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MAFFESOLI, Michel.

Sobre o nomadismo: vagabundagens pós-modernas; tradução de Marcos


de Castro. – Rio de Janeiro: Record, 2011

A errância e o nomadismo, sob suas diversas modulações, tornam-se um fato cada vez mais
evidente. (2011, p.15)

O nomadismo pode ser considerado como uma expressão da exigência de que se tornou
ponde discussão. A preocupação com uma vida marcada pelo qualitativo, o desejo de quebrar
o enclausuramento e o compromisso de residência próprios da modernidade são como
momentos de uma nova busca do Graal, representado outra vez simultaneamente a dinâmica
do exílio e a da reintegração. (2011, p. 16)

Também é tempo de levar a sério a intensificação da pulsão de errância que, em todos os


domínios, numa espécie de materialismo místico, lembra a impermanência de qualquer coisa.
O que não deixa de fazer de todo mundo o viajante sempre em busca da outra parte, ou o
explorador maravilhado desses mundos antigos que convém, sempre e ainda uma vez,
inventar. Porque estar inquieto ou em desequilíbrio não é, afinal de contas, o próprio de todo
elã vital? (2011, p. 17)

As pessoas se adaptam à riqueza ostentada e à miséria exibida. (2011, p. 21)

Será que o drama contemporâneo não vem do fato de que o desejo de errância tende a
ressurgir como substituição, ou contra o compromisso de residência que prevaleceu durante
toda a modernidade? (2011, p. 22)

Este é o paradoxo contemporâneo: diante disso que chamamos de globalização do mundo,


diante de uma sociedade que se deseja positiva, lisa, sem asperezas, diante de um
desenvolvimento tecnológico e de uma ideologia econômica reinando, ainda, como mestra,
em resumo diante de uma sociedade se afirmando perfeita e “plena”, expressa-se a
necessidade do “vazio”, da perda, da despesa, de tudo que não se contabiliza e foge à fantasia
da cifra. (2011, p. 23)

É claramente uma mudança de tom, da aspiração a um “outro lugar” que não chega para
satisfazer as questões habituais, ou as respostas convencionais que estamos habituados. É o
novo espirito do tempo, esse ambiente imperceptível que pode nos incitar a ver na errância,
ou nomadismo, um valor social e muitos títulos exemplar. (2011, p. 28)

A errância não é, de jeito nenhum, exclusividade de alguns. (2011, p. 29)

Pode-se dizer que o homem pós-moderno está impregnado disso. A fim de domesticar o
termo, foi possível falar e mobilidade. Essa mobilidade é feita das migrações diárias: as do
trabalho ou as do consumo. São também as migrações sazonais: do turismos e das viagens,
sobre as quais é possível prever um importante desenvolvimento. É ainda a mobilidade social
ou os deslocamentos maciços de populações induzidas pelas disparidades econômicas. (2011,
p. 29)
Pode ser compreendida como a modulação contemporânea desse desejo do outro lugar que,
regularmente, invade as massas e os indivíduos. (2011, p. 29)

Nesse sentido, os diversos “extases” contemporâneos, de qualquer ordem que sejam:


técnicos, culturais, musicais, afetivos, reafirmam o antigo desejo de circulação. Circulação dos
bens, da palavra, do sexo, fundamentado todo conjunto social, e fazendo-o perdurar em seu
ser: o devir. (2011, p. 32)

O desejo de errância é um dos pólos essenciais de qualquer estrutura social. (2011, p. 32)

A errância pode ser considerada um constante antropológica que, sempre e mais uma vez, não
para de penetrar em cada individuo e no corpo social em seu conjunto. (2011, p.34)

O viajante não é mais do que uma “ave de passagem” (2011, p. 42)

É o símbolo de uma busca sem fim, a procura de si no quadro de uma comunidade humana, na
qual os valores espirituais são a consequência da aventura coletiva. (2011, p. 42)

É que o nomadismo não se determina unicamente pela necessidade econômica, ou a simples


funcionalidade. O que o move é coisa totalmente diferente: o desejo de evasão. É uma espécie
de “pulsão migratória” incitando ao mudar de lugar, de hábito, de parceiros, e isso para
realizar a diversidade de facetas de sua personalidade. (2011, p. 51)

Um corpo social, qualquer que seja, guarda a memória de sua errância original. (2011, p. 53)

A nostalgia do outro lugar engendra a errância que, por sua vez, favorece um ato fundador.
(2011, p. 54)

Assim, como o nomadismo participou da construção de civilizações anteriores, pode-se


imaginar que ele contribuiu para a construção da realidade social contemporânea. (2011, p.
62)

Lembrando-se do paraíso perdido, e não se satisfazendo com a estabilidade oferecida pelo


sentido positivista do mundo estabelecido, o errante parte para uma série de experiências,
frequentemente perigosas, sempre trágicas, que possam fazer com que reviva a plenitude
perdida. (2011, p.64)

Numerosas são as ocasiões de todo tipo em que se “soltam as amarras”, em que a pessoa se
exila ou foge a fim de restituir o sabor àquilo que sob pesados golpes da rotina, perdeu-o
quase que totalmente. (2011, p. 77)

Assim, para a pessoa, o fato de que ela não se resume a uma simples identidade, mas que
desempenha papeis diversos através de identificações múltiplas. (2011, p. 78)

Eis precisamente o problema que a errância traz consigo: a fuga é necessária, ela exprime uma
nostalgia, ela lembra a fundação. Mas, porque tem um sentido, é preciso que essa fuga se
opere a partir de alguma coisa estável. (2011, p. 79)

É uma marca do sentido trágico da existência: nada se resolve numa superação sintética, tudo
é vivido em tensão, na incompletude permanente. (2011, p.79)
Em cada um desses casos, o território individualista se torna uma prisão. Em lugar de servir de
base para uma possível partida torna-se lugar fechamento. (2011, p.82)

Em seu sentido mais forte, esse espaço urbano, síntese da cidade, resumo do mundo, é um
perfeito cadinho: lugar onde se cria raiz e a partir do qual a pessoa cresce e se evade. Lugar
onde se expressa a empatia em relação aos outros, lugar de onde se escapa, imaginariamente,
para atingir a alteridade absoluta. (2011, p. 89)

Assim, a abertura para o outro, a acolhida ao estrangeiro, é também um modo de acolher o


estranho, de usufruir dele e de integrá-lo à vida cotidiana. Essa foi a função da errância. (2011,
p.157)

Os problemas da alma são eternos e, afinal, poucas coisas são novas sob o sol. No assunto em
questão, trata-se da necessidade que a alma tem, para se realizar, de se afastar daquilo que é
excessivamente familiar, de fugir, de empreender novas aventuras, de explorar orientes novos.
(2011, p. 159)

A errância de algum modo restaura a unidade do eu e da natureza, do eu e do outro. (2011, p.


162)

O errante carrega consigo muitos sonhos complexos. Sonhos, sobretudo, de que ele não
abdicou. Sonhos que continuam a animar sua vida e que, justamente, o mantêm no caminho.
(2011, p. 166)

Errância mística, naquilo que e leva a não ser coisa alguma, a se perder numa espécie de nada
sem opinião particular sobre as pessoas e os acontecimentos. (2011, p. 170)

O artista, o pensador têm sempre necessidade de um refúgio, de um retiro. (2011, p. 174)

A ocidentalização do mundo triunfante durante a modernidade, o racionalismo, expressão


dele, que é a separação que lhe serve de vetor, dão lugar a uma verdadeira orientalização, a
uma busca dos “orientes místicos”. Nessa grande tendência, e em suas diversas expressões, o
elemento essencial é a viagem, a mudança, a ação de caminhar. (2011, p. 175)

A nova aventura existencial mostra que os sentidos e a paixão também têm seu lugar.
Igualmente. (2011, p.176)

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