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I
Trigo Maduro não vem no mapa, não é terra onde se passe por
mercearia e a barbearia.
igreja que é o edifício mais alto da terra. Em redor tudo o mais são
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todas elas possuírem uma chaminé de onde nos dias frios de inverno
possam.
Por ser dos habitantes que mais cedo se levanta, o Tio Simão do
Monte foi o escolhido para nos servir de guia nesta viagem por Trigo
descobrir, mas tudo leva a crer que tem a ver com os enormes trigais
que dantes eram semeados por toda a zona. De qualquer modo não
que é ele quem nos vai guiar nesta viagem. Até porque gosta de sair
mandar vir connosco. Não queremos nós que isso aconteça porque
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quando é caso disso fica casmurro, com mau feitio e depois é o cabo
despertador tocar, esse iria sim acordar a mulher, estaria por essa
diabo é que ele vai fazer para a horta aquelas horas, a pergunta de
amanhã, pensa enquanto passa a mão pela cara, vou mas é tratar dos
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porque não se detêm enquanto lhe descrevemos o vestuário, é assim
bem, quando não ficam para trás. Na mão tem agora dois baldes, um
com água e outro com ração e dirige-se para a cocheira onde a mula
matinal.
que andar.
Coçando a cabeça enquanto olha o cão, o Tio Simão vai dizendo algo
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for acordado dorme até ao meio-dia. Indiferente á lengalenga do
Ainda não sabemos se o Tio Simão está nos seus dias mais
portão e espreita para a rua. Será que o raio do gato não anda por ali?
Mau bicho aquele gato! E como ele odeia os cães. O Safado ainda
O Piloto era maior e mais velho que ele e no entanto também tinha
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Atrasado como sempre. O Safado olhou para a ponta da rua onde o
bocado de massa.
A rua vai dar ao largo da igreja, já sabemos que aqui todas as ruas
entender relinchando.
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Á entrada é preciso afastar a fitas que impedem as moscas e outros
insetos de entrar, porque bicharada é coisa que não falta por ali,
ainda mais agora que é quase Verão. Pendurada no teto, uma velha
porta até fitas tem) decidiram tecer algumas teias certamente á espera
dia, ainda ali não penetrou por estas horas. É suficiente para que se
sua vez de serem servidos. Por debaixo, do lado de dentro, uma arca
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frigorífica vai refrescando vinho e cerveja, porque o bagaço esse
procurar noutro lugar porque mais aqui não há. O que há, isso sim,
gritou...
ouvir? Apostei com ele uma das minhas herdades – baixando a voz e
pondo a mão sobre o ombro do Tio Simão disse - esta taberna vai ser
minha.
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Deu uma gargalhada e saiu disparado da taberna enquanto o Tio
Tio Simão.
começa o dia.
tas a dizer?
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O outro voltou a encher o copo e ele voltou a beber de um trago.
- Vou-me andando até á horta ó Isaías. Hoje vai ser um dia duro. E
tu vê lá se te animas homem.
- Vamos embora Pintada. Vamos embora que isto hoje vai ser duro.
☺
Toino Pouca Barba já se encontra no cimo do monte desde o nascer
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da povoação. Até agora nada! Até parecia que não havia alma viva
passar por ali. No entanto... até agora nada. E logo hoje que ele não
tinha tabaco, ia pensando, que bem que havia de lhe saber agora um
cigarrinho. Até o Tio Simão que costumava andar por ali logo ao
nasceu há que tempos e nada, vai pensando, parece que ninguém saiu
Barba é natural de Trigo Maduro. Nasceu ali e por ali ficou. O Pai
ofício depois que ele faleceu. Tem Vinte e Cinco anos e dorme no
campo junto às ovelhas. À Aldeia vai duas vezes por semana, quase
sempre durante o dia fazer a barba, dar um salto a casa da Mãe para
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mais. Um dia deste, logo que apanhe dinheiro à mão, Toino tenciona
ir dar um passeio. Até á praia, nem mais nem menos. Ver o mar, que
dizem é tão grande como a planície. O Júlio dos Porcos até já lhe
indicou a direção, sempre a direito Toino não tem nada que enganar,
Toino tentava então imaginar uma quantidade tão grande de água que
sabia-o por experiência própria, mas se ele viesse de bom humor com
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e seguiram caminho. A carroça estava agora a menos de cem metros
sorte dele era a mula conhecer o caminho. O melhor era fazer parar a
mula, não podia dar-se ao luxo de deixar passar o outro. Era isso que
Uma vez apeado seria mais fácil distrai-lo e leva-lo a puxar pelo
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- Bom dia Tio Simão. Quer cá parecer-me que vossemecê traz aí
caísse.
- Vossemecê é que sabe, mas se calhar não era má ideia dar uma
olhadela.
sentia que a partida estava meio ganha. Quase que conseguia sentir já
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satisfeito o outro a descer devagar da carroça. A Pintada relinchava,
da paragem.
Com as duas mãos o Tio Simão tentou abanar a roda. Firme que
vinha mesmo a balouçar toda. Até pensei que fosse sair antes de
chegar aqui.
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O Tio Simão olhou em volta. A roda estava boa, o melhor era
seguir caminho. Olhou mais uma vez o sol no céu. Embora tenha
o verão.
plano.
- Ó Tio Simão, diga-me cá. Por acaso não ouviu falar na Aldeia
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- Tas a falar de quê rapaz? - Quase sem dar por isso o Tio Simão
- Ora Tio Simão, atão havia de tar a falar do quê? - O Pouca Barba
fumar um cigarrinho.
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que nem umas desgraçadas e o cão, esse então parecia que o estavam
a matar.
claridade.
pelo canto do olho. Será que não lhe apetecia fumar? Porque diabo é
via viva alma nem se ouvia nada, de maneira que fiquei por ali a
barulho tão esquisito que até metia medo. Depois o raio das ovelhas
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ouvir. Mas eu agora sabia que o barulho vinha do lado do barranco
por isso peguei no bordão e dirigi-me direitinho para lá. Tão certo
desde ontem.
tronco exclamou!
para ele. Não queriam lá ver o raio do rapaz! Então não é que não
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mais cedo voltaria a encontrar o Pouca Barba, ele andava sempre por
- Vamos embora Pintada. Isto hoje até parece que anda tudo
☺
O sol vai lançado os seus raios ardentes sobre os campos. Há anos
adormecer, tal como não se dá conta do verde dos freixeiros que ali a
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mesmo até á ribeira e onde abelharucos de plumagem brilhante vão
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trela, nem tão pouco de um gato, trata-se sim de um porco. Não
Trata-se do Júlio dos porcos, vive num monte ali junto á Aldeia e
dedica-se á criação dos ditos cujos. Entre todos os porcos que cria, o
Júlio tem um preferido, precisamente este que traz agora pela trela. O
os meus pensamentos.
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- Tá a ouvir Tio Simão, eu não lhe dizia?
passa.
vaca e os cães. Não foi preciso andarem muito. Logo a seguir a uma
assistido.
mas a uma coisa destas é que nenhum deles assistira ainda. Ficaram
deixou de boca aberta. A origem dos berros que ouviam estava ali.
No cimo do freixeiro estava uma vaca. Nem mais nem menos. Uma
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habituados a ver as vacas no chão por isso estranhavam a coisa e
ramos lá de cima.
- Agora que falas nisso - o Tio Simão coçava a cabeça - ouvi por ai
que conversas?
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- Bem, primeiro foi o Isaías na taberna a resmungar qualquer coisa
sobre ninguém dormir de noite, depois foi o Pouca Barba a dizer que
- o que eu sei é que está aqui uma carga de trabalhos para o dono da
- Na, não cai nada. As vacas não são parvas! Mas se calhar era
pensei ver uma coisa destas. Uma vaca em cima de uma árvore.
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- Ora – o Tio Simão sentou-se enquanto puxava de um cigarro –
acha?
vaca.
volta.
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- Os cães também desapareceram – acrescentou o Tio Simão
parte – concluiu.
Precisamente por essa altura chegou até eles o ladrar dos cães á
haviam causado.
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Quando os sentiram chegar os cães deixaram em paz o ouriço que
a cabeça.
O bicho nunca tinha visto um ouriço e alem disso a culpa é dos cães.
- Tá bem, Júlio, deixa lá isso agora. Vamos mas é voltar para junto
á Aldeia como se não fosse nada com ela ou nunca tivesse feito outra
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- Mas…esta agora! Como é que ela desceu? - O Júlio estava cada
Júlio.
- Sei lá, – o Tio Simão coçava a cabeça – isto é tudo tão esquisito,
no mesmo sítio.
cada vez mais baixo – Ó Tio Simão, estava cá a pensar uma coisa, se
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dizer que a vaca estava lá em cima, depois vão querer saber como é
Júlio não deixava de ter razão não senhor. Se fossem contar o caso,
com um ouriço.
☺
O Tio Simão preparava-se para continuar jornada quando ouviu uma
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- Olha o Tio Simão. Que é que anda a fazer por aqui?
Ainda bem que não se tinham juntado ali os dois, pensou com um
suspiro.
lebre. Aqueles dois tinham sido grandes amigos, mas desde o dia em
convidar o Júlio para vir jantar com eles. Posto isto, foi até á taberna
Quando voltou para dentro, não queria acreditar nos seus olhos. A
uma vez uma lebre. O desgraçado ainda se lambia quando ela entrou.
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A mulher deitava as mãos á cabeça sem saber o que fazer. Quando o
que aquilo já ele lhe chegara a roupa ao pelo por diversas vezes. Foi
Isto sem vinho não pode ser. Ó compadre Júlio espere cinco minutos
choro.
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Júlio dos Porcos não foi de modas. Quem era ele para duvidar do
queria a lebre porque é que não lha pedira? Roubar era feio. Pegou
pertence ao caçador.
Quanto mais o outro gritava, mais ele corria. Nessa noite não dormiu
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O Manél Parda vinha preparado para a pescaria. Trazia a cana, o
parecia que não era para já. Os cães voltaram á sua vida. O Tio
- Ora Tio Simão, eu cá sei perfeitamente a que hora é que ele tem
fome.
por duas vezes já estivera por um triz. Não fosse a cana dar de si, e o
entre os dois.
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- Algum dia terá de ser – Manél Pardal pousou no chão os
junto á margem – tenho cá a impressão que ele hoje vai passar por
não chegar seriam horas de almoço. O melhor era ficar por ali um
gente já conversa.
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O Tio Simão quase que ia caindo para trás de espanto! Como é que
o outro sabia?
primeira vez.
vi subir nem a descer, mas lá em cima já a vi. Onde é que ela estava
hoje?
encontravam.
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- Eu cá acho! - O Pardal acenava afirmativamente com a cabeça
passando pelo encontro com o Pouca Barba e com o Júlio até á frase
Olhe, vamos mas é comer uma bucha que isto a barriga não tem
culpa.
exploração.
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vinho. O Tio Simão por sua vez trouxera azeitonas, um pedaço de
- A bem dizer, estas horas já eu devia era tár na horta, mas tive aí
- Nem mais nem ontem, assim mesmo é que é falar Tio Simão! - O
cá, que empates é que vossemecê teve? Quer-me cá parecer que ficou
com o Júlio para não dar azo a que o outro ficasse mal disposto com
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de olhar a boia que teimava em continuar imóvel sobre a água. Só
campo e sabe tudo o que se passa. Se ele diz que houve arraial
aquele lado. Não queria o outro mal disposto. Ainda bem que não
- Parece que não está a dar grande coisa – atirou o Tio Simão.
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O Tio Simão bocejou. A barriga cheia, o vinho e o ambiente calmo
o e deu por si a cabecear por mais de uma vez. Com o Pardal estava a
☺
O dia de José Ribeiro, guarda-rios do Concelho, estava a correr
menos mal até avistar o chefe. Ou por outra, até o chefe o avistar a
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moeda. Toda a gente sabia do ódio de estimação existente entre os
coisa já durava havia meia dúzia de anos, desde que o chefe pensara
que não conseguira, o Zé Ribeiro também não era boa rês quando lhe
corrido pior que o costume. Embora não levasse mais de dez minutos
até ao escritório, (morava na Vila) saiu de casa meia hora mais cedo
ido para uma reunião qualquer e só voltaria de tarde, por essas horas
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gabinete onde se encontrava. Zé Ribeiro suspirou e largou os papéis.
dias.
Da parte do outro, nem truz nem bus nem saco de palha. Ficou
pegasse. Foi isso mesmo que o chefe fez passados uns instantes. Só
então falou.
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Por esta altura Zé Ribeiro preparava-se para responder mas o outro
continuou.
arvores, é pescar sem licença, cães a caçar na ribeira e sabe Deus que
adiantou.
- Como lhe disse, acabei agora de falar com o Sr. Diretor Geral e
de gozo.
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certificar-me de que você será transferido para bem longe daqui.
que estava a dois anos da reforma e não lhe dava jeito nenhum ser
mesmo.
Homem para eles. Iria ser uma razia. Hoje não escaparia ninguém. O
sol já estava quente no céu, mas Zé Ribeiro nem sentia o calor. Meia
Ribeiro apurou o olhar. O Júlio dos porcos com um dos ditos cujos.
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animais para a ribeira. Era multa certa. Mas… que era aquilo? O
outro trazia o porco pela trela! Seria que a lei permitia que o
se pela estrada que subia a ribeira. O Júlio viera daquele lado, era
natural que houvesse por ali mais alguém. Continuou a subir a ribeira
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Zé Ribeiro hesitava. Conhecia bem os outros, não lhe parecia nada
bem o que ia fazer, mas enfim, um homem tem que fazer aquilo que
tem que fazer e por causa de perdoar tudo é que se encontrava agora
Tio Simão perguntou – onde é que está a licença dos cães e da mula?
daquelas coisas. É claro que ninguém tinha ali licença nenhuma e ele
outro estar com a telha e o Tio Simão levantou-se para olhar bem o
guarda-rios.
letra quando foram interrompidos por uma voz que gritava do outro
lado da estrada.
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- Qué que tão a fazer nas minhas propriedades? Isto aqui é tudo
Era o maluco que dera a volta por ali e decidira mandar vir com
eles. Pela primeira vez, o Tio Simão ficou contente por ser
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gritou por socorro, engoliu uns goles de água, voltou a afundar-se e
nadar.
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O Tio Simão encontrou-se assim só com os animais junto á
O Tio Simão não conseguia nem fechar a boca tal era o espanto.
Que grande peixe. Afinal o Pardal tinha razão, o rei dos barbos
existia mesmo. Os cães que também tinham visto o peixe, vieram até
á margem ladrando. Agora o Tio Simão tinha uma certeza. O rei dos
que resistisse, era bicho para partir tudo. Parecia-lhe estar ainda a ver
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alguém? Tirando o Pardal seria que mais alguém já teria visto o
peixe?
O tempo era capaz de querer mudar. No dia seguinte teria que dar um
salto á horta! E logo pela manhã. Bocejou mais uma vez enquanto
- Vamos embora Pintada, vamos embora que amanhã o dia vai ser
duro.
Fim
Antoniogois123@hotmail.com
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