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Capítulo primeiro

UMA DISCIPLINA CHAMADA


HISTÓRIA ECONÓMICA
-:..:«ouç

novo ramo do saber.


ÓMICA

QUAORO 1. Revistas de história económica e social


data de início e país de publicação.
Hansische Geschichtsblãtter
1871 Alemanha
Viertejjahrschrift für Sozial und Wirtschaftsgeschichte 1903 Alemanha
Revue d'histoire économique et sociale 1908
Business History Review Fiança
1926 EUA
The Economic History Review 1927 Inglaterra
Joumal of Economic and Business Histoiy 1928 EUA
Annales d'histoire économique et socíale 1929 Franca
Rivista di storia económica
1936 ltália
The Joumal of Economia History 1941 EUA
Past and Present '
1952 Inglaterra
Scandinavian Economic History Review 1953 Suécia
The Agriculturas Histoiy Review 1953 EUA
The Joumal of Transport History 1953 Inglaterra
1953 Polónia
Economia e Storia
1954 ltália
Australian Economic History Review 1956 Austrália
1956 Holanda

.'".'-'".
;S;:lE::Ee:'g=;H=E;
Technology and Culture
1957
1958
1959
Holanda
Fiança
EUA
Comparative Studies in Society and History 1959 EUA
Jahrbuch für Wirtschaftsgeschíchte 1960 Alemanha
Rivista di storia dela'agricultura 196] Itália
The Indian Economia and Social Histoly Review 1963 Índia
Annales de démographie historique 19M Fiança
Explorations in Economia History 1964 EUA
Journal of Social History 1967
Histoire Sociale EUA
1968 Canadá
Anuaiio de Historia Económica y social 1968 Espanha
Joumal of European Economic History 1972 Itália
Revista de História Económica e Social 1978
Società e Storia Portugal
1978 Itália
Revista de Historia Económica
1983 Espanha
Boletin de la Asociation de demografia histórica 1983 Espanha
1985 ltália
-«-RO"ç

mentosestanques;ela age como um conjunto muito complexo,


em planos diferentes, mas inexüicavelmente interdependentes.Na
realidade das coisas não existe história económica: como nao
existe história política, história social, história técnica, história
culMral.'Existe a história no seu conjunto, a história.com um H
maiúsculo, isto é, a vida na sua infinita e inextricável complexi-
dade, magma em contínuo fluxo, poderosa e.simultaneamente frá-
gil. Devido a objectivos descritivos e analíticos somos obr gados
a recorrer às divisões de que se falou anteriormente. alas é neces-
sário ter sempre presente que essasdivisões são fruto de simpli-
ficações heróicas, por vezes no limite do absurdo.
historiador
xA partir de quanto foi dito, toma-seclaro que o
económico que queira compreender perfeitamente os fenómenos

üju.:;t':=, ::: .=:=;='


. blÇ$ç:
em conta. se não for inconsciente, os contributos de outras disci-
plinas, tais como a história da técnica e da ciência, a história da
medicina, a arqueologia, a antropologiat a numismática, a histó-
ria do direito, a história da filosofia, a história das doutrinas eco-
nómicas, a histórica política, diplomática e militar, a história das
religiões, a história da arte e da arquitectura: Todas as disc planas
indicadas(sem ser por ordem de importância) .podem dar contri-
butos substanciais para a compreensão da história económica.
Mas esta é uma deformação de perspectiva. A história econõmic.a
pode, por sua vez, ser considemda subsidiária de todas as disci-
plinas acima indicadas.Tudo dependedo ponto de vista em que
se coloca o observador.

1.4. Na expressão <<históriaeconómica» o tempo «história»


pode ser fonte de ambiguidade.noque diz respeito ao conteúdo
da disciplina. O termo'«história>>tem, de facto, na linguagem
comum, uma acepção conotada com o interesse pelas coisas anti-
gas e daí algunspodereminferir que a história económicase
ocupa ou se deve ocupar de acontecimentos económicos Tiunu
antigos Esta impressão deve ser corrigida porque é errada. E ver-
dade que a história se ocupa do passado. Mas todos os factos
anto factos já acontecerame, .portanto, pertencem ao pas-
sado. A diferençaentre passadoe futuro é que enquantoo pas-
sado é constituído por factos acontecidos que já .não podem ser
apagadosou modificados, o futuro .é um leque aberto para.uma
gama mais ou menos vasta de soluções altemativas. Aquilo a que
UMA DISCIPLINA CHAMADA HISTÓRIA ECONÓMICA

se chama presenteé apenasum instante fugaz que, no momento


em que se tem consciência da sua realidade factual já se tomou
passado.Como a história se ocupa de factos e não de previsões
ocupa-se, p.ortanto, do passado: de um passado que pode ser
muito remoto ou muito próximo de nós, dos temposdo paleolí-
tico ou apenasde há poucos dias. Por isso, não considero errada
a definiçãode história económicadadapelo Z)ícrío/zaryof
.14odernEca/zomicsde Horton: Ripley e Schnapper(p. 106) para
os quais «História económica é o estudo dos acontecimentoseco-
nómicos passadose preso/ires num ou em mais países»(o itálico
é meu).
Existem, evidentemente,diferenças substanciaisentre ocu-
par-sede acontecimentosoconidos há milhares ou centenasde
anos e ocupar-se de acontecimentos ocorridos há apenasalguns
anos ou alguns meses. O tipo e a quantidade de informações dis-
pomveis sâo extremamente diferentes. Além disso, o estudioso
que se ocupa de acontecimentos muito longínquos tem maiores
possibilidades de ver esses acontecimentos numa perspectiva his-
tónca que permite ter em conta as suas consequências.Por outro
lado, quanto mais longo é o tempo que separao estudiosodos
acontecimentosestudados,mais difícil e problemática será a com.
preensão da mentalidade e da cultura dos homens que deram
lugar aos acontecimentos em questão.
Em consequência, existem diferenças sensíveis de método e
de preparação.entre os historiadores económicos que se ocupam
de épocasmuito distantesde nós e os historiadoreseconómicos
que se ocupam de épocasrecentes. No entanto, é certo que a his-
tória económica cobre toda a gama do tempo passado. Como o
professor Kula escreveu, «conceber a história económica como
ciênciado passadoe a economiacomo ciênciado presentesig-
nifica formular um juízo que não resiste à crítica>>(i). '' '''

1.5 Até agora, analisámos a expressão «história económica>>


dando uma atenção particular ao temia <<história>>.
É altura de
desviar a nossa atenção para o adjectivo <económica» e tentar
definir o que diferencia a História económica da Economia.
A Economia é uma disciplina recente que só teve um grande
desenvolvimento
a partir da segundametadedo séculoxvm.
Também a Economia, no seu desenvolvimento tumultuoso, aca-
bou por se dividir em muitos subgrupos que deram origem a uma
literatura especializada, a revistas especializadas, a cursos uni-
/7
-«««ouÇ

versitários específicos: assim, hoje fala-se e escreve-sesobre


macroeconomia, microeconomia, política económica, econome
troa. economia industrial, economia do trabalho, economia.dos
transportes, economia monetária e bancária, economia agrária,
economia da organização sanitária. Em ltália existem também
cursos universitários de economia do turismo. O leitor pode repa-

nometria corresponde a cliométrica. À economia industrial cor-


responde a história da indi3stria.À economia agrária corresponde

económica geral deve ter-se em conta: .


a) a problemática das duas disciplinas e o uso dos instru-
mentos conceptuais de análise;
b) os objectivos das duas disciplinas-

1.6 Demos uma primeira olhadela à problemática e aosdedo-


ins-
trumentos conceptuais empregues. Obviamente, um estudo
Gadoa investigar a data de nascimento de um mercador não pode
ser considerado um trabalho de história económica só porllue.a
personagem.chave da investigaçãoteve na suavida a proas:ao
mermntil Da mesmaforma, nao pode considerar-se como obra
de história económicaum trabalho dedicado às desventurascon-

económico, isto é, numa primeira aproximação, a uma problemá-


tica que dê respostaàs três questõesfundamentais da Economia:
1) o que produzir, 2) como produza, 3) como distribuir o que se
oroduziu. . .
r' ''ilÜ'prática, estas três questões fundam.entais articulam-se
numa série de questõesmais específicasrelativas à determinação
dos preços, ao emprego dos recursos escassos, às varlaçoJes
durante o breve e o longo período da produção, do emprego, da
procura e da sua esüutura, da .distribuição da riqueza e do rendi-
mento etc., etc.(2) Um trabalho que queira ser considerado um
üabalho de história económica deverá usar os instrumentos con-
/8
UMA DISCIPLINA CHAMADA HISTÓRIA ECONÓMICA

ceptuais, as categorias analíticas e o tipo de lógica forjados pela


teoria económica.Já o tinha dito no longínquo 1892Luigi Cassa,
quando escreveu que a teoria económica deverá <(fomecer à his-
tõna económica os critérios teóricos que Ihe são indispensáveis
para a escolha, a coordenaçãoe a apreciaçãodos factos, das con-
dições e dos objectivos que constituem a sua matérias»(3).
A objecção de que os instrumentos conceptuais e a teoria ela-
borados pela ciência económica contemporânea não estão adap-
tados à interpretação de realidades do tempo longínquo, é uma
objecçãomal feita de que nos ocuparemosno capítulo quinto.
Parece-me,pois, indiscutível que, se uma dada análise que tem
por objecto acontecimentos de história económicanão usa ins-
trumentos conceptuais e categorias analíticas económicas, não só
não pode ser qualificada como uma obra de História económica.
como facilmente produz resultados que não podem ser tidos em
conta.
Por outro lado, deve reconhecer-se que os instrumentos mais
refinadoselaboradospela teoria não são, na realidade.necessá.
rios para o uso e a aplicação que deles pode fazer a História eco-
nómica. Como escreveu o professor T. W. Hutchinson <a análise
absüactade tipo mais sofisticadonão tem aplicaçãono mundo
real... A experiência ensina que o tipo de análise teórica efecti-
vamente útil (para aplicações práticas) é o de nível elementar e
que os modelos mais sofisticados podem tomar-se mais prejudi-
ciais do que úteis no mundo da realidade>>(').

1.7. Afirmou-se que nada impede que o economista se ocupe


e vá buscar exemplos ao passado e que, da mesma maneira, nada
impede que o historiador económico se ocupe de factos econó-
micos contemporâneos. Acrescentou-seainda que, com certas
limitações de que se falará posteriomlente, a História económica
e a Economia teriam em comum quer a problemática quer os ins-
trumentos conceptuais e as categorias analíticas. Não surpreende,
portanto, que um economista com o prestígio de A. K. Caimcross
tenha escrito: <<Achodifícil pensar nos economistas e nos histo-
riadores económicos como entidades separadas.Os seus interes-
ses são idênticos. O trabalho do economista consiste em explicar
como a economia funciona; o do historiador económico em expli-
car como funcionou no passado»('). E, todavia, a História eco-
.nõmicae a Economia são, e continuarão a ser, duas disciplinas
claramente distintas. ' '''
INTRODU

O economista está normalmente orientado para o futuro. John


Maynard Keynes defendia que <o economista deve estudar o pre-
senteà luz do passadopara fins que têm a ver com o futuro».
E 'iohn Hicks escrevia que «uma boa parte do trabalho dos eco-
nomistas concentra-se no futuro, com previsões e planifica-
ções»('). O economistaestánormalmenteinteressadona determi-
nação da regularidade das relaçõesde associaçãoentre variáveis
económicas consideradas relevantes. Para usar uma palavra talvez
imprópria, o economista está essencialmente interessado na deter-
minação de <<leis»que Ihe permitam formular previsões e planos
O economista chega à formulação de <(leis>>
e paradigmas através
de análises factuais concretas (e, portanto, de um passadomais ou
menospróximo), ou atravésda lógica dedutivaformal. Mesmo
quandoise serve da lógica abstracta,o economista baseia-se em
conslb:caçõese relações intuitivas, mas que derivam principal-
mente da experiência. Portanto, tem razão John Hicks quando,
depois de ter afilhado que <<boaparte do trabalho dos economis-
tas se concentra no futuro com previsões e planificações», sente o
dever de acrescentar:<<Masas previsões são triviais e as planifi-
cações são inúteis se não se baseiam em factos. E os factos que
temos à nossa disposição são factos do passado-- que podem ser
de um passado recente, mas que são sempre do passado»('). Ape
sar de tudo isto, o economistaestá,de facto, orientadopara o
futuro e de várias maneirasconsoantea sua técnica de previsão;
no entanto, quer esta seja uma extrapolação,quer.uma adaptação
ou uma expectativa racional, a sua posição implícita permanece
sempre a de que, de qualquer modo, o futuro.apagará o passado.
Pelo contrário, o historiador está orientado sobretudo para o pas'
sado e enquantohistoriador não se pre?lupa com o futuro nem tem
também,
a pretensão de o poder condicionar. O historiador pode
às vezes, sentir-se tentado a insistir em cei.tas regularidades ou ana-
logias aparentese a subestimarcertas «leip> válidas para todos os
tempos. São desvios quase sempre perigosos. Enquanto o econo-
mista usa a experiência passadapara predizer ou tentar condicio-
nar o futuro, o historiador contenta-secom a observaçãodo .pas-
sado para o compreender nos seus termos e na sua individualidade.
Como escreveu Hempel <<ahistória ocupa-se da descrição de acon-
tecimentos particulares do passado e não da procura de leis gerais
que possam govemar esses acontecimentop>. . -.
A diferente posição do economista e do historiador conduz
a duas atitudes metodológicas diferentes. Estimulado pela ansie-
20
ONÓMICA

2/
-"R"V

22
23
IM'R9

Das reformas políticas começámosa entrever as teorias políticas


que nos conduziram ulteriomiente às filosofias do Ocidente. Por
outro lado, através das invenções mecânicas, entreviu-se a cIêncIa,
que nos fez compreendero método científico e a disposição.men-
tal científica. Passoa passo fomos levados cada vez mais longe
pelas balas de canhão e, todavia, cada vez mais nos aproximáva-
mos delas»(:').

1.9. Há outros aspectosno qual a teoria económica e a his-


tória económica tendem a divergir. O teórico não usa apenasum
número reduzido de variáveis. Por necessidade, na formulação de
uma teoria lógica e generalizadora,ele cria hipóteses a partir de
associaçõesfortes entre certas variáveis de base, considerando
nestas tina detemlinada taxa de repetição. Deve também prever
um certa grau de racionalidade,porque senão as associações.refe-
ridas desapareceriame a teoria perderia toda a.possibilidade de
se tomar operativa.O economistatem de trabalhar com base.no
pressuposto de que os seres humanos agem segundo programas
precisos e definitivos, quando a experiência ensina que, em .mui-
tos casos. não existe nenhuma precisão, certeza ou estabilidade
nos programas humanos. <<O homem», escreveu Caimcross, <<é
uma ci.iatura imprevisível e inconstante e, como disse Keynes, o
seu comportamentonão é homogéneono tempo»(:'): Por isso,
por mais que se esforcepor introduzir elementosconjecturaislo
economista trabalha com modelos para cujo estudo basta aquilo
a que Pascal chamava o esprlf géomérrzque.
O historiador tem de trabalhar não só com um numero
incomparavelmente superior de variáveis, mas também com ele-
mentos que não se podem medir, irracionais, imprevisíveis, com
associaçõesque mudam continuamente, e não.apenascom o que
Ihe convém.'E importanteinsistir no facto de que a diferença
entre n e (/z-k) não é de natureza meramente quantitativa. Se
assim fosse, qualquer pessoaingénua poderia pensar que, na era
dos computadores, seria possível organizar sistemas.de equações
com um número de variáveis que se aproximasse de n, fazendo
uma <<cooptação
dos exógenos».De facto, as coisas são muito
diferentes. Enquanto k representa um conjunto bastante homogé-
neo de variáveismais ou menosracionaise previsíveis,(n:#)
representa, como já se disse, um conjunto de cariz caótico de ele-
mentos heterogéneos dos quais muitos são absolutamente impre-
visíveis e (ou) inemediavelmenteinacionais e (ou) não qualifi-
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UMA DISCIPLINACHAM/iDA HISTÓRIAECONÓMICA

dáveise, como se isto não bastasse,a história joga com eles com
extrema fantasia, modificando continuamente e de modo impre-
visível as relações de associação entre as variáveis deste conjunto.
Para trabalhar este conjunto de complexidades e variáveis tão
pouco maleáveis, fazendo ainda referência à temiinologia de Pas-
cal, o esprlf géomé/riqzlenão chega. Aliás, até pode ser prejudi-
cial. O que é necessárioé o mais maleável,o mais subtil e, se
se quiser, o menos científico e mais indefinido esprif de ./messe.
Mas o que é, afinal, este esprír dej/lesse? O próprio Pascal
que dele teve a intuição sentiu dificuldade em dar uma definição:
andou para a frente e para trás, repetiu-se, numa linguagem vaga
e confusa. ParafraseandoPascal, sou levado a sugerir que, em
certa medida, o esprír de ./inesie é a capacidade de se aperceber
da presença e da importância de um número infinito de variáveis,
muitas das quais não podem ser nem medidas nem definidas;
uma atitude de imprecisão medida, consciente e controlada, que
pemiite margens convenientes de tolerância no grau de associa-
ção entre as variáveis, que sabe reconhecer a elevada frequência
de associaçõesde tipo não linear e do tipo a que os físicos cha-
mariam de caótico, que exclui relações rigorosas de causalidade,
que aceita a presençacontínua de condições nas quais o acaso e
o caos têm um papel relevante, que se apercebe e sabe ter em
conta aquilo que não se pode medir, nem conhecer, nem prever,
o inacional na aventurahumana.O esprir de ./T/cesse é, em certa
medida, um sexto sentido que se desenvolve no historiador de
valor, graçasà familiaridade com as fontes, que Ihe permite ser
flexível nas conclusões,cuidadoso nas explicações, sempre cons-
ciente da imprecisão inata e não mensurável da reconsuução his-
tõnca

1.10 Ao longo da história aparecem frequentemente situações


que apresentam notáveis semelhanças entre si. Mas, embora essas
analogiaspossam parecer evidentes, o facto é que cada situação
histórica é única e inepetível. Pode fazer-se uma tosca compara-
ção, dizendo que existem indivíduos parecidos, mas isso não
impede que cada um deles seja único. O facto fundamental da
irreversibilidade da história dá um significado especial ao dito tra-
dicional «/zfsroríamagos/ravíldoü. De facto, há incompatibilidade
entre a afirmaçãode que a história se repetee a norma de que
<<ahistória é a mestra da vida>>porque, se uma dada situação se
repetisse, os que uma vez perderam, tirando vantagem da expe-
25
-",R"Uç-'


UMA DISCIPLINA CHAMADA HISTÓRIA ECONÓMICA

os historiadores que se ocupam de sociedades mais distantes da


nossano tempo têm, nas mesmascondições, um sentido histórico
mais subtil e afinado do que os historiadores de épocasmais pr(5-
ximas de nós. Não quero dizer com isto que o estudo da história
ou o viajar cheguem para tomar um homem sábio. Se assim
fosse, os professores de história (e de história económica) seriam
todos sábios-- o que está muito longe da realidade. A viagem e
um conhecimentoda história são condiçõesnecessáriasmas não
suficientes para a compreensão dos acontecimentos humanos.

NOTAS

(') Kula, Proa/eml e merodí,p. 78


(:) O que se afirmou no texto deverá ser modificado no sentido do que se
dirá mais adiante no período 2.2
(:) Cosia, //zrrodzlzío/ze,pp. 26-28.
(') Hutchinson, Krzow/erige a/zd /g/zorance l/z Eco/zomícs,p. 93.
(s) Caimcross, //z Praise of Eco/zomíc Hls/OW, p. 173
(') Hicks, Causa/ÍQí/z Economlcs,p. 62
(') Hicks, Cazísa//O í/z Eco/zomícs, p. 62.
(;) Matthews e Feinstein, Brff/s/z Eco/zomfc GrowrA, p. 13.
(9) O que se afimlou no texto é verdadeiro numa primeira aproximação.
Mais informações a este respeito serão expostas no capítulo IV.
('o) A posição diferente do economista e do historiador a propósito dos
acontecimentosacidentaisera já clara em Karl Bücher, Z)íe E/z/sleAl/zg der yo/k
wírrsc/z({Ht,
no Hnn do século passado, quando escrevia(cap. 111):«0 historiador
duma detemiinada época não deve esquecer nada do que de importante aconte-
ceu, enquantoque o teórico pode limitar-se a indicar o que é normal, deixando
de pane tranquilamenteo que é casual.»
('') Como escreveuLord Bullock, toda a reconstruçãohistórica ficaria
incompleta e incorrecta se excluísse<<oimpacte e a ordem cronológica de acon-
tecimentos frequentemente imprevisíveis na sua combinação e nos seusefeitos,
o papel e a interferência recíproca das personalidades, os conflitos de interesses
particulares, a mistura de comportamento racional e irracional, os elementos do
acaso>>(Bullock, /s HísroW becomí/zg a Sacia/ Sele/zce, p. 18).
(':) Moggridge, The co//ecfed wrí/í/zgs of Jo/zn 4/. Key/zes, vol. XIV, pane
11,P. 296.
(") Chiang, Tídes, p. 4.
('') Caimcross, //z Praise of Eco/zomic HisroO', p. 179.
('s) No esprir géomérriqzlí' os princípios são palpáveis mas afastados da
experiência comum. . . no espríf de .Pnesseos princípios derivam da experiência
comum e estão perante os olhos de todos. .. Para possuir o esprír de ./inesie
é preciso,porém, ter uma vista boa, mesmomuito boa, porque os princípios são
tão delicados e tão numerosos que é quase impossível que algum não escapeao
ODservaaor

27
(n) Kissinger, The WAife House reais, p. 54.

28
Capítulo segundo

A PROBLEMÁTICA

2.1. Qualquer investigação ou escrito que queira ter um sen-


tido deve procurar dar resposta, embora parcial' e provisória(em
ciência nao existem respostas definitivas), a um problema ou a
um conjunto de problemas. Portanto, a primeira' coisa a fazer.
quando se começa uma investigação ou se inicia o esquemade
um livro, é formular o problema (ou o conjunto de problemas) a
que se pretende dar resposta.
O problemapode ser explicitado no livro ou apenassuben-
tendido. De qualquer das maneiras, deve ser posto com cuidado.
com clareza e competência. A qualidade da resposta é muito con-
dicionadapelo modo como o problema é fomlulado. Um pro-
blema colocado em termos confusos, imprecisos e desapropnados,
não pode dar lugar senão a respostas confusas e imprecisas.

'- 2 2. No parágrafo 1.6. argumentou-se dizendo que a proble-


máticada História económicaterá de ser uma problemáticaeco-
nómica, de forma a estar de acordo com os problemas funda-
mentaisda economia geral. Esta afimlação é válida em princípio
e numa primeira aproximação, mas deve ser ampliada e melho-

Dizer que a problemáticada História económicatem de ser


natureza económica não significa dizer que os problemas afton-
ados pelo historiador económico tenham de ser retirados em peso
dos textos sagradosda teoria económica e devam reWtir. em escala
histórica, as temáticasafrontadas pelos economistas.Isto pode
muito bem acontecer, mas tem de se admitir que, na prática, entram
em jogo elementos que dão lugar a uma grande margem de flexi-
29
INTROOUÇÃO A

bilidade e que os problemasafrontados pelo historiador econó-


mico, embora de natureza económica, podem apresentar variantes
notáveis em relação aos problemas tratados pelo economista. Exis-
tem várias ordensde razõespara esteestadode coisas.
Já se disse que o economistavisa a detemiinaçãode certas
relações(no limite <<leis»)válidas para situações.históricasdiver-
enquanto o historiador económico visa a. descrição-recons-
trução de situações histórico-económicas específicas consideradas
na sua individualidade e especificidade.
Uma outra razão é que, com a evolução da história econó-
mica para disciplina autónoma,foi-se formando uma problema:
tica que, embora continuando a ser essencialmente económica, vai
buscar a inspiração e a sua razão de ser à própria evolução da
História.económica, às suas investigações e aos seus resultados.
IJmà terceira circunstânciaque pode modificar substancial-
mente a ênfase que o historiador económico coloca em certos
fenómenos -- se comparada com a ênfase dada pelos econo-
mistas teóricos -- tem a ver com o tipo de economia estudado.
O historiador económico que estude uma economia esclavagista
ou a economia'da Alta Idade Média não se preocuparacom as
flutuações do nível de emprego da mesma maneira que se mte
resmapor este fenómenoo economistaque estude as modemas
sociedades industriais.
Finalmente há uma quarta razão, que é mais subtil, mas nem
por isso de menos peso. Não é impossível (e, de facto: já se veri-
ficou) que o economista, na elaboração dos seus paradigmas teó-
ricos, faça referência a economias,estruturas e acontecimentosde
um passado longínquo. No entanto, normalmente, o economista
ocupa-sede factos económicoscontemporâneos,na medida em
que está mais orientado para fazer revisões e redigir planos para
um futuro próximo. A sua curiosidade(isto é, a sua problemá-
tica) reflecte a problemáticada cultura e da sociedadeem que
vive. Pararespondera tal problemáticanecessitade um sistema
de dados e de informações. Como consumidor desses dados e
infomtações, está mais ou menos em sintonia com os seus pro'
dutores, na medida em que estes fazem parte da mesma cultura
e da mesma sociedade do economista e, portanto, partilham das
mesmascuriosidadese problemáticas. Esta sintonia entre procura
e oferta de informações faz com que o economista nomalmente
encontre disponível o tipo de informação que procura para satis-
fazer a sua problemática(').
A PROBLEMÁTICA
n =:n::S=:.=:=':::=
. .?Ln=::,'T

32
A PROBLEMÁTICA

Recentemente, especialmente nos Estados Unidos. tem-se


$
vindo a afirmar uma escola de historiadores económicos com uma
fomtação predominantemente económica, e interessando-se sobre-

principalmente com o «modelo» teórico criado e não':endo


encontradonas fontes à sua disposição os dados históricos neces-
sários para responder à problemática de cariz comente fmem
acrobacias e, em muitos casos, recorrem a dados substitutivos
(pnzW),q3JErepresentatividade é muitas vezesduv doía e cuja

:=h.=U.i=W3.r=,:=:'.::É:#ÜÊÉIÊg
2.3 Nos parágrafosanteriores sublinhou-se a importância de
uma rigorosa definição da problemática, no início de uma inves-
tigação, como pressuposto essencial para um bom resultado da
INTROD

oportunidade de modificações e de .redeümiçõesda problemática


de que partiu. Por outras palavras, deve haver um contínuo./êed-
.baGA entre a definição da problemática e a recolha de dados.
Modificar os pontos de partida -- problemática: paradigma teó-
rico, hipótesesde trabalho -- não é sinal de volubilidade ou fje
incoerência, mas sim de elasticidade mental e de honestidade ante
lectual. O objectivo de toda a investigação não é a deformação
dos factos para provar uma teoria, mas a adaptaçãoda teoria para
uma melhor compreensãoda realidade factual.

NOTAS

(') :Mesmo entre produtores e consumidores de infomtações económicas

valorizava as reservas de ouro do país


(:)Cipolla,SroríaEco/zomíca,pp-
11-12. ,,. . , ..
(') Layard, Díscoveríes i/z fAe ruÍzzs of NÍ/leve/z, p' b03' A expressam =wuç-
gna do meu fígado» com que se inicia a carta é um modo muçulmanode se
dirigir a uma pessoa amiga.

34

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