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oensino de gramática
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3g edição
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1. OBJETIVOS DO ENSINO
DE LÍNGUA MATERNA
9. Veja o exemplo recente da França, que, em 1994, editou lei proibindo o comércio, São representantes dessa concepção as gramáticas feitas de acordo
de apresentar e oferecer produtos em inglês, numa luta declarada contra a invasão de anglicismos; com as teorias estruturalistas que privilegiam a descrição da língua oral
devida à influência econômica e cultural dos Estados Unidos da América. Cf. o artigo "Oui.
C'est Ia guerre" in Veja, 18/05/1994: 50.
e as gramáticas feitas segundo a teoria gerativa-transformacional que
10. Importa lembrar que a gramática normativa, com seu caráter prescritivo, foi construída trabalha com enunciados ideais, ou seja, produzidos por um falante-ouvinte
segundo a concepção de linguagem como expressão do pensamento (cf. capítulo 2).
ideal. As correntes lingüísticas que dão base a esse tipo de gramática
objeto da descrição, daí porque normalmente essa gramática é chamada
têm em comum o fato de proporem uma homogeneidade do sistema de gramática internalizada.
lingüístico, abstraindo a língua de seu contexto, ou seja, elas trabalham Nessa concepção de gramática não há o erro lingüístico, mas a
com um sistema formal abstrato que regularia o uso que se tem em inadequação da variedade lingüística utilizada em uma determinada
cada variedade lingüística. situação de interação comunicativa, por não atendimento das normas
sociais de uso da língua, ou a inadequação do uso de um determinado
Na verdade, essas duas correntes básicas da gramática descritiva
recurso lingüístico para a consecução de uma determinada intenção
fazem o que se pode chamar (considerando a dicotomia langue/parole comunicativa que seria melhor alcançada usando-se outro(s) recurso(s).
proposta pelo lingüista Saussure) de uma lingüística da langue, do sistema É o que teríamos se alguém numa situação de velório dissesse o que
formal e abstrato da língua, visto como algo uniforme que regula as temos em (3a e b), pois, considerando tudo o que socialmente está
variedades da parole (fala, uso). Sobretudo a partir da década de 60 estabelecido sobre o comportamento que se deve ter nesse tipo de situação
ganharam corpo diversas correntes de estudos da língua (Lingüística e desde que estejamos querendo demonstrar consideração e apreço pelo
Textual, Análise do Discurso, Análise da Conversação, Semântica Argu- morto e por seus familiares na dor da perda, seria mais conveniente
mentativa,Sociolingüística em diferentes correntes, Pragmática), que podem utilizar algo parecido com o que temos em (3c).
ser reunidas sob o título geral de lingüística da enunciação ou do discurso
e que tratam não só do sistema formal, mas se dedicam a fazer também (3) a - Meus sentimentos porque sua mãe bateu as botas,
uma lingüística da fala que considera a variação lingüística, bem como b - Então a velha bateu as botas?!
a inserção e relação da língua com a situação de comunicação como c - Meus sentimentos pela perda de sua mãe.
•
calidade no sentido da gramática descritiva. Isso não deixa de ser verdade, utilização oral e escrita do idioma, prescreve o que se deve e o que
mas é apenas parte dela, pois seconsiderarmos que a gramática internalizada
não se deve usar na língua. Essa gramática considera apenas uma variedade
atua apenas no nível da frase estaremos deixando de fora todos os
da língua como válida, como sendo a língua verdadeira.
elementos constitutivos da gramática da língua em outros âmbitos que
não o da frase, como todos os princípios que nos permitem fazer uso A gramática normativa é mais uma espécie de lei que regula o uso
da língua através de textos, tais como os princípios de construção, da língua em uma sociedade. A parte de descrição da norma culta e
interpretação e uso de textos em conformidade com situações diferentes padrão não se transforma em regra de gramática normativa até que seja
de interação comunicativa, os princípios que regem a conversação e dito que a língua só é daquela forma, só pode aparecer e ser usada
muitos outros. O que queremos é que fique claro que o usuário da língua naquela forma. É preciso, pois, separar a descrição que se faz da norma
precisa saber (e sabe) muito mais do que apenas as regras de construção culta da língua, que é apenas gramática descritiva de uma variedade da
de frases para ter uma competência comunicativa e que faz parte da língua, com a transformação do resultado dessa descrição em leis para
gramática da língua, muito mais do que aquilo de que a teoria lingüística uso da língua. Assim, por exemplo, o estudioso constata que na variedade
trata ao estudar os elementos da fonologia e fonética, da morfologia e culta e formal da língua:
da sintaxe. O professor deverá perceber que a gramática da língua é a) não se iniciam frases com pronome oblíquo átono;
constituída por bem mais do que isso para conseguir fazer um trabalho
efetivamente pertinente e produtivo no ensino de língua materna. Importa, b) o verbo concorda em número e pessoa com o sujeito;
pois, registrar, reafirmar e destacar aqui que a gramática internalizada é c) pronuncia-se como oxítona a palavra "recém", como paroxítona
a que constitui não só a competência gramatical do usuário mas também a palavra "avaro", como proparoxítona a palavra "crisântemo", com
sua competência textual e sua competência discursiva (cf. capítulos 1 e ditongo e paroxítonas palavras como "fortuito" e "gratuito" e com hiato
6) e, portanto, a que possibilita sua competência comunicativa. e oxítona a palavra "ruim".
Até aí temos simplesmente descrição. A gramática normativa aparece
3.2. Tipos de gramática quando os fatos da variedade culta da língua são transformados em
regras, em leis de uso tais como as dadas em (5), considerando como
Ao desenvolver o ensino de língua materna e trabalhar especificamente "erro" as outras possibilidades existentes nas demais variedades da língua.
com o ensino de gramática, é conveniente ter sempre em mente que há
(5) a - Não se pode iniciar frases com o pronome oblíquo átono (o que
vários tipos de gramática e que o trabalho com cada um desses tipos faz classificar a frase {2c] como errada ou agramatical);
pode resultar em trabalhos (atividades) completamente distintos em sala
b - O verbo tem de concordar em gênero e número com o seu
de aula para o atendimento de objetivos bem diversos. sujeito (o que faz classificar as frases [2b] e [2f]n como erradas
Os três conceitos de gramática vistos anteriormente já deixam clara ou agramaticais);
a existência de três tipos de gramática, que apresentamos a seguir. c - são oxítonas as palavras: recém e ruim (com hiato u-i);
- são paroxítonas as palavras: avaro, fortuito e gratuito (ui é
1) A gramática normativa, que é aquela que estuda apenas os ditongo nas duas últimas) e recorde;
fatos da língua padrão, da norma culta de uma língua, norma essa que - são proparoxítonas as palavras crisântemo e arquétipo;
se tornou oficial. Baseia-se, em geral, mais nos fatos da língua escrita portanto constitui silabada12 e deve ser evitada a pronúncia dessas
e dá pouca importância à variedade oral da norma culta, que é vista, palavras como aparecem na linguagem popular;
conscientemente ou não, como idêntica à escrita. Ao lado da descrição
da norma ou variedade culta da língua (análise de estmturas, uma
classificação de formas morfológicas e léxicas), a gramática normativa "nrt " " aPa Q, gramática normativa a frase de 2f tem outros problemas: os de pronúncia de
ra aia e "homi" c o de concordância nominal em "prós homi".
apresenta e dita normas de bem falar e escrever, normas para a correta • Silabada é o erro na acentuação tônica de um vocábulo" (Bechara, 1968: 66).
m
récem (paroxítona), ruim (ui ditongo, portanto monossílabo 4) Gramática implícita, que é a competência lingüística internalizada
tônico), ávaro (proparoxítona), fortuito e gratuito (u-i hiato e
paroxítonas), recorde (proparoxítona), crisântemo (paroxítona), do falante (incluindo os elementos — unidades, regras e princípios —
arquétipo (paroxítona). de todos os níveis de constituição e funcionamento da língua: fonológico,
morfológico, sintático, semântico, pragmático e textual-discursivo) e que
A gramática normativa é o tipo de gramática a que mais se refere seria implícita, porque o falante não tem consciência dela, apesar de ela
tradicionalmente na escola e, quase sempre, quando os professores falam estar em sua "mente" e permitir que ele utilize a língua automaticamente,
em ensino de gramática, estão pensando apenas nesse tipo de gramática, quando dela necessita para qualquer fim, em situações específicas de
por força da tradição ou por desconhecimento da existência dos outros interação comunicativa. Alguns dizem também gramática inconsciente.
tipos. Esse tipo de gramática, por possibilitar o uso automático da língua, está
diretamente relacionada com o que se chama no ensino de gramática,
2) A gramática descritiva é a que descreve e registra para uma no trabalho escolar com a gramática, de gramática de uso.
determinada variedade da língua em um dado momento de sua existência
(portanto numa abordagem sincrônica) as unidades e categorias lingüísticas 5) A gramática explícita ou teórica é representada por todos os
existentes, os tipos de constmçao possíveis e a função desses elementos, estudos lingüísticos que buscam, por meio de uma atividade metalingüística
o modo e as condições de uso dos mesmos. Portanto a gramática descritiva sobre a língua, explicitar sua estrutura, constituição e funcionamento.
trabalha com qualquer variedade da língua e não apenas com a variedade Assim todas as gramáticas normativas e descritivas são gramáticas explícitas
culta e dá preferência para a forma oral desta variedade. Podemos, então, ou teóricas, podendo ser entendidas como umá explicitação do mecanismo
ter gramática descritiva de qualquer variedade da língua. dominado pelo falante e que lhe possibilita usar a língua (cf. Perini,
1976:23-24) e que seria representado basicamente pelo conjunto das
Essa gramática será o resultado do trabalho do lingüista a partir da unidades lingüísticas de todos os níveis e tipos e as regras e princípios,
observação do que se diz ou se escreve na realidade e trata de explicitar para sua constituição e/ou utilização.
o mecanismo da língua, constmindo hipóteses que expliquem o seu
funcionamento (cf. Perini, 1976: 20 e 22). 6) A gramática reflexiva é a gramática em explicitação. Esse
conceito se refere mais ao processo do que aos resultados: representa as
Com freqüência as gramáticas descritivas recebem nomes ligados atividades de observação e reflexão sobre a língua que buscam detectar,
às correntes lingüísticas segundo as quais foram construídas, daí falar-se levantar suas unidades, regras e princípios, ou seja, a constituição e
em gramáticas estmtural, gerativa-transformacional, estratificacional, fun funcionamento da língua. Parte, pois, das evidências lingüísticas para
cional, etc.
tentar dizer como é a gramática implícita do falante, que é a gramática
3) A gramática internalizada ou competência lingüística inter da língua.
nalizada do falante é o próprio "mecanismo", o conjunto de regras que Esses três tipos de gramática (explícita ou teórica, reflexiva e
é dominado pelos falantes e que lhes permite o uso normal da língua implícita) representam uma distinção muito produtiva na questão do ensino
(cf. Perini, 1976:20 e 22). Na verdade é essa gramática que é objeto de I de gramática, como veremos mais adiante, e podem também serdiretamente
estudo dos outros dois tipos de gramática, sobretudo da descritiva. relacionados à distinção entre atividades lingüísticas, atividades epilin-
Além desses três tipos de gramática derivados da concepção que güísticas e atividades metalingüísticasu'.
se tem de gramática, trabalhamos também com outros três tipos cujo I As atividades lingüísticas são aquelas que o usuário da língua
critério de proposição está ligado à explicitação da estrutura e do J (falante, escritor/ouvinte, leitor) faz ao buscar estabelecer uma interação
mecanismo de funcionamento da língua. São eles: comunicativa por meio da língua e que lhe permite ir construindo o seu
exto de modo adequado à situação, aos seus objetivos comunicacionais,
13. Os acentos aqui têm a função precípua de marcar a tônica e por isso nem sempre
seguem as regras de acentuação.
14. Sobre essas atividades, leia Geraldi (1993: item 1.2 até p. 58).
ao desenvolvimento do tópico discursivo, que alguns chamam de assunto metalinguagem, isto é, um conjunto de elementos lingüísticos próprios e
ou tema (cf. capítulo 6). Neste caso, o falante faz uma reflexão sobre apropriados para se falar sobre a língua. Nesse caso a língua se toma
a língua que se diria automática, porque ele seleciona recursos lingüísticos o conteúdo, o assunto, o tema, o tópico discursivo da situação de interação.
e os arranja em um trabalho de constmçao textual em que lança mão Há aqui sempre análise consciente dos elementos da língua, e se busca
dos mecanismos lingüísticos que domina sem um trabalho de explicitação explicitar como esta é constituída e como funciona nas diferentes situações
dos mesmos. As atividades lingüísticas são, pois, as atividades de construção de interação comunicativa. O que se faz então é a constmçao de um
e/ou reconstmção do texto que o usuário realiza para se comunicar. conhecimento (normalmente de natureza científica) sobre a própria língua;
Podemos relacioná-las com a gramática de uso, pois ocorrem quando o portanto, a atividade metalingüística, na maioria das vezes, está relacionada
usuário da língua utiliza de forma automática a sua gramática internalizada, diretamente a teorias lingüísticas e métodos de análise da língua. Todos
a gramática da língua que ele intemalizou em sua história de vida. os estudiosos e especialistas da língua fazem metalinguagem, todas as
As atividades epilingüísticas são aquelas que suspendem o desen gramáticas descritivas, históricas, comparadas, geral, universal ou de outros
volvimento do tópico discursivo (ou do tema ou do assunto), para, no tipos são produtos de atividade metalingüística. Podemos pois afirmar
curso da interação comunicativa, tratar dos próprios recursos lingüísticos que a atividade metalingüística se relaciona diretamente com o que
que estão sendo utilizados, ou de aspectos da interação. Segundo Geraldi chamamos anteriormente de gramática teórica.
(1993: 24-25) elas estão presentes nas hesitações, correções (auto ou Outros tipos de gramática comumente citados e que são definidos
heteroiniciadas), pausas longas, repetições, antecipações, lapsos, etc. ou, pelos seus objetos de estudo e por seus objetivos são os especificados
por exemplo, quando um interlocutor questiona a atuação interativa de
a seguir (itens 7 a 11).
outrem (se ele não fala, se fala demais) ou controla a tomada da palavra
numa conversação, indicando quem deve ou não falar por recursos 7) Gramática contrastiva ou transferenciai é "a que descreve duas
diversos (como pergunta/resposta, solicitação nominal, etc). A atividade línguas ao mesmo tempo, mostrando como os padrões de uma podem
epilingüística pode ser ou não consciente. Se pensamos que inconsciente ser esperados na outra. É muito usada no ensino de línguas, pois define
se relaciona com a gramática de uso, se consciente parece se aproximar a natureza das dificuldades, permitindo ao professor selecioná-las ou
mais da gramática reflexiva, todavia, de qualquer forma há uma reflexão diminuí-las" (Borba, 1971:80).
sobre os elementos da língua e de seu uso relacionada ao processo de
interação comunicativa. Nos textos (6) temos exemplos de atividades No ensino de língua materna, a gramática constrastiva será parti
epilingüísticas diversas. cularmente útil quando mostrar as diferenças e semelhanças entre diferentes
variedades da mesma língua (dialetos regionais, língua oral e escrita,
(6) a - Achei o vestido de Maria lindo. Lindo não, maravilhoso. registro formal e coloquial, etc).
b - Vamos fechar esta questão, pois o horário da reunião já acabou. 8) Gramática geral é a que "compara o maior número possível
c - Agora quem vai dar sua opinião é o João. de línguas, com o fim de reconhecer todos os fatos lingüísticos realizáveis
d - Não creio que a palavra mansão dê uma boa idéia sobre como e as condições em que se realizarão. Não se preocupa com o realizado,
é a casa de Pedro, creio que palácio seria melhor, daria uma mas com as possibilidades que estão por trás dele — é uma gramática
idéia mais exata da realidade.
de previsão de possibilidades gerais" (Borba, 1971: 81).
e - Não creio que ele seja um... um... um... mentiroso.
f - Então ele trouxe o tou/o cavalo para o rodeio. Busca, portanto, "formular certos princípios aos quais todas as
g - Me desculpe, mas você não pode usar esta linguagem dentro ínguas obedecem, e que fornecem a explicação profunda do emprego
de uma igreja. destas" (Todorov e Ducrot, 1978: 15). A gramática geral, assim, "se
entifica com a definição de uma língua humana possíver e é vista
As atividades metalingüísticas são aquelas em que se usa a língua em ultima análise como "uma parte da definição de 'ser humano'" porque
para analisar a própria língua, construindo então o que se chama de - entende que "os traços comuns a todas as línguas humanas são com
toda probabilidade decorrentes de traços característicos da mente humana" 11) Gramática comparada é a que estuda uma seqüência de fases
(Perini, 1976:24). evolutivas de várias línguas, normalmente buscando encontrar pontos
9) Gramática universal é uma "gramática de base comparativa que comuns. Os estudos comparativistas tiveram seu auge no final do século
procura descrever e classificar todos os fatos observados e realizados passado e início deste século e foram os responsáveis pelo estabelecimento
universalmente" (Todorov e Ducrot, 1978:15), ou seja, investiga quais das famílias de línguas, descobrindo parentescos entre línguas aparente
características lingüísticas são comuns a todas as línguas do mundo mente muito distanciadas como o Latim e o Sânscrito, por exemplo.
(Perini, 1976:24). Nem sempre se faz uma distinção entre gramática geral
e universal. Veja-se em (7) alguns exemplos de universais lingüísticos.
(7) a - todas as línguas têm vogais;
b - todas as línguas têm dupla articulação;
c - em frases declarativas com sujeito e objeto nominal, a ordem
dominante é quase sempre uma em que o sujeito precede o
objeto;
d - todas as línguas têm categorias pronominais envolvendo pelo
menos três pessoas e dois números;
e - em afirmações condicionais, a oração condicional precede a
conclusão como a ordem normal em todas as línguas;
f - se uma língua tem a categoria de gênero, ela sempre tem a
categoria de número;
g - se uma língua tem flexão, ela sempre tem derivação.
h - quando algum ou todos os itens — demonstrativo, numerai e
adjetivo — precedem o nome (substantivo), eles sempre aparecem
nessa ordem. Se eles o seguem, a ordem é ou a mesma ou
exatamente o oposto 15