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Bem vindos à mais uma aula do Seminário Online de Psicologia.

Vamos dar sequência, como eu venho falando para vocês há


algumas aulas, acerca do texto da Edith Stein, Introdução à Filosofia.
E venho tomando cuidado de seguir algumas obras que têm
ajudado bastante a fazer o trabalho que me proponho, com o
Seminário Online de Psicologia.

Na semana passada falávamos justamente sobre a primeira parte do


Introdução à Filosofia da Edith Stein, que nos ajudava a entender
sobretudo a perspectiva, um olhar sob a ótica de uma compreensão
daquilo que está ao nosso redor, que pertence ao campo do que
poderíamos chamar de natureza.

Quando eu introduzi, na terceira aula da segunda parte do livro da


Edith Stein e desde então, estávamos conversando sobre este
segundo elemento, tratado na segunda parte do Introdução à
Filosofia, que é a subjetividade.

Então estamos aprendendo agora a lançar um olhar sobre nós


mesmos, um olhar tal que não considere apenas os aspectos em nós
que pertencem ao campo da natureza; ao campo da materialidade,
ao campo só das relações de causalidade psicofísica ou coisas do
gênero.

Mas que começa a tratar e enfrentar este campo ao qual damos o


nome genericamente de intimidade, de campo interior. Isso tudo é o
que estamos chamando de subjetividade.

Hoje vamos dar um passo a mais, começar a enfrentar talvez a parte


mais interessante dessa obra da Edith Stein, sobretudo, desta parte
na qual o que está em evidência é o reconhecimento da
subjetividade, que é o trabalho sobre a estrutura ôntica.

Então para quem não está muito afeito ainda ao modo de agir, ao
modo de pensar, de refletir próprio da fenomenologia, fica aqui mais
uma vez o convite à assistir as primeiras aulas sobre o que é a
Psicologia, que são aulas nas quais eu apresento para vocês alguns
dos conceitos mas apenas só eles.

É muito importante para mim que vocês entendam que não


estamos lidando só com conceitos, mas com algumas categorias
que certamente a ensinam-nos mais e melhor para a realidade, não
só a realidade ao nosso entorno como a nossa realidade, mas a
realidade da pessoa que nós somos, que é a postura
fenomenológica.

Estrutura ôntica: aprendendo a reconhecer-se como sujeito – 1°


passo

Quero já, de antemão, explicar que o que vamos começar a fazer


hoje ao tratar da estrutura ôntica é avançar paulatinamente, bem ao
modo da fenomenologia.

Vamos avançando devagar a fim de ir chegando a uma


compreensão (o mais acurada possível), daquilo que é o foco da
nossa atenção, para aquilo que é o meu interesse mais importante. E
que saibamos olhar, que aprendamos a olhar e, sobretudo, que
aprendamos a reconhecer.

Então a primeira grande provocação para aqueles que são novatos,


na verdade são duas, a primeira é: caminhem junto, se vocês ficarem
comigo do princípio ao fim, vocês não vão ficar perdidos; e a
segunda é: não façam todo o esforço, se deixem levar por uma
tentação a entender as coisas sobre as quais estamos falando aqui
só de uma perspectiva conceitual, não estou nem um pouco
interessado em que vocês sejam capazes de aprender conceitos
(apesar de sabê-los importantes).

O que eu quero é que vocês sejam capazes a partir de uma leitura


conceitual, tal como aquela que eu venho apresentando (proposta
por Edith Stein), que vocês sejam capazes de reconhecer em vocês,
quer dizer, num passo a passo bem lento, os elementos da sua
humanidade que correspondem a aquilo que podemos chamar de a
sua pessoa; a pessoa do Lucas, da Carol, do Kleber, do Felipe e assim
sucessivamente.

É preciso que vocês estejam comigo e façam o esforço de


reconhecer os nexos entre estes conceitos e a vida de vocês. Farei
sempre o meu possível para tornar isso acessível para todos vocês e
acessível desta perspectiva.

Então, existencializem-se em cada uma dessas coisas, tragam isso


para a própria existência; ou como critério para avaliação ou que seja
pelo menos uma espécie de forma de compreensão mais acurada,
mais delicada daquilo que é o próprio da pessoa humana.

Já começo essa aula com esse título “Estrutura ôntica”, vocês já vão
entender logo o que eu estou querendo chamar com essa
expressão.

Não se preocupem, insisto e repito, enquanto vocês estiverem no


SOP não se preocupem com conceitos neste momento.
Preocupem-se quando muito, em aprender o significado (as
palavras), e vocês aprenderão melhor o significado delas quando
mais fizerem aquilo que eu acabei de dizer, que é estabelecer o nexo
entre conceitos e a própria existência de vocês.

A ideia é aprendermos a reconhecer-nos mesmos como sujeito e


hoje vamos dar o primeiro passo.

Texto do slide: 1. Assim como sob o título ‘consciência’ encontramos


diversas formas possíveis, entre os quais a forma por excelência é a
intencional , que identificamos como a especificamente pessoal, do
mesmo há também diversos gêneros de sujeitos reais entre os quais
ocupam lugar particular aqueles que identificamos com ‘pessoas’.
Examinemos o que é comum a todas elas, ou seja sua estrutura
psicofísica”
Na aula passada, falávamos sobre consciência e sob o título de
consciência, nós vimos que existem algumas formas possíveis de
apresentação disso que chamamos de consciência.

Aquela forma possível de apresentação da consciência em nós é, por


excelência, aquela mais própria da pessoa humana, aquela que
damos o nome de consciência intencional.

Para quem não escutou as aulas sobre alguns conceitos


fundamentais da fenomenologia eu só muito rapidamente digo
para vocês: O que é uma consciência intencional?

A consciência intencional é aquela consciência que (serei


redundante), está intencionalmente voltada para alguma coisa, é a
consciência de alguma coisa.

A consciência da pessoa não é a consciência do bicho, é uma


consciência intencional, ela tem efetivamente, de si, como
consciência. Ou seja, um bicho tem consciência? Claro que tem, se o
bicho está com sede, ele vai até o lugar que ele sabe que tem o pote
de água dele e bebe.

Nós temos consciência, pode ter uma consciência como a de um


bicho. Porque a consciência se apresenta de diversas formas
possíveis (disse a Edith Stein), mas a consciência que é própria, por
excelência, a consciência da pessoa é a consciência intencional.

É aquela que eu tenho quando estou aqui falando agora e ao falar


da consciência e falar, por exemplo, fazer o paralelo com a
experiência de um cachorro com sede que vai até o seu pote de
água para beber.

Ao falar disso, eu estou de uma maneira ou de outra, atento à minha


consciência e aquilo que eu estou dizendo.
Quer dizer, eu estou consciente daquilo que eu estou dizendo então,
não estou consciente apenas da circunstância, a qual eu estou
imerso aqui, não estou consciente apenas de todo o aparato físico de
toda a realidade espacial física ao meu redor.

Isso tudo evidentemente está no meu campo de consciência, no


meu campo visual e, portanto, no meu campo de consciência. Mas
ao usar esse exemplo eu preciso ter consciência de mim mesmo
tendo consciência daquilo que eu quero dizer.

De forma que eu, inclusive, estruturo adequadamente aquilo que eu


quero dizer para vocês até levá-los a entender o melhor possível.

Pergunta do chat: Qual o nome do livro?

O livro é Introdução à Filosofia, da Edith Stein, não tem em


português, infelizmente. Em português só temos A Mulher e Ser
Finito e Ser Eterno, mas enfim, são poucas obras.

Falamos até semana passada de consciência, das diversas formas de


apresentação da consciência, entre elas, aquelas que são mais
próprias da pessoa, é a chamada consciência intencional.

Vimos também que há diversos gêneros de sujeitos reais entre os


quais ocupam lugar particular, aqueles que identificamos como
pessoa. Lembremo-nos que sujeitos são aqueles que estão
escondidos, que tem uma vida íntima de alguma maneira.

Um cão tem uma vida íntima, querendo ou não, sabemos que ele
tem uma vida íntima; que ele sonha, mas não temos acesso a esse
sonho; sabemos que ele tem memória mas, não tenho acesso a
estrutura dessa memória; sabemos que um cão é capaz de algumas
tarefas racionais, só que não temos ideia de como isso acontece.

Tem uma vida íntima, interior, é evidente, até mesmo as plantas


têm vida interior e podemos muito tranquilamente dizer que elas
têm algo de uma subjetividade.
Têm alguns estudos sobre fotografia kirlian, que mostram os
campos de energias das plantas, há quem diga que isso serve para
identificarmos a alma de uma planta.

Eu não quero saber o que está em jogo, o fato é que há uma vida
íntima. Estes mesmos que fazem trabalho com essa fotografia
mostraram como, por exemplo, uma planta reage a certos estímulos
auditivos.

Não quero entrar nesse mérito, o fato é que, eu quero dizer que há
uma quantidade bastante grande de formas, de gêneros de sujeitos
na realidade. Mas há um em particular que nos interessa, a mim e a
vocês, que é o sujeito chamado pessoa.

A proposta é examinarmos hoje aquilo que é comum às pessoas, ou


seja, aquilo que é o próprio da estrutura psicofísica. Vamos começar
examinando a estrutura psicofísica da pessoa humana.

E eu começo com uma provocação, peço para vocês assistirem esse


vídeo e depois conversamos.

Vídeo do slide: 1. “Grupo Corpo – O Corpo | 2000”

Muito bem, vou pedir para vocês me contarem um pouco a partir só


do impacto visual com este vídeo que vocês acabaram de assistir.
Este é um trecho do espetáculo do Grupo Corpo, se não me engano
de 2000.

É um grupo de ballet moderno de Belo Horizonte. Eu queria na


verdade pedir para vocês, sem nenhuma pretensão de análise de
natureza crítica, não é uma proposta de crítica.

Para aqueles que se sentirem à vontade, me digam a partir do que


viram, qual a experiência que fazem? O que entendem disso que
acabaram de ver? O que percebem disso que vocês viram? O que
isso comunica para vocês?
Comentários do chat: [Meio perturbador, animalesco], [Parecem
movimentos de animal], [Sincronia], [Força e precisão], [Harmonia],
[Tensão], [Parecem sapos em formação], [Tive a impressão que eles
se deixam guiar por impulsos sonoros].

Perfeito, é exatamente nesse caminho que eu queria que vocês


seguissem.

Olhem que interessante, vimos aqui, e olha o que vocês


compartilharam aqui em termos de impressão que vocês tiveram do
impacto com aqueles corpos dançando. Vocês me trouxeram um
conjunto de impressões que são impressões que extrapolam
completamente aquilo que vocês viram.

Vocês viram corpos dançando, ouviram uma música (um tanto


quanto estranha, não é uma música muito fácil de ouvir). E, no
entanto, vocês têm impressões muito interessantes.

Todas elas, de uma maneira ou de outra apesar de cada uma partir


de um impacto diferente (que foi causado em cada uma das figuras
que se arriscou a trazer), certamente consigo entender, quer dizer, o
Cadu fala que pareciam sapos em formação, girinos virando sapo e
você escuta uma coisa como essa que é resultado de uma
impressão muito própria, peculiar do Cadu.

Você leu uma coisa como essas e vê que é verdade, tem mesmo um
momento que parece isso. Alguém fala de uma coisa animalesca e
parece mesmo, parece algo um pouco mecânico, meio
desordenado, um mecânico meio desordenado, mas ao mesmo
tempo, harmônico, e preciso, e impreciso.

Tem uma série de coisas que vão surgindo à tona e que, no entanto,
nasceram do quê? De alguma avaliação crítica da peça? Não. Veio
mera e simplesmente do impacto com corpos se movendo, de uma
determinada maneira que, de tal forma que expressam algo para
nós. E nós não conseguimos não ver isto que está sendo expressado.
O que eu quero convidar vocês hoje nesse primeiro passo no
reconhecimento de si mesmo, da pessoa que vocês são como
estrutura ôntica, é olhar para o próprio corpo.

E o Arnaldo Antunes que fez a trilha sonora deste espetáculo,


escreveu todas as músicas, todas as letras e compôs todas as
musicas deste ballet. Uma das peças se chama Momento VIII, este
trecho que trouxe para vocês.

Texto do slide: 2.
“O corpo existe e por ser pego.
É suficientemente opaco para que se possa vê-lo.
Se ficar olhando anos você pode ver crescer o cabelo.
O corpo existe porque foi feito.
Por isso tem um buraco no meio
O corpo existe, dado que exala cheiro.
E em cada extremidade existe um dedo.
O corpo se cortado espirra um líquido vermelho.
O corpo tem alguém como recheio”.
Arnaldo Antunes, momento VIII)

Poderia dizer que só essa pequena poesia do Arnaldo Antunes já


seria o resumo suficientemente bem feito de todo conteúdo da aula
de hoje.

Só que eu quero fazer vocês darem o passo comigo, quero que vocês
venham junto comigo nesse passo de compreensão do corpo, como
um dos primeiros elementos para a compreensão da pessoa que
vocês são com estrutura ôntica.

Comentário do chat: Dirigir um carro, por exemplo, não necessita da


consciência intencional.

Olha que interessante, apesar de não necessitar, você pode aplicar


aquela consciência que é a peculiar da pessoa.
Você pode estar dirigindo um carro consciente da sua consciência,
de cada gesto seu. Você pode fazer isso tanto que quando você
começou a dirigir, você só conseguiu aprender de fato porque você
estava ali, em uma posição que era menos a posição natural.

Depois foi se naturalizando evidentemente, a posição que na


verdade, chamamos de fenomenológica. Então sim, é possível sem
dúvida nenhuma.

Mas o que me interessa mais é que vocês entendam como é possível


que até mesmo os gestos mais automatizados em nós podem ser
gestos que nasçam de uma consciência intencional.

O grande exercício que eu quero propor, para que vocês sejam


capazes de justamente saber para onde vocês estão caminhando
quando vocês estão procurando amadurecer (se tornar uma
personalidade), é que vocês sejam capazes de se colocar naquela
posição mais viva possível.

Na qual vocês experimentam em vocês mesmos o que é o próprio


da pessoa que vocês são. E o que é próprio da pessoa que vocês são?
Ser consciência intencional, sobretudo consciência intencional.

Então vamos dar sequência, só para sairmos dessa introdução e já


entrar no tema que quero propor para vocês. Têm duas frases nessa
poesia do Arnaldo Antunes que são bastante úteis para aquilo que
eu gostaria que pudéssemos hoje começar a entender.

A primeira é essa: “O corpo é suficientemente opaco para que se


possa vê-lo”, a opacidade daqueles corpos, quer dizer, eles não são
transparentes, eles não são sem materialidade, eles têm uma
materialidade, ele existe e pode ser pego.

Você pode tocar o corpo, pode ver um corpo porque ele tem uma
opacidade, mas é essa opacidade que esconde alguém como
recheio.
Essas duas frases se conectam de um jeito muito bonito por essa
frase central. “O corpo existe porque foi feito, por isso tem um
buraco no meio”, esse buraco no meio é algo que precisamos
começar a aprender a identificar.

Para quem já me conhece nas redes sociais, sobretudo no Instagram


há um tempo, já acompanha as lives literárias, os Diálogos
Antropológicos, já deve estar começando a vincular essa frase do
Arnaldo Antunes com algumas coisas das que eu venho tratando
com vocês. Eu não quero entrar agora, só quero deixar para vocês
aqui como uma provocação.

A corporeidade viva, senciente, volitiva e expressiva

A corporeidade que há em vocês, essa corporeidade viva, senciente,


volitiva e expressiva, o corpo como um corpo vivo senciente,
expressão de vontade e expressivo propriamente dito.

Esse corpo que vocês viram dançando, de uma certa maneira, é algo
deste corpo expressivo, volitivo, senciente e vivo, a que eu quero
fazer referência.

Texto do slide: 3. O que significa estrutura ôntica?

Ôntico se distingue de ontológico na medida em que se refere, não


às categorias essenciais do existente, mas aos aspectos acidentais:
propriedades empíricas, por exemplo.

Agora eu começo a responder a pergunta sobre a relação que se


estrutura ôntica, o olhar sobre a estrutura ôntica e essa possibilidade
de reconhecer a vida consciente e não consciente de qualquer coisa,
mas consciente de si, consciente intencional.

Primeiro precisamos entender o que significa estrutura ôntica da


nossa subjetividade. A expressão estrutura ôntica vai se referir (o
ponto central aqui é a palavra ôntico), à algo que se distingue de
ontológico, na medida em que o ôntico não se refere àquelas
categorias essenciais do existente.

Quando eu estou olhando para o existente, atento às categorias


essenciais, não estou no campo do ôntico, estou no campo do
ontológico.

O que é o próprio do ôntico, portanto, é a atenção aos aspectos


acidentais, como por exemplo, certas propriedades empíricas que eu
consigo reconhecerem um determinado corpo material.

Então, vamos usar aqui o meu isqueiro, há algo de ontológico no


isqueiro, há uma característica essencial da existência desse isqueiro,
que eu tenho na minha mão.

A característica essencial é que ele seja capaz de produzir fogo. E


produzir segundo um certo mecanismo de funcionamento por
causa do gás, da faísca que se gera com o atrito, dessa rosca que
tem aqui.

Enfim, isso é algo que poderíamos chamar de algo essencial da


existência deste isqueiro. Há, porém, neste isqueiro aqui, algumas
categorias, alguns aspectos que são acidentais.

Calhou de ele ser, como disse o Renan um dia, “azul calcinha”,


calhou dele ser BIC, calhou dele ter este tamanho (ele poderia ser
um isqueiro maior). Como por exemplo, este outro aqui, que não é
bem um isqueiro, mas enfim, ele tem um mecanismo com gás, gera
faísca, faz fogo e temos algumas características que são essenciais,
que me faz olhar para isso e, talvez, colocá-los dentro da mesma
categoria de isqueiro.

Mas há categorias acidentais que diferenciam este isqueiro,


chamemos de isqueiro apesar de maçarico.

E trata-se, portanto, daquelas propriedades empíricas, aquelas


propriedades que, portanto, são passíveis de mensuração.
Posso medir este isqueiro, posso perceber e chegar a conclusão, a
partir de uma mensuração rápida, que ele tem 6,1 cm de altura, eu
posso descobrir usando algum tipo de aparelho para mensurar a
curvatura de onda do isqueiro, saber efetivamente, com mais
acurácia, qual a cor dele (ao invés de usar a nomenclatura genérica
“azul calcinha”).

Seja como for eu estou lidando com uma propriedade empírica,


então a estrutura ôntica da nossa subjetividade é aquela estrutura
que, não me diferencia do Felipe, não me diferencia do Pedro, não
me diferencia se quer da Vanusa.

Quando eu estou falando da estrutura ontológica, me corrigindo,


não estou falando daquilo que me diferencia da Sandra, do Kleber,
do Felipe, da Vanusa, há entre mim e eles, há algo que é essencial da
nossa pessoeidade.

Há evidentemente e por isso o erro da minha construção, há no


olhar para a estrutura ontológica da Sandra, algo que é
absolutamente distinto de mim.

Não porque certas propriedades empíricas apenas próprias da


estrutura ôntica da Sandra sejam distintas – porque também o são.
Mas, por exemplo, eu tenho 1,88 m e talvez a Sandra tenha 1,70 m; eu
tenho a pele de uma determinada cor, a Sandra talvez tenha a pele
de uma cor diferente, e quando eu tinha cabelo era preto, talvez a
Sandra não tenha.

Há certas propriedades empíricas? Sim, que entre mim e a Sandra


são muito distintas e que nós podemos olhar dessa perspectiva.

Só que a estrutura ôntica está atenta apenas a certas propriedades


que são mensuráveis, que não nos distinguem uns dos outros do
que diz respeito a este aspecto mais natural.

Do ponto de vista de corpo, há uma certa estrutura ôntica da nossa


subjetividade que é igual, salvo exceções (como a falta de um
membro por exemplo).

Seja como for, o próprio de uma pessoa é olhar para ela e


reconhecer, olhando-a da perspectiva de sua estrutura ôntica,
reconhecer certos caracteres, certas formas, que vamos olhar e dizer:
“Eis uma pessoa”.

Pergunta do chat: O ontológico são aspectos que universalizam a


coisa e o ôntico aquilo que as particulariza?

Mais ou menos. Porque tem algo de uma certa particularidade que


vamos perceber na estrutura ôntica? Sim. Não tenho dúvidas disso.
Eu tenho 1,88 m e a Vanusa 1,65 m, tudo bem, mas tem aqui uma
particularidade certamente.

Só que, o olhar sobre a estrutura ôntica para o qual eu quero chamar


a atenção diz respeito a alguns funcionamentos que são
mensuráveis, são propriedades empíricas que nos igualam, digamos
assim.

Então é uma particularidade, mas não é uma particularidade.


Porque no fim, a estrutura ôntica não está preocupada com o
problema do particular versus o universal. Está preocupada apenas
com aqueles aspectos que são acidentais e que são na verdade,
propriedades empíricas, mera e simplesmente.

Comentário do chat: O ôntico diz respeito a acidentes e


tradicionalmente os acidentes se opõem a substância.

Exatamente isso.

Corpo vivo como corpo material dotado de modos particulares de


aparição.

Vamos lá dar um passo a mais aqui e vamos dar seis passos hoje,
muito objetivo, tentando ao máximo oferecer para vocês
saídas para possíveis nós que vocês possam encontrar enquanto
vocês estão caminhando comigo.

Uma coisa muito simples que serve apenas como um primeiro passo
para que vocês sejam capazes de reconhecer a si mesmos como
subjetividade.

Falamos de consciência, é bem verdade, e foi necessário falar de


consciência na semana passada porque, para que vocês possam
empreender o caminho do olhar para si mesmos como estrutura
ôntica, vocês tem que ver consciência de vocês mesmos.

Vão ter que voltar o olhar para vocês mesmos na perspectiva de


uma consciência intencional.

Pergunta do chat: O homem não possui um aspecto ontológico, de


maneira geral? Não apenas referente a uma única pessoa.

Sim. O homem possui um aspecto ontológico na medida em que ele


é um ser. Certamente eu posso me voltar para ele como alguém
dotado de certas características essenciais como o ser que é, tem
certas características essenciais.

O que talvez seja o grande nó da sua pergunta, algo muito simples, é


que quando nós falamos de categorias essenciais ou, uma
substância (o que nós mencionamos anteriormente), nós temos a
tendência a olhar para algo que é o mais próximo daquilo que me
ajuda a levar a frente meu raciocínio.

Aquilo que conhecemos como mundo das ideias do Platão. É como


se existisse um certo modelo de pessoa ideal no mundo das ideias.
Porém, em se tratando da pessoa humana não há como.

Se pensarmos o seguinte: um cachorro possui alma, vegetativa e


sensitiva. Quando ele morre (é apenas uma metáfora, não há
nenhuma heresia aqui), ele vai para o céu? Como o cachorro
em particular, como aquele seu cão Tobi, a alma dele não. Se houver
um céu dos cachorros, há apenas uma alma lá, a alma de todos os
cachorros.

Quando muito talvez, a alma dos vira-latas, dos chihuahuas, dos


rottweilesr, dos golden retrievers, apenas um exemplo. Por quê? A
alma de um cachorro não possui individualidade, enquanto que
para a pessoa humana, cada alma é um indivíduo, muito próprio.

Portanto, falar de uma substância da Gabriele é falar, na verdade,


daquilo que é o próprio, essencial, as categorias essenciais dela. Só
que a Gabriele se encaixa dentro de categorias, de categorias
universais, como é a categoria das pessoas.

Então, quando eu olho para ela como pessoa que ela é, eu sou
convidado a descobrir aquilo que é o próprio da pessoa na Gabriele.

Então, eu não posso lidar com ela, por exemplo, como se ela fosse
um rato, não posso lidar como se ela fosse somente a narrativa dos
traumas que ela viveu no seu passado, não posso lidar com ela como
se ela fosse apenas um feixe de sentimentos (atrapalhados ou bem
coordenados).

Tenho que olhar para a Gabriele como pessoa que ela é, e como
pessoa tem algo de uma categoria essencial do existente pessoa,
que é ser único e irrepetível.

Então, não sei se ficou claro e se com isso consegui te responder,


mas o grande problema de falar de ontologia é que nós acabamos
ficando atrapalhados, acreditando que estamos falando de uma
certa universalidade, que nos homologa.

É como se houvesse apenas uma grande massa de pessoas. Assim


seria se fossemos cachorros, há apenas uma alma de cachorro, há
apenas um próprio do cachorro, a cachorreidade.
1. O corpo vivo como corpo material dotado de modos particulares
de aparição

Vamos falar do primeiro ponto essencial. Temos um corpo, o nosso


corpo é um corpo vivo, e o nosso corpo vivo é um corpo material, o
nosso corpo vivo não é um corpo etéreo, é um corpo que tem uma
opacidade, que é existente que pode ser pego.

Uma opacidade que permite ser visto. Esse corpo material da


perspectiva entre mim e este copo, que é um corpo material
também, não há distinções.

E, portanto, como corpo material, o nosso corpo vivo também tem


modos particulares de aparição. Ninguém consegue ter acesso a
este copo na sua integralidade, nenhum de nós consegue abarcá-lo,
nem tatilmente, nem visualmente, de uma só vez.

Precisamos ter acesso aos poucos a este copo. E mesmo tátil, com
uma mão grande suficiente, eu conseguiria ter acesso a ele todo?
Não. A aparição do copo é uma aparição que pressupõe um
conjunto, uma somatória de formas de aparecimento desse copo.

A mesma coisa acontece com nosso corpo, ele é vivo, mas é um


corpo material e que portanto, é dotado de modos particulares de
aparição. Ninguém se dá inteiro, materialmente falando, à
percepção do outro. Cada um de nós se dá ao outro pouco a pouco,
um passo depois do outro.

Texto do slide: 4. O corpo vivo é um corpo material

Prescinda momentaneamente, do que torna o seu corpo, um “corpo


vivo”.

Espacial, tridimensional, submetido às leis da geometria euclidiana.

Pode ser dado a uma consciência compreensiva, numa visão parcial,


com infinitas possibilidades.
Tem qualidades sensíveis.

Move-se no espaço e no tempo.

Para que vejamos esse primeiro passo, vocês têm que me


acompanhar, para não ficar parecendo uma coisa só abstrata. Eu
quero que vocês olhem para vocês mesmos como corpo vivo, mas
um corpo vivo que é um corpo material.

Se deem conta do corpo vivo e material que vocês são, quer dizer,
notem no seu corpo, olhem para as suas mãos, olhem para suas
pernas, para seu tronco e percebam, toquem seu corpo.

O que vocês vão perceber? Para que possamos identificá-lo neste


primeiro momento como corpo material, é preciso que
momentaneamente, só por um instante, que vocês prescindam
daquilo que torna o seu corpo um corpo vivo.

Então, esqueçam agora, não estou refletindo sobre o que faz o meu
corpo um corpo vivo, estou dizendo: o seu corpo é um corpo vivo,
material.

Então assumamos que temos um corpo vivo, tanto é verdade que


conseguimos lançar um olhar sobre nossas próprias mãos. Tanto é
verdade que cada um de vocês consegue agora tocar o próprio
braço, conseguem sentir o próprio rosto e eu quero que vocês
prescindam agora de qualquer debate interno que vocês possam vir
a ter sobre o que me faz ser um corpo vivo, esqueçamos.

Quero que vocês reconheçam o corpo de vocês como um corpo


material.

Há para nós na psicologia, um grave problema e de fato mesmo de


estruturação de personalidade que diz respeito justamente à uma
certa incapacidade que algumas pessoas têm, de justamente
reconhecer-se como corpo material.
São pessoas que normalmente têm uma dificuldade que se
caracteriza pela distinção entre o corpo, aquele corpo que eu
imagino e aquele corpo que eu tenho. E isso vai acontecer, por
exemplo, na bulimia, na anorexia, que são justamente dificuldades
de reconhecimento, de olhar.

Olhar para o corpo vivo material esse corpo que está na sua frente,
que você toca, que você vê e reconhecer nele algo que tenha
identidade com o corpo que você pensa, com a imagem que você
faz de si mesmo. São problemas de autoimagem.

Então, é interessante podermos fazer esforço de reconhecimento do


próprio corpo como corpo material.

E prescindamos agora, momentaneamente, do que torna nosso


corpo vivo, para podermos fazer bem esse trabalho.

E o que vamos perceber quando olhamos para nosso corpo como


corpo material? Vamos ver que ele ocupa um lugar no espaço.
Como é que podemos descobrir que ele ocupa no lugar no espaço?
Coloque sua mão em cima da mesa e tenta tocar a outra mão no
mesmo lugar da mesa e não vai conseguir.

Você pode estar achando uma banalidade, mas é essa banalidade


que precisamos aprender a fazer, é ela que nos faz lidar com as
coisas como se fossem óbvias, mas elas não são. Não é óbvio, tanto é
verdade que há dificuldades de autoimagem, há dificuldades graves
em termos de estruturação de personalidade justamente no
reconhecimento da autoimagem.

Então façam esse esforço. Como que eu consigo colocar a outra mão
no mesmo lugar que essa mão está ocupando? Não tem jeito,
porque ela é espacial. O meu corpo é espacial e, portanto, obedece
às leis da geometria euclidiana, não tem como colocar dois corpos
materiais em um mesmo lugar, no mesmo espaço.
Nosso corpo é tridimensional, se você fecha um dos olhos você
perde a tridimensionalidade, você vê o mundo chapado, tudo fica no
mesmo plano, ficam bidimensionais.

Nosso corpo não é bidimensional, ele é tridimensional, ele tem três


dimensões. Apenas abstratamente podemos conceber nosso corpo
como uma realidade bidimensional, por exemplo, quando olhamos
para nosso corpo como corpo material e corpo psicológico.

Aqui estou fazendo uma ampliação do raciocínio, que não vem ao


caso, é apenas uma ampliação metafórica. Mas podemos olhar para
a dimensionalidade humana apenas de uma perspectiva de duas
dimensões, a dimensão de um corpo que se comporta ou a
dimensão de um psiquismo, que é dotado de uma certa estrutura
psíquica que é afetiva.

Olhar para o homem dessa dupla perspectiva, que é chamada


bidimensional, é olhar para uma mera abstração é uma abstração. O
que é o próprio da pessoa humana? É aquilo que possui
tridimensionalidade.

Apenas uma digressão, vamos continuar dentro do raciocínio da


Edith Stein. Estamos falando aqui de espacialidade mesmo,
concretude de verdade, corpo material, esse negócio de carne que
vocês têm na frente de vocês.

Ocupa um espaço e tem tridimensionalidade, então ele está


submetido a todas as leis da geometria euclidiana e tal como
qualquer outro elemento da geometria, nosso corpo está dentro de
um espaço e você pode identificá-lo, tal como você identifica todas
as demais formas do espaço.

Você vê em uma sequência sempre, você olha para o espaço, você


vê uma sequência de formas, uma sequência geométrica de formas.

Mais um parênteses para vocês entenderem isso aqui e


entenderem, sobretudo, uma necessidade que temos.
Vocês todos já devem ter ouvido falar nas sete artes liberais, que é
composta pelo trivium e o quadrivium. Para quem não conhece, fica
o convite para se enfronharem nesse tema que é muito interessante.
As três que compõem o trivium são: lógica, retórica e gramática.

E as quatro que compõem o quadrivium são: geometria, astronomia,


matemática (ou álgebra), e música. Essas quatro fazem na verdade
duas duplas, a geometria e a astronomia são uma dupla, e a álgebra
e a música, são a outra dupla.

A astronomia é uma forma de aplicação da geometria. E a música é


uma forma de aplicação da álgebra. Por que as artes liberais são
chamadas de liberais? As artes liberais aqui são as que nos fazem
livres, que nos tornam pessoas.

Muita gente acha que ser pessoa é estudar na escola direito, estudar
todo conteúdo formal escolar e depois fazer uma universidade
porque você precisa de um diploma, e estar incluído na sociedade.

E há inclusive, planos projetos de governo que são pensados para a


educação, que têm a exata perspectiva de um projeto educacional
com viés social.

Eu quero na verdade oferecer uma educação para o sujeito, para ele


possa se tornar um verdadeiro cidadão. Ou seja, um filho do Estado,
aquele que é o elemento mais nuclear da vida da sociedade. E isso é
um erro, porque não seremos pessoa se estudarmos conteúdos
formais da escola.

Aliás, conteúdo este que, formal e obrigatório, que na história


humana é recentíssimo, pois só a partir do século XVIII que a
educação se torna uma obrigação.

Não nos damos conta disso, achamos ótimo, um passo


importantíssimo, mas isso é uma escravidão, de certos modelos de
compreensão do que é a pessoa.
Escravidão essa que, por exemplo, negou-nos todo o trabalho que a
Psicologia, desde o século XIX, vem fazendo, que é um trabalho de
escravidão.

Somos por via da psicologia, desde o século XIX, escravos de certos


padrões de compreensão do que é a pessoa humana, que nos
circunscreve a uma certa bidimensionalidade (aquela a que eu me
referia no parênteses anterior).

Essa bidimensionalidade concedida apenas como um corpo que se


comporta e um psiquismo que reage efetivamente a todas as
provocações da realidade. Estamos diante de uma escravidão.

O que nos liberta? O que os liberta é tornarmo-nos pessoas. E


seremos pessoas quando formos dotados do quê? De uma
capacidade de busca da verdade lógica, uma capacidade de
comunicar a verdade encontrada, de transformar a verdade
encontrada em signos que sejam capazes de serem compreendidos
e uma pessoa capaz de, sobretudo, comunicar a verdade
reconhecida por via da retórica (lógica, gramática e retórica).

Além disso, esse mesmo reconhecimento da verdade permite-nos


chegar a certos padrões unitários de compreensão do real. E há pelo
menos dois padrões unitários de compreensão do real muito
interessantes, que são a geometria e a álgebra.

A geometria permite-nos olhara para realidade como realidade


geométrica, portanto, material, participante, portanto, de toda
realidade natural. E a matemática (ou a álgebra) permite-nos
reconhecer a realidade como algo que extrapola o campo da
materialidade e entra no campo da idealidade.

Portanto, podemos fazer astronomia e fazer música como dois


exemplos daquilo que é o próprio de uma pessoa que opera, no
mundo, na realidade, com liberdade.
Enfim, fechemos o parênteses sobre trivium e quadrivium, sobre as
artes liberais, mas o que eu queria dizer para vocês é que a nossa
submissão às leis da geometria euclidiana, tal como a Edith Stein
traz para nós nesse primeiro passos não é uma submissão que nos
escraviza.

É apenas para percebermos momentaneamente o nosso corpo


como um corpo material que, portanto, pode ser visto como parte
de um espaço euclidiano, que é formado por formas geométricas
que eu reconheço não de uma rezada só, eu reconheço sempre,
quer dizer, em um trânsito da minha percepção a cada um dos
elementos.

Toda realidade natural pode ser vista sob a perspectiva do espaço


euclidiano, tudo é assim, ocupam-se espaços e vamos vendo essas
coisas todas.

Outro passo, o corpo vivo como um corpo material pode ser dado a
uma consciência compreensiva. Vamos pensar o seguinte: o seu
corpo vivo, pode ser dado como o corpo vivo material, há uma
consciência compreensiva.

Pensa na sua esposa, no seu esposo, irmão, mãe, pai, quer dizer, que
olham para você agora.

Quando eles olham para você agora, olham como um corpo vivo
material e, portanto, a consciência compreensiva do seu pai, da sua
mãe, do terceiro, a consciência compreensiva dele vai se dirigir a
você apenas para aquilo que de você, neste momento, do teu corpo
material, daquilo que de você se apresenta para eles, da perspectiva
na qual eles se encontram.

Se sua mãe está sentada no sofá da tua sala enquanto você está no
seu tablet assistindo aula; se ela olha para você, ela vai ver de você
aquilo que a perspectiva que ela tem sobre você lhe permite ver.
Quer dizer, tem uma certa condição que impõe a consciência
compreensiva da sua mãe, uma certa face das infinitas
possibilidades de representação do teu corpo material. Quer dizer,
não tem jeito, ela não vai te compreender por inteiro, ela vai ver uma
certa face tua agora.

Você tem qualidades sensíveis e estas qualidades sensíveis se


mostram segundo as leis da geometria euclidiana. Você como um
corpo material, também, se move no espaço e se move no tempo.

Então, você agora neste espaço que você se encontra, se você


levanta a mão, ela vai realizar um movimento que é o quê? É nada
mais nada menos, do que o ocupar, dentro do espaço, posições
diferentes dentro do espaço. Isto é um movimento, que se dá no
espaço, suas pernas, o corpo dos bailarinos dançando (que vimos
anteriormente), estão se movendo no espaço.

Mas também nosso corpo se move no tempo. Olha para você


quando você tinha 10 anos e olha para você com 28, você vai ver que
seu corpo mudou, ele se transformou também no tempo.

O corpo vivo material de uma pessoa, o corpo vivo material de um


cão, o corpo vivo material de uma planta, também tem as mesmas
características. Tem características sensíveis, que podem ser dadas à
percepção.

Tem características que são as de perceber determinada realidade,


por exemplo, estou vendo meu bonsai na janela e consigo ver um
determinado aspecto dele. Ao invés do bonsai, se fosse o meu filho
na janela, a mesma coisa, estaria dada.

E a planta também se move, porém menos autonomamente no


espaço e mais autonomamente no tempo. Esse bonsai chegou para
mim com um monte de folhas a menos e hoje, eu percebi que tem
umas folhas brotando, percebi de ontem para hoje que nasceu um
broto de folhas.
Então, percebi que houve um movimento, uma mudança no tempo.
Isso acontece com uma planta, com o cachorro, com você Kleber,
com você Carol ou com qualquer um de nós.

Com o seu corpo material que está na frente do seu marido, da sua
esposa, do seu filho, ele não se distingue em nada de qualquer outra
coisa que haja no espaço euclidiano da sua sala.

Em nada como corpo material, apenas tem uma silhueta diferente.


Por isso que, momentaneamente, vamos esquecer do que nos fazer
corpo vivo, vamos nos olhar como corpo material. Não há distinção
entre você e a cadeira, na qual você está sentado, não há distinção
se olharmos para você como corpo material.

O sujeito conhecedor (que é a sua mãe, seu esposo, seu filho, sua
namorada), porém ele olha para você sentado nesse sofá, e olha para
você levando em consideração a sua pessoa, o que vai acontecer?
Ele vai perceber que há uma diferença entre você e a cadeira na
qual você está sentado.

Qualquer um consegue fazer isto, eu tenho aqui um corpo e uma


porta copo (no qual ele está), apesar não haver distinção alguma
entre eles (como materialidade), se eu olho com atenção eu vou
perceber que o porta copos é diferente do copo propriamente dito.
Portanto, eu sou obrigado a dizer duas coisas distintas: corpo e porta
copo.

Cada corpo animado tem um sujeito que não pode mostrar todas as
suas possíveis parcialidades. Por exemplo, o meu bonsai é uma
jabuticabeira, há um sujeito nesta jabuticabeira que eu sei que está
lá porque de ontem para hoje eu vi que nasceu um broto de folha.
Há um sujeito que me faz crer que em breve eu posso colher
jabuticaba nele.

Só que, todas as possibilidades de ser, desta jabuticabeira, estão


dadas aqui para mim agora? Não, há alguma coisa
que se esconde no sujeito, estou usando um exemplo da
jabuticabeira só para vocês me acompanharem e fazerem a
transposição disso para a realidade da pessoa que vocês são. Façam
esse esforço pessoal também.

Toda a potencialidade deste pé de jabuticaba não está dado para


mim aqui agora, há uma infinidade de possibilidades, de
apresentação, das diversas parcialidades desta jabuticabeira, que
não estão dadas agora.

E que são o sujeito desta jabuticabeira, ela é uma jabuticabeira, não


vai dar limão e sim jabuticaba. Dar limão não é uma das
possibilidades do sujeito jabuticabeira. Entenderam?

E este corpo animado, porque está vivo (e eu sei disso porque


nasceu um broto de folha), este sujeito absolutamente vivo animado
não pode mostrar todas as suas potencialidades, todas as suas
possíveis parcialidades.

E assim também acontece quando eu olho para você Pedro, quando


olho para você eu vejo um corpo animado material, que se move.
Sim, eu vejo.

Mas eu não consigo ver todas as infinitas possibilidades de


parcialidades que podem se apresentar para mim, no tempo, na
relação que eu tenho com você. O mesmo vale para o olhar que você
dirige sobre você mesmo.

Muito cedo eu fiquei com o cabelo branco, com 27 anos já tinha


alguns, mas só que comecei a perceber que os pelos da barba
continuavam sendo pretos, apesar da perna e braços brancos.

E percebi que com o passar do tempo, olhando para mim mesmo,


que alguns pelos começaram a aparecer no meu braço que são
brancos, que minha barba começou a ficar branca apesar de eu não
ser nenhum idoso.
Com isso, começo a notar que certas possíveis parcialidades do meu
próprio corpo não se presentam se quer para mim mesmo, de uma
só vez. Tudo aquilo que eu sou não está dado para mim agora, no
instante mesmo, imediatamente (anotem isso).

Tudo aquilo que eu sou se realiza e se realiza no tempo, até mesmo


com materialidade, estou querendo dizer exatamente do ponto de
vista da materialidade. Pensem nisso e extrapolem para outros
cantos, saiamos da materialidade e teremos mundos infinitos de
possibilidades.

2. O corpo vivo senciente

Segundo movimento, dentro deste primeiro passo de compreensão


da nossa subjetividade como estrutura ôntica, olhando para nossa
corporeidade. Somos um corpo vivo material, dissemos agora, mas
somos também um corpo vivo que é senciente.

O que significa que ele é senciente? A palavra senciente significa


aquilo que faz uma experiência de sentido, que tem uma certa
sensibilidade, ele é além de sensível, ou seja, perceptível aos meus
sentidos.

O corpo do Cadu é sensível, é perceptível aos meus sentidos, mas


além de tudo, é um corpo sensível, que sente, que tem sensações
físicas, ele é portador de sensações físicas.

Texto do slide: 5. Há um vínculo, portanto, entre o corpo físico vivo


visto de fora e um sujeito. Além de sensível, tem sensibilidade, é
portador de sensações físicas.

E sua sensibilidade ocupa toda a sua espacialidade e não está


submetida a apenas alguma ou algumas partes específicas do corpo
vivo. Por isso, fala de uma vida espiritual (pressão, dureza,
apreensão).
Há um vínculo inextrincável entre o corpo vivo, visto de fora, e o
sujeito Cadu que eu não vejo. Há um vínculo inextrincável de corpo
vivo, ele é senciente, ou seja, esse corpo vivo é um corpo sensível que
eu consigo captar com a minha capacidade perceptiva.

Ele é também um corpo sensível no sentido de que ele é portador


de sensações físicas. Quem é que sente aquelas sensações físicas? O
sujeito Cadu, porém eu não acesso diretamente, mas o corpo vivo
dele (senciente), me permite de uma maneira muito evidente,
descobrir.

A sensibilidade deste corpo vivo ocupa não é a mão do Cadu quando


ele toca o copo. Quando cada um de vocês está com a mão
percebendo o tablet, o computador, o celular, cada um de vocês
agora está voltado perceptivamente para um dado sensível da
realidade.

Só que, a percepção que você faz, a sensação que você experimenta


quando você segura o copo, quando você vê esse tablet, quando
você toca uma pessoa, um lápis, a sua caneta, não está na ponta dos
seus dedos ou dos seus olhos.

A sensibilidade ocupa toda a sua espacialidade, só que, ela está


submetida a algumas partes específicas do seu corpo vivo. Mas é
todo o seu corpo, é toda a sua espacialidade, todo seu corpo vivo,
que sente a coisa.

Nós podemos com isso falar de uma espécie de vida espiritual, de


vida íntima (a que eu me referi algumas aulas atrás). O Cadu quando
pega o copo e sente, pressiona o copo, sente a dureza do copo, o que
acontece? Ele não só apreende o copo com a apreensão física do
copo, ele tem uma apreensão espiritual do copo.

Todo Cadu pega o copo, sente o copo, é Cadu quem sente o copo,
apesar de serem os receptores de tato que estão sentindo a dureza
do copo. É todo Cadu quem faz a experiência de sensação física do
copo. Faz sentido isso?
Texto do slide: 6. O corpo vivo senciente pressupõe a consciência.

O caráter senciente do corpo vivo também depende do estado do


mundo material e do ambiente material no qual o corpo se
encontra.

“A dependência dos processos causais do mundo material não existe


apenas para as ‘sensações físicas’, mas também para as sensações
não localizadas de um ponto de vista corpóreo.”

O corpo vivo senciente, pressupõe uma consciência. O Cadu pode


pegar o copo mecanicamente e beber água. Me perguntaram,
antes, se é possível dirigir sem uma consciência intencional e é claro
que pode.

E pode segurar o volante com a mão na marcha, pisar no acelerador,


pisar na embreagem, pode fazer tudo isso sem dúvidas. Só que, o
corpo vivo, sobretudo, se fazemos um esforço (quero que vocês
caminhem comigo), de consciência intencional, o que vamos
perceber é que o corpo vivo pressupõe, da perspectiva do olhar para
o corpo vivo, como corpo senciente, vamos ter que ter pressuposta
essa consciência.

Você não será alguém capaz de perceber, ser portador de sensações


físicas a não ser que você esteja consciente delas.

Por exemplo, vocês não conseguem ver que eu cortei o dedo esse
final de semana, um corte profundo que quase chegou no osso. Eu
estava brincando de dar tiro com meus filhos e estava com a
espingarda (de chumbinho), pus o chumbinho nela e fechei o cano,
e quando fiz isso, meu dedo estava na dobra.

Mas quando eu estava mirando para atirar, olhei meu dedo e estava
pingando sangue e foi aí que percebi que era um corte fundo.

Só que, pasmem, eu não senti dor, eu só senti efetivamente algo que


eu posso dizer que foi dor quando eu olhei para o sangue
escorrendo. Quando eu vi isso e escorrendo abundantemente, foi
exatamente quando eu me dei conta de uma dor.

Não estava consciente do que tinha acontecido, simplesmente senti


algo estranho no dedo mas nada que me chamasse atenção. Por
quê? O corpo vivo senciente pressupõe uma certa consciência.

Vamos pensar em um exemplo banal: como que as pessoas faziam


antes de existir anestesia para arrancar um dente? Normalmente,
colocavam a pessoa em um estado de inconsciência, faziam a
cirurgia necessária (arrancar um dente se houvesse necessidade), e
quando a pessoa acordava estava com dor.

Mas enquanto estava ali, não tinha reação instantânea (a dor que
geralmente temos). Então, corpo vivo senciente pressupõe a
consciência.

Pergunta do chat: Então se ajo movida pelas paixões (exemplo, ira),


posso dizer que não depositei consciência intencional nos meus
atos.

Exato. Olha que interessante, às vezes quando estamos com raiva,


irados, partimos para cima de alguém, batemos em alguém e logo
depois, você se dá conta de como a sua mão está doendo, inchada.

Por que isso acontece? Porque, efetivamente, quando você está


movido pelas paixões, você não deposita sua consciência nos seus
atos, sua consciência intencional. Você está só agindo
impulsivamente.

O caráter senciente do corpo vivo também depende do estado do


mundo material e do ambiente material ao qual o corpo se
encontra.

Tem uma frase da Edith Stein que nos ajuda a entender isso: “A
dependência dos processos causais do mundo material não existe
apenas para sensações físicas, mas também para sensações não
localizadas de um ponto de vista corpóreo”. Vamos pensar nisso, tem
em um certo espaço do mundo material, ao meu redor, um certo
ambiente material que promove mais ou menos consciência.

Pensemos em um exemplo que nos ajude a entender isso: uma


pessoa é vendada e esta venda lhe impede completamente de ver o
que quer que seja, é colocado em um quarto escuro (para ter a
absoluta certeza que não enxergará nada,) e diante dele, são
colocadas algumas caixas cheias de coisas estranhas.

Este mundo material, em torno do qual o sujeito se encontra


promove maior ou menor capacidade senciente, em algumas das
suas capacidades perceptivas. Então sem visão ele provavelmente
ficará com a audição mais acurada, com o olfato mais acurado, e
certamente estará na dependência do tato.

E ele coloca uma mão em uma caixa e sente algo pegajoso, sente
nojo daquilo e também sente um cheiro desagradável (desse
mundo material). Ele vai fazer uma experiência sensível
completamente diferente, se ele tivesse de olhos abertos e visse que
aquela coisa pegajosa, era um balde de leite condensado, de nutella.

O mundo material, ao qual nos encontramos, muda o caráter de


percepção que fazemos das coisas, de forma que o caráter senciente
não depende só da consciência do sujeito, e sim deste mundo
material ao qual ele se encontra.

Tem coisas que extrapolam a percepção corpórea e que, no entanto,


pertencem ao mundo do corpo vivo como corpo senciente.

3. O corpo como organismo vivo

O nosso corpo material, nosso corpo vivo que é um corpo material,


senciente, é um organismo vivo, essa coisa é possivelmente a mais
visível e compreensível em nós.
Texto do slide: 7. Como posso distinguir o corpo físico vivo de outra
matéria em qualquer matéria morta qualquer?

O movimento pode ser a partir de fora ou movimento próprio, que


deve sua origem a um impulso interno.

Como que eu posso distinguir o corpo físico do Cadu, um corpo vivo


qualquer, de uma matéria morta como uma cadeira (um tronco de
árvore)? Como que eu posso distinguir uma coisa da outra? Do
ponto de vista da materialidade, de um corpo vivo senciente? É que
a matéria morta, seja ela qual for, não se move.

Ela pode até se mover, posso até empurrar o tronco de madeira e ele
ir ladeira abaixo. Ele vai estar se movendo, mas não se move a partir
de dentro, e sim a partir de fora; não é um movimento próprio, que
teve a sua origem a um impulso interno.

Vou dar um exemplo. Escutei uma história (não me lembro mais de


onde), que contava a história de um homem que trabalhava em
uma empresa há décadas.

Era uma espécie de pioneiro de determinada empresa, do Sul do


Brasil (só me lembro de alguns detalhes). E este senhor era
conhecido na empresa como sendo o primeiro a chegar e o último a
sair todos os dias, todos conheciam ele por isso.

Tinha um posto de trabalho que ele ocupava religiosamente todos


os dias, e aconteceu que esse senhor morreu na sua mesa de
trabalho.

E, pasmem, os dias passaram e as pessoas só se deram conta da sua


morte quando o corpo começou a feder.

Por que eu trouxe esse exemplo terrível? Porque é um exemplo


justamente da nossa profunda capacidade de distração, da nossa
tentação de viver a vida como quem olha para os semelhantes como
só corpos materiais, se quer dotados de vida; que não se movem a
partir de dentro, se movem a partir só de uma espécie de motor
externo, como se alguém desse corda para a pessoa se mover.

O fato é que, as pessoas não distinguiram o corpo físico (vivo)


daquele senhor, da matéria morta daquele senhor, a não ser quando
começou a feder.

Isso indica muito da nossa distração, da nossa incapacidade de olhar


uns para os outros, olharmos mutualmente, como corpos vivos de
pessoas. Corpos vivos que não apenas materiais, mas sim corpos
vivos sencientes, dotados de vida, organismos vivos.

4. A pessoa é como um ser vivo

Texto do slide: 8. “Em cada ser vivo há um núcleo ou um centro, que


é o centro autêntico primum movens, aquilo do que parte o
movimento próprio”.

Núcleo é o que se permite dizer que o ser vivo “vive” e que é


“animado”.

"A vida se exprime no fato de que o ‘núcleo’ se autodeterminada, e


isto se verifica pela totalidade do ser vivo”.

Aquele meu bonsai tem um núcleo, um primum movens, que eu sei


que está lá, porque o movimento daquele bonsai parte desse
primum movens, núcleo.

E eu sei que ele tem um movimento porque de ontem para hoje


nasceu um broto de folha no tronco dele. Então estamos diante de
alguma coisa que é um ser mais do que um organismo vivo, um ser
vivo dotado de um núcleo. Núcleo este que me permite dizer
daquele bonsai, que de aquele bonsai vive, é animado.

Falei do meu bonsai então agora faça o esforço de transpor para


você mesmo.
Vocês são seres vivos, dotados de um núcleo, um centro que é um
autêntico primum movens, que é daquilo que parte o movimento
do corpo vivo de vocês, que eu vejo.

Este núcleo é aquilo que me permite dizer ao Pedro que ele vive,
que ele é animado. A vida de Pedro, a vida de Cadu, se exprimem no
fato de que o núcleo se autodetermina, e isto se verifica pela
totalidade do ser vivo.

Lembram da frase do Arnaldo Antunes? “O corpo existe porque foi


feito, tem um buraco no meio”. Essa autodeterminação do núcleo é
algo que tem que ver com o ter sido feito.

Cadu foi feito e quando ele foi feito, há algo nele de nuclear, que me
permite dizer: Cadu vive. E este algo de nuclear é exatamente aquilo
que me faz dizer que, Cadu não foi inventado pela minha cabeça;
não é um artifício da minha imaginação, não é algo que eu posso
destruir, à revelia da minha vontade a construir à revelia da mesma
vontade.

Se eu destruo Cadu, inevitavelmente não conseguirei refazê-lo, não


conseguirei dar a vida para ele de novo.

Se esse bonsai morrer, não tenho como trazer ele à vida de novo, ele
se autodetermina, claro que ele é muito dependente. Caso fosse
uma árvore, teria uma independência, como essa cerca viva que tem
no meu jardim (que se molha quando chove), mas ele tem
autodeterminação.

Mas este bonsai, diferentemente daquela cerca viva, ele requer


alguns cuidados e uma certa atenção minha, preciso regar, podar,
preciso deixar em local que ele consiga tomar sol.

Tem uma certa dependência, mas no fundo tem uma


autodeterminação. Este pé de jabuticaba jamais vai dar uma laranja,
ele se determina, ele é uma totalidade de um ser vivo e assim para
Cadu, para mim e para qualquer um de nós.
Texto do slide: 9. “O ser das coisas materiais apenas mantém-se no
tempo, no qual sua condição permanece invariável ou sofre
mudanças graças aos efeitos das circunstâncias externas.

O ser dos seres vivos é um contínuo processo de desenvolvimento,


uma contínua mudança, na qual a mudança das condições externas
tem sua origem no núcleo. Mesmo aqui há condições externas na
mudança, mas não confluem no interior de um processo causal, tal
como acontece no mundo material”.

Se eu deixo um copo de aço inoxidável no fogo, e esqueço ele, a


depender da temperatura, vai se deformar, mudar de cor, a tinta do
lado de fora vai estragar.

Quer dizer, uma série de aspectos desta coisa material, vai mudar a
depender das condições externas. Do contrário, vai apenas
permanecer invariável. Essa pedra (que eu já tenho comigo há uns
30 anos), veio do primeiro acampamento que eu fiz, com barraca nas
costas.

Tomava banho no rio onde colocava minha barraca e um dia antes


de ir embora eu recolhi ela, ou seja, se passaram três décadas e ela
continua invariável, nada dela mudou de muito substancial.

Já com seres vivos é diferente, o ser dos seres vivos, percebemos um


contínuo processo de desenvolvimento, uma contínua mudança na
qual a mudança das condições externas tem a sua origem no
núcleo.

Então as condições externas mudam, mas o que isto tem de


implicação sobre os processos de desenvolvimento desenvolvidos
nos seres vivos não é a mesma coisa que acontece com uma pedra.
Porque todas as mudanças que houverem em um ser vivo, serão
mudanças que têm como sua origem, na verdade, o núcleo.

Mesmo aqui, há condições externas na mudança, mas que não


confluem no interior de um processo causal, tal como acontece no
mundo material.

Um dia de calor vai nos causar mudanças, como suar, ficaremos


lentos, mas, rigorosamente, as mudanças do mundo exterior não
têm um impacto tão imediato sobre mim; como têm sobre o meu
copo que está no calor e que vai começar a deformar.

Texto do slide: 10. “No processo de desenvolvimento, não apenas o


impulso do acontecimento provém do núcleo, mas também a
modalidade do seu curso será determinada por ele”.

O ser vivo, ao se desenvolver, realiza atividades (nutrição, respiração,


etc.) que não são fases do desenvolvimento mas convêm a ele, para
que atinja seu objetivo. Há também a força vital (oscilante, mutável).

A origem está núcleo, mas a modalidade com a qual vai se


desenvolver este processo também está toda inclusa dentro do
objeto, dentro daquele ser, dentro do ser vivo, que é o núcleo.

Para os que são um pouco afeitos à Psicologia baseada em


evidências (a Psicologia Coginitivo-Comportamental), partem do
pressuposto da determinação, o certo ambiente determinará certa
situação para o ser vivo.

Em se tratando da pessoa, do corpo vivo material, senciente que


tem um organismo vivo e é um ser vivo, isso vale para mim.

Há certamente um conjunto de determinações que dependem do


fato de eu ser um corpo material e que obedeço a certas leis da
geometria euclidiana e também certas leis da fisiologia.

Mas há situações, do ambiente externo (externas ao meu corpo vivo,


senciente, etc.), que na verdade são apenas condicionamentos. Vão
impor certas condições para um certo desenvolvimento, mas, não
determinarão um desenvolvimento que se dará a partir de uma
decisão do núcleo.
O ser vivo ao se desenvolver, realiza atividades, por exemplo:
nutrição, respiração, que não são fases do desenvolvimento, mas
convém para ele. Uma boa nutrição levará a um desenvolvimento
adequado, seja da minha pessoa, seja do meu bonsai.

Convém ao ser vivo a realizar um conjunto de atividades que lhe


permitam se desenvolver adequadamente, mas convém a ele para
que ele possa atingir o seu objetivo.

E qual é o objetivo do bonsai que está na minha janela? É dar


jabuticaba, manter-se vivo e dar jabuticaba. Para que tudo isso
aconteça, um conjunto de atividades, que o núcleo daquela
jabuticabeira vai ter que realizar, “obrigam-no”, a justamente, realizar
melhor possível estas atividades que não são fases do
desenvolvimento.

Mas que são aspectos que se atualizados, permitirão aquela


jabuticabeira em um determinado tempo (não sei quanto), a dar
jabuticabas. Tem também aquilo que é a força vital, em nós, que é
oscilante e mutável.

Texto do slide: 11. Até aqui, não foi fundamental falar de uma vida de
consciência.

Mas, é possível chegar à pessoa examinando um sujeito psicofísico?

Núcleo é mesmo que “Eu”?

Não se trata de igualdade, mas de relação continente-conteúdo: o


eu, na pessoa, se coloca no núcleo.

Mesmo os processos vitais têm um “lado consciente” (cansaço e


frescor).

Vou dar um exemplo para ficar claro: a força vital é o que me faz
dizer que estou cansado ou então não, estou com muita energia,
capaz de seguir em frente com muita facilidade.

Essa força vital em mim, esse cansaço, esse frescor de alma que me
deixa mais ativo energizado, também indica algo do organismo do
ser vivo que eu sou.

Texto do slide: 12. Cansaço físico (acontecimento externo)

Boa notícia (acontecimento causal interno)

Vontade (que se propaga no âmbito da vida íntima)

Utilizarei este outro trecho para exemplificar melhor. Posso estar


muito cansado porque eu carreguei durante três horas quatro sacos
de arroz em cada braço (20 kg), subindo um morro, ou seja, um
acontecimento externo que me levou ao cansaço físico.

Mas, chego em casa e tão logo chego, tenho uma excelente notícia
(que esperava há muito tempo): consegui o emprego que eu estava
procurando. Quer dizer, meu cansaço físico não determina, porém,
uma reação à boa notícia reduzida na sua exuberância.

Há uma força vital que está reduzida porque meu corpo


efetivamente está cansado, mas é uma força psíquica que vem à
tona com toda a sua exuberância diante daquele acontecimento
causal; diante daquele acontecimento externo que eu esperava,
gera-se um acontecimento interno que causa em mim uma
intensidade de vida, de movimento (apesar do meu corpo estar
esgotado).

E há finalmente algo interessante, há a vontade em mim, ela se


propaga no âmbito da vida íntima. Posso estar com o corpo todo
acabado e não receber nenhuma notícia boa, pelo contrário, chego
em casa cansado e recebo uma notícia tristíssima: um grande amigo
meu acabou de perder a sua esposa.
O meu acontecimento causal interno quase se pareia ao meu
cansaço.

No entanto, como é um amigo querido (por quem eu tenho uma


afeição gigante), alguém com quem eu compartilho a vida, que está
em um estado de sofrimento tão grande, merece que eu saia de
casa imediatamente para ir ao encontro dele, ajudando-o na
resolução de todos os problemas envolvidos com a morte da esposa.

Percebe? Quem realiza isso é a vontade, que se propaga no âmbito


da vida íntima e que no entanto, por incrível que possa parecer, é
uma vontade que se manifesta no corpo vivo.

5. O corpo vivo é o órgão da nossa vontade

Texto do slide: 12. “Enquanto que o ‘o curso da natureza’, com as


suas consequências na vida psíquica dos indivíduos não sofre
nenhuma ruptura, cada intervenção da vontade no processo externo
significa o início de uma nova sequência causal”.

A vontade intervém no corpo vivo porque toda ação do nosso corpo


deveria ser livre. Porque se não for mecânica é livre, porque se for
mecânica, não é uma ação se quer humana.

Só será ação verdadeiramente humana se for livre, se for uma ação


que nasce da intervenção da vontade sob o corpo vivo. O corpo vivo
é, como órgão da vontade, algo que pode modificar também o
mundo externo.

Eu tenho uma vontade e estou fazendo exatamente isso. Estou


realizando algumas intervenções no meu consultório por causa dos
barulhos que se escuta, intervenções de acústica.

E elas vão implicar em uma série de modificações do mundo


externo, por exemplo, vou ter que adicionar uma parede, mudar a
porta, colocar uma porta fora. Ou seja, tem uma série de
modificações do mundo externo que nascem de uma vontade, que
começa a mover meu corpo como: ligar para a empresa, comprar
placas de drywall (caso quisesse fazer sozinho).

Enfim, são coisas que o corpo vivo consegue fazer como ações de
um corpo livre, resultado de uma vontade. Essa vontade não só
revela um conjunto de ações que eu vejo no corpo, como também
ações essas que impactam o mundo ao meu redor.

Enquanto que o curso da natureza com suas consequências na vida


psíquica dos indivíduos não sofrem nenhuma ruptura, cada
intervenção no processo interno significa início de uma nova
sequência causal.

Quando se trata do curso das coisas segundo a perspectiva da


natureza, o meu corpo vai ficar cansado depois de três horas
subindo o morro com 40 kg nas mãos.

Tem um curso da natureza que determina certas consequências


físicas e até mesmo psíquicas. Quando o que está em jogo, porém,
não é o curso natural das coisas, mas a intervenção da vontade nos
processos externos, vai acontecer toda uma nova consequência
causal.

Chego em casa esgotado, tenho um impacto tristíssimo de uma


notícia, e ao invés de ficar ali à mercê do curso natural (do processo
de desenvolvimento de tudo aquilo que significou às três horas
carregando 40 kg), o impacto afetivo sobre mim daquela tristeza, eu
mudo.

Então, eu crio uma nova sequência causal, pego o carro e vou ao


encontro do meu amigo.

6. O corpo vivo como órgão de expressão

Último tópico e terminamos a aula de hoje. O meu corpo vivo é


também um órgão de expressão.
Eu sei quem é o Cadu, o padre Wesley, a Letícia, a Carol e não só
porque eu vejo um certo corpo vivo, material, senciente; que é um
organismo vivo, que é um ser vivo, que é uma expressão de vontade,
mas, sobretudo, o corpo tem a função quase que primordial, na
pessoa humana (o corpo seu), de expressar a vida interior.

Esta é a função do seu corpo vivo: expressar a vida interior, que do


interior se dirige ao exterior.

A vida íntima do Cadu, que não é a relação dele com a esposa e com
as filhas, mas sim a vida íntima que está escondida, sob o corpo, sob
aquela capa misteriosa.

Sob essa capa esconde-se um mistério de uma vida interior, que se


dirige para fora, por via de tudo aquilo que é expressado: os traços
no rosto, as expressões faciais que o Cadu usa, o som da voz que
emprega, a tonalidade da voz, a intensidade da voz. Tudo isto é
expressão da interioridade da pessoa do Cadu.

A expressão e aquilo que é expressado, são uma unidade concreta


que não pode ser separada, só posso separar essas duas coisas
abstratamente. Então eu vejo um rosto triste, na minha frente, ele
expressa tristeza.

A tristeza e o rosto triste não se separam, só abstratamente eu posso


falar de tristeza, ela de fato é, aquela que está expressada naquele
rosto triste.

Texto do slide: 13. O corpo vivo tem uma função que só se encontra
na pessoa: expressar a vida interior.

A vida interior da pessoa é “vida que, do interior, se dirige para o


externo”

Tudo o que é expressado – traços no rosto, som da voz, etc.) é a


interioridade da pessoa.
Expressão e o que é expressado são uma unidade concreta que não
pode ser separada (só abstratamente).

Mímica.

Há possibilidade do corpo não ser o órgão da expressão de uma


interioridade, mas, ser o órgão da expressão de uma mímica. Posso
estar imitando o Kleber, imitando o padre Wesley, imitando o
Pacheco, mas não estou expressando o meu mundo interno.

Mímica alguma dura para sempre, uma hora ela para. Também ela é
uma expressão daquilo que eu reconheço de uma imitação que
estou fazendo, então toda mímica não será verdadeira se não for
resultado daquilo que eu, ou o Kleber, ou o padre Wesley, estão
imitando de quem quer que seja que eles estão imitando.

Tem algo que na mímica que revela o próprio. Gosto muito do Alba
Expider, porque ele é um imitador, mas se você ver as imitações
dele, você percebe que tem ali um certo jeito que é muito próprio
dele.

A maneira que ele imita o professor Olavo de Carvalho, o Leandro


Karnal, o Fefito, ou seja, tem algo ali que você reconhece o Fefito, o
Olavo de Carvalho, o Karnal, mas você reconhece também o Alba.

Tenho um dever de casa para vocês e a primeira vista ele parece


meio sem razão de ser, mas ele serve para concretizar aquilo que
estamos estudando ao longo de uma aula. É o seguinte: quero que
vocês façam registro ao longo da semana de momentos de
consciência do corpo vivo de vocês.

Pensem nesses seis passos que demos: o corpo vivo como corpo
material; o corpo vivo como corpo senciente; o corpo vivo como
organismo vivo; o corpo vivo como ser vivo; o corpo vivo como
expressão da vontade e o corpo vivo como órgão de expressão.
Quero que vocês olhem para o corpo de vocês e façam pequenos
registros, não quero nenhuma sistematicidade. Quero apenas que
vocês aprendam a olhar para vocês, segundo o corpo de vocês.
Então gastem alguns minutos olhando para o espelho, vejam como
é a materialidade do seu corpo vivo.

Identifiquem marcas, características do seu corpo, se olhem de


corpo inteiro. O que vocês percebem? A forma das pernas, se você é
cambota ou não é cambota, pintas, marcas, marcas de expressão,
tudo que vocês puderem olhar para o corpo vivo, material.

Depois o corpo vivo senciente, percebam como vocês percebem as


coisas, como vocês captam os dados sensíveis da realidade. Sou
daltônico, por exemplo, então tenho dificuldade de identificar certas
cores. Meu processo perceptivo é distinto do processo perceptivo do
Kleber e assim sucessivamente

Pergunta do chat: Isso sustenta a formação da personalidade a


partir da teoria mimética do Girard sem que o indivíduo deixe de ser
quem é?

Não vou entrar nesse mérito, mas o Girard é uma pessoa genial para
falar disso aqui. É exatamente isto aqui. A teoria mimética do Girard
nesse sentido, para quem tem vontade de conhecer um pouco mais
aquilo que o Gustavo está falando, é exatamente isso.

Pergunta do chat: Então só nos realizaremos por completo na


morte?

Aquilo que eu sou ainda não é totalmente, eu não diria tanto que é
na morte que eu me realizo completamente. A morte é como se
fosse um momento em que a sinfonia inteira se apresentou e se
apresentou de uma maneira tal que poderíamos quase ver a
sinfonia.
A morte é como se fosse uma passagem do ouvir para o ver, de
repente eu me torno aquilo que ao longo de todo um tempo foi se
realizando e eu entro para a eternidade dessa forma. Monto um
quadro que entra para a eternidade dessa forma.

Porque nossa vida transcorre no tempo, tal como a música. É como


se a morte fosse uma espécie de passagem da audição para a visão
e então o ser se fecha, se completa. É como se aquela sinfonia se
tornasse em uma pintura.

Obrigada pela presença de todos!

Fiquem com Deus, até breve!


Dr. Paulo Pacheco

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