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I – A empresa e o empresário
1) A Constituição económica p. 37
Entre estas garantias assume posição cimeira a liberdade económica, entendida como a
liberdade de exercício de atividades económicas e que conceptualmente se desdobra em várias
concretizações jurídicas, como sejam:
O quadro constitucional consta fundamentalmente dos arts.º 80.º e seguintes da CRP, do qual
se extrai as duas vertentes daquele direito: a liberdade de iniciar uma atividade
económica(direito à empresa, liberdade de criação de empresas) e a liberdade de gestão e
atividade da empresa (liberdade de empresa, liberdade de empresário). – Art.º 80.º, al. c);
82.º, n.º 2; e 86.º da CRP.
Numerosos textos referem-se à empresa sob o perfil da pessoa que exerce uma
atividade económica de produção ou distribuição de bens ou serviços, reduzindo-a,
portanto, à própria pessoa daquele que organiza e conduz a atividade, suportando o
respetivo risco. Aliás, a única nota distintiva da empresa, nesta aceção, em relação ao
empresário, poderá detetar-se na ideia de que o suporte real do risco não é o
empresário, mas sim o património que ele integra na unidade empresarial.
O temo empresa é, por vezes, utilizado para significar a atividade económica exercida
pelo empresário de forma profissional e organizada, com vista à realização de fins de
produção ou troca de bens e serviços.
Tem sido entendido que o art.º 230.º CCom consagra a noção subjetiva da empresa a
par de uma conceção de atividade, ou seja, de um conjunto ou massa de atos entre si
coordenados para a realização de certo escopo, correspondente a um certo ramo da
vida económica. Neste sentido, são comerciais as empresas – atividades – enumeradas
nos vários números do art.º 230.º, com as ressalvas consignadas nos seus próprios
parágrafos; e, ainda, as indicadas em outras disposições de leis comerciais
extravagantes; bem como as que resultem de interpretação extensiva ou aplicação
analógica dos vários números do art.º 230.º.
As sociedades comerciais são comerciantes natos e não carecem, para adquirirem essa
qualidade, de exercer efetivamente o comércio. Pode, por isso, conceber-se que não
tenham um estabelecimento, ou seja, uma organização adstrita à atividade mercantil, por
ainda não a terem iniciado, ou por terem alienado o seu estabelecimento e ainda não
terem montado outro.
Quanto aos comerciantes em nome individual, afigura-se-nos que não é possível que
mantenham essa qualidade sem terem um estabelecimento. É que só é comerciante
individual quem exerce profissionalmente o comércio. Se cessa de o exercer, perde a
qualidade de comerciante. Logo, enquanto for comerciante e para o ser, o empresário
individual necessita de ter um estabelecimento.
1. Elementos corpóreos:
Nesta categoria devem considerar-se as mercadorias, que são bens móveis
destinados a ser vendidos, compreendendo as matérias primas (destinadas a
serem trabalhadas em atividades produtivas de caráter industrial), os produtos
semiacabados e os produtos acabados.
Incluem-se também as máquinas e os utensílios, ou seja, a maquinaria, os
veículos e os instrumentos destinados a serem diretamente utilizados nas
tarefas do estabelecimento.
Abrangem-se ainda outros bens móveis: os que constituem a mobília das
instalações, os que se destinam a locação e quaisquer outros materiais
necessários para a atividade normal do estabelecimento. Entre eles conta-se o
bem fungível e indispensável por excelência: o dinheiro em caixa.
Além disso, faz também parte do estabelecimento o imóvel onde se situem as
instalações, quando o seu dono seja o comerciante, pois se não o for, apenas
integrará o estabelecimento o direito ao respetivo uso.
2. Elementos incorpóreos:
Aqui deveremos considerar os direitos, resultantes de contrato ou de outras
fontes que dizem respeito à vida do estabelecimento. São nomeadamente:
- O direito ao arrendamento ou resultante de comodato do imóvel ou
imóveis destinados às instalações;
- Os direitos reais de gozo (usufruto de um imóvel);
- Os créditos resultantes de vendas, empréstimos, locações;
- Os direitos resultantes de certos contratos estritamente relacionados
com a esfera de atividade mercantil, como o de agência, o de distribuição, o de
concessão, o de ‘franchising’, os contratos de edição e de autorização de
produção fonográfica e videográfica;
- Os direitos emergentes dos contratos de trabalho e de prestação de
serviços com os colaboradores do comerciante no estabelecimento;
- Em especial, os direitos de propriedade industrial
São também elementos incorpóreos do estabelecimento as obrigações do
comerciante e a ele relativas, quer o ser passivo, ou seja, as dívidas resultantes
da atividade comercial, quer as demais obrigações que formam o correspetivo
ou a face oposta dos direitos dos tipos acima mencionados.
3. A clientela:
A clientela é simultaneamente uma certeza e uma virtualidade: há uma
clientela certa que resulta das relações contratuais com alguma estabilidade,
ou quando a própria natureza da atividade assegura que os clientes renovarão
as suas encomendas; e há uma clientela virtual, correspondente às
expectativas ou possibilidades de que novos clientes se dirijam à empresa.
Existe um direito à clientela quando assenta em contratos de fornecimento, ou
quando resulta de cláusulas de proteção específica (cláusulas de não-
estabelecimento ou de não-concorrência), consagradas em contratos de
trespasse ou cessão de exploração.
Entende-se geralmente que o alienante ou locador de um estabelecimento fica
obrigado a não exercer uma atividade idêntica 1 em termos que o levem a
manter ou recuperar a clientela do estabelecimento alienado.
Assim, existe uma cláusula implícita (o que significa que não é necessário
estipulá-la concretamente para que o dever jurídico respetivo se deva entender
assumido) de não-concorrência nos contratos de alienação e de cessão de
exploração – a captação de clientela do estabelecimento pelo alienante ou
locador constituirá uma concorrência ilícita.
As teorias da universalidade e da coisa imaterial devem ser conjugadas, visto que cada uma
delas corresponde a uma face da mesma moeda, ambas se implicando mutuamente. O
estabelecimento é um conjunto unificado de elementos corpóreos, incorpóreos, de direito
e de facto, mas que no conjunto forma uma universalidade de direito, uma vez que a
ordem jurídica trata como uma coisa unitária, objeto de direitos e relações jurídicas
distintos dos que incidem sobre os respetivos componentes, individualmente
considerados.
O EIRL pode ser alienado por ato gratuito ou oneroso inter vivos e também mortis causa
(art.º 23.º), objeto de locação, usufruto ou penhor (art.º 21.º), bem como objeto de
penhora2 em execução contra o seu titular (art.º 22.º).
Assim, a transmissão do EIRL implica a transferência para o novo titular das próprias
dívidas geradas na atividade do estabelecimento, como elementos que são do seu passivo.
O usufrutuário deve não alterar a forma ou substância da coisa usufruída (art.º 1439.º CC).
Tal implica a obrigação em manter o estabelecimento em adequado grau de
funcionamento, por forma que a universalidade e a sua aptidão lucrativa (aviamento) se
mantenham.
7) O Trespasse
Diz-se trespasse todo e qualquer negócio pelo qual seja transmitido definitivamente inter
vivos um estabelecimento comercial, como unidade. O alienante diz-se trespassante, o
adquirente é o trespassário.
O essencial, para que haja trespasse, é que o estabelecimento seja alienado como um todo
unitário, abrangendo a globalidade dos elementos que o integram (art.º 1112.º, n.º 2, al. a)
CC).
O art.º 1112.º, n.º 2, alínea b) traduz um corolário da ideia subjacente a todo o preceito, de
que o trespasse implica a transmissão de um direito unitário sobre o estabelecimento:
porque este é alienado como um todo é que o legislador afasta a concretização de
trespasse se o adquirente passa a explorar no mesmo local um outro ramo de comércio ou
industria.
2 Esta penhorabilidade do EIRL, como um todo, para a satisfação das dívidas do comerciante estranhas à
atividade do estabelecimento não prejudica o facto de haver uma autonomia patrimonial. O que
responde por essas dívidas é o bem unitário EIRL e não cada um dos bens integrantes do respetivo
acervo patrimonial.
3 Ao direito de preferência em questão aplica-se o art.º 416.º a 418.º e 1410.º CC.
Relativamente à transmissão das dívidas, haverá que respeitar, para que se transmitam as
dívidas, a exigência da concordância do credor de cada uma, como resulta do disposto dos
artigos 595.º e 596.º do CC.
O objeto da cessão de exploração não é o imóvel em si, mas sim o estabelecimento como
um bem unitário, compreendendo a globalidade dos elementos que o integram e a sua
destinação ao prosseguimento de uma dada atividade mercantil.
A locação de estabelecimento está atualmente sujeita a forma escrita (art.º 1112.º, n.º 3 ex
vi art.º 1109.º, n.º 1 CC). A eficácia perante o senhorio da cedência temporária da posição
A organização dos centros comerciais deu origem à complexa discussão sobre a natureza
jurídica dos contratos celebrados entre a entidade gestora de cada centro comercial e os
comerciantes lojistas, pelos quais aquela faculta a cada um destes a utilização de um
espaço físico para nele instalar o seu estabelecimento.
Este contrato não pode ser de cessão de exploração, porque nesse é pressuposto preexistir
ao contrato um estabelecimento, mesmo que ainda não em exploração, mas não pode ser
utilizado para a mera cedência do uso de um espaço físico desprovido de elementos
minimamente caraterizadores de uma organização empresarial.
Esse relacionamento jurídico deve ser concebido como um contrato atípico ou inominado,
cuja origem jurídica não está diretamente traçada na lei, sem que se possa considerar um
contrato de arrendamento comercial, ou uma cessão de exploração de estabelecimento
comercial ou um contrato misto, e cuja regulamentação se encontra em primeiro lugar nas
suas próprias cláusulas, depois nas disposições gerais e, finalmente, nas normas da figura
típica mais próxima.
10) O comerciante:
O art.º 18.º CCom define as chamadas obrigações especiais dos comerciantes que, sem
esgotarem os deveres profissionais dos comerciantes, têm a peculiar importância de
definirem um estatuto jurídico-comercial da profissão mercantil.
i. Firma:
Todavia, na generalidade dos sistemas jurídicos que adotam este conceito, permite-se,
por motivos pragmáticos – conservação da clientela pelo adquirente de
estabelecimento – que, em certas condições, a firma seja também transmitida.
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3. O princípio da licitude:
É proibida a inclusão nas firmas de expressões ofensivas da moral ou dos bons
costumes (…) – art.º 32.º, n.º 4, al. b) a d) Reg-RNPC, e art.º 10.º, n.º 5, al. b) CSC.
4. O princípio da novidade:
Art.º 33.º, n.º 1 Reg-RNPC. E o n.º 2 desse artigo explicita os elementos a ter em
conta para apurar tal distinção e suscetibilidade de confusão ou erro (tipo de
pessoa, domicílio ou sede, afinidade ou proximidade das suas atividades e o
âmbito territorial destas).
O princípio da novidade destina-se a assegurar a função identificadora das firmas,
permitindo a fácil identificação por terceiros. É necessário que a nova firma não
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seja confundível com uma firma anterior, quando encaradas ambas de modo
global.
O critério a utilizar para apurar esta inconfundibilidade é o da referência ao homem
médio, se uma firma pode ser confundida com outra.
Por exemplo: podem dois comerciantes em nome individual ter firmas mistas das
quais constem nomes civis idênticos, desde que sejam diferentes as atividades que
exercem. E podem duas sociedades do mesmo tipo ter denominações sociais com
siglas ou expressões de fantasia iguais ou confundíveis, desde que tenham por
objeto atividades distintas.
O princípio da novidade confere ao titular da firma um direito exclusivo ao seu uso
num determinado âmbito territorial de proteção (art.º 35.º, n.º 1 Reg-RNPC).
A emissão pelo RNPC de um certificado de admissibilidade de uma firma não é um
ato constitutivo do direito exclusivo ao uso da firma. Tal certificado constitui uma
mera presunção de exclusividade (art.º 35.º, n.º 2 Reg-RNPC)
5. O princípio da unidade:
A cada comerciante só pode caber uma única firma. Isto mesmo que ele explore
várias atividades comerciais, num ou em vários estabelecimentos. Exceção: se o
comerciante possuir simultaneamente um EIRL e um ou mais estabelecimentos
tradicionais, terá de usar duas firmas distintas.
O direito à firma acha-se tutelado pelo art.º 62.º Reg-RNPC. O comerciante cuja firma registada
(art.º 3.º Reg-RNPC) for indevidamente usada por outrem tem o direito de:
- Pedir que o autor do uso ilícito seja proibido de usá-la, e isto independentemente de
tal uso causar ou não dano ao titular. Pode pedir ao tribunal que comine ao abusador uma
sanção pecuniária compulsória para o caso de aquele não respeitar a proibição (art.º 829.º-A
CC);
- Pedir uma indemnização por perdas e danos, se os sofreu, nos termos gerais da
responsabilidade civil por atos ilícitos (art.º 483.º e ss CC)
A sua finalidade consiste em dar publicidade à situação jurídica dos comerciantes individuais,
das sociedades comerciais, das sociedades civis sob forma comercial e dos EIRL, tendo em vista
a segurança do comércio jurídico (art.º 1.º, n.º 1 CRC).
O registo comercial é feito por transcrição, que consiste na extração dos elementos que
definem a situação das entidades sujeitas a registo constantes dos documentos apresentados
(art.º 53.º-A, n.º 2 CRC) e compreende a matrícula das entidades sujeiras a registo, e as
inscrições anotações e averbamentos dos factos a elas respeitantes (art.º 55.º, n.º 1 CRC).
O registo comercial é condição de eficácia contra terceiros dos factos a ele sujeitos. No que
concerne às sociedades comerciais, a eficácia do registo tem efeito constitutivo: elas só existem
e têm personalidade jurídica a partir do registo (art.º 5.º CSC).
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O art.º 13.º, n.º 1 do CCom só abrange pessoas físicas, usualmente denominados por
comerciantes em nome individual. A matrícula não é condição nem necessária, nem suficiente,
para a aquisição da qualidade de comerciante. Para os comerciantes em nome individual a
matrícula é uma presunção júris tantum da qualidade de comerciante.
Para as sociedades comerciais prevalece o art.º 5.º CSC, segundo o qual as sociedades
comerciais existem como tais a partir da data do registo definitivo do contrato pela qual se
constituem. – o registo tem eficácia constitutiva da própria sociedade. Consequentemente, a
matrícula das sociedades comerciais é condição necessária da qualidade de comerciante de
tais sociedades, uma vez que estão são comerciantes natos e, por isso mesmo, adquirem a
qualidade de comerciante mercê da sua constituição.
i. Personalidade jurídica:
Suscetibilidade de ser sujeito de direitos e obrigações (66.º CC)
ii. Capacidade comercial:
Constitui a medida dos direitos e obrigações de que uma pessoa é suscetível de ser
sujeito (art.º 67.º CC) e que a doutrina distingue entre capacidade de gozo (medida
dos direitos e obrigações de que o sujeito é suscetível de ser titular) e capacidade
de exercício (idoneidade para praticar pessoal e livremente atos de constituição,
modificação, exercício e extinção de direitos e obrigações).
Não é permitido direta e pessoalmente aos incapazes, mas pode ser realizado
pelos seus representantes em nome e por conta daqueles. Isto desde que os
representantes obtenham a autorização judicial eventualmente necessária, face
aos art.º 1889.º e 1938.º CC.
iii. Exercício profissional do comércio:
O art.º 13.º, n.º 1 CCom exige, para a aquisição da qualidade de comerciante em nome
individual, a prática de atos de comércio e que se faça deste profissão – o exercício
profissional do comércio.
Exige-se a prática regular, habitual, sistemática de atos de comércio objetivos,
absolutos, substancialmente comerciais e causais.
Deve exercer a atividade mercantil (uma das contempladas no art.º 230.º CCom) como
modo de vida.
É indispensável que a profissão de comerciante seja exercida de modo pessoal,
independente e autónomo, isto é, em nome próprio sem subordinação a outrem. Se
alguém atua como representante de outrem, mesmo que a atividade exercida seja
profissional e mercantil, não haverá aquisição da qualidade de comerciante, porque os
atos praticados reportam-se e inserem-se na esfera jurídica do representado.
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15) O empresário pessoa casada: responsabilidade dos bens dos cônjuges por dívidas
comerciais:
Qualquer dos cônjuges tem legitimidade para contrair dívidas sem o consentimento do
outro (art.º 1690.º, n.º 1 CC). O art.º 1691.º enuncia quais as dívidas da responsabilidade
de ambos os cônjuges, pelas quais respondem os bens comuns do casal e, na sua falta ou
insuficiência, solidariamente, os bens próprios de ambos os cônjuges (art.º 1695.º).
Quando o casal se sujeita a qualquer regime de bens que não seja o da separação serão da
responsabilidade de ambos os cônjuges as dívidas contraídas por qualquer deles no
exercício do comércio (art.º 1691.º, n.º 1, al. d) CC). O legislador teve manifestamente em
vista, com este regime, proteger a atividade comercial, reforçando a garantia patrimonial
dos credores comerciais, através do alargamento dos bens que respondem pelas dívidas e,
assim, dando ao cônjuge comerciante maiores probabilidades de obter crédito.
Após isso, só se o credor fizer prova de que, apesar disso, do ato gerador da dívida resultou
proveito comum do casal é que poderá responsabilizar ambos os cônjuges, mas então sê-
lo-á ao abrigo da alínea c), e não da alínea d) do n.º 1 do art.º 1691.º CC.
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