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Pablo Picasso
MENINA I – abramos todas as rosas com nossas unhas e façamos sangrar seus
perfumes sobre as rugas do fogo dos jogos de nossas canções e de nossos
aventais amarelo azul e púrpura. Brinquemos até morrer e beijemo-nos com fúria
a dar gritos horríveis.
MENINA II- mamãe mamãe vem ver Yvette destroçar o quintal e incendiar as
MENINA III – façam o que bem quiserem para iluminar as chamas das plumas do
galo com vela em torno dos cueiros pendurados nos ramos da cerejeira – atentem
para o que lhes digo nas asas arrancadas dos pássaros mortos nas gaiolas
cantando em voo rápido sobre o chamalote das mangas do vestido plissado
o céu de tão alto tombado do azul.
MENINA IV – arranjem-se vocês com as flores o fio de tricô arrasta pelo jardim
suas patas e agarra-se a cada ramo seu rosário de olhares e as taças cheias
de vinho no cristal dos órgãos que se ouvem batendo com toda a força no algodão
do céu escondido atrás das grandes folhas de ruibarbo.
MENINA I – arranjem-se arranjem-se a vida me envolve o giz de minhas
MENINA III- é isto – é isto – é isto vocês não me terão viva e nem vão me ver -
estou morta.
MENINA I – se você não vem iremos todas nos enforcar nos pés de limoeiro e
viver em flor nossos dramas e nossas danças fio do punhal de nossas
lágrimas.
MENINA II- vamos lhe dar uma escada (buscam uma comprida escada e trazem-
na com grande dificuldade equilibrando-a de pé).
MENINA l – não está atrás do poço -não ela está no teto da casa.
MENINA II – vejo-lhe a mão que morde a ponta da asa de uma folha que
MENINA IV- não não ela está em frente á mancha furta-cor que faz o sopro do
clarim sobre a janela do quarto do primeiro [andar] fervendo a socos o ângulo
quebrado pelo cego sol que busca seu caminho nas trevas.
MENINA IV – quer vir aqui ou não Paulette você está nos chateando vou dizer
à mamãe que você não quer mais brincar e está procurando chamar a atenção
transformando-se de mil maneiras em buquê de flores japonesas.
MENINA II – seja o que quiserem colho as toranjas e as como cuspo as
sementes limpo com o dorso da mão os lábios e acendo os pavios das lanternas
com meus risos os incomparáveis queijos que lhes peço aceitar sinceramente a
vossos pés me assino.
MENINA I – é muito difícil passar uma tarde agradável das férias de verão em
companhia de vocês e além do mais ademais quando se sabe que vocês não
querem brincar de nada que toque cronologicamente nas lições nos mostraram
na ponta da orelha durante as aulas do inverno.
MENINA II – e melhor deixá-la e não lhe dar atenção ela voltara para melhor
simplificar sua astúcia e nos fazer rir com seus falsos livros de contas e seus
arranjos geniais tão artísticos que são.
MENINAS I- II- IV (aqui um Iongo silêncio- três minutos- elas continuam segurando
a escada com bastante dificuldade em silêncio de um extremo ao outro da cena
aproximando-a das árvores – da parede da casa e tentando trazê-la para junto do
poço) durante esse tempo ouve-se a voz da
MENINA III – é isto é isto é isto
começa a chover
MENINA II – chove chuva miudinha e a festa da sapinha chove chuva
MENINA II- não se deve acreditar que o gato tenha ido comer sua águia sem medo
nem remorso por trás das cenouras. Os azuis de suas queixas o verdemalva de
seus saltos os violentos violetas de suas garras arrancando o amareloenxofre de
sua fúria os farrapos verdes veroneses retirados do sangue fundente da fonte
cheia de vermelho o ocre do muro lilás e as franjas cobalto tão agudas de suas
queixas o pobre pássaro empinado sobre os cascos de suas plumas macaqueia
em acrobacias as bandeiras estalando as línguas sobre o aço o punhal plantado já
o gato acumula e retrai a cada estágio suas sombras e suas espadas confusas e
confundidas na queda das verticais se esmagando gota a gota na cortina verde
oliva.
MENINA I – deixe-a fazer sem dizer nada o silêncio deve pôr seu ovo no
canteiro de seu destino feito em pedaços pelo jogo das grandes curvas atiradas a
grande custo e múltiplas manigâncias por cima dos moinhos asas cortadas de
todos os loureiros e bem felizes de ser retirados do comércio com preço tão
em conta.
MENINA II – você não me fará crer e se digo crer estou exagerando que sua
partida e a sintética projeção de sua imagem seja de fato diluída no caldo
imaginário desta tarde sujeito em seguida a ruidosas revelações a audaciosas
discussões cursivas.
MENINA IV – ela nos fez sucumbir e não se dá conta de que chove para nós
que gera que o sol se achatou por terra que caminhamos por cima que nos
queimamos
MENINA I- as flores cheiram a sopa que ontem à noite para o jantar minha pôs ao
fogo a partir das cinco horas e que às dez para as sete de olhos
esbugalhados a porta aberta do nosso pranto transporta corpos e bens ao
paroxismo sim-não-sim-eu não sei – mas retoma o tempo bom a seu cargo e
afaga a paleta cheia até a borda da carga de seus porta-copos bebidos até a borra
como as imagens votivas e tão berrantes quanto parecem tão domesticadas é seu
hálito sentadas diante do fogo lendo o jornal apontarão os golpes do destino sobre
a ardósia. Carga de lembrança de braços cruzados a ronda desdobra suas
músicas no ácido o grande carneiro alado soa o sino ao Ionge
MENINA ll – como estamos bem aqui e como estamos bem no campo ao sol
derretidas no meio de sua pança brincando brincando e gracejando ao sol
repleto de amoras o sol cheio de fitas cheio de pedras cheio de casquinhas de
sorvete vamos todas rir e cantar e fazer comidinha
traga seus cacos de copos de cor e procure os ossos de sépia que servirão de
MENINA II – feliz
MENINA I- vamos arrancar todos esses olhos de nossos vestidos ou esconder nas
mãos esses olhares
MENINA N – vamos nos envolver no véu fazer-nos medo e à nossa volta façamos
uma cerca em círculo de punhais plantados na terra pelo cabo MENINA I – vamos
atirar-lhe todas as flores do jardim para que ele morra de rir
MENINA II- representemos um drama vamos montar a cena diante do poço e
disfarçar as árvores em vagas você aí será o náufrago você o raio e eu a lua você
aí dirá às vagas que levantem suas redes e apanhem todas as estrelas e as
conchas em suas presilhas e as atirem para nós em colares de perolas e
montadas em vacas desfilarem a mesa azul e as cadeiras fazendo-nos caretas
Você a mais nova lhe oferecerá as cenouras as couves e os tomates que iremos
colher cantando de joelhos segurando pelos quatro cantos a vela e você enquanto
isso acenderá uma fogueira de alegria e jogará dentro dela todos os nossos
vestidos ficaremos nuas e você também se despirá ao mesmo tempo e iremos nos
esconder embaixo da mesa mas preste bem atenção para não se queimar na
fogueira não aproxime dela suas ânforas cheias de vinho e as grandes folhas de
ruibarbo que teremos trano em tomo farão a cortina mais
nos agarrar na garganta e nos envolver com seus musaranhos o mais ávido
silêncio enchera sua ânfora de fogo e as asas quebradas do cavalo que arrasta as
tripas sobre a cinza abrirão suas romãs ao espelho repleto de luas quando por
sinais vocês farão sinal de morder nós todas nos levantaremos e unharemos
o rosto até sangrar então o mel do transbordará todas as suas abelhas e fingindo-
nos de mortas de medo riremos e cantaremos juntas e a plenos pulmões o
barco com as velas todas desfraldadas reentrará em cena será carregado de Ieite
e de sangue e em fogo iluminado por mil lanternas
MENINA IV – diga-me diga-me o raio rirá rirá será infeliz ela terá medo no mar sob
a mesa será ela loura e ruiva e longa com longos cabelos negros e amaranto terá
um amante não me diga a verdade mas enormes mentiras quero ver com minhas
mãos fuxicar o grosso colchão de estrelas cravado não importa
como sobre o dorso do céu que passeia à beira do teto tão gracejador
MENINA I – esconda as mãos atrás dos olhos leia o futuro verde primavera de
folhas e de flores que regarão seus cabelos de músicas
MENINA II- canto canto noite e manhã e não gosto de fazer comédia só gosto do
ruidoso refúgio do silêncio sobre a minha barca em perdição e engodo é a bela
estação
MENINA I – ah
MENINA IV – dó ré mi fá sol lá si dó
MENINA II- a flauta ao Ionge desmonta peça por peça o jogo de paciência
irrigando a cor e pacientemente inventa o jogo de cena do grande barco
vogando amorosamente nos véus da noiva do naufrágiocoçando suas pulgas
nos azuis acidulados do celeste com ambas as mãos agarradas ao arreio da égua
e catastroficamente tomado de chances inutilmente fugazes
cobalto azul celeste ameixa sobre o braço estendido do amarelo limão verde
amêndoa e pistache contornando o malva lilás batido os dois punhos pelo verde
da laranja e a toalha de riscas azul-rei e azul-pervinca estridente
MENINA II-doce entardecer doce doce uma tarde de doçuras doce entardecer
doce
MENINA I – um grande oval amarelo luta em silêncio contra os dois pontos azuis
com todas as suas garras retorcidas na queda de Ícaro do labirinto das linhas
da armadilha do losango verde oliva estrangulado com as duas mãos pelo
violeta tão terno do quadrado do arco vermelho Iançado tão Ionge pela
tempestade
MENINA II – tenho a mão cheia de vozes meus cabelos são cobras de fitas de
todas as cores ao penteá-los eles escorregam entre os meus dedos e acendem os
fogos de Bengala a cada folha das árvores arrancadas pelos lábios a cada
ataque de rins
MENINA II – deixe a cabra pastar dê-lhe folhas de couve você é tola como você
é tola mas você é tola de verdade tola tola tola
2° ATO
o mesmo quintal mas tendo ao meio uma grande barca – amarrada à barca uma
cabra – a cena está vazia
MENINA III descendo os degraus da casa carregando uma boneca maior que ela
atada por correntes de guirlandas de flores e – avental amarelo – pássaro branco
de xadrez azul amaranto e azul limão linha perpendicular do celeste azul-real
médio irritante branco espalhado em grandes colheradas sobre a mancha lilás
do imenso amarelo limão espalhado corpos e bens sobre a ogiva fechada do
centro estridente do grande quadrado fechado a dupla volta das lacas esmeralda
do silêncio escondido entre as dobras do ovo posto pela cabra
(ela ajeita a boneca envolvida pelas guirlandas de flores na barca e amarra-a ao
mastro deita-se de dorso no chão e mama na cabra acariciando-a)
belo jovem belo namorado meu amante meu sol minha cólera meu centurião
lados e mil braços remam os campos de azul cobalto limão verde esmeralda
lilás rosa e papoula púrpura lia do vinho branco rosa azul-real furta-cor e suco de
limão de tangerina de toranja e verde laranja amarga.
MENINA II – a cabra curte seu porre morta na laguna do Ieite espalhado sobre a
poça de sangue enfiada na lama até os tornozelos da flor aberta.
MENINA I – vou arrumar um pouco a casa vou ver toda essa poeira de estrelas
que esmagamos com os nossos saltos e regar com um pouco de lágrimas a
grande sede de riso da grande boca cheia de terra do quintal – vocês
duas consertem cada uma com sua faca e com toda a delicadeza exigida e
querida os grandes frascos de azul inflados de sabedoria e que não reste um só
talo para juncar com seus traços de arcabuz o alto da torre abarrotada de amores
urrando agitando as asas através das grades.
MENINA II – ali ali olhe a serpente sua espada que penetra tão de leve na
MENINA I – morreu o riso viva o riso o riso pôs seu vestido de noiva e
enfeitou de anêmonas os cabelos mas o Iongo véu de chumbo o imobiliza e o
esmaga e sua cauda se engancha e rasga e quebra as taças de cristal tão
delicadamente colocadas cheias de flores no chão à sua passagem
MENINA ll – olhe só enchi esta taça de água retirei o copo e a água continuou
em seu lugar sem que uma só gota molhasse minhas mãos – agora quebrei o
copo e não sei onde por toda essa água
MENINA II -e clara
MENINA I – ele se vê
MENINA IV – o espelho deformante vê
segredo quero lhes dizer meu caderno de despesas e moinho de pedra plissada
acordeom tão doce ao fundo dos bosques.
MENlNA II – boa festa feliz ano verão tão suave ar de metal línguas de
abelhas cheiro de pio grelhado e de manteiga e melancia
ponte do canteiro da carta de jogar arriscando a sua sorte – a sombra rompe suas
amarras
MENINA II – árvore jóia cheia de palavras colar de esperança corrente de mel ária
de flauta máscara de argila sino de prata rosa de cristal sono de relógio
MENINA I – vejam como o sol que nos deseja chega a nós através das folhas e
lepra nossos rostos mãos e roupas e o quintal. Seus dedos cheiram a figos seco a
pus a sangue a nardo e o azul de sua roupa se decompõe em mil lantejoulas e
cantos gregorianos e alcalinos relentos (riem) – o sol nos disfarça de morta o sol
nos ama
(Cena dos coveiros carnaval)
MENINA I – flocos de estrelas colocados sobre o fogo vivo das camadas de sol
sofrendo de suas algas a arquitetura toda em caminhos de atalhos o ovo posto a
baixo custo a bandeira azul queimando nas quatro pontas
MENINA II- a cinza atirada ao pasto das águias do galinheiro funde o bronze das
asas do cavalo arrastando a charrua no campo de diamante e atrela às lanternas
as melodias da ponta do buril grifando o mel do cobre
MENINA IV- órgãos ébrios do louco amor âncoras atiradas ao fundo dos céus
3° ATO
A cada cordeiro sua carga de asas e todo o peso das auroras postas em dia
sobre o mármore gravado com garras e dentes a melancólica inocência dos linhos
limpando o suor da face do azul do céu atado ao pote por cordas o arco-íris
estendido ao máximo descobre aos transes do buquê seu caminho e parte para o
festim posto em jogo. .
MENINA II- a pequena joaninha rasteja suas lanternas penduradas com uma
corda ao pescoço do patíbulo e range o óleo de sua oliva nas pedras de fogo
untando a poça de azul pervinca limpando os vidros de seu linho mergulhado no
ovo batido em omelete de perder o ôlego
MENINA I – a joninha morreu ora pro nobis a joaninha se acaba ela acabou
MENINA lV – pão um copo de vinho e a sopa a mesa recoberta com a toalha
xadrez azul escuro e azul claro o garfo a faca a colher a mesa a colher o
guardanapo dobrado sobre o prato o murro no lado direito da mesa o balde o
amarelo derramado ligeiramente rosa vomitado pelo sol limpando a cor
acobreada erguidas sabre seus esporões fazendo-lhe face
MENINA II – contem digam um dois três quatro dez onze vinte dois três
quatro quatro quatro
Fim do 3° ato
4° ato
A pilha de-aromas toando seus cânticos e suas mordidas a cada porta todas as
velas desfraldadas e todo o encantamento permitido a gaiola aberta desenrola
seu leque e rói o mármore da corrente a cifra inscrita procura suas
pulgas sob a pia a pequena caçarola azul dorme apoiada a sombra rosa feita
gratuitamente de pés juntos de joelhos deitada no chão a falsa violeta corta o
votos inúteis engancham suas asas aos pregos entortados pelo ferrugem – a
gravidade da bora corrompe sua carne à claridade emitida em evidência e o
fluxo do relógio autoriza a cada passo sua autoritária aversão
(Entra um enorme cavalo branco alado arrastando suas tripas rodeado de águias –
um mocho está pousado em sua cabeça – fica um breve lapso diante da menina e
desaparece do outro lado da cena.)
fonte luminosa de pêlos eriçados do arco-íris enganchado em cada dedo dos
colares de plumas do ácido ferindo de morte o animal – o montão de
reverências e genuflexões e o alerta dado
o vestido azul do corpete liIás do verde tão tenra de sua saia das mãos rosas do
amarelo a cadência do ocre vermelho revelado em sobressalto do sonho
adormecido gradualmente esparso gota a gota imobilizado no giz suspenso em
ondas dosando a mistura em signos convencionados traçando o caminho aberto
ao aroma desprendido sobre a borda de sentinela (uma gatinha tendo na boca
um canário salta de um galho a outro e a neve começa a cair) lençol dobrado em
diagonal festonado de cravos e de íris cabana do Pai Tomás coberta de luas e
talhadas de melancia pássaro de algas Tristão e Isolda de gesso cadeia de rosas e
palmeira cheia de figos e de ratos grandes concha relógio de ouro e livro aberto de
rasuras roída por enxames de abelhas árvore do berne do mal posta no fogo das
licitações
entram as meninas I e II nuas trazendo grandes círios acesos numa das mãos e
puxando com a outra uma charrete vazia – a menina IV rompe em lágrimas e
dança como uma louca até cair no chão rindo e fazendo suas roupas em farrapos
MENINA IV -gordura fervente caída das estrelas inundando com seus caroços de
cereja os lençóis róseos dos campos de violeta grelhando suas plumas nos gelos
do sol dormindo a sesta asas despregadas sobre a cortina de plumas estendidas
ajur mordendo de pés juntos a isca
vestido com grandes poás limão verde amêndoa negra e amaranto alegria atirada
aos gansos e fio a prumo torcido em sarças orlas da palmeira dobrada
cuidadosamente aos golpes do machado tão duramente batidas pelos lábios das
bandeiroIas dependuradas nas lanças atravessando as gazes mais o azul
derramado em ondas tão mesquinhamente mostrando bico e dentes à chaga rosa
e festão dourado glória aos diminutivos perfumes verde quadriculado a
resposta voltando as costas ao sol serrado em suas garras a imensidade da
mágoa derramada escondendo a janela com suas mãos de lama
evidência – eis aqui a nota três pacotes de linha branca de costura e de cerzir em
ponto morto a catastrófica imagem revelada pelo ácido a cada marcha o joelho
iluminando o caminho de esfoladuras
MENINA ll – a bela fritada de cadoz o prato de nhoque doce pissaladeira voz clara
do linho estendido batendo os dentes postos em oferenda ao sol poente à sombra
sob o plátano
MENINA ll – Ieite de amêndoas doces passas figos alface ouro fundido azeitos
pretas cachos de risos as mãos e verde suco de estrelas nascentes trombetas de
prata empapando os pés abeira do lago
MENINA II – negro festim linho fino estendido a secar ensopado de lágrima sobre
o leito desfeito riscado a cada suspiro pelas persianas
MENINA II- violenta tempestade figurada pelo buquê posto ao abrigo das
chuvas de compotas por trás do engradado posto sobre a pia cobrindo o ouro
das bordas com a dobras rasgadas de seu casaco violeta mãos estendidas às
doçuras dos signos convencionados
MENINA IV – fossa comum aberta aos festins dos jogos de endereços dos grafitis
desfolhando precipitadamente o lago adormecido em sobressalto de Ofélias
corre em ondas sobre a tempestade a barca bate asas sobre o tambor enegrecido
pelas lágrimas
uma tromba de cinzas acumula alga em torno de picantes arrancados aos azuis
chamuscados das trombetas infestando a rendas atiradas sobre as moitas
descobertas as respostas e correm a cada esmola as ruborizadas esperança dos
caules partidos em longas folhas aos mastros torcidos grunhindo seus sorrisos
levantados do desenho pintado no vestido e as mãos juntas coladas aos galhos
quebradas da barca fogo perdido mordendo a página branca pregada verde
amêndoa doce do limoeiro lavando a borda da fita transbordando da mesa de
madeira branca pintada de ocre a cada degrau chicoteada pelo grão de arroz do
sol nascente a pata contra o muro calcinado cheio de revelações.
MENINA II- azul rosa e malva e limão da grande tigela de leite agitada de manhã à
janela
MENINA ll – espelho
MENINA ll – o riso faz seu ninho a grama canta a terra grita suas olhadelas e
arrasta suas barcarolas para as habilidosas festividades votivas untando as vagas
com suas palmas.
o pano cai por uns instantes – mudança de cenário – a cena esta pintada de
branco cortina de fundo bastidores gambiarras estilo cobertos com todas as letras
do alfabeto e números em grandes caracteres pintados de todas as cores também
o chão do palco esta pintado da mesma maneira – ao centro uma cama em que as
três meninas I-II-IV estão deitadas – enormes cães alados vagueiam na cena em
volta da cama
AS MENINAS na cama cantando
ah ah ah ah ah o amor
ah ah ah ah ah a morte
ah ah ah ah ah a vida
ah ah ah ah ah rir riremos nós rir rirei vós a morte o amor a vida rirei vós o amor
rirei vós a vida rirei vós a morte ride que eu ria que a vida a morte o amor e vós e
a morte a vida e o amor riam ride conosco riamos convosco o amor a morte a
morte a vida a vida ao amor a vida a morte a vida a morte o amor toda a vida
Fim do 4°ato
5°ATO
MENINA II – Jeannette
MENINA IV – Jeannette
ser mãe de um gordo neném rechonchudo revelado pela placa grande revelação
incrível aparência jubilosa descoberta que os ângulos abertos das asas brancas
das pombas arrastaram de uma boa sopa a outra em tornos dos arco-íris
quebradas sobre o mármore.
O pai e a mãe estão passando bem e os anjos só chegarão bem mais tarde.
Esperamos também seu tio com a pequena cadela e as grandes despesas virão
depois quando as rosas terão feito seus buquês e a partida indecente será
pregada sem tambores nem trombetas e todos os fogos acesos sob a grelha do
fomo posto a nu por tantos buques oferecidos as ninfas que são vocês em
holocausto e se lhes faço rir tanto pior esta noite fará mais claro e amanhã o
ranger de dentes de seu gordo gato poderá cantar matinas e vésperas sobre as
costas todas suas velhas e corteses civilidades e suas oferendas à Virgem – e seu
tio souber que lhes escrevi ficarei coberto de chagas feridas desde a nuca aos
tornozelos e creio que será tudo como aperitivo boa noite beijos eu lhes desejo
minhas pequenas lentilhas seu humilde servidor e seu muito temo e devotada
serva não tendo o ar de esquecer as escondidas todo meu velho mofo em toda
parte grande pacote de excrementos do prato cheio até as bordas incarnadas de
minha reverência
MENINA IV – boca a boca o relógio grita suas babas sobre o aço contido na taça
das mãos voantes que batem nos vidros das janelas a vela de alteia enfeixando o
vestido Iança ao granito as flores sangrentas com feridas evidentes
MENINA III – o vácuo solta suas garras e morde a todo pano diante da imagem
MENINA II- a luz move no centro da echarpe os jogos suas orações suas coroas
de espinhos
MENINA II – a sombra do limoeiro cava seu ninho na ponta do punhal enfiado até
o coração no ácido escondido sob o campo de medusas do acordar
MENINA IV-dedos leves da noite cantando gota a gota seus colares de orvalho
MENINA II- alegria louca dos leques erguendo voo de pombas sobre o azul
da bochecha
6° ATO
na horta
sob uma grande mesa as quatro meninas sobre a mesa um enorme buquê de
flores e frutas num prato – alguns copos e uma jarra – pão e uma faca uma
enorme serpente se enrola numa das pernas da mesa e sobe para comer as frutas
morde as flores o pão e bebe na jarra
AS QUATRO MENINAS lendo um livro -“a vida de vida à vida de vida tão vida a
vida pela vida de vida tão vida de vida a vida a morte à morte tão morte à morte de
vida a morte tão vida tão morte a vida a morte para a vida de vida aromática
escada fincada nas ondas do azul em quadrados luminosos em corbelhas aveia
louca colorário opalino acidulado em chamalotes e guirlandas aos suaves
impasses dos festões luminosos e pontilhados olhares músicos revistos tão
atualmente revelados aos rasgões – orgasmos de asas metodicamente dissolvidas
em bailes e procissões unguentos e cavalgadas – a porta aberta do esquecimento
batendo contra o céu seus charcos fétidos – a barra do vestido rasgado limpando
os vidros besuntando o monte de revela contidas na taça quebrada rompendo o
aroma em frágil castelo de cartas os punhos fechados arranhando o vidro do
espelho – simulacro justificado pela enorme soma a pagar da qual eis aqui um
detalhe o vestido todo de desejos festonados de ouro e de jasmins todo de pérolas
cintura de amarílis costurada com fios de diamantes branca aIface gota a gota
regada de estrelas grande buquê de fogos no Pont-Neuf à noite pelas 11 horas do
dia 14 de julho mandíbula serrada com os ferrolhos do lagarto preso pela doçura
das asas balbuciantes da borboleta noturna convulsionando os braços no creme
da noite diluída no mármore fervente cantando de todo comprimento sua litania à
passagem da isca grande monte de cebolas de berinjelas de pimentas de melões
e de figos timo rosmaninho robalo rascassos enguias alho vestido de lua com
grandes pés de esmeralda vestido branco de nuvens vestido de azul vestido feito
de grandes troncos de árvores nogueiras carvalho mogno pau-de-ferro ébano
tocador de castanholas pau-rosa e limoeiro pé de alcaçuz e pé de panamá limpo
para lavar”
MENINA II:- a rosa do cravo ri com todos os dentes da história ela escuta e já
refletiu sobre as consequências finais dos fios trançados tão finamente para fazer
a tela e tábua rasa de toda ira contida nas tão longamente esperadas auroras
MENINA I- tudo se acende meu vestido de fogos de São Joao rabisca em minhas
mãos seus horóscopos e dá de beber suas espadas aos rebanhos de cabras que
parem na grama molhada
(um verdadeiro balé de formigas aladas enche de alto a baixo a cena disputando a
rainha em fantásticos torneios)
MENINA IV- carvão ardente alga em flor de lis ondas de sangue músico de
pesados riachos pendidos dos fios elétricos em escamas
MENINA IV- mão arrancada da face caindo a pique em flor de acanto ao Iongo do
braço mergulhando por inteiro seu lote de sarças de Ianças de alabastro as
caricaturais harmônicas quebraduras da aparente ferida feita de improviso pelo
branco lilás untando na ponta do caule a singular aparição bebida até a lia no
coração do mármore escondido atrás da máscara pintada cor da carne
Pano
Fim do 6°ato.
Sexta-feira, 13 de agosto de 1948 em Vallauris