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Revista Portuguesa de Filosofia

Filosofia dos Valores: A propósito de um livro


Author(s): Júlio Fragata
Source: Revista Portuguesa de Filosofia, T. 2, Fasc. 1 (Jan. - Mar., 1946), pp. 19-41
Published by: Revista Portuguesa de Filosofia
Stable URL: https://www.jstor.org/stable/40332608
Accessed: 07-07-2021 17:51 UTC

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Filosofía dos Valores
A propósito de um livro (')

/\ « Teoria » ou « Filosofia dos Valores » apresenta-se-nos como


** um dos principáis movimentos filosóficos da reacQào contra
as consequencias do subjectivismo de Kant que, agravadas pelo
idealismo absoluto de Fichte, Schelling, e sobretudo Hegel, nSo
deixaram de se repercutir no meio social europeu. A massa
popular atingiu, pelo menos, que devia libertar-se de qualquer
norma objectiva para se ligar, mais ìntimamente, ao imperativo
subjectivo, elevando assim demasiado a dignidade e suficiencia
pessoal do homem.
Deste espirito individualista nasceu a burguesía que povoòu
a Europa dos meados do séc. XIX até aos principios do séc. XX.
A burguesía, estabelecendo o homem num estado de inacti-
vidade egoista, constituía grave perigo para a sociedade. Para
libertá-la deste mal, um meio havia : - incutir-lhe urna ideia diná-
mica que despertasse a actividade vital.
Como arautos desta ideia salvadora, erguem-se, intrèpida-
mente, Kierkegaard e Nietzsche ; ambos destronam o primado do
conhecimento e da razao que, através de Hegel, fora a causa do
perigo actual. Para despertar a burguesía da inactividade amea-
Qadora, Kierkegaard lan^a o conceito de inquietando, pedra funda-
mental da moderna «Filosofia da existencia»; Nietzsche, urna
ideia cintilante e arrebatadora : - vida -- grito de revolta contra a
supremacía da razSo.
O desenvolvimento da vida exige actividade, e a actividade
requere um incentivo determinante : - o valor.
Deste modo vemos introduzida a no^áo de «valor» como
orientadora da actividade na «Filosofia vitalista». Nasce num
ambiente de anti-intelectualismo, em que a ansia de actividade

( i ) Johannes Hessen, Filosofia dos Valores^ traduco e prefacio de L. Cabrai


de Moneada, Coimbra, 1944.

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20 REVISTA PORTUGUESA DE FILOSOFIA

leva naturalmente à supremacía desequilibra


apetitivas do homem, - as faculdades activas
Embora Lotze (+ 1881) fosse o primeiro a r
citamente aos valores, Nietzsche apresenta-se
mais audaz desta moderna corrente filosófica
uns trinta anos, se ostentava pujante na Ale
invadir todos os campos da Filosofia (*). Pene
nios das Ciencias, Psicologia, Estética, ReligiS
nomia e principalmente Pedagogia, e, apesar
contra os principios da sa Filosofia, nào deix
sugestòés, reavivando algumas verdades.
Os principáis cultores desta filosofia na Ale
Mtinsterberg, W. Stern, Max Scheler, Bruno Ba
ita Franca aderiram a eia Durkheim e C. Bougie
lógica dos valores, Fouillée e Ribot; na Italia, O
Trojano, De Sarlo e Calo; e na Australia, Me
Krauss.
Em Portugal também nSo passaram despercebidos estes
rumores: Fidelino de Figueiredo, à imitalo de Croce, aplicou a
no^fio de valor à Literatura; Garcia Domingues defende a pri-
masia do valor sobre o ser, segundo a concepto de Max Sche-
ler, no opúsculo Da Esséncia, da Existencia e da Valencia,
editado em 1939 ; em 1940, Arnaldo de Miranda e Barbosa publi-
cou urna Lógica «como fundamentado mediata de urna teoria
axiológica». Recentemente foi também publicado, em tradujo
portuguesa de L. Cabrai de Moneada, o livro Filosofia dos Valo-
res de Johannes Hessen, em que esta filosofia é apresentada de
unr mòdo relativamente equilibrado, embora nao possamos concor-
dar coni alguns pontos fundamentáis, referentes sobretudo a onto-
logia dos valores.

Antes de analisarmos as ideias gerais desta corrente filosó-


fica, convém distinguir na palavra «valor» duas aceptes, que é
preciso nflo confundir:

( 1 ) Apresentam-se como principáis precursores : Kant, Fichte, Schelling, Hegel


Schleiermácher, Herbart, Schopenhauer e Eduardo von Hartmann. Lotz e Nietzsche
podem considerar-se já como verdadeiros iniciadores. Brentano deu o passo decisivo
n* Filosofía dos Valores com a obra Vom Ur sprung sittlicher Erkenntnis (1889): Da
origcm do conhecimento moral.

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JULIO FRAGATA - FILOSOFIA DOS VALORES 2Í

Psicològicamente e em linguagem vulgar, « valor » significa


o resultado duma avaliagáo (Geltung). Assim dizetnos, por
exemplo, esta ca$a vale cem contos (valor económico), esta esta-
tua tern para mim grande valor artístico (valor estético), a esmola
dada a um pobre considero-a corno urna acqto de sumo valor
(valor moral).
É este o sentido da palavra na «Teoria dos Valores»?
- N3o; na linguagem dos filósofos de que tratamos, «valor»
nao é o resultado duma avahado, mas sim o principio da avalia-
qSo. Se digo que esta casa vale cem contos, é porque existe
intrínsecamente nela algum valor que fundamenta a minha avalla-
q3o : - é o valor ontològico (Wert).
Como porém teremos ocasiSo de ver, os modernos axiólo-
gos confundem lamentàvelmente estas duas acep^Òes : pretendendo
falar do valor ontològico, atribuem-lhe características do psicológico.
Psicològicamente é claro que o valor é relativo: - varia com as
pessoas e com as circunstancias ; a casa que eu avaliei em cem
contos, pode ser avaliada por outro em duzentos contos, por Ihe
ser, por exemplo, mais útil ; o valor artístico de urna estatua pode
ser apreciado de modo diferente, segundo os varios gostos ; e o
mesmo se diga da esmola dada a um pobre, que pode ser tida
em maior ou menor apreso.
No sentido ontològico, de modo nenhum existe tal relativi-
dade : -o valor intrínseco da coisa mantem-se sempre inalterávet.
Apesar de o mesmo objecto ser avaliado de modo diferente, nem
por isso deixa de ser aquilo que é, e a coisa, em si, vale porque
é : - o seu grau na escala dos valores corresponde ao sett grmt
na escala dos seres.
Posto isto, podemos seguir com maior interesse e enterro
as ideias gerais da «Filosofia dos Valores». Condensá-las-emos
brevemente em très pontos :
1 . _ Quais as características atribuidas ao valor conside-
rado em si ;
2. - Em que se f undam os valores ;
3. - Como se apreendem.
Acrescentaremos em seguida algumas palavras de crítica.

1. - A característica comum que mais nos surpreende,. tiesta


doutrina filosófica, é a irredutibilidade entre valor e ser ; jé Lotee

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22 REVISTA PORTUGUESA DE FILOSOFIA

o primeiro filósofo axiólogo, a defende insof


seres sao, mas nao valem ; os valores valem, mas nào s3o.
Atribuir-se-lhes-á, pelo menos, alguma realidade ? - Tam-
bém n3o; - os valores sao puramente imaginarios! Valem inde-
pendentemente da sua realizado. Por exemplo, a amizade, como
tal, nao existe, é puramente imaginaria ; e no entanto todos con-
cordamos que é um valor. Como prova desta assenno, escreve
Max Scheler que eia « n3o sofre quebra porque um amigo meu me
traiu» (*); e J. Hessen acrescenta: «Os valores estéticos per-
durariam . . . ainda mesmp que fossem destruidos todos os objectos
de arte, através dos quais se nos tornam visíveis» (2).
Na concepto de M. Scheler e Nicolai Hartmann, que de-
senvolvem a «Teoria dos Valores» nos moldes da fenomenologia,
estes n3o correspondem à «perfectio entis» de Leibniz e dos esco-
lásticos ; sao esséncias distintas da realidade e das existencias.
Constituem um mundo novo, até agora desconhecido, e à luz do
qual o ser ganha nova significado de ordem superior.
Na opiniao de N. Hartmann, este mundo é comparado ao
das Ideias de Platao: nele se encontram os valores como tais,
- os valores absolutos.
Para M. Scheler, mais consequente com os principios feno-
menológicos, o valor é urna qualidade inerente aos objectos, n3o
urna qualidade real, como a cor, a forma, o tamanho, . . . mas urna
qualidade irreal (3) ; corresponde ao «estado afectivo» que acom-
panha os objectos ou fenómenos apresentados na consciència pura.
M. Scheler considera-o «objectivo» porque n3o é urna produjo
do sujeito ; mas corresponder-lhe-á algum objecto extrínseco ?
- A doutrina fenomenològica julga injustificável a resposta afir-
mativa, o que a impede, evidentemente, de ultrapassar os limites
do subjectivismo.
Johannes Hessen n3o reduz o valor a um puro fenómeno
da consciéncia pura; admite o mundo irreal de N. Hartmann,

(1) Dcr Fonnalismus in der Efhik, p. 14; cfr. J. Hessen, Filosofia dos
Valores^ trad, de L. Cabrai de Moneada, Coimbra, 1944, p. 57.
(2) Obra citada, p. 57.
(3) J. Ortega y Gasset segue a.M. Scheler quando escreve: «Junto a los
elementos reales que componen lo que un objeto es, posee éste una serie de elementos
irreales que contituyen lo que ese objeto vale . . . Una cosa no es, pues, un valor, sino
que tiene valores, es valiosa. Y estos valores que en las cosas residen son qualidades
de tipo irreal». Obras, Madrid; 1943, p. 861.

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JULIO FRAGATA - FILOSOFIA DOS VALORES 23

irredutível ao mundo dos valores. Contudo, para ele, os valores


nao s3o absolutos, mas essencialmente relativos : nao há valores
em si, mas só valores para alguém (1). Estes, sem deixarem de
ser aquilo que sao na ordem ideal, podem realizar-se, - incarnar
num objecto real, por exemplo, numa obra de arte (2). Mais, é
só através dos valores realizados que descobrimos o mundo dos
valores ideáis. Apesar de tudo - e neste ponto concordam tam-
bém N. Hartmann e M. Scheler - o valor realizado nao se identi-
fica com o objecto ou ser em que se realiza : este é apenas o seu
«portador» ou «suporte»; pode variar, permanecendo o mesmo
valor, como pode ser também portador de diferentes valores. Por
exemplo, o valor artístico pode ter corno suporte urna estatua,
urna pintura, urna paisagem . . . , e a mesma estatua é susceptível
de valores estéticos, económicos, religiosos . . .
Esta distingo radical nao impede urna íntima relajo entre
valor e ser que se completam mùtuamente : qualquer ser encerra
necessariamente algum valor, e qualquer valor tende a realizar-se
num ser (3). Deste modo, temos no ser n8o só os dois princi-
pios clássicos - essència e existencia - que pròpriamente o cons-
tituem, mas também um terceiro que dele dimana - a valencia (4).
A distinto ontològica entre valor e ser, apesar de se afastar
do puro subjectivismo, nos autores expostos, grabas sobretudo a
influencias fenomenologías, n3o está longe dele. Com efeito,
faltando ao valor fundamento verdadeiramente ontològico, e, por ou-
tro lado, sendo essencialmente relajo a um sujeito, somos natural-
mente levados a atribuir exclusivamente a este a sua producto.

(1) « Tapto objectos como sujeito, tanto mundo como alma constituem, ai'inal,
no seu conjunto indecomponivel, o característico ser dos valores» (ob. cit., p. 52).
«O valor nao é, como pretende N. Hartmann, algo em si existente, mas algo existente
para alguém» (/¿., p. 46).
(2) A. Messer propòe o exemplo seguinte: seja o plano de urna casa, -
temos o valor ideal ; realiza-se a planta, - o valor incarnou. Fundamentos filosóficos
de la pedagogia, trad, espanhola de J. Ravira y Ermengol, 2.a ed., p. 122 e 123.
(3) «... os valores, posto que pertenc.am à ordem ideal do valor intemporal
contudo acham-se também numa certa relac.áo com a ordem real . . . Tém fome de
existencia». J. Hessen, ob. cit., p. 312.
(4) M. Scbeler e N. Hartmann defendem também a primazia do valor sobre o
ser: o ser é porque vale; é como se disséssemos que o recipiente é feito para o con'
teúdo e nao reciprocamente.

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24 REVISTA PORTUGUESA DE FILOSOFIA

Tal é a opinifio comum dos axiólogos da escola de


e dos axiólogos psicologistas (2) para os quais o valo
fica respectivamente com o pensamento lógico - se
o que for pensado como tal - e com a impresso ag
desagradável sentida pelo sujeito. «O valor, escrev
nflo tem pròpriamente existencia objectiva; é deter
desejo que se deve unir ao sentimento . . . Dizemos
tèm valor porque as desejamos, ou seja, o valor da c
no desejável> (3). «N3o queremos urna coisa porqu
mos boa ou útil, prossegue Croce, mas conhecemo-
porque a queremos». (4) Deste modo, se desejo um o
valor; se o nSo desejo, nao o tem: O valor é essencialmente
relativo; só «existirá» se existir um sujeito que actualmente
deseje. Ora como desejamos o que é útil ou deleitável, segue-se
que a sua essència consiste no prazer que originam no sujeito ou
na satisfago de urna necessidade. - « Os valores, escreve ainda
Croce, sao os sentimentos orgánicos enquanto acompanham a
actividade espiritual» (5).
Alguns autores nao deixam de salientar a acQdo do dado
objectivo; esse age como estímulo: excita reaches afectivas e
apetitivas, segundo a natureza da nossa individualidade física e
psíquica. Mas apesar do valor nfio ser puramente subjectivo,
é-o essencialmente, visto ser a «aptidao a provocar um desejo» e
portante «proporcional à for^a do desejo que é urna funpSo do
sujeito» (6) o qual, «pela vontade satisfaz às suas necessidades,
ou, pelos sentidos, reage às impressoes externas» (7). Se acres-
centarmos que o dado objectivo nao é mais que um puro fenómeno,
vemos como esta concepto nao deixa de ser subjectivista.
Sendo o mundo dos valores urna «produjo do espirito» (8)
dependente dos sentimentos excitados no sujeito (9), segue-se

(1) W. Windelband, H. Rickert, Bruno Bauch, J. Cohn, Leonore Kühn, Alfredo


Rosenberg.
(2) A. Meinong, Chr. Ehrenfels.
(3) Cit. de Ribot, Logique des sentiments, p. 37; cfr. Descoq*, In$tituciants
Meiaphysicac generali:, I, Paris, p. 383.
(4) Cfr. Donat, Ontologia, Innsbruck, 1921, p. 118.
(5) Cfr. ib.
(*) Ribot, Logique des sentiments p. 40-41 ; Cfr. Descoqs, oh, cit, p. 385 #
(7) Cfr. Donat, ob. cit., p. 117.
(*) Trojano; cfr. Descoqs, ob. cit., p. 386.
(*) Iodi; cfr. ib., p. 384.

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JULIO PRAGATA-PILOSÓPIA DOS VALORES «

lògicamente o relativismo: - «O valor, escreve Trojano, é reía*


tivo como o conhecimento » (*)•
Visto que os sentimentos variam com a educado, circuns-
tancias ... e disposiQòes psicológicas de cada um, o valor ontolo-
gico do mesmo objecto pode ser diferente para varias pessoas ou
ainda para a mesma, noutras circunstancias. Atribuem-se portante
ao valor ontològico propriedades do psicológico.
Passemos a outra característica que nSo deixa de estar
intimamente relacionada com as anteriores : - o valor admite
graus, ou seja, há varias « qualidades » de valores. É preocu
do de quase todos os axiólogos formar urna escala ascenden
Para exemplificar, apresentemos apenas urna (2) :

í caro - barato
Valores económicos ]
( ordinario - extraordinario

- enfermo

forte - débil

- erro

evidente - pr

I belo - feio
» estéticos
f sublime - ridículo

- mau

justo - injusto

- profano
divino - demoníaco

A escala vai subindo desde os valores económicos,


sando pelos intelectuais, até aos religiosos, que sao
elevados. Na ordem do ser, escreve J. Hessen, nao se dé tal
jerarquía : « Há o mundo inorgánico, o psíquico, o espiritual . . .
mas estes degraus da realidade nSo correspondem, evidentemente,

(1) Cfr. ib., p. 386.


(2) Cfr. Gabino Márquez, S. J., Critica de la Filosofía de los Valores,
«Razón y Fe», T. 126, JulhoAgosto de 1942, p. 54.

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26 REVISTA PORTUGUESA DE FILOSOFÍA

a graus no ser. Nao se pode afirmar que qualquer


mais ser que o outro ... A única alternativa que ne
nos impoe é : ser ou nao ser, existir ou nao existir ; n
termo» (*)•
Em cada degrau da escala, os valores sao aos pares, pois,
como a um sentimento agradável corresponde um valor positivo,
a um sentimento desagradável deve corresponder um valor nega-
tivo. Esta propriedade, chamada «polaridades, é exclusiva do
mundo dos valores; os seres, afirmam, sao todos positivos: o
ser negativo, o náo-ser, é a «supressao ou ausencia do ser>, - o
puro nada (2). Pelo contrario, o desvalor nao elimina inteira-
mente o valor, mas apenas a sua positi vidade. Portante, escreve
N. Hartmann, «existem, sem dúvida, no mundo, a imperfeto, o
mal, o desvalioso; sem dúvida, o Mal existe. Ele nao tem menos
realidade que o Bern e a perfei^ao» (3). EJ. Hessen acrescenta:
«Negar a realidade do mal ou considerá-lo um simples ens priva-
tivum, é o mesmo que fechar arbitràriamente os olhos à evi-
dencia» (4).
Deste modo, a escala comprova a irredutibilidade entre ser
e valor. Vejamos como nao deixa de manifestar também a carac-
terística subjectiva:
Teòricamente, construímos esta escala que podemos consi-
derar fixa ; mas colocar tal objecto em determinado grau é fun^ao
exclusiva do sujeito, e portante relativa. Por exemplo, urna esta-
tua éé Miguel Angelo pode ser, para urna pessoa, ùnicamente
portadora de valor económico, se a aprecia só pelo lucro; ao
passo que, para um espirito superior, a mesma estatua será por-
tadora de valor artístico. Por isso escreve Külpe : «Toda a deter-
minado de valor se funda ùltimamente no subjectivismo, iste é,
na aprovaqio ou reprova^ao do sujeito» (5).

2. - Passemos ao segundo ponto de que prometemos tratar.


Terao os valores fundamento ? ... qual ? ...
Os valores bastam-se a si mesmos, afirmam alguns. Nao
(1) J. Hessen, ob. cit., p. 59.
(2) Ib.,?. 58.
(3) Grundlegung der Ontologie, 1935, p. 62; cfr. Hessen, ob. cit., p. 80.
(*) J. Hessen, ob. cit., p. 80.
(5) Cfr. Donat, ob. cit., p. 117.

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JULIO FRAGATA - FILOSOFIA DOS VALORES 27

se apoiam no ser ; sao nSo-seres, nSo-reais, absolutos, eternos,


necessários, extra-temporais ; valem porque valem. Estas as con-
clusòes a que chegou N. Hartmann com o seu ateísmo.
Outros menos extremistas, como M. Scheler, fundamentan!
o valor no pròprio ser. Mas é este um fundamento ontològico, de
tal modo que o ser valha porque, sendo em si perfeito, pode aper-
feiQoar e portante convir a outro ser? - Nao; isto seria identifi-
car o valor com o ser. Se afirmam que o valor se funda no ser,
é só porque requer necessariamente um portador, como o líquido
exige um recipiente para se transportar. O valor está no ser, como
um corpo no lugar, do qual se distingue realmente.
Alguns axiólogos dao mais um passo e nao duvidam assi-
nalar aos valores urna Realidade suprema, como fundamento último
e garantía da nossa realizado dos valores (*)• Tal aspecto é
desenvolvido por J. Hessen. Para este, que justamente impugna
o puro subjectivismo e relativismo, «há. . . um reino supra e trans-
-individual de valores » que n3o pode ser « apenas referido a um
sujeito humano». Donde concluí a necessidade de admitir «um
correlativo (subjectivo) de um tal mundo», «num sujeito... supra
e /rarts-individual, isto é, sobre-humano e supra-terrenal». Estes
valores, acrescenta ainda, «tém de ser pensados por nos na forma
de conteúdos mentáis de um Espirito absoluto» (2).
Porém, segundo os sequazes do puro subjectivismo, o fun-
damento ou origem ontològica do valor é essencialmente o sujeito
que deseja satisfazer um sentimento ou urna necessidade. Esta
satisfarò, que constituí a essència do valor, deve considerar-se
num sujeito singular ou colectivo?. . .
Contra os que a considerarti num sujeito singular, existe a
seguinte objecgào : Ouvimos, por exemplo, urna sinfonia de Bee-
thoven com a qual nos sentimos arrebatados, e que portante cons-
tituiu para nos um valor artístico. Meses depois, voltamos a
ouvi-la e, devido a urna indisposto fisiológica, a mesma música,
longe de nos deleitar e arrebatar, atormentou-nos e aborreceu-nos.
Nem por isso deixaremos de reconhecer a sinfonia corno obra de
arte. Que concluir portante ? - que o critèrio, e por conseguinte
o fundamento do valor, nao pode ser individual.

(1) Cfr. em J. Hessen, ob. cit., cita§óes de Rickert (p. 325), de Windelband
(p. 306) e de M. Scheler (p. 316 e 317) que confirmam esta afirmac,áo.
(2) Ob. cit., p. 314*

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28 REVISTA PORTUGUESA DÉ FILOSOFÍA

Por isso, muitos recorrem ao sentimento colect


corrente vio Durkheim e Bougie, para quem os valore
aspirares sociais que se impóem : - será um valor
satisfizer as necessidades colectivas sentidas pela so
Mas se determinada coisa é para mim um valor
outros axiólogos contra esta opiniáo, o sentimento col
aumentar ainda em mim esse valor ; portante, a orige
do valor nfio é a sociedade, visto que o valor colectivo
valor que se vem juntar e aumentar o que eu jé pos
Evitam estas dificuldades os que, mais imbuidos d
de Kant, fundamentam o valor na obriga<;ào: - um
será bom, terá valor, se satisíizer urna obriga^áo.
esemplo, qual o motivo porque a verdade é para n
- porque na sua relajo ao sujeito se manifesta corno
ga^fio: - a verdade conhecida impoe-se. Segundo e
a obediencia ao dever eis o que constituí o verdadeir

3. - Estudadas as características e a origem ou fun


ontològico do valor, surge naturalmente a pergunta :
cemos os valores ? - É a questfio da apreensfio ou o
lógica dos valores, que é proposta de um modo qua
petos filósofos axiólogos.
Em geral, deprime-se a interferencia do entendim
se admitir, quase exclusivamente, a da sensibilidad
sao alógicos, visto incluirem urna relajo essencial, n
dimento, como o ser, mas ao sentimento. Para os a
é jjreciso raciocinar ; - basta sentir. Pertencem à « or
dlo» de que nos fala Pascal.
Para M. Schei ler, que desenvolve a apreensáo d
em harmonía com os principios fenom enologi eos, a
aprecnsSo é o sentimento ; se o homem fosse so en
nfio conheceria os valores, pois «o entendimento é
cegó, como o ouvido e o ouvir o sao para as core
característico, correspondente a esta apreensáo, é o «
cional», intuitivo e «a priori». Intuitivo, porque o
« qualidades que se nos tornam presentes directame

(i) M. Scheler, Der Formalismus p. 262; cfr. Hessen, ob. cit.,

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JULIO FfcAGATA-FILOSOFIÀ bOS VALÒRfeé 29

sentir intencional» (*); «a priori*, porque o conhecimento feno-


menològico tem por objecto, nao a coisa que existe fora do sujeito,
mas ùnicamente o fenómeno ou vivencia que se apresenta na
consciència pura.
Tratando-se de um « sentir intencional», qual será o objecto
para que tende este «sentir»? - M. Scheler assinala-o expressa-
mente : - é o « estado afectivo» do sujeito (2). Portante, a objec-
tividade do valor identifica-se com o «estado afectivo», e o conhe-
cimento deles com o «sentir» deste «estado afectivo»,
A M. Scheler segue de perto N. Hartmann que salienta
ainda com maior vigor o carácter intuitivo e emocional (3).
J. Hessen, mais equilibrado, dá mais realce à actividade
intelectual, apesar de a conservar ainda num estado demasiado
secundario. Opoe-se ao «sentir intencional» fenomenològico que
M. Scheler apresenta corno acto de urna nova faculdade, e admite
urna «intuido emocional» semelhante à «ordem do corado»,
misto de sentimento e intelectualidade, com preponderancia' exa-
gerada do sentimento, o que o leva também a certo alogicisrho,
embora parcial.

Eis, esquemáticamente, as ideias dominantes desta filosofia


onde predomina o subjectivismo. Falta-nos apenas analisá-ías à
luz da razSo. Nem todas sao inteiramente falsas ; mas, com cer-
teza, nesta breve expósito, varias vezes nos sentimos surpreefi-
didos pelo desmoronar dos principios mais evidentes. Para maior
clareza, sigamos a mesma ordem, analisando sucessivamente as
afirmares atrás expostas.

1. _ Ser3o irredutíveis o valor e o ser ? - Se ser e valor se


convertem, isto é, se todo o ser vale e todo o valor existe, é evi-
dente que a resposta tem de ser negativa.
(1) Ibid. Ethik, in «Jahrbücher der Philosophic», 2.0 ano, Berlini, 1914,
p. 91 ; cfr. id.., p. 128.
(2) «...os estados afectivos e o sentir sao coisas totalmente diversas: os
primeiros pertencem às categorías dos conteúdos e dos fenómenos; este à das funcòes
que servem para os receberem» (M. Scheler, Der Formalismus, p. 262; cfr. ib.,
p# 130). - Esta concepgáo aproxima M. Scheler do subjectivismo relativista; para o
evitar, tem que admitir a equivalencia de muitos «estados afectivos» nos diferentes
sujeitos, o que o leva a postular a existencia de Deus como único meio de a explicar.
(3) (fr. Hessen, ob. cit., p. 131.
i

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30 REVISTA PORTUGUESA DE FILOSOFÍA

Que todo o valor existe nao o podemos du


mesmo que fosse uma pura satisfago de um dele
rem os subjecti vistas, ou um estado afectivo, co
Scheler, por ventura esta satisfatto» ou estado a
reais?... E se sao reais, existem. Se nao existissem, seriam
inconcebíveis e inexperimentáveis.
Além disso, o valor supoe uma tendencia, pois amamos e
buscamos o que vale ; como podemos desejar e tender para aquilo
que nao existe? O nada nao nos pode satisfazer, porque é nada;
entre o ser transcendental e o nao-ser, n3o há meio termo. É ver-
dpde que reconhecemos à amizade ou à arte um valor, indepen-
dentemente da sua realizado actual ; mas daqui nao se segue que
estes valores n3o sejam seres. Apenas os consideramos abstrac-
tamente, isto é, prescindindo das varias realizares possíveis.
-r-Ninguém nega, com certeza, que o homem é ser, porque o
consideramos abstraído das diferentes realizares individuáis.
Suposto que todos os valores existem, pode ainda pergun-
tarTse; - todos os seres valem? - Respondemos afirmando a trans-
cendencia do valor : todo o ser tem valor, ou seja, todo o ser é
bom; pois, se é bom, é conveniente; se é conveniente pode
aperfei^oar ; e o que pode aperfei^oar, vale.
Que todo o ser é conveniente n3o o podemos negar, se
consideramos que para cada ser é melhor existir que n3o existir.
Portante, a existencia, pela qual está constituido em determinado
grau de perfei^ao, convem-lhe, - constituí para ele um valor. Por
nsso escreve S. Tomás : «Tudo o que existe ama a sua perfei<$o
e emprega todos os estorbos para a conservar» (*).
Mais ; afirmamos ainda que todo o ser nao só é conveniente
a si mesmo, mas também a outros seres. Com efeito, visto que
tem em si perfei$3o, pode contribuir para o aperfei^oamento de
outros, se nem sempre como causa, pelo menos como ocasiao ou
condilo. Além disso, sendo todos os seres um reflexo da Per-
fei^afc divina, podem elevar os racionáis até Deus, e, só por este
motivo, valem.
Provada esta tese, é inadmissível a distingo entre o valor
e o seu suporte. Se a admitíssemos, seguir-se-ia que o suporte n3o
tinha em si valor; ora este suporte é ser, e portante vale.

(1) «Omnia... quae iam esse habent illud esse suum . . . naturaliter amant
dt ipsum tota virtute conservanti {De Ver,, q. XXI, a 2).

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julio fragata- Filosofìa dos Valores ài

Poder-se-ia ainda objectar : N8a haverá pelo menos va


distintos do valor suporte? Suponhamos, por exemplo, uma
tua portadora de valor artístico : a estatua tem em si valo
tencia!, e o valor artístico, que nela reside, distingue-se real
déla. - Urna vez que mostramos também que todo o valor
a soluto é obvia: Nesse caso, o valor artístico nao seri
estatua, mas de outro ser distinto déla, - hipótese inconcebí
certamente, ainda nao excogitada por nenhum moderno axió
Portante, o valor artístico de urna estatua, considerado onto
camente, nào é mais que a sua perfei^áo, enquanto pode ex
emoQào estética. Embora alguém nao saiba apreciar esse
a estatua fica sempre com a possibilidade de poder ser ap
como obra de arte, pois, tendo em si determinada perfei<;ao
sui o valor que lhe corresponde. O valor nao é portante d
da «perfectio entis» de Leibniz e dos escolásticos, como a
M. Scheler ; na realidade, identifica-se com eia.
Quer iste dizer que nao admitimos nenhuma distingo e
ser e valor? - Nao ; se assim fosse, falar de ser e de valo
pura tautologia. Valor e ser, embora realmente se identif
sao formalidades diferentes, ou seja, distinguem-se mentalm
Imaginemos um caminho que leva ao cimo de um m
Podemos considerá-lo simplesmente em si - e entao nao v
nele mais que o caminho, prescindindo se sobe ou desee -
quanto se eleva para o alto do monte. A subida é um a
real do caminho - e portante independente da minha con
do

De maneira que falar de caminho e subida n3o


mas a subida nao é mais que o pròprio caminho
para o alto do monte.
De modo semelhante, o valor n3o é mais que
enquanto diz relajo a outro que o pode apetec
pois a raz3o de conveniencia e por isso conceb
propriedade que afecta o ser, como a subida é
rada como uma propriedade que afecta o cami
de «paixóes» dado aos transcendentais - uno, v
na filosofia escolástica. Mas, assim como a sub
do caminho, também o valor nao prescinde do s
necessariamente o valor de alguma coisa, com

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32 REVISTA PORTUGUESA DE FILOSOFIA

bida do caminho. Por isso, é impossível conceber o valor se


o ser (*).

Provado que ser e valor se convertem, torna-se mais fácil


a refutado do subjectivismo. Com efeito, se o valor fosse resul-
tado do sujeito, isto é, se a sua essència consistisse na mera
satisfago de um deleite ou de urna necessidade, e se se distin-
guisse realmente do ser objectivo ou fenomenal, negar-se-ia a
transcendencia do valor, pois o dado objectivo ou fenomenal exis-
tiría sem valer.
Além disso, quem há que teqha consciencia de produzir
valores, pelo simples facto de apetecer ? Nao é a vontade ou sen-
timento do sujeito que faz urna imagem bela, urna ac^ao honesta,
um homem amável ; pelo contrario, o valor das coisas é que se
impòe e atrai a si o sujeito que apetece, de tal modo que este só
nao é arrastado necessariamente, porque o valor se lhe apresenta
corno imperfetto, e portante outro pode ser preferido.
N3o negamos que o valor cause deleite : o bem possuído
naturalmente deleita. Mais : a Psicologia ensina que a no^ao
directa e primitiva de valor só se adquire pelo deleite. O que
negamos é que este constitua a essència dos valores e que a sua
veeméncia puramente sensível seja o criterio deles. Admitido isto,
teríamos de suprimir o bem honesto, que é o valor por excelencia,
conveniente ao apetite racional. Nao seriam valores - ou pelo
menos se-Io-iam num grau inferior - o sofrimento cristao, os tra-
bàlhos do soldado que combate pela pàtria e os sacrificios a que
os pais nobremente se sujeitam pelos filhos, porque tais ac<;òes
estao bem longe de proporcionar um deleite puramente sensível.
Pelo contrario, o gozo, o prazer dos sentidos, os interesses egoís-
tas seriam sublimados a um grau superior que nao merecem. Te-
ríamos a ruina completa dos principios da moralidade, a inversao
total dos valores, preconizada por Nietzsche.
Qual é pois a essència ou razad formal do valor ?- « O bom,

(1) Trata-se, evidentemente, duina primazia na ordem lógica: cSecundum


hoc est aliquid prius ratione, quod prius cadit in intellectu. Intellects autem per prius
apprehendit ipsum ens, et secundario apprehendit se intelligere ens, et tertio apprehendit
se appetere ens. Tnde primo est ratio cutis; secundario ratio veri, tertio ratio boni,
licet bonum sit in rebus» (I, q. XVI, ad 2). - Xa ordem ontològica, nem o ser prima
sobre o valor, nem o valor sobre o ser, visto ambos se identificaren!.

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JULIO FRAGATA - FILOSOFIA DOS VALORES 33

diz S. Tomás, é o ser, enquanto apetecível»: «bonum est aliquid


in quantum est appetibile» (*).
Portanto a nota essencial do valor é «ser apetecivel*, o
que supòe necessariamente urna relajo.
O erro dos modernos filósofos da «Teoria dos Valores»
está no exagero desta relatividade. O ser nào vale ao arbitri
daquele para quem é um valor, pois é apetecível porque co
niente, e conveniente porque perfeito. O valor, embora ex
necessariamente urna relajo, radica-se fundamentalmente na p
fei(;ào do ser, a qual nao é urna produjo do espirito. Medi-
em funQáo do sujeito, é confundir irremedíavelmente valor on
lògico e psicológico. Este avalia-se pela relajo do ser a dete
minado apetite que actualmente deseja, e na medida em qu
deseja ; por isso, o ser pode ter em si valor, sem ser actualmen
um valor para mim, ou possuir um valor diferente daquele de
disfruta : - um apetite determinado pode atender só a um aspe
da perfeito total do ser. *
Pelo contrario, o valor ontològico mede-se pela relajo, n
necessariamente actual, mas possíoel, a qualquer apetite que
disfrutar da sua perfei^ào; ora como o apetite, absolutamente f
lando, pode disfrutar da perfei^ào do ser, na medida em qu
é perfeito (2), segue-se que o valor ontològico corresponde à pe
feiQào total, ao passo que o psicológico pode corresponder apen
a um aspecto déla.
Donde se concluí a objectividade do valor ontològico: -
O ser é desejado porque vale - «bonum est in rebus» (3); e a
subjectividade e relatividade do psicològico : O ser vale porque é
desejado. A falta de urna distinto nítida entre estas duas espe-
cies de valor levou os modernos axiólogos a atribuir ao valor
ontològico, de que pretendem falar, características do valor psi-
cológico.
Visto que o ser tem ontològicamente valor fixo, indepen-
dente do pròprio desejo, a colocado de determinado ser na escala
dos valores nao é urna funQào subjectiva. Corno o valor varia
com a perfeito, o ser ocupará um degrau mais ou menos elevado,
segundo for mais ou menos perfeito, isto é, segundo for mais ou
menos ser.

(1) I, q. 5, a. 6, c.
( 2 ) «Unumquodque est appetibile secundum quod est pertectum* (1, q. 5, a. i , e»)
(3) 1, q. 16, a. 4, 2.

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34 REVISTA PORTUGUESA DE FILOSOFIA

Quando J. Hessen se refere à ilegitimidade em


um ser «possua mais ser que outro», concebe
conceito de ser, como se fosse urna razao comu
trasse do mesmo modo em todos os singulares
falaria acertadamente. É este o motivo porque
homem nào é mais homem do que outro. Poré
ser nao se atribuí aos singulares, como o de ho
duos humanos: do conceito de homem abstraím
a diferen<ja que o distingue, por exemplo de um
é, a racionalidade; nao acontece o mesmo com o
visto que as diferencias, pelas quais se distingu
sao também ser.
Portante, a predicado do conceito de ser dos diferentes
singulares nào se efectúa segundo urna razáo unívocamente co-
mum, como a de homem, mas segundo urna razáo análoga, ou
seja, mais ou menos semelhante a um modelo ou exemplar comum
e necessario. Ora como cada singular pode imitar mais ou menos
este modelo exemplar, que é unidade perfeitíssima e se indentifica
com o Ser infinito, segue-se que os diferentes seres seráo mais
ou menos ser, segundo mais ou menos perfeitamente o imitarem,
ou seja, na medida em que forem mais perfeitamente unos.
A única alternativa nào é pois « ser ou nao ser, existir ou
nào existir* ; podemos formar a seguinte escala descendente a
partir do Ser infinito até ao material, visto que a materia é o prin-
cipio de multiplicidade :
Ser necessario ( unidade perfetta ) - Deus

/ i espirito puro
I • imaterial :
i f espirito humano

Ser contingente i í sensitivos


(unidade imperfetta) V Organizados ]
! material ? ( vegetativos
/ inorganizados

Como ser e valor se identificarti, o valor será tanto mais


elevado quanto mais alto degrau ocupar na escala dos seres, ou
seja, quanto mais plenamente possuir o ser (*). E visto que as
( 1 ) Já S. Tomás respondeu explícitamente a esta dificuldade : « Bonum dicitur
secundum magis et minus secundum actum supervenient em» (I, q. 5, a. 1, ad 3).

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JULIO FRAGATA - FILOSOFIA DOS VALORES 35

coisas criadas possuem mais ou menos plenamente o ser, con-


forme a livre determinado da vontade criadora, é evidente que só
em relajo a Eia a colocado de determinado ser na escala dos
valores é total e necessariamente subjectiva e «a priori».
Nao negamos a existencia de certos valores que, mesmo
ontològicamente considerados, conservam certo carácter subjectivo
em relajo ao homem. Tais sao os que dependem dele como de
principio causal.
Entre estes valores, o que conserva dependencia mais íntima
do sujeito que o produz é o acto livre, - o acto que com mais pro-
priedade posso chamar verdadeiramente meu. Mas será ele um
valor totalmente subjectivo em relajo à criatura que o produz?
- De modo nenhum ; para o afirmarmos, teria este acto de ser
totalmente dependente e portante totalmente causado pelo homem;
e nenhuma criatura pode produzir totalmente um efeito, porque
nenhuma pode agir independentemente da cooperado da Causa
primeira - Deus - que se requer também necessariamente corno
«causa essendi», iste é, para sustentar activamente na existencia
a pròpria realidade do acto (*).
Portante, o acto livre, o acto que tem de mim a dependén-
dència causal mais íntima, visto depender da minha auto-determi-
nado, nao é Wtalmente causado por mim : - conserva ainda urna
relajo essencial e mais profunda ao Criador que cooperou na sua
produjo. O que nos leva a afirmar que nao há nenhum valor
ontològico que, em relajo à criatura, seja totalmente subjectivo.
A distingo entre valores positivos e negativos podemos
admiti-la na ordem psicológica: um objecto que me é prejudicial
constituí evidentemente um desvelor, - um mal para mim. Mas
daqui nao se segue que seja um desvalor, considerado ontològica-
mente, pois, se para mim é prejudicial, pode ser útil e conveniente
a outro ser. Além disso, n3o existe nenhum objècto que seja pre-
judicial a alguém, sob todos os aspectos. Se assim fosse, teriamos
de admitir a existencia ontològica do mal ou desvalor, como que-
rem os axiólogos modernos, o que implicaria necessariamente a
existencia de um principio ontològico origem do mal, diferente de
Deus, origem do ser, pois entre o ser e o mal, ontològicamente

( 1 ) Aleni disso, no acto elícito da vontade humana é preciso reconhecer duas


moc,óes do exterior: do objecto - «ab objecto* e daquele que causa a facutdade de
querer - cab eo, qui causai virtutem volendi» (I, q. 105, a. 4, e).

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36 REVISTA PORTUGUESA DE FILOSOFIA

considerado, nao há serhelhan^a alguma para


causa comum. O mal é uma negado, ou melh
dé ser,, e uma negado nao existe realmente.
Se rejeitamos a existencia ontològica do d
como tal, nao deixamos de admitir a realidade
materialmente considerado, visto serem reais o
nos podem privar de perfei<;5es devidas ou e
de uma perfei^ao que lhes competía. Assim,
mente um mal ser cegó, nao porque atribuam
tencia ontològica : - esta consiste apenas na
perfei^áo - a privado da vista; mas porque. é
qual falta urna perfeiQáo que Ihe competía: - a
Portante, ontològicamente, há apenas va
tudo o que existe é ser e, como tal, vaie. Ps
na realidade, valores negativos ; porém estes n
ao mundo dos seres : - identif icam-se com o p
privado de urna perfei<;ào que Ihe era devid
privar a outro de um bem ou perfei^ao devida.

2. - Passemos a discutir o fundamento dos valores. Este


de modo nenhum pode ser subjectivo, visto que radicamos o valor
na perfei<;ao do ser, a qual depende de Deus. O sentimento, a
opiniáo colectiva, o cumprimento do dever constituem certamente
especies de valor, mas n3o s3o origem ou fundamento de todos
eles. O verdadeiro fundamento tem de se buscar no pròprio ser,
visto qtte* a perfei^ao existe nele ; ou melhor, sendo o ser perfeito,
pelo simples facto de existir, e portante n3o havendo distingo
real entre perfeito e ser, o fundamento próximo do valor é o
pròprio ser. Como, porém, o ser criado é perfeito, nao por si mes-
mo, mas por participado do infinitamente Perfeito, o fundamento
remoto do valor é Deus.
Vemos quanto difere esta opiniao da de M. Scheler, para
o qual o ser é apenas um fundamento-suporte, iste é, urna pura
condilo necessaria do valor, que realmente se distingue do ser.
Podemos admitir que o ser é o suporte do valor, enquanto conce-
bemos o valor inerente ao ser ; mas, na realidade, é inadmissível
a distingo entre valor e suporte.
A afirmado de que o ser vale por si mesmo, ou seja, n3o
tem fundamento, é ainda mais insustentável, se atendermos a que

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JULIO FRAGATA - FILOSOFIA DOS VALORES 37

todo o valor existe e tudo o que existe de um modo finito, nao


pode ter em si a sua auto-suficiència. - Valor inteiramente abso-
luto, so Deus.
Em certo sentido, é verdade que os valores sào eternos,
necessários, extra-temporais e até absolutos, pois urna esséncia
nao pode mudar sem deixar de ser aquilo que é. Por isso se diz
que o objecto das ciencias é eterno, necessario e absoluto. Mas
com isto nao fica suprimida a contingencia, visto as esséncias
finitas n3o existirem por si mesmas : - postulam necessariamente
um fundamento causal.
Sob este aspecto, aproximam-se da verdade M. Scheler,
J. Hessen e alguns neo-cantistas de Badén que, dos valores con-
tingentes, sobem até Deus, suprema Realidade valiosa. Procedem
porém ilógicamente em estabelecer urna relajo essencial entre o
valor, que qualificarli de irreal, e um Ser transcendente, que apre-
sentam como Realidade infinita.
Com efeito, para Deus ser causa dos valores, tem de ser
valor infinito, e para ser criador dos seres temos de o compreen-
der como ser infinito; - alias comunicaría aos efeitos perfeiQòes
que n3o possuía. Ora Deus, sendo infinito, é simple^, e portante
nele ser e valor identificam-se - conclusao que alguns axiólogos
parecem admitir (x). E já que Deus, quando cria um valor ou um
ser, necessariamente o cria semelhante a si,- «omne agens agit
simile sibi» - segue-se que a criatura que o imita como ser, o
imita também como valor, e a que o imita como valor, o imita
também como ser.
Donde concluímos, mais urna vez, que os axiólogos que
assinalam aos valores um fundamento causal e infinito - requerido
necessariamente para explicar a natureza destes - tem que renun-
ciar infalìvelmente à distin$ao ontològica entre ser e valor.

( 1 ) * . . . a condic.au de urna tal transformado e realizado (dos valores) ... so


pode dá-la u aceitadlo dum poder extra-humano que as garanta. E que se concluí
daqui, acerca do ser do mundo? Se quisermos pensar conceitualmente esse poder...
teremos de o pensar como urna unidade de Valor e Realidade, ou, numa palavra.
como urna Realidade valiosa* (Rickert, Deutsche systcmatischc Philosophie, 11,
p. 291; cfr. Hessen, oh. cit., p. 323). «...o último fundo do ser nao pode deixar de
ser um poder axiológico e urna Realidade valiosa» (Hessen, ob. cit., p. 322).

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38 REVISTA PORTUGUESA DE FILOSOFIA

3. - Falta-nos só discutir a apreensào dos v


esta alógica, intuitiva e «a priori», corno defendem
fenomenologistas ?
- Admitida a distingo radical entre ser e va
riamente teríamos de encontrar urna nova faculdade diferente do
entendimento - faculdade de ser - para apreender o valor. Identi-
ficada esta com um sentimento especial, a nossa apreensào dos
valores seria alógica, visto que o sentimento nao se rege pelas
leis da lógica, como o entendimento. !
Mas urna vez que rejeitamos, como erro fundamenta
moderna axiologia, a distinto ontològica entre ser e valor, a
urna faculdade diferente para a apreensào deste é absoluta
desnecessário e indemonstrável. - O valor é ser, e a faculd
do ser é o entendimento, que se rege pelas leis da lógica.
Segue-se daqui que o sentimento é apenas acidenta
processo da apreensào dos valores ? - De modo nenhum
nhecemos-lhes até certa primazia.
Para melhor compreensào, observemos que, sendo o hom
substancialmente uno, nao existem pròpriamente nele dois c
cimentos nem dois sentimentos, um dos quais correspond
parte sensitiva e outro à intelectiva. Porém visto que o ho
é essencialmente compostò de corpo e alma, conhecimento e
timento sSo também essencialmente compostos pelo influ
duas actividades realmente distintas, provenientes do pri
material e do espiritual, - actividades que se unem para f
um único acto complexo. Deste modo, nào temos urna sen
ou um sentimento que nao seja intelectualizado : a ac^ào da
espiritual origina, nào um novo conhecimento ou sentiment
completa o mesmo conhecimento ou sentimento.
Tratando-se da apreensào directa e primitiva do ser c
verdadeiro, podemos prescindir do sentimento: - a image
elemento sensível, desmaterializada pelo «intelecto agente»,
mina o entendimento à produco da ideia, por meio da «es
impressa».
Porém, para apreender o ser como valor, devemos buscar
um especificativo que justifique a apreensáo explícita do ser como
valor. Visto que a essència deste consiste na rela^ào a um ape-
tite, e a satisfago do apetite se conhece pelo deleite ou senti-
mento agradável experimentado, segue-se que só conhecemos
explícitamente o valor, se conhecemos o sentimento.

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JULIO FRAGATA - FILOSOFIA DOS VALORES 39

Analisando esta apreensáo, distinguimos nela tres momentos,


dos quais, evidentemente, nenhum deles goza de prioridade tem-
poral: Em primeiro lugar, a apreensào da realidade sensível, que
se efectúa segundo o processo abstractivo a que nos referimosr ao
tratar da apreensào do ser como verdadeiro; em seguida, a von-
tade reage espontáneamente a esta apreensSo com a qual se
satisfaz; finalmente, por meio do entendimento conhecemos a
satisfago da vontade ou sentimento agradável : - temos a no<;ao
de valor.
Contudo a apreensào do valor n3o é constituida por tres
actos realmente distintos, mas por um único acto, para o qual cola-
boram tres actividades realmente distintas, provenientes do princi-
pio material, do entendimento e da vontade. E de tal modo se
unem estas actividades, que todas se requerem essencialmente
para o conhecimento do valor. - Sem a colaborado dos sentidos,
nao poderíamos pór-nos em contacto com a realidade exterior, que
julgamos valiosa ; sem o sentimento originado pela satisfago do
apetite volitivo, ser-nos-ia impossível apreender o ser como valor ;
e, sem a actividade intelectual, o pròprio sentimento nào seria
sentimento, visto ser desconhecido.
Donde se conclui que o sentimento tem necessariamente de
ser intelectualizado ou racionalizado, e que, portante, a apreensáo
dos valores nao é alógica ou irracional, a nao ser que por irracio-
nal entendéssemos simplesmente a ausencia de raciocinio. Porém,
enquanto a satisfago do apetite ou sentimento é o especificativo
do ser como valor, justamente falamos de certa primazia deste em
ordem à apreensáo dos valores.
Conceder esta supremacía ao sentimento, nao é apresentar
a veemencia do deleite corporal como norma do valor, o que equi-
valeria a afirmar como valores superiores os que mais nos delei-
tam os sentidos ; mas sim reivindicar este direito para a nobreza
ou elevalo do sentimento ou deleite ; neste caso, aos sentimentos
mais elevados corresponded valores superiores. Como o senti-
mento é tanto mais elevado e nobre, quanto mais se afasta da
matèria e se aproxima do espirito, que é a parte mais nobre do
homem, segue-se que os valores serao tanto mais elevados quanto
mais imateriais.
Explicada assim a apreensáo dos valores, esta nao pode ser
«a priori». Os fenomenologistas afirmam-no, porque, desprezando
o poder abstractivo do entendimento, pretenderam haurir a nopao

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40 REVISTA PORTUGUESA DE FILOSOFIA

de valor dos fenómenos da consciéncia pura


ainda nos limites do subjectivism©. Porém, a
abstracto que descrevemos, a no<;ào de valo
apresente também na consciéncia, é haurida do
que se manifesta como valioso através da em
portante «a posteriori».
Semelhante resposta podemos dar acerca do
tivo desta apreensao. Nao negamos a necessidad
intuido como fundamento déla, sob pena de ca
até ao infinito, ou melhor, de nada apreend
intuido é apenas do valor como se apresenta
seja, da pròpria actividade subjectiva que tem
pela qual atingimos o valor extrínseco do objec
lor extrínseco nao temos urna verdadeira intu
gimos ¡mediatamente como é em si, mas at
abstractivo que descrevemos : - atingimo-lo pe
o acto do nosso conhecimento termina no pròp
do objecto - nao para na ideia - conclui-se qu
pròpriamente de intuito ontològica de valor.

Expusemos e refutamos brevemente algum


rais da «Teoria dos Valores». Como vimos, estes nao constituem
um mundo novo até agora desconhecido. N3o constituem um
mundo novo, porque o mundo dos valores se identifica com o
mundo dos seres ; n3o constituem um mundo desconhecido, por-
que o valor foi já profundamente estudado na filosofia medieval
com o nome de bom.
Todas as falsidades da «Teoria dos Valores» se aplicam,
como sofismas, à no^ao de «bom» da filosofia escolástica, e todos
os seus aspectos verdadeiros ganham novo vigor e nova claridade
à luz dos principios básicos sustentados unánimemente por urna
serie quase ininterrupta de filósofos, a partir de Aristóteles.
N3o negamos que esta corrente filosófica deixasse de trazer
alguraas vantagens e até verdades aproveitáveis : A aplicado do
valor às ciencias, além de ser causa do esclarecimento de muitos
pontos obscuros, dirigiu-as sobretudo para um firn mais pràtico,
afastando-se assim o perjgo do intelectualismo exagerado, tendente
a manter-se em especulares esteréis.
Com razao se salienta também a rela9áo do valor ao su-

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JULIO FRAGATA-FILOSOFÍA DOS VALORES 41

jeito, pois o valor aperfei^oa o sujeito - « bonum est perfectivum


subiecti». Deste modo se originaram novos impulsos de realiza-
do e aperfeiQoamento, pois o homem, dotado de urna vontade que
necessariamente abraca o Bern, tende espontáneamente para aquilo
que participa do Bern, ou seja que se lhe apresenta corno um valor.
Pena foi que esta relajo se exagerasse, atribuindo-se ao sujeito
um papel demasiado preponderante, que levou a maioria dos axió-
logos ao puro subjectivismo e à irredutibilidade entre valor e ser.
Sem as bases ontológicas que constituem o fundamento da
verdadeira filosofia, a «Teoria dos Valores» nao pode manter-se.
A sua pujanza, que ao principio parecía avassaladora, depressa
esmoreceu, de tal modo que esta corrente filosófica, arrebatadora
de tantos espíritos que a saudaram como o alvorecer de nova era
na historia do pensamento humano, podemos dizer, - quase se
extinguiu.
Outras ideias - das quais, pelo menos em parte, fora já
fruto a «Filosofia dos Valores » - dominam hoje no pensamento
humano. A partir de Kierkegaard, desenvolveram-se sucessiva-
mente através de Nietzsche, Bergson, Dilthey, Husserl, Max Sche-
ler, e Simmel, até Martinho Heidegger que as soube condensar num
sistema mais uno, conhecido pelo nome de «Filosofia existencial».
A contensáo irrequieta e pessimista, deixada pela guerra de
1914, encontrou terreno propicio para o desenvolvimento destas
ideias, que, infelizmente, oprimem hoje os espíritos, num ambiente
de inquietalo e angustia, agravado pelo esquecimento de um Ser
transcendente, que satisfaga as nossas aspirares de Infinito.

JULIO FRAGATA.

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