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AS QUATRO MENINAS

Pablo Picasso

Tradução: Ivo Barroso

Golfe Juan 24.11.47

Cena: um quintal com um poço quase ao meio


QUATRO MENINAS cantando – não iremos mais ao bosque derrubaram os
loureiros a bela que está lá vai recolhê-los entra na dança vai veja só como se
dança dançai cantai beijai aquele que desejais.

MENINA I – abramos todas as rosas com nossas unhas e façamos sangrar seus
perfumes sobre as rugas do fogo dos jogos de nossas canções e de nossos
aventais amarelo azul e púrpura. Brinquemos até morrer e beijemo-nos com fúria
a dar gritos horríveis.

MENINA II- mamãe mamãe vem ver Yvette destroçar o quintal e incendiar as

borboletas vem mamãe.

MENINA III – façam o que bem quiserem para iluminar as chamas das plumas do
galo com vela em torno dos cueiros pendurados nos ramos da cerejeira – atentem
para o que lhes digo nas asas arrancadas dos pássaros mortos nas gaiolas
cantando em voo rápido sobre o chamalote das mangas do vestido plissado
o céu de tão alto tombado do azul.

MENINA I – cantando – não iremos mais ao bosque derrubaram os loureiros a


bela que está çá (grita) lá está lá está Iá está o gato que pegou um dos pássaros
do ninho na goela e o estrangula com seus grandes dedos e o leva para trás da
nuvem limão roubado em manteiga derretida do pano do muro derrubado por terra
pelo sol coberto de cinza.
MENINA III- que tolice.

MENINA IV – arranjem-se vocês com as flores o fio de tricô arrasta pelo jardim
suas patas e agarra-se a cada ramo seu rosário de olhares e as taças cheias
de vinho no cristal dos órgãos que se ouvem batendo com toda a força no algodão
do céu escondido atrás das grandes folhas de ruibarbo.
MENINA I – arranjem-se arranjem-se a vida me envolve o giz de minhas

invejas do casaco rasgado e cheio de manchas de tinta preta escorrendo a


garganta aberta das mãos cegas que buscam a boca da chaga.

MENINA III (escondendo-se por trás do poço)- e isto é isto é isto.


MENINAS I – II – IV- boba boba – você é boba – está duplamente visível – nós a
vemos- completamente nua coberta de arco-íris. Ajeite os cabelos eles flamejam
e vão deitar fogo à cadeia de reverências raspado à cabeleira
emaranhada dos sinos lambidos pelo mistral.

MENINA III- é isto – é isto – é isto vocês não me terão viva e nem vão me ver -
estou morta.

MENINA IV- não seja idiota.

MENINA I – se você não vem iremos todas nos enforcar nos pés de limoeiro e
viver em flor nossos dramas e nossas danças fio do punhal de nossas

lágrimas.

MENINA II- vamos lhe dar uma escada (buscam uma comprida escada e trazem-
na com grande dificuldade equilibrando-a de pé).
MENINA l – não está atrás do poço -não ela está no teto da casa.

MENINA IV- está sobre o ramo florido no alto á esquerda da pereira.

MENINA II – vejo-lhe a mão que morde a ponta da asa de uma folha que

MENINA IV- não não ela está em frente á mancha furta-cor que faz o sopro do
clarim sobre a janela do quarto do primeiro [andar] fervendo a socos o ângulo
quebrado pelo cego sol que busca seu caminho nas trevas.

MENINA I – ela escorrega parece buscar entre as folhas úmidas e entre as


ervas sua merenda descrevendo arabescos em curvas e cores e em fios da
virgem.

MENINA IV – quer vir aqui ou não Paulette você está nos chateando vou dizer

à mamãe que você não quer mais brincar e está procurando chamar a atenção
transformando-se de mil maneiras em buquê de flores japonesas.
MENINA II – seja o que quiserem colho as toranjas e as como cuspo as
sementes limpo com o dorso da mão os lábios e acendo os pavios das lanternas
com meus risos os incomparáveis queijos que lhes peço aceitar sinceramente a
vossos pés me assino.

MENINA I – é muito difícil passar uma tarde agradável das férias de verão em
companhia de vocês e além do mais ademais quando se sabe que vocês não
querem brincar de nada que toque cronologicamente nas lições nos mostraram
na ponta da orelha durante as aulas do inverno.

MENINA II – e melhor deixá-la e não lhe dar atenção ela voltara para melhor
simplificar sua astúcia e nos fazer rir com seus falsos livros de contas e seus
arranjos geniais tão artísticos que são.

MENINAS I- II- IV (aqui um Iongo silêncio- três minutos- elas continuam segurando
a escada com bastante dificuldade em silêncio de um extremo ao outro da cena
aproximando-a das árvores – da parede da casa e tentando trazê-la para junto do
poço) durante esse tempo ouve-se a voz da
MENINA III – é isto é isto é isto

começa a chover
MENINA II – chove chuva miudinha e a festa da sapinha chove chuva

MENINA IV – chove chuva miudinha a festa da sapinha…

MENINA III – é isto…

MENINA II- não se deve acreditar que o gato tenha ido comer sua águia sem medo
nem remorso por trás das cenouras. Os azuis de suas queixas o verdemalva de
seus saltos os violentos violetas de suas garras arrancando o amareloenxofre de
sua fúria os farrapos verdes veroneses retirados do sangue fundente da fonte
cheia de vermelho o ocre do muro lilás e as franjas cobalto tão agudas de suas
queixas o pobre pássaro empinado sobre os cascos de suas plumas macaqueia
em acrobacias as bandeiras estalando as línguas sobre o aço o punhal plantado já
o gato acumula e retrai a cada estágio suas sombras e suas espadas confusas e
confundidas na queda das verticais se esmagando gota a gota na cortina verde
oliva.

MENINA I – chove chuva miudinha é a festa da sapinha chove chuva


miudinha é a festa da sapinha chove neva tudo molha é a festa da piolha. MENINA
II – queria que ela voltasse está faltando sol agora chove. 0 riso das flores rasga o
vestido branco de xadrez e verde-gris e funde em acrobacias e saltos de humor o
fundo da tela crucificada ás minhas sandáIias chame-a Jeannette solte grandes
gritos para que ela retome seu Iugar ao sol e tire o fio a prumo pela parte grossa
da luneta

MENINA I – deixe-a fazer sem dizer nada o silêncio deve pôr seu ovo no
canteiro de seu destino feito em pedaços pelo jogo das grandes curvas atiradas a
grande custo e múltiplas manigâncias por cima dos moinhos asas cortadas de
todos os loureiros e bem felizes de ser retirados do comércio com preço tão
em conta.

MENINA II – você não me fará crer e se digo crer estou exagerando que sua
partida e a sintética projeção de sua imagem seja de fato diluída no caldo
imaginário desta tarde sujeito em seguida a ruidosas revelações a audaciosas
discussões cursivas.

MENINA I – a chuva que aumenta pouco a pouco já dura dez séculos e


compõe meticulosamente a página pintada tão minuciosamente com pequenos

signos e linhas torvas desfazendo nós górdios e fichas antropométricas todas


responsabilidades e consequências de um jogo imposto do outro lado. Lá ela nos
causou muita alegria

MENINA IV – ela nos fez sucumbir e não se dá conta de que chove para nós

que gera que o sol se achatou por terra que caminhamos por cima que nos
queimamos

MENINA II – os pássaros têm chifres as flores roem as unhas e as nuvens .


servem para limpar as vidraças faz um calor sufocante no paraíso e os pássaros já
acendem fogo sobre as nuvens.

MENINA I- as flores cheiram a sopa que ontem à noite para o jantar minha pôs ao
fogo a partir das cinco horas e que às dez para as sete de olhos
esbugalhados a porta aberta do nosso pranto transporta corpos e bens ao

paroxismo sim-não-sim-eu não sei – mas retoma o tempo bom a seu cargo e
afaga a paleta cheia até a borda da carga de seus porta-copos bebidos até a borra

MENINA IV – parou a chuva já podemos brincar vamos correr em volta do poço


vamo-nos divertir bancar as loucas o ramo da pereira deu um tapa no grande
monte de nuvens e a ponta do pé do sapato da palmeira ronca acocorado na
toalha de mesa rato que se cata vamos correr feito loucas – como as loucas e
levemos conosco todas as flores as louras e as morenas as doces e as amargas
as tenras e as duras de pedra e de algodão de óleo e de vinagre de tinta nanquim
e de tinta simpática sem um erro de ortografia e com as quarenta e cinco mil
vírgulas vamos correr brincar bancar as louças (dançando) – loucas – loucas –
loucas loucas louca loucas loucas loucas.
MENINA I – as folhas negras do quintal vão escrever sua vida com toda a .
rapidez os ramos sonharão com os arcos do futuro e serão doces e cordatos

como as imagens votivas e tão berrantes quanto parecem tão domesticadas é seu
hálito sentadas diante do fogo lendo o jornal apontarão os golpes do destino sobre
a ardósia. Carga de lembrança de braços cruzados a ronda desdobra suas
músicas no ácido o grande carneiro alado soa o sino ao Ionge

MENINA ll – como estamos bem aqui e como estamos bem no campo ao sol
derretidas no meio de sua pança brincando brincando e gracejando ao sol
repleto de amoras o sol cheio de fitas cheio de pedras cheio de casquinhas de
sorvete vamos todas rir e cantar e fazer comidinha

traga seus cacos de copos de cor e procure os ossos de sépia que servirão de

prato as plumas furta-cores dos ramos secos dos caroços de azeitona e as


conchas de meu colar com a cinza do muro dos grandes plátanos untarão a fatia
de pão misto da taça de frutas presa na armadilha da fonte vai buscar a vela de
seda negra com que nos cobriremos todas para fazer a noite de núpcias que
iremos passar no fundo do poço cheio de estrelas fritas a mãe de Jeannette na
noite do casamento de sua irmã tinha um vestido cosido de lâmpadas elétricas de
cor vão ver se as árvores já foram se deitar e dormem é preciso fazer tanto barulho
quanto pudermos e iremos gritar com todos os nossos pulos de cabrito a alegria de
estarmos sozinhas e loucas iremos amarrar a escada à árvore e vamos subir
nela para acender o fogo da cozinha em cada folha que cerziremos ao algodão
dos ramos espinhos de açúcar do mel amargo das agulhas dos espinhos das
flores dos duplos eucaliptos (apanham a escada e a engancham nos ramos altos
da árvore, deitam-se no chão de barriga para baixo e adormecem) e ouve-se a voz
da MENINA Ill – é isto é isto é isto…
MENINAS I – II – IV se levantam e começam a brincar de roda saltando e
cantando – é isto é isto é isto é isto vamos à guerra guerra de casa anjos de
malvaísco ratos e ratazanas noite de caramelo manhã de guiso a vida que passa
fez nos meus lençóis – é isto é isto é isto a vida se empaca para ordenhar as
vacas a vida é bela ocultemo-nos dela os novilhos morreram e têm asas a roda
que gira desfaz seu vestido e mostra os seios sob as ervas a noite esconde seus
peixinhos a bela pimpinela ama o seu pimpilim diz-nos rosa malva-rosa a aurora
desta noite nos conta e nos faz rir levanta a tua golilha desembucha os teus
rosários aponta-nos tua garrucha sobre o buquê de rosas murchas miserável
miserere – estamos contentes contentes em atar amanhã depois de amanhã com
o hoje e com o ontem.
(elas rodam saltam e gritam cada vez mais rápido cada vez mais forte e caem no
chão umas por cima das outras s sorrindo)
MENINA IV – nós bem que nos divertimos eu divirto tu divertes ela diverte feliz feliz
feliz feliz feliz feliz

MENINA II – feliz

MENINA I – eu sou feliz eu sou feliz

elas começam a gritar– é isto é isto é isto


e ouve-se cantar inúmeros pássaros e uma chuva de olhos começa a cair sobre
elas colando-se em seus cabelos e vestidos
MENINA II- estamos cobertas de luz

MENINA IV – estamos sujas de luz

MENINA II- ou queimada

MENINA I – estou gelada de luz

MENINA II – olhem olhem no alto da escada um pássaro que se rasga estamos


vendo seu coração gritar e com as garras ele arranca os olhos

MENINA IV – as folhas em redor dele mostram os dentes-de-lobo e o


ameaçam com suas mãos docemente fechadas

MENINA I- é preciso ajudá-lo

MENINA II – não toques nele queima está em chamas uma tocha

MENINA I- vamos arrancar todos esses olhos de nossos vestidos ou esconder nas
mãos esses olhares

MENINA N – vamos nos envolver no véu fazer-nos medo e à nossa volta façamos
uma cerca em círculo de punhais plantados na terra pelo cabo MENINA I – vamos
atirar-lhe todas as flores do jardim para que ele morra de rir
MENINA II- representemos um drama vamos montar a cena diante do poço e
disfarçar as árvores em vagas você aí será o náufrago você o raio e eu a lua você
aí dirá às vagas que levantem suas redes e apanhem todas as estrelas e as
conchas em suas presilhas e as atirem para nós em colares de perolas e
montadas em vacas desfilarem a mesa azul e as cadeiras fazendo-nos caretas

Você a mais nova lhe oferecerá as cenouras as couves e os tomates que iremos
colher cantando de joelhos segurando pelos quatro cantos a vela e você enquanto
isso acenderá uma fogueira de alegria e jogará dentro dela todos os nossos
vestidos ficaremos nuas e você também se despirá ao mesmo tempo e iremos nos
esconder embaixo da mesa mas preste bem atenção para não se queimar na
fogueira não aproxime dela suas ânforas cheias de vinho e as grandes folhas de
ruibarbo que teremos trano em tomo farão a cortina mais

negra para a corrida que a tempestade desencadeará quando as vagas vierem

nos agarrar na garganta e nos envolver com seus musaranhos o mais ávido
silêncio enchera sua ânfora de fogo e as asas quebradas do cavalo que arrasta as
tripas sobre a cinza abrirão suas romãs ao espelho repleto de luas quando por
sinais vocês farão sinal de morder nós todas nos levantaremos e unharemos

o rosto até sangrar então o mel do transbordará todas as suas abelhas e fingindo-
nos de mortas de medo riremos e cantaremos juntas e a plenos pulmões o
barco com as velas todas desfraldadas reentrará em cena será carregado de Ieite
e de sangue e em fogo iluminado por mil lanternas

MENINA IV – diga-me diga-me o raio rirá rirá será infeliz ela terá medo no mar sob
a mesa será ela loura e ruiva e longa com longos cabelos negros e amaranto terá
um amante não me diga a verdade mas enormes mentiras quero ver com minhas
mãos fuxicar o grosso colchão de estrelas cravado não importa

como sobre o dorso do céu que passeia à beira do teto tão gracejador

MENINA II – grande desilusão afinal de contas espontaneamente desenhada


em complicados arabescos e circunvoluções matemáticas mas a grande questão é
saber se sou absolutamente branca de mármore de penugem de cisne de papel
branco de fio puro fio e coberta inteiramente de neve e sozinha de pé à beira do
telhado e imóvel

MENINA II- cale-se você nos chateia


MENINA IV- não você fará aquela que vê e com seu pedaço de giz com os olhos
fechados irá desenhando em tudo grandes olhares de homem

MENINA I – esconda as mãos atrás dos olhos leia o futuro verde primavera de
folhas e de flores que regarão seus cabelos de músicas

MENINA II- canto canto noite e manhã e não gosto de fazer comédia só gosto do
ruidoso refúgio do silêncio sobre a minha barca em perdição e engodo é a bela
estação

MENINA IV- ora veja

MENINA I – ah

MENINA IV – dó ré mi fá sol lá si dó

MENINA I – dó si Iá sol fá mi ré dó eis que um grande sol rola lentamente sobre


a cena até aos nossos pés onde se estende de todo comprimento e nos Iambe as
mãos — como é bonzinho

MENINA II- a flauta ao Ionge desmonta peça por peça o jogo de paciência
irrigando a cor e pacientemente inventa o jogo de cena do grande barco
vogando amorosamente nos véus da noiva do naufrágiocoçando suas pulgas
nos azuis acidulados do celeste com ambas as mãos agarradas ao arreio da égua
e catastroficamente tomado de chances inutilmente fugazes

MENINA I – o azul dirige a ponta de seu casaco azulidão azul-real anil

cobalto azul celeste ameixa sobre o braço estendido do amarelo limão verde
amêndoa e pistache contornando o malva lilás batido os dois punhos pelo verde
da laranja e a toalha de riscas azul-rei e azul-pervinca estridente

confundidos aos seus joelhos e todo o acidulado arco-íris do branco enfaixado


com o arco dos pés molhados no verde-esmeralda funambulescas batidas de
gongo feridas de morte entre as meadas de cravos e de rosas tão malva-rosas
MENINA IV- o azul o azul o celeste o azul o azul do brancoo azul do rosa o azul do
lilás o azul do amarelo o azul do vermelho o azul limao o azul laranja o azul que
transuda azul e o azul branco e o azul vermelho e o azul das palmas do azul limão
das pombas brancas aos jasmins em campos de aveia em grandes cantos verde
amêndoa esmeralda
MENINA II – as espirais dos limões os grandes quadrados brancos das laranjas os
losangos em limão dos ovais perfeitos dos círculos exasperados das rosas lilás
dos tomates cantados cochichados pela oliva do roxo escondido no xarope de
amoras

MENINA I- branca a rosa vermelha o cravo e azul o branco amarelo do muro

jorrando em ondas a baba de veniz do fogo encadeado às barras de aço do Iongo


véu arrastado por imensas asas da pequena agulha espetada na face do

círculo que arrebenta em vestido de lantejoulas de sarças luminosas

MENINA II-doce entardecer doce doce uma tarde de doçuras doce entardecer
doce

MENINA IV-relógio cheio de abelhas ilhota de mel

MENINA II – barca cheia de abelhas amamentando os voos das pombas com as


asa arrancadas levadas a grandes gritos de ramo jogo e cabriolas de riso em riso
imaculadas e em embriaguez

MENINA IV – os doze cavalos brancos alados que puxam a carroça feita de um


grilo de arroz inundam com seus grandes jarros azul amarelo e vermelho a
imensidão do prato cheio de pastilhas de ouro dos feixes e das folhas de acanto
trançadas em torno e os jatos de mercúrio da fonte irisam com seus vapores e
suas melodias as espadas nuas de seus cantos .

MENINA II – melancia de azul picada de pregos tesouras cortando os fios


trançados do rio que arrasta os cabelos na areia seu vestido rasgado ilegível à
orelha do encanto rompido saltitante coxeando sobre a longa pata

MENINA I – um grande oval amarelo luta em silêncio contra os dois pontos azuis
com todas as suas garras retorcidas na queda de Ícaro do labirinto das linhas
da armadilha do losango verde oliva estrangulado com as duas mãos pelo
violeta tão terno do quadrado do arco vermelho Iançado tão Ionge pela
tempestade

MENINA IV – o azul o rosa o lilás o amarelo limão o verde pistache o verde da


laranja e o azul e o violeta o malva e o lilás e o vermelho

MENINA II – tenho a mão cheia de vozes meus cabelos são cobras de fitas de
todas as cores ao penteá-los eles escorregam entre os meus dedos e acendem os
fogos de Bengala a cada folha das árvores arrancadas pelos lábios a cada
ataque de rins

MENINA I – a poeira dourada que se ade.re a cada suspiro os saltos de cabrito da


faixa branca que levanta a barca a janela isola os degraus do anfiteatro a

charrua e sulco que solenemente imolam a cabra acorrentada sobre o papel


imaculado da grande página escrita.

MENINA II – deixe a cabra pastar dê-lhe folhas de couve você é tola como você
é tola mas você é tola de verdade tola tola tola

MENINA I- um colchão de sarças para eu dormir esta noite sobre o xarope de


amoras de gentil cotovia você almoçou direitinho

as meninas I- II- IV em silêncio põem-se a correr para todos os lados e a se


engalfinharem e sobem sempre correndo os degraus que levam ao primeiro andar
do casa
MENINA III – sai do poço e pula no chão – corre atrás das outras sobe os degraus
e entra gritando – é isso é isso é isso é isso é isso é isso é isso é isso
Fim do 1° ato.

2° ATO

o mesmo quintal mas tendo ao meio uma grande barca – amarrada à barca uma
cabra – a cena está vazia
MENINA III descendo os degraus da casa carregando uma boneca maior que ela
atada por correntes de guirlandas de flores e – avental amarelo – pássaro branco
de xadrez azul amaranto e azul limão linha perpendicular do celeste azul-real
médio irritante branco espalhado em grandes colheradas sobre a mancha lilás
do imenso amarelo limão espalhado corpos e bens sobre a ogiva fechada do
centro estridente do grande quadrado fechado a dupla volta das lacas esmeralda
do silêncio escondido entre as dobras do ovo posto pela cabra
(ela ajeita a boneca envolvida pelas guirlandas de flores na barca e amarra-a ao
mastro deita-se de dorso no chão e mama na cabra acariciando-a)
belo jovem belo namorado meu amante meu sol minha cólera meu centurião

meu cavalo furioso minha mentira minhas mãos de manteiga em espiral a


deliciosa subida e a descida amarrada as cadeias do picadeiro em festa limão
espremido na goela fechada do ácido nítrico da tenra pombinha que se abre em
leque no centro da fornalha da tina de piche que fumega .

(levanta-se desamarra a cabra e a estrangula segura-a nos braços e dança)


As menina I – IV estão najanela da casa e olham vão um instante ao interior e
tornam a voltar com grandes bigodes pintados sobre os Iábios e libertam grandes
quantidades de pombos que saem voando.
As meninas I- II e IV pulam pela janela para o quintal tinham amarrado ao
ombros grandes asas abertas contornam e prendem no meio de sua roda a
menina III que traz nos braços a cabra morta.
MENINA II – faça-nos ver a claridade cega de seu canto de gelo e a aurora
boreal de seu olhar remexendo na fuligem que ela arrebente em buquê de víboras
sobre nós e suas auréolas de jasmins e as mãos cheias de signos. MENINA IV
– deixe correr seu sangue sobre a minha face que eu sinta o frescor dos alísios
de sua vida que alça voo ao Ionge.

MENINA II – a folha de mármore de seu olhar decompõe em paletas o fogo


gelado que ferve na indolente crispação das curvas em cristalização

MENINA IV – vamos buscar vinho em grandes jarras em ânforas


transportemos todo o vinho que ela se embebede em sua morte que cante e ria e
daremos de beber também à boneca vamos embriagá-la para que ela cante e ria e
dance conosco e nos adore

MENINA I – a barca balança incha-se e ergue-se ela se ilumina de todos os

lados e mil braços remam os campos de azul cobalto limão verde esmeralda
lilás rosa e papoula púrpura lia do vinho branco rosa azul-real furta-cor e suco de
limão de tangerina de toranja e verde laranja amarga.

MENINA ll (que enfia o bracinho inteiramente na ferida da cabra degolada e


Ihe arranca o coração que mostra às outras meninas) – está vivo – vivo – ele pula
– ai que dor ele me morde – tirem-no de mim – ele salta ao meu pescoço –
me rasga – me estrangula – matem-no – matem-no – ele está vivo

MENINA I (arranca o coração com as mãos envolvidas na fralda do vestido e como


se segurasse um carvão incandescente o introduz na boca da boneca) – o
coração vai pôr seu ovo e a colmeia cantará suas litanias a matinas de mel de fel
colados às cordoalhas e às velas da barca encalhada a baba dos bodes do sol.
MENINA IV – aqui a página está branca vazia extinta o silêncio envolve de cinzas
seus passos uma grande poça branca mole depõe seus dedos pálidos seu escarro
sobre a franja da bandeira estendida sobre o cadáver

MENINA II – a cabra curte seu porre morta na laguna do Ieite espalhado sobre a
poça de sangue enfiada na lama até os tornozelos da flor aberta.

MENINA I – vou arrumar um pouco a casa vou ver toda essa poeira de estrelas
que esmagamos com os nossos saltos e regar com um pouco de lágrimas a
grande sede de riso da grande boca cheia de terra do quintal – vocês
duas consertem cada uma com sua faca e com toda a delicadeza exigida e
querida os grandes frascos de azul inflados de sabedoria e que não reste um só
talo para juncar com seus traços de arcabuz o alto da torre abarrotada de amores
urrando agitando as asas através das grades.

MENINA II – ali ali olhe a serpente sua espada que penetra tão de leve na

chaga sem tremer a mão

MENINA I – morreu o riso viva o riso o riso pôs seu vestido de noiva e
enfeitou de anêmonas os cabelos mas o Iongo véu de chumbo o imobiliza e o
esmaga e sua cauda se engancha e rasga e quebra as taças de cristal tão
delicadamente colocadas cheias de flores no chão à sua passagem

MENINA ll – olhe só enchi esta taça de água retirei o copo e a água continuou

em seu lugar sem que uma só gota molhasse minhas mãos – agora quebrei o
copo e não sei onde por toda essa água

MENINA IV (aproxima os lábios da água e bebe como se na fonte) – como é


doce e fresca

MENINA II -e clara

MENINA I- é a árvore do saber e do bem e do mal ou a dorme em pé

MENINA ll – só o olho do touro que morre na arena vê

MENINA I – ele se vê
MENINA IV – o espelho deformante vê

MENINA II – a morte esta água clara

MENINA I- e muito pesada

MENINA IV – contornam de folhas verdes o leito de ardósia e cubram de


mirtilos a renda de caranguejos fazendo quarto a parte e branca alcova em

segredo quero lhes dizer meu caderno de despesas e moinho de pedra plissada
acordeom tão doce ao fundo dos bosques.

A primeira das notas escritas e cantadas radiante e penteada a contrapelo goteja


suas rosas e pervincas sobre a teia de aranha fazendo suas contas sobre a borda
da pia – acrescento, primeiro – um saquinho de pralinas malvas rosas e verdes
uma máscara de carnaval máscara de cinza suando a pez dos anos e picada
por uma chuva de grãos de arroz iluminando a face cheia de riso de um céu de
verão às 7 h torcido no pau de sebo aspirado pela tempestade e segundo aderindo
com todo o peso à teia estraçalhada que abana a guipura do açougueiro
as tripas desfeitas balançando os dedos no mar a face do vaso cheio de jasmins –
e após os regimentos do tédio o açougueiro 50 o quitandeiro 3000 – o carvão o
óleo as ervilhas as cenouras o açúcar os cravos-da-índia as batatas cebolas sal
pimenta 38 e 11 e 200 três mil oitenta seis centos cinquenta o arroz o alho as
ervilhas grãos-de–bico a laranja voos de pombas negras por trás do leque
desfeito atirado ao chão longa carta a responder e não ler olhos fechados às
músicas cruzando suas espadas ponta a ponta e o Iongo desfile dos rebanhos de
águias roendo unhas e bicos no negro do estandarte que cobre a mesa do festim
e as tochas.

MENlNA I – o aço dos fogos de alegria acocorados em círculo e as acrobáticas


fábulas desfraldadas herborizando o celeste azul-real azul tão terno e meigo
vestido de azul com toda a parcimônia de sua angústia posta em dia.

MENlNA II – boa festa feliz ano verão tão suave ar de metal línguas de
abelhas cheiro de pio grelhado e de manteiga e melancia

MENlNA IV – à noite eu canto e choro minha cabeça batendo contra o


carneiro de minha cama os arabescos das meadas de lã de minha paleta

recheada de pássaros e minhas mãos de gaze descosem a dentadas o buquê de


anêmonas
MENlNA II – a alegre canção do verão – bela e tão grávida e encantadora jovem
peça única e muito rara o largo traço de giz branco apagará timidamente a conta

MENINA I – o cinzel cor de anil rendado de esmeralda corta em dois o arco da

ponte do canteiro da carta de jogar arriscando a sua sorte – a sombra rompe suas
amarras

MENINA II – árvore jóia cheia de palavras colar de esperança corrente de mel ária
de flauta máscara de argila sino de prata rosa de cristal sono de relógio

MENINA I – vejam como o sol que nos deseja chega a nós através das folhas e

lepra nossos rostos mãos e roupas e o quintal. Seus dedos cheiram a figos seco a
pus a sangue a nardo e o azul de sua roupa se decompõe em mil lantejoulas e
cantos gregorianos e alcalinos relentos (riem) – o sol nos disfarça de morta o sol
nos ama
(Cena dos coveiros carnaval)

um grupo de coveiros chega carregando um caixão – estão fantasiados de


sátiros centauros e bacantes – chegam dançando bêbedos –
depositam o caixão sobre estrados que recobriram de palmas abrem-no e
tiram dele grandes ânforas e taças que enchem de vinho e enquanto bebem
brincam de roda em volta das ânforas postas em pé sobre o caixão
MENINA II – dança a noite em volta das luzes canta o íris em volta dos jogos de
cartas e rasga em cadência as cordas da ânfora seus fogos e o silêncio do
côncavo das mãos

MENINA I – flocos de estrelas colocados sobre o fogo vivo das camadas de sol
sofrendo de suas algas a arquitetura toda em caminhos de atalhos o ovo posto a
baixo custo a bandeira azul queimando nas quatro pontas

MENINA II- a cinza atirada ao pasto das águias do galinheiro funde o bronze das
asas do cavalo arrastando a charrua no campo de diamante e atrela às lanternas
as melodias da ponta do buril grifando o mel do cobre

MENINA IV- órgãos ébrios do louco amor âncoras atiradas ao fundo dos céus

linhas puxadas das barcas molhadas de chamas


MENINA II – a grande torta de cerejas está cheia de moscas – se vocês não
querem prová-la vou comê-la inteira inteirinha e podem depois chorar chorar
chorar e me bater

MENINA I- a torta e tão minha quanto sua quanto todas

MENINA IV- a torta não é de ninguém ou antes ela é das moscas

os coveiros voltam a apanhar o caixão com todo o cerimonial da chegada e


partem dançando as meninas os seguem e ouve-se a MENINA III gritando – é
isso é isso é isso

Cortina- Fim do 2° ato

3° ATO

o mesmo quintal mas no interior de uma gaiola dentro da qual as quatro


meninas estilo nuas
MENINA II -na amarelinha as árvores são sinos do fio de prumo que a cada sopa a
ária do violino traz a cada passo e fia a trama dos violinos cosidos à franja lilás dos
corpos de caça estendidos rochedos de cobalto e colares de ouriços transbordam
no Ianço de muro do relógio amarrado a cada folha as incompatíveis feridas e as
chicotadas dos aromáticos saltos de carpa de tanto azul misturado às guipuras da
carnificina e a vergonha e rascantes remorsos das flores desmaiadas sobre o lago
de amêndoas.

A cada cordeiro sua carga de asas e todo o peso das auroras postas em dia

sobre o mármore gravado com garras e dentes a melancólica inocência dos linhos
limpando o suor da face do azul do céu atado ao pote por cordas o arco-íris
estendido ao máximo descobre aos transes do buquê seu caminho e parte para o
festim posto em jogo. .

MENINA I – a catastrófica ausência de quaisquer andaimes e o temor


impreciso do grande salto ao alto da escada plantam um estandarte no cimo
desfraldar seus fastos e aniversários.
No meio da cena aparece a bolha de um grande aquário em que nadam em círculo
peixes coloridos um vermelho outro azul outro amarelo outro verde outro violeta
outro laranja
Do aquário sai o buquê de um fogo de artifício
a tinta da fonte rasga os joelhos sobre a manteiga derretida desta tarde jogada à
cara ou coroa no cristal do prisma do acre persistente perfume das volutas dos
cantos das sombras recolhidas nas mãos estendidas aos suplícios e convulsa
delicadamente gota a gota a rota desenfreada dos carros róseos dos íbis
arrastando seus farrapos na lama da cal remexida dos remos batendo em
desordem suas palmas sobre o chamalote das arcadas pique corpos e bens sobre
o leque e fio de Ariadne enredado nas sarda moreia o festim todo posto à parte

MENINA IV – a sombra da aurora marca com a unha no canto da página seu


buque de anêmonas

MENINA II- rato camundongo arganaz musaranho morcego flor de piretro


unguento cinza ácido cítrico posto a cavalo sobre o ramo de lilás adormecido
graciosamente deposto aos pés fendidos do contrato em chuva de rosas e tortas
de creme.

MENINA I – rotunda em espiral jogada ao vento pasta de tocaia sobre o alva


arrancado da árvore plantada de raízes para cima sobre o lago esmeralda.
MENINA II- garatuja garatujas garatujas passando a esponja molhada de giz sobre
a ária e a canção espetando o xale de luas na paisagem gritando em altos brados
delicadas atenções e suas melancólicas e angustiantes cantorções rato
camundongo arganaz musaranho morcego unguento ácido lilás cinza nítrico e
chuva longínqua de passo de asas batendo duro como ferro sabre os barrotes do
céu através da gaiola

MENlNA I – serpentes trançadas em longas esteiras cada abelha portando seu


vestido de flores a taça repleta de Ieite salta de pés juntos suas manigâncias e
melodias em cascatas arabescos e mordidas a cada caule mãos estendidas

MENINA II- a pequena joaninha rasteja suas lanternas penduradas com uma
corda ao pescoço do patíbulo e range o óleo de sua oliva nas pedras de fogo
untando a poça de azul pervinca limpando os vidros de seu linho mergulhado no
ovo batido em omelete de perder o ôlego

MENINA I – a joninha morreu ora pro nobis a joaninha se acaba ela acabou
MENINA lV – pão um copo de vinho e a sopa a mesa recoberta com a toalha
xadrez azul escuro e azul claro o garfo a faca a colher a mesa a colher o
guardanapo dobrado sobre o prato o murro no lado direito da mesa o balde o
amarelo derramado ligeiramente rosa vomitado pelo sol limpando a cor
acobreada erguidas sabre seus esporões fazendo-lhe face

MENINA II – contem digam um dois três quatro dez onze vinte dois três
quatro quatro quatro

MENlNA I- contem contem contem

NINA IV – laranja tangerina limão azeitonas peixinhos grelhados o tiquetaque do


despertador a hora da tarde o dia a manhã a aurora

Fim do 3° ato

4° ato

o mesmo pomar (à luz da lua)

MENINA IV – sentada numa cadeira sozinha – a manhã mergulha suas alusões e


seus carros louros de acres aciduladas rampantes estrelas de patas negras de
eixos pontos e vírgulas fixados a vidraça destacada uivante de tantos ocres e
pálidos festões desfeitos em fendas de poeira e raias oleando o degrau do poço
atirado ao fogo aprestando o cinza ruidoso provendo a abóbora colhida na
armadilha suas enlameadas ilusões e suas alusões mentirosas de cortinas
cerradas falando à parte estremecendo suas melodias e seus gritos aos cem
pontos cardeais e suas salsichas ardentes ao arco intervindo nos jogos
descobrindo o nu vestido de viga de amendoeiras em flor arrebatando o leito de
todos os seus enfeites e unguentos soltos em voo de pombas de goela
escancarada de sol esmagado sobre o tecido bordado de amêndoa no prato de
arroz silêncio posto as claras de tocaia inchado de músicas hilariando suas
hortênsias em ondas de remorsos e circunstância atenuantes.
Focinho careteiro torcendo seus pregos nos punhos fechados distribuindo suas
ogivas mantendo em dia a dia suas contas dobrando em bola seus salpicos e
suas ardósias sob a asa.

A pilha de-aromas toando seus cânticos e suas mordidas a cada porta todas as
velas desfraldadas e todo o encantamento permitido a gaiola aberta desenrola
seu leque e rói o mármore da corrente a cifra inscrita procura suas

pulgas sob a pia a pequena caçarola azul dorme apoiada a sombra rosa feita
gratuitamente de pés juntos de joelhos deitada no chão a falsa violeta corta o

pescoço da janela arrastada pelos cabelos sobre os ladrilhos da cozinha a mesa


molhando suas patas no sangue a boca aberta mostrando o ciículo de seus
dentes azuis

votos inúteis engancham suas asas aos pregos entortados pelo ferrugem – a
gravidade da bora corrompe sua carne à claridade emitida em evidência e o
fluxo do relógio autoriza a cada passo sua autoritária aversão

(Entra um enorme cavalo branco alado arrastando suas tripas rodeado de águias –
um mocho está pousado em sua cabeça – fica um breve lapso diante da menina e
desaparece do outro lado da cena.)
fonte luminosa de pêlos eriçados do arco-íris enganchado em cada dedo dos
colares de plumas do ácido ferindo de morte o animal – o montão de
reverências e genuflexões e o alerta dado

infligindo suas carícias as estridências do azul desenrolado diluída em todo

o Ieite derramado sobre o ramo de mimomas agitado obscurecendo a peça

encantamentos esbranquiçados e estouros bizarros contorcionando aos


diminutivos adquiridos borboleteantes imagens concêntricas

o vestido azul do corpete liIás do verde tão tenra de sua saia das mãos rosas do
amarelo a cadência do ocre vermelho revelado em sobressalto do sonho
adormecido gradualmente esparso gota a gota imobilizado no giz suspenso em
ondas dosando a mistura em signos convencionados traçando o caminho aberto
ao aroma desprendido sobre a borda de sentinela (uma gatinha tendo na boca
um canário salta de um galho a outro e a neve começa a cair) lençol dobrado em
diagonal festonado de cravos e de íris cabana do Pai Tomás coberta de luas e
talhadas de melancia pássaro de algas Tristão e Isolda de gesso cadeia de rosas e
palmeira cheia de figos e de ratos grandes concha relógio de ouro e livro aberto de
rasuras roída por enxames de abelhas árvore do berne do mal posta no fogo das
licitações
entram as meninas I e II nuas trazendo grandes círios acesos numa das mãos e
puxando com a outra uma charrete vazia – a menina IV rompe em lágrimas e
dança como uma louca até cair no chão rindo e fazendo suas roupas em farrapos
MENINA IV -gordura fervente caída das estrelas inundando com seus caroços de
cereja os lençóis róseos dos campos de violeta grelhando suas plumas nos gelos
do sol dormindo a sesta asas despregadas sobre a cortina de plumas estendidas
ajur mordendo de pés juntos a isca

Bom prato de tripas bem quentes risos em todos os andares vinho


transbordando das ânforas grande pão branco buquê de abelhas cheio de rosas
enxame de mãos mordiscando a echarpe de seda bordada de carícias e à ponta
da agua a gota de sangue torcendo sua chama

vestido com grandes poás limão verde amêndoa negra e amaranto alegria atirada
aos gansos e fio a prumo torcido em sarças orlas da palmeira dobrada
cuidadosamente aos golpes do machado tão duramente batidas pelos lábios das
bandeiroIas dependuradas nas lanças atravessando as gazes mais o azul
derramado em ondas tão mesquinhamente mostrando bico e dentes à chaga rosa
e festão dourado glória aos diminutivos perfumes verde quadriculado a
resposta voltando as costas ao sol serrado em suas garras a imensidade da
mágoa derramada escondendo a janela com suas mãos de lama

MENINAI – dentes serrados em tomo do punho do pescoço da águia o chicote

de sua plumagem engancha-se a cada pétala as carícias mais inesperadas e as


violentas reflexões inconciliáveis com os arcos da ponte derretendo-se em
lágrimas suas cavalgadas procissões e imprevisíveis sugestões aos inumeráveis
atributos tão obscuramente postos em

evidência – eis aqui a nota três pacotes de linha branca de costura e de cerzir em
ponto morto a catastrófica imagem revelada pelo ácido a cada marcha o joelho
iluminando o caminho de esfoladuras

MENINA ll – a bela fritada de cadoz o prato de nhoque doce pissaladeira voz clara
do linho estendido batendo os dentes postos em oferenda ao sol poente à sombra
sob o plátano

MENINA I – a talhada de melão grelha sua fome polar ao clarão da lua

MENINA ll – Ieite de amêndoas doces passas figos alface ouro fundido azeitos
pretas cachos de risos as mãos e verde suco de estrelas nascentes trombetas de
prata empapando os pés abeira do lago

vaso de argila transbordando milagres batido por enxames de abelhas


inabordável escada destacada da casa em fogo semeando o prado com grandes
punhados de sal
MENINA IV – gostaria de ter um vestido de seda de ouro violeta bordado de prata
costurado de pérolas de jasmins de filhos da Virgem bordada de ramos de
mimosas de heliotrópios de narcisos de cravos de espigas de milho e minha
cabeça rodeada de chamas ver entre as sarças grandes papoulas e os mares de
sargaços dos pregos de cravos densos plantados sobre as algas rosas exsudando
as vagas de baba das rosas azul celeste sobre as palavras pirogravadas sobre o
ouro dos mármores cobrindo as asas do alambrado envolvendo o ninho da
serpentes

MENINA II – negro festim linho fino estendido a secar ensopado de lágrima sobre
o leito desfeito riscado a cada suspiro pelas persianas

MENINA IV – mentira posta às claras em plena ebulição sobre a mão


arrancada ao destino bordada de signos arquitetura líquida do palácio de
maravilhas postas a boiar sobre a nuvem cristalizada raspando o campo de
violetas lambendo a chama

MENINA II- violenta tempestade figurada pelo buquê posto ao abrigo das
chuvas de compotas por trás do engradado posto sobre a pia cobrindo o ouro
das bordas com a dobras rasgadas de seu casaco violeta mãos estendidas às
doçuras dos signos convencionados

MENINA IV – fossa comum aberta aos festins dos jogos de endereços dos grafitis
desfolhando precipitadamente o lago adormecido em sobressalto de Ofélias

MENINA I – parto negro da ondas de orquídeas apontando seus jogos de azar


para as telha fixadasnos linhos rasgados jogando os cotovelos grande besteira
feita o número que ganha aureola de serpentinas a cabeça

golpeando a fronte contra as lajes do templo subitamente refletido no olho cego do


lago estendido de negro agarrando com as unhas minuciosamente a cifra MENINA
IV -silêncio posto a ferros camisa de foça ângulo torcido restos de comida
coagulados de esmeraldas da garganta aberta da pomba

(*Ouve-se a voz da menina III gritando – é isto é isto é isto é isto…)


o unguento das asas abertas do cavalo arrastando a charrua rói a chaga a vivo e
raspa a mordida feita no vestido por gotas de sol cantando seus broncos sapos na
sombra oferecida

MENINA III ao Ionge– é isto…


Iança vibrante pregada no meio do céu estendido de veludos verde maça rosa
do babado de orla rasgada as franjas nos picantes das amoras

MENINA II – grande canteiro branco em bolas de algodão sedas asas malvas


talos de grama azul-reais dos idílicos picantes de creme batido azul das rendas

achamaloteadas cor de cera do braço pendido sobre o vazio à janela cortada


sobre o céu espalhado em campo de aveia sobre a mantilha negra dos fios a
prumo cruzando suas ripas de madeira pintadas de verde de cromo rangendo
seus ávidos e faustosos desejos nas jarras dormentes abafadas pela goma
arábica dos cantos alcalinos do concreto encadeado apanhado na armadilha
das luas arrastadas do assalto pelos tratos de terra arrancados aos cantos tardios
dos rouxinóis

MENINA IV – a carga das asas trazendo a aba do pichel suspenso ao horário do


dedo mínimo

MENINA II- baile de máscaras mordiscando em silêncio sobre a ardósia

MENINA IV – cavalo furioso cheio de ameixas trançado de pássaros a flauta ao


Ionge fazendo das suas sobre a fatia de melão aclarando a rampa do buquê de
jasmins batendo duro como o ferro a grandes golpes de chicote de braço comprido
encurtado a doce e terna imagem

MENINA IV – hoje dezessete de maio de mil novecentos e quarenta e oito nosso


pai tomou seu primeiro banho e ontem belo Domingo foi ver em Nîmes uma
corrida de touros com alguns amigos comeu um prato de arroz à espanhola
e bebeu provadores de vinho na enologia

MENINA ll – o amor estende suas lavas sobre os fogos despertados nos


quadrantes solares o arco flutua sobre as rodas de chamas o óleo que

corre em ondas sobre a tempestade a barca bate asas sobre o tambor enegrecido
pelas lágrimas

uma tromba de cinzas acumula alga em torno de picantes arrancados aos azuis
chamuscados das trombetas infestando a rendas atiradas sobre as moitas
descobertas as respostas e correm a cada esmola as ruborizadas esperança dos
caules partidos em longas folhas aos mastros torcidos grunhindo seus sorrisos
levantados do desenho pintado no vestido e as mãos juntas coladas aos galhos
quebradas da barca fogo perdido mordendo a página branca pregada verde
amêndoa doce do limoeiro lavando a borda da fita transbordando da mesa de
madeira branca pintada de ocre a cada degrau chicoteada pelo grão de arroz do
sol nascente a pata contra o muro calcinado cheio de revelações.

MENINA IV – oráculo enganchado às infelicidades exsudando suas trops de


camaleões nos barrotes da tempestade torcendo as asas sobre o chão enfeitado
de Ianças afundando sobre a presa

MENINA II- azul rosa e malva e limão da grande tigela de leite agitada de manhã à
janela

MENINA IV – a boca abrindo os cílios a escada de corda abrindo caminho às

cotoveladas sobre a pedra do tanque da cozinha saltos de cabra árias da música


adquirida as liras do metal dos rebanhos dos aromáticos arabescos fixados
ganchos e unhas sobre o tecido de pó branco lambendo a jarra pesada
constelação de respostas todas as cortinas erguidas aos refrãos dissolvida no
creme derramado nas urtigas atirada em grandes punhados de sal da cabeleira
emaranhada de grande plantio de favas pintado em grandes azeitonas pretas
sobre a ardósia

MENINA ll – espelho

MENINA IV – silêncio desvestido das multidões de lâmpadas de prata ardentes


iluminando-o qual dia de seus golpes de leque a dança que cai sobre a flor que se
afoga retalha seus risos no côncavo da mão desatando a fivela de sua sandália.

MENINA ll – o riso faz seu ninho a grama canta a terra grita suas olhadelas e
arrasta suas barcarolas para as habilidosas festividades votivas untando as vagas
com suas palmas.

o pano cai por uns instantes – mudança de cenário – a cena esta pintada de
branco cortina de fundo bastidores gambiarras estilo cobertos com todas as letras
do alfabeto e números em grandes caracteres pintados de todas as cores também
o chão do palco esta pintado da mesma maneira – ao centro uma cama em que as
três meninas I-II-IV estão deitadas – enormes cães alados vagueiam na cena em
volta da cama
AS MENINAS na cama cantando
ah ah ah ah ah o amor

ah ah ah ah ah a morte
ah ah ah ah ah a vida

ah ah ah ah ah rir riremos nós rir rirei vós a morte o amor a vida rirei vós o amor
rirei vós a vida rirei vós a morte ride que eu ria que a vida a morte o amor e vós e
a morte a vida e o amor riam ride conosco riamos convosco o amor a morte a
morte a vida a vida ao amor a vida a morte a vida a morte o amor toda a vida

Saltam as meninas da cama nua estendem no chão um grande lago azul


rodeado de flores e nele se banham – do meio do lago sai a menina III nua
também os cabelos cobertos de flores e envolta de flores no pescoço nos punhos
nos tornozelos na cintura dança no meio segurando a boneca num braço e
puxando a cabra pela trela – os cães alados voam repórteres fotógrafos entram
em tropel e fotografam a cena de todos os Iados
Cai o pano

Fim do 4°ato

5°ATO

cena – o mesmo pomar – as quatro meninas com vestidinhos de cores vivas – a


bola de fogo de um sol enorme ao explodindo rola sobre a cena o grande lago que
as meninas estenderam no fim do 4°ato em cujas águas enormes íbis mergulham
as palas e pescam peixinhos e rãs
as meninas cantam brincando de roda – não iremos mais ao bosque
derrubaram os loureiros…
gritando
MENINA I- Jeannette venha cá

MENINA II – Jeannette

MENINA III – Jeannette

MENINA IV – Jeannette

MENINA II- Jeannette

MENINA III – Jeannette


MENINA IV – Jeannette aqui está lá está a carta

põem-se a ler a carta em voz alta


– minhas delicias minhas couves meus nabos minhas couves-nabos minhas
ervilhas minhas cotovias eu lhes escrevo daqui a mil léguas de qualquer sinal
percebido e de todo e equívoco esclarecimento varrendo as vaga das velas
batendo com força nas persianas

a filha do funileiro deu à luz esta noite no albergue a alegria resplandecente de

ser mãe de um gordo neném rechonchudo revelado pela placa grande revelação
incrível aparência jubilosa descoberta que os ângulos abertos das asas brancas
das pombas arrastaram de uma boa sopa a outra em tornos dos arco-íris
quebradas sobre o mármore.

O pai e a mãe estão passando bem e os anjos só chegarão bem mais tarde.

Esperamos também seu tio com a pequena cadela e as grandes despesas virão
depois quando as rosas terão feito seus buquês e a partida indecente será
pregada sem tambores nem trombetas e todos os fogos acesos sob a grelha do
fomo posto a nu por tantos buques oferecidos as ninfas que são vocês em
holocausto e se lhes faço rir tanto pior esta noite fará mais claro e amanhã o
ranger de dentes de seu gordo gato poderá cantar matinas e vésperas sobre as
costas todas suas velhas e corteses civilidades e suas oferendas à Virgem – e seu
tio souber que lhes escrevi ficarei coberto de chagas feridas desde a nuca aos
tornozelos e creio que será tudo como aperitivo boa noite beijos eu lhes desejo
minhas pequenas lentilhas seu humilde servidor e seu muito temo e devotada
serva não tendo o ar de esquecer as escondidas todo meu velho mofo em toda
parte grande pacote de excrementos do prato cheio até as bordas incarnadas de
minha reverência

MENINA I – grande vagabunda imenso cagalhão porcaria bem traçada.

MENINA II – quarto de peidar

MENINA III – velha marmelada de esgotos monte de excrementos

MENINA IV – torta dourada de merda


MENINA III – o machado furta-cor das flores do buquê do feixe de anêmonas
diluído no azul das chamas e a delicada atenção prestada à máscara careteira da
cesta de laranjas amarram na forca a corda da lira batendo as asas na gaiola

MENINA IV – boca a boca o relógio grita suas babas sobre o aço contido na taça
das mãos voantes que batem nos vidros das janelas a vela de alteia enfeixando o
vestido Iança ao granito as flores sangrentas com feridas evidentes

MENINA III – seu vestido lantejoulado de gritos tocando o clarim no centro da

laguna em fogo cortando em dois o espelho da arena enterrada sob as rendas

MENINA III – o vácuo solta suas garras e morde a todo pano diante da imagem

MENINA I -o silêncio se estira sobre a bola de sabão do sonho enterrado nas


acrobacias despejadas das palmas açoitadas duramente até o sangue

MENINA II- a luz move no centro da echarpe os jogos suas orações suas coroas
de espinhos

MENINA I – em grandes colheradas a paisagem repintada sobre a ardósia


chacoalha suas pulgas a cada ponto do equinócio com frias doura aninhadas em
arvoredos de mármores das sereias o pouco de azul queimado em feixe de aveia
em chuva de encantações e risos rasgados e jogos de graças

MENINA Ill – boca negra do sol repleta de cinza

MENINA I- odor apavorante de uma cheia pratada de estrelas fritas na panela


MENINA II – grandes sapos engolidores de bois tabula do Pai Tomás e da Virgem
Maria domadora de pulgas o arquiteto que fez suas necessidades tirando a escada
com ambas as mãos

MENINA I – janela aberta para o branco imaculado da página marcada ao centro


com o mel de abelhas da palavra riso

MENINA IV – Ieite de jasmins

MENlNA II- unguento de nardos

MENINA I -licor de cravos

MENINA Ill – grossa risca de giz barrando a estrada


MENINA I – a sopa vazia se abre em guirlandas de umbigos e a festa recomeça
algas festões e jatos de alcova doces traços tirados à noite do cora o do lago de pé
sobre pernas de pau batendo asas a colcha da cama grifando com grossos traços
de tinta a folhagem de Ieite morno

MENINA II – a sombra do limoeiro cava seu ninho na ponta do punhal enfiado até
o coração no ácido escondido sob o campo de medusas do acordar

MENINA I – sombra morna pendida da bora bebida na fonte

MENINA II- salga de anchovas das largas estradas da lembrança cortada em


picadinho sobre o mármore coberto de grafites de tantas auroras abandonadas ao
telefone das tacheias de cegos rouxinóis

MENINA IV-dedos leves da noite cantando gota a gota seus colares de orvalho

MENINA I- e cravada em cada estrela a harpa de cada folha tirada do vestido


nadando nas dobras dos carrosséis iluminados por fogos extintos como de dia

MENINA II – esmeralda cheia de pimenta-negra gota de cera fervente caída no


olho espantado da noite

MENINA IV- grande pérola do oriente apanhada pela tarântula

MENINA I- circunferência aberta ao riso

MENINA II- alegria louca dos leques erguendo voo de pombas sobre o azul

da bochecha

MENlNA I – abrindo o silencio da talhada de melancia gelando a hora arrancada


moribunda das unhas bicos e garras do azul acidulado riscando os traços de pena
do balcão de caniços fixado em bandeirolas à música saltando de pés juntos
sobre a cama posta nos bastidores

MENINA II (mergulhando no lago e cantando) – silêncio de rosa silêncio de


melão silêncio de alteia silêncio de carvão rosa de silêncio rosa de melão rosa

de silêncio de carvão de rosa de rosa de rosa de rosa e branca papoula e a casa


a mosca sobre a manga verde de seu vestido malva de grandes bolas limão
chapéu de andorinha sapatos de sapo cinturão de cobra belo amarílis peras figos e
pêssegos laranjas limões ar fresco das montanhas e grande monte de velhos
babacas e ora pro nobis que lhes dizem alo e lhes mostram o rabo

grandes porcos e porcas e seus porquinhos todos alados enchem o lago – as


meninas dançam e cantam em coro a canção que a menina II cantou a princípio
sozinha – dois ou três vezes
imobilidade – grande silêncio
Pano – Fim do 5° ato.

6° ATO

na horta

sob uma grande mesa as quatro meninas sobre a mesa um enorme buquê de
flores e frutas num prato – alguns copos e uma jarra – pão e uma faca uma
enorme serpente se enrola numa das pernas da mesa e sobe para comer as frutas
morde as flores o pão e bebe na jarra
AS QUATRO MENINAS lendo um livro -“a vida de vida à vida de vida tão vida a
vida pela vida de vida tão vida de vida a vida a morte à morte tão morte à morte de
vida a morte tão vida tão morte a vida a morte para a vida de vida aromática
escada fincada nas ondas do azul em quadrados luminosos em corbelhas aveia
louca colorário opalino acidulado em chamalotes e guirlandas aos suaves
impasses dos festões luminosos e pontilhados olhares músicos revistos tão
atualmente revelados aos rasgões – orgasmos de asas metodicamente dissolvidas
em bailes e procissões unguentos e cavalgadas – a porta aberta do esquecimento
batendo contra o céu seus charcos fétidos – a barra do vestido rasgado limpando
os vidros besuntando o monte de revela contidas na taça quebrada rompendo o
aroma em frágil castelo de cartas os punhos fechados arranhando o vidro do
espelho – simulacro justificado pela enorme soma a pagar da qual eis aqui um
detalhe o vestido todo de desejos festonados de ouro e de jasmins todo de pérolas
cintura de amarílis costurada com fios de diamantes branca aIface gota a gota
regada de estrelas grande buquê de fogos no Pont-Neuf à noite pelas 11 horas do
dia 14 de julho mandíbula serrada com os ferrolhos do lagarto preso pela doçura
das asas balbuciantes da borboleta noturna convulsionando os braços no creme
da noite diluída no mármore fervente cantando de todo comprimento sua litania à
passagem da isca grande monte de cebolas de berinjelas de pimentas de melões
e de figos timo rosmaninho robalo rascassos enguias alho vestido de lua com
grandes pés de esmeralda vestido branco de nuvens vestido de azul vestido feito
de grandes troncos de árvores nogueiras carvalho mogno pau-de-ferro ébano
tocador de castanholas pau-rosa e limoeiro pé de alcaçuz e pé de panamá limpo
para lavar”
MENINA II:- a rosa do cravo ri com todos os dentes da história ela escuta e já
refletiu sobre as consequências finais dos fios trançados tão finamente para fazer
a tela e tábua rasa de toda ira contida nas tão longamente esperadas auroras

MENINA I- tudo se acende meu vestido de fogos de São Joao rabisca em minhas
mãos seus horóscopos e dá de beber suas espadas aos rebanhos de cabras que
parem na grama molhada

(um verdadeiro balé de formigas aladas enche de alto a baixo a cena disputando a
rainha em fantásticos torneios)
MENINA IV- carvão ardente alga em flor de lis ondas de sangue músico de
pesados riachos pendidos dos fios elétricos em escamas

MENINA IV- mão arrancada da face caindo a pique em flor de acanto ao Iongo do
braço mergulhando por inteiro seu lote de sarças de Ianças de alabastro as
caricaturais harmônicas quebraduras da aparente ferida feita de improviso pelo
branco lilás untando na ponta do caule a singular aparição bebida até a lia no
coração do mármore escondido atrás da máscara pintada cor da carne

as quatro meninas apanham a serpente e servindo-se dela como se fosse uma


grande foice dão grandes golpes no ar sobre as formigas volantes e as abatem por
trás da horta passam alguns rapazes tocando acordeon e cantando “o vinhozinho
branco que se toma sob a pérgola” entre grandes risalhadas a noite cai – estrelas
– a lua – todos os astros – grilos – rãs – sapos algumas cigarras –rouxinóis –
vaga-lumes – um intenso perfume de jasmim enche a sala e ouve-se ao Ionge o
latido de um cão – depois – toda a horta se aclara cada folha é uma chama de vela
– cada flor um lampião de sua cor cada fruta uma tocha e as fitas dos ramos das
árvores são de luzes de diferentes chamas – as estrelas cadentes tombam do céu
em arpões e fincam suas pontas no chão que se abrem em rosáceas e em taças
de fogo – as quatro meninas brincam de pular carniça e riem riem e cantam
purê de batatas purê de lentilhas purê feijão purê de favas e purê de cebola

viva o creme o creme de castanhas o molho de vinagre a maça agridoce a couve


ao creme éclair de chocolate torta de mirabela gengibre bananas melão figos e
pêssegos damascos e passas
(deitam-se no chão e adormecem) árvores flores frutos por toda a parte o sangue
corre de fazer poças e inunda a cena empurrando a terra e formando um canteiro
quatro grandes folha brancas envolvem as quatro meninas por transparência e ao
virarem aparecerão sucessivamente escritas em cada uma das folhas MENINA I-
MENINA II-MENINA Ill-MENINA IV
escuridão completa
em seguida a luz – a cena – (enchendo-a totalmente) interior de um cubo
inteiramente pintado de branco no meio ao chão um copo cheio de vinho tinto

Pano
Fim do 6°ato.
Sexta-feira, 13 de agosto de 1948 em Vallauris

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