Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
2012
Ambient. constr.,v.12,n.2,p.165-174,2012
http://www.producao.usp.br/handle/BDPI/40192
Downloaded from: Biblioteca Digital da Produção Intelectual - BDPI, Universidade de São Paulo
Avaliação do comportamento de
mistura de argamassas através de
reometria rotacional
Mixing behavior of mortars evaluated by rotational
rheometry
Introdução
A mistura de materiais sólidos com líquido é uma Waals, as quais são superficiais atrativas e de curta
importante etapa de preparação das argamassas e distância, e exercem grande influência nas
pode influenciar tanto no comportamento partículas pequenas, que têm elevada área
reológico quanto no desenvolvimento da superficial. A presença desses aglomerados conduz
microestrutura do material, comprometendo seu à heterogeneidades, sendo o cisalhamento imposto
desempenho final. Uma vez que os aglomerados pela mistura o responsável pela quebra desses
não são rompidos durante a mistura, podem aglomerados, individualizando as partículas,
permanecer não hidratados por longo tempo, afastando-as e, assim, facilitando a
transformando-se em fonte potencial de defeitos homogeneização do sistema (VAN DEN DRIES,
microestruturais, por não estarem cobertos por 2004; PILEGGI, 2001). No sistema proposto,
produtos de hidratação (YANG; JENNINGS, argamassa (agregado miúdo + finos), a presença
1995). dos agregados promove também a quebra dos
Uma maneira de avaliar o quanto a mistura é aglomerados; é o chamado efeito do moinho de
eficiente no processo de quebra dos aglomerados é bolas proposto por Williams, Saak e Jennings
por meio de reometria rotacional, utilizando-se (1999), que está relacionado com as interações
equipamentos como reômetros do tipo planetário, friccionais entre os agregados avaliados no
que são capazes de quantificar os esforços trabalho de Yammine et al. (2008).
produzidos em cada processo de mistura, desde o Na presença de aditivos dispersantes, a quebra
momento em que o líquido é introduzido no desses aglomerados será mais eficiente devido às
sistema. Esses equipamentos permitem a obtenção forças de repulsão que estes promovem, reduzindo,
de curvas de mistura (torque vs. tempo) e, por assim, os esforços produzidos durante a mistura.
conseguinte, a análise do perfil reológico por meio As forças de repulsão podem originar-se a partir de
de ciclos de cisalhamento impostos ao mesmo três mecanismos básicos:
material em análise (PILEGGI; STUDART;
(a) desenvolvimento de cargas elétricas na
PANDOLFELLI, 2001).
superfície das partículas;
No momento em que o líquido é adicionado no
(b) adsorção superficial de polímeros de cadeias
sistema, induz à formação de aglomerados, uma
longas, que impedem a aproximação das partículas
vez que ele é responsável pela união de várias
por impedimento mecânico (estérico); e
partículas finas por forças de adesão, aumentando
o esforço para a mistura, e depois pelo surgimento (c) adsorção de polieletrólitos na superfície das
de forças capilares (Figura 1). Os aglomerados partículas (eletroestérico) (OLIVEIRA et al.,
consistem de partículas pequenas fortemente 2000).
ligadas devido ao aumento das forças de Van der
Figura 1 - Representação esquemática das camadas adsorvidas de ligação e das pontes líquidas de
ligação entre duas partículas (laranja) imersas num meio líquido (azul)
Nota: Legenda:
Azul claro: líquido de recobrimento da superfície e afastamento das partículas (PILEGGI, 2001); e
Azul escuro: líquido de preenchimento entre os vazios das partículas (PILEGGI, 2001).
100
D90 = 850µm
Distribuição acumulada (%v)
75
50 D50 = 195µm
25
D10 = 8µm
0
0,1 1 10 100 1000
Diâmetro (µm)
Figura 2 - Distribuição granulométrica acumulada da argamassa
Agregados
43,3 42,6
0
Ref Dis
Figura 3 - Distribuição média de fases das argamassas (REF e DIS) no estado fresco – agregados e pasta
(finos água e ar)
E, por fim, o teor de ar incorporado foi avaliado formação e crescimento dos aglomerados. O
segundo o método estabelecido pela ABNT NBR sistema alcança um estado de saturação máxima
13278 (ABNT, 2005). Os valores de teor de ar também nos primeiros instantes de mistura,
obtidos variaram entre 2% e 3% nas argamassas diminuindo consequentemente as forças capilares,
sem o aditivo – REF, e para as argamassas com o pelo afastamento das partículas, e a resistência dos
dispersante – DIS, o teor de ar foi em média 4%. aglomerados inicialmente formados, conduzindo,
assim, a uma diminuição dos níveis de torque
Resultados e discussão (KRISTENSEN; HOLM; SCHAEFER, 1985;
KNIGHT et al., 1998; IVESON et al., 2001;
Curvas de mistura e ciclos de PILEGGI, 2001; CAZACLIU; ROQUET, 2009).
cisalhamento Nas curvas apresentadas na Figura 6a, o material é
misturado por 17 s. Nota-se que a mistura foi
Na Figura 6 estão representados os gráficos das
interrompida no momento em que atingia o torque
misturas sem dispersante – REF e com dispersante
máximo ou até um pouco antes disso, como mostra
– DIS, nos tempos analisados. O líquido é
a curva REF, um forte indicativo de que foram
introduzido no sistema no instante inicial (tempo =
formados aglomerados; entretanto, o tempo de
0 s) e o término de adição ocorre em tempo = 5 s.
mistura não foi suficiente para destruí-los.
Nas curvas de mistura os parâmetros importantes
À medida que o tempo de mistura aumenta,
de ser avaliados são o torque máximo atingido,
observa-se uma diminuição dos níveis de torque
torque final, tempo para atingir torque constante e
após atingir seu máximo (Figuras 6b, c, d)
a área sob a curva. Esta última é um indicativo da
indicando menor resistência ao fluxo, ou seja, os
energia envolvida no processo (OLIVEIRA et al.,
aglomerados formados inicialmente estão sendo
2000; PILEGGI, 2001; PILEGGI; STUDART;
destruídos pela ação cisalhante da mistura. A partir
PANDOLFELLI, 2001; CARDOSO, 2009).
de 87 s (Figura 6c), observa-se que o sistema entra
Conforme pode ser visualizado nas curvas da no que pode ser chamado de regime de fluidez,
Figura 6, no momento em que o líquido é estabilizando o torque a níveis constantes.
introduzido no sistema ocorre uma elevação dos
Quando o material é submetido a um tempo de
níveis de torque, atingindo rapidamente o nível de
mistura razoavelmente longo (297 s), é possível
torque máximo.
observar a tendência à estabilização, uma vez que
O aumento desses níveis de torque ocorre em as curvas (Figura 6d) alcançam níveis de torque
função do aumento das forças capilares, uma vez constantes, indicando que o sistema encontra-se
que toda a água é adicionada em 5 s, ou seja, numa estável e fluido, principalmente quando o
taxa de adição elevada, levando a uma rápida dispersante está presente.
a) 2,0 b) 2,0
REF 17s REF 47s
1,5 DIS 17s DIS 47s
Torque (N.m)
1,5
Torque (N.m)
1,0 1,0
0,5 0,5
0,0 0,0
c) 2,0 0 50 100 150 200 250 300 d) 2,0 0 50 100 150 200 250 300
Tempo (s) REF 87s Tempo (s) REF 297s
DIS 87s 1,5
Torque (N.m)
1,5
Torque (N.m)
DIS 297s
1,0 1,0
0,5 0,5
0,0 0,0
0 50 100 150 200 250 300 0 50 100 150 200 250 300
Tempo (s) Tempo (s)
Figura 6 - Curvas de mistura torque vs. tempo para argamassas sem dispersante – REF e com
dispersante – DIS
Nota: Legenda:
a) 17 s;
b) 47 s;
c) 87 s; e
d) 297 s.
A ação do aditivo dispersante é percebida nas estão apresentadas na Figura 7. Essa metodologia é
curvas DIS (Figura 6), reduzindo os níveis de uma maneira de avaliar-se o quanto a mistura foi
torque máximo e iniciando a estabilização do eficiente, além de inferir sobre seu comportamento
sistema em tempos mais curtos que o sistema REF. reológico. Duas informações básicas são
Oliveira et al. (2003), investigando a influência de fornecidas pelos ciclos:
diferentes tipos de aditivos na reologia de (a) a área de histerese (diferença de torque entre
concretos refratários, sugeriram que menores aceleração e desaceleração), que indica o estado de
níveis de torque estão associados a uma melhor dispersão; e
dispersão das partículas, uma vez que o sistema
(b) o nível e perfil da curva de torque em função
adequadamente disperso oferece menor resistência
da rotação, que representa o comportamento
ao cisalhamento, reduzindo o torque necessário
reológico do material (PILEGGI; STUDART;
para misturá-lo em uma determinada rotação.
PANDOLFELLI, 2001).
Após ser misturado, o material foi submetido a três
ciclos de cisalhamento consecutivos, cujas curvas
a) 3 b) 3
REF 17s Ciclo1 DIS 17s Ciclo1
Ciclo2 Ciclo2
Torque (N.m)
Torque (N.m)
2 Ciclo3 2 Ciclo3
1 1
0 0
c) 3 0 50 100 150 200 250 300 350 d) 0 50 100 150 200 250 300 350
3
REF 47s Ciclo1 DIS 47s Ciclo1
RPM RPM
Ciclo2 Ciclo2
Torque (N.m)
Torque (N.m)
2 Ciclo3 2 Ciclo3
1 1
0 0
e) 3 0 50 100 150 200 250 300 350 f) 30 50 100 150 200 250 300 350
REF 87s Ciclo1 DIS 87s Ciclo1
RPM RPM Ciclo2
Ciclo2
Torque (N.m)
Torque (N.m)
Ciclo3 Ciclo3
2 2
1 1
0 0
g) 3 0 50 100 150 200 250 300 350 h) 3 0 50 100 150 200 250 300 350
REF 297s Ciclo1 DIS 297s Ciclo1
RPM Ciclo2 RPM
Ciclo2
Torque (N.m)
Torque (N.m)
2 Ciclo3 Ciclo3
2
1 1
0 0
0 50 100 150 200 250 300 350 0 50 100 150 200 250 300 350
RPM RPM
Figura 7 - Ciclos de cisalhamento
Nota: Legenda:
a) REF 17 s;
b) DIS 17 s;
c) REF 47 s;
d) DIS 47 s;
e) REF 87 s;
f) DIS 87 s;
g) REF 297 s; e
h) DIS 297 s.
Eles fornecem energia adicional à fornecida mistura, mais estável reologicamente se comporta
durante a mistura para a quebra de eventuais o sistema. Esse fato é verificado a partir de 87 s de
aglomerados presentes (OLIVEIRA et al., 2003). mistura.
O efeito do cisalhamento não só orienta as
partículas na suspensão como também quebra as Análise da energia envolvida
ligações fracas entre as partículas aglomeradas
(FERNÀNDEZ-ALTABLE; CASANOVA, 2006). A energia envolvida no processo de mistura é
estimada por meio da área abaixo da curva torque
Observando as curvas (Figura 7), é possível fazer vs. tempo (Figura 6). A quantificação obtida pode
as constatações a seguir. Primeiramente, percebe- ser visualizada no gráfico da Figura 8.
se que o sistema DIS apresenta níveis de torque
mais baixos que o sistema REF. Segundo, que o Como pode ser visto na Figura 8a, a energia de
ciclo 1 é responsável pelas maiores variações entre mistura segue aumentando conforme o tempo de
aceleração e desaceleração (área de histerese). A mistura aumenta. Com a introdução do aditivo
histerese está relacionada com a estrutura interna dispersante, a energia de mistura é reduzida,
do material. Áreas de histerese grande indicam que exceto em 17 s de mistura, cujo valor foi um pouco
o processo de mistura não suprimiu a energia maior, porém não muito expressivo comparando
requerida para a quebra de todos os aglomerados, com a argamassa sem o dispersante – REF. Isso
então a quebra destes deve acontecer nos ciclos de pode ser um indicativo de que em tempos
cisalhamento. Quando a área de histerese é estritamente curtos a presença do dispersante é
pequena e os ciclos não se diferenciam entre si, pouco expressiva, ou que o tempo não foi
isso sinaliza que a mistura foi eficiente e que os suficiente para que o aditivo iniciasse sua atuação.
aglomerados foram destruídos nessa etapa Porém, quando o sistema é submetido aos ciclos de
(FERNÀNDEZ-ALTABLE; CASANOVA, 2006; cisalhamento (Figura 8b), a energia adicional
PILEGGI; STUDART; PANDOLFELLI, 2001). E, fornecida por esses conduz a níveis mais baixos de
por fim, à medida que se aumenta o tempo de energia, até mesmo em 17 s de mistura.
a)
300
Energia de Mistura (Nm.s)
250
200
150
100
50
0
REF 17s DIS 17s 1 REF 47s DIS 47s
Tempo de Mistura (s)
REF 87s DIS 87s REF 297s DIS 297s
100
50
0
17 47 87 297
Tempo (s)
Figura 8 – (a) Energia envolvida em cada tempo de mistura – REF e DIS e (b) Energia envolvida nos ciclos
Pela análise conjunta, primeiro da energia elas, o que provoca níveis de torque mais baixos
envolvida na mistura e, em seguida, da energia como resposta (OLIVEIRA et al., 2003; FLATT;
envolvida nos ciclos (Figura 8), observa-se que, MARTYS; BERGSTRÖM, 2004).
quanto maior a energia de mistura, menor é a
Uma consideração ainda a ser feita nesse aspecto
energia resultante nos ciclos, especialmente no
de quantificação de energia envolvida no processo
primeiro. Quanto mais eficiente é o processo de
de mistura é correlacionar a área de histerese com
mistura, maior a homogeneização e a dispersão
a energia acumulada na mistura e nos ciclos de
(menor o tamanho das unidades móveis, partículas
cisalhamento. Na Figura 9 estão ilustrados os
ou aglomerados) do sistema. Desse modo, durante
gráficos que relacionam essas duas grandezas.
os ciclos o material apresenta menor resistência ao
cisalhamento imposto e um comportamento mais No gráfico da Figura 9a, a área de histerese das
fluido. composições segue diminuindo com a sequência
dos ciclos. No primeiro ciclo de cisalhamento a
Outro ponto relevante é que a energia envolvida no
diferença é bem acentuada; quanto menor o tempo
sistema DIS foi menor que a outra REF (Figura 8).
de mistura, maior esta área. Ênfase é dada à
Isso pode ser associado ao fato de o
mistura de 297 s, cujas áreas de histerese dos
policarboxilato de sódio promover o molhamento
ciclos quase não variam, principalmente nos dois
das partículas e possibilitar a homogeneização da
últimos, ou seja, os ciclos mostraram que um
suspensão, e por conferir forças repulsivas entre as
tempo de mistura maior contribui para a
partículas, reduzindo ou eliminando a adesão entre
homogeneidade do sistema.
250
REF 87s
200
REF 297s
150
100
50
0
0 100 200 300 400 500
Energia (N.m/s)
Figura 9 - Curvas que relacionam a área de histerese com a energia acumulada no início do ciclo de
cisalhamento