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UT PALLASMAA SaaS Le [e) Tradugao e revisao técnica: Alexandre Salvaterra Preparagao de texto: Solange Monaco Revisao de texto: Adriana Cerello Ilustragao da capa: Rafamateo Qualquer forma de reprodugao, distribuigao, comunicagao publica ou transformagao desta obra s6 pode ser realizada com a autorizagao expressa de seus titulares, salvo excecao prevista pela lei. Caso seja necessario reproduzir algum trecho desta obra, seja por meio de fotocopia, digitalizacao ou transcrigao, entrar em contato com a Editora. A Editora nao se pronuncia, expressa ou implicitamente, a respeito da acuidade das informagées contidas neste livro e nao assume qualquer responsabilidade legal em caso de erros ou omissées. © da tradugao: Alexandre Salvaterra © dos textos: Juhani Pallasmaa para a edi¢do em portugués: © Editorial Gustavo Gili, SL, Barcelona, 2018 Impresso na Espanha ISBN: 978-85-8452-126-5 Depésito legal: B. 1979-2018 Dados Internacionais de Catalogacao na Publicacao (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) a Pallasmaa, Juhani Esséncias / Juhani Pallasmaa ; tradugao de Alexandre Salvaterra. -- Sao Paulo : Gustavo Gili, 2018, Titulo original: Esséncias ISBN 978-85-8452-126-5 1. Arquitetura 2. Arquitetura - Ensaios 3. Arquitetura - Filosofia |. Titulo. 18-12092 CDD-720 sce te indices para catélogo sistematico: 1.Arquitetura 720 SUMARIO 1 39 65 97 123 PREFACIO ESPACO, LUGAR, MEMORIA E IMAGINACAO MATERIA, TATILIDADE E TEMPO APRENDER E DESAPRENDER A ARQUITETURA COMO EXPERIENCIA FONTE DOS TEXTOS A ARQUITETURA COMO EXPERIENCIA A FUSAO ENTRE O MUNDO E A IDENTIDADE PESSOAL 2017 Ateoria, o ensino e a pratica modernas da arquitetura tém considerado essa arte como a criacao de estrutu- ras materiais e espacos idealizados e estetizados de modo visual, e estudado, acima de tudo, suas carac- teristicas historicas, funcionais, técnicas e formais. As analises tém focado as obras de arquitetura como objetos fisicos e espacgos e suas caracteristicas geo- métricas e compositivas, bem como a representacao dessas propriedades nos desenhos. A arquitetura nao possui uma teoria completa e independente, e o ponto de vista e o método de suas pesquisas geralmente tém sido tomados emprestados de outras disciplinas, de acordo com modismos e interesses instaveis. Muitas vezes, a aplicabilidade das estruturas tedricas esco- lhidas vem sendo extremamente questionavel na rea- lidade especifica da arquitetura. Aarquitetura e os critérios cientificos Ja neste inicio de minha apresentagao, me arrisco a questionar sobre a viabilidade de uma teoria da arqui- 99 tetura completa, devido as complexidades internas inerentes, contradigdes e incompatibilidades desse fendmeno. Por meio de sua autonomia relativa, as ar- tes em geral sao menos complexas e contraditérias em seus fundamentos ontoldgicos do que a arquite- tura. A complexidade interna inerente aos projetos de arquitetura foi a ideia insinuada por Alvar Aalto em sua palestra inaugural como membro da Academia da Finlandia, em 1955: Nao importa nossa tarefa, seja ela grande, seja pequena [...] Em todos os casos, os contrarios devem ser reconciliados [...] Quase todo novo encargo formal envolve dezenas, muitas vezes centenas e, as vezes, milhares de elementos conflitantes que podem ser forgados em uma harmonia funcional somente por um ato de vontade. Essa harmonia nao tem como ser al- cancgada de outra maneira que nao seja a arte. O valor final dos elementos técnicos e meca- nicos individuais somente pode ser avaliado posteriormente. Um resultado harmonioso nao tem como ser alcancado por meio da matema- tica, estatistica ou calculo de probabilidades.' A declaragao de Alvar Aalto, ha sessenta anos, sobre a supremacia da arte em relacao a ciéncia, foi uma afir- macao corajosa, considerando o fato de que alguns dos mais ilustres pensadores e cientistas da Finlan- dia estarem presentes. A opiniao de Alvar Aalto sobre o poder integrador da arte foi recentemente acolhida por Vittorio Gallese, um dos descobridores dos neuré- nios-espelho: De certo ponto de vista, a arte é mais podero- sa do que a ciéncia. Com ferramentas muito menos caras e um poder de sintese superior, as intui¢des artisticas nos mostram quem so- mos, provavelmente de um modo muito mais exaustivo do que a abordagem objetivadora das ciéncias naturais. O fato de sermos hu- manos contraria nossa capacidade de nos perguntarmos quem somos. Desde 0 inicio da humanidade, a criatividade artistica tem ex- pressado essa habilidade em sua forma mais pura e elevada.? A natureza inerentemente acientifica da arquitetura advém do fato de que sua pratica foca fatos e sonhos, conhecimentos e crengas, dedu¢ées racionais e emo- ¢des, tecnologia e arte, inteligéncia e intuigao, bem como as dimensdes temporais do passado, presente e futuro. Além disso, ela é simultaneamente o meio e o fim; um meio por causa de sua tarefa utilitaria,e um fim como uma manifestacao artistica que media va- lores experienciados, culturais, mentais e emocionais. Em suma, a arquitetura é conceitualmente “impura’” ou “desorganizada” demais como fendmeno e atividade humana para que seja logicamente estruturada den- tro de uma Unica teoria. Uma teoria da arquitetura me 101 soa tao impossivel quanto uma teoria da vida. Como consequéncia de sua complexidade, a arquitetura esta fadada a surgir de uma agao iterativa e corporificada que funde racionalidade e emocao, conhecimento e intuigao, e nao a resultar da teoria. E perfeitamente possivel haver aspectos baseados na teoria e total- mente racionais no processo projetual, mas, em sua totalidade, esse processo é sintético e iterativo. O projeto de arquitetura é guiado por uma acao sub- jetiva de “piloto automatico” e uma identificacao cor- poralizada imersiva com a tarefa concreta, fundindo racionalidade e emogao e conhecimento e intuicao, em vez de uma aplicacao de um procedimento racio- nal baseado na teoria, metddico e previsivel. O proces- so projetual nao € um caminho racional, uma vez que consiste em indmeros desvios repetidos, impasses, recomecos, hesitagdes, certezas temporarias e uma emergéncia gradual de um objetivo aceitavel como resultado do processo em si. Em virtude do contetido existencial basico da arquitetura, seu projeto nao tem como ser um processo racional de resolucao de pro- blemas. Aabordagem poética e fenomenolégica Por outro lado, o fendmeno da arquitetura também ja foi abordado por meio de encontros subjetivos e pes- soais, de um modo poético, aforistico ou ensaistico, como nos escritos de muitos dos maiores arquitetos, de Frank Lloyd Wright a Alvar Aalto, ou de Louis Kahn a Steven Holl e Peter Zumthor. Nesses textos, a arqui- tetura € enfrentada de maneira poética e metaférica, sem qualquer qualificagéo como pesquisa cientifica. Esses escritos geralmente resultam de experiéncias, observacoes e crengas pessoais. Eu mesmo devo ad- mitir que esses relatos pessoais e muitas vezes com carater confessional para mim valorizam a esséncia holistica e poética da arquitetura mais do que os es- tudos empiricos que afirmam satisfazer os critérios da ciéncia. O nucleo poético, experiencial e existencial da arquitetura tem de ser enfrentado, vivido e sentido, e nao entendido e formalizado intelectualmente. Ha, sem duvida, inumeros aspectos na constru¢gao, em seu desempenho, sua esséncia estrutural —- bem como em suas propriedades formais e dimensionais — que po- dem ser estudados de modo “cientifico”, mas 0 signifi- cado experimental e mental da entidade apenas pode ser encontrado e vivenciado. Durante as Ultimas décadas, tem se consolidado uma abordagem experiencial, baseada nos encon- tros fenomenoldgicos e nas experiéncias de primeira mao com os prédios e seus contextos. Essa maneira de pensar baseou-se inicialmente nas filosofias de Edmund Husserl, Martin Heidegger, Merleau-Ponty e* Gaston Bachelard, entre muitos outros escritores de filosofia. A abordagem fenomenoldgica, que também reconhece o papel significativo da corporificagao, foi introduzida no contexto da arquitetura por escritores do calibre de Steen Eileer Rasmussen, Christian Nor- berg-Schulz, Charles Moore, David Seamon, Robert 103

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