso da liberdade;


justo era que lh'o rctriblli!:SC.

XX IV.
Euru1m.- Hcwlução lle 18\:0.

Exigia a ordem alternada da reciproca influen-


cia c.los dous mundos, que reflectisse agora para o
i\leio-dia do novo, o grande movimento que de
seu Scptentrião tinha "indo abalar o velho.
A vt!z da Europa é chegada: toca-lhe por seu
turno tomar a iniciativa na qucsü'io ma>.ima do
universo. Civilização c ignorancia, liberdade e
privilegios-nova lucta começa entre elles; e ao
antigo bemispherio incumbe comcçá:la.
A que po,·o cabe levantar agora o pendão
prostrado da justiça das nações? A esse que
mais a\'exado e oflcndido, mais ultrajado e oppri-
mido for. Dêmos um lanço d'olhos pela Europa,
e \'t>jamos por esse horisontc politico d'onde mais
cn.:sce a cerração da tempestade; onde mais ag-
graYada a humanidade be rcbcllará mais presto
contra seus oppressore:..
56 POR'l'UGAL

Os reis tinham vencido; ou antes para os reis


tinham vencido os povos. Ja mencionei as pro-
messas com que os instigaram á peleja e á victo-
ria, e com que depois fingiram retribuir-lhes; ja
disse como as cumpriram,-mal, atraiçoadamente,
com subtcrfugios e mentira. Mas de todo o con-
tinente europeu as duas pcoinsulas, italiana e
hespanhola, foram de certo as mais ultrajadas, as
mais indignamente vilipendiadas: {46) e todavia
se olharmos a natureza da ofrEmsa c da inj ostiça,
em igual parallclo poremos suas queixas e aggra-
vos; porém se considerarmos as circumstâncias, a
qualidade do o.ffensor, por semduvida que as duas
nasões da península hispanica centuplicados mo-
tivos tinham de mais que as províncias e po-ços
da Italia. Ambas haviam entrado na lucta geral,
ambas tinham o innato direito de toJos os povos a
ser felizes, e governados segundo a justiça. 1\Jas
particularmente Hespanha e Portugal haviam
pugnado por si c por seus reis; e se feliz, e bem
succedida fôra essa lucta, ao generoso patriotismo
da Hespanha se ,~c,·c, deve-se ás Jiberaes instittü-
ções que adoptou, as qunes esse patriotismo exci-
taram, o nobre espirita da nacionalidade desper-
taram, c as!'im ole~nntaram o inuncn~o podêr lia
fôrça moral, n que ,não podernm rc:.istir nem os
,·encedores de lcnn, de A usterlitz e .Marengo. {471
Por~m o covarde príncipe, por quem tanto hoa-
rado cidadão combateu, pereceu, c venceu ao cabo,
Fernando sôlto emfim dn iguominiosa c voluntaria
pri~ão pela nobre gcullro:-;idadc ele seu povo, ape-
nas pisa o tcrritorio cm;tdhano, c toma nas mãos
indignas esse sccptro que, cm má hora c para mal
seu, lhe recobraram os povos, patenteou logo com
a mais infame perfidia toda a ingratidão, toda a
vileza d'um escravo, que liberto por mão cari-
dosa dos grilhõcc; rptc bem mereciam seus crimes,
come<;a o gôso c exercido da lihcrdadc por insul-
t:lr e oflendcr a quem lhe alcançou a não mcreci-
,Ja carta de alforria.
Fernando de\•ia n liberdade e o throno á
constituição de Cudiz: liberto c coroado por
ella entra no reino, promctlc jurá-la c cumpri-la;
c o primeiro acto de seu govêrno (! anniqiiilá-la,
I
J'ORTUG.AJ,

punir barb:~rarncutc todos seus fautores (fautores


de sua dynnstia, assim como flor de toda a na<;ão),
annular todas as reformas, destruir todos os me-
lhoramentos, rcno\'3T os abusos todos, restabelecer
todos os absurdos, incoherencias e funestas insti-
tui1;ões da monarchia theõcratica dos Philippes. ..
Em Portugal a força estrangeira, interessada
auxiliar, que tam caro nos vendeu nossa phantas-
tica indepcmlcncia, não tinha deixado respirar a
opinião pública, nem pcrmittido ao espírito nacio.
nal o clcsinvolvcr-se, c manifestar seus verdadeiros
sentimentos. Tonos os cora~õcs Yoavam para
Cadiz c su!'pira,·am de briosa inwja pela fortuna
de seus ,·izinhos ;(4S) mas a protecção opprc:;sora
dos allindos suiTocou o generoso impulso da ua-
c;íio, e rete\'C os Portuguczcs uo primeiro passo (o
mais difficil) da liberdade; fazendo.os crer da Eu-
ropn rebanho miscravcl de escravos semi-barba-
ro:;, que so compellidos por cllcs combateram in-
roluntariamentc por liberdade c indepeudencia
que uiio sabiam npprcciar, nem gosar mcréciam .
.Asl>illl, pôstoque \'Írtualnwntc uni1lns nos f'nste-
NA DALA:s"ÇA D.A 'EUROPA. bn

lhanos cm sentimentos c de!<'jos, tam nddiantados


como clle~ na ch·ilização c nas luzes, não tinham
todavia ganho a·inda tanto, c por esse lado não
perderam tanto com a pseudo-restaurac;ão os Por-
tuguezcs.
Porêm outros padecimentos c affrontas os em-
parelhavam na mi!'eria e aggravos: porque reduzi-
do, como ja dis!\e, a colonia de suas colonia!l, go-
vernado por um despotismo delegado (o pcior e
mais insupportavel de todos os despotismo!-<), cor-
rupto c impotente; Portugal sem commércio, por
que lh'o tolhêra e arruinára o gabinete do Rio;
(49) sem inuústria, por que lh'a impcciam; sem
agricultura, porque lh'a vedavam; sem adminis-
tração porque não é administração o pecu-
lato de:-.façado e público, o roubo c a vcnalidade
patcnte,-dc:;cêra ao mais abjecto, mais vilipendio-
so estado, a que jamais se viu baixar na'ião sem
haver perdido 5Ua independencin: comquanto
pouca era a indcpcndencia de um Estado na maxi-
ma parte governado por e~trangeiros {50) delega-
elos de um chefie au~ente.
l'Oit1"UGA L

Por maneira que bem perplexo se n~ria o


juiz, que louvado para decidir em tal questão
hou,·csse de pronunciar qual das duas nac,ões ·da
península ibericn mais aggravada ou mais desgra-
çada csta,·a. Assim era geral cm ambas o descon-
tentamento, commum a indignação, e uuanime a
eficrvescencia. Diversas tentativas romperam nos
dous reinos; mas, ou por immaturas ou por mal
preparadas, so ser\'irnm para augmentar o kalen-
dario dos martyrcs da patria, c preparar os animos
dos povos. (51}

XX\T.
Naturera da re\'Oiuçio de 1Bll0-lleapanlta

Finalmente chegou o vigesimo anno do XIX


seculo, assignalado nos fastos ela humanidade, e
uma das eras da civili7.ação. Hespanba levan-
tou o brado: o grito da ilha de Leão soou por
todas as suas províncias; c quasi sem opposição,
sem nenhum dos tcrri,·eis accidentes, das insepa-
ra,·eis calamidad~ companheiras das revoluções,
a constituição de Carli7. foi restabelecida, o con-
:-iA JI.\I.AliljA 1>.\ J::UHOl'.\. Ôl

gresso convocado, e a grande máchina do govêrno


representativo ro~ta Clll regular andamento. Tam
preparada, tam coll\'cncidn, tarn decidida estava a
nação !(56)
O novo e inaudito spcclnculo de similhante
rcvoluc;iio Cf:pantou o rnutHio; c encheu de irl\'eja
e desejo ns na.,Õtli, que todas suspir~n·am por
liberdade, c a quem ~ receio dns discordias civis,
o terrivel exemplo ua Franc;a, continha todavia.
Por toda a Europa despontavam syrnptomas de
commoc;üo: não ja aquellcs annuncios aterradores,
formidaveis e E'!.ipant080S, que ua tremenda irrup-
ção do ethna da rcvolu<;ão franceza annuncia-
vam sua communicnção suoterranea com o fer-
mento dn mac;sa geral europen, c amea<;avam re-
bentar a cada instante, cm cada cidade. ~ão ;
os furores dcmagogicos haviam cessado, os phan-
tasmas platonicos tinham-se desvanecido : a Eu-
ropa queria liberdade, mns aquclla liberdade que
suas drcumstàncias comportavam, que sua loca-
lidade, seus costumes, seus al>u11os, ainda seus ar-
raigados 'icios, podiam tolerar. Al'sim a ten-
PORTUGAL

dcncia dos animos, a inclinação, a atracção geral


se manifestava franca, kal c pacificamente, sem
terror, sem receio. A revolução dos fios do se·
cu lo XVlll fôra uma detonação electrica, que
se communicava, crescia, e crescendo destrula e
abrazava: a do principio do XIX era uma fôrça
magnetica, valente, poderosa sim mas serena, que
chamava mas não ímpellia, atrahía mas não cen·
telha,·a.
Tcnbo por exacta ésta comparação. A
revolução das duas Penínsulas era moderada
c pacifica; a liberdade triümphante propoz aos
tyrannos condicçõcs honrosas; cedeu paraque
cllcs cedessem ; fez até sacrificio da justiça para
que sacrificassem elles a injustiça. Os tyrannos
acccitaram com dolo, faltaram á palavra, perjura·
ram, e valeram-se da mansidão da liberdade para
a trahirem á falsa fe. Que devem elles esperar
<tuando ella Yoltar sem propor capitulações, sem
dar quartel, e surda ás proposi~õcs que lhe fize.
rmv para transigir ?
:SA HALANC)A D.A EUitOT' <\• ()3

XXVI.
Revolução dr l'õrtugal, ltalia, G rt"CÍa.

E em \'erdadc part>cia que no bello c doce


clima do 1\leio-dia devia 1138<:er este systcma
indulgente, generoso c tolerante, que até com
as fraquezas da humanidade transigia, e bai-
xava como um anjo conciliador no meio dos
homens para f:'lzer a uns esquecer as injúrias, a
outros repará-las, e unir a todos para a commum
felicidade. Que pcr!'pcctiva para a raça humana!
Que esperauqns! Liberdade sem sangue, igualdade
sem desavenças, religião sem fanatismo, monar-
chia sem despotismo, uobreza sem oligarchia, go-
,·êrno popular sem demagogos !
Portugal seguiu a llcspanha. Em bre,·e a
península italiana acudiu ao reclamo da liberdade
meridional. Da oppo.,ta ribeira lhe respondeu a
Grecia.
Portugal abandonado por seu cheffc, c entre·
gue á mercenaria tyrannia de seus dcsprezi\·eis
bachlts, deu então o grande exemplo de uma
nac;ão pequena, opprimida, que ouve pela pri-
ô.J l•Oil 'rUGAL

mcira 'cz a pala na liberuaJf', que pela primeira


vez a go;.a, e toua\'Ía procede cm todos seus
actos como um povo maduro no exercido da
soberania, educado no go\'êrno representati,·o, e
para quem o difficil costume ele reinar<' obedecer
l: ja, por muito antigo, t.ábito natural e fac ii. As
duas naljÕCS italianas adoptaram a coustitui.r;ão
de Cad iz ; cm Portugal o espírito de independen·
cia, porventura uma C<'rta ri\·alidade que a vi:.d-
nhanlja c antigas iqjúrias excitavam, não quiz
sujeitar-se senão a um codigo de sua propria
feitura c eminentemente nacional. l\Ias a
base de todos esses codigos era uma, elles pro-
prios eram os mesmos; accidcntes ou palanas
os distinguiam: era em fim um ~o o ({Ue potlêmos
designar com o nome de-• systcma da liberdade
Jneridional.'

xxvn.
Erro l"Dpi111l do •Jalcma politico .r... JO!!!J.

Ainda mal! que para tam generoso systema fal-


ltararn homens, ou antes falharam os homens nos
NA ll\LAXÇA DA. EUROP.l. 65

meios e modos de sua applica~ão. Não foi êrro


d'cl>tC ou d'aquclle, como a iuveja, a intriga, os
partidol> cegamente proclam:1ram; mas êrro com-
mum, geral, cm que todos peccaram, para que
todos concorreram com &ua quota de faltas; as
quaes todas procederam de uma so e unica ori-
gem, 'o errado methodo de se estabelecer aquelle
systema.'
Innocentc foi esse êrro cm muitos, direi na
maior part<•, porque o ('ngano geral o suppu-
nhn o mais acertado meio. Quero falia r das re-
,·oluções militares, que cm verdade foram a unica
e ,·alente causa da pouca durat;ão c stabilidade do
systema reprcscr)Jativo nas duas Penínsulas. Certo
é que sem o auxilio da fõr~a armada era impos-
sível qualquer revolução uo estado d'aquelles
paizes. l\Ia." fazer-se do que so devia ser auxUiCJ,
agente ut1ico e c.r.c/usiru, cisnhi o grande, o maxi-
mo, o capital C!rro das rc,·olw;õcs penin!'ularcs de
1820. Todos os homens illustrados, todos os
cidadãos honmdos applaudiram c adoptaram de
coração ~ alma o& pri11cipius (a~fórmas, nem
K
PORTUG AL

todos) do systema proclamado: mas a massa geral,


o corpo da nação, que nunca se decide sem ver,
tocar, 'palpar per si mesma ,-ficou impassível e
pela maior parte indiffcrcnte.
Demonstrado é ja hoje qne a totalidade do povo
jan.ais se interessará, c menos punirá por mu-
dancas politicas que el/a proJ,ria não tenha
feito, ou para as C}Uaes, pelo n1cnos, não tenha
grandemente concorrido. Nem vale a prompl a
objecção de que o povo todo concorrêra para
essas innovaçõcs, poisque elegera deputados que
em seu nome e por procura ção sua as estatui-
ram. Thcõria s são essas flUe o povo ignora, ab-
stracções que dos sentidos lhe fogem; c o povo
não crê, nem defende ,;cnão o que toca c palpa.
Mas o odio d'cssa liga fatal que por zombaria
ou blasphemia se intitula da " legitimidade"
era certo, seus em~itos imminentes. Os desertos da
R ussia plantados de baionetas, os castellos fcu-
daes da A llemanha eriçados de canhões, o ciürne
inglez coalhando os márt:.s de armadas terríveis,
a França, (53) envergouhada (le sua:. antiga,-
~a 11ALANÇA DA &VROPA.. ô7

proezas, anciosa tle fazer penitencia e de mos-


trar a seu senhor arrependimento e remor-
sos; todos os colossos do Norte amcaça\'am o
Meio-dia. Como lhes hade cllc n.'Sistir? Recor-
rerá a seus cxercitos? Dir-lhcs-ha " Vó1 fizestes
a revolução, defendei-a vós."? Porem esses ex-
ercitos perderam a disciplina militar, e por esse
primeiro acto de salutar desobedie11cia se julgarão
auctorizados a commctter quantos mais lhes pa-
recer, dizendo, depois de cada um d'elles: Salvá-
mos a putria.
Assim succedeu de facto: porém quando tal
não houvera acontecido, quaudo o soldado hou-
vera conservado a disciplina, quando cada-um
d'elles se não supposessc na occasião do perigo
legislador, executor, julgador, governante abso-
luto; e não argumentasse do fatal aresto da pri-
meira revolução para o direito permanente de
fazer cinqüenta outras; como houvera o pequeno
podêr dos exercito, do Meio-dia de resistir á!'
forças colossacs de todo esse N ortc? Exército
68 POUTUG.\.T,

por ex~rcito era impossível, mas que foramos nós


gigantcs,pygmcus elles.
Logo era certa a ru·ina da liberclade?-Xão,
não, homens cég01;, não: chamae o povo, inter-
essae-o, fazei por elle c para clle a revolução; elle
defenderá a obra de suas mãos. Um povo que
não quer ser conquistado jamais o é; um po,To
que determinadamente quer 6er livre J;empre o
será. Etisa determinada vontade convinha inspi-
rar e manter no povo; c exactamente n·isso fa-
lhou a revol uçiio. Sei eu, c todo o homem de boa fe
sabe, que não foi criminosa ten11ão de todos os
que dirigiram os ncgocios publicos a que os levou
, a arredar constantemente o povo (segundo fize-
ram) de tomar parte na rc,·olução; (54) o receio
da anarchia, o fatal exemplo da França lhe in-
spirou terror; c a natureza prÓpria do system~
indulgente e neutralizador que se havia proclama-
do, exigia summa prudcncia e melindre n'este
ponto. Mas quam longe foi esse melindre, quam
vagarosa e tímida andou essa prudencia! Os
inimigos da liberdade, estrangeiros e clomesticos,.
o perceberam, e cuidaram cm nppro~eitar a tem-
po de tam fatal descuido e timidez. A massa da
população, inerte, impassi~el, indiferente, csta,·a á
dispo11i<;ão do primeiro que d'clla se quizcsse va-
ler clanc.lo lhe mo,·imento cm qualquer f;CUtido:
a revolu<;ilo não se aproveitou c\' c lia, fc-lo a con-
trarcvoluc;ão.
Recapitulemos:
A revolução foi militar; o exército perd::ra a
disciplina: não se podia contar com cllc.
1\las a revolução não podia deixar de ser mili-
tar, porque o ext!rcito tinha a força.
Pois devia chamar-se pQr:o e exército,· fazer a
revolução militar e ci,·il; annar immediatamcnte
o povo paraque melhor se unissem assim, e mais
respeito imposessem a estranhos.
!\Ias o espírito da revolução era moderado,
pacifico e conciliador: se o povo n'clla entrasse
quem o podéra conter? Pois cisa h i o defeito da
revolução. Revoluções pacificas, moderadas, so
o go,·êrno as póde fazer, porque as faz com a fôr-
ça ua mão, manda ao po\'o cm seu proprio nome,
70 l'OJtTUGA:L

" detcr-
c não no d'cllc: não cliscutc ncm.rropôe,
mida e ordena. ~Ias quando a revolução se faz
pelo povo e em seu nome, forço1lo é que o povo
entre c disponha n'ella; que a mf.l.china social se
disloquc; 3!1 in,tituic;ücs ,·elha" se destruam todas
de uma rle:, e que em terreno limpo e desemba-
raçado se cdiliquent de no,·o novos edificios.(55)
Ora ac; revoluções de 1820 não so foram qua.si
puranwnle tuilitarcs uo H'U comêço c rompimen-
to, mas até militares se conscnaram sempre, (fallo
de Hcspanha c Portugal onde progrediram) po~.,
que o gov~rno t.'Striba\'a principalmente no exér-
cito, c, t·specialmcntc cm Portugal, jamaiJ; con-
sentiu que o povo tomasse a mínima parte na de-
fcza pública; c so nos ultirnos paroxism05 do sys-
tema consentiu na in~tituição ~alutar das guardas
nacionaes. D'ahi, militarmente proclamada, mi-
lítarmcnte gustentada, c militarmente destruida
foi a causa do po\·o, !~em ao povo ser permittida
sua propria dcfezn.
Uma de dua:.: ou o systema era <k>tnocratico c
democratil·amcntc se dc,·io pstal.Jclcc('r; c então foi
t-A 8,\ L ,\1-hjA DJ. KC ROPA. 71

errada a revolução, porque não interCS!Iou bas-


taute a massa democratica; ou não o era, e tam-
bem foi errada, porque se intcrcsl!Ou demaü essa
massa com as conc~cs que lhe fizeram.
Sem, por agora, fa11ar na propriedade ou im-
propriedade das constituições de Cadiz e Lisboa,
direi somente, que ellas tiveram os mesmos defei-
tos da revolução que as crcára: de mais para um
systemn conciliador c moderado, qu:}l o exigia o
estado valetudinario c corrupto, mesclado de clas-
ses e partidos das <luas Penínsulas; ele menos para
uma reürgnnisação social, qual a pedia a opin;ão
dcmocratica c o espírito radical das reformas por
que se bradava. D'btas contradicções resul-
tou não se conseguir o primeiro efTeito das re-
voluções, que é, corno cm França dizem, ele mel-
Ire lcs lmmmes à leu r place: os inimigos da li-
berdade ficaram nas mesma posições sociacs; e
assim quando hou\'e mister magistrados para pu-
nir rebeldes, acharam-se com protectores d'elles;
quando se prccizou de auctoridades para manter o
systema, charam-sc inimigos rebuçados que o
72 PORTl GAJ,

mina,·am; f]Uando se quizeram generacs, apparc-


ceram cobardes que temiam a guerra, e traidores
que entregaram as armas aos contra rios; quando
finalmente se precisaram braços e espadas para
defender a patria, surgiram baionetas rebeldes, in-
disciplinadas, que em vez de marchar contra o
inimigo se voltaram contra a nação.
Não se pense pot·êm que eu faça unicamente
consistir a firmeza estabilidade do systema rt>pre-
sentativona iustituição das guardas nacionaes, c na
parte que por ellas toma o povo no Clitabelecimen-
to, manutenção e defeza de seus direitos. Essa in-
stitu'ição maravilhosa é necessaria, indispensavel:;
porêm mais necessario, mais indispcnsavel ainda
é que o povo conheça e avalie o que defende.
Para isso é preciso illustra-lo de palav1·a e obra.
De palavra, por via de escriptos prudentes e assi-
sados, de escholas e instrucção. De obra, fa-
zendo-lhe ver e sentir em seus resultados a excel-
lencia do systcma adoptado. O effeito do primei-
ro d't"Stes meios é lento, c de pouco fructo na
:S A U ,\L.A.NÇA DA EUROPA. 73

geração presente-de inca\culavel proveito nas


futuras.
O segundo tem immediatos e perernptorios e
efficazes resultados: as reformas na administra-
ção, os melhoramentOti nas estradas, nos meios de
circulação das riquezas, a protecção da indústria,
a liberdade no commércio, a justiça nas leis, nos
tribuuaes, nos magistrados, o allh' ÍO nos tributos
(se a revoluçno os trouxesse) mostrariam ao povo
as ''antageus do systema proposto, seriam incan-
çaveis e eloqüentcs apostolos de sua bondade, e o
fariam Je tal modo querido e amado, que ne-
nhuma traição doméstica ou invasão estranha o
poderia destru"ir.
:\Ias em Portugal (o mesmosuccedeu nos outros
pa'izes) a revolução deixou as coisas como as
achou, e não mudou senão homens. Se a antiga
aristocracia historica pcsa,·a sóbrc a nação, a
no\'a aristoc!acia ela revolução pesava dobrado.
O patronato, a concussão, o peculato era o mes-
mo. Os tribunaes julgavam inquisitoriamente
como <l'antrs. Os tributo!' pouco 11e allivia-
•·
74 PORTUGAL

ram, o commt:rcio soO'ria ~ mesmos estorvos,


a indústria as mesmas peas, a agricultura as mes-
mas oppressões. Com insignificantes excepções,
o povo nem era mais livre nem mais feliz.-Como
havia elle de pugnar por um systema que nem
conhecia nem sentia ?

XXVIII.
Contrarc,·oluçiio de 1823

Ja Napoles e Piemonte (56) haviam succumbi-


do ú intervenção estrangeira: a A ustrin se havia
coustituiJo executora do accordam da Sancta-
A Jliança. Hespanha e Portugal restavam ; sua
sentença estava la,rrada; mas embargado o cunt·
primento pela maior difftculdade da execução.
França, que esse deprecatorio rtcebêra, se arre-
ceava de seu exército e não ousava cumprir.
Outro gabinete machiavelico ruminava todos os
estratagemas de sua politica. arteira para combi-
nar o intêresse real que tinha na q uêda. da liber-
dade peninsular com as fôrmas convencionaes a
que a opinião do seu generoso povo, os tracta-
NA. DALANC)A DA &UROi>A. 75

dos com Portugal é o receio do engrandecimento


<.la França a ohriga,·am. Ambos os gabinetes
deram as mãos, nenhum declarou guerra, ambos
invadiram; um com armas, dinheiro e escapula-
rios pelo Bidassoa; outro com dinheiro, promes-
sas, c astucias diplomaticas pelo Tejo. O indiffe-
rcntismo da massa popular, parte por sua mesma
ina~ão, parte approveitado com o impulso fanatico
que se lhe deu, fez o resto; a traic;ão militar com-
pletou inteiramente a obra: o systcma peninsular
olhiu, e com cllc todas as csperanc;M da Europa.
A o\igarchica canegaJa com os despojos opi-
mos da liberdade entrou de novo cm sua tôrre de
ferro, e do alto das ameias fcudaL'S deu rebate ás
classes para:;itas desap~:.adas, aos abusos dcsher-
dados, ao fanatismo agrilhoado c á ignorancia des-
prezada. Todos os monstros Ja sociedade, que a ·
liberdade atcrrára no dia de seu triümpho, accu-
diram furiosos a insultá-la no atnúdt>. Reacção
terrível, que immolou milhares t.lc victimas, que
sob um gorêrno ditto paternal, sob uma auctori-
dadc ditta l('gllima commctteu mais barbaridades
76 l'ORTUG A t.

c sacrilegios que as mais desenfreadas re\·oluções


dcmagogicas! Que legitimo ousará a \legar contra
as crueldades da re,·oluc:;ão franccza depois dos
horrores da contra revolução hcspanhola?

XXIX.
Etreito! da contmrevoluçlio na Europa.

~las assim como o movimento re\'olucionario


de 1820 fôra geral em toda a Europa, e abalára
com maior ou menor repellão (a·1nda onde mani~
festo não apparecêra) os fundamentos do abso-
lutit'mo; tarnbem a rea<;ão d'cste foi uni\'ersal: e
com quanto seu mais ,·alente cm.bate veio d'en~
contro sôbre as duas Península:., todavia pela Eu-
ropa inteira se estendeu. Restringiram-se em
França as eleições; cstabel€.'ccu-sc a septcnnalidade
das camaras com manifesta violação da Carta;
supprimiu-se depois a liberdade da imprensa, fi-
zermu-se leis de sacrilcgios e indcmnizaçücs;(57)
todas a prisões de lt"t\ia e .A llcmanha se atulharam
de suspeitos e incon(itlcntcs; o phanlasma de
hbenlade, que o autocrata conccdêra á Polonia,
c.le:;appareccu qunsi de todo; a conuni~são, uu
ant~ iuquisilfão, tll~ Muycnça dobrou de rigor.
augmcntou ~pins, tornÍC]UCtcs c poll's; os JesuHas
apparaccram por totln a parte desde ~Jadrid
até Zurich ~ c o papa, olhando r<atisfeito do
alto elo Vaticano para sóbr~ o ,·clho mundo,
cuitlou \CT·s~ nos dias bemavcnturados de Gre-
gorio VII c IX, c tlc:;cnfcrrujou os sagrados
raios com fulminar :umtt.cmns a pctlreiros-livrcs, e
cxcomtuuuhõcs a carbouario;;.

XXX.
J:lfcitos lla coutrarcwluçát~ ua An1crica.

Outra \'CZ succumbiu a Europa na causa da


libcrdaJe; mas não assim a America. Suas re-
p11b1icas meridionaes se iam succcssi,·amcnte or-
ganizando e consolidando; cja a potencia europea,
que podia dea1Troutar-se do jugo da Sancta-A lli-
am;a, lhe en,·iava mcnsagen" de paz e amizade.
O reconhecimento de sua nobre independencia
não estava ainda declarado, mas existia positiva-
mente dccrct;ulo pelo primeiro Estaclo commer-
78 l'ORTUGAL

cial c marítimo do globo. Emfim completamente


triümphára a libcrdac por loda a America,
at(: .... até no Brazil.

XXXI.
E1Ttilot d11 coutral'cvoluçilo no Bra.til.

O Brazil rcccbêra o impulso de Portugal, e cou-


junctamc•~lc com a mãe patria proclamára a li-
berdade, cnviúra deputados ao congresso de Lis-
boa, espontanca c distinctamente declarára querer
conser var-se unido á metropole pelo vinculo de
uma constituição livre, igual e popular. E
acaso esse estranho phenomeno politico se hou-
vera temporariamente realizado se o herdeiro da
coroa não tircE-se permanecido na America. Im-
paciente de cingi-la, impacientes seus apanigu-
ados de lhe aquinhoar as regalias, se cobriram com
a capa de independcncia, c usurparam o impc-
.-io. Üti erros das <Ôrtcs de Lisboa appressaram
"esse accontecimento inevitavel.
Dous partidos mui poderosos no Brazil, o re-
publicano c o independente, sustentando este o
príncipe de boa fe, aquellc antevendo na separação
de Portugal um passo dado no cmninho da de-
mocracia, ambos se lhe uniram: c c\'um moço
inc:-:pcrto c ambicioso confiou assim o Brazil sua
liberdade c in{lepeudencia.(58)
Erradamente luctou Portugal <·ontra ~ indf'-
pendcncia; nem devia, nem podia: para seu
castigo passou pela vergonha de ,·cr dcshonrauis
as armas portuguezas, entregues ao inimigo as
relíquias de sua marinha, e inteiramente anoiqüi-
lado seu commércio,
Mas em fim ja toda a A merica é indepenclente e
li \'Te: nem as fórmas monarchicas conscn·adas no
Brazil impedem o estabelecimento de uma consti-
tuição liberal e eminentemente popular: o
proprio c unico representante da lef(itimidade
n'essas terras democraticas presta homenagem e
rendimento ao principio da soberania do povo
trii'lmphador alêm do Atlantico.
Todavia esse estado da America não parecia
permanente; essa monarchia encravada ~ntre re-
publicas, por muito e muito que d'ellas se ap-
proximasse, por muito qne transigisse em princi-
80 PORTCGAL

pios c actos, mal podia resistir á acção conti-


nuada, á forc;a constantt de opposição, que de fóra
e de dentro a apperta,·a tle dia em dia, de hora a
hora. Breve se :tguarda,·a que essa lucta intes-
tma, e porora solapada, apparecesse clara e mani-
festa.
Não tardou muito: o 110\'0 imperador estava
cm uma falsa e inconsistente posição. A pperta-
\'am ordens de Vicnna e solicitações de Lisboa;
instava o perigo proprio; pois tambem os parti-
dos, que se lhe haviam unido, começavam a de-
scmpará-lo: so um golpe atrevido podia salvar para
a legitimidade c para a ca!>a de Bragança o do-
mínio do Brazil por mais algum anuo. Esse
golpe teve o uovcl imperador a energia de dá-lo.
Dissolvida a democratica assemblea, sopeado o
o partido demagocico, o throno, queja balouça,·a,
se cqü ilibrou um tanto mais.
Murmuraram, deram fortes signaes de descon -
tento; mas era ja tarde : o príncipe havia sido
atrevido, e l'sta qualidade so basta as mais das wzcs
para conter a multidão.
NA RAI . ANÇ.&. DA EUROPA. . 81

Porêm os murmurios cresceram pelas provín-


cias do vasto imperio, e, de murmurios que eram,
engrossaram aU: declarada rcbcllino. Ja essa la-
vrava de província cm província, ja parecia que a
monarchia niio podia rc<;istir á opinião republica-
na. !\las o i~lamento das províncias, que mal
se communicam, e pcior ~;c podem ajudar, deu a
victoria ás fôn;as navaes do imperaJor, que havia
tido o bom aviso dt: n'clla!! estribar prinéipal-
mcntc.
A I nglatcrra, que é legítima ou liberal segundo
mais lhe convem, ja havia reconhecido as republi-
cas mcridionacs da A mcrica: todas as outras po- ·
tcncias europeas se tinham opposto, ou pelo menos
declarado contra (!j;ta dcei ão diplomalica. E
apczar de monarchia, não incorrêra menos o
Brazil na excommunhão da Sancta-Alliança por
suas libcrocs in-.tituiçõcs. A resolução do impe-
rador os fe1. mudar: tomnram-o pelo que elle não
era nem podia 11cr. Inglaterra, a quem tanto ser-
,,iu a indepeudencia da~ antigas colonias hespa-
nhola~ (por(JUC ~~~jeitas h mctropole a!l não pode-
l!ll
l'ORTUGU,

ria dominar politicamente, nem uplorar commer-


cialmente) quanto descouvinha a do Braúl, porque
unido a Portugal, exarchado seu, facilmente o pre·
dominam; a Inglaterra agora muda de plano: toda
officioaa e amiga, apparece com sua mediação
ominosa para o Brazil, afTrontosa para Portugal e
para ambos pr<'judicial. (59) Fallou em cougraçar
as duas nações, mas na rc.-llidade estipulou so títu-
los oucos c rnla vras \"3119 entre pae e filho: e então
apparcccu c&~e ricliculo tractado, vil concordata
do despotismo, que aquinhoa e reparte nações
como rebanhos, e mercadeja . de homens como de
rezes em feira.
Eisahi os go,·ernos europeus appressados are.
conhecer o novo Estado americano, e a accolher
seus cmhaixatlores! Com que ami7.ade os feste-
jam!
1\las ah ! Je quam triste agouro são para a li-
berdade e indepcndencin mneric:ma essas festas e
amizades da policia europea!
Esse unico rcpre~cntnnte da legitimidade no
noYo mun«lo e"tâ por ella de-.tinado a grandes
NA. DALUlCiA DA EUROPA. 8-J

cousaa. Ja suas guardas se rerorCiam de" bata·


lbões do Norte. Após a guarda e allianCia tudesc.t
vem immediatamente a polit.ica tudesca. O Bra-
zil o aeotirl primeiro, depois a America toda.
Não ••• o Imperador do Brazil ae desenganará
em brete: cedo conhecerá que amigos tem n'esscs
soberapoe da Europa que tanto o feste.jam 4lgOrL
Outra YeZ a perfidia, a eatupidez, t iugratidão
doe gabinetes da Europa aerl a salvadora da
America ••• D. Pedro bade ver o precipício a
que o arrojam : e o príncipe destinado pelos ty-
ratlDOI europeus para destruidor da liberdade, será
-em que lhes pêze-seu propugnador m•gnaui-
.mo.
SEOC, ÃO SEG UND A.

Ettadt> do muxdo eit"ilizado no$ fins do primeiro quartel


d'este $eCulo.- Dusolve-$e a sancta-alliança. Alguns
1obeTan01 transigem com 01 p<*)t. -Os que o não fa-
zem,ja não obram com a antiga fúrfa da união .-ln-
CI"''Ienta victoria da civiliuz çiio.-E stado da religião.

I.
Estado de mundo civilizado no JeGUilt1o quort~l do toeculo XIX.

To.u EMOS aqui folego. O despotismo, a oligar-


chia triümp haram mais uma ve-l na Europ a; a
liberdc.de vacilla na A merica . . .. Estará perdida
a causa doa povos, a causa da ci\'ilizac;ão?-~ão :
cegueira de seus inimigo~, covardia de seus fracos
amigos o su ppõe: enganam-se. Derramemos
a ,·ista por essa parte da Europ a e Amcrica
a que damos com j ustic;a o nome de "mun do civi-
lizado." V cjamos se asubmissão é perfeita, e dura-
doura essa paz de sepulcro.
JI.
1-'rnnçu.

L:mccmo' -nos de golpe no:corac;ão: da Europa.


A hi c::.lá a França; C:;!'a França onde ja se
ganhou a causa da humanidade, onde ja ~e per-
deu, ouJe so ella pôde acr perdida ou ganha.
Em parle nenhuma do orbe se guerrearam tam
exasperado~ os partidos,-ns facções que d'elles
nascem, c que debaixo de todos os nomes e pre-
textos al>solararn e devastaram aquelle sangüi-
noso paiz. Mas I...u'iz XVIII teve o bom juizo
de tomar as coisas no estado em que as achou, e
de sujeitar-se ás iucvitaveis conseqüencias da
civilização. Esca ..,a c ambígua foi a sua Carta;
mas todos os partidos se reünirnm emtôrno
d'ella, não porc1uc inteiramente fundidos, mas
porque reconheceram de seu mútuo c commuru
interêssc su!-!Cntar e:;~as mt..-smas concessões que
unsjulgararn de mais, outros de menos.
~las o partido liberal sujeitou-se de boa-fe, c
recebeu a Carta lealmente c com todas a:; sua.;
condicçõcs. Nno as~im o t'hamado 11/tra ou
86 !'ORTUGAI,

jcsuitico: renitente sempre, em toda a parte, por


todos os meios que pódc se rcbella diariamente
contra o jugo, insotl'rivcl para elle, das leis c da
i<'gitima auctoridade. O cstntlo de i Ilustração do
po,•o francez, a progressi\"a consolidação dos prin-
cípios coostitucionacs cm um paYz ricco, forte,
vasto, não lhes deixarão obter mais que momen-
taueos c cphemeros triümphos. O defeito da sep-
tennalidade da camara electi,·a é contrabalança-
do pela iudcpendencia c luzes da hereditaria :(1)
a magistratura conservadora dos pares desem-
penha alli seu alto ministerio protegendo a classe
industrial e fazendo communidadc de iuterêsses
com ella. Os parasitos da côrte fazem guerra surda
ll nação com jesuitas e congregações; a nação
faz aberta guerra á côrte, iustrulndo-se, traba-
lhando, enriquecendo. 1\las de vontade a uns, de
fôrça a outro&, a Carta contêm a todos paraque
se conserve a paz e o cqüilibrio do Estado. As-
sim flor~ce o commércio, as artes, a agricultura
'enl um paiz,(2) onde, se as instilu'içõcs consti-
tuciooaes uão coutivc!l~em os partidos, não bavc-
~ ... JJ.A.f••\SÇ.& DA lo:UitOP.L S7

na m3is artes que as ela guerra ci\'il, mais com-


mércio q~e o ele ~angue humano, nem a terra
!Cria ca\'acla ~enão para sepulcros e cemiterío~.
Tal é o podêr miroculo::.o do ~ystema repre~cn­

tativo, que mette orclcm c fclicidaclc oude _m a i~


fermentam os clcmrntos da desordem c desgraça
pública!
.1\Ias que j;C não engane a oligarchia com essa
quietação da França, com cs!lc d~jo de paz de
seus habitantes! Tecm soffriclo, sofl'rem, e sof-
frcrão ainda muito os Francezcs por amor da paz.
e socêgo ele que precisam. Mas tocae-lhes aber-
tamente na Carta, manifeste o go\'êrno declara-
damente suas ligações com a oligarchia ingleza e
austríaca-e a re"olução rc~urgirá como por incan-
tamento. Ja pelos imprudentes ameaças da côrte,
se comparam os Bourbons com os Stuards.- E
quem foi um dos primeiro~ que lembrou a com-
paração?-Chatcaubriand!
NIO IDebor pt'OIIi8io estlnperudo o pH'11dpio
kgfliao do goYêrao repr'eMeulitWo n'élll no•o
ftiDG doi Pihes-blisot, eMdo i téit pelo eapri-
••411ildbf, taillentatlo .... •bedbiiã ê Yll'-
tudea de 1eu rei e nwimea.
~---ctirertb em~~~~
· - ~ dilrereatéíi .at ~.­
dai .,- latàJW de 'iMI aolo e precllt&a, coocn:.
n-. pell 'ftliiiiO;-.e ldtati ~ -detoaôà
--.0-~ fntlemflâm ..... l"klct'êlkdal'
- Ji80tifOI de--·~ ~ ehdda~
.,..,.. ...~ p.rte ..Wiiltutiliili;~ -
,. . . . . . . ......, ~~liiitiiíitl&1•
. . ... 8111D e 'ke(lt~ 'pwAI!éf8l '* ~
-~&ta •labi·~~
. ._. ..... fttft!ldH9ii~~IWIM
tocb • diii11Dbe1 a tdlfM ..'<)~ e~. .
que d'- 1'1111lla. Seu COID. . . . .aima. -
iad'-ia CNICI8, • abi • 'fai ....,...tutndo uiaa
:'~;.\ llt\LA:-iC1A D~ EUROPA. 89

tias quantidadt•s politica!Õ da maior importancia,


por sua po~ic;ão, no systema curopcu.(3}

Inglaterra, com suas in tltuic.;Õe!i tam imperfeita~


e :wtiqua(las, suas leis tatu confusas, sua proprie-

dadc tam mal di\·idida, sua populactão tam mati-
zada de crcn~ns religiosas, sua~ classes tam sepa-
r:ulas por antigos preconceitos, suas colonias im-
mcnsas,-c muita,. pcsatlns 1i míic-patria-a Irlan-
da cortada llc facr,ões, o crédito público c particu-
lar a!Jalado; 111ilhõcs <le indigentes apar cio maior
luxo c riqueza que a'íuda viu povo nenhum;
uma dh·ida e,.,pantosa, tributos enormes-e
todavia, en1 \CZ da miscria, da guerra civil, da
fraqueza do gm·êrno, fJUC o·~, po!-içâo pare-
ciam dever resuhar,-florecc,pro,.pl:ra no interior,
(! temida c rcpcitnda de estranho<:, domina o com-
m~rcio c nn\'cgoçaõ do uni,·crso.
E como se "llstcnta 11111 edi fiei o que tam ru iuo:,o
parect•?-S~oos vigamento, í·a strudura interna,
N
POB'l'VGAL

6 o eqüilibrio da coostituiçlo, que por aua tbn,a


uatural o estA mantendo: é o atlaate do sya-
tema repreaeotativo que em eeua bombros carrega
com eue mrmdo de dif6culdadea e incobereociu.
E toda"ria a antiga gnodeza e apleodor de In-
glaterra diminuem a olboe viatoe, sua auperiori-
dllde t6bre oa outros povoe vai desapparecendo.
Porquê? Porque 01 outrol pov01 aoduam, e
Inglaterra ficou atacionaria e não ve, não quer
ver o caminho que eUes fizera10.
Ainda a consideram com reapeito, ainda a vene-
ram ; mu ee a politica illuatrada e concüiadora de
Mr. Caoning for abaDdooada pelo pbinete de S.
Jamea.-o reapeito 1e Yolveri em odio; lembra-
rio antipa iqj(uiu :-e que povo da Eur• u
nio tem, dade CC?J)enbagueo até Liaboa?(4)

v.
Cooledençlo GenMDin.

Quui todos 01 Eatadoe que entram 111 confede-


raçlo germanica goeam ja das ~101 do syatema
ft1,raentativo; e quanto o podem 1er Estado~
pequenos e encravados entre grandes potencias, ,
por clle são aventurados. A tal qual indepen-
dencia de que gosam, dá-lh'a sua fórma de go-
,·êrno.

\'1.

Mas essa independencia e todos os dias amea-


çada pelas duas grandes potencias que preponde-
ram na confederasão, c que, mais dia menos dia,
lhe hãode desmanchar o cqiiilibrio
Uma d'cllas é a Prussia: e 111ai~ tambem es!'a
não tem limites naturac!l. Suppriu·os atégora uma
população quasi tOda militar, a cabeça e a espa-
da do grande Frederico, os homens de sua schola,
o impulso que um braço forte deixa na mácbina do
Estado, e que dura ainda longo espaço depois de
extincto o agente d'e!'se impulso.
l\las a insufficiencia de taes meios cresce e ap-
parece cada vez mais. A Prussia tem ha muito:>
annos um bom codigo, um bom systema de admi-
ni..tração; !!CU poYo t: um do• mais illul'tradoi da
J'OR'l'UO ·' 1,

Europa: c ou o rei conlin(ta a cumprn a pala\'m


uaua.(5) e eompletn o edificio do Estado, que tam ·
bons e sólida~ ba::.es ja tem,-ou seus po\"os hão
de conquistar mais ampla libcruade,-ou na con-
flagr.u;ão, que tanto ameaça o Norte como o Sul da
Europa, arderá a Pruc;~ia com os outros Estado:> :
e sabe Deus, ningucm mais, o que d'nhi se fun-
dirll.

VII.
l>inumarca,

Quem ignora que o govêrno da Dinamarca é


o unico legitimamente absoluto na Europa? (6)
• O povo entregou linemcnte ao rei o c;ceptro dcs-
potico : tam a vexado c tyranizado !'e viu da aris-
tocracia. Que terrível licção! E o actual sobe-
rano não abusa de seu pod~r : e melhores futuros
espera ainda a Dinamarca das promettedoras
qualidades do príncipe real, por quem inda chora
a Norwega.
Senhora do Suntl, chave do Baltico, e por-
tanto da navegac;ão Rus~a na Europa (emquan-
NA :U.A. L~N(jA. UA. IW ROI'A• 9.1

to a Ruuia se não estender at(: o Mediterraneo-


e cedo se estenderá) que importante não é, assim
decepada c cerceada como a deixou a vingança
ingleza-que importante a'inda assim não póde ser
na balança da Europa, quando os povos abrirem
oe olbos, e os Eeus, não os interêsaes de certas
familias, governarem a terra?

VIU.
Succia.

Terra classica das fac~ politicas, paiz natu-


ral das revoluções, a Suecia tranqüilla, feliz, é
outro documento triümphante do podêr immenso
du boas instituit;ões, da fortaleza e o pprumu
do governo representativo.
Um rei estranbo,-uma nobreza inquieta, e insof-
frida de todo o jugo, que ja por vezes tem sacu-
dido o real,-uma classe media (nos outros palzes
appoio natural do tbrono) pobre e fraca,-escasaa
rendaa, debeis recursos, poucas fontes de riqueza,
-um partido forte ainda pela dynastia expulsa-
dyoaatia nio sem virtud~-e todavia as garantiu
94 PORTUGAL

10eiaes sustentando o general de Bonaparte, e


fazendo a felicidade da nação !
A memoria de Pultava tem a ~uecia em con-
tinuo medo de seu formidavcl \'Ízinho. E contra
elle não ha senão um meio de defeza, tanto para
a Suecia como para toda a Europa : instituições
livres, que reconciliem oe povoe com os reis,
e dem consistencia e fôrça moral aos EstadOS;
Fôrc;a physica onde a ha que chegue? So a moral
lhe póde valer.

IX.
Russia.

A Russia ameaça a Europa com seus milhões


~e baionetas. Não lhe tenhamos medo se for-
mos livres. E o Czar está certo e seguro d'esses
milhões de baionetas? Cedo '\'eremos que não.
A Russia cubiça o imperio de Constantino: e
bade empolgá-lo como empolgou o reino deSta-
nislaw, se o louco ciüme de lngaterra e o cego e
inveterado odio de liberdade da Austria não entre-
garem a guarda do Bosphoro e as tôrres dós Dar-
danelloa a quem ellas pertencem, 08 descendentes
)liA BAl.AN{jA llA EUROf'A, 95

c.le Lconidns c Th~mistocle:-. Não ~ ja para a


Porta defendê-lo:..

X.
,\ uslria.

O govêruo rus!'O tem medo á t.:"rdli7.a<jãO, o aus-


tríaco odio. A Russia hadc \'Ír a condescender
com a liberdade. A Austria so hade ceder quan-
dO a liberdade a anniqüilar no dia de sua \'ingança.
Perfidia systematizada, crueldade a sangue frio,
hypocrisia constante são os characleres do con-
selbo aulico.
A fôr<ja da A Ubtria está so nas artes de seu
gabinete: o imperio é composto de elementos re-
pugnantes. que todos tendem a desunir-se, que
hãode \·ir a desunir-se. E n Pro\'idencia mande
cedo esse dia para segurança da Europa e de5ag·
gra\o de seus povos. (7)

XL
Jralüs.

A ltalia é toda <'~crava ;-mas escra\'a que


I:'OJ:TUGAL

morde os grilhõe~, qui' lt 111 für.;a para os quebrar,


-que os hade espedac;ar aluda. D'ella disse um
de seu maiores filho&, um dos maiores homens
tl'ésta era:

Siam servi si, ma servi ognor frementi.

Este verso de A lfieri diz mai11 que li nos inteiros.


A ltalia está aquinhoada entre estrangeiros: esse
é um de seus maiores aggravos, mas tambem será
uma das causas de ella se libertar mais cedo.
Príncipes francezes ao Meio-dia, principes aus-
tríacos por toda a parte, a impotencia papal na
antiga cabeça do mundo,-tudo é pequeno e mes-
quinho no mais grandioso paiz da terra. Em ca-
hindo o primeiro, os outros virão traz elle, um
sôbrc a outro, como edificios que são sem alicerse,
como truncadas columnas de antiga rulna, que
sem pedestal nem capitel, o capricho dos despotas
cuidou eqüilibrar em sua omnipotencia.
Mas os povos da ltalia ja sabem como ellas
cabem : e quando voltarem a Jerrubá-la~, Jaade
"S~Cr com a união c simultnncitlade que na derra-
<leira rez lhes faltou c o~ perdeu.(8)

. xu.
Grccia.

A questão da Grccia importa immediatamente


a Russia e Austria que lhe tcão limitrophes, e fi
Turquia que n'clla tinha seu mais \'alente ponto
de dominação na Europa.
O Egypto, a Berbcria c outras consideraveis
porções d'Asia c Africa se desligaram da sujei-
ção da Porta, mas permaneceram na communhão
do Islamh:nno. Foram esses golpes terríveis na
potencia othomana : mas alêm de uma sombra
de impcrio, que sempre ficou, de uma especie de
feudo c ,·assallagem,-a identidade de religião dei-
xou ainda muita força rca\ ao Sultão de Constan-
tinopola, muita c mui poderosa influencia sôbre os
paizes separados. O caso da Grccia e mut di6'c-
rcntc. É uma religião inimiga, um govêrno de
opposta natureza, um :-ystema que naturalmente
•c liga e far. causa commum com as poten·
o
98 POKl'UGAJ,

ciu cbristans, inimigas uaturaee da Porta, as ()Uaet~


n' uma ou n'outra occasião podem talvez pres-
tar-lhe officios a!Digos-mas forçadas de circum-
atàncias, nunca por constancia de princípios.
Independente a Grecia, toda a fôn;a marítima
da Turquia acabou. A liberdade postada á porta
dos Dardaoellos não lhe deixará mais águas para
seus baixeis que as do Mar-negro-em quanto a
Russia lhe permittir navegá-lo.
Toda a consideração europea do imperio otbo-
mano morre d'está férida.
O senhorio da Turquia na Europa era ba
muito nominal. De um lado a Ruasia, do outro
a Inglaterra, depois 0t1 governadores provinc.iaes
da mesma Porta aquinhoavam entre si o imperio
grego.
Quem dominar em Constantinopola bade do-
minar o mundo: disse Roullseau. O govêrno de
Petersburgo ioteodeu perfeitamente o pbilosopbo
de Genebra. Do alto do Kremelin, a aguia
moscovita ensaia todos os dias o voo para o zim-
borio de .Sancta-Sopbia.
!'I A BA.LA.NÇA DA 'EUROPA. 00

Separar-se pois n Grecia do domínio turco-


importa e convem ll Ru~ia: constituir-se inde-
pendente, não. Mas cqnstituir-se á entrada do
Bosphoro uma nação independente que por
aquelle lado e<Jüilibre na balança da Europa o
discordante pêso da Russia, cujo alvo é e foi
sempre o throno de Oriente;-senborear-se do
Archipclago, entender-se pelo littoral da Morea,
aomenos por toda a cu r\' a que se dew:reve ro-
deando desde Volo a A rta, um povo marítimo,
navegante, commercial, que pelo andar do tempo
formasse uma podel"8& marinha-devia forçosa-
mente ser do interêsse da A ustria.
A A ustria porêm teme ainda mais os princípios
theóreticOB da emancipação gregn: o • statuquo;
é o.seu credo e a sua força. Mas retrogardar a
Grecia ao • statuquo' do príncipe de Metter·
nich so por negociações diplomaticas é impos-
sivel : é preciso fôrça e guerra aberta. Mas a
Ruseia? ~ ...
lnglat('rra faz causa commum com a A ustria:
oncle irá o ~eptro clM m!trel! se a Ru11!'ia metter
100 PORTUGAL

pé nos do Mediterraneo, c se assenhorear tle suas


águas~

Que farão pois ?-Oppor~se á Russia? Quem


lhes deu fôrça ?-Auxiliar a Grecia?-E o odio
e o medo á liberdade?
Eisahi travados e complicados grandes inter-
êsses. E o laço é tal que o não desata senão a
espada. (9)

XIII.
He!pauhn.

O go\·~rno d'Hespanha n'ésta epocba está para o


de França como a práctica para a theõria. O que
nas Tuilherias se machlna, practíca-seno EscuriaJ;
faz-se em 1\ladrid o que apenas se deseja em Parls.
Este estado não é natural nem pôde durar muito.
Ou Fernando hade adoptar a bypocrisia de Luiz
XVIII, ou Carlos X hade professar abertamente
as doutrinas de Fernando. No primeiro caso,
estabelecem-se entre IIcspanba e seu rei as mes·
mas treguas que se tccm mantido em França; os
:SA BALANÇA DA EUROPA. 101

dous pai·le~ ficam em provisorin harmonia um


com outro. No segundo, fJUCbram-~c as treguas
cm França, exacerba-se a guerra cm Hcspanha. •..
e quem vencer em Paris \'ente cm l\]adrirl.

XIV.
POTtupd.

l\Jas antes que se decida se (.o rt!rnando que


hade pôr a máscara, ou Carlos que a hade depor,
ha uma questão preliminar c pr~juc/icial que de-
cidir primeiro. O que hadc ser Portugal? Com
João VI, velho, infêrmo, timirlo, indeciso, ne-
nhum partido pôde contar. A influencia ingleza
exige moderação; com moderação não se sai do
estado precario em que França c llespanha se
acham. João VI reconheceu o Brazil c transigiu
com a revolução; prometteu uma Carta a Portu-
gal, c postoque faltou indignamente á sua palavra,
não ha certeza de que o medo de um ou de outro
partido lh'a não faça cumprir ainda.
Espere-se por sua morte, que não virá longe.
E quem lhe succederá no abalado tllrono? O
102 POH1'00AJ.

imperador do Brazil-mas esse conhece o seu


secttlo e não se ligarã talvez com os retroacto-
res d'elle. D. ~liguei-mas D. Miguel não
pódc succeder sem violação dos princípios da
l<>gitimidade. Mas a legitimidade fez-se para os
povos e não para os reis. É verdade : mas ai dos
reis no dia em que assim se desmascararem deante
elos povos !{lO)
No emtanto Portugal permanece na incerteza,
na osdlaçíio, na confusão: os partidos não
dormem, observam-se, preparam-se para futura
contenda.-!':: a Hespanha folga com esse esta-
do : c os outros gabinetes não vêem as conse-
qüeocias d'elle!

XV.
A~rlca do Norte.

Estranha a toda éstas convulsões, forte por sua


l>O(Ierosa liga, a republica dos Fstndos-Unidos da
America do Norte olha para as miserias do velho
mundo,como do alto do Monte A tias contemplaria
o philosopho o tE'rri~el ch<XJue dos elt'mentos e a
~.\ UAI.AXÇA I>A &UftOI'A, 103

re\•olu~ão da tempestadadc. ~ão lhe resta senão


crescer c enriquecer, appron'itar das faltas alheias,
c receber cm seu vasto seio as torrentes de popula-
<;ão curopca que a pcrt>('gui<;ão c estupidez dos
governos cisatlantícos continuamente lan~a de si.

,\ntiga5 amcriL1U bespanholu.

Que exemplar, que ec;pclhopamns outras nações


do globo! l\Ias não apprcndem n'ellc seus vizi-
nhos da porta. A embriaguez das facc;ões, adis-
cordia ci,·il, a infrcne demagogia dcvast.'lm esses
paizes, que se não libertaram da tyrnnnia de Fer-
nando senão para sofrrer mais crueis tyrannos.
Quem tal crêra possível! o Nero das Hespanba.
achou rivaes em perversidade e estupidez.
As calamidades por que tccm passado as republi-
cas centraes da America si'ío mai& um documento
da imposibilidade moral que ha cm correr de um
extrêmo a outro em politica. :\ào se passa de
servo a cidadão. Spartaco poderia vencer Roma.
mas não podia fazer-se romano.
104 PORTt70AL

E que serie de miseriaa e desgraças ee não pre-


para ainda á malfadada patria de Montezuma e
Atabaliba!

XVII.
Braail.

O Brazil adoptou, mau grado seu, as f6rruaa


rnonarchicas: queritt ser republicano como seus
vizinhos. Se-lo-ba ainda talvez. Se o fosse agora,
padeceria como elles. í 11)
Não tarda que os inter~sses d'ésta joven nação
:tmericana se não venham ligar de mais perto,
entrelaçar mais com 01 noeaoe. Então a contem-
plaremos de melhor vagar. Deixemos por agora
'O novo mundo : áquem do Atlantico se preparam

grandes acc<>ntecimenlos; ft'greaemos ao antigo


bemispherio.

XVIII.
lladan~a npentioa no ntado do mando ciwUiado.-Mortf' de
Alcxaodre e Juio \ ' I.

Tal era o quadro que nos fins do primeiro e


)f.A. B.U.A::of($.A DA EUROPA· 105

princípios do segundo quartel J'estc seculo, ap-


prcsent.:wa o mundo civilizado no observador
politico,-quando subitamente o estado das coisas
mudou, c a posic;iio dos dous mundos foi alte-
rada. O natural systema da terra segue sua re-
volução ordinaria; mas o movimento, accclerado
por agentes poderoso~, dobra de velocidade e se
approxima rapido do termo d'ontle infallivelmente •
dt!sandará, como cm seu cqüino:do, a mâchina
politica do globo.
Nos dous extremos da Europa, ao Oriente e
Occidentc, clous_ ~oberanos nota,·eis por qualiuades
extrêmas descem prematuramente ao jazigo. Po--
deroso um, respeitado e temiuo, cujas virtudes
exagerou um partido, d~primiu outro, mas re-
t:onhecram todos; em cuja vida houve ruais glória
que vergonhas, cm cujo reinado mais augmento
na fortuna púulica, mais crescimento 'iu do que
decadeucia experimentou a naGito a que presi-
dia.
Mal respeitado o outro de estranhos e domesti-
cos, de cujo coração as virtudes, que seus allei-
"
106 PO& 'fUOAL

çoadoe exaltavam, nunca chegaram até melhorar


a sorte do povo,-em cuja alma os peDJa-
mentoe elevados combatiam com o terror e incer-
teza em que sua desfortuna o baloiçou toda a vida,
-de cujo braço não houve feito para contar,-
para cuja memoria ficou de padrão a ruioa com-
pleta do Estado, e a miaeria cabal do povo.
Ambos imperadores. Um deixou por eue
nome europeu o appellido oriental e grego-bar-
baro de seus predecessores; o outro amortalhou-
ee á borda de sepultura com o vão titulo de um
imperio no momento de o perder,-foi aaüdado
Cesar quando lhe rasgavam a purpura!
Um alargou oelimitea de seuaimmensos Estados
e inteDdeu tcom firmeza ao meooe) na governan~
d'elles.
Outro perdeu a maxima parte dos seus; e do
czarchado que seus alliadN lhe deixaram, entre-
gou o govêrno l revelia das facc;ões.
Sôbre a morte de um ioda se estende veo mys-
terioeo, ioda se não deavaReeeu a IWipeita de q..e
:\A 11.\LANÇ.A. D.A EUllOP.\. 107

o sacrificaram os inimig~ ela munarchia abso-


luta.
Sôbre a morte do outro as-.everam uns o lll(!$1110
mysterio, negam outros até a po~sibilidade: mas
se por alguem foi sacrificado, foi prlos fautores do
absolutismo.
Aqudlc esteve á frente da coallisão dos reis, e
goYcrnou mnis de meio universo.
Este governado por amigos c inimigo~. não
tcYe um so dia ele rei.
Pela herança de ambos muiro sangue se derra-
mou. A um não succedeu seu natural herdeiro:
.ao outro quem succcder{t?
Ambos l"e inclinaram a mollificar a monnrchia:
um retrahiu·se por mcrlo dos po,·o!';, outro por
medo dos rei~.
A lcxandre era generoso, nobre c decidido.
D ..João VI era bom, compassivo, de:-perdi-
çado e irresoluto.
Porêm a morte de ambos foi importantic;sima cir-
cumstimcia politica, fez cric;e uo estado do mundo,
e appn'ssou o rt\ sill\ o! dment(l c clcci. ão da grande
lOS POftTUUAL

campanha em que ninguem será neutral, a humani-


dade toda belligcrante, e as bandeiras da ci,,iliLac;ão
e dos privilegios as uoicas arvoradas; poisquc os
limites dos máres, as barreiras dos montes, a di-
visão das línguas, a differença dos costumes, a
repugnancia das religiões, os odios nacionaes des-
apparccem com a civilização entre os povos; e o
feudalismo tambem prégará cruzada geral para
defender sua última cidadella.

XIX.
Revolução na Rauia.

Alexandre tinha um milhão de soldados; e mal


fecha os olhos, ja o el-ipirito civico, latente n'essas
suppostas legiões d'escravos se declara e patenteia.
O mais sólido despotismo do universo vacilla, o
tbrono mais firme, o appoio e protecção dos
outros thronos balouça em sua base minada; o
chefe da allian\a dos reis ou,·c erntôrno de si o
grito da liberdade; a democracia ,·ai atacar cm
seus paços accnstellados o prcprio A uthocrata de
todas as Ru.,sins.
X.\ tlAJ ,,\~ÇA I>A !WltOJ'A. \{)!)

Que exemplo para os potentado~ do uuiverso,


que desengnno para os teimosos r<:troactores do
seculo! Vêde t~se colo~so 1 Õ!'to de ~entinella
pela tyrannia nos confiu:; da ciV~lizaçí'io e dn bar-
baric, essa barreira immcn~ alcrantada nos limites
da Europa para lhe impeoir os mo' in.eutos natu-
racs, esse entreposto situado!!~ portas de As ia para
importar o mais puro do dti'potislllo do Oriente
e o e~>palhar pelo nosso Occidcnte,-c corlar a ci-
vilização da Europa que não penetre para alêm ;-
essa atalaia do feudalismo postada sôbrc o monte
Caucaso para ela r o nllanna a todo:s os prh·ilcgios;
para a wntar o minitoo suspiro dos poros op-
primido:-;, e enviar torrentes de barbaros onde quer
que a tysannia excite um murmurio, a civilização
um reclamo, a religião mesma uma súpplica.
Y êde-o! ~>uns propria~ baionetas o ame:u;am :
ja não confia nem siquer u'clla..;. Que será de vós
que sois nttomos dinnte de tamanha grandeza, e
que de su~mbra vo~ cubrieis c ampara\'eis, que
n'ella tinlscis toda vos:-a fôrça c csper:mr,a!
A TC\'OIU11ão da nul'SÍ:l foi o maior triiimpho tia
110 I'CIRTU(;A.L

ch·iliz.aç:io. A inefficacia da tentati,·a nem admira


nem lhe tliminue a impurtancia. A revolu!)ão la
existe: por mais que se agite, a utta fatal la lhe
está no coração do imperio,-lwcret lateri lctha-
lis arurulo.
.Maior próva e mais dara rlo irresistivel podt:r
dali luz<'s, não a deu ntuda o mundo. Xão foi
quasi r.m dias de nossos pacs que esses ~Ioscovitas
pugnavam ainda por suas longas barbas contra os
ukazes do Kzar? Não ba inda entre os obreiros
de Hollanda a memoria d'esse mestre Pedro que
se não cledignou de apprcnc:ler os mais communs
olllcios da vida para industriar a um povo que
tudo ignorava?
Ha pouco mais d'urn seculo essas tribus scmi-
nomadas entram em C!'tado ue t::idade e apprendem
a satisfazer :ts necessidades da vida. Sob Ca-
thcrina ja conhecem os prazeres e g~os d'ella.
A lcxandrc ns introduz na sociNiade europea e
â participação das bcnçãos da tcivilização.
Desde esse momC'nto diminuiu o número dos ''as-
S.'lllos, e augm<'ntou o dos cidadãos na Russia;
quero dizer, alrrouxou a ct'gu obcdicllcia elo poço
ignorant<>~ c reforçou a vontade d<: conhecer t~
intender a justiça do que se manda, a razão por
que se ol>edece. O espírito indagador da verdade
entrou a descobrir abusos, após Ycio o desejo de
os emendar, logo a \'Ontade ele ser governado por
leis racionaveis,-em lim o ànimo de tomar parte
na confccc;üo d'cllas paraque o sejam.

xx.
Natureza da rtvoluçiio ruua.

Diz-ee que as classes que na RufjSiâ clamam


por liberdade são as mesmas que nas outras partes
da Europa contra ella pugnam. Sei queaopinião
vulgar é que o espírito d'aquella revolução dilfere
do das outras; que lá a aristocracia pugna por
mais privilegios, e não contra elle,. l\las es...o:a
opinião vulgar é falsa, e de falsos dados deriva.
Nem eu sei outra definição de aristocracia se-
não a do eloquente general Foy quando pergunta-
dona tribuna pelo que ella era, respondeu: .. A ris-
tocnlcia são aquelles homens que f(Uerem honra~
11'2 l'OitTUGAL

sem a~ merecer, emprego~ l;Citl para elles serem


habcis, que so querc>m consummir sem produzir,
que querem para si o gôso, e o trabalho para o:~
outros, etc."(12)
Tam aristocrata p6de c:er o pcíio como o nobre:
l! sob~jos exemplos todos os dias temos d'essa pos-
sibilidude. Nos pa'izesondc a cla~e media é nume-
rosa, onde a indú,.tria a il\ugmcnta, n'ella se encon-
tra diminuido o número da plebe c augmentado o
número dos que tecm intcr~sbe pela justiça e que
por clla punem: as extremidades sociacs ou não
4lcsejam liberdade porque a não conhecem, ou
folgam com o despoti ... mo porque com clle lu-
cram. X a Russia a classe media c..-tá na nobreza,
porque d'clla pela maxima parte tira a indústria
suas recrutas; a verdadeira nri~tocracia sai de
to<las as clac;scs. Nrm uos illudarn os títulos de
príncipes, a que não corresponclc o me.c;mo voca.
bulo cm nos&as línguas do Occ:identc.
Em summa, a guerra dos povos é aos privile-
gios exclusivos, incertos, vagos c nrbitrarios como
.n Yontade d~ um ,.o homem de cujo capricho
:-i .\ llA I, A ':'iÇA. DA 1!\l ll o I' J., 113

manam : etla é por toda a p:nte a me~mn, uua-


nime. Se entre uma nação ésta classe se empenha
mai~ na guerra, entre e~soutra, outra classe; aa
circumstàucias particulares, a particular natureza
ou coustituiçiio das sociedades produz e~:;a differ•
ença, não a natureza da contenda, não o objecto
d'ella, não o fim, não a cauf-a. Onde ha oppree-
são ha rc,·olução, onde a administração se opp<Se
ao cspirito doscculo, á opiuino dos povo~,-0 esta-
do de guerra entre governante e governado ex..
iste; omle as classes que possuem c produzem
trabalham so, as que so consommem governam 1o,
por horas ou por dias cstfl a pell'ja aberta entre
ellas.
N'essc caso está a Russia, a.c;sim como todos 01
po,·o!l onde a illusrac;ão cresceu, a nação andou,
e o go\'êrno ficou stacionario.
Porque não fazem os Turcos rC\'oluções? Por-
que a nação está em hnrmonia com O! princi~
co go\'êrno.


lU I'OllTót.At.

X li.
Guerra df' Turquia.

Mas além d'ettes motivos fortes, poderosos,


irresistíveis que enlaçam os proprios Moscovitas
na cadeia gera) da civilização, a qual de dia em dia,
a mais e mais se estr~ita la roda do despotismo, e
ao cabo um' hora ,·irá que o affogue de todo,
alêni d'eeses, uma causa, secundária sim mas po-
derosa e valente, concorria para augmentar a des-
harmonia do povo russo e de seu govêrno.
t ella de interessante importancia, e comquan-
to secundâria em relação ao estado moral dos
Russos, é primaria e transcendente na grande cau-
sa da Europa, talvez do univer5o.(13) Ja se ve que
fallo da Grecia, abandonada e peseguida de todos
'os governos europeus, que infamemente quize-
ram sacrificar a erradas e inconsistentes politicas
a nação mais illustre da terra, que a tantos seco-
los 'de glória antiga junta o heroismo e constancia
que em sua modema rt>generação equinle, senão
é que excede, quanto havia ahi grande em sua
historia, quanto rnaravilhpao em .suas tra,Jit;ões.
NA BALA!IiÇA DA EUROPA. Jil~

Esse povo, que tinha ucsapparccido d'~ u


nações, emergonhou-se emfim de sua lOPP a,
cravilllio, quiz liberdade, indepcndencia5 COQquiaT
tou-a, e se reconstitu1u nac;ão entre q ~
Accontecimento é este que faz cpocha Da historia
do mundo, cujas conseqiiencias serão imporlantis-
sima& pam toda a Europa. Exultaram geral-
mente os povos de ambos os hemispherios,_, epe-
ram não equivocas próvas de seu interêue, do en-
thusiasmo que tam sancta causa inspirava a tod01
aquclles n quem manifestá-lo foi livre. A reli-
gião consagrou tam generosos sentimentos; mas
anathcmatizou-os a politica do chamado ayatema
deprcssh·o.
!\Ias ao successor de Alexandre não restava maia
opção no presente, senão transigir com a revolu-
ção c ir auxilift-la fora do imperio, ou ter de Iuc·
ta r braGo a braço com ella em casa :-ou arvorar
as bandeiras da civilização nos ccrros do Caucaso
e passar o Balkão com clla na frente, ou t~ de a
sufl'ocar nos gelos do Xcwa. O primeiro arbitrio
era proporcionalmente facil, o segundo difficiliaw.
llG I'ORTUGAI,

e de muito incertos resultados: Nicol:!u adoptou


o primeiro, effcituou-o entre a~ acclamações ,los
povo , c os murmurios-direi as imprecações-
dos gabinetes.

XXII.
Diuoluçiiu da boaricre.l\lliança.

D'estc modo transigiu o noyo imperador com


a civilização; e se desligou da funesta, demobora
alliança dos reis sua fôrça, seu nervo, sua cabeça,
seu podêr todo. Como os cortados membros de
venenoso rcptil, cuja tenaz vitalidade move e
salta n'esses fragmentos ainda depois de divididos,
-os membros da " alliança" se agitam, se re-
volvem nas últimas contorsões da agonia: mas
seus esforços carecem da " unidade da \'ida," da
simultaneidade de mo\·imento que tinham quando
unidos á cabeça: truncados, teem inda fõrça para
5C mO\'erem sôbre si, e desinquietar os objectos
vizinhos; ma<~ fallecc-lhcs a fôrça da união que os
fazia temido!! c temíveis ao longe e ao perto, cm
toda ll parte e ao me5rno trmpo.
1'\ A t: A(, A!' 1j A U A I; U K O I' A, 11 j

O espírito da Sancta-alli:mljn cxaste; a mesma


sêde do sangue dos povos, o mesmo rancor ú
libenladc, o mesmo desprêzo da lei de Deus, o
mesmo odio ás leis dos homens o anima; por~m.
t:omo tocJos os espíritos emigrados dos corpos,
caminha nas treYas incitando ao naal, mas sem
podêr etTcctivo e real de o fazer por suas proprias
mãos.
Seja qual for o futuro proceder do imperauor
Nicolau, os primeiros annos de seu reinado serão
sempre bemdittos dos povos. Ellc quebrou a
zona de ferro fJUe appertava o mundo, c dcsentra-
vou os passos da civilização da mais formada,·el
pea que ainda inventou a diabolica malícia dos
oppressores do genero humano.

XXIII.
Eft'citos d'~sta dissoluçãu,

Os ctreitos da dissolução da alliança foram •••-


sivcis c sensíveis por toda a parte: a illustrada e
" condescendente" politica de M r. Canning pre.-
,·alcccu no gabinete inglez; a marcha retroactiva
POll'l'lJGAJ,

do conselho das Tuilherias 11uspeudeu-se-ou pelo


1ncnos, se ahi se marchou, foi no mesmo terreno;
n astuciosa raposa do Vaticauo encolheu-se e
cubriu mais a capa da humildade; relaxou-se um
tanto a g:ura do tigre do Escurial; Vienna enro-
lou suas listas de proscripção ;--até nos hori-
sont<'.S americanos alvejaram esperanças de quicta-
<;ão c orJcm.
Parecia que um armistício dos reis com os
povos era coucluTclo, c que se iam entabular
negociac;õcs de pa?:_; que a oligarchia cançada da
lucta, c dc~nganada do impossibilidade de a sus-
tentar por muito tempo, se resolvia emfim a pro-
por conclicções c a fazer alguma concessão.
Com que allegria, com que ~atifacc;ão geral
não recebeu o mundo este pro-.pecto de esperan-
~as! Que opportuna occasiíio para a realeza de
se reconciliar com os povos, de se fazer adorar
dac; nações, de anniqüilar a demagogi:t pondo
segura mordaça aos oligarchas (le toda a ~pccie

-que tanto os ha na parte arristocratica, como


na democratica das nações. O povo é natural-
mente mouarchico; o io~tinctu social lhe fuz amar
e querer o centro de regularidade t• seguran~a e
fôn;a e prot~c;âo que a monarchia (o cll·~potismo
não) offerccc. Nunca o povo se Jnuc;a,-nunca o
mostrou uma ,·ez a historia-nas convulsões de-
mocraticas, senão exru.pcrado pela tyrannia. As
republicas são filllas dos abusos e excessos monar-
chicos: nenhuma outra causa tem fôn;a ou pod~r
de as gerar. Desde a. Achaia até !1 Philadel-
phia, appontcm-me na hi:.toria tmbida do mundo
um so exemplo em contrário.(H)
E não me digam que as concessões dos reis os
tccm perdido muitas vezes; que Lu"iz. ,XVI, por
exemplo, foi ''ictima de sua indulgencia. É
falso: Luiz XVI transigiu de frat.'O, acon11rdou, e
cedeu tudo quanto d'elle exigiram; estava á borda
tlo precipício e inclinou-se mai::; sôbre elle.
Quanclo os reis cedem ou transigem d'cssc modo,
appn::sam, cm vez de a C\'itar, a hora de sua ru·ina.
A mouarchiaja tiuba cedido á fürça democratica:
quem cedeu foi o monnrcha, não clla, queja não
existia.
120 J.>OR l'UO.l L

Ditferente é a t!Orte 1lo soberano que traosige


com o sen povo emquanto tem pod~r e auctori-
dade para fazer respeitar e acceitar ...uaa condic-
GÕes. Esse é como um pae de famílias no meio
de ~us filhos, aquinhoando a cada-um com as
porções que lhe compettem, que as regula e esta-
belece conforme a cada qual convem e ao interêue
geral da família.
Rei que a88im obra, em vez de destruir a
monarchia, avigora, remoça, dll nova fôrça e vida
ao antigo compacto socia1.(15)
Tal era a generosa e prudente resolução que
nos princípios do segundo quartel d'este seculo,
e depois de di8110h·ida a infernal allianc;a denomi-
nada sancta, se esperava que tomassem oe sobe-
ranos. Tudo pareceia indicll-lo, promettê-lo.
Mas se algum deu curta passada n'esae ca-
minho, foi tal que se não percebeu,-ou de tal
modo que breve se retrahiu.
Cedo os veremos recobrar do panico, e retro-
-«der abertamente.
Um jo\'en ~bcrano e de nobre coração e claro
':'A n.H.ASÇA DA l:UIIOPA. 121

intemlimento. se exceptuou d'éstn ,·ergouhosa


regro. Como o imperador da Ru~sia, o joven
imperador do Brazil, apcna~ foi rei de Por-
tugal, quiz transigir do modo prudente, po;.ivel
e J~.:oroso com a rc\'oluGão, se bem que por
differente modo, assim como eram difi'ercntes suas
circumst!lucias pc!soaes e a~ cle seus Estados.
Demoremo'-nos um pouco ma is n' és ta parte do
quauro: é o nosso mal-azado Portugal ; não cor-
ramos tam de prcs10a.
,
SI:CCÃO TllRCEIR.&.

Portvgal JIOI fiu do pritrltiro • prifleipiol do ~tgt~MD

'J'"I"'tl do XIX IICtllo.-s. ~ tltoral •'úta


epoclaa.-llütori4 da Carta port•g'R%4, duM qu foi
promettida em Yilla-FTGf&CCJ em Junho d. 1823.

I.
Jmporlaneia de- Ponagal n'~la ~pocha, e II'IUIICendencla das
quetl ~C'I que at.i 1e llgituana.

O f)Uadro que tenho es~ado para offerecer


aô leitor portuguez um quui mappa-mundo po-
litico antigo e moderno, tomei-o em ponto grande,
e não esmiücei exacçõea de circulllltAnciaa e par-
ticUlaridades que não tit'es&em iaftueocia no
grande tudo que era meu objecto. Auim não
temos olhado senão a univeraalidades,-diacorrido
genericamente.
O exemplo dos melhores eacriptores, a ingenita
NA B.\LA ... ÇA DA C U ROl'.A• 123

propcn ...ão e pendor do fmimo Jcva,·am toclavia a


demorara penna pelos limites de uossa terra: como
o que examina ou desenha uma corta gcographica
vai naturalmente de mais ,·agar com o compasso
por onde ella lhe represenL'l. :.cu natural. Agora
porêm, e n'este ponto de meu trabalho, não é so
es:,e indefinível e incontrast.wel in... tincto, essa in-
clinn~i\o
do ânimo, que me fazem indifiduali1.ar
mais as coisas porluguczas, c con::-iderá-lns con1
mais t.Spccificada attenção. Aqui é a relevante
importancia dos accontccimrntos, o transcendente
da questão, a magnitude de ~eus re:;ultndos po-
liticos, de "ua influencia na cau~a da humanidade,
que me fazem ser prolixo.
Estava reservado ao pequeno Portugal s1tuado
no angulo mais occidental da Europa, o dar á
Europa c no universo mundo o cspcctaculo mai-
or, mais tremendo c mais C'Xtraordinario de que
ha lembranc;a,-não direi ja na historia, mas nem
siquer nas tradições de nenhum po\'o da terra.
Bastantes rc,•oluc;õcs tem visto o mundo, assás
fertil de commoções politica~ tcem sido <:ste:;; ui-
POit'llJt;A L

ti mos seculos; assás de crimes e horrores,-de


virtudes e heroicidades matizam a historia das na-
ções antigas e modernas Mas o spectaculo de
uma nação immolada, assassinaJa por defender '
seu legitimo soberano, perseguida por todos os
reis da terra por ser fiel ao seu rei-é exem-
plo novo e terrível, cujos resultados funestos,
todavia mais o serão aos reis do que aos pnvos,
e virão a ter sôbre os destinos da Europa uma
Influencia tremenda, que a imaginação não
p6dc encarar sem estremecer ;-é abysmo em
cuja profundidade se perde o pensamento ;-
é perspectiva por onde os olhos do mais indiffe-
rente spectador se alongam em busca de um fu-
turo que, vago e indeterminado, nem por isso ater-
ra e espanta meo~.
As circumstàncias do sacritlcio de Portugal
são inteiramente novas; é um documento de
perfidia tam unico e singular, que nem a entrega
dos Sicilianos ou a de Parga, nenhum dos outros
exemplos do perjurio e má fe dos gabinetes lhe é
comparare).
A Europa attcrraJa e (:SCandalitacla ahi ve con-
fundidas todas suas ideas de moral pública e
uireito recebido: a confianGa uos povos cessou,
as garantias dos reis forau1 quebradas. Cahiu de
todo a máscara á oligarcbia. Os reis, sem von-
tade uns, sem deliberação outros para remediar
este mal, como sua bonra e inten~sses exigiam,
preferiram fechar osolbos para o não verem. Ào\s
revoluções, que minam o corac;ão da Europa, a
oligarchia, que o affoga com um laço de ferro, se
approveitam d'ésta indilfercoça e impotencia dos
reis para puchar cada uma para seu lado. As
con~qüencias hão de espantar o mundo.
Consagreu10s a este importante assumpto a
terceira e quarta secção do presente ensaio.

II.
D. João VI prometlc uma Carta, e quebra n paluvra renf.

D. João V 1 havia promettitlo uma constitu'i-


Gão aos Portuguezes, solemne, c~;pontaneamente,
t~em ninguem lb'opedir ou exigir, tõ<'rn que o povo
126 PORTU(: .U.

tivesse na occasiiio da promessa \'OZ para tal pedir,


-fôrc;a p:~ra tanto exigir.
~laus conselheiros em casa, perlidas intrigas de
f6ra subjugaram o ânimo facil c timiuo do amar-
gurado soberano. O rei retractou deslealmente
a promessa, faltou ''ilmente á sua palavra com
pouca glória para seu nome, sobeja deshonra
para os que tal lhe acconselharam, e para longa,
incalcula,·el desgraça de seus subditos, ru'ina do
reino c perdic;ão de sua propria família. Todas
as desgraças que I''ortugal hoje soffrc, todas as
que ainda soffrerá provéem d'aC'Jttella errada e
desleal politica. (1)

III.
Comeqüencill5 d'&ta falta de fo:.

A revolução pois não foi neutralizada como


devia ser; continuou portanto (}uasi seis annos
contínuos, e deixando apenas durante esse período
alguns intervallos, não de soc~go e ordem, mas
d'aquelle lethargo mortal em que descahem os
infenuos C'JUando a natureza exbausta da agitação
:\.\ B.\ LA!'<ÇA D .\ EU lt 01' .\, 1-27

de lt•bre violenta, ceue c repousa l(m;adamente;


não porque abrandasse o mal, mas porque falle-
cem as fôrças para o padecer em toda a violencia
d'elle.

IV.
Re,·oloçúo de SO de Abril.

l\las a re\·olução durava sempre: sentia-se o


ranger do edificio social, que a todo o instante
ameaçava cahir, e esmagar debaixo de suas ruioas
um govêrno mal acconselhado e um povo infelicis-
simo. Não tardou um anno que o c&pirito verti-
ginoso das facc;ões que se agita,·am no coração
do pa"iz, não rebentasse tremendamente. Em 30
d' Abril de 182~ o infante D. Miguel apparece á
testa de uma soldadesca desenfreada e rocleado dos
mais profligados homens que infectavam a capi-
tal, quebra todas as leis c respeitos da natureza
e da sociedade, e impõe mãos violentas sôbre seu
proprio pae e soberano. O desafortunado João
VI é feito prisioneiro de seu proprio filho em seu
proprio palacio: sua morte <iccn'tada em pleno
128 PO lt TU C:,\ r.

conciliabu\o apostolico, a que preside, para eterna


vergonha da purpura e do sexo, a rainha sua ·
esposa.
O assassínio do marquez de Loulé, camarista
do rei, assassínio commettido dentro do mesmo
palacio, tinha sido o coup d' essa i do joven e real
assasino. que familiarizado com o crime, e avid"
de sangue mais íllustre, so lhe faltavam, para ser o
ídolo do fac~ão apostolica, as honras do parri-
cídio!
Tudo estava prompto; proclamações impres-
sas, impressa uma pastoral do patriarcha de
Lisboa em que se publicava com a!Tectada e ridí-
cula màgoa a morte do rei, attribuindo-a aos pe-
clreiros-livres...emfim não h:wia jo11g/e1·ie jesu'itica
que para esta sangüinosa farça não estives!>e pre-
parada. A decidida e fi r me attitude do corpo
diplomatico(2) fez vacillar o real parricida: o
plano suspendeu-se, e algumas hecatombes de vic-
timas, escolhidas entre as mais distinctas pessoas
de todas as classes, foram destinarlas a !'upprir o lo-
!" r da ''ictima real no altar da fanati~mo irritado.
:'11.\ BALAN(jA DA KU IIOP ,\, 12~

Pôde porem o rei fugir de seu palacio occulta-


mente e salvar-se a bordo de uma das naus in-
glezas surtas no Tejo. A fôrça da opinião e o me-
do fi:~.cram o resto: o infante cedeu; sua terrível
mãe c·sbraY(>jou e bramiu, mas foi obrigada a ceder
tambem: ella pres3, elle banitlo para longe de Por-
tugal, cuberto das malJic,;ões de seu pae e seu rei,
e das pragas de um povo inteiro, que por um mo-
mento et;queccu lodas as suas tlesgraças e padeci-
mentos para se embriagar na alegria que a separa-
ção de tal príncipe lhe causava.
Os representantes de todos os soberanos da
Europa foram testimunhas d'estes succcssos, e ac-
tores em algumas das estranhas e nunca vistas
$Cenas que Lisboa apprcsentou n'aquclla memo-
ravel c para sempre horrorosa cpocha. K 6s
invocâmos seu testimuuho, nós os convidâmos a
desmentir éstas asserções se em a mínima circum·
stância cllas se apartam da mnis stricta exacção
historica (3)
Que o digam esses procuradores de todas
as Realezas rla Europa ; CJIIC o digam ellea se

130 PORTUGAL

não viram um reino todo ameaçado de sua to-


tal dcstru'ição, centenarcs de nobr<'s, ele pessoas
de todas as distincçõcs presos, lanc;ados nas mas-
morras pelas proprias mãos de um príncipe que
não duvida\'a exercer as funcçõcs de beleguim,
como não du,·idaria (neUl du\·idou) exercer as de
carrasco! Que o rligam ellcs se não riram tanto
honrado' Portuguez sem mais crime que o de ser
fiel ao rei e não quererem conspirar cm sua morte
c desthronização, arrastados entre a soldadesca,
insultados e atormentados por clla e pelos sbirros
de D. Miguel, conduzidos por fim em tumultuosa
cara\'ana de todas as prisões da cnpital para o
togar destinado ao supplicio-anles ao martyrio.
Que digam elles se não viram os proprios minis-
tros do rei presos e insultados do mesmo modo;
se não viram o misera\'C!I e ancião monarcba com
sentinellas á vista no palacio de seus antepassa-
dos: sua esposa abominavcl gosando anticipada-
mcnte de sua deposição ou de sua morte,e dando or-
dens como seja ella empunhára o sccptro arranca-
do das mãos do immolado 5obcrano:-seu desna-
~A BALANÇA DA EUUOI'.\. 131

turado filho animando os soldados, concitando a


plebe, mandando fazer fogo sobre o povo leal,
entrando nas casas pacificas dos cidadãos para in-
sultar, prender, e espalhar a desolação e o horror
em todas as classes, por toda a parte.-Que digam
elles se quando por sua nobre resolução o rei foi
libertado, seu criminoso filho e esposa presos, se
não viram rebentar por toda a parte o entbusias-
mo, a akgria, o júbilo, a exultação gerai.-Éstas
scenas estão mui proximas para ser esquecidas:
toda a Europa se recorda a1nda d'cllas com horror
e espanto.-E eisaqui o homem que os soberanos
da Europa queriam impôr sôbre o de!lgraçado
Portugal, lisongeando a infeliz nação com ideas de
conciliaGão e socêgo! (4) Eisaqui o príncipe que
ousa invocar a opinião do povo portugucz, dizer-
se ele\·ado por ella ao throno usurpado! Eis-
aqui o príncipe com quem se julga possível tran.
sigir, que a'inda acha indulgencia (rnais,-protec-
ção) nos gabinetes " illustrados" da Europa rea-
Ji,çta c legitima .1 (5)
13~ POJlTUGAr,

v.
D . .ilfisucl banido de l'ortugal.-~a:,pcullc st- a rt•uh:~lio.

Portugal no emtanto alli"·iado da odiosa pre-


sença do infante D. :\Jiguel, e \·eudo a travcz dos
ferros a .rah·a impotente de sua iruplacavel mãe,
começa\·a a respirar um tanto e a conceber alguns
longes de esperança, de pa7. e melboramento. A
vida do rei porém era o unico e debil nexo que
ainda tinha os elementos do Estado paraque
se não dissolvessem completamente. l\Jas o Esta-
do estava corrupto, o moral da nação podre, os
vinculos da religião quebrados, o egoismo geral
predominante; tudo ameaçava dissolução proJLi-
ma.
Era em verdade a a vida do rei o umco
talisman (lhe chamarei) que miraculosamente
prendia os partidos. Temia-se c tremia·sc com hor-
ror de ver chegar o momento fatal de sua morte,
em que as façções desaçaimadas de todo o freio
rompessem de novo a guerra aberta da anni-
qüilação, e viessem sôbre o sepulcro real dis-
putar-se os restO!' laceratlos e andrajosos fle uma
purpura eu!>angücnlada, de tun seuhorio nominal,
da po~sc lle um outro s<'pulcro, mais \'3lilO, mas
11ão tncnos ~epulcro, - - o clel'grac;ado Portu-
gal.

VI.
D. Julio \'I c:on_raç do com ~t r.U.o J) •.Pcdso.

Durnntc este tempo a re\·oluçno c.lo Brazil, me-


lhor guiarla flUe a da mffc patria, tinha vislo um
príncipe generoso e sabio,-quc formam o per-
feito contratse com seu parricida irmão-pôr-se
á frente de seus movimentos, contê-la, subju-
gá-la c, para me servir de uma expressão poetica
mas n'este cabO propria do objecto: bradar aos
elementos rerolucionarios : '' Suspsnclci·\'Os, res-
peita.c os limites que \'OS impuz."-Emquauto o
segundo gcnito do rei João \rl dcshonrava na
Europa monarchica a realc;~,a, cicsacretlitava e
oflcndia a legitimidade; seu primogenito na
America republicana salvava C!>Sa h-:gitimidade,
instaurava a monarchia, e fazia amar a rcaleza.-
Ccrtamcnte o levára a ambição; mas não ig-
13f PORTUGAL

nobil ambição f6ra eaa.: certo foram irregularea


1e01 primeil'OI paseos; mas a muitos o forçaram
circumatlocjaa, e erros alheios. Sem dflvida pa ·
receu que infectado da lepra do despotismo
europeu, o joven príncipe americano se ia oppor A
torrente da civiliza«;io. Mas uio foi auim: D.
Pedro powe la frente d'ella para a conter e diri-
gir, Dio para a comprimir. Muito lhe d89e a
realeza ; muito maia o poYO brazileiro. Duvi-
dam? LaiK'eiD oslolhoa a roda de ai; vejam o
que vai por seus vizinhos. (6)
D. Pedro salvou o Brazil da anarcbia, e couer-
vou em sua família a coroa. D. João VI aanccio-
nou depois quanto seu filho havia feito. É ver-
sohoeo e indecente aquelle tractado: IDI8 aob
cqjoa auapicioaloi elle feito? •• ·(7)
Segundo os recebidos princípios da legitimi-
dade, e conforme suas atrictaa regras, os ac;tos
de 18i5 firmaram a iodependencia do Brazil,
e aoticiparam a acceaaio do herdeiro da coroa
de Joio VI iqueUa parte da mesma coroa
4Jue t'lle tinha salvado, que eem elle se teria
:S ,\ 11.\fo A~ÇA DA F.UROP.A. 135

perdido, cttia e.xistencia, comquanto arriscacla,


so a cllc era devida. Pela parte de João VI
I •
e~te acto não so fo1 generoso c prudente mas
justo: o herdeiro de todos o:. seus Estados lhe
tiuha :;ah·ado a melhor parte d'elles: o pae agra-
decido concedeu o ~ôso immediato d'essa parle
a quem por sun morte devia hcr1lar o lor/u. Tal
é o penwmcnlu J•aquellcs Jous memora\'eis di-
plomas.
Por expressas c forrnacs palavras diz o soberano
legitimo de Portugal e tio Brazil que elle cede
desde ja em t'Cll Cilho primogenito, príncipe real
do reino unido de Portugal Brazil c Algarves, a
immediata e plena soberania do Brazil, que por
aquelle acto fica constituido imperio independente.
Todo o homem sensato pasmará C}UC fosse d'este
acto que se pretendc.,se tirar o principal argumento
da impossibilidade legal de D. Pedro para sue-
ceder na coroa de Portugal, que sfja do proprio
merecimento c sen•iços feitos á legitimidade pelo
herdeiro de João \'1, serviços reconhecidos e
~;alard0udos por sru pae c soberano, que se pre-
l:tlJ PORTUGAL

tenda argumentar em favor da usurpac;ão de .eu


irmio!(S)

VIl.
Accn.lo 11~ D. Pedro tV • coroe de Pompl.

Exbausto porêm de fadips e descoetos o in-


fêrmo e attribulado rei nio promettia longa vida.
O momento tam temido de 1ua morte chegou em
firo e veio inesperado. Morreu João VI; e de
tam breve iofermidade, que nem tempo deu para
.e medir toda a profundez do aby1mo em que
sua morte ia despenhar 01 Portuguezes. N'esse
instante 01 olhos todoe, e nio 10 de Portugal mas
da Europa inteira, se voltaram para a America.
Um .joven IOberano_ cqja actividade. energia e
, grandeza d•atma por todos 01 partidoa era reco-
nhecida. fixou as attenç(jes de todoe. attrahiu u
eaperan~aa de muitoe, e impoz respeito a nlo
ponc:oe. Amimad01 una. receosos outroe, mas
anc:i0101 e impacientes todoe, permaneceram ~
-davia tranqüill01 aguardando a deliberaCião do
~mpendor do Brazil, cujo "!disputavel direito ll
coroa de Portugal ninguem se atreçia a·ioda
então a negar, ou 5C lembrava ~iquer de dispu·
tar. (9) l oucos dias antes cte sua morte, e ja
1

quando impossibilitatlo de go,·cmar o Estado,


João VI havia nomeado um go\"êrno provisorio
parà reger durante iua impossibilidade, e por
sua morte se immediatamcnte se seguisse. (10)
D'estc govêrno, pret~idido pela infante D. Isabel
l\Jaria, fazia parte o duque de Cadaval, o conde
de Barbacena c alguns outros que depois mais se
declararam pela trai~ão c usurpação. E toda·
via esse mesmo govêrno reconheceu o legitimo
herdeiro da coroa, o proclamou, em nome d'elle
vassou os seus actos todos, com sua effigie e em
seu nome mandou cunhar moêda, e cmfim lhe
enviou uma deputa<;ão a prestar homenagem em
nome da nação e do govêrno. ( 11)
Durante cinco meze!> que durou Cite estado
de coisas nem uma \"07. se levantou para suscitar
a miníma dú\"ida sóbrc os direitos dcD. Pedro IV:
sua propria traidora mãe, seu proprio perf1do
irmão o reconheceram e lhe juraram obcdiencis
T
138 P08TV8AL

<»mo a seu legitimo aobenao. Nem u capital


uea DU proviociu .oem em ~um corpo do
~ército houve o mínimo lipal de reluctancia ou
«\e sublevação; tudo aguardou ~iiillo aa or-
- do eobaaao ltglt.imo, q~~e todoa reconbeQe-
run c:oow tal. 16bre cqi"' direitos Diaguem
~·• que pudaee baver cootroveraia. A
~lo de leU proprio reioo. 01 aoberanoa da.
~traa Da(jües da Europa reconheceram o oovo
monarcba que pelo principio bereditario e se-
gundo u maia strictaa regras da legitimidade na-
turalOlCDte auccedia a aeu pae.

VUL
~da Cuta par D. P..ro IV.

lf• o jcwen e seneroao IOberano, que por sua


ext nordinaria e gigantesca f6rça de lnimo tioba
firmado uma monarchia no coraçio de todo um
MUDdo democratico. que deaintereuado e grande
tinba maia ambição de DOme e g16ria que de ac-
eamular Eatados e domiDioe, &peaíl soube ofli-
eialmente que baria auecedido em toda a pleaitude
)'!.\ U.\L.\~c;A DA &tiltOl'."· I:i9

Ua coroa ele seus antrp:-t!'sados, a:sscntou de dar ao


mun1lo uma pr6vn brilhante c rara de :,eu grande
coração c ela nobreza de sua :tlma. Perdoar a todos
os desv·arios políticos, esquecer t01las as oflen:.a!',
ceder parte de sua coroa p!r:t fa1.er a felicidade e
estabelecer a imlcpendcncia de duas nac;ões, (12}
pôr-!'-e na altura do seculo, transigir com a..;; neces--
sidad~ dos povo fechando para sempre a porta
elas rcvoluc;õcs, c !la arbitrariedade que as gera:
tal foi o gramle c generoso pcn!'amcnto de D. Pedro

IV apenas assumiu n !'Obcrania legitima de todos
os Estado~ que formavam a coroa tlc seus maiores
e a sua.
Uma nmme:;tia que até a seu culpado irmão
comprcbcnclcu, uma Carta moldada pelas mais
prudentts e avisadac: da Europa, foram os pri-
meiro~ acto~ de ~obêrania que exerceu. Depois
de ordenar tudo quanto conYinha ao bem-estar e
vrospcridade futura de .:;ua patria, combinando os
interêsscs ela nação com o decôro e stabilidarle do
tbrono, D. Pedro IV abdica a coroa c.le Portugal
cm fa,·or ele sua filha D. Maria ela Glória, c1ue
140 PORTUGAL
t; ·

aucida durante a perfeita união de Portugal e


Brazil, D88Cida em domini01 portuguezes, era
priaceza portugueza, e como tal, e na fálta
de nrão, a legitima herdeira do tbrono de D.
Joio VI, ainda quando f0111e pollivel prova~rae que
por impedimento pbyaic:o ou moral D. Pedro
não podia auc:cedera eeu pae. (13)
Nio contente de haver perdoado a seu indigno
irmio, e para remover todo o pretexto de desaao-
cêgo e pertur~o em Portugal, D. Pedro lhe
outrorgou com a mão da joven rarnha todo o
quinhão que razoavelmente lbe podia ceder na
herança paterna-o titulo e dignidade reaL Tan-
ta generosidade devia confundir oa inimigo& maia
-.obadoa: mas u geotes da facçio apoa1.0lica
• eão bomens com quem ae tranaüa, com quem
• tractar de boa-fe e com grandeza d'alma :
pOI8a
iocapazea de 01 sentir e avaliar, nio sabem uem
podem correapooder a procedimeotoa gener0101o
); A 11 A J, A :-I t; A Jl A .: 11 lt () l' ·" . J 4)

l !{.
Traiçlo do b'Ovémo de l.hboa.- Jura-se a Cana.

Chegou a Lisboa a noticia da determinação


real; e a primeira pcrfidia dos que então governa·
,·am foi d•,·ulgar a falsidade de que D. Pedro IV
tinha abdicado cm favor tle sciJ irn.ão. Deixou·
se circular c tomar corpo esta tloticia para seduzir
alguns ~olclndos ignorantes, c tentar a obra da
rebellião, CJUC immediatamcnte foi rcsoh·ida nos
tenebrosos conciliabulos apostolicos apenas se
soube que o soberano legitimo, querendo de9elll·
penuar a palavra real de seu pae dada em Vil1a-
franca, outorgava uma Carta aos Portuguezes.
O govt!rno diYidido em partidos vacillavai a
popula<;ão leal de Lisboa murmurava; os sympto-
ma. de rebcllino em alguns corpos do exército
aterravam os amigos da ordem ; em fim o govêrno
decidiu-se a publicar e cumprir as ordens dQ 10-

berano cm cujo nome regia.


112 .PORTUGAL

X.

1\i'io ,·eio porém facil uelll pt·ompta aquella


juncta ele traidoresa atam penosa obedicncia. foi
n<>cessaria a intervenção estrangeira paraque mi·
nistros portuguezes conseutis<;cm na feliciuade de
Portugal. Que terrível documento! Quando
hadc elle esquecer em Portugal ! Quando bade
o povo portuguez riscar da memoria t:sta nova
injúria de seus oligarchas!
Pela primeira ,·ez desde que estamos sob a
tutela ingleza, se exerceu ella sem ~er para nos:;o
mal e rulua. ( l-1) O facto é unico e e."<traordina-
rio; merece explica~ão.
Inglaterra lucta desde a paz de 1815 com uma
divida espantosa, e com a quasi impossibili-
dade de a remir. Para o fazer precisa reformas:
n1as a omnipotente oligarchia não as tolera:
menos tolera a na~ão o p~so dos tributos que a
esmagam. O partido racional e moderado propõe
transacc;ües: nem essas querem os Ultra-toryes.
N'{stas circumstâncias obtt'm a~ccndencia no ga.
binete britanoico um homem de c:..traordinarios
talentos c podêr de eloqiiencia. Sua carreira po-
litica tinha sida obliqua c ·tergivcrsadora atelli:
mas as circumsttmcins de lnglaterra;-as do mun-
do tambem-apperta\'am de hora a hora .. . Can-
ning decidiu-se: tinha a optar entre a fortuna e a
glória; seu !lnimo nobre escolheu a última.
Todos os preconceitos, todos os prifilegios, todos
os abusos clomcsticos e estranhos, se levantaram
contra elte. A grande crise era chegada : o
grande genio de Canning bem a viu, bem a co-
nheceu : arrostou com ella, arvorou o estandarte
da civilização-e aos brados d'aquella voz eloqüen-
te, a opinião de toda a Europa, de todo o mundo,
se le,·anta, se reüuc emtôrno do Demosthenes
moderno. 1\lais um momento de constancia, e o
incruento triiimpho da liberdade ia completar-se.
Mas Canning vacillou, hesitou ... E no instante
que hesitou, sua quéda era certa, o addiamento da
causa da humanidade infallh·el. Sua morte foi pre-
matura, mas a ,·ictoria da oligarchia tinha sido
114 }'(> N.'r U c;,\ L

anterior a ella; se tivera mais dous mezes de '·ida,


não os ,.;, êra no ministerio.
A Carta portugueza viera no principio de sua
lucta, quando a'inda lhe não fallecêra resoluljão:
d'ahi foi protegida ao principio, al>andonada de-
pois (1.5)
Cedo veremos como a reacção da oligarchia in-
gleza involveu em suas proscripções essa mesma
Carta que a influencia ingleza sustentára.

XL
Conjurn\·úo du olig1n·chiu curopea contra a Carta purtugurn.

Mas a formidavcl seita europea que desde


Petersburgo até Lisboa, desde Roma até Paris,
constante, infatigavel, nunca desanimada, persegue
os reis e os povos, desvaira uns e outros, empece
e damna todo o bem, promove e agita todo o mal,
ésta formidavel e abominavel seita não ficou tran-
qüilla. Em terrível exemplo para a Europa ver
um rei amado cordeai mente de seu povo, um povo
verdadeiramente felicitado por seu rei. Negar
abrrt:nncnle a lrgítiruidaclc de O. Pedro não era
~ ,\ llA LANÇA DA I:l: ROP .\. 145

nintln pos!'ivd : todos o t inhalll reconhecido, nin-


guem tinha su~cit:ulo <lúviclas! Denegar a um rei
absoluto o direito de rcstauclcccr ns nnti;ns fórmns
da monarchi:l, accomm<>'.l:udo-ns ao tempo c ncccs-
sidatks ela na ,ão, vcdavam-n'o os princpios con-
~agraclos nos congrl!$SOS clc ncnna,Tropp:IU c Lay-
bach, vc,,a,·a·o a lc{!itimidudr, CJUC a"incla cntiio
não era Iam rotlrlcsaritlcute como clrpois se tem
mostraclo para tudo o que ucio é 1mro.( 16) Res-
tara pois um unico mt•in: c-.:citar o descontenta-
mento cm Portugal, prmnovcr a guerra civil, com·
plidl-la com a melindrosa posic,ilo ele TIC'spanh:1
e França, Jar no!l ncgO<.·;os parth:ularC'.s ele Portu-
gal importancia curopea, general iz:'L.\os, complicf\-
1~. cnretl 't·los bem cnm os di,·crsos c C'ncontratlos
interêsscs das potencias contineut:tcs, seduzir o::;
,;ahinctes, il\ucli-1~ com fals.'\S rcl:tc;õcs, c forçar,
~e pol'-::ivcl fosse, a intrn·cnçi'ío estrangeira. (17)
E~tc foi o primeiro plano da olignrchia c de
seus ministros, o:-. npostolicos ele Portug:tl c Hcs·
panha-c tambcm cli'! F m111;n : plano que d<'pois
foi allcrarlo cm parle quanto ao3 mt.ios, mas t)UC
I)
146 l'ORTUOAL

.substancialmente se conservou sempre o mesmo.


Tam bem lhes medrou C.'>lC plano a princípio.
que ja comec;avam a cantar \'Íctoria. A immen~a
quantkladc de Portuguczcs que haviam I'Cguido a
ordem ,te cois..'ls c.o;tabclcci<.la tksdc 1820 a 1823
era um do:. instrumentos de qut: pretendiam scr-
vir·s<'. Estes, suppunham ellcs que formavam
um partido, e que seria facibks\·airá-Jo com pro-
jectos louco~. Mas alti se enganaram pucrilmcutc:
tal partido não existe cm Portugal Exceptuado
algum homem obscuro c de nenhuma influencia,
toda a grande maioria(18) da nação portugueza,
desejando o systcma rcprc~<cntatÍ\o monarchico~
conhecia oas 'lcfcitol' c inconsistencia do ensaio que
se h:l\'ia feito de 1820 a 1823 :( 19) uns o conhe-
ceram sempre, outros se tinham dec;enganado pela
cxperiencin: uingucm cahiu no lac;o mal armado,
e as rnachinaçõe... dos inimigos da ordem foram
estereis. Ao t'Ontríerio ns pessoas mais distinctas
em todas as opiuiõc:.(20} por nascimcr,to, por
.saber, por influencia, por suas riqu<'zas, form:nnm
aus.'l commum, ou autcs,abaudonaram todo o par·
NA UALAN<;.\ nA EUfiOPA. 147

tido para se rcünir l'mlôrno do tbrouo e da causa


nacional para sempre inscparavel da causa doso-
berano legitimo.
Desesperados por este espírito de união que
geralmente pre\'alecia, lau<;aram-se ás mais baixas
classes da socicdarle, que todavia não estavam
menos decididas pela causa legitima, em cuja in-
cxperiencia. porêm julgavam achar melhor ele-
mento para seus projectos. Foram vistos seus
emissarios no meio do povo em occasiões de pú-
blico regosijo e concurrcncia, excitando-o a des-
acatar as auctoritladcs com o pretexto de que
eram traidores á causa, e outms sugestões; mas
apenas conseguiram fazer soltar alguns brados
loucos e incivis de meia duzia de homens obscu-
ros, a quem os mais graves censuraram aspera-
mente, ele quem se riram com boa vontade os de
pensar mai:. ligeiro. Por este lado eisahi o unico
fructo de seu~ trabalho~.
J 18 1•o wru c; .u.

XH.

\roltnram-sc então a dt.'Smoralizar o exército,


cuja pouea disciplina da, a azo para isso. E
logo cm Lisboa, dúpois cm algumas outra5 terra~:o
do n~ino conseguiram seduzir porções de alguns
corpos: rn:L" ~cm mais rcsultarlo que a de o:;
levarem fugidO<> para IJc.-;panha. E abi se limi-
, reacção do partido aposte-
taria a debil c forçada
lico cm Portugal se o ministerio portuguez fosse
leal c firme, c da parte de seus alliados hou\·essc
bon-fl'. i\Jas nada d'isso succedcu. Tibieza de
acção, c incerteza de prindpios cm casa, e trail)ãO
de fóra cle1·am corpo ú rcbcllião. Protegidos,
muuiciados cm llespauha os rebelclcs entra-
ram cm Portugal talando, arrazantlo tudo; c a
..-Jc truitjão (JUC os precedia aterrando os povos, a
froul<idi\o do go\'êruo nuiman,Jo o:; ininligos do
c o" di!Salfcctos ao systcma, invoh·cram qun~i
1 ci

duas provindas: c mais teriam progredido se a


decisão tlc alguns gcneracs, I)UC por i~o mesmo
fomm mal vistos ,. 'fllasi pcrsrgrridvs pelo goYêrno,
lhes uão pozcssc limilt;S, c os não desfizesse
completamente. Mas apenns batidos, entravam
no territorio hcspanhol, ahi achavam refõn;o de
nnnas, até de officiaes, de tudo; e ei-los que
voltavam outra ,·cz por outro lado da raia, fati-
gando por este modo as tropas leae;;, e tornando.
para assim c\izcr, eterna ésta guerra
Quando fallo do miuislc•rio portuguez d'en-
tão, não intenuo decerto a totalidade d'elle;
porque alguns ministros houve c por alguns in-
tervallos, que foram fieis á causa nacional; porêm
os membros pred01rtinantes do ministerio,uns aber-
tameute foram traidores, outros so por ella fa-
ziam o que sem manifesta rebeldia não podiam
deixar Je fazer. Poucas excepções honradas po-
dêmos fazer cm um ministcrio cujos ind1viduos
foram por vezes alterados, sclll se alterar com
tudo o e-pirito predominante de traição e perfidia
que o anima,a.(-H)
l' o lll U G .\J.

XIII.

Não seria tlitlicil mo~trar <JUC o auxilio pcdi-


~lo por este ministcrio á Gran-Bretanha foi um
do~ mci(k; que sua traic;ão Clllprcgou, paraque
atcrratlas com .-ua ch<'gada as tropas rebeldes
se n..fugiassem e se conservassem em Hc::;panha
c:o;pcrando a oecasião opportuna, e por outro lado
o espírito nacional comprimido, como o compri-
uia c avcxava c pcr::~cguia o miuistcrio, se não dc-
sinvolvcssc, c para o futuro, quando o exército
ingll•z se retirasse, cahisscm os animos em desa-
lento, c ningucm ousasse ru;istir ao que se prepa-
rava ha 111uito c comcflcito veio a succeder d'ahi
a um atmo.
Não sei com que tenção se deu o auxHio: com
é:;ta foi clle petli1lo.
O certo é que ns tropas auxiliares nada auxi-
liarlm nem precisaram auxiliar; e fJUC quando
seu auxilio era ,·crcladcilamcnte nrccssario, reti-
rarmn-5<'; c 1 0 111 a iuiJucucia moJnl d'ést.a retirada
10 BAlu\NÇA D .\ ~UROP ,\ 1.)1

fizeram mais do que todos os apostolico~ juuctos


na causa tla usurp:u;no e do usurpador.

XIV.
lllodtrnc;ão do polli<lo comtilucionnl.

Todavia socegadas as províncias, e expulsas as


reliquias dos rebeldes, que cm fim se aquartelaram
tranqüillamcnte em IIcspanha, alguma esperança
de repouso começou a haver; e comeffeilo al-
gum se gosou durante parte do anno de 1827. As
camaras tinham sido convocadas, e sua moderação
deséspérante (•22) (como lhe cha111ava um diplo-
mata do Norte) uno dava togar fts accusac;ões,
que tanto se desejavam, de demagogia ejacobiois-
mo. Consolitlava-se, quanto o pcrmitlia o minis-
terio traidor, a causa d'clrci; c vagarosamente e
tergiversando se fazia algum progresso no systerna
representati vo.
Mas as raizes do cancro apostolico de tal
modo se cnlac;:nam no corac;ão do Estado, csten-
Mndo-se pelos membros influentes do ministerio
e 1lc ambas as l'amaras, que o Clipirito nacional
1'01tTVCL\ L

era C'Olll(lfÍIIIÍlJO, C IJCilftttrtn prO\'Ítlcncia Jegislati\ a


ou go\'Crnntiva se tom;n·a para e-tabelccc>r o sys-
tcma constitucioual, para o fazrr conhcciclo, c por-
tanto I'JIICri•lo da~ mas~a<; níio · pcn~nt~:s; muito
menos para crcnr institui•;iks que n garantissem e
ckft'ndcsscm.
Na camnrn elo;; deputaelo~ rccre!<cia todos os
clias n tunn1lluaria confus:io de propostas de lc·i
ou inutcis ahsolutamenh.>, ou ele sC'cundária utili-
dade, ou comparnthmucnte inutcis c absurdas.
AR intrigas elos inimigos do systrma rrprcscn-
tativo tinh:un prevalecido cm excluir lla cnmara
clecti\'n os homcus de n~nla«leiro saber c \"crdn-
dciro amor de liberdade «lUC a mu;ão contava:
cxc•'ptuaclos alguns poucos dignos e honrados rc-
pr<'Scntnntcs, a mniorin •ln cmnnra era composta
jn de loucos c interesseiros tl(magogos cujo procc-
dirncnto posterior hcm mostrou a nnlureza eh~ seu
Jibcralismo,-ja de me<liocres talento;,, ele prcfnnc-
torios e ,·ngos conhccimcntos,-ou ele homeus am-
bíguos, sem pnl rioti!'nto, ~cm virtudes ci\'icn~, que
tltt'lll tinhnm fôrc;a igual a :ma \'Outadc ele destruir
1oiA BALANÇl. D~ EUROP.\. 153

as iustitu'ic;ões que não amavam, nem tlnimo para


as fazer progredir se de coraçfio as quizessem.
De tacs elementos formada a pseudo-representa-
ção nacional forçosamente havia de ser o que foi:
um ajuntamento confuso sem alma nem ordem,
onde tudo se propoz, mal se discutiu, e nada se
asscntou.(23)
Em fatal harmonia com ésta repugnante deshar-
monia estava a camara hcreditaria, cujos membros
quasi todos abhorreciam o sytema que os tinha
feito, a elles indignos, de abjectos escravos de
palacio que eram, magistrados hereditarios e
legisladores natos de sua patria. Funcções tam
altas c honrosas, nem as conheciam nem as ava~
liavam nem as prezavam : como-se a falta de
educação lh'o vedava, se o antigo espírito de inde-
pcmlcncia, que tanto distinguia e characterizava
outro tempo a fidalguia portgueza, linha morrido
lentamente com dois scculo!l de servidão palacega,
de dependencia e immoraJi,Jade politica!
Tanto maior honra para as nobres excepções
l}UC d'{·sta vergonhosa regra fizeram os honrados
1t
154 POJtTUC.&L

j)arr.s que c·m 18'.?8 resistiram ãs seducçõcs e ter-


rores da usurpação,e vieram no c.'\:ilio e nas priva-
c;õcs rc~u citar a antiga fama da nobreza de Por-
tugal.
Infelizmente porém a regra prevalecia em
número e poder fts excepções: e se a camara efec-
tinl, por desunida c' mal composta, pouco fazia,- a
ati
lwrellitaria, por ho~ til e ver:;a ao rei e ao p0\'0,
nada filzia nem deixava f.11.cr.
O ministcrio podia ter neutralizado parte d'csle
mal se houvesse tomado seu logar no systema re-
prcscntali\'O, o Jogar que naturalmente, que for-
ÇOS.'ltnente lhe compete c dlc tomar, para esta-
belecer o cqüilibrio dcs pod~rcs do Estado. Se
o ministerio portugucz ti\'e; ...e então feito sua
obrigação, frcq iicntando as camaras,tomando parte
nas d1~cussões, fnzcnclo as propo::-ta.s ncces~arias,
oppontlo-l'c â:. inutei::-. appoiantlo a:. de immediata
precisno, su~;tcutnndo un urna camara o que na
outra tÍ\'C$sc fr·ito nppro\'ar, f:1zeudo-sc por este
modo o nexo legal, nccl's~ario entre a parte dcma-
crõlti<'a l' n arist<><;ratiC'a da IPgislatura, e entre a co-
NA BALANCfA DA EURO)>,\, 155

roa, cujos procuradores siio os ministros para com a


mesma legislatura na monarchia rl'pl·cscntatJva,-
a clefcituosa composição das duas camaras scría
em grande parte remediada c contrabalançada; c
apczar tl'ella,muito bons resultados ~e poderialll ter
tirado. i\Ias s~ uma das camaras não sabla que-
rer, se outra não queria o systema representativo,
o governo era seu mais cruel, mais traidor e
mais dc:sl<:al iniwigo. Que se po<lia esperar de
uma onlcm de coisas em qut: lacs cll'Jllenlos se
faziam guerra de cahos !(21)

XV.
Cumruoç6ca populure~ t'ICÍtadas r~la pcrfidia c tMiçãu de
go,êmo.

~·este estado de coisas occorreu a infermidadc


da infante regente; e o ministcrio traidor que
então pesava sôbrc o desgra<;ado Portugal, im-
mecliatamentc lan~ou mão u'\;sta circum:,tância
para unir suas repre~entaçõcs ás dos inimigos
internos c cxteruos de D. Pedro, e lhe sur-
prchcmlcrcm a nomca~ão de U. ~I igucl á rc-
166 PORTUGAL

gencin. t..:ão tardou que lhe uão cousta~e tc-


rem conseguido seu fim . Desde esse momento
ra!lgaram completamente a máscara; começou a
perseguição tios libcracs aberta e declarada, n
protecção manifesta e sem rC'buc;o aos infantista.,,
Deu-se-lhes libenlaclc pública de conciliabulos e
de imprensa: coorctou·se mais e mais, negou-
se cotupletamentc aos do partido nacional. (25)
Nos ultimos dias de Julho a traição foi tatn
manifesta, a indignação pública tam exacerbada,
que rompeu nos tumultos popularl'S, cuja origem e
circumstàncias tam desfiguradas foram pela ca-
lúmnia npostolica c pela mentira do govêrno que
os promo\'cu. A dcmbsão do general Saldanha,
com a qual essC'S tumultos romperam, foi a oc-
casião immcdiata, mas não a causa d'ell~. A
traição do ministerio, a conspiração das aucto-
ridadcs todas haviam ha muito tempo excitado
o fermento do odio nacional: aquclle incidente
não fez mais do que apprcsJ>ar c dar desafôgo ao
rompimento. Não houvt: cxccssOtí commettidos
por esse tumulto: mas ellc mésmo era cm si um
fez
exce sso; não o justi ficar ei. O povo uiio
al-
mais do que recla mar cont ra a manifesta desle
bem
dade do govc1 no, cujas conscqücncias tam
icaram.
prcsentia, c tam horrorot.amentc se verif
O go,ê rno fl.'Z quan to pô<lc para le\·ar o povo
fomen-
a perp etrar algu m desacato : animaram,
Pouc o
taram , iusti gara m; mas unda conseguiram.
pouc o
costu mado a reagir cont ra a auctoridaJc-,
iniciado nos princípios da r~istcncia legal,
o povo
essas e
brad ou mas callou-se logo ; fiou-se nas prom
attcn -
prote ;taçõ es que lhe fizeram de que se não
iram,
twa cont ra as institu'il;õcs: outr a vez o illud
e outr a vez cabiu no cmbul'te.
a
Este acco ntcci ment o regozijou infinitamente
nova c
facçã o apos tolic a; dcu-lh<;S prete xto para
mai:;
mais decla rada pers egui ção; nada podi a vir
a ponto. ComcOcito centcnarcs de pessoas
; pro-
foram presa s na capit al e por todo o reino
as
nunc iado s bispos, grande~~, pessoas de todas
desap-
classes c distincçõcs, os que mais tinha m
o:.
provndo c repro vado aquclles tumultos, os mesm
158 POJlTUGAL

que maiores (·.sfur~os haviam feito para os dis-


sipar.

:\ imprensa mereceu. e com r-azão, os primei-


ros ataqu1..'S da fitcção. Contra o expresso direito
da Carta, a imprcn~a gcmêra :;cmpre debaixo da
0-tupirla cc·usura de algum; frades, qne o govêrno
tivera o cuidado de escolher como proprios car-
rascos de tal padecente. 1\fas tanta era ajustiça
da causa, tanta era cm geral a pruclencia e mo-
deração dos cscriptorcs, que ás ''ezes escapavam ús
tesoiras ccnsot·ias um ou outro parngrapho que
illustnl\'a o povo, e mctlia frouxo clarão pelas
trevas com que para o cegar e desvairar o ro-
deavam. l\las nem esse dcbil reflexo convinha
aos apostolicos, nem esse clamor sumido que
escapa\·a a caso por alguma fisga das ruordaças
da censura evitou a proscripção. Todos os
e-ditores c redactores dosjoroaes, muitos dos cen-
sores foram lançados cm masmorras, e decidida
assim com um rutJp d'état á Polignac a fJuest.=io
da libcrclaue da imprensa (26)
Que mais falta,·a a D. Miguel? O caminho
)IA U.\LAN<;A DA CUJtOt>A. 159

estava feito, os degraus elo throno clcsembara-


c;atlos; era subir e sentar-se.

XVI.
Hegtncia de D. l\ligud.

Preparados ns:.im os espíritos com o terror da


perscguic;ão, appoiado o govt:rno traidor sôbre
as baionetas estrangeiras, collocada!'l C'm todas as
províncias auctoridades de conhecida <Hlhcsão ao
absolutismo c ao futuro usurpador,tranq üillamente
esperaram por elle, engodando a nação com espe-
ranças de paz, e espalhando com arte por todas
as ,·ias diplomaticas que so a regencia do infante
podia fazer ct·ssar o e-stado calamitoso de Portu-
gal. (27)
Chegou cllc; e no proprio dia dê seu desem-
barquc começaram os gritos da rebellião dados
pela mais iufima canalba que o intendente da
policia assoldadava a tanto por dia.
O povo ficou tranqiiillo, e em seu expressivo
silencio rcprov:n·a taes escandalos; a tropa casti-
gou alguns dos gritadores : mas o go\'crno nãf.)
160 I'OU'rUCAL

c..la\'a providencias; as auctoriuac..lcs dissimulavam;


e os tumultos progrediam. Estes ajuntamentos
porêna eram somente emtôrno do palacio e nos
mesmos atrios d'elle, nenhum d'esses bandi-
dos ousava vir gritar a outras partes da capi-
tal; so debaixo da protecção e sob os olhos mesmos
elo príncipe se atreviam a cometter seus desacatos.
Durante um mez continuaram os alvorotos, que
não perturbaram, é verdade, o repouso da cidade,
porque o espírito da população era contra elles e
contra o motivo d'elles, mas presentavam nas
vizinhanças do paço o spectaculo mais indecente
que ainda até boje se viu. A pós os gritos vie-
ram os insultos e as vias de facto. Pares do reino,
nobrcs,magistrados,até embaixadores estrangeiros,
pessoas de todas as distincções foram insultadas.
A turba desenfreada, á face do logar-tenente de D.
Pedro I V grita,·a: "morra D. Pedro IV, morra
:a Carta, viva D. Miguel absoluto!'' Os criados
do paço eram os que mais figuravam e se distin-
guiam n'éstas \'OZerias e insultos; e o infante
NA BALA.NÇ~ DA EUROPA.. 161

abertamente os accolhia com agrado, e os animava


com a mais decidida approvação.(28)

XVII.
D. Miguel jurtl a Cbrlo, começa a rrgcr, e u promorcr a
rebdlião.

Depois de alguns dias de indecisão, o infante


prt-'Stou emfim em sessão real das duas cama-
ras reünidas o juramento de fidelidade ao rei e
á Carta, e de governar o reino conforme a aucto-
ridadc clelegaJa por seu augusto irmão. Mas os
tumultos do pac;o continuavam, e antes cresciam:
tentaram-se todos os meios de seduzir tropas, roas
o espírito d'ellas era excellente; nada foi possível.
Em fim o usurpador se deliberou a começar suas
operações. A camara dos deputados sem mo-
tivo. nem siquer pretexto, foi di:;solvida; come-
r;aram as destitulc;ões nos chefles c.los corpos do
exército c nos magistrados territonacs das pro-
vinctas; nos quaes log:lrcs todos foram postos
tebcldcs conhecidos da fac~ão do infante. Tudo
as:;im prrparauo, ordenou-se por circulares aos
y
l'Ol\TUG ..U.

corpos municipacs que dirigissem unanimemente


rEpretJcntaçõcs ao infante pedindo-I he a abolição da
Carta e que se declarasse ellc rei absoluto. Estes
corpos, que são constitu'idos por um velho tribu-
nal t'!ltabelecido na capital com o nome de " Des-
embargo do Paço,'' em cuja, formação não
entra hoje absolutamente em a nada a escolha do
povo, erigiram-se em representantes do povo, e se
arrogaram auctoridadc constitutiva,-ou antes,
tomaram a que pelo govêrno !IC lhe insinuou <JUC
tomassem.(23) Para logo ele muitas munici-
palidades do reino ,·icram essas representações;
até que finalmente a de Lisboa, que nem siqucr é
composta de habitantes ela terra, mas de magis-
trados (desembargadores) nomeados pelo govêrno,
deu o exemplo de proclamar publicamente rei o
infante O. Miguel no meio elas gritarias de algu-
mas 1luzias de homens da mais baixa ralé da
capital, sem que a t•ste neto burlesco e inf.1me
concurressc nenhum homem TC~(X'itavcl,ncm uma
o pessoa de consideraçí\o, salvo alguns do n:lhos
de:.emb:wgadorc-s q uc compocm a pretendida mu-
nicipalidade. (2!>)

XV UI.
rroll'CÇÜO iuglcu,

~o emtnntoas machinar;õcecMrangciras tinham


preparado fóra o que cm casa et.tava quasi feito.
A politica do gabinete inglez, que ja cm ,·ida
de :\Ir. Canning comccára a variar, mudou com-
pletamente com sua morl('. A oligarchia in-
gleza, que tam rcluc:tantc ccd~ra lL ,·igorosa com-
pressão cm que a tinha aquclle ministro babil e
illustrado, reagtm poderosamente apenas o viu
moribundo, c veio como o asno da tabula insul-
tar o leão agonizante. Seus naturaes alliados, a
oligarchia francc-t.a, a austríaca, a de todo o mun-
do lhe, deram a mão, e ajuntando o::. dispersos ele-
mentos que na dissolul)ãO da soneta alliança ti-
nham ficado sem uexo e derramados pela Europa,
formaram uma liga alndn formidavcl c poderosa,
comquanto ja l'Cill a!Juclla unidade c uexo que
lhe d:wa a primiti\'3 alliança. Um dos (>rimeiroí-

'
lô4 J'OltTUGi\1,

pontoa cm que a funcsra coallisiio conveio fc,j n


destruição <.la Carta portugueza. (~O) As tropas
britannicas, C'JUC tinham tido orucm para e\·acunr
Portugal, foram manclauns con~enar-se alli para
proteger a pessoa de D. ~liguei c o sustentar con-
tra os Portugucze:. emquanto clle não dispunha
as coisas tot.las de modo que lhe não restasse dú·
vida do resultado. Apenas pareceu que D. )li-
estava sufficientemente preparado, ,·eio ordem
pcrcmptoria para o cm barquc dos aux iliates.
Em vão representou o embaixador Sir Frederick
Lamb(25) as conseqüencias forçosa.~ de tal pre-
cipitação; novas ordens appcrtaram,-o exército
inglez partiu : e então se <lcscnganou a nação por-
tugucza de qual era a protecção que seus " an-
"tigos nlliados" lhe ha"iam prorncttido. D. 1\Ii-
gucl blasonava publicamente d'6sa protecção
para si, e de que tudo quanto fazia tinha sido
previamente concertado entre ellc e os gabi-
netes da Europa. Os facto appoiavam suas as-
scr(jÕCt<: deu-se--lhe crédito sem difficuldade nem
escrnpulo.
Pareceu contradizê-lo a dcci.;ão do wrpo di-
plomatic.:o quando declarou não podl!r contiuuar
cru suns funcçõcs juncto do usurpador. l\las
tod<>ti os que \'iam (c não eram poucos) a travcz
da llláscara tliplomatiL-a, conheceram Lem claro
que e.ste era um vão ccrcn.onial feito para enganar
os povos, uma hypoc.:risia ridícula com que a legi-
timidade, que se havia su"icidado, assistiu a seu
proprio funeral.

XIX.

A pos esta farça veio outra não mcncs ridícula;


um d't..'SSC!! anachronismos políticos que mais exci-
tam o despr~zo c indignação pública do que po·
dem sanccionar coisa alguma séria ou impor-
tante.
Quero fallar da convoca<;ão das pscudo-côrtcs
que se ajuntaram em Lisboa, c lavraram a onze
de Julho de 1828 o famoso assento com que se
pretendeu legitimar a usurpação de D. ~liguei.

Este monumento de ignorancia, de aleivosia c


WG P01ll'UCL\ L

insolcncia serviu depois de fumlamento {tS argu-


mcuta<;õcs pueris de nacionacs c estrangeiros,
()Ue ignorantes de uossa historia, de nossas leis,
do nol'~OS costumes, de noliSO charactt~r,-atl! Jc
nossa linguagem, juram nas palavras do concilia·
bulo de Lisboa, e pcrtcmfcram fazer accrcditar
o 'manifesto dos cortczüos de Nero c Agrippina'
pela voz unanime do povo romano' -Si licet
parr:is cvmponllcre magna. (31)
Conveio-se pois entre os chcfl'cs dos conspira·
dores, c por conselho do seus protectores estran-
geirO!;, que se com·ocasse um fingido ~imulacro
das antiga" côrte.-; tio reino, afim de illudir com
ésta apparencia de legalidade as naçõe-s estra-
nhas, para as quacs somente se representou é!;ta
comedia ; porque dos nacionaes não ha,•ia ne-
nhum, por muito ignorante que fo~se, que não
zombasse de tam ridícula convocção.
Pelo facto mesmo de convocar a c>stc conciliabu-
lo illcgltimo, proscripto e abrogado pela Carta c
por quem legitimo direitQ tinha de o fazer, D. Mi-
guel se constituiu rebelde e trnitlor nmuifcsto.Jn não
NA DAlA:->ÇA. DA J::UROI'.A . 167

tram procedimentos de uma corpornção, de um


individuo, ja não eram coisas de que dlc podessc
clizer que tinha ~;ido forGado n fa:r.ê-lns ou n tolerá·
las por ceder ao impeto dl\8 facc;üea; ja não ha-
via bypocrisia para se disfarçar mais: este era
um facto 6tu. apootaneo, livre.
Emfim D . .Miguel abertamente depôs a mlls-
cara, declarou officialmente que ja não governava
pela auctoridade delegada de seu wbcrano, mas
jure proprio : em todos os actos publicos se lhe
deu Majestade; asaignou Rei nos diplomas
officiaes; e esperando pelo direito que lhe haviR
de vir du deliberações doe Tres-eatados, por
sua propria de.liberaçio ae constituiu de factfJ na
poeee da coroa que ha poucos dias jurára, deaote
de Deus e dGB homens, de conservar illesa a seu
irmão e sobrillha.
A muito condescendente e muito indulgente le-
gitimidade nio pôde comeO'eito di•imular mais:
foeae qual f'011e a reluctaocia de algu01, os mem-
bros do cor))<) diplomatico ceasaram suas func-
~õea (as públicas ao meJtos), e pôsloque n'um
l'OUTUG .\J,

stylo extremamente mo•lcra?o, extremamente in-


aclcl)uatlo a tam escandalosas circumstâncias, de-
clararam comtudo que não podiam continuar a
exercê-las. D. 1\Iiguel e sua gente riram d'ésta
dcclara<;ão ; e, porque cllc ~ nsse\•era,·a, porque
muita gente sensata o dizia, porque todas as cir·

.
cumstâncias antecedentes induziam a crê-lo,-
tomou-se-isto por uma farça que estava concerta-
,Jo representar para salvar as nppareucias, e não
oO'cndcr tam manifestamente a moral pública da
Europa.
No cmtanto as (lcstitu'i~õcs continuavam, ns
crueldades c perseguições de toda a especie pro-
grediam; e apezar do terror que prevalecia ge-
ralmente, era tal e tam manifesta a indignação e
orlio público contra ttl govêrno c tal priucipe,quc
por totla a parte e a todo o momento se esperava
que arrebentasse uma re:tcção, cujos symptomas
de dia a dia cresciam e npparcciam mais sensíveis.
O usurpador ou seus satl'litcs o conheceram e prc-
Ecntiram; e se prepararam com sangue frio de
('arrascos para comprimir u espírito público,
NA BA.LANGA D.\ EUROt'A. 169

sôbre cuja natureza e inclinação ja não podiam


illudir-sc, com todos os horrores e tormentos de
uma per&eguição de Nero ;-ou se a comprimi-lo
não chegassem, para se vingar, ao menos com
anticipa~ão, 1le um pO\'O que os repulsava e t>s
detcstavn, como a seus verdugos que eram.

XX:.
Rcncçilo n:u:iuonl conir.• D. Miguel

Comeíleito o soiTrimento nacional estava no


extrêmo. A reacção eslava feita nos espíritos;
faltava uma voz, uma palavra de santo paraque
os povos se levantassem. D . 1\liguel e o seu
throno de um dia iam c-ahir de golpe. Uma voz
que se alçasse, c toda a nação se precipitava
em massa !:óôbre esse punhado de miseraveis que
nem se sabiam valer do podêr que tinham nas
mãos, o qual não haviam conquistado mas furtado,
que nem o direito nem a fôn;a, mas so o roubo
e a traição lhe tinham dado. Do Porto, cidade
nomeada por sua lealdade ao soberano e amor ao
govêrno representativo, ~e esperava o primeiro
z
110 PORTtTG A.L

impulso. Entre as provindas do Norte, o !\linho,


cuja capital l! aquclla cidade,foi sempre a mais de·
cidida n'ésta causa porque é n mais industriosa e
cultinda, a mais povoada e a mais ricca. Porêm
ao Sul o pequeno reino do Algarve niio clava
menos cspcranc;as. De ambos estes lados se Cs·
perava todos os dias a salvação, todas as horas e
momentos.
Nem o que se c1-perava tardou muito: todo
Portugal se sublevou contra o tyranno; todo Por-
tugal alevantou o grito da fidelidade, e altamente
bradou e protestou ít face da Europa e do mun-
do contra D. l\Iigucl.
Disse que todo o Portugal se sublevou; e não
foi exager:ulo este meu dizer: porque, exceptu-
ando Lisboa, aonde a fôrça da oppressão não per-
mittia nem um so nspiro aos leaes, em todo o
resto de Portugal, r.om mais ou menos fortunn, o
protesto solemnc da nação foi feito com as armas
na mão, contra n rcbcldin e traição do usurpa-
dor. Os acontcciuwnlos do Porto são os mais
conh<'citlo~; mas não foi l""a a unir:~ parte elo
NA BALAM;.\ 1).\ EUltOl'A· 171

reiuo que assim procc.lcu. Na província de


Tras-os-monte~. tam conhecida de toda a Eu-
ropa por fornecer theatro e actores ás sangüino-
sas farc;as da rcbellião, n'essa mesma província a
maiorb. das tropas, muita da nobreza e po"o se
declarou pdo soberano legitimo; de tam longe
como Chaves vieram trcs regimentos juntar-se a
seus bravos camaradas do Porto: em muitas
partes o po,·o se armou cm guerrilhas, que so
muito Jcpois das forcas cauclitws tio Porto depo-
seram as armas. Na província do l\linho, alêm
do Pot·to, a ·guarnição de Braga c Guimarães, o
povo d'ésta última, de Fale c d'outras terras con-
sideravcis tomaram as armas. Na pro\·incia da
Beira é nolorio o generoso procedimento dos ha-
bitantes de Coimbra, cujo corpo de commércio,
principacs famílias, muitOlS lctltes. e doutores da
universidade ro bacrifitaram pela ingrata legitimi-
dade: ()!; estudantes da mesma universidade ~;e
formaram cm um corpo de voluutarios, com-
mandado por uul lente <l'clla, c fizeram os maiores
e mais assignalatlos ~;en·i·;os aló a entrada da~
172 :PORTUGAL

raias d'Hespanha. Viutc e tnnt~ religiosos au-


gustinianos, e de outras orclcn!l, fizeram o mesmo
so n'aquella cidade. De Vizeu, capital da pro-
víncia, ficará sempre mcmor:l\'cl o corpo de volun-
tarios que alli se formou, c que tam denodada c
nobremente se portou sempre: o m~mo, segundo
seus meios e circumst..'incia.c:, succcdcu nas outras
terras da província, sem exceptuar Almeida e sua
brava guarnição.(32) No A lêm-Tejo, a cidade de
Beja e outras terras menores se levantaram.
-Do Algarve é sabida a catastrophe, que
soífocou, por uma horrível pcrfidia, o enthusi-
asmo e esforços d'aqucllc pequeno reino. E para
cbcgar por último â propria província da Estre-
madura, immediatamcnte sujeita {l acção e oppres-
s:io de todos os meios de que se serviu o usurpa.
dor, bastará comtudo para mostrar seu espírito
o ver que em Santarcm, poucas leguas de Lisboa,
o governador militar, a guarnição toda e a maio-
ria dos paizanos tomaram armas, e marcharam
a reünir-se ao! estandartes arvorados no Porto.
E não ha uma so pessoa de ucnhuma nação ou
partido, que residisse cm Lisboa nos mcmora-
vei'i mesc~õ de !\Iaio c Junho de 1828, que
não diga, se quizcr fallar a vcr,lade, a impacicn-
cia e deciE-ão com que a maior c melhor parte da
população da <~pital cRpNa,·a pela approxima·
c;ão das tropas da juncta, p:ara se declarar, e pre-
cipitar do seu throno cphcnncro o rei de cscaroeo
e galhofa, cuja nccl:uua'iãc• e elevação não teve
coisa alguma que não fosse ridicula, senão as atro-
cidades de l:íUas proscrip<;ÕC!l, e o sangue e as
lagrymas de t;Uas victimas. Se a reacção foi mal
succedida, se o espírito nacional não pôde, apezar
de tudo isto, sobrepujar ao <spirito de uma fac<;ão,
que era em l'Í mesma uma dilllinuta Jracçãu do po-
vo portugue-t, teve essa infelicidade, alêm das cau-
sas geraes que ja apontei, outras que por cxtrêmo
vergonhosas e abhorrccidas de referir, proU\·esse
a Deus que não fosse a penna portugueza obri-
gada a escrevê-las. Satisfarei reluctante a essa
<:rucl obrignt;ão •... I\las sfrá o maia tarJe e o
mais breve que podêr.
I7 I J'O lll UG.\ L

XXI.
Pur'IIIC foi mal '"~-..<t·dida '"'" tcacçiio.

lnfl'lizmentc o CJUC mais ncc~sario era cru tac::.


circumstâncias, um ho mcm ou homens corajoso::.
c deciclido~, capazes de se pôr á frente da reacção,
e de dirigir mass.1s ta: m bem dispostas, faltaram.
Éstas rcac~õcs, que não eram filhas de plano com-
binado, de nenhuma c< mjura~âo, mas t..>spoutaneas,
mas uma explosão nat1 Jral c não preparada do cspi.-
rito que animava tod:t s as classes, por isso mesmo
foram mal dirigidas c vieram a ser iofructuosas.
U111a rcvoluc;ão illcg ltima, tl'amada uo segredo
por uma fac~,;ão consJ.IÍradora conta com muitos
ob::.taculo::., pre,·e tod: ts as opposições, e portanto
cstabckcc seu plano, c·ombina tudo; e quando che-
ga a rebcutar, todas <t::. difliculdades são pre\'istas
c · e acham nrratüad: 1s. l\I:ts a natural, spon-
t.anca c não preparada reac~ão do povo nem
tem chefies, nem 3a·nto, rebenta pela fôrça das
coisa;;, vai ~>cm di rc :c<;ào nem meti.Jodo; c se
um ho11tcm clc c.onli< uu;a c cabe',a não appar\!cl'
cnt:iu p:ua clrtr rum o c dirccsão ao 'Iuc natu-
NA BALANÇ \ UA n :UROPA. 175

rahnente a não tem, é raro c ui '.flicil, quasi impos·


si,el que uma tal reacção não : geja destruida pela
fôrça combinada e organizada 'io podê r contra o
qual se sublevou.
Tal foi exactamente o caso da yeacc;ão legitima
do Porto. Povo, exército, nob.reza, todo3 eram
animados de um commum ues~jo, todos toma·
ram armas para consep·ar seu Jiuramento e não
ser cumpliccs da traição: mas <~!>te movimento
nem foi preparado nem combinado: todos se in-
tendiam sem se fallar, todo!! se dec \aravam sem se
prevenir. A pparcceu uma massa immensa, for-
midavel a que parecia impossível Tesistir : mas
não houve quem a dirigisse, cedeu à fôrça menor
porêm mais regular.
N'éstas poucas palavras se encerra a longa
historia da lam esperançosa, c tam mal succedida
reacção das províncias do K"orte de Portugal
contra a usurpação de D. 1\liguel.
liti 1'0 H l' Ur. .\ J,

XXII.
·r('rror de n. illi~;uel
Invoquemos o '(>roprio tcstirnunho do usurpa·
clor, Jc ~>ua tcrrivc:l müc, de seus tenebrosos con-
selheiros: ~ irrecusa\·el e " maior de toda a ex-
cepção" seu te.-.timunho. Mui clara e explicita-
mente no' -lo dão ellcs.-Vendo o estado do reino
c a opinião da nação que os repulsava e se levan-
tava cm ma11sa contra sua tyrannia, D. Miguel e
sua facção se julgaram completamente perdidos:
os gritadores pngos pela policia cessaram, o pa·
Jacio estP.,·c guardatlo por uma fôn;a de getls-
tlarmes capaz de guarnecer uma praça; esqui-
param-se navios e se proveram de viveres para
longo tr:ljccto; ' som mas consideraveis de dinheiro
c as joia~ da coroa foram depositadas a bordo
d'e..,tes n:n ios: hou\'C conselhos em que se delibe-
rou sôbre o modo da fuga ; tudo se preparou
para clla. E sem podêr confiar-se na tropa da
capital, unica de que podiam dispor, e a qual ja
mnnif~tam não equívocos symptomas de rlcs-
SA BALA.IfCjA DA EUROPA. 177

nio ousavam oppor 6 reacc;ão das p~


affei~ão,
vindas obstaculo nenhum, e 110 cuidavam de aa~
var U SUBI paaoaa.--8e este teatimunbo de D.
Miguel e dos eeus nio basta para provar o espirito
e 01 votol da nacsão portuguaa. não eei qual
baste.

XXIU.
Fa:al rmlrado ila rncçlo aadaul

Mas a reacc;lo das províncias, que nem teve pla·


no nem cbetres nem ordem alguma, havendo ao
principio lavrado com uma Rtrça de electrici-
dade que aos pouco previdentes dava toda a e.-
pera1J91, começ~mtudo a ceder deante dos
planoe combinadoe dentro e f6ra do reino pela
facçiio apoatolica de Hespanha e Franqa, por sua
auxiliar e protectora, a oligarcbia éuropea. Tal
~ra porém o espirito, a alma, a c.:oragem civicadas

tropas constitucionaes, do immenso n(Jmero de


voluntarios (33) que todos os dias, todas as horas
ae lhes juntavam,que 80 a extrêma rraqueza, pue-
ril indecisão e vergonhoea covardia doa cheffea
AA
178 POJtTUG AL

da rcacc,-ão poôiam clar a ,·nntagem á!' fôrc;as


do usurpado r c de seus protcctorc~. A inde·
cisão e timidez elos constitucional~ deu ao ty-
ranno todo O tempo C vagar rara I'<'COUC{'lllt'C\f

suas fõrças, para ns dispor, para concerta r uma


Jefl'za que longo tempo pareceu chimcric a; c a
final- mais extraordi nario c espantoso ainda!-
passar da defensiva ú ofrensiru,c ganhar a victoria
sem vencer uma batalha. {34)
O exército leal cm todos os recontros bateu
sempre as pequenas e desanimadas fõr<;as rlo usur-
pador. 1\Ias sempre triümpha ntc c sempre fu-
gitivo, Yenccndo sempre c sempre retirando-se,
ganhando victorias c percte~o terreno, perdeu
emfim o que é tudo c tudo vai, e mais (JUC tudo
f.u na guerra civil, a força moral e n opinião dos
povo!l ;-até que abandonado de seus cheffC!I, um
exército forte de consiclcravel númcrCI de tropas
regulares, e de muitos mil ,·oluntarios, cujo "alor
e decisão e importan cia politica eqüh·aliam n do-
bradas dh·isõcs de fôrc;as regulares, veio <'mfim
a ser reduzido por Ullla !-'eric progressiva ele erros
NA U.t\1..\NÇA DA EUROPA. 179

de infelicidades, de faltas, de crimes d'esses chef-


fes, a buscar refúgio l!lll Hespanha quando ja di-
minuido c desmantelado.

XXI V.

Comcffcito a facção usurpadora, vo\tando de sua


primeira stnprcza c terror, comc~ou a apperce-
bcr-sc da lentidão dos progressos da reac<;ão, e a
ver a esperança de triii mpho q uc <i e sua falta de
dircc<;ão lhe luzia. Juutarnm algumas tropas,
levaram-nas dcante do inimigo, fanatizaram-nas
com h ypocrisias fraJcscas, e com todas as ~rtes
apostolicas: todavia uão E-Stavam seguros d'ellas;
c muitos soldados se passavam para o exército \eal.
l\las este he..-;itavn, rccua\'a: ganharam ânimo os
rebeldel; seus soldatlos come<;aram a d~coofiar
flue bem podia ser que fo~sc a usurpação a que
triiimphasse; a popula~ão dos campos e terras
donde ·o exército leal se retirava começou taro-
bem a consultar por seus interl:sbcs pcssoaes, e
pezarosa de ver trilimphar a injustiça c a tyrannia,
tSO I'OHI'VG.\1..

adhcriant comtudo n !'Ua causa, porque uão que-


riam ser !iacrificados. D. l\1 iguel no em tanto c
seus conselheiroo, que bem viram que nada
tinham a contar com o amor do povo .e com a
opinião, m:scntaram de lc\·ar ao cxtr~mo o terror
e o medo, e tentar este meio que tanto se ligava
com sua natural crueldade.
Nove victimas, pela maior parte innocentes, e
muito~; cm idade que pelas leis do reino não po-
diam soífrer pena última. foram pendurados no
patíbulo, por um f~1cto que realmente era crime,
(35) mas do qual nenhum d'elles foi convencido.
Encheram-se as masmorras de presos, confisca-
ram-se bens, repetiram-se em todas as ruas de
Lisboa c das terras onde sua auctoridadc chegava
as scenas da mais cruel perseguição que ainda se
vtu. As cidades e po\'oaçõcs donde se retira-
-vam as tropas leaes foram postas a saque; emfim
tudo quanto a tyrannia póde imaginar, se pôs em
obra, parte para salifazer os naturaes sentimentos
de D. 1\liguel c sua cxccravel mãe, parte como
111editla de terror c para contt:r os povos pelo
meclo,ja <JUC por outro modo era impO-SÍ\cl.

S u 111du dt: todas btas dcstitu'it;üc~, prisões,


pro:scripc;õc.s, coufiscns,'c•xilio::-, supplicios, é que se
verificou a convocac;ão das chamadas côrtcs; com
toôa ésta libadwlc furam eleitos, se rcüuiram
c ticliberaram os prclcntiidos representantes tia
nação portugucza uo desprezível couciliabulo
ti tio cm Lh;boa a 11 ele Julho de 18:28 para
sanccionar a traic;ão, a rcbcltlia e a usurpação de
D. Miguel.
Da nobreza não appan:c:cu u'cstc conciliabulo
nem a dl:cirna parte tios que pelo uso c lei antiga
tinham direito a a~sentar-sc em côrtc~S: grande nú-
mero, porque não foi convocado, arrcccando-se os
convocadores tic suas opiniões c honra; muitos
porque Yoluutariamcnte se tinham expatriado
para fugir !t. infamia c ao pe1jurio,-e estes eram os
mais distincto:>; muiti)S porque ainda qur lhes f.'ll-
182 PORTUG.A.L

lecia coragem para arrostar com as priçações do


cxUio, não tinham despejo bastante para compa-
recer n'<>Sse acto \'crgonhoso e ridículo ; muitos
emfirn porque errantes, foragidos e bandidos den-
tro de seu proprio paiz, não ousariam comparecer
no conciliabulo dos traiclorcs ainda quando sua
fraqueza de espírito e covardia de coração se pu-
desse nccommodar com a deshonra do ncto.(36)
Do mesmo clero, alêm do pntriarcha de Lisboa,
so tres bispos appnrcceram. De tam infonnes
elementos composta, com tal illegalidade formada
se juntou cm Lisboa a assemblea tlc conspiradores
que cl'um so voto e de um so golpe roubaram
a coroa ao rei c as leis ao povo.
Nem o que as antigas e obsoletas usanças da
monarchia prescre\'iam, (37) nem o que a razão e
natural direito manJaça, nem o que a decencia
pública e uma apparenda de fórn1ns legaes pare-
cia dever exigir, nada foi guardatlo neste synodo
heretico que não tinha das antigas côrtes da na-
ção mais que o arrcmêdo do nome.
!\la:,; a farça toi reprcAentacla; e os protectores
:\A BALANÇA DA t:lJROP.\. l$3

tstrangciros ôe D. Miguel tiveram umn palawa,


(ouca sim, mas que importa á oligarchia o oucu
de seus palavrões?) com que impor aos reis e aos
povos, invocando esse pbantasma das antigas cór*
tes portuguezas, que nem elles sabem, uclll se in-
commodar.t a procurar saber o CJUe sejam.
Quanto aos naciouaes, essa impostura de nada ser-
viu, porque cm geral osPortuguc7.<'S sabl'lll o que
aqucllas côrtcs eram, e n'esse conciliabulo uecons·
pimdorcs as não "iram n<'tn podiam ,·cr: os
mesmos fautores de D. Miguel se riram em se-
gredo de sua miseravel pcllutica.
~

Ningucm ignora hoje em Portugal que ésta farça


representada em Lisboa foi composta em Vie:ma,
Par!.; e Londrt'S; e que o " auctor, ponto e con-
tra-regra" estavam ensinando de fora o que os
comparsas e actores em Portugal representavam!
No proprioacto,u'esse vergonhoso assento de onze
de Julho quasi que está á próva da origem es-
trangeira do drama. Como é passivei que Portu-
guc7.Cl! tliOstrassem taro crassa ignorancia de suas
coisa!', Je sua historia, de seus costulliCti, de !'uas
18·1 POflTUGAL

lei~! Inclino-me a ~~ rcr I')UC até o lihello ft~moso


intitulado assento. das cortes foi composto e fabri-
cado ca fór:t, c mandado traduzir em Lisboa por
Joze Acurcio e pelo bi~po de Vizeu. É a unica
solução que acho para explicar aquelle enorme
congcsto ele ignorancia, de estupidez e mentiras.
No emtanto cisahi O. Miguel declarado rei,
intitulanc.lo-se rei; e os ministros dos soberanos
legítimos da Europa ainda em Lisboa á espera
nílo se póde saber de quê; pois, não exercendo as
func~õcs públicas de embaixadores, sua so pre-
sença n'aquclla capital era ja um escandalo á
Europa. Emfim removeu-se este escandalo, e os
ministros se retiraram, !l excepção do legatlo do
papa <JUC provaYelmcnte um breve de S. Sancti~
dade clispcns11va para podl'r tomar parte na
obra do perjurio c da traic;ão, ou que fie] disci-
pulo de Escobar approH'Ítou l-sta occasião de
concorrer para a práctica ele suas doutrinas ; elo
ministro de F<'rnando, a quem os Carlistas de
llL'!'panha mostraram bem cedo as vantagens
ele protrgPr a nsurpaçíio aopé de casa; do en-
liA B.I.L.I.lfÇA DA II:UROPA 185

carrepdo da America do Norte a quem importam


pouco u ae,itimidadea europeu. mas ao qual
toduia a moral e a decencia pflblica pareft que
defilna preecrever outro procedimento.
Pouco ee lbe deu a U. Miguel da retirada
d'eata diplomaticoL Bema para coofiacar, tami-
liu a COIIItei'Dar, saague que derramar, uma uaçio
inteira i eua diapoei~ para •tilfazer 1 paixão
de camaaem e deatrui~ão. tal era o delicioao qua-
dro que tinha deante doe olb01, e de que eUe e
eua digna mãe goaanm com toda 1 doqura e
eatiafa~io propriaa de taes almu.

xxv-.
Fap do P«to.

O llireilo, qual i ~te e jeeuitQ


legitimidade bulava. era ja por D. Miguel:-
ob ridicula aubveraio de priocipioll-Falta\'1 o
ft~.cto da abaoluta e Dão dilputada pc:.e: deu-
lb'o a juncta do Porto e leUI paerae~. C.O?
Fugiad9--Depoia de ftllCidal? Nlo; 4epoü de
eictorio1os.
••
ISO PORTUGAL

Fique sôbre quem lhe pertence a vergonha, a


indclevel mancha da retirada do Porto: ckm
seus miseraçeis auctores a Portugal e á Europa o
spectaculo indecente que ha dois annos estão
,]ando de disputarem e regatearem entre si sôbre
o maior ou menor quinhão de infamia que a cada
um compete na commum deshonra. Escrevi·
ullem c fac.;nm gemer a assalariada imprensa os ve-
nacs sycophantns do pod~r que é, do podêr 9ue foi,
do po,lêr que lwde ser, e nté (misera inepcia
clc taes almns !) do podêr que p6áe ser, para lança-
rem a uns a partilha de outros, c questionarem as-
sim ao infinito a infinita questão de qual foi mais
covarde ou qual lllC,iOS. Nós que fomos sacri~­
cados, nós Portuguezcs que pagámos as penas de
!leus delírios, e que talv~ as pagaremos de suas
desuniões c qucrcllas, nós não temos senão uma
causa a julgar, um processo a formar, uma sen-
tença a lanar sôbrc taes criminosos e taC!! crimes:
Em reverso sentido, o signal da E!!criptura sôbre
suas frcntcs-Syl!'ma, 'Fau in frontibus ~Qrum.
SECÇÃO QUARTA.

Sriicidio da Legítilnicltule.-!1ljttstiça c má-fe dos governos


da Ettropa 11.a questão de Porlu.gal.-Infiv.encW. que
teve, e rcsultado.ç qrre liadc ter, na causa dos povos contra
os tyrannos.

I.
Proccuiwento do> bubcrauor UI\ Europa u rcspdlu uc Portugttl.

Soccgaclamentc c com appareilte iudifferença


viram os sol>cranos da Europa a usurpação da
coroa portugucza. Mas a inditlerença era so ap-
parente, seus internos e mal disfarçados senti-
mentos foram os do rcgosijo, da satisfacção, do
jubilo.
Cegos! Folgou a legitimidade em seu propno
suicidio!
Rasgaram com suas proprias mãos a máscara
com que uos cngauan.Jill ;-c não viram que suas
188 .PORTUG.\L

11aturaes fci<jÕCll ficavam assim expostas aos oluo~


do mundo!

II.
J~tado d3 qnrstiiu portngne~.

Quasi tres annos se agitou a questão de Portu-


gal nas côrtes da Europa; c as sombms de díJ-
vida 'que o cspirito de partido tentou lançar sôbre
tam simples questão dcsappareceraru, mais peJas
incoherencias e absurdos dos advogados d'esse
partido do que pelas contesta~ões da parte con-
trá ria.
A mim pareceu-me sempre ridículo descer á
arena para demonstrar que o primogenito d'um
soberano era o legitimo herdeiro de sua coroa, ou
coroas se clle mais que uma tinha; particular-
mente quando ainda em vida seu pae o declará-
ra tal. Ninguem duddou nunca dos direitos deD.
Pedro: os que o disseram, mentiram a seu pro-
prio coração e consciencia, e de má-fe o disse-
ram. (1)
N'cste ponto rle direito ninguem hesitou,-re-
,
"\A .ll .U •.\ ;\ !jA I> A E l'IW l' A. J ~!J

pito: c as batalha~> que sôbrc clle se brignram, li.>-


ram sham:Jig!tts para ganhar tempo, c tlistrahir n
uttcn(jão dos objectos que a reclamavam toda.
O. Pedro não era estrangeiro por ter acccitado
das mãos de seu pae (na Europa l<>gltima não se
reconhece outro titulo do imperador do Brazil
senão este) (·2) por doação inter t'h·us, uma das
duac; coroas que, amb:J.S, OC\'Ía herdar murti~· cau-
sa. Se comcifcito as leis de Laml'go cxclulssern
todo estrangeiro da coroa portugueza (:~) -n'cste
caso não seriam a'inda assim applicavcis, porque
D. Pedro não era estrangeiro. O que pedia a
conveniencia, n justiça c a constituida indepen.
deucia das duas coroas, era que D. Pedro abdi-
casse cm seu herdeiro portugue~ a coroa curopea,
e que fizesse a bem de Portugal o sacrificio que
seu pac fizera a bem do Brazil. .Isso fez. D.
Maria é portugueza por todas as leis de Portugal
civis c politicas, por todas as kis da Europa; c
como tal c como soberana de Portugal a reconhe-
ceu toda a Europa.
I~ quem se deixou seduzir ,J'C!'soutro argument•>
HJO l'OIIJ'UGAL

de CJUC ·• n lltHjiio uào queria scuão o usurpador,


e rcpulsa\·a o rei legitimo?" Ahi t'.stft uma erui-
gra•Jio de muitos mil homeu:; c-..palhados pela
Europa c,pclo mundo, la estiio muitos mais presos
nos carceres (te D. l\Iigucl, para responder a esse ar-
gumento, cm um paiz onde escasamente se contam
trc~ milhões ele habitantes. Ln ~t.~o as forcas, os

algozes, os :-sssn!'sinatoil, as commissões prcbostacs


do usurpador para documentar essa as~crc;ão. E
note-se que a mc:;ma facção apostolica que unica
::;ustcnt3 D. 1\liguel no throno, aluda assim não
tc,·c fór~a para tirar a coroa a seu legítimo senhor
c lh'n pôr na ('aheça a cllc. (4)-A clle, a D. l\li-
gucl se confiou essa coroa; em suas mãos lh'a deu
n gu:-srdar a indulgente confinut;a de seu irmão c a
mais que indulgente protecção dos gabinetes.
Todas a:. grandes fnt;anhas c proezas de D. 1\Iiguel
e ele sua fac<;ão foram pegar n'essa coroa que
lhe confiaram, c pô-la na cal>cc;a. Não conquis-
tou como um usurpador ordinario, roubou o de-
pósito que lhe clcrnm a guardar.
Os esrorc;o.. da fncc;ãu de D. Miguel para lhe
lU. BALAWÇA. DA EUROPA. tg(

dar a coroa tiaham &ido vil01 e nulloe em Portu·


pl Não lba valeu a aberta ~o de Bea--
paqba, que lha dava munic;iee, quartel, viveres,
auziliarea, refégio e toda a IOI1e de 11Dpero em
aa fronteil'll, O exército inglclz Dio -deu um
10 tiro para a deetruir: anniqailou-a a Arça do
Jl81'tido legitimo, que sem questão, por aqui te ve,
era: o maior e maia poderoeo. Praeote D. Miguel
em Portnpl, DeiD ..00 a IU8 f&CCjiio tinba f6rças
para o acctuaar-Bll e ~ t••u acclt~J~Jo• n.
Protegido agora pelo edrcito inglez, demietiü tO.
du u AUCtoridadel cwia e militare& em que Dão
coafiata; • com o sovêmo Da mio, impoaaivel ao
partido legtümo.toda ., reeilteoeia. fez elle a ruo-
~ Dio o povo.; elep....e elle a ai. alo a oa-
ção a elle. Se a ilto e cbama o Hlo ,.,_,.,
com.o dille o d.-qqe 6.' W elliDsfoa, aerla para
deltúar que um vicerei d'lrlauda, de intelligeacia
eom oaO'c-eu.,l be d6lta uma ~
CMeira.boadlde. per. . . . . . . . priocipioe.
E maia, a paridade aio fllra perfeita r Dlo direi
comtudo aqui u razões por quê.
192 POUTUGAL

Estes s.1o oc; dous pontos ela C}uestão que se


agitaram: hoje os mais zelosos protectores de D.
l\Jiguel corat iam ele se appoiar em nenhum d'elles,
porque bem conhec<>m, c &abem que todo o
mundo conhece, que nenhum direito de succes-
são lhe assiste, e que o de eleição, alêm de repug-
nante aos princípios europeus de boje,{5) não
existiu, e se d<'smente todos os dias pelo solemne,
a·inda que tacito, prol('sto da nação l'retcndida·
eleitora, e pelas viganças e tyrannias do preten-
dido-eleito.
Fechada pois toda a discussão c debate sôbre a
questão de justiça; a unica que j'agora se po-
deria agitar era a de conveniencia, i. é:-Convinha
aos soberanos da Europa que o t>Stado de Portugal
permaneç<>sse como se achava?
Ou a legitimidade se perdia sem remedio, ou era
forçoso que aquelle estado de coisas mudasse, que
se restaurasse a tranqüillidade e a ordem, que se
removesse dos olhos do mundo aquelle speclaculo
escandaloso que desacreditava a rnonarchia, e sub-
!IA BAL.Iff1A' lU. EUROPA, 193

-.ertia o priaetpio da legitimidade. t:xaDH118111<*


porqu~

UI.
Que cauu Gaha e ~ rellleilois podia trr o "'-ao de Wrtupr.
t innega•el e ioquestiooavel que em Portugal
existiam doua partidos. Não darei epitbetoa a
nenhum crenes, nlo carregarei eôbre um, nem
exaltarei o outro: simples e nuamente repito o
que todos sabem-que alli existiam dbua partidos:
um pelo govêrno legitimo do legitimo succesaor
de Joio VI, outro pelo usurpador.
Em um paiz ondê doua partidoe estio em pre-
'
sen~a. a ponto de luétar e quebrar a ordem p(a-
blica, nlo ha eeoão dous meios de restaurar a
tranqüitlidade :-ou neutràJl~ e am~loa
por concea&a reciprocas, paraque mutuamente
se contenham-ou dar àícendeute det.ermiíWto
a um 16Üre o oulío, paraque eete cont.eo'ta
aquelle.
A: élté axioma àjuntemoe outro niO menos
e'fidente nem menos azior~~a :-Que todae u
•c

194 PORTUGAL

vúzcs que o primeiro d'esses dous meios for pos-


sível, elle deve com preferencia adoptar-se.
E agora perguntarei: ja se ha,•ia tentado o pri-,
meiro meio ; i. é, ja se procurára amalgamar os
dous partidos por concessões reciprocas? '
.E que resultados se obtiveram?
Ja se tentftra o segundo meio; i, é, ja se dera
ascendente a um dos partidos sôbre o outro?
E que resultou d'essa prefcrencia?
A (•stas pergtlntas simplices responderão slm·
plicissimamente os factos.

1'\, utmlimçiio itos p;utidcs cm Porltlgnl por COIICC5!Úts reei pro·


cns:-r<'suhados que tnc.

D. Pedro IV, reconhecido cm Portugal e por


todo~ os go\'êrnos da Europa successor legitimo
de seu pae D. João VI, foi o primeiro que tentou
amalgamar os partidos que existiam em seus Es-
tados europeus.
A Carta não foi outra coisa senão um pacto de
concordia celebrado pelo soberano entre og dous
NA ll.\LANÇA UA EUROJ'.\. 19.')

partidos. i\lns não contente tle transigir com os


princípios políticos d'cllcs, c rle o:. congmçar por
concessões reciprocas, D. Pedro foi mais genero-
so ainda. c trnn:.igiu até com as prctençõcs pes~oacs
de seu irmão e de sua facção pelo unico modo
que, sem cl~er de sua dignidade, o podia fazer.
Não se contentou com h:~ to o partido de D. Mi-
guel c o apostolico, que é o mesmo; assol:nam o
pa'iz com facções, com dh.turbiO!!, com a guerra
civil aberta c Jcclarada, com todos os horrores
d'ella. Tomaram, ou pnrcccr:un tomar, allarma
os gabinetes da Europa, e insil:;liram por mais
amplas concessões para o partido que se não que-
ria accommodar com nenhuma. D. Pedro, que
re;istlra ao principio, cedeu cmfim a tanta instan-
cia, c confiou na:. promessas de garantia que se
lhe fizeram pnra sua coroa e sua filha. (6) D.
Miguel foi por cllc nomeado regente de Portugal c
:.cu logar-tencnte.
Ainda não bastou bta concessão!- não uas-
rou tirá-lo do exílio onde seu pac o mandára-
toda a Europa sabe por que crimes-c pô-lo quasi
196 PORTUG,\L

sóbrc o throno: c1uiz-sc mais cmais ie concedeu.


A abdicação de D. Pedro, que prudentemente
tinha cõndicçêio c dia, se fez pura c simples para
remover todo o ciümc de independencia.
Era possível conceder mais,-cabia em meios
humanos fazer mais esforços e sacrificios para
neutralizar e congraçar partidos!
E quaes foram os resultados?
D. Miguel apenas voltado do exilio, D. Miguel
que tam solemnes juramentos e promessas havia
feito cm Vienna e em Londres e em toda a parte,
D. Miguel perjurou sem remorso, trahiu seu au-
gusto bemfeitor, e tomou para si a coroa que elle
COf!.fiP.ra â sua guarda. Nenhuma revolução o
elevou ao throno, foi elle que se sentou sôbre o
throno a cujos degraus estava de guarda como
primeiro sentinella e defensor. A facção. apos-
tolica pediu destitui11ões e proscripções e confis-
cos ao novo rei; e o usurpador lh'os deu. Re-
agiu por fim o partido legitimo depoii de tantos
attentados ; mas abandonado e ameaçado. de toda
a Europa, sua reac<;ão nunca podia ser senão um
NA JJ.\LAN ij A DA EUROPA . 107

protesto armado e solemni~simo da nação contra


seus calumniadores estranhos e domet~ticos. (7)
Venceu, nem podia deixar de vencer então, o
partido menor porêm mais appoiado. Correu
muito sangue, dobraram as proscripc;õcs, as ex-
acções, os tributos, os confiscos :-mas restaurou-
se a ordem c tmnqüillizou-sc o pa·iz?
Que o dignm os carce.,, as forcas e os car-
rascoe de Portugal.
Logo, foi impracticavel amalgamar os uous par·
tidos, c restabelecer a trnnqüillidade por este pri-
mei~ meio. ·

v.
Asc~ndencia dada a uru partido &Õbrc oulto; ooro •1uc resultatlu.

Viu-se a impractibilidadc de restaurar a ordem


em Portugal por concessões mútuas. Vejamos o
que seobte,·cdo segundo expediente; i. é, o de dar
asccndencia completa a um dos partidos.
Inteira e absolutissima foi dada essa ascendcn-
cia ao partido de D. Miguel. FB;·s c umas
côrtcs, uma n8semblca nacional; raram rei
POlt'rUG A L

o usurpador; parte de ~:;eus netos (como bloqueios


etc.) foram reconhecidos por Inglaterra; debaixo
cle mão se lhe deu por outras potencias toda a
protecção que era possível sem quebrar inteira-
mente a apparencia de moralidade com que o
principio legítimo obsta\'a a uns, ou o da neutrali-
dade a outros.
Por fim largou-se• m~scara: as armadas in·
glezas foram combater pelo usurpador nos márcs
ela Terceira; e as bandeiras que tremularam em
Trafalgar e uo Nilo, (crê-lo-ha a posteridade!)
foram proteger os corsarios de D. !\liguel-(S)
mais, sahiram a côrso por elle!
D. !\liguei proscreveu fi larga, desde seu pro·
prio soberano até o mais ínfimo dos subditos que
lhe eram fieis; armou seus partidarios, deu-lhes a
commctter todos os excesso!: não houve emúm
meio nenhum qne humanamente se possa conce-
ber para acabrunhar, destruir, nnniq üillar um par-
tido, que D. 1\Jiguel não empregasse para acabar

.
com o de sffu irmão. Isto não são assen;.ões
NA BALANÇA DA. EUROPA.. 199

vagas, &ão factos de notoriedade europea e •de que


seus mais zelosos protectores con\'l:cm.
Podia ser maior e mais positiva a ascendencia
de um partido sôbre outro? Podia empregar-se
mais decididamente o segu11do meio ?
E que resultado se colheu d'ahi?
As cornmosões continuaram; a emigração cr<>Sceu
a urn ponto de que não ha exemplo na historia
moderna ;(9) correu mais sangue das mãos do
algoz, as dissensões dos partidos augmentaram
todos os dias,-e até no paço e entre os membros
da família real lavrou a revolução, c se emprega-
ram os punhacs byzantinos de que ja estava esque-
cida a nossa Europa.-0 reinado da usurpação
veio a ser emfim o que forc;osameutc havia de ser,
um reinado de teror, em que todos tremem mas
em que ninguem se aquieta apezar de tremer. De
todos os escandalos que em nossos dias as revolu-
ções tecm dado ao mundo, ainda nenhum chegou
a este.
Não approvcitou pois mais que o primeiro, o se-
200 PORTUGAL

goRdo meio,de dar oscendencia determinada a um


dos partidos sóbre outro.

Pur que razio falharam estes meios.-Qa:al re•la\'ll a empregar


pera ftllaurar a ordem em Portugal.

Como se havia -p9i1 de remover doe olhos da


Europa este escandalo que tam damnoso era ll
legitimidade ?
Fizeram-se concesaõel aos dou a partidos; e
aquelle para quem mais amplas eram, se não ac·
commodou com ellas. Deu-se a este partido ab·
soluta e completa ascendencia ; e nem inda asaim
se satisfez :abu110u horrivelmente, devutou o
pa"iz, e deu ao mundo uma próva irrefragavel
de sua incapacidade para a supremacia. A le-
gitimidade transigira e condeecendêra com uma
indulgencia que seus detractores não duvidarão
chamar crimin~ mas que certo foi maior do
que uinguem podia esperar d'ella. Seus princí-
pios, seua dPgQB, seu codigo intP.iro cedeu e
.dobrou covardemente deante dos factos. Mas
NA B.A.LAJIÇ.& DA EUROPA. • 101

enm ja lau eaea facto~. que a c:oodellc:eodeo·e


o ~~erificio podeeaem cootiiUW' eem crime}
Tem-ee recorrido a diatin~ jesuiticu entre
facto e direito: maa a polipca errada e machiave-
lica teotari em vão diatinguir entre a justiça e a
conTeoieocia. A fatal, a terrível experiencia a
cleeeagaoará eempre. Nem maia fatal, aem mais
terrível deeeDgaDo levou DUDCa e11a pOlitica de
que o'élta tnDIICÇÕel de Portugal.
Nada convem eeoão o que é jaato; convenien-
cia e justicsa aio a meama toiM. O que en pre-
cilo fazer em Portupl? Seguir ltridatoente a
jwliÇG. Que coniau adoptar a reapeilo de
Portugal i O que fo.ejuto.
Se direitameote e eem tergi98'1&1' ae boGvera
aeguido ojrulo (que eo 6 co11enial•) DOI uego.
cioa d'aquelle malfadado paiz, oaoea a ordem alli
lbra alterada, e eUe seria bqje exemplo e modêlo,
que nlo escandalo, i Europa.
Couveio-le que D. P.edro era I~ 1'ei ifl
PortugaL So D. Pedro e IUI legitima ii« ' tltJ
podiam reinar em Portugal. Nle ltavia com 'q1lelll
DD
202 PORTUGAL

tr:msigir n'<'Stc artigo. Quan1lo um principio.


é justo e reconhecido por tal, tergiversar na sua
applicação, é desmoralizar os povos, tirar-lhes o
prestigio da submissão e respeito, auctorizá-los á
revolução. Do deprêzo il'este axioma nascem
todas as calamidades de Portugal.
Não s.1bfa todo o mundo que O. .l\liguel era cri-
minoso dos maiores attentados? Quem ignorava
na Europa as tentativas parricidAs da Bemposta ?
Não o exilou e amaldiçoou seu pae á face do
mundo ?-Foi ás escondidas que, perdoado e am-
nesliado por seu irmão e soberano, lhe agradeceu
roubando-lhe a coroa? O assassinato de Salvaterra,
os muitos que se teem commettido nas prisões
de Lisboa, o que ultimamente se perpetrára
em Queluz, o conato de fratricidio-,.podem
ser contestados, disputados, e tal cegueira
haverá que se neguem : mas os publicos do caes
do Sodrl! e elo Porto níio ad.mittem disputa.
Qual foi o crime d'essas recentes victimas de D .
J\Iiguel? Serem fiei a rei legitimo. E a Eu-
ropa legitima, os !lobcranos da alliança como hilodc

~A U:\Lt\l'õt;A D.\ EUROPA. 20:3

chamar a este crime prctcn1lido, que nome darão


a quem os pune por ellc?
Heo de lesa lcgitimidntle, rco de cnmes im-
perJoaveis, relapso e r~'incidentc nos mesmtls at-
tentados,-com D. Miguel não podia transigir a
Justiça. Podê-lo· hia a couccnicnria '

\'11.

Não ha modo de concluir outra coisa d'estes


priucipios, não é possível <:stal>clccer outra coisa
n"éstas circwnstáuclas, senão que o unico meio de
pacificar Portugal era rcsta.beleccr a justiça, i. é,
a succl>ssão, reconhecida pela Europa, de D . Pe-
dro I\', com a Carta c suas conseqüencias
todas.( lO)

VIII.
Como 11: 1•odia 1csl3Ucltoccr a lcgi111nidade cm Purtugal.

Devia restabelecer-se a lcgitilllidadc em Portu-


gal: ou os soberanos da Europa se desautboravam a
si proprios, decretavam sua ru'ina e oppróbrio, e se
'.!04 PORTIJCLU,

punham á mercê das facc;ões-fJUC lhes darão ou


tirarão a coroa segundo capricharem. Estabe~
ceria a diplomacia europeu este precedente?-
Não•parecia provavel: o sacrilicio custava; apre-
dilecção era grande .... (1 1)
Mas como?
D. Miguel ou é rei ou reo. A legitimidade não
conhece ma.is distincç()e$. Se era rei, tardaram a
reconhecê-lo: reconhecessem-o•o; desauthorassem
D. Pe!ro, degradassem e enxovalhassem á face
do mundo o maior benemerito da realeza, o unico
fio que prende a Europa monarchica á America
republicana; pagassem assim a quem sustenta e
mantem, e faz amar (qu~ é mais) cm todo um con-
tinente o princípio da monarchia.
Fariam! ... . Mas ha immoralidades que se
não podem fazer por muito que se desejem.
Mas se D. Miguel não é rei, é reo: devia ser
esbulhado, sem restricção, do que roubou, e puni-
do porque roubou. Prescindindo de todos seus
outros crimes, este so era capital c o punha fóra
da lei.
:i A JIA LA NljA DA Y.U UO l' .'· 205

~c estes princípios não ndmittiam contestação


de justiça, nõo era possível tampouco du\'idar da
com;cnicucia de sua applicação.
Não p6de haver tra-cção cutre a lei e o
crime, entre o direito e seu oflenaor. No mo-
mento em que tal se fizesse, o \'Incuto moral dos
povos,o prestigio que os continha estava quebrado.
Se D. Miguel usurpador illegltimo fosse reconci-
liado com a legitimidade, a lcgitimidacle seria um
termo vão, ouco e desprezivcl, nãoso em Portugal
mas em toda a Europa: os que a amavam a ab-
horreceriam, os que a temiam sem a amar, a deprc·
zariam e mofariamd'ella: as revoluções vão renas-
cer, crescer, e não terão fim.
Pelo que respeita particularmente a Portugal,
D. Miguel juraria outra vez, para outra vez per-
jurar ,-prometterin para tomar a faltar, fingiria
contricc;ão c arrependimento (que pouco lhe
custa) parase preparar a oo\'os crimes. D'este fu-
turo nem os mais latitudinarios duvidavam, nem
seus protectores e amig06: mettam a mão na cons-
ciencia c digam se crem na con\'ersão de seu pro-
20() l'ORTUGAL

tl•gitlo. Não; nlngucm tal cria,ninguem o esperava;


e zombavam Jos reis c dos povos,mentiam a Deus
e â su.l consciencia os que fingiam accrcditá-lo.
A'inda hontem, a l~itimiúade sacrificou um
homem grande, mas usurpador : e não sacrifica
hoje um usurpador imbecil e carregado de
crimes! A mão que prostrou o gigante não
poderia esmagar o pygmeu? faz vergonha jun-
tar estes dous nomcs:-D. Miguel c Bonaparte! ....

IX.
Quncs tu:riam o• resultados de ~e eJOprcgnreru ou1ros meios.

Supponhamos um momento que a legitimidade


se abaixava, se cnvilecia e degradaYa a ponto de
transigir com D. !\liguei. So por tres modos o
podia fazer:-ou reconhecendo-o rei,--ou fazendo;
o participante da coroa com a legítima soberana,-
ou reconhecendo-o outra ,·ez regente e obrigando-
o a abdicar o titulo real.
No primeiro caso todas as ideas de legitimidade
acabavam; mais exactamente, a legitimi,Iaue sui-
cidava-se com suas proprias armas: sancciona-
SA BA t.A!'fÇA DA EUROPA. 20i

va se o principio revolucionaria; e o cego odio á


liberdade monarcbica entregaria os monarcbas á
cliscriçíio da licença demagogica. Napoleão seria
legl~imo imperador dos Francezes, e seu filho com
o direito salvo de ir an·orar a tricolor no zimbo-
rio daa Tuilherias (12} a toda a vez e hora que po-
desse suscitar seu antigo partido em França. A
Irlanda poderia ámanham fazer um rei para si-e
elia que o dezeja pouco !--0 infante D. Carlos
tinha direito a destbronizar seu irmão. O gran'
duque Constantino podia retractar a abdica'ião, e
cspulaar seu irmão do imperio. Em fim tudo é
licito, justo c legitimo se D. Miguel é rei de Por-
tugal.
Nos dous segundos casos, e cm qualquer d'clles,
a mudança não era senão de palavras,· coisas e
pessoas ficavam as mesmas. A facção desorga-
nizadora que ha cinco annos subverte: Portugal
ficaria com o mesmo predomínio ; as luctas dos
partidos recomeçariam de novo; abrir-se-hia ou-
tra ,.ez
o cabos para tragar casa creação informe,
inc·onsistente c ridícula. Quem garantiria a joven
208 l'OUTUGA f,

ra"inha ,]o punhal (e por que não do veneno~)


que attcntuu aos dias de seu avô João VI c de su:t
tia D. Izabell\Jaria, c que por muito f:n·or se det;-
carrcgou nos servidore.<J mais fieis de ambos?-
Uma occupação armada, tropas estrangeiras,
quae:;quer que s<'jam, nlêm de não chegarem ao
paço, não extinguiriam o germe da dil'cordia e
da guerra ci\·il, que hade durar tam longamente
cm Portugal ttuanto a existencia de D. !\liguei
n'aqucllc pa'it.. Não podia ha\'cr fe nem confian-
ça uo go\'êmo, nem segurança em nada; a incer-
teza c inconsi~tencia do mcl'mO govêrno faria tudo
incerto ; os magistrados, rcceiosos de se compro-
mettcr, nõo ousariam fazer ::.un obrigação; a auc-
toridadc pública perderia toda a fõrça; e a revo-
lução, quando foc;sc contida por meios artificiae.<>,
que nunca poocm ser permanentes, a revolução
iria fermentando c medrando cm segredo, e rom-
perin mnis horrível c espantosa.
Se um so Portugucz de onlinario senso-com-
muro e que de boa-fe cst<'ja en• qualquer dos par·
ti.Jos, as!'C\'Crnr O contrário, rarci gala C glória de
me t\e::dizer c retractar.

X.

Mas diziam os ho111cns cl' Hstado que todos estes


princípios eram muito verdadeiros, certos to·
do~ e .. ses resultados, muito para temer todos c.sscs
perigos; porêm que destruir um partido para ele-
var outro, corria igual!li senão maiores risco:s, e
podia lambem ter muitas c talvez mais flllu..'Stas
conscqücncías. f: certo, continuavam, que o
partido de D. Pedro é o lcgítuno ·c leal; mas
n'esse partido ha <.lcrn:tgogos c republicanos que f1.
sombra da Carta sub\'crterão tudo em Portugal,
arriscarão a tranqllillidadc da Penisula,e por con-
scqüencia, a da Europa.
Não questionarei se ha ou não d'esses demago-
gos no partido leal portuguez, c quantos serão em
número, postoquc ~<'ja css:t uma accusação que
faz rir a todo o mundo até nos mesmos que a
fazetn. 1\Tas perguntar<'i somente ;-Que fizeram
III:
210 PORTUGAL

es~cs demagogos durante o regímen da Carta?


Que podiam elles fazer restabelecido o govl!rno le-
gitimo?
Desde a morte de D. João VI, e proclamação
da Carta, durante un1 longo periodo de disturbios,
Cf>moções, e guerras civis suscitadas pelo partido
de D. 1\ligucl, es!'Cs demagogos que se dizem ex-
istir uo partido legitimo, não deram o menor sig-
nal de si. Bem se bradou do outro lado por des-
potismo c inquisição, por sangue e por forcas,
sem que elles bradassem por suas demagogias
nem pedissem nenhuma cabeça para a guilhotiaa
republicana. O intendente da policia, que em
Julho de 1827 arranjou, por vendido a D. l\1 iguel,
, uma commoc;ão pretendida-popular, mas so exi-
tada pelos espiões e myrmidões da policia, não
conseguiu, inda assim, fazer gritar alguns poucos
S('nâo pelo rei legitimo c contra a ja premeditada
e começada traic;ão das auctoridades: nem um
excesso, nem uma violencia, nada mais senão al-
gumas vozes se podcram conseguir dos tacs llemá-
g(Jgus: c islo foi un.n \'CZ em dous annos que du-
XA BALANÇA DA EUROPA . 211

rou a guerra civil unicamente excitada pela fac-


c;io de D. Miguel, e su6tentada pelas intrigas es-
trangeiras e debilidade de um govêrno ameaçado
por todo o pêlo da Europa, incooeiateote e traidor.
Eiaaqui t11do o que fizeram 01 taea demagog<*
em Portugal ; vejamoe o que eUa agitaram em
Heapanha. A certo que oa eapmtce I! commo-
veram n•aquelle reino viziabo com a outorga das
institui~õel portuguezas ; ê certo que de alguns
corpos de aeu exército bol]ve deserções para Por·
tugal. Mas protegeu-a e Comentou-a ocaso o go-
vêrno portuguez 1 Promoveu-a de algum ...OOo
senaivel essa demagogia? Nlo parou a daerção
quui no momento em cp1e começou? Nlo foi o
procedimento do govêrno de Portugal anta aeve-
ro e duro para com 01 deaertorea? • todavia
não lbe dera Hespanba exemplo e direito a bem
diverso proceder ? Não accolbeu ella. nio prote-
geu, não armou os D01808 tranafugas, nlb conaen·
tiu que eotruaem em 00110 territorio armadoa,
commettendo hostilidades, que fizeeaem depo-
llitoe de o08808 prisioneiros no seu ? Fez o go-
PORTUOAf,

vêrno etc Portugal, ou siquer tolerou que se lhe


fizesse outre tanto? ~ão. Porquê? Porque o
imaginado pocl~r dos demagogos em Portugal era
pbantastico. Todo o go\'t:rno legitimo modera e
contêm uma nação essencialmente leal e naturaJ-
mente docil. O uuico govêroo inconsistente e
impotente cm Portugal é o illegltimo, porque
desmoraliza, so com sua existencia, o povo ; per-
de-se c perde-o.
1\las continuemos na '' perigosa vizinhança"
das instilu1çõcs portuguczas para IIespnnba. Du·
rante o tempo que a Carta se observou talqual-
mente cm Portugal e pareceu estabelecer-se, ne-
nhuma commoc;ão houve· em toda Hespanba:
desde o momento que a facção apostolica co-
meçou a pfedominar em Portugal, as revoluções
e n anarchia rebentaram como um vulcão na
Catalunha c ~a\'arra: e essas revoluções, foi a
facc;ão apostolica que as fez; n'essas ao menos
creio que não entrariam os temíveis demagogos
de Portugal.
Demagogos ba em Portugal, assim' como em
~ .\ U\1 •. \:'<'tj A DA l!UHOI' . \. :2l:l

Ucspauh,t c: por tot.la a Europa, temíveis c ter-


ri,·eis pela seita 'JUC forlllam-c tarde se arre·
peuJI!rii n tolcrancía dos reis que a consente.
Eises são os demagogos apostolicos, que tiraram
a coroa a D. Peclro para a dar a D. !\liguei, e
tantas vezes tccm tentado fazer o mesmo a Fer-
nando cm fhvor do seu irmão D. Carlos.
E~tabclccido,fose porque mOdo fosse, o govêrno
legítimo cm Portugal, cllc não podia adoptat'
outro systcma de politica senão o diametralmente
opposto ao do gov~ruo illcgitimo que agora op-
primc a na,;ão. " Diametralmente opposto" não
quer dizer que cahissc uos oppol)tos excessos; que
mudasse pessoas e nomes c conscrva:ssc as coisas;
que se bradasse por D. ~Jaria II c pela Carta
para roubar e assa:o:sinar, as!;im como agora la sé
brada por D. Miguel c pela inquisição para as-
sassinar c roubar; que houvesse tumultos, pri-
sões arbitrflrias, fôrcas, carrascos legítimos e con-
stitucionaes, assim como agora os ha rebeldes e
ab::-olutistas. N no: is~ era impossh·el; ainda
que se formasse um ministcrio de dcscamizado!.',
21.J. POR'fUGA L

elle o não poderia fazer. Portugal não presisara


nem pedia nem queria senão paz, nem queria
a Carta senão porque so a Carta lhe potlia dar e
garantir a paz. A Carta até era freio ús vingan-
ças dos partidos. A Carta prohibia os confis-
cos, as prisões arbitrárias, os juizos de inconfiden-
cia. E os excessos de pod~r. que são concedi-
dos-antes, pedidos c reclamados-po r seu par-
tido ao goYêrno de D. 1\liguel. não poderiam ser
tolerados no govêrno de D. Maria.
Do reflexo em Hespanha, tanto o podia fazer a
Carta portugueza como a Carta franceza : a posi-
ção geõgraphica é a mesma. Alêm de quê, os
estrangeiros que não rcsid iram longamente en-
tre nós enganam-se muito com Portugal e suas
relações com Hespanha.
So cm tres casos será possível que Portugal
se reüna a Hespanha: ou pela coallisão e con-
currencia das tres potencias vizinhas, i. é, de Hes-
panba, França e Inglaterra; ou pela longa per-
manencia do absolutismo em ambos os pa!zcs ou
cm um d'cllcs; ou em fim pela exasperação exci-
aA 8ALDCj:& DA S'UROPA. lU

_.. CIID Portapt pelo jugo da tyrunia....._


Nê primtirore:uo • •~'CI• Portápl &
a.,itlaeate poder• ..Ur -i'~ de BMJ-eha
..... 'OIIuabol aqaél. . . . . . . . . . .......
tÍI8I e~fill. M• tolla a ptft'a de-PtJrt..
.. ...,. u.,..a. .... ...,._. I'MIIft ....
ciODal; e OIMie a perrafl aacioaal, qalqaertazf.,.
li~ ~llpiro rara com que uma potmcia ,_.,.

q-.. ftllilta a uma lfDde.


No aegundo • Wéelro cuo -nlo Ytjo-qbe>la!lr..
.......,... te,_. ob*r-l reimilo dà ~~

c:wal H...... &r Pbrt11pl ulo tiftt; . . . .t..


~ ......,........,.,.,......j ... ....-~

- .........d'Beeplaba( J-qiHt>blderelleotu
,.,........., • remorM q• ,.,_., - - .
pe.m.lmeote entrari Portapleà«LMift~
.....-.-...-~ Nlo..ei.al-..re
,. , ....... d.... Wriftl ftlclõi . . ..........
_.. certo ' ca•• 1a11o~ , - . ......
~ wirdoe , ...... ae AdiD~ieo,ile•
~w.. ...... ....., ..........
ja ·-~.-PortupiAfbem,.-o
-.A~ f!IPA;.CBJBIM. ~ M • w
.tqi, M ~ P9~~W&Je~. ,. , Jli!M .ftJturo
·-- ·~ ,...~: Pf ~~~
ucl.-v~; ~ ~iX WAiW ._a..-
~~ Wf~M••i~gpe ~~~-o
~ ~9. e c:o~ãQ ~ lbe ~.. ~o..,.
r@
D'ap e;rplo4o elecm~ 119 pãa ~rt. ~
Portugal ee o bou~ f lPtJJPR uQliiÀ9 RAI' AND
J,Deio p~dP ' alq a~ivela ~u imluz.o. &te
iaoMJtln ap po,liJ~UJ fli01 ialtitu......,..~.-.
..
p~ ~,,._ com u~Q cJ,_.q~ • ..,
ÇPPt.Wit. RflUD ~. . . . . 1.........~ --~~
~~ u co~~~eqü... 4. mGluçio~
.lodt a ~u.... ~
-~MCUl~H~IAArlo _.,IV40M
. . . .8I!IWII~qo? &..1.........~.
e"'}~ H~Jq~~
~ ~~- ti;MIQI~O,.i-
~P...-i'9"'• ~......................
'~ a M~ 1.._.,. .,....• ...
ün rttal-
ç~ ~~~r..-.~ llio quiltlber•
io~ J»e~ GeiD " - upeneaci•pua

SA BALANÇA DA EUROPA. 217

melhor: tod08 os outros paizee, que eram despo-


tic08, não hesitaram a correr o risco .... Se elles
não tinham que perder! •... Um <l'estes \:ious
futuros e11pera Portugal: é escolher.
Mas sobre este ponto, mais devagar e a seu
tempo.

XI.
&1l& po"ivd cslabclc.:t'r um go•~rn!•lrgflimo <'lU Portugal se111
v;ana~

Se as considerações antec,Uentes não eram bas-


tantes para resolver a questão da Carta, mais al·
gumas havia de outra natureza, porém não menos
importantes.
A Carta portugueza não tinha sido arrancada ã
nuctoridadc real como a 1\Jagna·chnrta britan-
nica, ou formada pela força popular como as con-
stituições proscriptas n'estes ultimas cinqüenta
armos; não fora tampouco uma concessão da legi-
timidade para com um partido poderoso e temido,
como a de França. Fõra a Carta portugueza a
gea~erosa outorga de um soberano legitimo, longe
FF
218 PORTUGAL

Cio minimo contacto e influencia de partido, fóra


de toda a suspeita de coacção, que viu as neces·
sidadcs de seus subditos e lhe-; proveu com o unico
remet.lio que cll.'\S podiam ter.
Accrcditar-se-hia para com os povos a realeza
invalidando este acto seu proprio, unico, \'Olunta-
rio, spontaneo )
Não tinha o principio monarcbico na Europa
inimigos, nem uctrnctorcs, nem antagonistas?
Que armas lhes daria se u1sim se desarmasse?
Os reis sanccionaram no congresso de Vienna
que a todo o soberano era livre dar a seus povos
as iustitui11õcs que lhe approuvesse.
Quem tornaria n accreditar na boa-fe dos sobe·
rnnos se cllcs ngorn o negassem?
E quem sustentaria o throno de Maria H, o
throno da legitimidade em Portugal? Seria a
fncçno de D. Miguel, i. l!, a apostolica? E po-
scripta n Carta, que partido existiria alli senão
es·c
NA BALANÇA DA I.:UROJ.>A 219

XII.
Rtconbcclmcoto do usurpador por f'emaudo \'IL

As considerações dejustiça pouco valiam; mas


algumas de conveniencia impediam os soberanos
da Europa de reconhecer D. Miguel, apezar da
forte sympnthia de alguns govêrnos com o de um
príncipe apostolico e inimigo brutal de todas as
institu'i11ões livres.
Este pejo, este resto de decôro que continha os
gabinetes, uí'io chegava ao de Madrid. O odio ao
systema representativo (que todavia so póde e ltade
salvar Hespanha) é tal na camarilha de Fernando,
que sobrepuja c vence toda outra consideração.
Tal foi o moth·o do impudente e escandaloso acto
do reconhecimento do usurpador pela côrte de
Hespanba. Mas além do odio f1 Carta,mui podero-
so e efficiente n'estc caso, do oc.lio pessoal a D.
Pedro, não menor, outra causa da protecção que
Fernando deu desde o comê<;o aos partidarios
da usurpação, e que agora, deposto todo o pejo
e dec6ro, declarou dar ao usurpador, outra causa
existe mais furte ainda, que é o arrierc ]Jensée
do pbioete de Med~ ~ .eereto, e não-coa-
falado Dili ..Wclo -ndol', • tedol e 8CIOI do
....,_, ~balalellp.eito deRortupi.
FAle poD10 Aso e COIIItaate • politica de S.·
panba6~ • b~eappertaua f'raphft
d1 • .,.,. aquellepequeao Mao. A1adaaateeã
re&Dilo de todllaa outru core-. ela 'PeoiMula
a6bntaa ca'beQII de Fernando e babel. • teatGu
por •ezee. No tempo cl'estea qaui eft'eituaclo
esteve. Veri&couote DO reiuaclo de .PbiUppe n.
Ioeiltio-18 n'elle depoil ele liberto Portugal, du-
rute toda a dynulia aulltriaca. V oltou.e ao...-.
mo projecto ~ priac:lpio d'elle . . .~ lnKau·
rowe de &OirO aotracledo eecreto com -Napoleio.
Ne 18t01. . .1810 . . muituooillaeOCC8Iiilel
••••o•z--~~
rewolaciaMrio 4lle tWricl prof..,. . _ . , . .
~- • • Pbw,.....n.te...,_..'"ie
• ~ •••,......... Porblpl~..........
,.. dllpide a IDIIC:ln, e~tededan.w
pele;~ ja woccula ... ·~ &a
a niobl Carlota, irman ele Feraaaclo, qUim ll9b
o nome de ~ligucl'govcrn:\\'a Portugal, e aIIi Clõtava
á frente d'ar1uella facçíio. São o~ Sih·eiras, que
cm 1820 proclamaram cm Lisboa a constituição
d' Hc!ipanha, os que cm 1826 proclamaram cm
Tras-os-montcs Fernando Yll imperador da
Pcninsuln, c no A ll!m·tc>jo o infante D. Sebastião
(príncipe hespnnhol) rei de Portugal,-~;ão os Sil-
,·cir.Ís os chefes militan·s d'l-sta facção. São as
duas princczas portuguczas casadas cm Hesp::t-
uhn as que cm Madrid protegem c prot<'gcram
sempre os interêssc11 d'cstc partido anti-nacio-
nal.
Que ésta é a tenção fixa, o plano constante
de Hespanba a respeito de Portugal, ninguem o
ignora na Europa. E a melhor estrada de l\Jadrict
a Lisboa que fl invasão castelhana se póde abrir, é
um govêrno fraco, tyrannico, 3f!tÍ-nacional corno o
de D. Miguel; o melhor exército de Fernando é o
dos frades, c da degenerada fidalguia portugucza
que assim ,·cndcm patria e honra para compra-
rem sua ruina.(14) Que nmravilha pois, que a
côrte de ~ladrid, n ctunlltstc estado dl' coisa!> pro-
221 PORTUGJ.L

moveu COPl tanta ~ se délae pressa a .recon-


bec:ê-lo.., e sustentá-lo abertamente COJD. qWll.lta
fõr~ tinha e lb~ ®nseotiram ,mprepr 'i O que
admira, o que puma é que os govêrnoa ctúoa
interê88eS n'este ponto aio diametralmente oppos-
~ se descuidassem tanto e lhe dessem. tanta lar~

XIII.
Rec:oubeclmeato do 11111rpador por loglaterra.

A conven<;ão ele 22 de Outubro de 1807 entre


Portugal e Inglaterra diz aaaim.:-His (Britannic)
Majesty eugages in bis oame and tbat of bis suc-
to
cessors, never ackoowled~ as kiog of Portugal
aay othtr than t4e heir and legitima#e reprelen-
ttdiu of tbe J'Qyal famüy ef Bnganza." S• .Ma·
jeatade (Britannica) aQ obriga em seu nome e no
de seus auccessores a t;Nio recOab~ n.u~ 00010
rei de Portugal nenhum Ot$o ~ o Hs.....
DBiaO ,IJ LBGiTUIO .B»fB.SSEM'l'J.)ITB da r.eaJ
família de Bragaoc;a.
Sem recorrer • De.~Jbwn outro documento ou ..--
gumeuto. este ao butava para provat que logJa-
NA BALAN(jA. D..1 EUROPA. 223

terra não podia reconhecer D. J\ligucl, e que seus


tractados a não ligam {!lcgundo a ~opbistica dou-
trina do duque de W cllington e de seus jornaes) ;
Portugal c ao ch~ffe do govt:mo portuguez, seja
ellc quem for.-mas formal c positivamente á casa
de Bragança c ao l<>gltimo soberano.
Os ministro!! inglezcs disseram no parlamento
e fizeram clamar por seus vcnaes arautos, as folhas
de Londres, que Inglaterra não C'Stava ligada
pelo prindpio da legitimidade que prendia as po-
tencias continentacs ; c que portanto podia reco-
nhecer o govhno de D. 1\1igucl, assim como havia
recouhecido os da A merica do S uI. Ésta asscr-
c;ão é dcshonc:;tamcnte falsa Se as potencias con-
tincntacs csta\'am ligndas pelo acto geral chamado
da Sancta-alliança, Inglaterra tnmbcm o e~ta,·a,

senão nos princípios, cm todas as CIJnscqüem:iaj


d'clle, porque nssim o stipulou, c 6 claro da cele-
brada nota de Lord Cnstlcrcngh.(I5) Mas no caso
t·:-pecial de Portugal, I nglatcrra tem uma obri-
gasão positica, que não"ndmittc a contro\'crsia das
obrigações gcrncs. Elia obrigou-se a nunca r~
l'ORTUO.A.L

conhecer outro rei de Portugal senão o legitimo


herdeiro c reprc.c;cntante da casa da Brangança.
P. agora, uma de Juas: ou D. l\liguel é esse
herdeiro, e então ja Inglaterra quebrou o trac·
tado reconhecendo D. Pedro, e por sua abdicação
D. l\laria; ou O. 1\laria é a legitima herdeira e
representante ·da real família de Bragança-e
Inglaterra não pôde reconhecer D. Miguel.
Quando digo que não póde, claro està que fallo
moralmente. O duque de Wellington póde um
dia, em algum ncccsso de loucura, quebrar todos
os tractados, deshonrar a sua patria, euvilecer o
nome de seu amo, assim como p6de mandar fazer
fogo sôbrc o povo, ou cercar as camaras do parla-
mento pela sua no,·a gendarmeria. Póde, porque
tem o podêr na mão: a questão ê se é lícito, se o
parlamento o soffrerá, se a nação bade tolerar tal
abuso de podêr.
Apezar de sua cegueira, tal é a consciencia
que os ministros inglczes tinham do vínculo moral
que os prendia para nunca reconhecerem o usur-
pador, que seu:. con::;tante~ csforc;os foram sem-
lU. BALANÇA DA EUROPA. 225

prc induzir, SC'duzir. -dirci mais. forçar D. Pe-


dro a trantigir com seu indigno irmão, e ab-
solvê-los por este modo a cllcs do vinculo <tuc
os liga. Ésta é a politica confessada (avouéc) do
mioisterio inglcz; c n'é:.t.'l confiss:io está Ín'\'olvido
o reconhecimento de O. Maria, c a cxcommunhno
de D. Miguel.
Mas supponhamos que Inglaterra tinha liber-
dade, que não tem, para reconhecer D. Miguel.
Deve-lo-ia clla fazer? Comir-lhe-ia!
Uma opinião errada prevalece entre muitos
Inglczes-'' Que Portugal miscravcl, pobre, es-
" cravo, será mais submisso c fiel alliado da
" Gran' Bretanha, c mais util a seu commércio
·• c inter~ss~ políticos; c que livre c sob um
" regímen de lei e ordem. lhe não pôde otferecer
" as mesmas vantagens."- Emquanto Portugal
tinha o exclusivo do commércio do Brazil, e era
o unico emporio de t1UM importações todas, a opi-
nião era exacta. Quanto mais nulla fosse a mãe
patria. quanto menos indústria tivesse. quanto
mais prccaria fosse sua existencia, quanto menos
(.õfl
'22ô PORTUGAl·

consummo porlesse dar aos gencros de suas colo·


nias, quanto menos de seus productos para ellas
podcssc exportar, mais interessava Inglaterra
porque mais do seu mandava aos mercados por·
tuguezes, e mais abarcava todo o proveito
d'nquclle exclush·o.-:\las desde que esse estado
de coisas cessou, a propo!iic;ão ficou pelo inverso:
Portugal ja não importa de Inglaterra para fazer
cousummir no Brazil .
.Agora é preciso que Portuf,tnlTJrodttza c con·
summa para podêr sct· util ao commércio inglez,
c que saia da nullidade politica absoluta para não
ser um alliado so de pêso sem proveito, Se
:ilgucm de boa-fe, dentro ou fóra de Inglaterra, se
persuadir que as reformas c melhoramentos de
que Portugal precisa para este fim, podiam ser
feitas pelo govêrno de D. 1\ligucl, so então me
persuadiria que á Inglaterra convinha reconhecer
n. l\1igucl.
Ja faltei sôbrc a neccssaria con~cqfaencia que a
nnarchia apostolica de Portugal hade ter para a
união d'aquellc reino com Ucsp:mha. Tambem
seria da oonftllieacia de Inglaterra tsta união?
Nunca o peOIOU, ao menos, assim ministerio ne-
nhum iuglez, quer lory quer whig, ati! o de Iord
W ellingtoo.

XIV.

A êstaa considerações podia juntar muitas


..outras; mas é longo e repisado tudo o que na ma-
teria se pôde accrescentar. Todos os Portugue-
zes sabem de c6r estes argumentos, sabe-os a na-
~ão ingleza, sabe-os, sente-os o proprioministerio
inglez : é teima de cora~io e ca~a, a que move
êstas in<lecentes transacções a respeito de Portu-
gal. U~tava ver se o «:apricho de tres ou qua-
tro homens de pueril nidade e féminino capricho
haviam de podêr mais que a fõrça da justi~. a
opinião das naGões c o interéll8e dos reis.
Façamos uma transic;ão abrupta e violeota,-
pasaemos do primeiro gabinete protestante para o
primeiro gabinete cat.holico.
228 l'OR'l'UGAL

O papa Jcseja\'a- e ninguem mais do que elle


-reconhecer D. MigueL
Mas se por um lado as sympathias jesunicas, o
odio ás institu'i~õcs c o receio d'ellas ad\"ogam pela
usurpac;i\O, 6 for~oso confessar que Roma não é
cega cm seu amor ou em seu odio: o despotismo
promette muito, suas searas são ferteis para os coi-
leitores da Curia: mas até em Roma penetraram
os princípios da economia politica moderna, até
la está recebido que muitos poucos valem mais que
por,cos muitos, especialmente quando estes não são
seguros nem promettem longa dura~ão. Ja la
vai o tempo, até na Península, ja la vai o tempo,
(e Roma bem o sabe) em que um soberano e seu
povo se contentavam de rogar e pedir, de chorar
e lamentar-se porque o papa favorecia e protegia
a usurpação. Uma assemblea nacional portugue-
za legitimamente convocada, não se contentaria
hoje de mandar publicar o Ballatus ovium, como
no tempo da re.qtaura~ão de 1640. (16) As opini-
ões, que apenas abalaram então a superficie da
credulidade velha, haviam de achar hoje larga base:
JfA D.A J.AJf«;A DA EUROPA. 2!9

QS principias do nouo illuatre e nacional tbeõlo.


go, o grande Antonio Pereira de Figueiredo, (17)
não foram semente la~da ao vento; em silencio
foram germinando, cresceram entre abrolhos e a
pezar d'elles,-e, ae a côrte de Roma se tivesse
feito mais odiosa pelo imprudente passo de reconhe-
ccr,ou proteger abertameute o usurpador-quando
chegasse o momento de se libertar a na«;ão, a Igreja
portugueza havi:a de apparecer n'uma attitude
que espantaria a Curia.
O papa em sua infallibilidade ultramontana não
tinha certeza de que D. Miguel e sua descenden-
.cia haviam de ser pacificas senhores de Portugal,
-era imprudencia bem impropria e desnatu--
ral da finura romana o reconhecê-lo ou ajudâ.-lo
abertamente agora.
Não fallo dos principias religioeoa e moraes,
que 108 seriam butantea para decidir o chefe da
igreja catbolica: se a politica e o interêsse nlo
valessem, que poderiam esses outros desvalidos?
Fallemos em coisa menos sentimental, e que alêm
dos Alpes se r<'puta mais sólida. Se o papa re·
'230 PORTUGAL

conhecesse D. 1\liguel, injuriava mortalmente o so-


bet·ano de uma grande nação catholica, cuja posi-
ção geõgraphica e politica, cujo espírito e tenden-
cia de princípios inclinam mais para um scbisma
do que nunca pendeu a rivalidade grega ou a in-
1lepcndencia ingleza. Ignorava acaso a côrte de
Roma quantos Photios ja por la !.C agitam ? Que-
reria suscitar tambem um Henrique Vlll? Pois
um soberano ê mais temível inimigo que um pa-
triarcha.-Se o mal pegasse no Brazil, o contágio
por toda a America do Sul havia de ser rapido.
E em quanto ja o l\1exico se rcsente da heretica
vizinhança dos Estados-unidos do !\orte, o fogo
ateado no Meio-dia não tardaria a communi-
car-se com a immensa labareda que vem do Scp-
teutrião.-E um mundo todo-inteiro, um mundo
cttios futuros (e proximos) hãodc ser de tanta
importancia e influencia nos destinos do universo,
-será quantidade desprezi vt:l nos calculas da
Curia romana?
Que do alto d'esse Vaticano d'onde seus de-
cretos :;oavam temidos c ubcdccidos até os ulti-
NA D.\L ,U HjA DA EUROPA. ~~

mos confins do globo-lance por eJle 08 olhos


o actual cheO'e da igreja romana, e contemple o
que lhe resta de seu antigo podt!r.-A mais po-
derosa nação do velho mundo, a Russia ameaçan-
do devorá-lo com seu milhão de baionetas schis-
maticas.-Xa Allemanha, apenas uma porGão
pequena o reconhece ainda.-A Franc;a...e que
promclte a França ao podêr e auctoridade papal?
-A península hispanica, esmagada de miseria,
solfre sim a dominação romana (e o que não
sofi're ella !) ; mas é sólida ati: ahi na Peninsula,
tem bases seguras essa auctoridade l Não o creia
o papa,-que se hade achar tristemente desenga-
nado.-A Inglaterra...pois essa é eeu melhor e
mais fiel alliado boje. Quem tal diria a? papa
Joio! Mas êsta alliança é incestuosa e contra
natura, não promette duração ; e apenas a Gran'•
Bretanha se libertar do ministerio austríaco que a
comprime actualmente, a côrte de Roma perde o
seu maior appoio na Europa.-Uma nac;ão chrifl.
tan reauscitou no Oriente; mas (fatal catrella de
Roma!) de novo entrada no grcmio da cbristan-
cWe. veio .ru. f011JQ com 01 iQimfcoa da .ipJUa
I'OIIII.t)a. S. S. p6de contio'* a ~ bia-
poe de /.tbealt e ~ de ~;
11111 S. Eq. Capo d'latria Dão P1P .._... e
o Paohellenio alo recebe buliu.
Allim esd. o muodo anP&o para a auctotida-
de )MlJMll;ja faUim01 da ai~ do DOJ'O..- Eoa
1ae1 circullllt.bciu, alo parecia poaaiYel que,
por oovaa imprudeociu_ Roma quizeaae arriscar
o pouco que lbe reata da ~tiga auctoridade e -
o que maia vale--doe aotigoe reodhoento..
Que o intempeetivo e precoce ~imento
de D. Mipel fbn um pueo da maior impr~
cia e doa maia eerioe reaultad~ a.im p~tea
como futuro~~, para a Curia romaae, en tam ~
plea e evjdeote, que eec:uea maia clemQoefraçh.
F-*bia o papa?

xv.
...........
I--
~,. ~

N•o . . . - ipftjill..,te • • ...,. - .


outnl poteac:iu europeu : • • a~
NA BALANÇA DA EUROPA. ~

t>elo& principioe da legitimidade, princípios que


ellaa propriaa estabeleceram, e cujas derivadas
()brigações a si propriaa se haviam imposto quando
com aquellcs principioe se ligaram nos congres-
sos de Parla u Vienna.
Os vínculos de savgue que prendem a Austría ,
mereciam particular capitulo; mas assá& é sabido
que essas consideraçi~e& não entram nos calculos
do conselho-aulico, e que as sympathias e genero-
sos sentimentos do filho do humano Leõpoldo
vergam deant.e da ferrea tenacidade e jesuitica
impassibilidade do •• chanceller da côrte e Es-
tado."
E quem, meralmente faUando, quem tinha na
Europa, ou devia ter maior int.erl!sse em susten-
tar intacto o prindpio da legitimidade, do que CJ
cheffe da família doa Bourbons ?
Quem primeiro devia desembainhar a espada
em favor de D. Maria II, do que Carloe X? Nin-
guem. E IJuem maia aguçava a trai~o o cutello
at188118ino que havia de sacrificar aeua direitos?
Esse mesmo Carlos X.
H li
~emoravel e tl'eineDdo exemplo da Eterna
j~ça !-ei :lo abi,,we rehtgade legitimo, meo-
disaodo um Q)'lo na petrio à 106d'aaia do
~110 ! • •• {18)

Foge a penoa por cima dm aconteciinebtos:


..-o tnacbronizemos P.&ra chegar ao preaente que
toda a atteoqio ab110rve: forcemo' ·la, que ê n&
ceB~Btio, para o pueodo.

XVI.
Qe de•iam ter Ceho oa m)lei'IIIICII da Earope • quettlo de Por·
tua ai.

Recapitulemos pois as vllrias reflexões que .em


ltBill ilitfueo assumpto IIIICeiD, como de centro
COI:tJwwm 01 infinitol raioe de um clrcu\o im-
1DfDIO.
O estado d<' Portugít era iiK:ODiiatente com os
fJrllldpio•, e nio menos com 01 ia~ da Eu-
'YGJ~a e 4o mwldo ci'filiàdo. A~ dolrparti-

• alo era pradica•el cont pari4ade de cooeea-


1&& O partido de D. Miguel tinhá DICiltJad~
sua inhabilidade para a supremacia ~ indl quando
NA 8 .-\LANI.jA DA EUROP.ol.. 235

o tolcmsse ajuslifia, não podia pcrmitti-lo a con-


fJtniencia. O restabelecimento da legitimidade
era o unico arbítrio que restava tomar, e que
salvando oe principias impostos pelos reia aoe
povc:~~, podia salvar a iudependeacia de Portugal,
e fazer cessar o estado aoarcbico d'aquelle ~

A Carta não ao nio era perigosa, mu oeceuaria e


iodiapeosavel para este fim. Todo e qualquer
outro arbítrio que se tomaese era prejudicial aos
interêues dos soberanoa e de funestas conaeqüen-
cias para elles.

XVIL
Oq~e &aera..

Allim era. Mas que reeolução tomaram us


aoberanoel Deixar derramar o sangue innoceDte.
que vertia em torrentes nos cadafal101 de Li&bbâ
e Porto; i•ultar com desp~ e mofa a Joven
rái•LI ltgW•a durante seu ref.,.gio em Inglfi·
terra; aoinaar, aecretamente 01 maia bypdéri-
abei1aioénte 01 maia sinceros, mu ptotegt.r tddtt~
o ueurpador eaogõinoleoto ; apodar de Jevoh'lei-
I'OilTUGAl.

onarios c demagogos quantos lhe resistiam, e se


sacrificavam pela causa da legítima soberana;-
illtimar por fim a D. Pedro que ou transigisse
com o infame roubador da coroa de sua filha, ou
clles (cllcs legítimos!) o iam todos reconhecer e
sustentar no throno roubado, contra os <.'Sforços
do po\'o, e mau grado da nac;íio.

XV UI.
Cunscqutucias d'é:;ta perfidia, a«.'US fl.'tUitlldus e iuOucncia moral
na can58 da civiliaaçiio.

Assim cahlra o votado Portugal sob o cutello


dos sacrificadores inhumanos e blasphemos. F.m
quanto as entranhas canibaea dos oligarchas se
rcgosijam na lenta agonia de sua victima, que
importa que soe . o balido da innocente--per-
dido clamor no deserto!
Uma unica esperan~a restava ; e com elia se
consolaram os Portuguezcs : " que o sacrificio de
sua patria, immolada pela pcrfidia dos gabinetes,
viria a ser util ás outras nações do globo. que
ainda, mais ou menos, todas gemem debaixo da
NA D ,\f, A.S<j.l DA &UltOl'A, ~3i

oligarchia,-terrivel genero de planta parasita que


se enroscou na árvore da cspccic humana para
lhe chupar o melhor de seiva, a aOogar, vi\'er de
sua dcstrui'(;ão, e triümphar com sua morte.
Tah·ct. pcrmittiu a Providencia que o desgra-
çado Portugal fo55e a hustia pial11ria immolada
pela salvação dlls povos. Não, o sangue leal e
iunoccntc dos Portuguczt:s não cahirá inutil na
terra, mas bradará vingança e castigo nos ecos:
e os assassinos das naf)Ões pagarão pelo sangue
d'Abcl.
Pois badc ser inutil para a Europa, hade ser
perdido para todo o mundo o exemplo de Por-
tugal ! Pois cuidam os soberanos, ou llCUS gabi-
netes, que os povos não hãode conhecer a ver-
dade, e apprender no escarmcnto?-Enganam-se:
o assassinato de Portugal l: o último desengano
das nações; clle acabará de as confirmar nane-
cessidade de appro"Oeilar as ()Ccasiües, c de não
confiar nas promessas mais solcmncs, nos tracta-
dos, nos juramentos ele seus naturoC[; inimigos.
A Europa era sob o jugo de Napoleão, os reis
I'OWl"UGAL

clu mundo esta,·am a pé.q, c o::. príncipes da


liCus

tnra lh'os bcjavam: tudo se humilhava deante


cl'elle,-quando uma mu.;ào, que por sujeita a Bo-
naparte so mudára de scn"or, mas não de cotl-
dicgân porque ba muito era escrava, uma nacsão
resuscitada á \·oz da liberdade constitucional, se
levanta e dá o primeiro abalo ao throuo do des-
pota; abalo que emfim o \'Cio n prostrar. :f:sta
na<;ão bcncmerita da Europa, bcncmerita da rca·
lcza c da legitimidade, foi a Ilcspanha. Quem o
ignora ?-Como lh'o agradeceu a legitimidade c
a n:alc:u ? Com exilios c cadafalsos c fogueiras
para seus melhores cidadãos, com .n restaurac;ão
mais \'iolenta e mais pc<::ada da escravidão autiga.
Mas as innorac;ões politicas dos patriotas
de 1812 " eram utopias de perigosa exagera-
c;ão." Convenho, c o creio; (I m porl:m os de-
feitos da fórma eram corrcgiveis sem destruir a
coisa. A legitimidade bem o viu e o promettcu;
(:.!0) mas faltou, mentiu, quebrou sua palavra,
dcshonrou-se, eiwilcccu-se hediondamente. E
é notavcl ouscrvação que entre todas as nac;ões
NA BALANÇA UA EUROJ'.\. 239

f·uropeas, so ganharam na quêdn de Bonap.'lrte


as que tinham sido in~trumento~ 1le sua ambição
c tyrannia, !'O melhoraram da untiga coodicção
a..c; que uão concorreram para a quéda ct'elle. Tal
é a justi11a c a boo-fc elos gabinetes! Prqmctte-
rnm·se á Prus.~;ia. á ltalia, á Sicilia, á He.-.panha
in!ltituiçõc:;, para as en1pcnhar na lucta contra 'a
França. Venceram citas; mas foi a ve11dtla que
recebeu o premio promettido no~ vencedores. A
Franc;a tevG instituic;õ~ lincs;-ao~ outros povos
dobrou-Re o p~so, c appcrtou-sc a corda da op-
presl'ão. E o. povos soil'reram com pacir.ncia ~ c
a ltalia c a IIcspanha c Portugal <>speraram cinco
annos. Faltou-lhes ao cabo osoll'rimcnto, c rcstáu-
raram un!', adoptaram outros as imperfeitas, e ccr-
t:uucntc defeituosas, iustitui~õcs de 181 '.2. ,i\Ias.
quem foi o culpado? 0:. po,·o, não: cllcs rcsp<:i-
taram a realc?.a, apczar tlc todo:- os males que
até alli lhes tinha causado; c :!C. a não dolaram
melhor, ~e niio combinaram melhor seu uovo
pacto, é pornue ns outra_s partes do l~stado não
qui:craw contrcu-tar ele boa-fc e irmnnmentc. (:?1)
PORTUGAL

1\Ias toda a Europa, todos os soberanos, toJos


os gabinetes, toda a Santa-allian11a se armou para
punir este crime. Foram inuucdiatnmente des-
tru'idas as quatro constitu'i«;Ões de Napoles, Pie·
montc,Uespanha e Portugal, porqueestava decre-
tado 9ue so os reis podiam outl)rgar institriiçõn,
e 11Utzca fa:~-las os povos. O herdeiro da fran-
<;:t passou o Bidassoa com ésta S('ntcnc;a na boca
c com solt~mnes promessas de outorgar aos povos
o que aos povos não era licito fa:er.(22) Outro
tanto, mais solemne, mais especifica, mais expli-
cita c detallwda11W1te promctteu de Villa-Franca
o rei de Portugal.
Todas éstas promes:-a..; de 1823 foram cum-
pridas como as de 1813 c HH4: foi palaora de
rei no sentido moderno. ...
1\Iorrcu O. João VI com sua promessa incum-
pritla; succede-lhc seu filho primogcnilo (succes-
são que ninguem achou,ncm se lembrou de achar
contcnciosa), c o novo rei mai!' r~oluto e Dl3Ís
illustrado resolve-se a cumprir a promessa de seu
antecessor, a dcscmpe11har a " palavra real'' de
Nf BALANÇA DA. EUROPA. 2U

~cu pae.-A..qui era o rei que dava, não era o


povo fa:ia. Que podia dizer a Sancta-allian-
çn, que podia objectar a oligarchia europea? Era
nodum Íll scirpo qurerere. ~ão havia modo de
destruir ~stas institu'i<;Õe:> legitimas :senão por
meios illcgitimos. Paciencia; adoptaram-se. Re-
correu-se no povo, ou antes e com mais exacção,
arvorou-se a canalha em poro. Foi-se buscar ao
exilio, antes, ao degrêdo onde estam expiando o::;
mais horrorosos crimes (incluso o conalo de
parricídio), um príncipe abjecto c vil aos olhos
de todo o mundo, e o enviaram commandar a ca-
nalha no assassínio da nac;âo, na dcstrui(;ão do
throno, na profanação do altar-que tudo isso era
precbo para destruir a Carta de D. Pedro; mas
tudo se acloptou sem remorso-porque a oligar-
chia curopca não conhece remorso:'.
•Juramentos, tractados, amizade:-, vínculos de
sangue, tudo se sacrificou.-Pcreça ludo, mas
pereça uma 7lação que quer ser liore.
Umbora se abalem toe/os us lliro11os do muml,,

I I
:POJlTUOAL

mas cait.l o do R&.YEGAr>O que ousou lihertnr


;

seu povo.
Não é essa a histor1a da Europa ha doze annos a
ésta parte? Não é essa a historia da usurpação
de D. !\'liguei, e o como e o quando c o porqut~
Feji11giu duvidar da legitimidade de D. Pedro, e
abertamente se protegeu liCU ingrato e atrocissimo
im1ílo?
L~vantam-se exerdlos, mantem·sc guerrns,
liUstcntam-sc occupaçõcs militares para punir
po' os que rrspeitanuo e consrrvando seu legitimo
sobe-rano, ousam querer ser fcli:~.cs motlificantlo a
constitui<;ão do Estado.-Um príncipe destroi
a constituição do Estado, re,·oluciona a pie~,
drsthroniza o rei legitimo, senta-se cm seu throno,
recorre ao dogma proscripto da soberania do
povo, ataca em sua esscncia e princípios a tam
fallatla lcgitimirladc -e a legitimidade e a rca-
le-l.a (~ que. se levantam em massa para o proteger!
-Quando os po\'OS-ccgos !-euida\'am ver um
attcntado que os soberanos puniriam, ouTrm,
v~em appelidá-lo uma acção hcroica que todos
se npprcssam a lou\'ar, a engrandecer c a pre-
miar. Quando n estupidn boa-fe da:. nações jul-
ga\'n que os legítimos e sanctos allia1los repelli·
riam do seu seio e anathcmatizarinm este quebra-
llor de suas leis, este cspurio que profaua\'a seu
sanctuario-viram accolhê-lo como bcnemcrito, e
protegê-lo como filho querido.-Quc ficam signi-
ficando agora, depois da usurpação de Portugal,
os vocabulos Legitimidade, Reale:::a, Statu-quo
e outros talismans favoritos da oligarchia? · Que
idca importam agora é~>tas palavras de incanto,
éstas abracadabras da Saucta-allianc;a, com que
atêqui se impunha aos po\·os c se continham as
nações como debaixo de um feitiço magico ?-É
a mesma, a propria legitimidade que as fez ou-
cas, c vazias de sentido. .f; a propria legitimi-
dade que as desillcantou, c lhes tirou todo o pres-
tigio. f; a mesma legitimidade que as entrega
ao cscarneo c á irrisão dos povos, e os faz enver-
gonhar de sua teimosa cegueira. A si o impute,
de si se queixe a realeza se d'ora em diante os
povos, abrindo os olhos, a menoacabarem e des-
!44 PORTUGAL

prezarem: foi ella quem se envileceu a seus olhos.


foi ella quem dilacerou o veo com que ae cubria,
foi ella quem rugou a veada que cegava as na-
ções. Deearmou-ae e armou-oe, poz-ee a deacu-
berto, IDOitrou-lbea o lado .,,z,waoel, ensioou-
lbel a conhecer o calcanhar de Acbilea •.• A lic-
~o não aeJt perdida.
SECÇÃO QUINTA.

Completo o sacrifficio de Portugal, qtuui feito o da Ore..


cia, p1·r.para-se o rltJ França. Su'iciclacla a lcgitimida-
cle, triümplw. mome71taneamente CJ oli[Jarchin., e tenta
progredir na Victoria. rcto ru..s.to. R~acçiio da opi-
nião europea.-DcttrminfJ a li!]Cl oligarchica o.fferecer
batalha campal ú cit·ilizaçüo- 0 1Yatcrloo dos por:os.
-Conseqücncia$ ela victoria de París.

I.
Ephemcro triümpho da liga oligarchica.

Sacrificado assim Portugal, vencida n'aquelle


recontro a causa tla civilização, tractou a victori-
riosa oligarchia de se unir mais estreitamente,
consolidar seu pacto, e de marchar, entre seus
horrorosos hymnos de triümpbo, a novas e mais
importantes conquistas.
O ja dado laço de alliança entre o gabinete
da!l Tuilllerias c seus vizinhos se appcrtou em
firme e cego (bem cego!) n6: a proscripqão geral


241) l'Olll'UGAL

da liberdade Joi unanimemente votada. Tracta-se


de executar a sentença.

II.
S.tcrilie!\do Porlusal, rutan .acrílicar a G rrc:ia, e Mpoh a
Frunç'l.

Trcs importantes questões se agitavam eutão


na Europa, c chamaram a attcnqão da liga. De
um lado e outro se empenhavam n'cllas os dous
partidos cm que boje se divide o mundo : era a
tríplice questão-O. Miguel, o Gran'-Turco, e o
ministerio Polignac.
Por mui diversas e disparatadas que éstas ques-
tões pareçam, ellas estavam todavia ligadas em
um princtpio uníco, e para assim o dizer incxtri-
car:cl: prindpio que ou havia de triiimphar em toda
~ sua plenitude, sobrepujando (por agora) a om-
nipotcncia ela civilização, vencendo (momenta-
neamente) a causa da humanidade', da religião e
<da monarcbia, e pondo cm risco imminentc a se-
rsurança c tranqüillidade do muuuo ;-ou havia de


rter dcstruillo pelo grito da humanidade e pela voz
da religião.
Todos sabem que este princípio, ja tam formi-
llavcl, hoje tam fraco, hoje agonizante mas luc-
tando cm suas horas derradeiras com o cxtraordi-
nario csfôrc;o, fôrl)as c tenacidade que se obser-
vam nos ultimos paroxysmos de um afTogado,-
este !Jrindpio era o d'cssa mesma liga, o da oli·
garchia europca, que igualmente inimigo da auc-
toridade real e da felicidade do povo, não quer
sc·não sulúugar aquella c infelicitar cst<', para rei-
nar so e indisputado entre o terror c a dcsconli-
atu;a, c sôbrc as ruinas c a miscria.
Um rei que apprcnd~ra na cschola da desgraça,
que ha,·cnclo peregrinado longamente no exUio
e visto o~ coslume.• e cidades de rmâtos- po,os (na
proverbial cxprcs. ão de Homero) apprendl:ra a
salr:ar-sc 'L si c aos sclls.-sobc ao throno her-
dado, c firma sua restaurada auctoridnde nas lia-
se:: da lei, Ja justiça e ela felicidade do pon>.
Tal é a historia da Carta franccza. A na~âo,

fatigalla de rc~·olul)i'lf'S 1 rt·cbc com gratidão e


218 PORTUGAl.

abraça sinceramente a nova lei c a antiga clynastia.


1\las os j orados inimigos dos reis e elos povos não
tardam a metter~se no meio, c a fomentarem entre
este rei e este povo a discordia c desunião, na qual
RO elles podem lograr seus intentos de dominac;ão

absoluta. Ora vencidos ora vencedores, assim


tccm entravado (não cortado nem impedido, que
n tanto não chegam) os passos da na1;ão francez.a
para a consolidação da monarchia legal e repre-
sentativa, unica fórma de govt-rno cstavel em uma
nação europea e civilizada. Os erros do partido
constitucional em França trouxeram a rea11ão
violenta e louca do partido oligarchico, que agora,
mas cm vão, lucta para srgurar o pcxlér no mais
civilizado paiz do globo. Tal é a historia do ac-
tual ministcrio franccz.
Uma nação antiga, c a de 111ais illustrcs tra·
diçõcs c mais veneranda historia que habita o
Yclho mundo, saccudiu o insupportavcl jugo da
tyr:mnia asiatica. Todos o~ povos da terra a ap~

plaudem e sympathis:un com ella: todos os gabi-


nete~ cedem tleante 1la lorça da opinião, e c;em
:SA UAf,ANÇA DA EUROPA. 249

vontade de a ajudn1·, não ousam todavia oppor-se-


lhe abertamente. Inglaterra c França parecem
emfim ceder â. \'Oz dn humanidade e da religião,
c ir em seu auxilio. ~fns ou se arrependem ou
temem, ou depocm a máscara. A Russia ve os
seus inter~sscs onde os outros foram taro cegos
que não viram os seus; e toma a empreza que el-
lcs abandonaram por mui errados cnlculos. A oli-
garchia europca foi enganada, zombada, mofada,
burlacla cm seu planos; c a liberdade da Grecia,
que podia ser o instrumento da salvação da Eu-
ropa e o fiel da balança de seu cqiiilibrio, 11ão
virll a ser senão mais um pêso na concha d'essa
dcseqüilibrada balança em favor da Russia. A Tur-
quia poderâ talvez continuar a existir 'zominal-
tnellte na Europa, mas realmente ja expirou para
sempre; o Sultão ja passou o Bosphoro. je é um
raja da Asia; fique sua côrte ou não prooiso-
riamcnte na Europa, clle ja não l! dn Europa, ja
d'ella não faz tmrte, ja não l! potencia d'ella,
ja não entra como entidade nos seus ca1culos;-
Eisaqui a fluestüo da existcncia do Gran'-Turco.
KK
260 PORTUGAL

Portugal miseravel c perdido ê ,alvo da dcfl-


trui~ão por seu legitimo rei : as antigas institui-
ções da monarchia portugucza, restauradas c ac-
commodadaa ao seculo c preciSÕL>S novas, promet·
tem a sua regeneração pelo u11ico modo que uma
nasão se felicita perfeita e estavelmente, a cordial
união do soberano e do poeo. A oligarchia
alcvanta-ac contra este soberano, desthrona-o,
despoja-o da coroa, põc-n'a sôbre a infame cabeça
de um monstro de quem até ja seus proprios pro-
tectorca se envergonham. Enganos, fraudes; fôr-
ça aberta, tudo se emprega para impor o novo rei
á " reluctante" nação. Mas nada conseguem : o
povo portuguez cede, mas não se conforma; ven-
ce-o a fôrça,-mas não o convence. O usurpador
treme dcantc de seus escravos: amontoa cada-
falsos, e não se acha seguro nem de traz d'elles;
abre vallos de sangue entre o throno roubado e a
nação, c nem com elles se julga defeso. A liga oli-
garchica· acconselha hypocrisia e moderação; o
usurpador responde, que em derribando as forcas,
cai o seu throno, que outro sustentaculo não tem.
}IA BALANÇA lU EUR0l'.A.. 251

-Perdem-se em estratagemas c subterfugios: e,


bem como a existcucia do ministcrio jesuitico cm
França c do Sultão em Constautinopla,-a de D.
Miguel cm Lisboa, vacilln cm sua mal fundada
base, ameaçada do odio dot; povos, da pessoal
malquerença dos reis, e apenas sustida cphemera-
mentc pela Ceg"d, pertinaz e enfatuada oligarchia.
E serão distinctas éstos tres questões ? Não
são de certo : os factos estão pu blicos; a embria-
guez do partido oligarchico cm seu primeiro
triümpho assaz claramente o disse: desde os sal-
Iões de Londres até ás bodegas dos voluntarios
miguelistas em Li.,boa, o grito de victoria foi un-
animc e unisono. Como se cngnnaram! O Sul-
tão cahiu, o ministeriojesuita vai cnhir, c D. i\~i­
guel vem :~pós clles. O pygmcu atraz dos gigan-
tes, o lloncco de barro atraz do:;; collo:;os!

III.

Como pois! Que c~pada mal"C1Ioura co1 tou o


POBTUO.&L

eoreftiUdolaço da lige1 A apeda Viümphaote


de.NioaM.
:Doe torJ85ee 4e Addriaoopoli a yoz do .eon-
qailtedor p100uaciou o tremeado .YS'I'O que an-
auUou todae . _ ptojectol: a eate brado alwa-
dor, a Grecia qoe ja cabia • erpm, e a potea·
cia otiMir·• foi Jfteipitaà,.....Portapl ~
...,.aDÇut e D. Mipel .-ia ftCilJar..lbe o
throàO;, :e o 'Din"zterio PGiipac, que para coo-
~~pir iiiUa fias e ee .....-r carecia de operar
atameDte e ir. mauo e maDIO em sua difticil
tluellil. :ria..e obrip40 a arrilc:ar tado de uma ftll;
-a lip oliprchica alo teYe maia nmedio aealo
..........""' c:ampd . . . . iDiiDii* Oaúo
Watedeo• ~ MM 01 pcmJe ja eoabece-
raaa quem perdeu e quem puboa DO pr;.riro:
eete l8pDdo Waterloo t.de . . dltfeleot&

IV.
01111(1F I ........ - .

V~ DO eutretaato CJaal foi O resultado


immediato do wdo IDOICOYÍtl.
NA llAl,.\.l~(jA. DA I.:UJl01'A· 253

~\ s conscqüencias da guerra da Russia com


a Porta, c ns da paz (pa: armada) fJUC a
terminou, foram as que haviam previsto todos
os homens scnsatos,-todos quantos se não cega·
vam com os falsos calculos de seu orgulho c com
a vaidade de seu podh imaginario. A potencia
ottomana ficou nominal e provisoriamente na Eu-
ropa ; c n Russia, scniJora de seus márcs, de seus
portos, de suas e fortalezas, de seu conunl:rcio é a
Yerdadeira senhora llo imperio do Constantino.
E serâ. o Czar ou o Sultão o soberano da Tur-
quia? E quem ficará, cm pouco tempo, senhor
do commércio e navegação do Mcditcrraneo?
Extendendo-se a civilzação para o Oriente, que-
brada a barreira da barbarie musuhnana, que
interrompia a communicação das nações europcas
com as asiaticas por via do Mediterraneo, estreito
de Suez, mar Vermelho e mais escalas do Leca1l-
tt, o commércio do Le\'antc hade forc;o5a, neces-
sariamente recobrar por graus sua antiga impor-
tancia. E qual é a lambem forçosa conscqüen-
cia cJ'este accontecimento incvita\·el? A diminu-
·.

t54 PORTUGAL

içio progressiva do comanércio e oavega«fãO


d' Alia que ae faz li roda do cabo de Boa-Espe-
rança.
Não aei ae é muito a\·enturar conjecturas, mas
parece-me que merece aer ponderada, ao menos
I
antes de se ntieitar por vaga 1188er«fão, a de que-
.. a deecuberta da lndia pelo cabo du Tormentas
" mui provavelmente ae não verificaria tam cedo,
.. ee u partes de Levante (antigo caminho sabido)
" não estivessem em podêr de pov01 barbaras e
" inimigoe doe Chriatãoe."
Este ioaigne feito doe Portuguezes,-doe Por·
tuguezes a quem tanto deve a Europa occidental
(e tam bem lh'o tem pago!) deu mortal golpe no
commêrcio do Levante, e na grandeza dos Vene-
ziaooe e Genovezes, que então o faziam quasi ex-
clll8ivamente. Ora. uma oavegac;ão tam perigosa
e longa, como ainda hoje é (mas entio muito
maia era) a do cabo da Boa-Esperança, oio podia
anniqüilu tam depl'ella o commércio das etcalat
de Levante se, além das razões de distancia e dif-
liculdadcs de conducção, não houvesse outras
NA BALANÇA DA EUROPA. 255

mais fortes. tstas são, ' 'isivcl c sensivelmente, os


obstaculo~ que aquellc comml:rcio encontrava na
barbaric ottomana; cmquanto o que os Portuguc-
zes faziam pelo mar de que eram ~nhorcs, (e de-
pois lhes tiraram os seu~ inimigos Holl:mdezcs, c
depois os seus amigus Inglczcs,) não encontrava
~não os obstaculos da natureza, c nenhum dos
homens.
Consideremos mais, que o commércio d• As ia, e
até specialmentc o da lndia, trazido pelas chama-
das escalas do Lcoantc, levava muita vantagem
ao do cabo de Boa-Esperança na situação de seus
cannacs, depositos c cmporios. Yasava-sc todo
aquelle tráfico pelo Mcditcrranco no coração da
Europa; ao passo que estoutro \'inha a Lisboa,
na estrema ponta do continente europeu,-dcpois
a Amsterdam,-cmfim a Londres.
Hoje, removido o obstaculo da barbaric c hosti-
lidade das nações occupantes do mais curto cami-
nho da India, é muito mais facil remover c dimi-
nuir obstaculos que no tempo em que os Portu-
guezes supplant:1ram os \Tencziauos (c muito de-
256 I'ORTCOAT.

poia ainda) eram io'YCileivei& .Falto das difficul-


dadee de cooducc;io por terrL Quem nio oon-
cebe hQje que a civiiÍZilffão.., que abre estradas
macademizadu pelos cerros da alta·.F.acc.it.
peloe cleapeobadeiroe do principado de Ganes.-
que franqueia com a 0111nipqleftria do Yapar as
terna, oe c:&DIUlel, 01 mira, a deapeito de veotoe,
de marét, de todu u auppostu autigu leia da
aatureza--que a civil~o q'f todoa eatea mila-
gres opêra, em ae eatendendo pelo Levanleá p6d~
e laade operar iguaee prodigioa, facilitando por
aquelle camiobo maia curto a CODDDunicac;io da
Europa cem a A aia P
O grande feito de Vuco da Gama .blde sempre
ser um doa maio• feitos humaiiGIJ t"temo COibO
a lU& lliada e o aeu Homero; m• ps resaltados
immediatos d'elle do pa-llldo para o6e coare C18
da deltruic;lo de TIOia pua os G..,.-do tempo
du republicu:-em bre~entrarl 11M~
heroiCII da hiltoria das ~ m~bfi..
lhaote de poitico aplendor,-oullo ele .oon&idera-
çlo politica.
NA llAL ,\NiiA DA EUROPA., 2.)7

Quando digo nullu, falto cm relac;ão ao presente


objecto. Ahi elitú um mundo inteiro, ahi estão
uma!'! poucns de nações, umas cm esperançosa iu-
fancia, outras em vigorosa puberdade, que, sem as
descubcrtas dos Portuguczcs, não existiram éstas,
nem soubcramos d'aquelle.
A existcncia d'étitas novas nações americanas
lambem pésa na balança da parte do commércio
d' Asia pelo cabo de Boa-e.,.pcrança. Esse pêso
hade demorar o refluxo d'clle para o Mediterra-
neo ; mas não é bastante para o suster. O com-
mércio da America so influe positivamente no da
lndia propria; mas o commércio do Levante une
com o da lndia o da Syria, do Eg.vpto, da Persia,
etc.; e a seric de permutac;ões (que são a alma de
todo o comrnércio) é mais longa, mais appertada,
mais connexa e \'Úria pelo 1\lediterraneo do que
pelos márcs da Africa oriental.
E ganha ou perde o mundo, isto é, a <.-ausa da
humanidade n'ésta revolução de coisas?-A res-
posta é fac ii : ganha; ganha consideravelmente,
extraordinariamente. Perde o commércio inglez,
Ll.
t58 PORTUGAL

perde a graocleza e aupremacia britaDDica. Mas


o que perde, oa anta, quaote Dio ganha a Europa,
com ea. perda?-Que beBI tem a Inglaterra feito
i Europa? Em que ganblmos o6s com a sua ri-
queza e graodeza? Poobam os outros povos os
olhos oa Sicilia, em Parga, em Copeobagueo,-
e finalmente em Portugal, DO votado Portugal, DO

seu mail antigo e fiel alliado; e abi teem a res-


posta.
Ma• a RuBiia dominarA o mundo (o velho ao
menos) ?-E que DO& fltz a nós essa dominaçã•?
Aa ~grandes uio biode nem podem ser do-
minadas se oe aoberànoa quizerem e aouberem al-
liar-ee com os seus maia naturaes aUiad08, oe
povCII. As pequeou 11e111pre biode ea1ar em de-
peodenc:ia, maior ou meoor, mais ou meaos aub-
mitaa e •ergonboa, eeguodo o loimo, a ....gia e
a honra de seus chelfes. E depender por depen.
der,-Mãa licita a expreaaão-aatea de Roma que
de Carthago-aotes do general gloriCBO que do
cbatim mercador-anta de Scipiio que de An-
oibal.
E não gauhou ja a causa da civilizac;iio, da hu·
manidadc, da religião com os triümphos da Rus-
sia ?-Que é feito d'esse collosso de barbaridade e
dc~potismo <Jue, com um pé ua Asia outro na
Europn, estava de sentinclla contra as luzes curo-
peas, contra a liberdade christan que não pene-
trassem no Oriente,-e de entreposto á servidão
oriental para n communicar c sustentar na Eu-
ropa ?-Derrubado elle, não veremos libertad~
tantos JlOYOS christãos que gemem errantes, per-
seguidos, escravos e exilados no meio de sua
patria, por toJa essa Asia-mcuor, pelo Egypto,
pela Syria, pela Mcsopotamia? ( 1) Não c:stá li-
berta a Grecia r A patria de J..conil!ns c ele So-
crntl'.s, perseguida do Leopardo IJritamuco, uão a
sah·ou a Aguia moscodta? E qnel\l sah·ou A thc-
na~ da sorte tlc Parga? Nicolau ou Castlc-
reagh?
Pois triümphe e cresça e engrand~a-se embo·
ra a Russia. A Europa fara curo em seus bym-
nos de victoria. Não podem illudir-nos com rmni-
cos terrores os seus antagonistas. Diesbitsb não é
PORTUOAL

Atilla, os Rull08 não do Hunnoa, e as potencias


da Europa nio aão o imperio romano decadente.
a1quebndo, minado de vicioa, e cabindo de grande
e de podre. Ha muita vid~ muita «.~ nu oa-
c;ões da Europa: ·se a Rt111ia mette medo, ee as
suas Yictorias e podêr devem causar receios, Dio
ê aos povoa nem aos eoberan01, é a seus inimigos,
ê l oligarchia, ao jeeuitiamo, fl dominac;ão dOB
poucoa contra os interêll8e8 dOB muitos.

v.
Panlcll*-* pua Por~Jipl.

Se aaaim pensam todos 01 po901 daEuropa, ee


•im clamam todoe os bomeos eeneatoe e amigos
de seu paiz, delde Copeabaguen atê Madrid,-que
não diremos n6e Portuguezes, nós ftiKlidoe, como
01 de Parp. a mais feroz monstro que ADi Pa..
cba, n6e maia deslealmente sacrificadoe qae 01
bravoe Sicili81108,n61 que perdêm01(por cega coo-
fi~) riqueza, patria, sobenmo, liberdade, iJide.
pendencia,-a propria bonn! N& que pua la·
"fUUIllO a nodoa do nome portuB'.!ez, para mor•
lU BALA.MÇA DA "UROrA tôl

rerolO$ eem •erRODha ao llleUCl8, tivemoe de ir


conquistar, por entre os capbõea dos 1108808 allia-
dos, um rochedo no &neio do Atlantico em que
podesse11101 combater-com fôrças deaiguaes sim
-mulonge do proLector estrangeiro e per6do que,
emquauto armava o nosao inimigo, uoe dizia-
" Deecançae, nio vos defendaia. que eu eou por
v4\8, e voa defenderei se fordes •odtrtUlo•1"
Que diremoe DÓ8 que tudo iatoeoffrémoe, que
tanto maia eoffrêmos, e que ioda emcima exilados,
proecriptoe, cobertos do eangue de 008808 irmãos,
de D08I08 paee, das l&gfymu do orpham, da
Yiü va-entre ~ gritoe da aüaeria. do clamor da
fome. dos aia doa supplicioe-ouvimoa (peior de
todoe 01 tqrmeatot !) o rúo •ofo.dor doa aiJ,ligos
que DOI trabiJ'am.-a amarga iroa' o woz .-r-
aamo com que DOil iJt•nltam oa miaeria, ~ coe-
pem DQ avil&amento em qtJe eUe• 101 poa ~~
-ioaultaodo-noa de covardes quem 1101 ~
u armu da mão-de iDdipol da ij~~ q,qep~
d'ella DOI aio deixou UIIE-de ~1'\.t"'.A~~,..
nDIJCb qwm1101 ~ou ., t.IUOQO M!lf r,~
.PORTUGAL

quem no'-lo impoz com auaa armas e utucias-


zombando emfim de noeaa desgraça quem so e
unicameute 1108 fechou oe oUws paraque não vís-
semos o abyamo que noe cavavam-quem o'elle
nos despenhou-quem d'elle nos impede que nos
ergamos?
E cumpre que nos eequefiamos de tanta af-
fronta, de tanta deslealdade? Quando cumpri811e,
podêmos u6s fazê-Jo?-La expiram no patíbulo
mais victimne da sua boa-fe, mais martyres da
fidelidade ao soberano e da confiança ingleza ••• A
t'idade tio Porto ve outra vez derramar o sangue
nobre e lealdes eubditoe que não sabem perjurar,
nem quebrar o vinculo da homenagem com a
me&ma facilidade com que alliadee e amigos qut".
bram o doe tractados e allianças. Com esee san-
gue fresco ainda é que a purpura roubad!l ê:1e D.
Miguellbe havia de eer adjudicada pelo tribunal
doe reis?
E desde quando ee caminha ao throoo legUimo
pela eatnda de Robel1•ierre? E desde quando ~
o 811811inato, o roubo, o parricidio, o perjario
N.\ DALAl'iÇA OA l!UROPA. 2ô:J

titulo para n rcalczn ?-0 irmão de Luiz XVl


reconhecer D. Miguel! O successor de Carlos 1:
reconhecer D. 1\ligucl! O irmão do infante D.
Carlos alliar-se collJ J>. 1\Jigud !
Fautore~ e protectores do parricídio e do t<>gi·
cidio,-o monstro da Bcmposta, de Salvaterra c
de Queluz lwde ,çcr rei?
Cegos, louco:;! o castigo vem perto, c corre
prt'StO.

\'I.
Terror \la olignrcllia.-Dccltlcm-se n arri11.':!r tudo n'um3
batnlloq.

A attitude da Rul'sia atterrou a liga oligarchi-


ca; c algum tempo ~e hesitou nos conselhos de
Vienna, de Paris e de Londrcs(2) se cumpria
ou não a\·enturar agora o golpe decisivo. Espe-
rar, ladear-é a politica dos gabinetes; e foi cs-
celleotc no mediano estado de civilizção de nosso"
pacs. Hoje cmquanto os governos consultam, o~
povos andam, emquanto o~ oppressores do gene·
ncro huruauo concertam os meio de o conter onde
264 I'O.H.fUGA r,

ellc chegou, a civilização enminha, c: o g<'nero


humano addinntou muitas lcguas na ~trada: é
preci!'o novo tJiano de compressão ;-e cmquanto
esse no,·o se fórma, quem &abe onde estarão os
compressores!
" Não h a tempo que perder: arrisqu~se aba-
talha final c decisiva.'' Assim discorreu e deci-
diu a oligarchia: assim o sanccionou a cegueira
dos reis.

VII.
Eotado d:L rt>li~iáo, <' sua ac!u:tl iuflucncill.-Da charuuda
fl•il~hia ntodtrnn.

E toda\'ia talvez os reis não fechariam tam obs-


tinadamente olhos e ouvidos á medonha face do
perigo, ao tremendo brado da opinião que lh'o
annunciava, se alêm doe; gritos da oligarcbia que
os traz cm cêrco, não viesse o clamor sacerdotal
insurdecê-los de todo, c o p o ll u Yd o v c o
d o t c m p 1 o cegá-los de espessa ,·enda.
O extermínio inquisitorial,(3) que os príncipes
.cntholicos,~quam erradamente e para mal seu !
NA BALANc;.A DA EU.ROPA , :.!6.1

-animar am c auxiliara m com mais po<lt!r e cmpu-


uho tle~tle o meado do XV I scculo, tinha obstado
eos progresso:, da reforma, principal mente tt:t
parte tncridional da Europa. Roma embringo u-
se com o cheiro do sacrificio ; mas o sangue das
victimas não bradou cm vão ao eco. l~oma con-
scrrou tma despotica auctoritln tle no Sul da Eu-
ropa e da Amcrica ; uão foi e:,bulhnrla e t.h.:s:t('r
possada á VÍ\'a fôn;a da rcac<;ão religiosa, como
havia sido no ... "'orte, mas as bases de seu podê r se
foralll minando c carcomem lo c apo<lrcccnJo len·
tamcnte c surdame utc. Um tct rivcl inimigo lhe
nasceu do seio mesmo de seus abusos, cresce, nutre
e a'·igora com clle.s, mais formida,·el que o espí-
rito de seita ou de reforma, de mais assolador as
arma!':, de rnai:. ambicio::.as pretençõ rs, mais irre-
concilia'·el cm f'CU odio, - com quem uão pórle
ha,·cr paz ucm guerra, porque na guerra a ven-
cerá, na paz rt cscarnec crá:-é a .. philosop hia
moderu a"-o cepticism o ou impiedad e philoso-
phica.
Como o,c; \"01Cnoc;os reptis •tll~ 110 fcmwuto da
!101
PORTUGAL

podridão c immundicies se desinvolvem e pul-


lulam, a impiedade sceptica de nosas eras nasceu
do enxovedo das prevaricações da hyerarcbia
romana. Para demonstração d'ésta verdade basta
observar quanto maior é o número dos ímpios e
atheus nos paizes t'atholicos do que nol3 protes-
tantes, quantos mais apostolos teve, quantos mais
advogados e proselytos tem n'aqucllas terras do
que n'éstas a impiedade philosophica, o atbeismo,
o dcismo, o materialismo,-todas as variedades de
crença-ou autcs d c s c r c n ç a, que pelo mun-
do se propagaram, crescem e filham ha mais de
dous seculos.
Este novo inimigo de Roma não tem decerto a
energica e violenta força da Reforma, que do fa-
natismo lhe vinha: não p6de dar, como ésta deu,
batalhas campaes ; não ousa, como ella ousou, es-
calar praças, commetter cidadelias: não ; mas
corrompe sentinellas, allicia guarnições, entra por
toda a parte-não vencendo elle, mas não lhe
resistindo ninguem. Sem allegoria nem rneta-
phora, a Reforma do seculo X VI atacava as f 6 r-
NA BALA.NÇA. D.A. EUROJ'A. ~67

ma s c abusos da igreja romana ; a philosopbia


rlo XVIII e XIX ataca a essencia mesma da
igrcja,-c a essa propria igreja chama e declara
....6auo.
ee.n tal iaimigo ao ham •m 1111io de .-...
teacia: de 1m e o H r por obra o qure
elle •••••er.aYa de palaYrL
&pliquemo'....,.:
A pbilGiophia upmeataYa doi • .,_ ela
igrtÜa. doi crimel doiiiiCIItl'dotll, ckll padloiàlellw
tos queàlea c:auavam ao genero berveo, pua
JKOftl' 41ue4 CPatiaaiNDO.a fàllo,;... _ _...
pm Dio era divU.. v:..._ a. f~ciiwl&
prófa. e ..,._ le ........... COID . . . O

oriodoaapbilm&.
Que4leriul . . . . . . . . . . . . . . . . . .,
Befctr....... altt á~ ~ . . .. .
do'C~lutê-Jo o~ • ~
P1J* flue _. 4iW8o Auct« o -a~eCMt; ~...-

. . . - - - _.. pQV. . . . . . . . . . . . .,....


flikll.l ...-.• 4.iYja4a4e • ._..•
.... • 9 .......... iria . ........
268 POK'rlJC.A L

grossura das oblações da terra, que no profanado


sanctuario de Roma tanto mais se prezam cio f!IIC

" os puro!! sacrificios de coração c espírito?''


Roma deitou mão á sua antiga arma da perse-
guiljãO c do extermínio ... Mas-sinistro presagio
para a potencia do Vaticano! -até pelos princi·
pes andára o contágio: o throno acudiu frouxo
ao altar. Roma petliu sangue, e os reis não o
quizeram derramar : acccndcu fogueiras, e os
reis apagaram-lh'as: queria victimas para restau-
rar o splendor do altar, mas os reis careciam de
soldados para lhes segurnrcm o throno: c Roma
foi obrigada a contentar-se com alguns golpes da
tesoira ccnsoria para os livros de seus inimigos,
e alguma relegação para os auctores d'elles.
Mas o mal progrediu ; c Roma queixou-se
amargamente dos reis; c os reis, a quem ja não
restava opção, e que por seus proprios e pessoaes
interêsses deviam deliberar-se a fazer causa com-
muro com os povos contra ella,-c restaurar a
religião, maugrado de seus ministros, e forçar
os sacerdotes a restabelecer a igrf'ja de Christo-
os reis vacillaram, tclllf!ram de um lado c outro,
• recearam tlc se con:-tituir arbitros cm uma ques-
t.:'lo em que so cllcs o podialJ) ser, e por ésta fatal
incleci~:w, que a ol1garchia fomentou para seus
fins privados, dl('garam cmfim a pontos cm que
para não ~cr invol\'ida ua ruina do sacenlocio, a
realeza voltou de novo a fazer communião de
' interê'>SC'.S com clle.
Tal é a historia religiosa da Europa desde o
meado do X VI r-cculo até os fins do XVIII,
pouco mais ou menos.
N'ésta ültima cpocha, c pelas dadas razões, se
começou outra vez a formar a desfeita liga do
throno e do altar. Bonaparte a teve na mão, essa
liga; ia quebrá-la •• • ~ão a atou, mas deixou-a
inteira. V cio a oligarchia, vieram os reis com
as mãos ensangücntadas de \Vaterloo, c appcrta-
ram o laço começado a dar. Sal\"ou-se a bye-
rarchia romana por mais alguns annos, mas a re-
ligião c a igreja foram ameaçadas de toda a parte,
e com uma <!Spccie de fanatismo philosophico
que dobra\'n llc intensidade ú proporção que
POJlTUGAL

Roma de cxigencias, e os soberanos de condescen-


dencias.
Portugal, Hespanba, França, Italia, Allema-
nha, a propria Inglaterra (6) sentiram palpavel-
mente todas êstas 01Cila<1ões.
O influxo da religião era mullo nos povos; os
sinceros defensores do C h ristianismo viram seus
louvaveia esforços, seus trabalhos perdidos, seus
fructos estragados pela ambição c avareza dos sa-
cerdotes, e pela cegueira c timidez dos reis. Nin-
guem, ha seculos, defendeu o Evangelho como
Chateaubriand : qu~ diga elle quem lhe inutilizou
auas fadigas. .la o disse: os que mais interessados
eram n'ellas. (6)
Assim pervertida por seus ministros, assim
transmudada de sua divina origem, a religião vem
de novo contra os po,•os : e os reis enganados pela
oligarchia, fanatizados pelo saccrdocio, a si e a
ella ee vão precipitar no abysmo, accommettendo
de frente a civilização, que nem d'elles nem da
religião ê inimiga, que so a olignrchia combate,-
qtcc nem á realeza, mas nem siquer ll aristocra·
NA BU,.\ SljA IJA l:UnOI'A. 271

cia ou ao sac.:crdocio faz guerra, por~m aos ~><>:5

abusos saccrdotaes e aristocraticos.

VIII.
O Wntr-rloo dos poYOS.

Onde é o campo de batalha? Onue for o centro


ua civilização: é cm França. Onde estão suas
immensas e destemidas phalanges? Ninguem as
ve: desarmadas, tranqiiillas esperam a provoca-
ção de seus inimigos, não so para pelejarem mas
até para se armarem. Não accommetterão pois ?
Não: mas quando se defenderem hade ser até
á completa e cabal anniqüilaçíio de seus inimigos.
E seus inimigos-cegos !- que se enganam com
essa prudencia, e a to~ram por covardia.
Illudidos d'ésta apparencia, os ligados inimigos
do genero humano assentaram aventurar a deci-
siva campanha. França, que é o cornc;ão da ci-
viliznção, era portanto onde o golpe mortal se
devia dar.
Deu-se. Carlos X c seus ministros ousaram
4
'272 POltTUGA r.

tomar o commando das fOrças oligarchicas ~ tl{>-


saniar os povos na pessoa do pot'o francez.
Generosa e itnmortal naçi'io, primeira nação tln
terra, nobre propugnadora dos direitos dos po\'OS,

França, tu acccitaste o desaffio, vieste à lice, c


Ycscestc por ti e por nós.
Deu-se cm Paris o \Vaterloo dos po\·os. Ü!l dias
26,27 e 28 de Julho de 1830 decidiram a sorte da
guerra: a ch·ilizaçi'io triümphante em Paris tri-
ümphará desde o Tejo ao Newa, e desde o lago
Eric ao rio La-Plata. Os hymnos d'ésta grande
vktoria ~;oarão por totla a aparte, os los d'este tri-
ümpho echoarão por toJa a terra; suas conseqücn-
cias serão univcrsacs e geralmente sentidas em
tO\lo o mundo.
O nobre exemplo do povo franccz, sua gene-
rosidade, sua firmC?.a, sua devoção, sua modera-
ção serão imitados de todas as nações.
Ja a Bclgica respondeu ú voz animadora do
grande po,·o. A ltalia não serll a derradeira.
Nem são insignificantesaf! demonstrações da Prus-
~m. Tocla a A llemanha fern~. O procedimento
I' A. UALA.NÇA DA CUilOl'À. ~f3

do go\·l:rno russo proclama abertamente que atú
sob os gelos do polo arde a chama elcctrica da
libcrdaclc. Ja precursoras faiscas annunciam a
cletoaac;io pruima ua fM'Di•l• ibeJ-, ~
pauba chama u .,_., fOJ'WPI 1ai ~-
Toda a dil~ e cl6.Uda .. ~~ . .
a.~,.~.._ V~91T~
floii'OitOI,. e a~-~ 4ol ,.,. ~
'
...-.eno~-~jaa --~aR,
p~ lp dQI ~·j~~ . . . . . .15th
a;~ a ~imPt)iP-du ~ f~j!l""" MI
mqroa de Parl,l., A ~ ~ A-.
~ VfPAO ÇCIJ~M ,........~---­
~,P/IA~~ .... .,~PN ~--·
~
T~·~~-,..,_~~
aF. . . . . . ~~~~--­
CIOID • Eurgli~ ~ 6 ~j.JI·
iMriP. lWA CÍfP.IJI. . . ·~
~... ~o i~,q.,.,,,..._..,...,-.,

&Ja&n ot meialleciU*M. --~


~ qaaee qu~ ~ta_.,.,....
deira, estes aerão eeus efJ'eitol reaa.
••
274 l'ORTUG ,\r.

IX.
O qut d<:reJu fucr ~ aubc111oos -Da ll"fitimidadc.

E todavia ainda l! tempo para os reis, ~rn ai·


guns d'ellcs no menos. Ainda podem abrir os
olhos, c tomar a uuicn resolução prudente e avi-
sada que lhes resta,-lançar de si a oligarchia,
desligar seus proprios inter~sses dos d'ella, vincu·
l:i-los com os do povo. O povo não é inimigo dos
reis: o povo europeu ama a monarcbia. Vêde-o
em França expulsando um rei inimigo, e nem pol'
it~so destru'indo o throno. Sahiram os Tarqüinios
da nova Roma: mas a realeza não foi proscripta,
nem cosules creados em odio no titulo real. Não
se rasgou a purpura manchada; o povo generoso
de seu sangue, poupou o do tyranno, e com o seu
proprio lavou a purpura real, e a investiu em mais
dignos h ombros. Vt!de o espírito do seculo! vt:de a
generol'idadeJ a prudencia da liberdade moderna !
O que são os A ristogitons c Harmodios, os Brutos
e Cassios da antiga historia comparados com os
heroes da l'h·ilizaçâo moderna!
Não é pois aos reis, c menos lt realeza que o
po"o f'u guerra; " 6 bliiarebi• e a 1111'1'*'-
leglol, é 101 inimtp d01 i'eil edoe1fuirM tJe.. ·
parem 01 reil18uá ~ da lf. .,.<Jatt&lfl'.._
pwoqueoe tull8i e queFi"4•1~
angua
&;;a a L~giti•üladt o que.- lMJIJM *pMI,
"am taflaclpio fuadádo a etermr fllfBifllt~
., ti~ :priadpio!auc~ imiola'tetJq• t81bí'i~
• • pcw01 como aneis1'f não-.J••••~to
de Gppresdo para: o pote; :e Mtll8 de tieg8te.
-para aeú!l inimiga~; *p!ldiP ~ dou"'''WUif1
mio .. aligarcbia, . . . . . . - ~,.Wot ~
.qaer lei' ~ttftM&tflr ~­
1me.: •••"' •
. . clfHade um dw ~di~ *
41*118':..-.
todi!ISIIe-.ta~lldl1MtOIIIWtJle . . -
qaellelll lll"d~illda J~PI!IitftRII' I~
vioe ouco DOme que ~--P ••1i0ft)(Jzt,.,
tari, amari, defenderi a~iAde.
Tal como ella se l1em moetrado na Bdi'Opll; ãif.;
..ãoa em Fraoc;a. traidora aa Ati~
ladra na ltalia. camifice em Be.penba, lá1tiillf
em Portugal, mentirosa e falta de fe em toclí a
t76

parte, .-a legitimidade é uma bla1platmia contra


Deua e auu eternu leia que ul~a, um attentado
coatra a eociedade. -e uaurpa~ de suaa leis que
eacamece.-ê um prioclpio de abomioac;ão c:ontra
o qual te rebellarão 01 povoe todoe, e o proecreve.
rão pua todo eempre.
Mas ouaario 01 reia .er juatoB, quererio elles
aer ltgilírno1, legitimoe aem antipbrue? (8)
Cheglmoe ao tempo de o ver clara e aensivél-
mente, de oe ouvir sem intérprete, de conhecer
emfim auu verdadeira inteoc;ões. Os que ee •
poeerem ll frente do1 muilol contrtJ 01 powco1,
eerão em verdade reia e chefes legítimos das na-
ções, que oe amarão e defeoderão. Os que se ro-
dearem do1 powc01 e pelttiarem contra 01 •witol,
o que aerlo 1 O qiM( podem ellea esperar do povo
quando o povo triümpbu !
E o povo hade triü,mpbar.
K.A n.\l rAISÇA. DA EUROPA. 2i7

X.
Efl"eil05 m Portugal dA .-lctorla de Pll!Ú.

As conseqiiencias da grande victoria da civi·


lizaqão, ganha cm Paris, serão proporcionalmente
mais ou menos promptas e efficazes nos diversos
pontos do orbe que estão em circumsttlncias de
as 6entir, segundo a variada natureza d'cssas
mesmas circumstàncias. Não precisa demons. ,
tração.
O peculiar c singularissimo estado de Portugal,
de Portugal onde meia naqilo está proscripta, exi.
lada ou encarcerada, com uma nllinnça oppressora
e proverbialmente pedida, avcxado cm casa da
tyrannia de seu brutal inimigo, atraiçoado tora
da doblez e inepcia de bCUs falsos amigos e pro.
curadores, Portugal (não é paradoxo) nchnrti
mais difficuldadcs que nenhuma outra nação cm
!'e libertar e reconstituir. Pro~trar ou expulsar
D. ~ligucl é fac ii em preza; fac ii a perfará a nação :
mas eqüilibrar·EC dircitamente, estavelmente na
no,·a bal:mça ela Europa, ê, cm minha opinião,
de tam complir:ulas t' ah trusas llifficuldades,
'278 PORTUGAL

que não julgo possível o solvê-lns claramente a


nenhum juizo humano.
Nio desanimemos porl:m ; é antes ardua do
que impossível a tarefa. Maior serll a gl6ria de
Portugal : e em proporção de seu actual vilipen·
dio e deehonra, crescerta a fama e renome dos
Porluguezee, quand""e novo apparecerem entre
as nações da terra, a nar;ão que n'outras eras
foram, e que na rto11a tm do mundó lhes compete
ser.
A seguinte e derradeira secção d'este meu tra-
balho é, inteira e exclusivamente, votada ao trans-
cendente 818umpto.
de 11011111 observaçé5el.
PORTUGA.L

Considerámos Portugal -em ai mesmo, no que foi


e no que ê, vimos o que eram e o que são u po-
tenciaa que o rodeiam e entram no aystema do
mundo civilizado, d6 qual elle fu, postoque ~
quena. não insignificante nem desprezível parte.
Cootempllmoe 01 e&fOJ'WiOI da oligarcbia para re-
duzir o natural ayat.ema do muudo a teU antigo e
incoberente estado, os meioe depreuivoe e repres-
sivos de .que ae teem ae"ido para criar um modo
de •er artificial e incongruente, que em si traz o
proptlio germeo de sua deatruiçio, e ~mo o cabos
da fàbula, vanmente lucta na guerra de inconais-
tentea elementoe.
Temos visto ao mesmo tempo como a civiliza-
ção, por aua fOrça d'ordean e natural organização,
teDdeu &elllpre a deamaacllar o for(j&do e falso
eqüi.librio da oligatcbia, e apezar de todos os ft-
fl,rços d'ella, o deitroi progrestivamente. e pouco
a pouoo lbe aubetitue o regular aystema da natu-
raa, que em vão preteoderam aooiqüilar as ena-
das ~ doe ga.bioetea. A' proporção
• • oa pov• ae iam iUuatrando e a civil~o
<.:l"Cticcndo, vimos ir ditl}i!mindo a fôrça da com-
pressão oligarchica; c com a liberdade ,·oltar a
ordt•m natural do mundo.
Portugal atequi lançado fóra de sua orbita,
forçado, para a:)!;im dizer, a entrar n'um systerua
planctario alheio de todas suas naturnes propen-
~ões, vai pois entrar n'cssc novo cqüilibrío regular
que a ch·ilização estabelece-ou, mais propria-
mente, restitue. O como, o quando, as causas,
as circumstftncias, os cfl'citos da antiga e desna-
tural posic;ão politica da Portugal, rapidamente
mas com scnRi,·cl dcmonstra<jão, temos visto, tanto
em sua propria historia como na das outras
nações que para isso influiram ou por isso foram
in fl ueociadas.
Naturalmente se faz pois aqui transi~ão para o
ca1>ital e mais importante objecto do presente en-
saio.
Como, á ,•ista do que temos observado, como,
pela expcriencia que agora temos do que somos,
do que fomos, do que temos procurado ser, do
que não podémos conseguir, do que uão soube-
on
282 l'OR'TUGA [,

mos ser nem conseguir,-deveremos agora traclar


de nos constituir nnção entre as na11ües, e entrar
no novo systema politico do m untlo?
Por outras pnla\'rns, c mais conformes com a
rúbrica d'cstc ensaio: qual será a qualidade e a
quantidade do péso com que Portugal de,·c entrar
na balança da Europa?

IJ.
Unica nltcmntiva eJN que a l'ortugal n·sta optar.

Parece-me não carecer de demonstração que o


mesmo que Portugal atcqui era, ja elle não póde
ser. Pouco maiA difficil ou longo de provar será
<JUC uma so alternati\'a lhe resta para podêr exis-
tir em harmonia com o novo principio europeu;
mais simplesmente e mais absolutamente,-para
•• podér existir. Ésta alternativa é igualmente sim-
ples e clara: .. ou continuar a ser potencia inde-
pendente mas independente devêras,- ou voltar a
ser província de Hespnnha."

...
Escravo não vi\'c; fnlsamente rnanumisso, fu-
girá da casa de seus atraiçoados patronos, e irá
~A Jl.\ C.,HiÇA DA EUROPA. 283

troc-ar a inuependencia pela liberdade, irfl dar seu


uomc, suas recordações hitttoricas, sua glória an-
tiga, flua bandeira ja triümphante c 11enhora dos
múrc!l,-irll. dar tudo, entrC'gar tudo a trôco de
liberdade: coustituir-se-ha filho-familins para
go~r na casa alheia essa mesma liberdade que em
sua propria Caia, e como senhor seu e pae-de-
f.'\milias, lhe não déixarem gosar.
Portugal tem um unico fim e objecto, sem o qual
estar conseguido, jamais se aquietar{! por tempo
consideravel; é o de SER LJVJtE. Em outras
nações ésta vontade nasce do dcs('jo de melhora-
mentos, da grande illustração de !IUa!l classe;, do
so podê r da ci\·ilização: cm Portugal, alem
d'essas cau!las, ha a necessidade nbsoluta, forçosa,
invencivel, a que nenhum pod~r humano hade
obstar, l")ue os exercitas e as armadas, c os trac-
tados e ns convenções dos gabinetes podem con-
ter algum tempo, mas não poderão estavelmente e
firmemente contrastar. Portugal foi ricco e po-
deroso; a má administração o deixou mais pobre
e mais frnco do que ucnhuma outra potencia da
!84 PORTUGAL

Europa. Emquanto seu podêr se extendia aos


quatro angulos da terra,-emquanto ele todas essas
immensas, c que pareciam inexhaurivcis, fontes
de riqueza lhe vinham torrentes ele cabedal, que,
se não davam eólida nutrição, augmcntavam to-
davia, postoque transitoriamente, suas fôrças; com
cllas suppria a falta da liberdade (com que so
• indeJ>endente), e
uma naçãot> póde ser dev~ras
eubstituYa os limites maturaes que, a uatureza lhe
não deu, e q~e judiciosa arte não soube crear
d 'outro modo mais sólido e permanente.
Mas hoje que tudo i&So acabou, que Portugal
perdeu tudo o que lhe dava e garantia sua ephe-
mera indepcndeocia,-ou h ade com auxilio e accôr-
do de seus alliados, mas principalmente por es-
fôrço proprio c dclibera<;ão sua, crear novas
bnses de independencia, novos limites c estrêmas
em suas fronteiras tam rasas; ou maugrado de suas
aiTeic;ões c desam~ições, de seu orgulho, alias no·
hrc, de suas tradições gloriosas, irá unir-se como
prO\'Íncia á mesma potencia cujo mais teimoso
c irreconciliavcl inimigo foi emqunnto Estado
independente.

III.
Uuillo com llespan!J:L,

" Portugal depois da última guerra continental


(escreveu ha pouco um Portuguez ctue ninguem
accusará de jacobino, postoquc so cm Franccz nos
communique suas lucubraçõcs) voltou a pôr-se
debaixo da tutella ingleza. Mas será necessario
para a continua<;í'io d' és ta in 11 ucncia que Portugal
sl•ja reduzido á mi!\cria extr~ma; á completa
nu li idade! ... A infl ucncia de Inglaterra sbhre
Portugal é inevitavel, affiança-lh'a a natureza mes·
ma das coisas, os verdadeiros inlcrl!sscs de ambos
os Estados, habitos antigos, c eflecti,·as stipulnções,
que tanto mais duradouras c efficazes !'Üo, <tuanto
derivam sua fôrça do permanente e commum
interêsS('. Pretender conservar Portugal em um
estado d'atonia e de miseirn, de padecimento per-
pétuo, rclcgâ-lo para entre as nações barbaras c
stncionarias, fa7.ê-Jo rctroceclcr cinco -:eculos de
28ú PORTUGA I.

civilização, forçá-lo a nppn'sí'nt:lr !1 Europa a


imagem viva das atrocidades da mc:ia-idaJe, des-
pidas dos prestígios de grandl•za c heroismo que
n cspa~os as encubriam, aunullá-lo em fim e ultrajá-
lo para mais seguramente o dominar,-fôra não
so barbaridade repugnante, mas, o que pcior l!,
C:rro gra,·c .•.. Portugal habituatlo a não gosar
de sua indE>pcndencia nacional, a\·exado c afTron-
tatlo pelo jugo, ja insupporta,·cl, d'uma potencia
estrangeira, veria emfim com menos horror, e
talvez como unico meio de salvação, a dominação
het~p:mhola que tanto detestava. A Hespanha
sempre de güella aberta para engolir uma preza
que incessante persegue, não pouparia intrigas
nem seduc<;Ões para conseguir um rc..,ultado que
ella seguramente considera como a so indemni-
zação possível que lhe rc..,ta pela perda de suas
coloniaa, e que a constituiria na primeira linha
elas grandes potencias europens. E con"irá lL
Inglaterra recluzir assim Portugal á tremenda
nlternati\·a de optar entre dois males, e forçá-lo
ú cruel extremidadt~ tle ir, no c~c~so de seu de-
NA BALMfÇA. DA SUBOPA. ,.pf

.ea~ro, eepuhar aa gloriqeu ~~ ~


bi~ria es de aua indepeodeociR no odioeo p.
pbam da domioaCjlo heapenbo•d Tal .n.a
comtudo o resultado ~ renoftl' o aotjgo Bp-
tema politico de loglaterra para~ P~"
Nio coocordaodo em toda a ezt.~ ....
talvez em toda a accepçio doe priacjpio!J ,...
toe por este judicioeo eacriptor, coaYeDbo (e q -
oio coovirl l) Dll comeqOeociaa tGdal que 4Fà-
288 PORTUGAL

c absorpt;ão, a qual não so a cubic;a e interesse


hespanhol mas o forçado interêsse portuguez hão-
de fazer de commum accôrdo c para commum
segurança dos dous Estaaos.(l)
Ja mais do que uma v~ o obscuro auctor do
presente ensaio tem levantado seu baixo clamor
contra os projectos loucos e antinacionaes de al-
guns Port.uguezes desvairado~ que, sem mais re-
flexão nem con.ticções, pretenderam suscitar e
Haciona/i::.ar, se é licita a repugnante expressão,
a idca da união com Hespanha. Do oora<;ão
l'Cm meu brado juntar-se ao do escriptor que
citei, llP. de todos quantos clamarem pela glori~
indepcndcncia portugueza, e se unirem emtôrno
dos estandartes de Ouriq~ para pelejar, e se for
preciso, morrer por ella. Mas esse pendão hadc
ser puro como o que hasteou A tfonso Henriques,
swas côres hiio de ser verdadeiras como as que
tremularam cm Aljubarrota e )fontes-Claros, não
falsas como as do Vimieiro c de Cintra, não
manchadas da predominação c mal-rebur,ada ty-
tU B.lLAlrCjA D.l BUROP.l. -

nnnia que ha aeeu1oa delbotadl e~'*""


antigu Quiuu portuguezu.
Reine o Drago lusitano, mu lllo o liaatleb1IJ•
garna tnidon do Leopardo 16bre um do qw
não ~ tolio, e para ama iadepeildeacia • • •
vileftla e depeudebte do qaejamail fói tGiw-
por 1184;1o alga-. delde o lll!mpo. . ..,......._
romanoa.
! pois, indubitavete inquat-ooavelkRtte, •U
tima alteraati.a ftll que a Portagal reM8 opbftr-a
iudependeneia verdadeira, isto ê, inclepeDcl...a.
com liberdade, tom iutitu1~ que a .......
-oa unilo com u.,...ba.

IV.
~ae.--....,... ....,..... .. ~

~ dl&fida todü .lís illeliáâ~ -e . . . . . .


vontades das POrtUgüetes, de p1E&mi'BW
e eaco~er a pru.irà pai1!é da 8it!8Nâ~
eóifto ro.e ambjida ~rwtflo, ~
j-., e da pane ae Hflí)ü~

...
as condicffõea de U0888 reaúDcia i iudepeacleDàa.
290 PORTUGAL

absolutamente {aliando, Portugal scrll o lcs:ulo no


contracto. A massa cl() povo, a plebe propria-
mente ditla, as classes menos influentes do Es-
tado pouco perdem, c porventura muito po-
rtem ganhar, na fusão da uma potenc1a pc-
qucua cm uma grande. se a fusão for volunlaria
se, não por conquista mas por cer.si'io, o paiz mc-
uor abdicar a soberania cm fa,·or do maior. Mas
todos quantos por nascimento, por cabedaes, por
mcrito pessoal sobrepujam cm consideração, c se
elevaram da massa geral a toda c qualquer especic
de preeminencia social, esses perderão tudo com a
união, c serão obrigados a entrar na nullidadc
politica c social de que por seu talento ou valor,
ou importancia adqüirida ou herdada tinham
sabido.
Não se enganem, não se illudam os Portugue-
zes n'cste ponto: pesem bem todos os pros c
contras de uma resolução que, apenas tomada,
será irrc,·ogavel ; ou quando o não seja, so á
custa de muito sangue, de um monte de calami-
NA nAI.ANÇA l>A EUROPA. :291

dacies, que sem horror não (; possível calcular,


poderá ~cr, c talvez nem assim, revogada.
Vf'jamos poi~ em primeiro logar, c~nminemos
com o maior cuidado, calculemos todas as pol<sibi-
lidades dos meios 11ue no;; rc,tam para consenar
no~sa preciosa indrpcndencia.
Em um so, jn vimos ~c encerram, ou a clle se
podem reduzir todos<'~otcs meios: lihcrrlade.

V.
ReduLcm-sc u umu cu comlkçuc~ da imlcpcndcucid de Portugal:
liberdade. E como se tirounrf• 11 libe,ordadc cm l'orltl~l?

·E como cstabclecrrernos c firma1·emos nós ver-


dadeira e segura l:sta liberdade? Com institui-
c;iJes prudentes c justas.
Quaes hãode ser essas instituições paraque
justas c prudentes sf'jam? As que rcünirem a
con\"enicncia das fôrmas com a solidez c legali-
dade dos principioc:. Sem l:sta combinação ne-
nhumas in,.titnições politicas pod<'m fazer a fe-
licidade do povo, c sem ella nenhum povo ê line:
sem ser livre, nenhum jlO\'O p6deS<'r cstavel e ver.
PORTUGAL

dadcirnmcnte indcpcnuentc: nas partkularcs cir.


cumsU'mcias de Portugal nem breve nem provi-
soriamente o serâ

VI.
Qne in~titu"iç&e~ con,.enham a Pllrtugal psra lhe garantir li~r­
dadc.

Instituições politicas que a Portugal convenham


hãode pois conter, alt:m da justiça dos princípios,
que so podem ser os do direito natural e das leis
geraes c absolutas de toda a sociedade,- fórmas
adaptauas a suas circumstttncias e peculiar cons·
trUCIJÜO, ou mudo de ser politico.
Não é d'cstc Jogar, e para a maior parte dos
leitores seria escusado, fazer longa deduct;ão ou
clemonstra~fio dos princípios de direito universal
que devem formar a base de livres instituições.
Nenhum pacto social póde ser fundado senão na
liberdade natural do homem e em sua igualdade
legal: nenhum codigo politico póde ser bem forma-
dose não garantir o exercício d'aquella e a con-
serva<;íio t\'ésta. 1\fns o modo porque ess.'l garantia
se hade estabelecer depende das circumst.ànciaa de
cada pa'iz: e aquija o direito sai da regra geral ab-
soluta, e entra-não em excepc;ões, mas em modi·
ticações, tam necessarias á conscrvac;ão d08 ab-
solutos princípios, quanto a constancia d'ellcs (:
indis~nsavcl na formasão das bases sociacs.
Portugal está na Europa, rodeado de manar-
chias, monarchia foi desde sua origem, cheio de
interêsscs, de mcmoria&,·e se quizerem, atl! de pre-
conceitos monarchicos.
Não p6de ser senão monarchia.
Mas Portugal desde sua origem, isto é, desde a
reconquista, fundou iuterês..~, crcou estabeleci·
rnentos, é se accostumou aos hahitos aristocrati·
cos. Portugal não pode deixar de cooservar o
elemento aristocratico que entra em sua forma·
c;ão.
Mas Portugal, pelas conquistas que fez, pelo
commércio que tantos secul08 administrou , pelo
augmento das riquezas que d'ahi lhe veio, pelo
nugmento de illustrac:;ão que adqüiriu, pela fOrça
ercscente• da indústria que n'cllc existe,-e que
2!H l'ORTUCAf,

ugorn a~aimada de abstmlas leis cst!l latente ou


mal dcsinvoldda, mas logo se dc~involveria e de-
sinvolvcrá ãpcnas a soltcm,-tcm na classe média,
cujo número, força c podêr cresce, c por todas
l!!'tas razões crescerá cada dia c cada hora, um
demento democratico, h'gitimnmcntc democm·
tico, tarn importante, tam consideravel c influ-
ente, que, Portugal não pódc deixar de ad~nittir
a democracia como base-c a maior base l: essa
-de suas institu'ições politi<.•a!l.
U 111a constituição portanto que n Portugal
possa convir hade tomar por base principal a de·
mocracia de sua maior c mais iruportante popu-
l::u;ão; hade modificá-la depois com o elemento
aristocratico flUe em sua natureza est.'t arra'igado,
e hadc rematar por fim esse cdilicio com a coroa, a
qual fórma o \'ertice da pyr:uni1lc, perfeito emble-
ma de uma bem constitu'itla c regular monarchia
rcprcscntalh·a. (!l)
Parn que se consiga o primeiro d'estes fins é
uecessario flUC a representação nacional seja feita
pela tine escolha e eleição do po' o.
Para~ immediato••lltnllf r•w-.ita•••
arietocrattCOI • ~......-~"'' ......
auc:toridade púb&ioew a 41..a lnM• .wt. . .
democrat.ica. e oontrabalaoç• . . ., pi.
veaba a eer. por eate lllOCio. priDelpilt·At..._.
oia e ordem, em vez de~~ • . . . .9
que era.
Collocada DO r.qio ela IIM.Iiell. lt ' " " "
.....ria aoe habito& do fiQV~- -·~ üt,f
maia util eera ainda l CODiel'fação do .... iillet·
dade e igualdade, ee o aceptro for eq#Piilw.4p

ft1'ade peneguÜfão e üteraüoio


potiamo o torcêra.
. para qqt o-•
como fiel da balaoça do &tado-e alo alçadQ eiD

.
2!)6 POHTUC ,\f,

n indcpcndencia-de Portugal. Por outras p:~lana~,


-tacs são as condicções ,\o p r i m c i r o me m ·
b r o da alternativa que a Portugal se oiTerece.
Examinemos pois, segundo estes princípios, ou
mais exactamente, appliqucmos l!st.1s regras a
cada-um dos tres corpos de direito politico que
em Portugal teem regido, islo (:, á:1 tres constitu"i-
ções que entre n6s !\C tcem estabelecido, veja-
mos qual 1l'cllas se ajusta mais ús regras postas;
c será essa a que mais se approximc da desejada
perleição.

VIU .
.Anliga c<Jnstituiçio d3 mon:m:bb.

Disse "as trcs constituições que cm Portugal


tcem regido," c disse exactamente. Antes da re-
volução de 1820, Portugal tinha comeffcito sua
i:Onstituição; nem ha Estado que a não tenha.
Mas a antiga constituição de Portugal era, de mais
u mai~, livre e representativa, como a de todos os
povos que dos conquistadores do X ortc herdámos
NA BALANÇA DA. lWnOP.A. 297

os princípios da monarchia limitada que por todo


o Sul c Korucstc da Europa geralmente se csta-
llcleccram (1uasi desde a destruição do impcrio
romano. Estes princípios foram mais d'este ou
d'nquelle modo modificados nos diversos paizes
cm que pen·alcceram, segundo a variedade das
circu mstlincias.
S<'ja ou não apocrypha a lei fundamental es-
cripta que nas côrtcs de Lamego se diz feita
pela concurrencia du aristocracia e dos represen-
tantes da democracia portugueza, os principi08
que n'clla se declaram, regeram constantemente
entre n6s, quer fosse tradicionalmente
quer não. Os actos, «leclornções e manifesto das
côrtcs de 1640 acabaram toda n questão sôbre o
principio fundamental dn monarcbia portugueza
e predominante em sua conRti(uição. A base
representativa ahi é clarmncnte determinada, c a
dcri\'ação de podl:r real do principio democratico
(2} estabelecida cm taro claras e positivas ex-
pressões que niio p6de restar a minimn dúvida ou
a mais especiosa. Fundadn porC!m em solidos e
~Q
PORTUGAL

natura~ princípios, a antiga constituit;ão ele Por-


tugal pecca\·a na fôrma; ja porque disperJ;a em
várias ·leis escriptas, em costumet e usanças t~a­
dicionaes, carecia de regularidade e nexo e har-
monia, ja porque deatituiJa de garantíall e reme-
dias legítimos para os casos de infracc;ão da lei
positiva, ou aberra~jão de seu espírito, forçosa-
mente corria o perigo de ser mal conhecida, e es-
quecida da nação, desprezada portanto e infringi-
da do go'"êruo.
São hoje tam sabidos cm Portugal os princi-
pios e regras geraes da antiga constitu"ic;ão da mo-
narchica, teem-se n'estes ultimos tempos revolvido
tanto nossos antigos monumentos c historias, para
achar factos e precedentes com que documen-
tar e pron1r l:slas asscrc;ões, que fôra van pompa
de erudic;ão peruida repetir aqui o que anda nos
olhos ele todos. Basta para o meu objecto enun-
ciar as generalidades que deixo cscriptaa.
I X:.

A mcmora,·cl rc\'olução de lB2U não fez tua1s


uo que proclamar a restaurat,iiu do::. antigos prin-
cipias da constituu;ão portugucza, que pela igno-
rancia t.lo po\'o (3) c usurpação da coroa ha,•b
mais de um scculo tinham c.1hido cm lotalllcssuc-
tude c esquecimento.
Tal foi o brado cp1c se nlcvantou no Porto
em 24 d' Agosto d'aqucllc anno. Se n maneira
por que estes priucipiol:i depois se c:ombinarau1, c
as f6rmas com as quacs cm o no\'o codigo poli-
tico se cstal>clccerarn, não eram as ma1s proprias
c adequadas fls circumstimci:lS, ás neccl-sidadcs
c aos habitas da nac;iio, em nada mancha esse êrro
a g16ria da revolução, nem diminue o credito de
prudencin c a' iso politico dos primeiros procla-
madores. (4)
Tomou-se no cacligo de 1822 por base da cona-
stituição a CJUC re.nl c ,·crdadciramcntc o era, foi
c é, o princípio d<'mocrat!cO. Mas, por uma rc-
acc;iio,-cxagcrada cc1 tamcutl', porém desculjJ:l"cl
300 PORTUGAL

pelos longos, pesadissimos c a·inda tam recentes


aggravos que a nação recebl!ra da aristocracia,-
absolutamente se eliminou de novo codigo poli·
tico o principio aristocratico, cuja modificação era
necessaria para cqüilibrar os elementos democra-
tico e monarchico, de que aquella constituição se
compunha. Este êrro, cujas causas principacs
foram essas, deu logar a que a democracia legal
degenerasse em demagogia illegal.
Sem appoio no elemento aristocratico, entregue
á mercê da omnipotente democracia, o principio
monarchico foi mal dotado, e mal constituido
n'aquelle codigo. Sem nenhuma acção sôbre a
democracia, porque nem veto nem direito de
dissolu~ãotinha o rei sôbre a camara unica e dc-
mocratica de que so constava a legislatura, a
coroa deixou de ser o fiel da balança do Estado :
isolada e desamparada no meio das massas dema-
gogicas, ella não podia, nem proteger a democra-
cia,qual é sua primeira institu'içâo,-nem conter a
aristocracia, a qual sem nexo ou interêsse algum
legal que a prendesse ao Estado, por necessaria
!'o A .UA l, .(o N«iA 1>,\ t:UJtOI'A. 301

reacção promovia a Jcstru'içno de um eystcma


que por odio a não tinha ndmittido, c por impo-
tencia c receio n não ousa,•a onniqüilar.
D'aqui a incongrucncia c imprnctibilidade do
codigo politico de 1822.

X.
(~tjcu..-r!Jo do lBZG.

A lei de 18'26, quC", proposta pdo rei c acccita


pelo povo, não precisa de licc;íio algumajuridica
para lcgitimnmenlc se potl~r dizer de commum
accôrdo feita c constituida pela uacjão c pelo );obe-
rano, al~m de ser a mais escrupulosamente legal em
sua origem, proclamação c estabelecimento, é tam-
bem a mais legitima dns tres (e aqui digo legítima
no verdadeiro sentido e não na irrisoria anli-
phrase da Sancta-nlliança) pela fiel cousen•ação
dos absolutos principios do direito natural e social.
pela prudente restaurnção das antigas base:; do
direito público portugucz, c finalmente pela
accertada combina<;ão d'estcs principies, c recta
propon;ão das fúrmas CJUC a ~ses principio:. fazem
~02 1'<> R 'l' l1G .\L

C~;taveis c os organizam para cqüililniu, onll.!m {'


harmonia da constituição do Estado
Tomada, como cm todas as outr.lS, a base de-
mocratica, est:tbclccido, como sempre, o prindpio
da representação popular, a constituição de 1826
admittiu o elemento aristocratico para modificar
c moderar a fôrça democratica, c moderar e am-
parar o principio monarchico, o qual :lSsim cons-
tituido, vem a ter acção affirmativa e negati\·a,
tanto sôbre a base geral da constituição, como
sôbre o elemento que a modifica. E por outro
lado, esse mesmo principio monarchico é de am-
bas as partes contrabalançado e contido pelos pro-
prios elementos que moJera e eqüilibra.
Ésta theoria da constituição de 1826 não pre-
cisa demonstração para se ver que é exacta. Fe-
lizmente todos os bons Portuguczes conhecem c
sab€m quasi de c6r a preciosa lei que os rC(:ons-
truiu em nação: c facil serã a (jUalqucr leitoro
convencer-se por seu proprio exame da cxacçfio
d'ésta doutrina.
NA llA 'I .ANÇA DA l:UltOPA. 303

XI.
Jkfcltos c omissõn dn constitu"içlo de 18~6.

Mas paraquc o cdilicio social nssentc sólido


sóbrc suas bases, c esteja regular em suas fórmas,
é necessario, além ,J',sso, que cm si tenha as ga-
rnntios de sua conser\'a~ão, c os remedias neccs-
sarios para seu rcpnro.
N'cste ponto, não so a antiga constitu'ic;ão tra-
dicional-cscripta de Portugal, c o codigo de 18Z2,
mas lambem n mais perfeita lei de 1826 é defec-
tiva c omissa .
Esscg defeitos c omissÕ<'s precisam ser omcnda·
dos n<Juelles c suppriJas í·stas. A mesma lei o
auctoriza,c determina o modo porque scdcYe fazer.
Estnmos nctualmentc cm proprio tempo de o
pensar, c l>rC\'C teremos a possil>ilidade de o fazer.
Cumpre cltamar a attcnção públicn pam os ob-
jectos principacs que n'estc ponto se de,·em
considerar, fixá-la nos mais proêminentes, c indi-
car, quanto cnda-um melhor intende, os mdos e
modos de o f:-.zcr com accl:rto.
Nenhuma ,(outrina (: tnm clara como a que na
304 I'ORTl1GAL

pràcticn se mostrou boa ; nenhuma regra ha tam


infallivcl para conhecer erros e defeitos, e o modo
de os emendar, como a expericocia alheia e pro-
pria, mas sôbrctudo a propria. Consultemos
essa experiencia; IIE'ja ella, sejam nossas desgra-
ças que nos ullumiem no recto caminho de a~
evitar.

XII.
Cum11ra ~lectlv11 1 dissoloçllo.

Disse, e ninguem negará, que a base de toda a


constitu'ição representativa, especialmente da por-
tugueza, eespccialissimamente da portugueza qual
a constitu'iu a Carta de 1826, ê o elemento demo·
cratico. Entra principalmente este elemento na
constitui~ão pela representação popular da camara
electiva. E um dos mais prudentes e accertados
meios de m o d i fi c a ç ã o que a mesma Carta
deu á coroa é o direito de di~lução d'aquella
camara. Este direito potêm, tam necessario, póde
ser exercido com abuso e para diverso fim do
que o C'stabeleceu a lei. E a lei é llfJUi defectiva,
JU B.AJ.&IC~ D& SV&O.A. ..

pois uma daa primeirue eaeeilda ,.,..tque


aquella lei at~eee, t\iuatar..U.. - . ~ ,..
meclio. Porêtn o remediodeft .r áHMiSBiiWiJ;

que bade maoter e c:oa.er•ar.


~lo ee p6de pot.laatQ:tínl'' --~
dieeoluc;io. Nem ee lbé. poél8ai p6r .,..,~JIII
poia quem _.la juiz cF.eUu, qae ~­
uo Eatado que podeaae ,.rbitnr ,...,.. • . . _. .
povo 1 Nlo -rea&a _ . . ••• aia n ffO& h
por q•• dialloluçio'._.ar~ ••ao ·
a c:amara electiwa • reM. t• •C&ã • tepll:afl) •

obrigaçlo que a .e direito eítt ••_.._.,_.._.•


••
PORTUGAl.

tituYção foi oiTemlida, e sun C}C istencia posta em


perigo.
Â!iSim o \'Ímos em 1S2S quando o infante. f>.
1\ligucl, valendo-se da falta tlt• rcrucdio com que a
ld fundamental o d<'ixa\'a infringi-la,<.le facto usou
so do direito c desprezou a obrigaljâO.
Não V<'jo que a este perigo se possa obstar sem
correr o ris<.-o da anarchia, senão declarando, em
11upplemento ao defeito da lei, que todas as ve-tes
•tue o rei dissolve a camara dos deputados sem
convocar 1\0 mesmo tempo, c pedirei mais, pelo
mesmo decreto outra nova, n dissolução da antiga
camara é nulla, os deputados reassumirão suas
procurações, e legalmente serão auctorizados a
resistir por si, e pela nação que representam, a
toda a ordem ou auctoridade ClUC os impetlir no
exercício de suas funcções.
Lisongeio-me que ésta minha indicação não
eera desprezada dos futuros representantes da
nação portugueza; c que a mesma nação conven-
cida de sua utilidade, ,antC'II, de sua absoluta ne-
cc,.sidadc, reclamará e exigirá a iucorpora<jãO
tl'clla lll lei fundamental do Esiado.

XIII.
Camarll h~reclitaria ,-iua (orm:.çio ,-luclcptndl'llCÍ ;-j'rt'!Í•
denci" .d'cllo.

O elemento aristocratico, que 1111 constitui<ião


portuguczn entra pant necess::ria modificação da
base democratica, não pôde cm nossas circum-
st!incias ser estabelecido de diOi?rcutc modo do
que a Carta de 18'2ü o instituút. Uma St'gunda
camara, uma c:unara de pares, de senadores, de
'lualquer nome IJUC mais 'lueiram clar-lhe, eo
pôde ser formada ou pelo modo hcreditario, ou
pela eleição popular, ou por escolha do rei,
Pnra mim (; evidente que no segundo caso a
camara somente seria uma segunda representação
da democracia, c de. nenhum modo elemento mo-
,lificati\'0 cl'clla; que no último ella seria dis-
t:ordante pêso na balau11u do Estado do Indo da
(.'Oroa, na qual tamanho direito assim fosse inves-
ti•lo. E não hesito portanto em a~scvcrar que
308 POilTUGAL

por qualquer d'estcs rlous modos o rectoeqüilibrio


da constituição ftea destruido. Nem ''ej_o que
haja outro meio algum raciona\·el e que mais se.
gure a independencia de uma segunda camara do
que a regra h e red i ta r i a que ronstitue os
parMieigoe. ea quasi-hereditaria que
constitue os rtat()l em "irtude de ojlicio, para os
pares ecdesiastico~. ou se necessario se julgar.
para quaesquer outros que por seu ernprêgo e não
por sua pessoa n'aquella camara devam ter as·
sento.
Para aquelles pares que o crime de alta trai·
t;ão não fulminou e cujas casas uão formam para
tam alta dignidade necestmrio e independente esta-
belecimento, é indispensavel que o Estado os dote
com sufficiente renda. ou arljudicando-lhes bens
nacionaes vagos por qualquer modo, ou dando·
lhes desdeja. e de juro e herdade, aquelles
fi•esses bens que em sua casa andllm á1 t:idal, para
n'ella tam longa e perpetuamente se conservarem
,·incularlos quanto dure a dignidade e officio de
par u't'Aiôa linha e ca5a.
Para a eecolba . . IJOY.,.....,_.,IF I IF-
lecer regru, que ohliai~. . . . . . . . . .
preroptia real.
Outro defeito Da Joi ~W.~
IDC!IIIUo c:amara ê attrib* ...................
•êmo a~o .._...,. . . . . . .... liiiC;
lideacia elo .............. · - .............
.... dipida- • tlim . , . . ,• .,. .. w....._
auctoridade, 'I• alo . . . . .. , .. .~•••
310 PIJRTtl!õA.L

ut'm era liqüido se podia ousar, ,leruitti-lu ele


suas funcções.
N'este ponto, com a experiencia doml:sti<:a que
nos mostrou o defeito, elevemos juntar a cxveri·
encia alheia que nos ensina o remedio. A presi-
dencia da camara doa pares não deve ser nem pr<>-
priamente hereditaria em virtude de direito pes·
soai, nem absolutamente da escolha não-qualifi-
cada do rei : nem de nenhum outro modo se
tle,·e constituYr, senão pelo que em Inglaterra e
n'outros paizes cm que o systema constitucional
por longa experiencia está bem conhecido e or-
ganizado. Este modo, que menos inconvenien-
tes do que nenhum outro olJerece, é o de dar a
presidencia da <:amara hereditaria ao o ff l c i o
c não á pessoa, a um cargo do Estado e não
a crdadão alguan por mais elevada que seja
sua jerarchia ou dignidade. Em Inglaterra é o
cbanceller mor do reioo que em virtude do aeu
oft1cio preside á camara dos pares. Por este
modo colldiccitma-s~ a nomeaejão da coroa, por-
que é o rei ~ue nomeia o chanc;elltr; mas o rei tem
de nomear para chanocller um mngistrndo ja
IJualiticado c l.'np:tz paro ns funcljÕes da alta ju·
tlicatura que exerce nos tribunaes. A IC!m d'is3o,
fica amovivcl 11 pessoa que l! i n certa, e i na·
lllovivcl a prcsidf•nda que é certa no encargo.
!'orquc não ha\'CIIIOS nó!' de scgu1r exemplo
'I"C tam bons <locunwntos traz?

(.;oroarnt munlcii"ICJ.-,\dminhtrnçãu.

O systcmn de a1lministraçiio, o qual compre-


hende o municipal, t~ que, {I excepção d'el:Otc ramo,
a Carta mandou conservar como se acha em
quanto por lei não fosse alterado, immediata~
mente precisa d'es:.a altcr.ujlio, porque sem ella
não podem ser cffccti\·as as outras disposições da
Carta, nem exercer-se como devem as attribuições
dos diversos podC!res constitucionaes.
As camaras municipacs erradamente teem sido
consideradas como corpos isolados do resto elo
!!\'<~tema. (6) Não o f:ão nem o podem Sl!r· Ellae
312 POKTUGAL

são a base do systema administrati\'o, em que o


auctoriuade da coroa, jn limitando, ja_ modifi-
cando o principio democratico da eleição po()u-
lar, se junta com elle, para formar, no int6-
rl!sse da popula~iio geral, um corpo organizado
que vigie na execu«;ão das leis, que as applique
cm seus pormenores, e faça npplicar ás peculia~
res circumstàncias de cada província e com-
marca e concelho, sem <:omtudo sahir da harn1o·
uia dos princípios uni\·ersaes que a lei geral es-
tabelece.
Os corpos municipacs não devem nem
podem portanto estar cm contacto immediato
com o govêrno: as linhas que os unissem seriam
mui longas e divergentes, e não poderiam servir
de sólido nexo. A expcricncia igualmente o
próva mais que muito. É neccssario pois que,
dividido o reino em regulares commarcas, em
cada-uma d'ellas haja um <'entro municipal e
administrativo, que formado JWia eleição dos
diversos municípios do mesmo círculo, ~Wja pre-
sidido por uma auctoridadc administrativa no-
meada pela coroa, a qual assim os centralizará
'\A DALA:SÇ.\ DA J.:UlWl'A, 313

entre !>i, c os communicará por uma so recta c


não·iutcrrompiua nem demasiado-longa linha, com
o govêruo, de quem não d('pcutlc nbRolutamcnte,
mas com quem deve estar ligado o aystema ad-
ministrativo, e o municipal que ê o mesmo.
Não ~ d'este lagar especi&car o modo por que
cm todas suu partes se deve organiur o 1yate;.
ma administrativo, e o como a fo~dae cama-
ras muoicipaea deve ser feita, paraque n'elle eil·
treo1 regularmente : aqui, bem como em muitos
outros pontos, SOU for~JadO por meus limites e Ob-

stlociada explicac;io.
O que vem ditto basta porém pan.
aoode a ueceesidade appe{ta. e o raldlíCt Clfl!lf
prompto. A cumula~o da _au~~~. .:~~

••
!li I .t'Oit'l'UC:A r.

XV.
Garn1.1i<l• da C::OII\Iil u"i\"iio.-Rtfonmos t h:.

Não basta porêm que a architcctura ~ocial s<:ia


perfeita, c Ml:lli fórmas 1 egularcs. É necessario
que o povo ame a constitu'ic;ão, c para que a ame,
a conhcc;a. f: nccc~sario mais, fJUC amando.a
porque a conhece, tenha meios dç a defender
quando atacada por trai(jãO doméstica ou invasão
estrangeira: c que os intcrêsscs individuacs de tal
modo fiquem dcpcndcnlCl> dos intcrêsses da nação,
c com ellcs ligados, que o povo saiba e sinta que
<JUaudo a constitu"ic;ão for atacada, cada-um dos
cidadão~ o é. D'c-stc modo a nac;ão toda defen-
derá até o derra1lciro alento suas instituições, c
nenhuma fôrça humana ns poderá de:.truir.
Varios meios estabelece a Carta como garantias
dos direitos imlivicluae:-, e que tambcm o são da
mesma con!'tituic;ão: mas n'cste artigo tambcm a
Jei não é bu:;tnnte explicita, c precisa declara-
';õcs que, ~>C não são ne<:cssarias á sua tssenâa,
são iudispcnsaveis para sua el istencia.

A Jibc~tladc da imprcu:,a é uma r\'éslas gnran-


tias: a publicil.lade dos processos, c os jural.los t>m
ambos os foros, com ella estão conncKos. A ins-
titu'ição com;ervadora da-; guardas nacionacs ou
civicas é igualmente ncc~:laria para consrrvuc.;ão
c cc1llilihrio ela constitui~no. Onclc a coroa tem
urn exército que a nação paga, é ncccss:uio <JIIC a
nação tenha um exército, a quem t:ão pague, por-
que é ela C8sellcia da fõrc.;a ch·ica que clla seja
voluntaria, mas do C]ttal possa clispor quando a
coroa, abusando de sua auctorídnclc ,·ohar contra
a nat;íio as baionetas que a nac;ão para sua defesa

sustenta.
316 PORTUGAL

a maior pnrle das portagens, c muitos dos tlr-


reitos de consummo que so affectam as classes
trabalhadoras, e bebem o suor do pobre sem dizi-
mar a substancia do ricco. Os juradO& e a publi-
cidade do mro. e a liberdade da imprensa intro-
duzirão ajustiça n06 tribunaes, e forçarão os ma-
gistradO& à rectidão, ha scculos desconhecidas dos
povos, e cuja volta ellf'S saberão appreciar como
beneficio do systema representativo.
A instrucfino pública, os melhoramentos das
colonias, a protecc;ão ao comml:rcio, a eman-
cipa-;ão da indústria, (9) e muitos outros melho-
ramentos necessarios virão com o tempo, e como
necessarias conseqiiencias, que hãode ser, das prin-
cipaes reformaR, e essenciaes ~arantias, sem as
quaes a constituic;ão não existirá senão de nome,
a liberdade sérâ nu lia, c a independencia nacional,
precaria e arriscada, em vez de ser um bem, serct
o flagello do povo.
N \ 11.\r•.~!'iÇA DA EUROPA . 317

XVI.
llbcrdadc da imprcmn.

Merecia a libcrdarlc da imprensa particular ca-


pitulo. ~í'ío tmctarci 1lc seu panegyrico, nem de
descrcçcr suas utilidades, nem de p~gar sua n~
ccssidadc: quem, entre nós, quem deixa de co-
nhecer tudo isto? Sem liberdade de imprensa,
no estado das nac;õcs modernas (10), no systema
representativo, não ha li!Jcrdade de nenhuma cs-
pecic.
E a emenda ou dcclarac;ão que mais precisa a
Carta é no § 3·l do artigo 145 cm que deixa ao
podê r Jcgi8lath·o, c até cm certos casos ao govêrno,
o direito de suspender as garantias da constitui-
c;ão.
D'ésta regra hadc rorçosamentc exceptuar-se
a liberdade da imprensa, sôbre a qual nenhum
pod~r do Estado deve ter acção alguma positiva
ou negatin, senão a auctoridade judiciaria caati-
gando os crimes dos que d'clla abusarem, mas de
nenhum modo reprimindo essa liberdade, que
nunca póc]c ~r cxccssi,·a, nem em si propria con-
.'l\8 PORTUGAL

ter crime ou nbu!'O: o CJU:tl !"O é 1lo indivlduo,


a quem as l<'is th·,·em punir, mas nunca ela cou!>:t
que ellns so tlc,·cm protPger porque dia as pro-
tege.
.
O exemplo da g r a n de na -; ã o, e nossas
proprill!! desgraça!! nos devem convencer de CJUC

sem libcr,lade de imprensa (cjurados para seus pro-


cessos) c sem guardas nacionacs (para a defende-
rem}, a liberdade l! chimcrica; c todas as instittü-
t;Õe!l, por mais livres que st:iam, cm ''cz de benefi-
cio, são uma cnlamidatle pública, um laço arma-
do ao patriotismo, um novo instrumento da-
elo ft opprcssão, um cscu,Jo traidor que so cobre os
inimigos da liberdade, e a seus amigos so esmaga.

XVII.
Segundo membro da altcrmuin : oRido t011t lltsptlliM.

Não presumo ter Jcscuberto todos os defi•itos


de no~ lei fundamental, nem achado todos os
remedi os que ellcs preci~am. A lêm de conhecer
muitos mais do que aqui enuncio, muitos outros
havern tambem que cu nílo nveutci. Mali parece-
me <1'-'c tO'JUCi no~ capitncs l~ cssenciaelo ponto., e
que, estes con:;cguidos, ou d'clle~> se denvnrão ou
por cllcs se conseguirão os outros.
Asqim C:>tahclccicla a liberdade, a liberdade serú
vcnlaclcira c real ; c com ésta condicc;iio não I.a
cJUC hesitar para os l'ortuguczcs ua opção du
propo~ta c forçosa altcrnati\'a, 'l'odus duremo~
u derradeiro S(lngue pela indcpcnrlcucia uaciona/.
1\las se a intriga cslmngt-ira ajuclada da trai'ião
doméstica prevalecerem, c nos tirarem a conclic-
c,ão si 11 c q u a u on clcno~sa inclcpcnclencia, uu
tlircctamctite detitru·índo a con!!tituic;íio, ou indi-
rectamente annullando·a cm SCII" cfTcitos, como
atcqui tcl'tn cougeguido ( ll); então reluctautcs e
forf1ndos, mas deliberadamente resolutos, so nos
resta lauçar mão do s c g u n d o m cm b r o da
alternativa, vnir-llor 710ra sempre a ]Jespaulw.
Aqui viria naturalmente o trnctar do modo e
condic':jÕCS com que a união dc,·c ser feita para
c1ue mcuos pesada c mais vantajosa nos seja. Ma::.
a esperança, u querida cspcrauc;a, que ainda nu-
trimos c allitgb.mos, ele que não scrctnos cou:>tr:m-
:120 l'OltTUGAL

gidos a essa extremidade, me arrC{Ia a pcama do


repugnante assumvto.
Praza a Deus que uão seJa necessario \·olvcr a
clle!
Mas se o for, se a oligarcbia nos obrigar a quei-
mar nos altares da liberdade o palladio da iode-
pendencia nacional, façamo'-lo com dignidade c
prudencia; nem sacrili(tucmos ele nossa glória c
nome antigo senão o que exactamente for indis-
pcnsavcl para evitar a servidão moderna.
Talvez uma f cd c r a 11 ã o.... Mas suspen-
damos [JOriJra todas as reflexões sôbrc este ob-
jecto.

CONCr.usÃo.

Aqui rematarei meu discurso: aqui fecharei o


m cm o r a n d u m p o I i ti c o onde ha cinco
;umoc; tenho consignado, como em roteiro de
mareante, oe canaes c os escolhos que os bordam,
os baixios c os phanaes 'Iuc d'cllcs avisam.
Nem sempre ac~:«.>rtaria, mas sempre desejei ac-
~crtar.
:-.A BALANÇA DA .UROPA. 3tl

Oxala que do si11cero livro alguma ulilid~tde


\'(~nha a C!'..~ patria cujo purlssimo amor, e zêlo
de sua glória, arcle no coração do auctor e no
mail! Intimo o dc,·orn!
Oxala que as honradas t·an!! do antigo Portu·
gal, se ja não é possi,·el rcmoçll-lo, \'Ívam ao
m<>nos cm houcsta e rt'Speitada velhi<.-e; nem por
impiedade tlc fi('US filhos o t'lt:arne'f:un desalma·
dO!I estrangeiro!! na seguncla inrancia da decre-
pitude, ekshomaelo dos seus, insultado de estra-
nho!!, desamparado de todos!
Pra7.a a Deus que todos, de um impulso, de
um accôrdo, ele simultauco c unido esforço, todos
os Portuguezes, sacrificadas opiniejes, esquecidos
oclios, perdoadas injúrias, ponhamos peito e met·
tnmos h ombros á di fficil mas não impossil·el tarefa
ele sal\'ar, tlc reconstituir a nossa perdida e des-
conjunctada patria,-dc re-cqüilibrar emfim
Portugal ua balança da Europa!
NOTAS Á SJ:C(',\0 I'JmiE!rl:\.

(I) 1'\lío tanl:~rá muito porém fJIIC hta úhima parte núo
reclame o primeiro IO!!:!r, e lh'o nilo cedamos nós.
(2) Trm-se mutlndo tle uomes em diversas epochas,
mas n pensaml'uto (• o mesmo.
(3) llli:!ardua vrm do grr!!;o o;..•)'O; p01.tro, e a;x.,
por/ir. pcdér de poucos, liga dos poul:os contra o~ muitos.
Aristocracia vt'lll de "'C"no~ nptimo, c "ea.,-o; polellcia,-
nurtoridadc cios melhores ou mais illustres do E~tado.
Quaudo n 11ristocracia dc!!rncra dt: sua institnrçào primi-
tiva, j.• ni'io (! ari tr,<:raC'ia mas oli~nrchia. Para evitar con-
fnsil.o de idcas c priucipios convem ter pre!;ente ésta dis-
tincçilo.
(4) Sismoml. Ilist. d~ rcpubliq. ital.; c Italy by
bdy .i\Jorgan.
(·'>) Exprcsslto de Voltaire Sieclc de Louis XIV.
(G) Y. HrlatOT. da commissíln de oonstit. dás côrtes de
Cadiz. Hobertson, 1/i~t. cf the rcirm of lhe Empcr.
Cltar/es V. c particulntmcntc o Stala oJ Europe etc.
(7} Du:ut . .i\un. do I l'fto, especialmente nas Chr011. ele
D. Duarte t /) . .11Jfa1lJO V.
(lij Robcrtson's .1/mtrico, Raynal llistoirc de~ décou-
<t"erlr3 et ltablis$cmcnts d~ EuropcerLS etc.
(9) ld. lbid.
(lO) Y. Hobcrts. Raynal etC'.
(li) Assim diz dos antigos Portuguezes o nosso Du:trtc
l\un. C/,ron. ele LJ. J~ffonso 11.
(12) Nunca a tamanho homl'm tamanha iujustiça se
fez. Basta ler os c;ommcntnrios de 1\lachian-1 sõbre Tito-
Livio pam se c.:onhC'ccr que o Príncipe foi cscripto debaixo
lSOTAs.
.'J~.t

sou Alexandre os princípios de razoada liberdade, até


que o gabinete de Vienna, com receios e terrores, o fez
mudar de planos e sentimentos, cuja realização se levada
a efteito, poderia ter dado a paz á Europa, es.o;."\ pa-z de
que tanto faliam os legítimo.,, c que nenhum d'elles sin-
ceramente deseja. fJuerern, par.t medrar seus planos, a
tranqüilidade do srpulchro, a paz do jazigo, aquelle es-
tado de inacçlto c torpor em que vi•em a cahir as nações
pela fôrça de inercia politic:a com qne sõbrc ellas pés."l o
fatal .tlatu '1"0, mais dcstru'idor da felicidade pública do
que o mais b.'lrbaro systema de tyrannia. Este favorito
systema austríaco prevaleceu no gabinr.te de S.-Peters-
bu~JO• e as espcrancas IJUe de Alexandre haviam coo·
cebtdo o; povos, se del'vanccernm.
(26) Fernando escrevia a llonaparlc de Valenet>y,
protestando co111ra as cõrtes c rcvolucionarios dP. He~
panha, que queriam tirar a coroa ao rei Joze p:lra lh'a
tornarem a dar a elle. Frederico chegou a maudar suas
trop<lS a combatrr com ns france1.as contra as nobres le-
giões de patriotas q•tl' o queriam libertar a cllc c á Prus-
sia. Veja o Jourr~al de I.ru Ca.,el, c" 1/istowe de la Gr.
.Armttc par Scgur.
(27) A côrte de Lisboa levou na sua fugida para o Brazil
tudo quanto dos <:off'res publicos se pôde raspar,e que juncto
com o particular thesouro do príncipe, formou a enorme
quantia de muitos milhões. D'csse mialheiro, que todos
os dias crescia, nin~uem mais viu real. Durante toda a
guerra da indepcndcncia os soccorros que do Brazil vie-
ram foi o limitado producto de uma subscripçito, do qual
inda assim, dizem que nem 8alaíra, nem chegára inteiro.
(28) ]~Irei de l'russia, ')UC foi um dos que mais pro-
metteu, quando rogado, mutto tempo depois. por sua pa-
lavra e desempenho, re;pondcu : '' Verdade é que pro-
mttli dar uma con.stiluição d Pruuia, 1n:11 quando, não
diue eu."
No emtanto nenhuma naçifo curope:1 tem mais preci~o
de boas institUições nacionaes, que sirvam de nexo t tam
desligados elementos politicas, éomo slo os que compocm
a l'ru.~ia, c que :mui~ mandO-OS ac;sim, rcforcc'll c lor
ue~1 ~or!tpacto seu cdilicto soci:tl, ~lo maneira que possll
rc;mtiT us rnnssas enormes de poder c fôrça que a abra
çam por seus angul<r.~, estabelecendo d'é.lta sorte barre'
ras c limites artificiaes onde n natureza foi escassa d'el;rf
les.
l~sta é doutriun, que ullo soffn' oppMição, dos maiA
ab:•lizndos estadi~a~. c íprc peb mn:~:ima p rtc é applrc
velno<J outros Estados h"Crm:~nic , c que p de u) .. uus tce
sido adoptada. "'
Se l~c do intcrêssc da lt.Ili:t, c ao resto da Europa
conviesse seu nt"lu.ll dcsrnt>mbrameuto cm p <1ucnos j
insignificantes Estados. esse mc,mo systcmn devtra ca<a
um d'clles ndiJ[Jtnr. !\las n llalia foi pela natureza fof'i"\
mada p•tra bJluartc dv fll('io-dt:l dl Euro11a; c exige e
cqüihbrio politico, a scgur,IIIÇ·• d;15 unçiks mcmlíona~
que uuida, uqpnizada em um gr:mdc c podcwso Estad
como j1 foi, (c com(l pódc ser) esteJa de scntiucll.t :i Jibe
d'ldc c indepcmlcnda do ~ul conlrn o v:mguarda rla c~
lição do ~vrtc, a o\ustria : bem como a Poloui.t c Cu
bndia devem, unidas tnmucm, defender u Euro~:~ do t
lo5SO nsiatico dn Russin, que com os SC\lS cos5acos, collf
suas colonias lllilit.art'S, com seus milhões de soldad•
ameaça todos os dins de devorar o Occidcutc.
Napolclio foi o maior talento nnl'lar d que se lc>mh
a historia; igual se jul.;ou nlgum tempo cu ingen
politico: inda mal que assim nü 1 era. :S 1 m r. o
tadi>ta hou\'era sido como foi c:~pitt'IO, thcrn, q em tu
pôde, nl;uma cousn feito Jl:lra a consulidaçrio do
meridional, cm que c trib:l\'a o seu t.xfo. .\ hali:J,
Hespanlta c Portugal slio os nlliados naturacs da J'rnnçç
SO cJia C ClJ<.'S hOU\CTtlm de dcf~ndcr SCU rcsenerador
cllc o tives,e c:i:Jo. Napoleão obrou a respeito das d
penínsulas o dtamctralmcntc OJipDSl>) de seus iutCJ
fez irrcconcilia\·cis inimÍ!r..)!; ondP. so fi i., alliados I
convinham : assim nt-cado por uma, desampara.
pela outra, sut'Ctnnbiu no podêr du :-\onc, 'u crrn
mente 'lui<~. lisonjear, 'l''e mo~> crr.~dJlllCutc dcJNl~ L
~OT.\:;,

tou destruir. e que so devera conter o sopcar, niio com n


fôrça physiro rlas b:~ionctas, rnas com a mor.tl da enc~ia
r liberdade dos povos, que nunca o houveram de trahir
como seus alliados legítimos, e seus gcneracs legitim(J.llos
vilmente fizeram.
(29) E essa era a signilica<jào que a tam gabada palavra
legitimidade parecia trazer comsigo; ordem le~;ítima,legal,
clue excluía toda arbitrariedade, e reprovava quanto acima
la lei, ou contra ella fosse. Hoje que a tcrminologi<l da
:-iaf•tta-alliança é melhor conhecida dos povos, veremos RC
se deixam outra \'CZ enganar tam miscravchncutc como ua
fatal cpocha rla p;eud~restauraçlio.
(30) Veja a nota 28.
(31) A Polonia, que a estupidez c crul'za dos priucipcs
europeus deixou assolar,dcstruú,c a final de\·orar da llussia,
cm a mais forte triuchcira da Europa contra a ambic;líu
dos Moscovitas. Qup a Prussia e Austria n'csse ptJliuCtJ
assassínio de uma naçllo conscntisS<!Ill c convies.~cm, de
nenhuma sorte t• para admirar, pois lcvnram quinluío no
roubo; mas quP as outras potencias o \·issem de sau,;uc
frio, c se contentassem, como a In;;latcrrn, de fazer notas
protcstatorias, C! absolutamente inexplicavcl. 1\cm ge-
nerosidade nem compaixiio são virtudes de :,rabinete, mas
o interêsse e s:~lvaçúo commurn são leis que o mais inseu-
sivcl diplomata i: obri"ondo a guardar ; c essa~ puniam pela
causa de infeliz. l'olunia. Ou me engano muito, on a Ure-
cia C$lá na mesma posição e circmnstâucias, c prov~wcl­
rncute a cspcm a mcsr111ssima sorte. I>'onde resulta, qtH)
os políticos do primeiro quartel d'cstc scculu uao s;Io
illfcrioTcs aos du derradeiro do passado.
(32) A illusoria constitutção, com que o gabiuctc de S.
l'etersburgo enganou os Polacos, como os llourbons
eng3narlio os Fran<:czcs.
(3d) Impotente Jl<lr:l todo o b(•m, plcui.,sima de atri-
llllições e alçada pat~t todo o mal, tal cm a rcgcncia de
Portugal.
(34) Lonl neresford volta\-a cm 1820 a Portugal inves-
tido pela côrte du lüo com m mesmos pod~res, c taut
NOTAS. 327

swltor de /;araço e cutcllo, como os que cnvÍi.l a Porta a


g.,vl!rnnr.c,)m ires r11urltu uma província do impr.rio eterno.
(:15) E im•g-dvcl que a revolução das colonias IJcspa-
uholas. comquanto motivada pclns gcraes c s:1uidas causas
da opprcsslío, vexames c cle~;ovhno da mlic-patraa, teve
com tudo por immcdiaL'l c ur~ente rousa a invasão c usur-
paçào da l'enin~uta pelos Francclc:;, como tecm mostrado o-;
escripto-; puiJiicados sôure a historia d'cstcs importantes
a<.:contecnnento•.
(36) \', Damilio de Goes, e Corogmphiu llra:ilica.
(37) l<obtrtson's .Amt:riCfl, Haynal etc.
(38 c 39) Y. Castriolo Lusila110 ele.
(40) Suppõe-se pela comuinaçilo de todos os com-
putos feitos até 1806, que n'cssc anno a populaçlio do
Hrazilnlio cxcerlia de 800,000 n~s e mul:ltos forros,
I ,500,000 escro\·os, 8 a 990,000 indígenas a Ideados;
total 3, 100,000 ; sendo apenas a quinta ou sexta parte
hrauc:os.
(li) De todos os defeitos e absurdos que compocm o
cabos infonne e rcluctante de nosso systerua de gov~!Th)
(fatal S)stema que plr:l. n~s conquistas transplantámos,
e que foi uma d::s graves cansJs que no' -las fizeram perder)
é a m:~is rcpugnautc c darnncs:t a m11rmlar,1o da auclori-
dade ntlministrativn com a judiciaria: e nlio so os magis-
trndos tcrritoriacs as c.xcerccm por estalida economJa do
~\·êrno, senlio tambem aos membros dos trabunacs por
monopolio 5C tem deferido. Em Portu;al o descmbar-
gadort'S encanam rios, abrem estradas, constnJCm pontes,
cxplon.lm miua.s. erigem hpspitacs, fornecem cxcrcitos,
ndministram a fazenda pública, c até na capit:tl exercem as
funct;ões municipacs,ef.uem postnras para lim(X'Z'l d:JS ruas
e ordem d.1 cidade! As côrte~ em 1822tinhlm provider.cia-
do n'essc dc~arraujo com o estabelecimento dos presidentes
electhos nas camarn~, com a instauração dos c.:ontadores
nas commarcas, e crea~üo dos administradores nas provín-
cias.- DO:JS cousas mut cssenciacs teriam feito muito parti-
daria da row;a constitucional; os jul20S publicos, c a ad-
ministraçlio &-parada tia justiça. Urna lei sóurc ordem de
:Hs :swr \S.

processo b.1St.wa plm a primeira, c um r~ul.tmcnto prO\i-


sorio do govêrno para a ~Cj;UIIU<I: Ires UIHIOS CJUe O [IOVO
se accostumassc a estes dous uens, que mais immcdiata,
mais sensivelmente lhe chegavam, fariam mais di!licil o rc-
tro!!radá.!o ós cnducidadf's do re-;imen nnti!,'O· Nenhum
motivo me inspira {...t 1s ol>scrvnçi,c.; alêm do desejo de que
se emendem para o futuro os erros do pas.>.ado. O piloto,
CJUC deu com a nau no bnixo conhcciclu, c que por acaso
e<.capou co:u 'ida, nlio de,·c rnvel",;ouhar-sc de marcar ua
carta o escolh!J traidor, pnrar1ue maior cautella lhe evite
a elle, ou a outros, a infclicidatll• do naufrngio.
(4 2 c 43).\ historia da du~gada da corte ao Rio-de-Jane i.
ro, c dos l:J :umos que 1:1 se demorou, formaria mais e.~­
candalos3 e1 vergonhosachroniea do que os mais repugnantes
<.-npitulos de Suctonio c Tacito.
So no artigo trihntos,pag:wa o Brazil ntelli dez vezes me-
nos; qu:mtu aos melhoramento..~. o que sahiu a lume foram,
cm Ilrojt·ctrJ os planos de D.Hodrigo, c cm c.recttção <>-~ pala-
cios dos Lou:~tos c as operaçim d(J Targini.
(44) O Brat.il deixou dl>SUC então de ser colonia de
l'ortugal : é ~cnndalosa a mit-fe dos Brazilciros que a'inda
hoje estlio repetindo o contrário.
i·15) Tal foi a verdadeira <.-nusa da fatal guerra de Ducnos
,\yrcs que tam funCSJa foi ao commércio porlugucz.
(46) As lanças de l'oniatowskl nilo comLattcram pelos
reis ; c com tudo uo fim da guerra ganhou pouco sim, mas
não perdeu a Polonia. Portanto os aggravos da ltalia e
das llcsp:tuhas não podem ser igualadÕs.
(4i) O mais poderoso inimigo de Bonaparte foi a consti-
tuiç!o de Cadiz; \\'cllington o proclamou: c todos os go-
vernos a reconheceram c npplaudiram na occasião do pe-
ri!:O, e depois todos procurarnm sua dcstruiçlio cm 1814
c 18.23. ~
(48) E inncguvcl ést.1. verdade: o govêrno arteiro con-
fundiu de proposito os homens honrados que profes.-;avam
essas opiniões, com os verdadeiros afrnncczados ~ e o povo
incauto os stigmatisou indistinctamcntca todos com o nome
de jucfJbirws.
NOTAS. 329

(4!l) :-;em uma so provisl!.o se fez n beneficio do com-


mércio de Portugal quando se abriram os portos do Brazil
as todas as nações.
(50) Um Inglcz commandava o exército; outro (o mi-
nistro residente cm Lisboa) era membro nato da r~nda
do reino.
(~1) Em Portugal a de 1817 abafada no sangue c fo-
gucrras do c:tmpo de Sanb Anna; cm Hesp:mha a de
Porlier, I.acy, Rtchard, etc.
(51) \'. o que no prolO<.;o se diz sôbre a preparação do
povo para a liiJerdade.
(53) Assim parecia entl!:o a Y:rança: bem se desaffron-
tou cita a;ora de quem n fazia tam malquista c desprezada
dos povos.
(.'i4) E aecus:uam de rcvolucionatio, jacobino c exal-
tado o systcrna que se peccou foi nos princípios, e cujo
~rro nc.s meios talvcl fo1 demasiada prndrncia ou timidez.
(55) Niío precisa por~m que 11 demoliçl1o do'! cdilicios
velhos esmague os desgraçados que tinham a infelicidade
de os habitnr. •
(56) Ahi menos se intcrcss.'lra a·incla o povo, c mais
f:tc1l fôra portanto a dcstruiçilo da liberdade.
(57) Na cí·lebre discusslio da camarn dos deputados de
França ú c~rca da lei de saerilegio, cm 13 de Abril de
182.5, é di~na de que todos a estudassem, a cloqücntc pc·
roraçilo de J\Ir. Bcrtin Dcvaux.
(58) i\'nquella cpochn nlio podia n imparcial justiça
desi;nâ-lo d'outro modo.
(59) \'. o que ao diante se dir. na seoçlio tere. cap. 1\'.

NOTAS Á SECCÃO SEGUND.\.

(I) Assim pede a justiça que se diga d'aquella camara


cm 1825-26 c parte de 27.
(2) Í~ notavcl ésta. confissão expressa no rclatorio do
UV
330 .SOT AS.

ministcrio l'ulignac, sôbre o qual se passaram os memor:t-


veis decretos de Julho d'este armo de 1830.
(3) Por se des\·iarem d'ést:llinha rnusarnm os ministros
hollandczes a actual rcvoluçio de Uel~ica.
(4) V. as f.'llla'l de ~ir James r.Iackintosh na sessào do
1 de Junho da c:uuara dos commun~, e a de Lord HoiJaftd
na de 19 do mesmo mcs da <:amara dos pares.
(5) V. b'clinburgh Revicu•do 2 ou 3 quartel de lS~O.
(6) Se jamai~ pôde ser legitimo um govêrno absoluto.
As rluas idros e as dU!Is palavras involvem contradicçãQ.
(7) Distinga-se entre aa virtudes prh-adas da dyn:ll.tia c
os crimes d•> (!OvÍ!rno.
(S) &tcs éapitulos foram, com elo~io que muito honrou
o auctor, traduúdos pC'lo Corutitllcionllcl de París, do Por-
tugucz de Lisboa.
(f>) EMe capítulo ja appareceu impresso cm o 1'\•. V
do C/ironista de Lisboa em I 827.
( 10) V. a nota da primeira secção.
( 11) Ou por i~norancia crassa ou por maldade resoluta
grande número de Brazildros parecem nilo conhecer ésta
verdade.
( 12) Rectifique, pelas definições da nota 3 da primeira
secção, l::;ta phnt~'C do gcnernl Foy.
( 13) E notavel que assim o confesse o proprio sesqüipt-
àal c bombastico discurso de Jozc Acurcio nas pretcndid:t.s
côrtes de Lisboa de 1828.
( 14) H vicc versa, os erros c excessos demagogicos
geram o despotismo.
(15) Quinze annos se manti\·eram os Bourbons cm
França ásombra da Carta de l.u"i~ X\'lll; e, o que mais é.
com essa mesma sombra amp3raram os dous ramos de sua
familia que em ambas as Penínsulas até o nome de Carta
proscreveram.
:iOT\S. 331

t'OT \S .\ SL:( C \o TEHCEIR \.


( 1) Tanln a~sim é, que para ter al~uma cstabilíd"dt! o
govl>rno do D. Joiio VI careceu de illudir at(• ao fim o par-
tido constitucional com esperanças de <:umprir tlln dia a
]Jalf1t•ra rral de \'illa-Franca.
(2) Os diplomatas inglez e francez. Thomton c l:lvde
de NeU\-ille fornm pela legitimidade premiados de seus ·le-
gítimos serviços com n prompta demísslio de seus rcspe<.ti-
~ go\-l!rnos !
(3) V. o opuseulo ultimnmente publicado por L\Jr.
Hydc de ~euville &êbre n qucstiio ponugucz:~.
(4} Protocollos de \'ieuna c Londres de 1827 e 1828.
(5) V. n nota 29 da primeira sccç:io.
(6) V. o que ~c diz cap. X\'1, sec. s g.
(7) V. La Ugitimité et lt Portllgal, rcveries d'un Portu-
gai~. 13ruxcllcs 1829.
(8) Falias do duque de \\' cllington, 1\lr. Pce1 c Lord
Aberdccn sôbrc a questão de Portugal, no parlamento
ing1ez.
(9) \', ;Manifesto doJ direitoJ tk S. J11. I·: a Senh<lra
D. Maria II etc. Londres 1829.
(lO) As )>31avras ambíguas d'este decreto mostram com-
tudo qual ('ta a fe c lealdade dos que cntlto rodc:l\-am D.
~MVL .
(11) V. Manifesto dos dircito.s etc.
( 12) Prcambolo do decreto de abdicaçllo condicciona1
de J), Pedro 1V em 1826, e de pura nbdicaçoo em
1828.
(13) V. NnnifeJto etc
(14) Ex prcs.~õcs de ~ir James Mackintosh na citada ~-
sito do parlamento.
(I~) Confissúo da!~ jomaes ministcrincs inglczes.
(16H'cliz exprc~lio d? Çourricr Jrat~ça!"· .
( 17) Rrbtorios do m1mstro dos nrgoc10s c.,tron~cuos
c do conde de \'i lia Real na camara do p:~re, cru Lis!>oo.
nasc aod(! JR2Ga 27.
332 NOT ,o\S.

(18 e 19) Para se contar a maioria d'uma Daf,ilo 6


preciso deduzir primeiro as massas inertes e nlo-pen-
IIIIDtea.
(20) Opiniões, e até partidoe.
(21) O aubrepticio chamamento de Iord Beresford para
commaudar o exército, e as indecentes proposições que
DO coOielbo de ministros t1e fizeram, e a mtentada relega-
çAo de honrado marquez de Valença que olo quiz aas~g­
nar o decreto de sua nomeaçlo,-o posterior manifesto
procedimemo do bispo de Vizeu e outroa mioislros- 1t,llo
deixam, ainda mal ! dúvida alguma d'éita llllei'Çio.
(22) lhpn!IIIO que se auribue ao ministro prussiauo.
(23) A lei do sêUo e a do cva de tltiAÍf'O' foram as uni-
caa qae pataram em ambas as camaru.
(24) Repetidas vezes se rogou, se instou com o minis-
terio que assistisse ás diacU816ea, e tractaase de ligar as
deauoidaa camaras. Oa doua jomaes liheraea, o Purtv.-
gvn. e o Chf'Oftúta tiveram em resposta uma prislo de tres
mflleS para seus redactorea.
(25) Decreto de 1827.
(26) Se em Portugal houvera liberdade de imprensa c
guardas oaciooaea desde o estabelecimento da Carta, esta-
ria hoje D. Mi.;uel sentado no throoo de Maria II ?
(21) O go~mo augmeotou de proposito o descontento
p6blicoparaque os que mais temiam D. Miguel e o abhor.
reciam, vissem com menos horror sua regencia como uma
mudan~a de coisas que parecia impossível podi:r ser
para peaor.
(28) Correapondencia de Sir Frederick Lamb nos pa-
peis appreseotados ao parlamento pelo ministerio inglez, e
macrtos no Manifuto doi direit01 dtJ S. M. F. etc.
(~) Próvas no Mo.taifuto etc.
(30) V. todos os jornaes inglezea e fmncezes do tempo.
(3J) O campelo 1nglez de D. Miguel tinha sido, pelo
IIIUfiiO preço, o campelo de D. Pedro IV e da Carta.
(32) Amda se nlo explicou a razio por que a juocta
do Porto n1o fez reünir l-sta guamiçlo a aeu exército.
(33) Quanto podia ésta forç3 voluntaria, assás o mos-
NOf,\!;, :JJ3

trou a victorin ela Ti!rccira, ganha, s~ndo n confissão do


proprio J!Cnernl, (1uasi unicatncntc por clla.
(:34) Por rnuito tempo se não quiz accrcditar nos
comclhoo de Lisboa, por p:trccer impossível, a tomada do
Porto.
(35) Cresce a atrocidade quando 6C pensa que os maio-
res ~:Celcrados silo todos os dias absolvidos nos uibuoacs
portll!!Uezcs, c que raro é o nnno que cm Portu63l se ve
executar a pena última por crime não-politico.
(3G) lbstava o terror geral püra tornar nulla aquclla as-
scmblea c todos os seus nt.1os.
(37) Nem do ccleiJrado folheto do visconde de Santa-
rem sôbre as antigas CÔrtCS Se copiou sendo O <JUe era Íll•
tciramentc [IUsurdo.

NOTAS À SECCÃO QUARTA •



(I) V. Manifcsln dos clireítos de S . .li. 1·: etc.
(2) Antes d'l'SSC titulo nenhum ~>obcrano o reconhe-
ceu.
(3) Que nlio excluem. V. ll1a11ifesto dos direitos de
S, ..li. L·: etc.
(4) Id.
(5) O duque d'Orlcans foi legitimamente eleito, porque
a dynastia anterior a si propria se excluiu da coroo.
(6) V. na pr6va 20 do Manifesto etc. o protocollo de
Londres de 12 de Janeiro de 182$, o qual subrepticia-
mente foi omittido pelos ministros inglezcs nos documen-
tos apprcsentados no parlamento.
(7) l\las podm ter ao menos acabado sem dcshonra e
vilipendio da nação.
(8) V. as cit. faltas de Palmerston, Mackintosh, Hol-
land, etc.
(9) Fazendo-sc a proporçilo devida da l'opulaçilo de
Portugal á dos outros paizes.
331 NOTAS.

(lO) Sem nu1bas nllo haveria verdadeira legitimidade,


porque urna depende da outra.
(li) Assás publicamente o confessaram os ministros
inglczcs, e pouco menos claro os de França c das outrao;
potencia~:.
( 12) Esse perigo fcliuncntc cessou desde Agosto de
1830.
(13) V. cit.llcveriud'vn Portvgai.r etc.
(14) E são os descendentes dos heroes de 1640!
(15) V. todas as historias novíssimas da Inglaterra, c os
papeis do tempo.
(16) V. Portugal Reltaurado do conde da Ericeyra.
Este manifesto dos Tres-estados, intitulado Balido$ dat
igrejcu portuguc:cu ao 8obera110 pcutor foi publicado em
1653.
(17) V. na cit. obra do conde da Erice}•ra como D.
Joil.o IV resoluto n srguir ja cnt~o a mesma doutrina que
de~is instaurou a Tc;tativa T!teologica, por medo da in.
qu•siçlío veio a desistir !
(18) lnrtlaterra com justn razlto se póde designar assim,
pelo que foi, mais do que pelo que é.
( 19 e !.:?0) As promes.~eas de Fernando VII em 1S 14 c
1823, c deJoúo VI cm 1823 foram as mesmas c com igual
tençlo feitas e cumpridas.
(:li) Se a nobreza, cm vez de se ligar para destruir o
systcma de 1820, se tivesse ligado p:tra o melhorar, teria
salvado a naçlto, c a si propria immortalizado.
(22) Com este engano foram surprehendidos alguns gc-
ncracs bespanhocs que tiveram a frnqueza de se fiar no
príncipe frnnccz.

NOTAS
.
A SF.CCÃO QUINTA.

(1} Este capilulo c o seguinte li>ram trnduzidos pelo


JOIIlal inglcz 'l'hc Star, COJU mais que ju•to louvor c elo·
g•o.
l\OT AS.

(2) V. Cartr1 cliriyich1 (10 conde d' .llbcrdcrn por llcn-


ri'lue Oallv Kni~ht, 182!).
(3) o~ l;rincipios inquisitoriacs nlio prevaleceram so-
mente nos paizcs cm que se estabeleceu o tribun:tl do
sa ncto-officio.
(5) O llill catbolico de 1829 tem sido attribuido por
muita t:cntc a perigosos c cncubcrtos fins. Que cllc lhes
pi!de dar Jogar, ulto padece dúvida.
(ti) \'. as últimas publicaçr,cs de Chatc:mbriand : o
.Memoirc ,; cofUUltt:r, c o requerimento á camara dos pares
por Montlosicr
(7) Bem ccgosscriio os flrancc7.es se confiarem nas de-
monstrações da nmiwdc com que pororn os embalam.
Nllo coufmriio.
(8) ~\ssim como os poi:tas por antiplll'ase dizem luccus
a tl011ltm:mlo, os oligarchas dizem lcyWmo o qne mais
exclue as lei~, a sua auctoridade se oppõc, c contra todo
o direito é.

~OT1\S }.. SEC'CÃO SEX'l't\.

(I) Principalmente se em Portugal se seguir o que o


auctor das c1t. Rcr·crics propõe cm seu novo opu<õCulo
d'~tc anno de 1830, sôbre n liberdade d'imprensa etc.
(2) V. Dclolmc, l\lontesquicn, lllakstonc, etc.
(3) V. ltfanifesto da nação portuguc:.a publicado em
1820-21.
( 4) O posterior procedimento de alguns f'tmgado.r nlo
o destroi tampouco.
(;,) Este princípio nlo é nO\O nem nascido na
!! r a n d c-se ma n a, como ironic:~mcnte se tem ditto,
mas tam antigo como a hbcrdadc SO<'Íal c as leis que a
regulam.
(6) A lei das coites de 1822, c n propost.'l na camara
de H!?6-27 mostram quam pouco c mal se concebe
amda <'ntrc nÓ3 o ~y~tcma ndumustrativo.
(7) T:mto no Portuguc: como no Cl.ronista re insistiu
r<-pctirlas ve7~ com o govêrno c com as camaras para-
que fizessem l-sta ncccssaria reforma: as camaras por(·m
nll'o intendiam, c o ~\'t•mo uem intendia nem flUCria.
O rclatorio do rnirnstro 1\lani~nac á camara dos depu-
tado<; de França sôbrc a orgaoizaçlio municipal etc, cm
1828, merece ser estudado como a mai~ cabal e esme-
rada ex posi~ito da ma teria que me p:~recc ha\·er.
(8) Prinetpnlmcntc o da defesa da Terceira cm 1829.
(9) A emancipaçlio da indústria nllo precisa senão que
se C'<C<:ute á risca c desde lo;o o §. 23 do an. 145
da Carta, dando por abro,:;.tdos, c fazendo de facto cessar
todos os regimentos absurdos de fábricas, provedores, pri-
vilcgios, mesas de officios etc.; e não como em 1820-23,
e cm 1826-28 se fi'Z, quando o mini,terio deshoncsta-
mcntc violava n constitu'içlo sustentando leis c magistra-
turas que clla abolia, c que nlto precisavam nem haviam
de ser <;nbstitu'idas.
(10) 1\. imprensa é para as modernas nações repro-
!;entadas, o que os Rostros eram para os antigos comi-
cios.
(11) V. nota lJ d'ésta sccçtio. f:.stc é o abuso do go-
vêrno portu~ucz que a naçlio mais deve estar prevenida
para nilo tolerar de modo alg•rm. U'aqui vieram quasi
todas as nossas desgraças.
l NDICE.
A• .SAÇÃO PORTUG\IEZA..... • • • • • • • • • • • • • • • • P.AO . v
PROLOGO • • • , , , , , • , • , , •• , , , , • • • , • , , , ••••••• , ÍX

1:-JTRODUCÇÃO ••• • ••• • • . . . . . . ....... •. • • .. • • • • 1

SECÇ30 PRIMEIRA:
Balança da J:uropa.- -0 CJIIC era l 'ortugnl na antiga
blllançl\ da Europr• - DC!Icqüilibrnda ena antiga
balauça pelo nctnnl movirul'nto da civilização, o que
deve acr l'ortugnl n11 nova ordem de coisa8.-llóntu-
rc:ta ela crite <JUC truUJ~;C n no\ a orclem de coiaas.-
Cauaa" d'é•tll crise, uddíontamento da civilização--
Dcducçllo rPJ>Ídl\ dos l'rog rc&toe <J!IC fc:t c c&~orvos
que encontrou n civillzaçl\o d<'Bde C11r los l' e des-
cubcrtu do Atucrica, ntll o l'rimriro quartel d'cato
aeculo cm que pareceu vencida pelo ephemcro td-
ümpbo da allinnça d~nominada eancta •• •• •• ••• ,, , õ

SECÇÃO SEGU:'\D,\ :
T..stncJO do mundo c:hllizado DOI 611.1 do primeiro
quartel d'este accnlo.-Dinolvc.sc a unctn-allian-
ça. Alguns 10obcran011 transigem com oa pot'O&.-
<n que o o!lo faxcm, jn nno obram com a nntip
fbrça da uoiiío.-locrucotn vic:torb da drilizaç5o.. 64

SECÇÃO TERCEIRA:
Portug~~\ aos fio' do primeiro c principias do ae-
gondo quartel do XJX ~oeculo ~na importaoda
moral o'ésta (}>ocbn,-llistoria da Carta JlOriD·
gunn, dc:sclc qoc foi promcttida em \'illa-Fraot'l)
em Juobo de 1823 .............. . .... .. .... • . .. . 12-l
l'X
l:lfD f CE.

SF.CÇAO QUAJtTA:
:-nicidio da l.cgitimidaclc.-lnjostiça c mâ.fe dos
govrrnos da Europa na qucstiio de J>ortnz;ll-Jn.
flucncia que IM"c, e resultado .. que hadc tl'r, na
caula elo' pol"os conlrn os tymnnl>'!. • ••••.•. I' \C. li-7
SECÇÃO QUINTA:
C:omplcto o sncJifido ele Portugal, quasi feito o da
Greci~, prcptnt·HC o da França. Suicidada a legiti·
midlldl·, triumpha mcmcntauearncntc a oligarchia, e
tcntu progredir oa victoria. \-cto russo. Rcacçio
da upiullio europcn.- Deh·rwioa 11 li~ oligarcbica
ctfcrrccr hntnlha l'ilffi}llll (l civilizaçlio.-0 Water-
loo do• po\·ua.-Conscqi!t.-nriaa da ,·ictoria de Paris. 24:>
SF.CÇÃO SRX'I"A:

llt•l'ul•itulaç1io.-O «JIIC pb<le c o que deve ser Por-


tugal 1111 uu\n balança da Europn.- Alternnth·a em
quu tc•m '''' <~piar: uu indcpcnd<'nda com Hrtlatlei-
ra lihcrdoclr, un união eorn lll'tpauha.-Como lhe
f"t>ttvcnt 1t primeiro; coAoo a a<'gunda -Da união
l."Otn II N!!J•nubu.-<Àutlull;•o •...• ...... ... ..... .. . 27V

NOTAS
A' &ccçi!o primeira.. • . . • • • • ... • . • • • • • • • • • . • • • • 322
A' •ccçlio segunda ......... . .... . ...... . .. . .... 329
/\' •ccçiio terceira... . ... . ... • • • • • • • • • • • .• • . • • • • 331
A' accç:to qo:utu ..................... . ........ 333
A' t~ccçlío quinta ..... . ......... . .............. 334
A accçao •e.xtil ...... , .......... . .............. 33r.

J-11\(,
LIUtAT'I.
I AO, ll'-11.
30,
3!:,
54,
lll
18
1
Ct..tscar
com as
nblistar-60
..,.
LEIA busc:tr
comoll5
nlllltar·SC
4 (!'>G) (bZ)
Gl,
?ti, 2 libcrdac ," liberdade
G }.:.tadll da rtligiáD BISQll&
81, poderosa
O!l, 12 poderu LEIA
21:,, u ( ) ,, (.13)
270, G mullo , nullo
26, 27 e 28 27,28 c 2!)
272, f!
"
aiOSAU DE tiOTAS QUE &E :DEV&l\1 III&CAR.

PAO. Lltl.
li, J.l
16:!, li
161, 12
207, 20
OutrO!! erros menos notnvcis, como defeito• ortho;raphicos
etc, facilmente corrigirú o leitor.

lmpre'w p r R. Gnauu,AW, S9, Chlcllntrr 'Place,Kiog's Cro.r.s.

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