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COLEÇÃO INSURGÊNCIAS DECOLONIAIS,

PSICOLOGIA E OS POVOS TRADICIONAIS


José Maria Nogueira Neto (Org.)

Outras perspectivas educacionais e saberes


de(s)coloniais

Sobral, CE
2021
Copyright © 2021 by Faculdade Luciano Feijão
Todos os direitos reservados

COLEÇÃO
Insurgências Decoloniais, Psicologia e os Povos Tradicionais

VOLUMES
Volume 1: Perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais
Volume 2: Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais
Volume 3: Ancestralidade, religiosidade e as cosmopolíticas dos povos latinos
Volume 4: Movimentos sociais, grupos, insurgências e resistência na América Latina
Volume 5: Gênero, mulheres, raça e classe afroindígena-latino-americanos
Volume 6: Saúde, sabedoria popular e os múltiplos contextos em tempos de crises
Volume 7: Outros pensamentos e possibilidades para o pensamento de(s)colonial
Volume 8: O pensamento de(s)colonial e outras epistemologias

ORGANIZADOR
José Maria Nogueira Neto DIAGRAMAÇÃO
Lucas Yuri da Silva Rodrigues
CAPISTA
Victoria Mendes EDITORAÇÃO
Leo Mackellene Gonçalves de Castro
ILUSTRAÇÃO DA CAPA Setor de Publicações
Rafael Frota Oliveira Faculdade Luciano Feijão
CONSELHO EDITORIAL
Adriana Campani - Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA)
Aline Pinto Medeiros Medeiros - Universidad San Lorenzo – PY
Alvinan Magno Lopes Catão - Universidade de Brasília (UNB)
Amom Rodrigues de Morais - Universidade Federal de Goiás (UFG)
Ana Helena Araújo Bomfim Queiroz - Faculdade Luciano Feijão (FLF)
Ana Paula Lima Moura - Universidade Estadual do Ceará (UECE)
Anne Joyce Lima Dantas - Universidade Federal do Ceará (UFC)
Ariane Lima De Brito - Universidade Católica Dom Bosco (UCDB)
Bruno Simões Gonçalves - Universidade de São Paulo (USP)
Fernanda Rodrigues Machado Farias - Rede EcoCeará
Francisca Denise Silva Vasconcelos - Universidade Federal do Ceará (UFC)
Francisco Gilmário Rebouças Júnior - Hospital Israelita Albert Einstein
George Bezerra Pinheiro – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará
(IFCE- Crateús)
Geórgia Bezerra Gomes - Faculdade Luciano Feijão (FLF)
Ícaro Cardoso Maia - Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF)
Jaqueline Gomes de Negreiros - Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA)
Jean Costa Santana - Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Jessica Silva Rodrigues - Universidade Federal do Ceará (UFC)
José Henrique Alexandre de Azevedo - Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP) e Universidade Estadual do Ceará (UECE)
José Maria Nogueira Neto - Faculdade Luciano Feijão (FLF) e Universidade Estadual
Vale do Acaraú (UVA)
Juliane Andrade Feitosa - Faculdade de Quixeramobim (UNIQ)
Julio Cesar Ischiara - Faculdade Católica Rainha do Sertão (UNICATÓLICA)
Kevin Samuel Alves Batista - Faculdade Princesa do Oeste (FPO)
Larisse De Sousa Silva (Faculdade Princesa do Oeste – FPO)
Marcossuel Gomes Acioles - Centro Universitário INTA (UNINTA) e Faculdade Educar
da Ibiapaba (FAEDI)
Maria Da Conceição Gomes Da Silva - Universidade Federal do Ceará (UFC)
Mateus Vinícius Barros Uchôa - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Péricles De Souza Macedo - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC)
Rafaelly Rocha Lima Barbosa - Universidade Federal do Ceará (UFC)
Raksandra Mendes Dos Santos - Universidade Federal do Piauí (UFPI)
Regis Leitão Sydrião - Universidade de São Paulo (USP)
Samara Vasconcelos Alves - Faculdade Luciano Feijão (FLF)
Saulo Luders Fernandes - Universidade Federal de Alagoas (UFAL)
Stephanie Caroline Ferreira de Lima - Universidade Federal do Ceará (UFC)
Thiago Sousa Felix - Faculdade de Quixeramobim (UNIQ)
Yuri Miguel Macedo - Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) e Universidade do
Estado da Bahia (UNEB)

COLABORADORES (Coleção)
Ana Luiza de Fátima Albuquerque Ribeiro - Faculdade Luciano Feijão (FLF)
Diego Mendonça Viana - Faculdade Princesa do Oeste (FPO)
Francisca Denise Silva Vasconcelos - Universidade Federal do Ceará (UFC)
Gabriel Victor Vasconcelos Frota de Almeida - Universidade Federal do Ceará (UFC)
Iris dos Santos Timbó - Faculdade Luciano Feijão (FLF)
Jean Costa Santana - Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
João Cariello de Moraes - Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Kevin Samuel Alves Batista - Faculdade Princesa do Oeste (FPO)
Leo Mackellene Gonçalves de Castro - Faculdade Luciano Feijão (FLF)
Mateus Vinícius Barros Uchôa - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Roberta de Fátima Rocha Sousa - Faculdade Luciano Feijão (FLF)
Vitória Rocha Ramos - Faculdade Luciano Feijão (FLF)

COORDENAÇÃO
I Colóquio Latino-Americano sobre Insurgências Decoloniais, Psicologia e os Povos
Tradicionais

DATA DO EVENTO
24/06/2020 – 26/06/2020

REALIZAÇÃO
Disciplina Tópicos Especiais em Psicologia I – Relações étnico-raciais, cultura afro-
brasileira e indígena (Prof. José Maria Nogueira Neto) - Faculdade Luciano Feijão (FLF)
Centro Acadêmico Silvia Lane - Faculdade Luciano Feijão (FLF)
Coordenação do Curso de Psicologia - Faculdade Luciano Feijão (FLF)
Coordenadoria de Pesquisa e Extensão - Faculdade Luciano Feijão (FLF)
Faculdade Luciano Feijão (FLF)

COMISSÃO ORGANIZADORA DO EVENTO


Ana Luiza de Fátima Albuquerque Ribeiro - Faculdade Luciano Feijão (FLF)
Francisco Darlan Carneiro Sales - Faculdade Luciano Feijão (FLF)
Gabriel Victor Vasconcelos Frota de Almeida - Universidade Federal do Ceará (UFC)
Geórgia Maria Melo Feijão - Faculdade Luciano Feijão (FLF)
Iris dos Santos Timbó - Faculdade Luciano Feijão (FLF)
Kevin Samuel Alves Batista - Faculdade Princesa do Oeste (FPO)
Roberta de Fátima Rocha Sousa - Faculdade Luciano Feijão (FLF)
Saulo Luders Fernandes - Universidade Federal de Alagoas (UFAL)
Teresa Lenice Nogueira da Gama Mota - Faculdade Luciano Feijão (FLF)
Vanessa Valeska Xavier do Nascimento - Faculdade Luciano Feijão (FLF)
Vitória Rocha Ramos - Faculdade Luciano Feijão (FLF)
Andro Limonta Blanco (Cuba)
Rodrigo Gustavo Utrilla-López (México)

APOIADORES
OIIIIPe – Observatório Internacional de Inclusão, Interculturalidade e Inovação
Pedagógica
GEPPU- Grupo de Estudos e Pesquisa em Pedagogia Universitária
UNIdiversidade - Universidade Estadual Vale do Acaraú
PET -NESAL: Programa de Educação Tutorial Núcleo de Estudos do Semiárido
Alagoano (UFAL)
Universidade Federal de Alagoas (UFAL)
Grupo de Estudos e Extensão em Psicologias Sociais (FPO)
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST de Alagoas
Povos indígenas Xucuru-Kariri - Palmeira dos Índios (AL)
Centro de Umbanda Macaia do Caboclo Pena Verde
Centro de Umbanda Pai Tobias
Centro de Umbanda Rei Urubatan da Guia
Ilê Asè Iyá omim Ogum Idá
Afoxé Yiamin Ogúnté
Rede Eco Ceará de Agroecologia
Instituto Ciganos do Brasil
Coletivo Retirantes
@pretitudes
@midiaindiaoficial
@aliveeterna
APRESENTAÇÃO

O termo "colóquio" pode ser utilizado para representar


uma conversa íntima entre duas ou mais pessoas. Assim,
nenhum outro termo, que porventura escolhêssemos, abraçaria
de forma tão completa o evento que aqui apresentamos o 1°
Colóquio Latino-americano de Insurgências Decoloniais,
Psicologia e Povos Tradicionais.
Estruturado dentro de uma disciplina de graduação em um
curso de psicologia no meio do sertão cearense, o evento, ou
melhor, o movimento (foi nisso que a coisa toda se
transformou) ganhou corpo, circulação e demarcou um espaço
de resistência. Da sala de aula para o auditório com 150 lugares,
do auditório para o Brasil. Sonhamos mais alto, e por que não
para a América Latina? Com um pouco mais, alcançamos para
além do esperado, atravessamos fronteiras, chegando a outros
continentes. De forma inovadora e potente, possibilitou a
aproximação de temáticas marcadas por uma força e coragem
que tanto está presente na discursividade de(s)colonial,
ofertando um lugar de fala e escuta, insurgindo uma identidade
que vem se construindo entre as veias abertas da América
Latina e construindo caminho artesanais.
Fazer um evento internacional com convidados de
diversos lugares, publicações em anais e capítulos de livro não
foi uma tarefa fácil. Tudo começou na Faculdade Luciano
Feijão, na cidade de Sobral no Ceará, com a disciplina de
Tópicos Especiais em Psicologia I, ministrada pelo professor
José Maria Nogueira Neto. Esta disciplina tem a sensibilidade
de abordar temas do contexto social, político e comunitário da
América Latina, ressaltando os povos e comunidades
tradicionais, as discussões sobre raça/classe/gênero, sem
esquecer seu compromisso ético e com base no pensamento
de(s)colonial.
Com as discussões promovidas em sala de aula, surgiu o
desejo de realizar um evento que congregasse a temática
discutida para além dos espaços da academia. Nasceu assim o
Colóquio “Ruralidades, Juventudes e Etnias”, realizado na sede
da Faculdade Luciano Feijão em duas edições (2018 e 2019),
encabeçado pelo professor da disciplina e por aluna(o)s nela
matriculada(o)s. Para o atípico ano de 2020, tempos de crises
políticas e sanitárias, atravessados por uma pandemia e com o
advento das novas modalidades de encontros mediados por
tecnologias, nasceu a motivação para algo maior e diferente.
Algo que chegasse e trouxesse experiências do bem viver. Algo
que pudesse ser escrivivido nas ondas afetivo-virtuais e que
demarcasse um suspiro em meio ao sufocamento produzido
pelo isolamento social. Estávamos em casa, isolados, sem
abraços, sem afagos. No auge de uma pandemia, em meio a
reuniões e encontros virtuais, esboçamos e lançamos ao mundo,
em abril, o 1° Colóquio Latino-americano de Insurgências
Decoloniais, Psicologia e Povos Tradicionais que aconteceria de
24 a 26 de junho de 2020.
Para a realização do evento, decidimos dividi-lo em
grupos temáticos, onde a homenagem a alguns nomes seria
imprescindível. Criamos Grupos de Trabalho (GT) baseados em
linhas de vivências, estudos e pesquisas que aglutinaram a
mesma base teórico-vivencial, sendo estas: GT 1 Paulo Freire –
Perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais, GT 2 Mãe
Menininha do Gantois - Ancestralidade, religiosidade e as
cosmopolíticas dos povos latinos, GT 3 Lélia Gonzalez e Julieta
Paredes – Gênero, mulheres, raça e classe afroindígena-latino-
americanos GT 4 Carolina Maria de Jesus – Movimentos sociais,
grupos, insurgências e resistência na América Latina, GT5
Damião Ximenes – Saúde, sabedoria popular e os múltiplos
contextos em tempos de crises, GT 6 Quijano, Fannon e
Dandara dos Palmares – O pensamento descolonial e outras
epistemologias e GT 7 Mocororó - Outros pensamentos e
possibilidades.
Algo que a posteriori foi seguido para as submissões
dos escritos, tendo o cuidado com a representatividade e
diferentes temáticas do campo do pensamento decolonial. Estes
grupos temáticos serviram de base tanto para a elaboração das
nossas “Rodas de Prosa” quanto para a divisão para as
submissões, houve a preocupação quanto a representatividade
nas atividades promovidas e quanto ao lugar de fala sobre o
tema discutido, trazendo conversadora(e)s de diferentes regiões
do país e fora dele para dialogar sobre as temáticas propostas.
O Colóquio tentou romper com toda ou qualquer lógica
de evento acadêmico desde sua concepção, metodologia e sua
programação. Não foi uma tarefa fácil, afinal estávamos
sediados em uma Instituição de Ensino Superior que precisa
sustentar alguns de seus lugares e corresponder às exigências e
pontuações de uma vida mediada por índices, notas e lattes.
Espaço de resistência se constrói na resistência.
- Ao fronte!
Não montamos painéis científicos ou apresentação de
pesquisas. Não foram apresentadas mesas redondas,
conferências ou palestras. Por consequência disso, não
tínhamos palestrantes ou conferencistas. Nossa(o)s
convidada(o)s eram conversadora(e)s e estavam ali para uma
prosa livre, sem amarras acadêmicas, para uma conversa boa.
Poderiam até trazer suas experiências mediadas por meio da
ciência acadêmica, mas não era necessário. Queríamos escutar
sobre “como se vive” ou “como se faz para viver” a partir de
outros caminhos. A proposta indicou a criação de espaços de
diálogos horizontais, tentando levar para as pessoas que
assistiam momentos de trocas, de atravessamentos, afetações,
mobilizações e de resistências.
Em plena pandemia, procuramos fazer com que as
pessoas se juntassem virtualmente para “Conversas de
Alpendre”, “Rodas de Prosa”, “Conversatórios”, “Aldeia
Multiétnica” e, sem poder ficar de fora, com um “Ritual de
Celebração”, pois desde cedo aprendemos com os povos
originários que os nossos feitos e conquistas precisam ser
celebrados. A ideia era reunir pessoas em volta de suas telas
para participarem de um momento de partilha de saberes,
escutar histórias, conhecer outros mundos.
Foram dias de muita euforia, discussões, mobilizações,
inquietações, respiros e cansaço. Desde seu início, construído
de forma coletiva, com contribuições diversas, falas potentes e
escutas atentas. As afetuosas rodas de prosa cumpriram a tarefa
de envolver cada participante tanto quanto um abraço. Em
nossas conversas de alpendre, sentamos para tomar um café e
papear sobre temáticas nas quais são necessárias para uma
psicologia de(s)colonial. Com muita coragem, tivemos em
nossa Aldeia multiétnica debates sobre os efeitos marcados pela
colonização. Nos conversatórios, os diálogos calorosos
puderam fazer sentido, permitindo reinventarmos espaços que
superem a racionalidade colonial nas produções de saber.
Constituído por histórias, memórias, arte, cultura, política,
vivências e saberes, foi possível em nossos encontros sentir o
calor do afago como se estivéssemos próximos, apesar de
espalhados por diversos rincões do mundo. As nossas
transmissões chegaram às salas de estar de pessoas isoladas,
sozinhas ou com suas famílias, às comunidades tradicionais,
aos coletivos organizados e movimentos articuladores de ideias
e ações. E, ao final, para o encerramento promovemos um ritual
de celebração intitulado "Batuques, maracas, cantos e ginga:
mundanismos musicais" com a apresentação de um afoxé,
seguida de um bate papo com a(o)s componentes do grupo e
uma discotecagem que foi até o amanhecer do dia. Ao todo
foram 10 atividades, 49 convidados, mais de 9.000 inscritos de
13 países e mais de 50 horas de transmissão.
Dando lugar às inquietações que foram despertadas e
aos poucos se revelando em nosso Colóquio, como também
acreditando no potencial da escrita como ferramenta para a
produção de um saber decolonial e contra-hegemônico,
propusemos esta coleção de livros, que foi um convite para que
a(o)s participantes com desejo de transbordar por meio da
escrita, pudessem se aproximar das temáticas abordadas e
construirmos uma produção coletiva que passeasse por todas
as formas possíveis de subjetivação. Um registro que deixará
demarcado esse momento de circularidade e que apresenta ao
mundo uma pausa na sua história.
Por fim, visibilizamos todo esse movimento com a
publicação dos artigos submetidos aprovados em uma coleção
intitulada “Insurgências Decoloniais, Psicologia e os Povos
Tradicionais” com 08 volumes, a saber: Volume 1 - Perspectivas
educacionais e saberes de(s)coloniais; Volume 2 - Outras
perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais; Volume 3 -
Ancestralidade, religiosidade e as cosmopolíticas dos povos
latinos; Volume 4 - Movimentos sociais, grupos, insurgências e
resistência na América Latina; Volume 5 - Gênero, mulheres,
raça e classe afroindígena-latino-americanos; Volume 6 - Saúde,
sabedoria popular e os múltiplos contextos em tempos de
crises; Volume 7 - Outros pensamentos e possibilidades para o
pensamento de(s)colonial; e Volume 8 - O pensamento
de(s)colonial e outras epistemologias.
O movimento criado por este colóquio não se encerra
por aqui e propõe que outras e novas discussões sejam abertas e
ganhem espaços de diálogo e produção de saberes. Que venha
o II Colóquio!

Desejamos a você uma boa leitura e que logo possamos


nos encontrar.

Gabriel Victor Vasconcelos Frota de Almeida


Roberta de Fátima Rocha Sousa
Íris dos Santos Timbó
Vitória Rocha Ramos
José Maria Nogueira Neto
PREFÁCIO

A educação como processo de humanização: saberes que


perscrutam a emancipação do pensar e do viver

Se ele [Frantz Fanon] propôs um saber, tratava-se afinal de um


saber em situação – o saber das experiências de racialização e
de submissão, o saber de situações coloniais de desumanização
e o saber dos meios para lhe pôr um fim. […] Tratava-se
também de um saber que ligava indissociavelmente a crítica da
vida e a política da luta e do trabalho requerido para escapar à
morte. Achilles Mbembe, 2013.

Os textos que compõem este livro partilham da


afirmação de palavras e de saberes que rompem com lógicas
que insistem na dominação e na opressão e ratificam, assim, a
emancipação da vida. Partilha que dialoga com o que
aprendemos com o educador Paulo Freire, Patrono da
Educação Brasileira, que contraria o fatalismo e nos lembra que
a realidade não é imutável e que o mundo atual não é o único
possível. Leitura de mundo que acompanha sua visão
antropológica do ser humano: ser curioso, inacabado,
incompleto e que necessita do diálogo com o outro. A
veiculação da possibilidade de transmutação da realidade
confirma o posicionamento ético-político de que a vocação
ontológica do ser-humano é humanizar-se, enfrentando, para
tanto, a desumanização imposta por lógicas coloniais. Propor
outros modos de pensar e de agir é escapar dos determinismos
inexoráveis para que sejam possíveis experiências históricas. O
inacabamento humano propicia um movimento ativo de
criação que pode ser experienciado com esperança,
autenticidade e amor.
A dialogicidade que se desdobra nas páginas a seguir
reafirma a educação como força de mudança e de libertação e
participa do fortalecimento do processo de humanização
apontado por Freire. Trata-se de uma rede que de modo
polifônico reúne proposições para uma educação crítica, cidadã
e libertadora – de(s)colonial – que se opõe a lógicas coloniais-
capitalísticas-racializantes que rebaixam, por sua vez, a
existência a um destino servil e mortificado. Se por um lado há
práticas educacionais que correm na direção da objetificação do
humano, em que se operam processos de alienação e de
adaptação desumanizadoras, por outro, o que se tem notícia
com esta produção é do exercício de uma atenção à espreita
para perspectivas educacionais que buscam acionar a
capacidade crítica de reflexão e de autorreflexão sobre o tempo,
o espaço e o contexto em que se está inserido.
A conscientização é um dos conceitos centrais da obra
de Freire que toma a educação como teoria e prática da
liberdade. Não se trata de uma ingênua ideia de liberdade, mas
da inserção crítica e ativa na história concreta em que, numa
relação dialética permanente, reflexão e ação caminham lado a
lado para a criação da realidade livre de estruturas de opressão
e de dominação que colonizam a existência. Trata-se de uma
travessia em que se ultrapassam os saberes espontâneos de
apreensão da realidade – estes, sim, ingênuos – e se caminha na
direção a uma práxis crítica e transformadora em que a
humanidade assume uma posição epistemológica.
Conscientização, integração e criação da realidade são alguns
dos elementos que, indissociáveis, participam da inserção do
humano no socius não como espectador passivo, mas como
autor. Processo que também nos falou Grada Kilomba –
escritora, teórica e artista que ativa e produz saberes
de(s)coloniais – na obra intitulada “O Projeto Desejo1”: “[…]
Enquanto escrevo, / eu não sou o ‘Outro’, / mas o eu, / não sou o
objeto, / mas o sujeito. / Eu torno-me a que descreve, / e não a
descrita. / Eu torno-me a autora, / e a autoridade / da minha
própria história. / Eu torno-me a oposição / absoluta do que o
projeto / colonial predeterminou. / Eu torno-me eu própria”.
Tornar-se autora ou autor da própria história é um dos
horizontes que a educação libertadora reivindica e que se
configura como um dos caminhos para a autodeterminação
social e para a estilização do viver. Assim, pode-se afirmar que
o sentido mais preciso da alfabetização conscientizadora não
coincide com um tecnicismo que se restringe ao
desenvolvimento da capacidade de pensar as palavras
conforme as exigências lógicas de um discurso abstrato, mas
com a possibilidade encarnada de aprender a dizer a sua
palavra. Aprender a ler e a escrever é aprender a ler e a
escrever a própria vida como autor(a) e testemunha de sua
história; biografando-se, existenciando-se, historicizando-se.
Neste percurso, conquistar um universo singular passa por um
processo de conscientização sobre as palavras que compõem o
vocabulário existencial do alfabetizando. Opera-se uma
de(s)codificação destas palavras em que se efetua uma práxis

1 O Projeto Desejo (The Desire Project), vídeo-instalação (3 canais de vídeo / som / 3


impressões print form, com imagem e texto). Enquanto eu caminho / Enquanto eu falo /
Enquanto eu escrevo (While I walk / While I Speak / While I write). Esta obra foi exposta,
em 2016, na 32° Bienal de Artes Plásticas de São Paulo que buscou, por sua vez, refletir
sobre as atuais condições da vida e as estratégias oferecidas pela arte para acolher e
habitar incertezas
que conjuga reflexão crítica, diálogo e ações de transformação
coletiva que, por sua vez, retornam como gestos de criação:
deslocamentos e aberturas de sentido que podem ser
atualizados para um mundo em autêntica comunhão. Por meio
da palavra viva, efetua-se a construção de um campo comum
em que o reconhecimento do outro e o reconhecimento de si no
outro dialogam de modo potente para a diferenciação da vida.
As palavras e os saberes produzem sentidos e realidades
e podem funcionar como potentes mecanismos de subjetivação.
O trabalho com a palavra – por meio da leitura, da escrita, da
fala e da escuta – pode propiciar transformações subjetivas e
reconfigurações nos diferentes campos de atuação e inserção. O
modo como se trabalha com a palavra está em sintonia com o
modo como se produz saber e com modos de pensar e de viver.
Modos que precisam, portanto, de cuidado, de atenção, que
necessitam do nosso tempo e da nossa reflexão coletiva porque
a visada que reside neste entrelaçamento entre palavras,
produção de saber e mecanismos de subjetivação é a
reapropriação da força vital de criação e de cooperação. Força
vital que tem sido expropriada pelo capital e convertida em
força reativa de submissão, de forma a transformar o presente
em uma vivência asfixiante em que já não é mais possível
respirar. São mata-leões que de diferentes formas interrompem
cotidianamente vidas e corpos negros, vidas e corpos indígenas,
vidas e corpos de todos e todas cujas línguas foram
despedaçadas e os discursos excluídos. Uma hierarquização
violenta que decide quem pode falar e sobre o que se pode
falar.
Deleuze e Guattari (1972) apontam para a importância
de alianças entre os inconscientes que protestam e, assim,
fazem referência a uma maneira de se mover no mundo que
procura por aliados que pensam, sentem e trabalham em
direções análogas. Aliados que caminham solidariamente na
direção da de(s)colonização da vida e que convergem em um
profícuo encontro de diferentes reflexões e atuações. Encontro
dialógico que fortalece pensamentos e ações para a
reapropriação do impulso coletivo de criação e que é
reafirmado por este livro.
Assim, ao adentrar pelos textos que se seguem, propicia-
se o contato com narrativas e práticas plurais que estão
interessadas na inclusão dos que foram condenados ao
silenciamento; no combate ao machismo, ao racismo e à
LGBTfobia; na formação docente para a insurgência; no
reconhecimento e na potencialização da diversidade cultural;
no diálogo com as memórias, ancestralidades e saberes das
comunidades locais e dos movimentos insurgentes; na
problematização das formas e dos padrões hegemônicos dos
sistemas educacionais; na conscientização das comunidades em
que se está inserido; na construção de novas epistemologias a
partir de situações existenciais localizadas; na valorização das
histórias de resistências indígenas e de suas visões de mundo,
assim como das diferenças étnico-raciais; na reflexão sobre as
colonialidades a que a universidade e a formação em psicologia
estão submetidas; no corpo enquanto território de disputa e de
afirmação de possibilidades existenciais de criação; nos projetos
educacionais que contribuem para a democracia; em
proposições alternativas de(s)coloniais, tal como o movimento
neozapatista; na propagação de outros modos de saber e de
viver e em tantos outros debates que permitem a
experienciação de um mundo menos tóxico e hostil para a vida
coletiva.
Que a leitura dos artigos desta coletânea propicie
encontros com palavras e saberes que fortaleçam o
enfrentamento às políticas de colonização e de morte.
Encontros que ampliem a potência de agir, de pensar e de
afetar e ser afetado pelo mundo. Encontros que nos lembrem
que serão as redes solidárias que tecemos que criarão
possibilidades de invenções subjetivas e de afirmação de uma
vida que valha a pena ser vivida.

Janeiro de 2021

João Cariello de Moraes

REFERÊNCIAS
MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. Tradução de Marta
Lança. Lisboa: Antígona, 2014.

DELEUZE, Gilles; GUATTARI. Sur Capitalisme et


Schizophrénie. Entrevista à Catherine Bàckes-Clément. Revista
L’Arc, n. 49, março de 1972, Paris, pp.47-55.
SUMÁRIO

OS SABERES DECOLONIAIS NA EDUCAÇÃO BÁSICA: UMA


REFLEXÃO SOBRE O ENSINO DE LITERATURAS EM UMA
PERSPECTIVA DECOLONIAL ................................................................21
Jeffrey Marley da Silva Miranda, Mariana Soares dos Santos, Sulzana
Cláudia Lima da Costa e Walquiria Lima da Costa

EDUCAÇÃO AMBIENTAL E DIVERSIDADE CULTURAL:


EXPERIÊNCIAS NO CENTRO DE ESTUDOS DE PERCEPÇÃO E
EDUCAÇÃO AMBIENTAL – CENPEA, UNESP (SP, BRASIL) ..........63
Luciene Risso

ENTRE O ENSINO MÉDIO E A UNIVERSIDADE: A CONSTRUÇÃO


DA IDENTIDADE DE ESTUDANTES NEGROS EM UMA ESCOLA
DE GRAJAÚ-MA ........................................................................................83
Cynthia Helena Chaves Oliveira e Ramon Luis de Santana Alcântara

DECOLONIALIDADE E RELAÇÕES ÉTICO-RACIAIS NA


EDUCAÇÃO BÁSICA ..............................................................................117
Aline Pinto Medeiros Oliveira

PEDAGOGIA DOS SABERES PLURAIS NA FORMAÇÃO


DOCENTE: UMA PERSPECTIVA DECOLONIAL..............................143
Jocélio Morais Pereira
DIVERSIDADE E ENSINO DE HISTÓRIA NA BNCC:
INTERCULTURALIDADE FUNCIONAL E ESVAZIAMENTO DA
REFLEXÃO CRÍTICA DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL .....................................................................................167
Maria Aparecida Lima dos Santos, Suzana Lopes Salgado Ribeiro e Wanessa
Odorico Onório

PROJETO IORUBÁ: ENTRE ARTE, ENSINO, A/R/TOGRÁFICO E


APLICABILIDADE DA LEI 10.639/2003 ...............................................195
Jaqueline Carvalho Bezerra

MOVIMENTO NEOZAPATISTA E EDUCAÇÃO AUTÔNOMA:


UMA EXPERIÊNCIA TEÓRICO-PRÁTICA DECOLONIAL .............225
Jadson Stevan Souza da Silva

RESISTÊNCIA INTELECTUAL E SUBJETIVA: ATUAÇÃO DO


GRUPO DE ESTUDOS “IGUALDADE ÉTICO-RACIAL E
EDUCAÇÃO” EM CONTEXTO UNIVERSITÁRIO ............................259
Ana Lúcia Pereira e Gustavo Ferreira Amaral

POSSIBILIDADES DO FAZER DE UMA PSICOLOGIA POLÍTICA E


EMANCIPADORA NOS SERTÕES DE CRATEÚS .............................287
Kevin Samuel Alves Batista, Thaís Felix Cruz e Laís Maria germano Canuto
Sales

A IMPORTÂNCIA DA ESCOLA NA EDUCAÇÃO: SUCESSO OU


FRACASSO? ..............................................................................................313
Rafael Vitor Araújo de Queiroz, Vitória Tainá Freire da Silva, Francisco
Mateus Lima Sousa e Maurício Cirilo da Costa Neto
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

OS SABERES DECOLONIAIS NA EDUCAÇÃO


BÁSICA: UMA REFLEXÃO SOBRE O ENSINO DE
LITERATURAS EM UMA PERSPECTIVA
DECOLONIAL

Jeffrey Marley da Silva Miranda


Mariana Soares dos Santos
Sulzana Cláudia Lima da Costa
Walquiria Lima da Costa

INTRODUÇÃO

O processo de ensino no Brasil se originou a partir da


colonização e, até a atualidade, continua seguindo padrões
eurocêntricos e de perspectivas hegemônicas, desfavorecendo
sempre as minorias. Em seu currículo, temáticas como
literaturas afro-brasileira, indígena e regionalismo ainda são
mencionadas em livros didáticos, porém não possuem papel de
reflexão crítica acerca dos estereótipos construídos socialmente,
além da discussão sobre o olhar que se tem sobre a literatura
colonial utilizada na educação.
Pensando por esses vieses, este estudo se propôs a
buscar, coletivamente, respostas para as seguintes indagações:
Como o ensino, a partir da literatura oral indígena, auxilia no
processo de descolonização?; Trabalhar a história e cultura afro-
brasileira, em sala de aula, pela literatura possibilita uma
releitura da sociedade brasileira no que concerne à presença do
racismo e seus efeitos?; Qual o papel da literatura regional
dentro de uma perspectiva decolonial? Qual o papel da

Coleção Insurgências Decoloniais, Psicologia e os Povos Tradicionais


21
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

literatura colonial, no currículo escolar brasileiro, na


contemporaneidade?
Ao usar o termo decolonial nesse estudo, deseja-se dizer
um ensino que não reproduza as marcas eurocêntricas que
foram impregnadas na cultura brasileira e que respingam em
seu currículo escolar, nas relações sociais e de trabalho. Essas
marcas trazem a manutenção de uma supremacia branca e rica
que, vindo de Portugal e indo para as Índias, se estabeleceu em
terras brasileiras, tomando posse de todas as riquezas naturais e
da força de trabalho humano, a partir da escravização dos
povos indígenas e, não muito longe, dos povos africanos. Essa
supremacia branca não só povoou, cultivou e explorou as terras
brasis, como também foi responsável por toda as diretrizes de
formação educacional no Brasil que estão em vigor até hoje.
Esta pesquisa possui abordagem qualitativa, com
finalidade exploratória, fazendo uso do método procedimental
bibliográfico para a coleta dos dados com o objetivo de
apresentar uma breve reflexão crítica sobre o atual ensino de
literaturas - colonial, indígena, afro-brasileira e regional, com
base em teóricos que discutem o ensino em uma perspectiva
decolonial; além de propor metodologias ao ensino dessas
literaturas.
A necessidade de fomentar a discussão de propostas e
metodologias de ensino que reflitam sobre os processos
decoloniais dentro das literaturas tradicionais é, certamente, um
dos pontos de extrema relevância desse estudo, que surge no
ensejo de discorrer sobre o estudo dessas literaturas em uma
perspectiva que promova desconstrução de estereótipos desse
imaginário social colonizado.

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22
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

Este estudo está estruturado da seguinte forma:


“Saberes indígenas: O ensino como fontes de resistência e
identidade decoloniais” há a explanação de teorias sobre o
processo de ensino, tanto do ponto de vista indígena como do
não indígena, além de apresentar dados que demonstram que
apesar do “conhecimento” sobre os direitos garantidos para os
povos indígenas e afro-brasileiro, não há empenho social,
devido a cegueira da mente colonizada. Em seguida, no tópico
“A perspectiva decolonial no ensino da história e cultura afro-
brasileira pela literatura” discute-se a necessidade de
posicionamentos críticos ao racismo institucional no currículo
escolar, o que tem ocasionado a invisibilização dos saberes dos
povos tradicionais afro-brasileiros, o que impede todo um
conjecturável processo de construção identitária fornecido ao
estudar a história e cultura afro-brasileira pela literatura; além
de trazer questões referentes ao repensar a maneira que a
educação para igualdade étnico-racial tem acontecido no Brasil.
“Aspectos decoloniais dentro dos estudos regionais”
discorre sobre as construções históricas produzidas dentro da
literatura regional e os seus impactos no processo de ensino
aprendizado, tendo em vista que a literatura é um suporte para
a aquisição e o desenvolvimento da língua portuguesa. E então,
“Literatura colonial: metáforas educacionais para uma
educação decolonial”, inicia-se com as perspectivas de uma
nova visão decolonial dentro dos estudos literários da educação
básica, a partir do sermão da Sexagésima de Padre Antonio
Vieira (1655).

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23
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

SABERES INDÍGENAS: O ENSINO COMO FONTE DE


RESISTÊNCIA E IDENTIDADE DECOLONIAIS

Dentre as narrativas indígenas, das mais diversas etnias,


há sempre uma relação de semelhança entre temáticas, como
exemplos, a criação do mundo e do homem, a origem da noite,
da mandioca, dos bichos, do conhecimento, etc., trazendo
sempre suas tradições, culturas e saberes, voltadas à
ancestralidade, bem como relata castigos sofridos pelos
indígenas quando não obedeciam aos seus deuses e à mãe
natureza. Assim, um desses “castigos”, contado pelos indígenas
Aruá, na narrativa “As línguas”, publicada na Antologia Terra
Grávida, de Betty Mindlin (2012), traz como narrador Awünaru
Odete Aruá que apresenta a origem do homem branco e o
porquê dele se tornar o colonizador

Paricot voltou-se para o mais velho, Andarob:


- Gorá, eu vou ensinar uma língua só! Quando estiver quase
para acabar, você vai ensinar um pouquinho de língua!
Paricot saiu, ensinando língua Aruá. Mal tinha andado um
pouquinho, Andarob foi ensinando outra língua.
- Mas eu falei para ele não ensinar uma língua diferente!
Foi ensinando várias línguas, até chegar no branco.
(...)
Separou os índios e os brancos. Escolheu a cigarra e a pedra
(Kankará e txaá). Instruiu os índios (e não os brancos):
- Meus filhos, se a cigarra cantar, vocês não respondam. Deixem
os brancos responderem. Se a pedra falar, vocês respondam.
(...)
- Agora vou separar vocês. Cada família, cada povo, vai para o
seu lugar.
Pegou o branco, jogou para o outro lado do mar, para evitar
brigas com os índios. Mas como falou que quem respondesse à

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24
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

pedra é que iria dominar, o branco é o dominador, porque os


índios não obedeceram ao seu ensinamento, responderam à
cigarra. (MINDLIN, 2012, P. 57-8).

Na cultura Aruá, essa narrativa destaca a importância


da instrução como ensino e as consequências da desobediência,
sendo esta a responsável pelo fato do homem branco ter se
tornado o colonizador, o dominador. Nesse contexto, o ensino
nas (pelas) narrativas orais tem grande relevância para a
formação individual e coletiva da nação indígena. Segundo
Mindlin (1985, p. 40) até “a roça tem muito o papel de escola.
Em maio, no tempo de colher cará, numa colheita
possivelmente ritual, a que se juntaram homens de outras casas,
um sábio e um pajé interrompe a atividade para contar o
passado da tribo, as lutas com os brancos, o sentido das festas”.
É o ensinar presente em atos e palavras, que vão construindo o
caráter da criança indígena, conforme assegura Cohn (2002, p.
217) quando diz que “os ritos conjugariam o ensino e a
transmissão de cultura à integração dos jovens ao mundo
adulto (...) pelo fato de a iniciação proceder uma mudança do
status social da pessoa, e, para tal, deve incutir uma mudança
de personalidade, adequando-a ao que se espera do novo
status”.
Assim, no processo educacional colonizador, que tinha
como objetivo principal tornar os indígenas cristãos, suas
tradições e saberes foram negados ao longo dos séculos. Seus
métodos de instrução (ensino) também sofreram modificações.
Para Bonin (2012, p. 33) a educação “é um processo amplo,
contínuo, que acontece ao longo da vida de cada pessoa e não
se restringe às experiências de escolarização”. Assim, “os povos

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25
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

indígenas têm afirmado que assumir a educação escolar é um


grande desafio” (BONIN, 2012, p. 33), pois são “lógicas
distintas as que fundamentam a organização da escola e da
vida em suas comunidades” (BONIN, 2012, p. 34).
Outrossim, Daniel Munduruku (2012) realizou
entrevistas com indígenas, que ingressaram em escolas da rede
básica de ensino, a maioria religiosa, para conhecerem e
utilizarem a língua do não indígena, como nova ferramenta de
luta e resistência. Nesse contexto, Munduruku (2012, p. 179) diz
que “(Eliane) Potiguara e (Ailton) Krenak estudaram fora da
aldeia e não tiveram influência religiosa em sua formação, no
que difere dos outros entrevistados, que foram motivados a
estudar a partir do envolvimento com instituições religiosas”
(grifos nossos). Em contrapartida, a Constituição Federal de 1988,
reconhece que os índios têm sua própria organização social,
costumes, línguas, crenças e tradições, bem como os direitos
originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam.
É nesse contexto, de garantia da utilização de línguas
nativas e dos próprios processos de aprendizagem, que os
indígenas estão utilizando a língua portuguesa para
transcreverem suas narrativas orais, contadas pelos mais
velhos, para o bilinguismo. Assim, ao mesmo tempo em que
garantem o registro para as futuras gerações, elas também são
disponibilizadas para os não indígenas a fim de que estes
possam ter outra visão, tanto do processo colonizador, quanto
dos povos originários, auxiliando na ruptura dos estereótipos
em que estes estão inseridos. Dessa maneira, socializar suas
narrativas em formato escrito também é assegurar que as
pessoas possam dialogar com a ancestralidade, a tradição e os

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26
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

costumes desses povos, contrapondo-se à sociedade brasileira,


conforme salienta Cohn (2002) sobre

O termo “socialização” que ficou marcado pela idéia, professada


por muitos antropólogos, de que as sociedades são corpos
estáveis e imutáveis que formam os indivíduos, moldando-os à
sua imagem. Assim, cada nova geração seria levada pelas
gerações anteriores, seus socializadores, a se tornar idêntica a
elas. (COHN, 2002, p. 214) (grifo nosso).

Tornar-se idênticos ao colonizador não é e nunca foi


objetivo dos povos nativos brasileiros, que sempre lutaram e
resistiram para que seus costumes permanecessem garantidos e
respeitados. Nesse tocante, em 2000, fez 500 anos em que o
processo de colonização foi iniciado no Brasil, o Instituto Sócio-
Ambiental (ISA) solicitou ao Instituto Brasileiro de Opinião
Pública e Estatística (Ibope) que realizasse uma pesquisa, por
amostragem, “Ouvindo os brasileiros”, para conferir como os
brasileiros viam e pensavam a respeito dos índios (SANTILLI,
2000, p. 51-85). Foram entrevistadas 2 mil pessoas em todo o
território brasileiro, observando-se as diferenças de sexo, idade,
renda, grau de escolaridade, região e município de residência.
Foram elaboradas perguntas para os quatro blocos: 1. A
imagem dos índios; 2. Afirmação de direitos; 3. Problemas e
providências; 4. O futuro. Dentre esses blocos, destaca-se duas
perguntas pertencentes ao bloco 3 – Problemas e providências,
no que compete à educação, sendo a primeira: “Os índios
devem ser educados de acordo com a nossa cultura”? - (p. 77); e
a segunda: “Você acha que a educação dada aos índios deve
respeitar seus valores e sua cultura”? (p. 78). Observa-se que
elas já se contradizem porque uma vez educados na cultura do

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27
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

colonizador, os indígenas passarão pelo processo de


aculturação, não tendo seus direitos relacionados à educação e
ao ensino garantidos.
Nessa interface entre educação e ensino, Munduruku
(1996, p. 38) apresenta o verdadeiro significado, para os
indígenas, da palavra educação: “ver o pai ou a mãe da criança
índia conduzindo-a passo a passo no aprendizado cultural” (...),
na contemplação das estrelas (...), na imaginação sobre a
imensidão do universo (...), “no silêncio”. Assim, educar não é
só seguir as regras da comunidade, é “arrancar de dentro para
fora, fazer brotar os sonhos (“viajar”, na linguagem do não-
índio)” (MUNDURUKU, 1996, p. 38). Com o mesmo ponto de
vista, sobre aquilo que está internalizado, Potiguara (2018, p.
44-5) retrata o papel da mulher indígena como “natural,
espontâneo e indispensável. A mulher tem a função política de
gerar o filho e educá-lo conforme as tradições, assim como na
sociedade envolvente”.
Ressalta-se que os termos ‘educar’ e ‘educação’, para
os povos indígenas, têm significados diferentes do que para os
não indígenas. Estar incluídos no processo de escolaridade
pública implica dizer que eles têm os mesmos direitos que
qualquer cidadão brasileiro, mas que o Estado deve “assegurar
o direito dos povos indígenas a associarem verdadeiramente as
suas escolas aos seus projetos de presente e futuro” (SILVA;
AZEVEDO, 1998, p. 160) para que “tenham o controle efetivo
de suas escolas” (SILVA; AZEVEDO, 1998, p. 160-1) e, assim,
preservarem sua língua, sua cultura, sua tradição e,
principalmente, sua ancestralidade. Portanto, a literatura
indígena, no contar das narrativas, traz o mais precioso dos
conhecimentos para esses povos, pois é no “catar piolhos” que

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28
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

se instrui para a formação da identidade, da cultura e da


tradição indígena.

A PERSPECTIVA DECOLONIAL NO ENSINO DA


HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA PELA
LITERATURA

Analisando de forma linear os fatos que ocorreram


desde o início do tráfico negreiro aqui nas Américas, por volta
de 1550, há indícios de formas de resistência desde os primeiros
anos, muitos embates aconteceram entre escravizados e
senhores; e antes de terminar o século XVI, o quilombo de
Palmares já era considerado a maior forma de resistência do
período escravista. Desbaratar Palmares não foi tarefa fácil para
os bandeirantes que foram encarregados desse dever,
demorando cerca de um século – em 1695 – para que se
conseguisse destruir Palmares.
O insatisfeito sistema escravista passa de forma mais
agressiva a reprimir a expressão dos escravizados e reforça o
desejo de apagamento identitário, sobretudo o
embranquecimento compulsório torna-se política pública e, em
1

razão disso, invade o campo educacional. Por isso não se estuda


o protagonismo negro na história do Brasil, pois a perspectiva
educacional utilizada, até hoje, reproduz uma visão
eurocêntrica (CAVALLEIRO, 2001).

1Políticas de incentivo a imigração de alemães, italianos e espanhóis foram intensas no


decorrer do século XIX e XX. Com o branqueamento da nação pretendia-se atingir uma
higienização moral e cultural da sociedade brasileira. Clarear a população para
progredir o país passou a ser um projeto de nação defendido no século XIX, mas que
avançou pelo século XX. Projeto que envolvia eugenização e a higienização social
enquanto políticas públicas. (PETEAN, 2013).

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29
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

Paulo Freire (2000) aponta que “seria uma atitude muito


ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem
uma forma de educação que permitissem às classes dominadas
perceberem as injustiças sociais de forma crítica”. Este
institucionalizado currículo escolar expõe o papel do racismo
científico (SILVA, 2004) na manutenção desse ensino
colonizador, corroborando com a permanência de teorias que
instigavam a desigualdade racial, até o final do século XX.
E esse currículo educacional construído na perspectiva
do colonizador não privilegia os povos tradicionais e minorias
do país, mas sim os marginaliza e os coloca em um papel
secundário (ONOFRE, 2008). Essa ausência curricular perpetua
conceitos estigmatizados construídos socialmente, que partem
de dicotomias simplórias, tais como: senhor x escravo, opressor
x oprimido, rico x pobre, belo x feio e digno x indigno
(NASCIMENTO, 2019). Se estudantes negros não se veem
contemplados na história da construção do seu país, como se
dará seu processo de construção identitária se não há
representação social para auxiliar nesse processo?
Em 1989, a constituição cidadã é promulgada e ali
pautada algumas prioridades quanto aos cuidados com os
povos tradicionais quilombolas, entretanto não há a inserção de
políticas públicas para o combate à discriminação racial nas
diversas esferas sociais. Sete anos mais tarde, em 1996, a Lei n°
9394 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) é criada e
nela ainda não havia a presença de normativas específicas para
o trabalho com as relações étnico-raciais na escola. Mais sete
anos se passam e, finalmente, em 2003, é aprovada a lei N°
10.639 com diretrizes para a inclusão no currículo escolar da
obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-

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30
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

Brasileira", sendo seguida por outras legislações como: a


Resolução Nº 1 de 17 de junho de 2004, o parecer CNE/CP
3/2004 (BRASIL, 2004) e a lei N° 11.645/2008.
Grandes conquistas para o povo negro brasileiro, nos
últimos 20 anos, trouxeram importantes evoluções, tal como a
criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade
Racial (SEPPIR), em 2003, pelo presidente Lula, contudo foi
extinta, em 2015, pelo presidente interino Michel Temer. Uma
outra conquista foi a aprovação da lei das cotas raciais, Lei nº
12.711/2012, que oportunizou mudanças a muitas famílias afro-
brasileiras ao incluir negros e negras no ambiente acadêmico,
que até os anos 2000 era um espaço majoritariamente branco.
Apesar dessas conquistas jurídicas ainda não há dados
em estudos que comprovam o empenho governamental no que
diz respeito à aplicação das diretrizes para o ensino de
literatura afro-brasileira, sobretudo em um momento que o
Brasil vive de extrema intolerância e casos de racismo e injúria
racial cada vez mais televisionados. Contudo, há iniciativas
oriundas dos próprios professores ou de grupos autônomos de
profissionais negros, pelo país, que ao se depararem com a
escassez de materiais e metodologias para que consiga, mesmo
que em uma menor proporção, trabalhar as questões étnico-
raciais, em sala, em uma perspectiva decolonial, que muitas
vezes não é trazida pelo material didático disponível. Se as
estatísticas comprovam que o país é institucionalmente regido
de forma racista, faz-se necessário, então, que se desenvolva a
prática constante de uma educação antirracista para ir de
encontro a essas questões.

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31
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

ASPECTOS DECOLONIAIS DENTRO DOS ESTUDOS


REGIONAIS

A regionalidade é um conceito ainda abstrato dentro


dos estudos literários. Ainda assim, a definição se volta para
entender as produções artísticas/literárias que estão
impregnadas de aspectos culturais e sociais de dadas regiões
(JOACHIMSTHALER, 2009, p. 28). Essas produções refletem
sobre os aspectos identitários regionais e, a partir deles, atuam
de forma provocadora em discussões sobre questões culturais e
identitárias de um país. No Brasil, os estudos regionais
revelaram as culturalidades que estruturaram sociedades vistas
às margens da história nacional. As regionalidades brasileiras,
em primeiro momento, serviram como parte de um projeto
nacional de construção de um país fundamentada no discurso
de prosperidade engajado pela imagem de paraíso a ser
explorado.
Dentro dessa perspectiva, o discurso romântico literário
estabeleceu estereótipos relacionados ao regionalismo brasileiro
que foi amplamente repercutido dentro do imaginário social,
como a figura do bom selvagem, por exemplo. Após a
introjeção dessas imagens, como representações culturais do
país, muito veiculadas pelas produções literárias, fonte
poderosa de divulgação dos discursos da época, foi se
estabelecendo outras concepções de representações nacionais,
essas mais voltadas para adaptações eurocêntricas da realidade
brasileira.
Essa dinâmica de representação, assim como muitas
produções do século XIX, buscavam idealizar o Brasil por um
viés europeu. Nesse sentido, a partir do século XX, com a

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32
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

estrondosa onda do regionalismo brasileiro na literatura, dar-se


início a construção de uma narrativa comprometida em refletir
sobre as vivências construídas na diversidade das regiões
brasileiras. Com nomes de grande peso como Guimarães Rosa,
Graciliano Ramos, Raquel de Queiroz, Jorge Amado, entre
outros, é apresentada ao Brasil outros Brasis, ainda
desconhecidos dentro do próprio país.
Essa falta de reconhecimento das diversidades
narrativas é um sintoma do processo de colonização em seus
vários sentidos, dentre eles o intelectual, que implicou na
constituição de uma narrativa unilateral que apresentava uma
realidade pseudo urbanizada e centralizadora. Marilena Chauí
(2001, p. 6), apresenta a teoria do mito fundador como uma
representação imaginária e coletiva de um momento original
que é perpetuado historicamente por discursos sustentados
dentro de uma perspectiva unificadora de sociedade.

(...) a fundação se refere a um momento passado imaginário,


tido como instante originário que se mantém vivo e presente no
curso do tempo, isto é, a fundação visa a algo tido como perene
(quase eterno) que traveja e sustenta o curso temporal e lhe dá
sentido. A fundação pretende situar-se além do tempo, fora da
história, num presente que não cessa nunca sob a
multiplicidade de formas ou aspectos que pode tomar (...).

O mito da fundação procura internalizar percepções


históricas e sociais que são organizadas em vista da estrutura
de poder vigente. A projeção desse mito fundador foi
responsável por firmar estereótipos regionais dentro da
narrativa nacional, entre elas a de que o nordeste brasileiro é o
território do servilhismo rural e do atraso industrial e

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33
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

intelectual (JÚNIOR, 2009, p. 46). Essas ilustrações impregnadas


com o pensamento colonial de inferiorização das comunidades
tradicionais, possuem origem política e econômica, das quais
procuraram estabelecer tais rotulações com o intuito de
preservar a estrutura paternalista da hierarquia rural dos
grandes fazendeiros, bem como também foi um discurso muito
utilizado para arrecadação de verbas públicas para a contenção
da pobreza das regiões nordestinas.
O discurso da seca, segundo Júnior (2009, p. 72-73), foi
uma concepção do espaço regional com grandes repercussões
sociais e históricas. Dentro desse discurso, o Nordeste foi
desenhado com cores quentes para descrever um espaço de
exasperação e profunda agonia, um ambiente inóspito do qual
só o sertanejo nordestino seria capaz de dominar e sobreviver.
Na literatura, esse argumento baseou muitas narrativas em que
os sujeitos, frutos desse espaço, interagem com os elementos
simbólicos da seca, bem como com traços identitários
originários das experiências coletivas a que essas regiões foram
e são construtoras.
Nesse sentido, a regionalidade na literatura passou de
uma construção genérica do Brasil, proposta ainda pelo
romantismo, para uma literatura engajada com o protagonismo
das realidades regionais e suas consequências culturais dentro
de uma narrativa literária. Dentro dessa perspectiva, as
produções regionalistas ganharam um teor de denúncia social
que procurava expor a situação de negligência a que as regiões
interioranas do nordeste brasileiro foram sujeitadas
historicamente por um projeto nacional de exclusão das partes
do Brasil, em que as diversidades raciais, religiosas e étnicas,
agregadas a exposição das divisões sociais e segregacionistas a

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34
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

que essas regiões foram submetidas, constituíram narrativas


literárias de grande relevância tanto para a composição da
literatura nacional, como para a realização de uma leitura outra
sobre a história identitária do Brasil.
Ainda sobre essas primeiras concepções da realidade
nordestina regional, vale comentar as literaturas viajantes como
matérias base para as representações realizadas dentro da
literatura brasileira. Essas literaturas tinham como objetivo
descrever os lugares poucos explorados dentro do território
nacional, e por meio dessas descrições muitas imagens coletivas
foram produzidas. Um dos exemplos mais conhecidos e
polêmicos dessa literatura é a obra “Os sertões”. Muitos
estudiosos discutem se a obra de Euclides da Cunha pode ser
considerada uma obra literária, justamente por se tratar de uma
produção descritiva da guerra de Canudos feita por um
jornalista. De fato, o que chama atenção é a repercussão da obra
apresentando um novo olhar, ainda que problemático, sobre o
interior da Bahia.
Isto posto, a regionalidade brasileira
contemporaneamente estabeleceu um espaço de resistência das
tradicionalidades e preservação da natureza coletiva das
sociedades formadas dentro dessas regiões. A literatura
regional contemporânea, então, recorre para a recuperação da
memória para estabelecer a narrativa literária dentro de uma
perspectiva regional, utilizando os elementos da construção da
linguagem regional, dos simbolismos coletivos, principalmente
voltados para os costumes religiosos, e da constituição dos
traços comportamentais dos atores dentro do contexto narrativo
regional.

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35
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

Nesse sentido, a regionalidade estabelecida na literatura


passa, a partir do século XX, a espelhar os aspectos regionais
frente a uma dinâmica de suspensão da realidade rural,
configurando assim, uma narrativa de confronto com a
realidade industrial. Essa escolha pelo conflito entre passado e
futuro, provocou tanto as consequências da manutenção das
estruturas patriarcais geradas pelo contexto das realidades
ruralistas, como também revela os confrontos a que o futuro
capitalista e industrial está fadado a incorporar.
Tendo essas disposições em vista, é importante destacar
a relevância da literatura regional como a materialidade de
vozes múltiplas em um contexto de produção diversificado, em
que os elementos da regionalidade brasileira entornam, para
além da ambientação, a narrativa literária enquanto estética e
linguagem, sendo uma narrativa que ultrapassa a
temporalidade e a geografia do espaço regional.
Sob esse olhar, mesmo com as intempestivas
perenidades da contemporaneidade, a literatura criada e
envolta nos aspectos da regionalidade reinventou a narrativa na
utilização da memória como fio condutor, isso, no percurso de
revisitar a história e introduzir os aspectos simbólicos da região
como elementos compositores da narrativa. Segundo Pelegrini
(2004, p. 129), um exemplo muito renomado dessa nova
literatura regional é o autor amazonense Milton Hatoum, que
constrói o conflito familiar aos arredores de elementos
importantes para a construção das personagens e que são
características da história e da cultura do Amazonas, isso em
um processo de recuperação da memória familiar para a
resolução do conflito pessoal.

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36
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

Visto isso, as produções regionais literárias, a partir das


transformações trazidas pelo século XX, passaram a reverberar
discursos de resistência contra processos opressores,
historicamente construídos para apagar as contribuições
regionais das produções artístico-literário. Na
contemporaneidade, a narrativa regional ainda apresenta a
regionalidade como símbolo de comunidades resistentes ao
processo de hegemonia cultural e mercadológica do
capitalismo, além de propor uma estética linguística e literária
atualizada apoiada no resgate afetivo da memória.

LITERATURA COLONIAL: METÁFORAS EDUCACIONAIS


PARA UMA EDUCAÇÃO DECOLONIAL

Para quem não conhece a literatura religiosa de Padre


Antonio Vieira, escritor português do movimento literário
barroco, vindo para o Brasil aos seis anos de idade, questiona-se
o porquê de seus sermões estarem presentes no currículo
escolar do Ensino Médio. Apesar de seguir com o modelo
clássico de literatura, utilizava da oratória e dos argumentos
para fazer com que os ouvintes refletissem sobre as temáticas
sociais que ele defendia. Era contra a escravização e a
exploração dos povos indígenas, dos negros africanos,
defendeu os judeus no período da Inquisição, fazia críticas a
esse processo de salvação da humanidade e das atitudes dos
sacerdotes, chegando a ser preso por tais posicionamentos.
Pode ser considerado um ser fora de seu tempo, pois já
demonstrava atitudes decoloniais, mesmo acreditando que para
evangelizar os indígenas não precisava de tortura, escravidão

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37
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

ou mortes. Segundo Amora (1981, p. 10-11) no que se refere ao


Brasil, o padre Antonio Vieira

(...) se empenhou na solução de três principais problemas: a


liberdade dos escravos (negros e índios); a invasão holandesa e
o desenvolvimento econômico do país. No caso dos escravos
defendeu: para o negro africano, a liberdade pelo menos
religiosa, já que sua total liberdade era impossível conseguir,
por ser aceita (desgraçadamente) por todas as leis civis e
religiosas da época (...); para os índios defendeu, se não a
liberdade completa, pelo menos quase completa: uma vez
catequisados nas missões jesuíticas (...) trabalhariam, para os
colonos, em regime de contrato de serviços, (...) e (...) se
libertariam tão logo estivessem capacitados para integrar, como
homens livres, a sociedade cristã (...). (AMORA, 1981, p. 10-11).

Nesse contexto, percebe-se que Vieira foi um liberal


abolicionista da modernidade, além de um ser portador de uma
inesgotável fonte de ensinos. Como já mencionado
anteriormente, suas obras fazem parte do movimento literário
barroco, dentre elas constam 200 sermões e 700 cartas. Portanto,
para este trabalho, volta-se o olhar para uma leitura decolonial
sobre o ser e o fazer da educação no sermão da Sexagésima de
Padre Antonio Vieira, de 1655, cuja temática se volta para a arte
de pregar, que será usada, metaforicamente, como a arte de
educar.
Nesse sentido, seguindo uma perspectiva decolonial,
cabe entender esse material literário, que faz parte do acervo
canônico da literatura brasileira, como um objeto de estudo que
motiva leituras diversas, tanto sobre o olhar com relação ao
exercício de educar, quanto aos conteúdos históricos e sociais
que cerceiam os escritos do Pe. Antonio Vieira, dentro das

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38
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

primeiras produções realizadas dentro e sobre o território


brasileiro.
Vale aqui justificar que a escolha por esse material
literário, como objeto destacado nesse artigo, é relevante tendo
em vista que os materiais didáticos abordam superficialmente
os contextos históricos, estudados dentro das salas de aula na
contemporaneidade, trazem os textos do Pe. Antonio Vieira
como exemplos do recorte histórico literário do Brasil colonial.
É importante frisar duas colocações acerca desse assunto, o
primeiro diz respeito a abordagem dos materiais didáticos com
relação ao trabalho com literatura em língua portuguesa, a
grande parte dos livros didáticos de língua portuguesa
classificam as literaturas brasileiras dentro dos períodos
literários, destacando os contextos históricos das produções e
explorando minimamente os textos em si. O outro aspecto diz
respeito a como os textos literários, referentes ao período
colonial do país, são colocados dentro desses materiais. A
maioria dos livros didáticos de língua portuguesa, geralmente,
colocam os textos como ilustrações do contexto histórico sendo
essa associação, ainda, conservadora. Assim, são poucas as
discussões sobre os conteúdos dos textos e suas relações com os
desdobramentos históricos por uma perspectiva crítica.
Nesse sentido, apesar de a literatura colonial de Pe.
Antonio Vieira ser contemplada nos livros didáticos, ela não só
dar a possibilidade de se refazer novas leituras, como também
nos fornece retratos da sociedade da época, como apresenta
Amora (1981, p. 11)

Mas a obra de Vieira não é um documento importante apenas


para a compreensão destes problemas (liberdade dos escravos –

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39
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

índios e negros; invasão holandesa e desenvolvimento econômico);


também é na medida em que nos fornece um retrato (não
importa que com algumas deformações críticas e satíricas) de
nossa sociedade da época, que ele mostrou dominada pela
ambição econômica, pela insensibilidade ante o sofrimento do
escravo, pelo espírito de intriga e calúnia, pelo abuso de poder,
pelo jogo de interesses e pelo relaxamento dos costumes.
Entrando o século XVIII, bem diversa seria a visão do Brasil.
(AMORA, 1981, p. 11) (grifos nossos)

Várias são as contribuições dos textos do Pe. Antonio


Vieira para a consolidação da literatura nacional, e de fato
muitas colocações do autor são consideradas modernas para
época, até por abordar a situação do Brasil colônia por uma
postura humanística. No entanto, por se tratar de textos
referentes a uma época tão conflitante e determinadora para a
situação social do país, é válido reler esse material literário sob
novas abordagens, tecendo críticas e desconstruindo a própria
narrativa para desvelar as construções dos textos e seus
sentidos, enquanto retratos do Brasil em um processo de
invasão e exploração. Em vista disso, seus textos se debruçam
sobre formas de ensinar que ultrapassam os limites impostos
pelo conservadorismo religioso, tornando assim, por meio da
instrumentalização da retórica, possível construir um diálogo
com o outro.
Assim, na visão do Pe. Antonio Vieira, ao abordar essa
temática, no pensamento, aflora os elementos essenciais da
comunicação: emissor, canal, código, mensagem, referente e
receptor. Elementos fundamentais para as leituras, tanto da
palavra como do mundo, dentro desse processo educacional, no
qual o professor tem o papel de semeador; os conteúdos e
temas, de sementes; os alunos, de terrenos onde se semeia; e o

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40
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

sair para semear, a metodologia. Assim, o movimento, as


palavras, os gestos, a linguagem verbal e não verbal faz com
que a dinâmica do ser para com o outro tenha um significado,
emitindo uma mensagem que produz retorno e receptividade.
Na educação, a maior responsabilidade está no
semeador, e tomando esse conhecimento por uma postura de
desconstrução, essa temática é ressignificada, uma vez que se
propõem, a partir disso, entender os textos, tanto de Pe.
Antonio Vieira como de outros igualmente canônicos, como
materiais importantes para o desenvolvimento da criticidade
dentro da sala de aula, ao propor abordagens que motivem
entender as perspectivas narrativas do texto, ao mesmo tempo
que busquem compreender a contribuição dessas narrativas
para as construções colonizadoras dentro do cânone e da
educação brasileira.
Os sermões, ou melhor, a prosa do Pe. Antonio Vieira é
rica em vocabulários, com estruturas sintáticas que vão desde a
mais simples a mais complexa, lapidando o discurso de
maneira graciosa e engenhosa (BRANDINO, online), pois “são
escritos de maneira imagética, lançando mãos de metáforas,
sinonímias, hipérboles, apóstrofes e jogos de linguagem”
(BRANDINO, online), características que tornam os textos de
Vieira objetos de estudo e análise nas literaturas do Ensino
Médio.
Assim, os elementos fundamentais, enfatizados nesta
obra, pregador, mensagem e ouvinte carregam uma gama de
pontos que criam conexões entre si, proporcionando a educação
a nível pessoal, social, religiosa e estrutural como ferramentas
basilares que ajudam a sacudir a realidade contrária. Desse

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41
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

modo, reconta-se um pequeno conto que dá clareza do que é a


educação em seu real sentido

Um conde tinha um único filho e nele projetava milhões de


planos. O jovem tinha dificuldade em aprender, mesmo passando
tempos com mestres diferentes, de diferentes lugares. O pai se
entristecia cada vez que o filho voltava sem ter aprendido nada.
Dentre os seus anos de estudos, o rapaz aprendeu a latir como os cães,
a dizer o que dizem os pássaros, a coaxar como os sapos.
Decepcionado e irado o pai o expulsou de casa, deu ordem para
matá-lo na floresta; não merecia viver. Os servos tiveram
compaixão dele e o deixaram partir. Na sua jornada, encontrou
uma cidade aterrorizada por cães selvagens que devoram as
pessoas, pedindo abrigo para o dono do castelo, conseguiu repouso no
lugar onde os cães permaneciam durante a noite. O jovem pediu
algo que pudesse dar aos cães. Ao amanhecer, os curiosos foram
ver o que tinha acontecido e o viram são e salvo. Ele desvendou o
feitiço que os cães possuíam e que eles guardam um precioso
tesouro debaixo da torre. Desenterrou o tesouro para poderem
gozar a paz, fazendo a cidade voltar a viver com tranquilidade.
Seguindo caminho, dirigiu-se para Roma, passando por um
pântano, ouviu os sapos coaxando. Uma tristeza o invadiu. Os
sapos diziam que ele seria eleito papa em breve. Em Roma,
procurava-se alguém para ocupar o lugar que estava vacante
devido a morte do papa. O escolhido deveria ter um sinal
milagroso, divino. Ao decidirem isto, o jovem entra na igreja. De
repente, pombas brancas esvoaçam ao redor dele, pousam em
seu ombro. Os cardeais viram como sinal de Deus, o elegeram
como papa. Ao ir cantar a missa sem saber nada, as pombas
sussurraram aos seus ouvidos tudo que ele devia fazer e dizer.
(GRÜN, pp. 61-64). (grifos nossos)

Cada pessoa traz consigo a razão de ser o que é. A


capacidade de ampliar os horizontes ou não, é decisão
individual. Nada que se possui é totalmente seu, pois tem que

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42
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

se colocar em função do outro. Assim, se dá o processo


educacional como escolha, decisão pessoal, desprendimento,
autonomia, desempenho, capacidade para algo significativo no
desenvolvimento da pessoa humana na sociedade.
Segundo Vieira (1655, Sexagésima X), a educação é
“caminho de conversão”, pois não há conversão sem este
morrer por uma causa transformadora. No âmbito educacional,
e buscando uma visão decolonial, essa “conversão” se dar ao
trabalhar a questão etnicorracial de tal forma para fazer com
que o aluno perceba a discriminação, a exclusão, a
inferiorização que é dada ao outro, ou por sua cor, ou gênero,
ou classe social. A partir do momento em que se senti a dor do
outro, se reflete e se tem novas concepções.
Assim, quando se propõem tais desconstruções dentro
das abordagens de ensino também se está colaborando para a
construção de uma sociedade justa, igualitária, na qual não
haveria discriminações e nem diferenças. O foco do olhar, pauta
no interesse ou nas inquietações provenientes deste processo
em que a educação faz emergir o novo. É o “sair dos sermões
descontentes de si, não pelos conceitos, mais pelo estilo de vida
que se seguem” (VIEIRA, 1655, Sexagésima X). Sem esta
metamorfose, a educação é infértil, faz ações repetitivas sem
saber o porquê e o para que, desnorteado sem dar razões da sua
existência.
O aluno, neste ensinamento, adquire a coerência do que
se é ou se tem a transmitir. O sermão revela a unicidade conexa
no que “há de ser de um só objeto, uma só cor, um só assunto e
uma só matéria” (VIEIRA, 1655, Sexagésima VI). Nisto, o
sistema de ensino deveria priorizar a garantia de um processo
de ensino aprendizagem na qual o aluno não necessitaria lutar

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43
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

por direitos, por uma educação igualitária e acessível. Contudo,


no currículo se deve abranger mais literaturas com visões
decoloniais, nas quais o semeador possa semear sem medo de
ser podado por ir contra um sistema opressor, bem como
também, deve-se continuar o estudo dos textos canônicos como
o de Pe. Antonio Vieira, mas entendendo que a
contemporaneidade exige que reflexões sejam feitas sobre esses
textos, sobre amplas perspectivas que possam abrir novos
caminhos e leituras para assim, oportunizar dentro da sala de
aula o desenvolvimento efetivo da criticidade.
Assim, no século XXI, o que se estar vendo e ouvindo
nos sermões da vida nesta sociedade em que prisma a
indiferença, a desigualdade de raça, cor, gênero? São
semeadores passivos ou ativos? Deixam-se ser provocados pela
semente que busca, em si, campo para germinar? Como
ouvinte, quanto à educação, o que se tem de base? Quais as
relevantes experiências de vida a se seguir?
São pertinentes as inquietações a cerca de um novo
cenário, a partir do mundo que se deseja, sustentado por pilares
que garantam uma boa qualidade de vida desde o nascer ao
morrer, com todos os direitos e deveres claros e sem aquele
jeitinho sombrio de que “se rouba o que é nosso”. O horizonte
não conhece limite e a vida não para, segue seu curso com
outros atores ou pregadores a “semear” com mais técnicas e
metodologias que alcancem o verdadeiro sentido de ser e fazer
para que a educação seja mais eficiente, na transformação do
verdadeiro desenvolvimento do homem em suas capacidades
de amar, falar, pensar, resolver, discutir, silenciar, agir,
preservando os conhecimentos e os instrumentos construídos
por ele ao longo da história.

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44
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Os procedimentos metodológicos constituem os


caminhos necessários para se alcançar efetivamente os objetivos
da pesquisa. Tendo isso em vista, a presente pesquisa possui
natureza aplicada, uma vez que os resultados obtidos terão
aplicação prática no contexto de estudo e visa apontar um
direcionamento para a resolução do problema de pesquisa. Para
isso, são apontadas propostas pedagógicas que incluem práticas
de ensino com literaturas tradicionais em uma perspectiva
decolonial.
Nesse sentido, o método de pesquisa utilizado é
histórico, uma vez que a pesquisa aqui desenvolvida reflete
sobre perspectivas historicamente construídas dentro do
trabalho com as literaturas tradicionais, propondo a partir
disso, uma leitura crítica dessas percepções históricas.

(...) Assim, o método histórico consiste em investigar


acontecimentos, processos e instituições do passado para
verificar a sua influência na sociedade de hoje, pois as
instituições alcançaram sua forma atual através de alterações de
suas partes componentes, ao longo do tempo, influenciadas
pelo contexto cultural particular de cada época. (LAKATOS;
MARCONI, 2003 p. 106)

Visto isso, o objetivo do estudo é explicativo ao procurar


entender os fatores que incidem sobre os estereótipos e demais
aspectos historicamente repercutidos dentro das literaturas
tradicionais, e consequentemente, no processo de ensino-
aprendizagem. Além disso, a abordagem de pesquisa será

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45
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

qualitativa no sentido de coletar os dados, apurando os fatores


que recaem sobre as narrativas literárias tradicionais.
Sendo assim, os procedimentos técnicos partirão da
pesquisa bibliográfica feita nas leituras teóricas sobre as
literaturas afro-brasileira, indígena, regionalista e colonial. Para
isso, cabe entender esse procedimento como uma técnica que
“(...) abrange toda bibliografia já tornada pública em relação ao
tema de estudo (LAKATOS; MARCONI, 2003 p.182)”, com o
intuito de realizar uma revisão dos pressupostos teóricos acerca
do assunto estudado, e com a finalidade de propor inovações
dentro desses estudos. Essa etapa se debruçará também nas
leituras sobre as tendências decoloniais, a fim de entender a
influência desse fenômeno sobre as leituras atualizadas das
literaturas tradicionais.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Nesta etapa, apresentam-se os resultados e discussões,


bem como as propostas pedagógicas para cada eixo abordado
no trabalho. Assim, as informações estão dispostas na mesma
ordem em que foram apresentados os referenciais teóricos.
No que se refere às temáticas ensino e literatura
indígena, percebe-se que há, ainda, muitas visões distorcidas
sobre os povos indígenas e a garantia de seus direitos,
conforme descreve a pesquisa realizada pelo Ibope e publicada
por Santilli (2000), na qual apresenta gráficos representativos
das opiniões públicas. No que diz respeito à questão “Os índios
devem ser educados de acordo com a nossa cultura”?, a
resposta dos 52% que concordam, acreditam que a educação
escolar deve ser igualitária já que é um direito constitucional e

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

uma necessidade, para que eles possam aprender e utilizar a


língua portuguesa. Santilli (2000, p. 77) afirma que há “uma
crescente demanda indígena por escolarização. Mesmo os mais
velhos e apegados às suas identidades culturais tradicionais (...)
cobram a implantação de escolas e a presença ou formação de
professores nas aldeais” (grifo nosso). Já em relação a segunda
questão, “Você acha que a educação dada aos índios deve
respeitar seus valores e sua cultura”?, os que concordam (93%),
acreditam que “mesmo quando educados segundo a nossa
cultura, os índios devem ter respeitados os seus valores e a sua
cultura” (SANTILLI, 2000, p. 78).
Nesse diálogo entre pesquisa, teorias e identidades
indígenas, há de se observar que a educação escolar é dever do
Estado, mas que deve resguardar as diversidades culturais do
povo brasileiro. Assim, o primeiro passo para participar do
processo decolonial é conhecer e ler autores e obras que
abordem essa visão. Em seguida, planejar aulas a partir dessas
leituras, começando com textos visuais, coloridos, pois estes
chamam mais a atenção de crianças e adolescentes. Vale a
indicação de livros para até o 3º ano do Ensino Fundamental,
pois possibilitam diversas interpretações, além de ser uma
forma do professor perceber até que ponto vai o conhecimento
dos alunos sobre os povos tradicionais. Na sequência, dialogar,
socializar, deixar o outro falar para expor suas visões e
construir novas concepções. Se possível, visitar lugares que
tragam essa ancestralidade, essas histórias de construção da
cidade e da população.

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

PROPOSTA PEDAGÓGICA: LITERATURA AFRO-


BRASILEIRA

Inicialmente, deve-se lembrar o papel da escola na


formação social do indivíduo, isso é entendimento na ciência
desde 1975 no estudo “Educação e Sociologia” de Durkheim. O
estudo conclui que é papel da escola a construção da cidadania
do aluno e a preparação para o mercado de trabalho. A escola
do hoje com práticas escolares do passado cumpre esse papel?
Partindo do fato que o modelo educacional universalista
utilizado no Brasil é uma proposta que entrou em declínio no
final do século XX, já foi repensada e alterada na prática escolar
de muitos países, porém inalterada no Brasil, não encontra-se
razão para entender esse modelo como algo que atenda a
demanda escolar (Verde, 2017).
Nessa mesma década de 70, estudos sobre o currículo e
linguagem, (YOUNG, 1971) e (BERNESTEIN, 1975), trouxeram
entendimento acerca do papel do currículo no processo de
construção identitária do aluno. Entender o currículo como
moderador das práticas ocorridas dentro da escola, práticas
essas que não são antirracistas, o que mostra que o sistema
educacional ao silenciar essas discussões no currículo escolar,
corrobora para a manutenção das relações de poder e
desigualdade social.
Entendido isso, agora serão apresentadas as duas
propostas pedagógicas que propõem discutir o ensino-
aprendizagem das relações étnico-raciais. Trata-se de uma
dissertação de mestrado2 e um artigo3, que trabalham diferentes

2 VERDE, Ana Paula dos Santos Reinaldo. Educação étnico-racial numa perspectiva de
inovação pedagógica: uma análise da contribuição do Projeto Quilombo para as práticas

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

experiências, porém com a mesma perspectiva. Cada um dos


estudos investiga realidades diferentes, tendo em vista que um
estudo é na região Sul do país e o outro na região Nordeste. A
dissertação de mestrado é da Universidade de Madeira (2017), e
apresenta a análise do contexto escolar com foco nas práticas
escolares de professores/as (especialmente os/as de formação
em Letras, História e Geografia) e alunos/as de uma escola
pública de ensino médio na capital do Maranhão, São Luís.
Já o artigo da Universidade Federal de Santa Catarina
(2018), por intermédio de um projeto de formação continuada
promovido em parceria com a Coordenadoria Regional de
Educação do Estado, professores/as de língua portuguesa da
capital do Estado de Santa Catarina – Florianópolis, apresenta
escritores afro-brasileiros e práticas dessas literaturas em sala
de aula.
O primeiro estudo aplica questionário com os
professores e alunos para que se trace um perfil dos
participantes da pesquisa, a maioria se auto identifica como
pardo. A maioria dos professores afirma já ter participado de
formação sobre diversidade étnico-racial. Grande parte dos
alunos ressalta já terem sido orientados quanto ao preconceito

pedagógicas vivenciada s no Centro de Ensino Liceu Maranhense no Município de São


Luís-Maranhão. 2017. Tese de Doutorado.
3 DOS SANTOS, Zâmbia Osório; MOREIRA, Maria Aparecida Rita; DEBUS, Eliane

Santana Dias. A Literatura Afro-Brasileira No Ensino Médio Ou Uma Fratura


Decolonial. Experiências Educativas Insurgentes. Anais eletrônicos do III Congresso
Ibero-Americano de Humanidades, Ciências e Educação, Criciúma, v. 3, n. 1. p. 63-74,
maio, 2018. Disponível em:
http://periodicos.unesc.net/congressoeducacao/article/download/4528/4140#page=64.
Acesso em 10 jul. 2020.

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

racial. Uma minoria dos alunos garante ter passado por alguma
situação de preconceito.
Essa escola, à época da pesquisa, realizou um projeto
denominado Projeto Quilombo: uma forma de Resistência. Para
a execução das atividades referentes ao projeto, inicialmente foi
realizado um encontro com entidades quilombolas na escola e,
na oportunidade, foram definidas algumas etapas de trabalho.
A primeira é uma roda de conversa entre alunos e
representantes do Quilombo Santa Rosa dos Pretos, a cerca de
120km da capital, na qual debatem sobre identidades
quilombolas dentre outras diversas questões.
Logo depois, os alunos foram encarregados de pesquisar
assuntos relacionados ao trabalho escravo, quilombo,
quilombos no Maranhão e sobre o quilombo Santa Rosa, para a
produção escrita de suas opiniões e reflexões. Em seguida, os
alunos tiveram que fazer inscrição em oficinas oferecidas pela
escola: Oficinas de dança afro maranhense, artes cênicas,
fotografia e filmagem.
É chegado o momento da pesquisa de campo, na qual os
alunos visitaram o quilombo, coletaram dados, fizeram
registros audiovisuais, preencheram diário de campo,
conversaram e aprenderam com os quilombolas.
Finalmente, para a socialização das experiências
individuais e coletivas vivenciadas no decorrer desse projeto,
houve uma exposição fotográfica.
O projeto obteve êxito à medida que se despertou os
alunos para enxergar o mundo com um novo olhar e esses
múltiplos olhares foram representados nas fotografias e nos
relatos individuais.

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

No segundo estudo, feito com os/as professores/as de


língua portuguesa da grande Florianópolis, primeiramente foi
aplicado um questionário com o objetivo de entender sua
perspectiva sobre a importância de se estudar literatura em sala
e como se dá esse trabalho e recepção dos alunos.
Em outro momento, fizeram a discussão do texto
“Literatura em Sala de Aula: da Teoria Literária à Prática
Escolar” de Ivanda Martins Silva (2006), dividindo opiniões
entre os/as professores/as, sobretudo fomentando debates de
suma importância sobre o engessado ensino de literatura do
modo tradicional, além de se observar que o estudo de
literatura se volta apenas aos estudos dos gêneros literários e
numa perspectiva acrítica, o que leva ao distanciamento do
aluno com relação a completude do texto e a possibilidade de
fazer novas leituras da sociedade. (CYANA LEAHY-DIOS,
2004, s.p.: apud DOS SANTOS 2018, p.66).
Logo depois, houve a análise de obras de dois autores
afro-brasileiros, o conto "Escrava" da maranhense Maria
Firmina dos Reis, primeira mulher brasileira com romance
reconhecido e dois poemas de Luiz Gonzaga Pinto da Gama, ou
apenas Luiz Gama, “Minha mãe” e “Que mundo é esse”.
Finalmente, os professores, de forma coletiva, realizaram um
planejamento em grupo, onde houve o compartilhamento de
sugestões de metodologias para se trabalharem tais textos em
sala.
Dentre os resultados obtidos nesse estudo, destaca-se
que tanto os alunos como os professores se despertaram aos
estereótipos sociais impostos sobre os negros. Os professores
entenderam a necessidade da inserção de mais literatura afro-
brasileira aos conteúdos para que se estimule o debate sobre o

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

racismo e, consequentemente, que se reflita melhor sobre a


naturalização do racismo na sociedade. O que oportunizou
tanto nesse trabalho quanto no anterior, uma nova forma de
enxergar a sociedade.

PROPOSTA PEDAGÓGICA: LITERATURA REGIONAL

Para que leituras críticas e reflexões sejam efetivamente


construídas dentro de um processo de ensino aprendizagem,
metodologias precisam ser pensadas e articuladas pelos
professores. Nesse sentido, o trabalho com literatura regional
requer a produção de métodos para aplicação dessa literatura
com o objetivo de valorizar a produção regional frente as
perspectivas abordadas.
Desse modo, entende-se que a Literatura Regional se
torna um campo de estudo rico, uma vez que transpõe
elementos narrativos que podem ser lidos de diferentes
maneiras, a depender da recepção da obra pelo leitor, para isso
é necessário que haja “[...] reconhecimento e a incorporação da
dimensão de recepção e efeito da literatura, somente através do
que se dará conta do caráter estético e do papel social da obra
de arte, pois ambos se concretizam na relação obra/leitor. [...]”
(SILVA, 2014, p. 2). Sendo assim, existe uma relação de
reciprocidade entre a obra e o leitor, para a obra o exercício de
análise feita a partir das conexões históricas e contextuais é
enriquecedor, para o leitor essas leituras são importantes do
ponto de vista intelectual.
Ao considerar o contexto exposto, compreende-se que a
teoria da estética da recepção reconstrói a leitura a partir das
experiências pessoais do leitor que vão influenciar no processo

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

de atualização da literatura. Nesse sentido, valoriza a figura do


leitor como agente ativo e também produtor do conhecimento
na análise do texto literário (ZAPPONE, s/d, p. 155). Sendo
assim, a teoria da estética da recepção busca enfoque nos efeitos
que os textos de literatura geram no leitor, pensando o texto
como uma produção que possui aspectos que irão reverberar de
diferentes formas em cada leitor, dependendo de como esse
leitor processa essas informações.
O teórico Jauss (1994), principal estudioso da teoria da
estética da recepção, estabeleceu níveis de recepção do leitor
com o texto. As primeiras impressões com a produção literária
são situadas como o horizonte de expectativa. Levando em
consideração a compreensão desse horizonte de expectativa,
Jauss (1994) elaborou o conceito de distância estética, que seria
uma acomodação do leitor com a obra em que as referências
estéticas e históricas permaneceriam as mesmas, as convenções
narrativas e os comportamentos das personagens, os ambientes
criados, por exemplo, seriam de acordo com o que os leitor
espera daquela obra.
Em contrapartida, o teórico avaliou também que o maior
distanciamento do leitor com o comportamento das narrativas e
os elementos estéticos adotados na obra, provocam um
desconforto, ou a quebra do horizonte de expectativa,
suscitando em um esforço na análise do texto.
Segundo Jauss (1994), essa ruptura no horizonte de
expectativa levanta questionamentos acerca dos valores
referenciais preservados pelo próprio leitor e também incentiva
o confronto com a estética/narrativa abordada no texto. A
problematização estimulada pelo conflito da quebra de

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

expectativa tem por objetivo a ampliação do horizonte de


expectativa do leitor.
A teoria da recepção elaborada por Jauss (1994) é
estudada por outros teóricos modernos, e busca ainda, entender
o perfil do leitor que passa por todo o processo de compreensão
do texto. Essa teoria traduz o leitor como um sujeito com uma
leitura prévia do mundo, ou seja, com experiências que
corroborariam para a aplicação da teoria da estética da
recepção. Considerando esses aspectos, a aplicação da teoria da
recepção ao estudo da literatura regional, possibilitaria leituras
outras sobre problemáticas constituidoras das estruturas sociais
vigentes, sendo a partir disso possível implicar os aspectos
decoloniais mediante leituras atualizadas de narrativas
literárias do gênero.

PROPOSTA: LITERATURA COLONIAL

O Sermão da Sexagésima dá margem a várias reflexões


no âmbito da Educação colonial concebido como denúncia do
sistema que não se enquadra mais no contexto de opressão,
desigualdade, indiferença e que busca ser campo de inovação,
onde o nativo poderia encontrar, na civilização, a educação
pautada na busca da verdade que está dentro dele e, a partir
dela, aprimorar o homem a ser mais humano, a desenvolver
suas capacidades inatas como verdadeira semente a cair em
terra boa, germinar e frutificar cem por um (Lc 8, 11-15) .
Assim, o que se vive, na contemporaneidade, ainda, são
processos coloniais enraizados que invisibiliza o outro, o
diferente, ao mesmo tempo em que discrimina, inferioriza ou
mata. Mas uma das saídas para a ignorância humana, segundo

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

Freire (2003) é que “a compreensão do texto a ser alcançada por


leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o
contexto”. Ato que se dá na praticidade do cotidiano em que
acontece a transformação da pessoa e essa interage no mundo
sendo uma pequena ação que faz a diferença. Menciona-se,
aqui, o Centro Educativo Rosaziano Madre Raffaella Gallo, em
Caxias – Maranhão, que vem desenvolvendo atividades com
crianças de 03(três) a 06(seis) anos, sendo um espaço no qual os
mais desfavorecidos encontram as sementes (valores) que ao
fim vão germinar com amor, na dignidade, no respeito a vida,
aos outros e ao mundo, sem tirá-las da sua realidade infantil.
O Centro proporciona meios com atividades lúdicas e de
expressões artísticas, enfocando as temáticas da vida da criança,
da família, da sociedade, como também visita as famílias dos
mesmos, pois acredita que neste terreno fértil desabrochar-se-á
o melhor: a aprendizagem, o conhecimento da criança em todas
as suas dimensões, trabalhando o sentido da coletividade, da
colaboração, respeitando o que cada criança é e traz consigo as
suas impressões, suas realidades. Neste sentido se observa que
a educação tem que ser vista a partir de suas raízes e de seu
contexto vital.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em suma, a reflexão trazida nesse estudo enseja a


necessidade de entender a educação como algo mutável e que
se adequa as transformações do mundo, pois no Brasil a
educação é encarada como algo estático no tempo. Repensar o
ensino de literaturas é fazê-lo em uma perspectiva decolonial.

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55
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

Nesse contexto, em que se busca conhecer a cultura, a


tradição e a literatura dos povos indígenas, tanto por meio das
narrativas já publicadas, bem como nos saraus, lives,
conferências que acontecem nas mídias sociais de comunicação,
são dados os primeiros passos para adentrar nessa perspectiva
de uma educação decolonial. Assim, baseado no ouvir o outro
(o indígena), no conhecer a história do Brasil a partir de sua
visão, se deixar refletir e sentir sobre a dor que sofreu (e
continua a sofrer), é participar do processo de decolonização,
começando dentro de si mesmo e partindo para a prática dentro
do ambiente escolar, familiar e social.
Por intermédio das propostas que foram apresentadas
nesse estudo, em relação à literatura afro-brasileira, as quais
utilizam o ensino de literatura em uma perspectiva decolonial,
entendendo primeiramente que esse processo de desconstrução
de uma mentalidade colonizada tem que ser trabalhada na
mente do professor para que então ele possa executar com
propriedade esse ensino. Compreendendo também que como se
mostrou nas propostas aqui relatadas, o estudo da história e
cultura afro-brasileira pela literatura possibilita uma releitura
da sociedade brasileira no que concerne à presença do racismo
dentro e fora da escola.
Assim, dentro de uma perspectiva decolonial, a
literatura regional contempla narrativas historicamente
ignoradas. São retratos narrativos de interiores brasileiros que
sobreviveram a movimentos de homogeneização que buscavam
eliminar todo e qualquer resquício de produção cultural dentro
das comunidades regionais. Essa literatura traz, por meio da
narrativa, reflexões sobre as vivências e experiencias dessas
comunidades e traduzem um sentimento de resistência frente

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56
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

aos conflitos que os processos de modernização e


industrialização provocaram. Nesse sentido, a literatura
regional é um recurso de extrema relevância dentro do contexto
educacional, uma vez que possibilita a tomada de consciência
histórica e social do aluno em um processo de desenvolvimento
crítico e valorização das literaturas regionais.
Tendo isso em vista, a contemporaneidade exige
posturas novas frente a objetos de estudos já consagrados
dentro do âmbito educacional. Por isso, cabe entende que textos
como os do Padre Antonio Vieira devem ser trabalhados dentro
da sala de aula por uma perspectiva decolonial, no sentido de
propor novas leituras sobre esses textos em que se aborde e se
desenvolva a criticidade como ferramentas para entender como
as construções sociais, a que o aluno está inserido, se
consolidaram. Assim, a leitura decolonial desses textos devem
ser priorizadas nos estudos sobre literatura brasileira, tendo em
vista as limitações que já são impostas pelas estruturas dos
materiais didáticos que trazem esses textos.
Sendo assim, este estudo propôs caminhos
metodológicos para abordar as literaturas indígenas, afro-
brasileiras, regionais e coloniais, dentro do ensino de literatura
brasileira. Para isso, este estudo teceu reflexões sobre essas
literaturas em uma perspectiva decolonial, e apontou caminhos
para a abordagem das mesmas no processo de ensino
aprendizagem.

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

EDUCAÇÃO AMBIENTAL E DIVERSIDADE


CULTURAL: EXPERIÊNCIAS NO CENTRO DE
ESTUDOS DE PERCEPÇÃO E EDUCAÇÃO
AMBIENTAL – CENPEA, UNESP (SP, BRASIL)

Luciene Risso

INTRODUÇÃO

Os povos indígenas sofreram com a invasão dos


portugueses em seus territórios, a partir de 1500. Suas ações
colonialistas levaram ao genocídio e etnocídio de várias
comunidades. A violência contra esses povos continuou com o
tempo e, infelizmente, até os dias atuais sofrem com a invasão
de seus territórios em busca de recursos naturais e avanço do
agronegócio. Em 1910, criou-se a SPI (Serviço de Proteção
Indígena) com o intuito de proteção e integração. Isso
aconteceu, principalmente, após a pressão internacional contra
a morte de várias pessoas de diferentes etnias, em detrimento
do avanço agrícola rumo ao interior brasileiro (ISA, 2018).
Tutelados pelo Estado, sua reserva não era livre, eram
considerados incapazes politicamente e estavam à merce dos
mandos do Serviço Indigenista, alvo de denúncias no início da
década de 1960. Em meio à crise, já no período da ditadura
militar (1964), extinguiu-se a SPI e criou-se a FUNAI em 1967.
Durante o período militar foi marcante a perspectiva
assimilacionista (ISA, 2018) e houve diversos tipos de violência
contra os povos indígenas.

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63
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

Somente após a Constituição Federal de 1988, devido ao


movimento social dos indígenas e de outras organizações, foi
reconhecido o direito à diferença e o direito ao usufruto
exclusivo, definidos a partir de seus usos, costumes e tradições
(Art.231), por meio do processo de identificação e demarcação
do território, realizado por equipe multidisciplinar da FUNAI.
Desde 1991, a principal atribuição da FUNAI foi realizar esse
processo de regularização fundiária. No entanto, em 2019,
houve diversos ataques no sentido de enfraquecer a FUNAI,
ferindo os direitos humanos dos povos indígenas e trazendo
medo, violência e condição de vulnerabilidade social. Várias
lideranças estão morrendo por defenderem seus territórios
contra madeireiros e mineradores. Infelizmente, a visão dos
povos indígenas, pela maior parte da sociedade brasileira é
distorcida e preconceituosa.
Nesse sentido, sabendo da riqueza cultural de nosso
país (305 etnias), esse projeto oferece a difusão de
conhecimentos da cultura e da história indígena, por meio da
colaboração da comunidade indígena Terena e guarani da
aldeia Tereguá da terra indígena Araribá (SP, Brasil), bem como
pela exposição, apresentação e produção de bens culturais. A
metodologia foi baseada em revisão teórica e pesquisa
participativa, baseada na pesquisa-ação voltada à extensão de
Thiollent (2006).
Essa aldeia indígena é a mais próxima da cidade de
Ourinhos, que dista 1h30 minutos, onde está localizada a
UNESP (curso de Geografia) é uma comunidade parceira de
projetos desde 2018. Dessa forma, a universidade tem a missão
de fazer a “ponte” entre comunidade indígena protagonista e a
comunidade escolar.

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64
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

A sala CENPEA (Figura 1) tem pesquisas e ações


extensionistas/educativas relativas aos temas de florestas,
povos indígenas e paisagens. No tema POVOS INDÍGENAS:
história, cultura, resistências e territorialidades têm como
missão mostrar a diversidade cultural de nosso país
apresentando a cultura holística dos povos indígenas, suas
formas únicas de se relacionarem com a natureza, as
resistências e territorialidades por meio de fotografias,
divulgação de pesquisas realizadas com o povo terena e
guarani da Terra Indígena Araribá, vídeos e documentários.

Figura 1. Sala CENPEA (UNESP)

Fonte: foto de Autor.

O projeto foi iniciado em 2018, com a comunidade


indígena e o atendimento na UNESP com escolas em 2019.

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65
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

Dentre as atividades e experiências do CENPEA, apresentamos


os resultados da dança tradicional da cultura terena para os
escolares, realizada em Outubro de 2019, proporcionando
vivências interculturais.
O projeto está condizente com o objetivo 4 sobre
Educação de qualidade e 11 de Desenvolvimento Sustentável
da ONU, o qual visa “tornar as cidades e os assentamentos
humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis”. O
reconhecimento dos valores e cosmovisões indígenas visa
combater o racismo e preconceitos sociais atuais, colaborando
na produção de novas visões e epistemologias. Além disso,
torna-se urgente o apoio das Universidades aos povos
indígenas.

DIVERSIDADE CULTURAL E EDUCAÇÃO AMBIENTAL


DESCOLONIAL

A diversidade cultural está relacionada com a cultura de


modo amplo, “um sistema simbólico” (Geertz, 1973), no qual,
cada sociedade atribui significados e sentidos ao mundo. É o
que caracteriza as sociedades, no que se refere a sua forma de
ser, pensar e viver, ou seja, as identidades, laços territoriais,
cosmovisão, suas tradições culturais, costumes, crenças etc.
Enfim, tudo que envolve a cultura material e imaterial.
O conceito de diversidade cultural passou a ser
trabalhado na esfera geopolítica nas convenções da UNESCO, é
considerada como a “pluralidade das identidades dos grupos e
das sociedades que formam a Humanidade” (artigo 1
UNESCO, 2001) viabilizando a criação de um instrumento
jurídico internacional. Já na Conferência Geral da Organização

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura, em


Paris (UNESCO, 2005), a diversidade cultural se refere “à
multiplicidade de formas pelas quais as culturas dos grupos e
sociedades encontram sua expressão”.
De acordo com François Bernard (2005), a diversidade
cultural é diversa, cultural (pois resulta das trocas sociais a
partir de suas fronteiras e conflitos), dinâmica (pois a cultura
não é estática), uma questão, mas principalmente uma resposta,
uma busca, um projeto.
O Brasil possui uma grande diversidade cultural com
povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, caiçaras entre
outros. No caso dos povos indígenas, são 305 etnias, com 890
pessoas (IBGE, 2010) e 274 línguas distribuídas em 724 terras
indígenas, só a Amazônia legal representa 58,56% desse total
(ISA, 2020b, Figura 2). Cada uma dessas etnias possuem
tradições próprias e culturas particulares.

Figura 2. Mapa das terras indígenas no Brasil (2016).

Fonte: Instituto sócio ambiental (ISA).

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

A Constituição de 1988 reconheceu a importância de


assegurar a diversidade cultural no Brasil e reconheceu o
direito à diferença (Constituição Federal de 1988, art. 231), além
de outras convenções e declarações sobre os povos indígenas,
como, por exemplo, a Declaração das Nações Unidas sobre os
direitos dos povos indígenas (2007), ao qual assegura que os
povos indígenas têm o direito de serem diferentes e respeitados
como tais, contribuindo para a diversidade cultural e o
patrimônio cultural da humanidade.
Na esfera do ensino, a Lei nº 11.645/2008 estabeleceu a
inclusão, no currículo oficial da rede de ensino, à
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira
e Indígena”, um importante avanço para a história brasileira,
com a promoção do conhecimento da formação da população
brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, valorizando a
diversidade cultural do país e suas contribuições.
Mesmo assim, os povos indígenas brasileiros sofrem
com o racismo estrutural no Brasil, com a manutenção de ideias
preconceituosas e equivocadas, além da pressão de grupos
econômicos e políticos, ligados com o agronegócio e mineração
em suas terras. O confronto do branco com o outro, e no nosso
caso, com o indígena, é na maior parte das vezes, de
desvalorização e inferiorização. Infelizmente, como colabora
Yang (2014, p. 137 apud Moniz, 2019, p.91), a alta diversidade
cultural “não leva necessariamente ao pluralismo”, porque esse
último, considerado como “um sistema de valores, instituições
ou processos, aceita a diversidade como um valor positivo”, e
no caso brasileiro, há muitas dificuldades em aceitar e respeitar
essa diversidade cultural.

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68
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

Essa dificuldade deve-se, primordialmente, às marcas


do colonialismo europeu que provocou o genocídio, junto à
ciência moderna pelo epistemicídio violento nos povos que
viviam na América, África e Oceania (Santos, 2019, p.28).
Aníbal Quijano (1991) usou o termo colonialidade para
falar da continuidade do colonialismo na América Latina, pois
o fim do colonialismo (político e econômico), não significou o
fim das ideias, das relações sociais, dos padrões de poder etc.
Assim, até hoje, por exemplo, os indígenas e os
afrodescendentes são vítimas de racismo e variadas formas de
violência.
Para Walter Mignolo (2017, p.6) é preciso ter um projeto
de país descolonial, ou seja, “nada menos que um inexorável
esforço analítico para entender, com o intuito de superar, a
lógica da colonialidade por trás da retórica da modernidade
(...)”.
Boaventura de Souza Santos (2019, p.17) integrado no
pensamento descolonizador, insere a proposta da
epistemologia do Sul, cujo objetivo é “permitir que os grupos
sociais oprimidos representem o mundo como seu e nos seus
próprios termos, pois apenas desse modo serão capazes de o
transformar com as suas próprias aspirações”. O Sul geográfico
se sobrepõe parcialmente ao Sul epistemológico, as ideias do
Norte estão no Sul, como as ideias do Sul estão no Norte
geográfico também, “em muitas lutas contra o capitalismo, o
colonialismo e o patriarcado” (Santos, 2019, p.18).
Inclusive, vale ressaltar que o próprio movimento
indígena é descolonial e vem divulgando o protagonismo
indígena com relação a novas epistemologias. Temos vários
autores indígenas em destaque, atualmente, como Ailton

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

Krenak, Kaka Werá Jecupé, Juvenal Teodoro Payayá, Daniel


Munduruku, Carlos José Ferreira dos Santos (Casé Angatu),
Aline Rochedo Pachamama, entre outros.
Com essas diretrizes epistemológicas, a educação
ambiental (EA) pode incluir discussões sobre interculturalidade
e propostas descoloniais, baseada nas epistemologias do Sul, já
que visa a transformação social. Nesse caminho, apresentam-se
dois autores brasileiros da educação ambiental crítica e
transformadora. Para Guimarães (2004, p. 46-47), a EA deve ser
um movimento contra hegemônico:

[…] crítica ao paradigma cientificista-mecanicista que informa a


sociedade moderna urbano-industrial; crítica ao seu modelo de
desenvolvimento, ao seu modo de produção, com suas
múltiplas determinações da realidade social, que se concretiza
na proposta de uma modernização que é conservadora (...) e
que promove, ainda, de acordo com sua racionalidade, o
direcionamento para uma compreensão única de mundo.

Para Reigota (2004, p.10) “(...) a educação ambiental


deve ser entendida como educação política, no sentido de que
ela reivindica e prepara os cidadãos para exigir justiça social,
cidadania nacional e planetária, autogestão e ética nas relações
sociais e com a natureza”.
Por educação ambiental, entendemos uma educação
voltada à transformação social e ambiental, à construção da
cidadania, “como um conjunto de práticas educativas e
criativas” (RISSO, 2013, p.15) em direção a projetos das
epistemologias do Sul. Pensando assim, esse estudo entende os
saberes e tradições indígenas como uma validação de um
conhecimento que ficou invisibilizado durante muito tempo,

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70
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

baseado nas experiências de resistências causadas pelas lutas


das diferentes formas do colonialismo e do capitalismo e que,
hoje, precisa estar presente nas escolas e em diferentes lugares.
A educação ambiental para a diversidade cultural/e
interculturalidade é uma agenda prioritária, entendendo o
outro na diferença, respeitando a alteridade, pois mesmo no
processo de estranhamento, podemos aprender e respeitar o
outro, porque a identidade e alteridade “estão ligadas em uma
relação dialética. A identificação acompanha a diferenciação”
(Cuche, 1999, p.183).
A interculturalidade acontece quando “os diferentes se
encontram em um mesmo mundo e devem conviver em
relações de negociação, conflito e empréstimos recíprocos”
(Canclini, 2009). Assim, uma educação ambiental pode incluir
também uma educação intercultural, como fala Candau (2014):

[…] parte da afirmação da diferença como riqueza. Promove


processos sistemáticos de diálogo entre diversos sujeitos –
individuais e coletivos –, saberes e práticas na perspectiva da
afirmação da justiça – social, econômica, cognitiva e cultural –,
assim como da construção de relações igualitárias entre grupos
socioculturais e da democratização da sociedade, através de
políticas que articulam direitos da igualdade e da diferença
(CANDAU, 2014, p. 1).

A educação ambiental descolonial e intercultural aqui


pretendida proporciona aos estudantes e visitantes do
CENPEA, um olhar diferenciado para as culturas indígenas.
Claro que para mudar o racismo e o preconceito necessitaria do
envolvimento de toda a sociedade, mas em nosso nicho,
procuramos incentivar e sensibilizar sobre a importância da

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71
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

diversidade cultural, o respeito à alteridade. Sobre isso,


Canclini (2007) corrobora que os indígenas são os povos mais
preparados para o diálogo intercultural, por transitarem entre
saberes tradicionais e modernos, em lidar com economias de
mercado e manter valores próprios da economia da
reciprocidade, entre outras possibilidades.
E mais do que isso, a educação ambiental pode lutar por
novos saberes emancipatórios e reconhecimento da diversidade
epistemológica revelada por outros povos, antes invisibilizados.
Como diz Boaventura Santos (2019, p.19) “As epistemologias
do Sul invocam necessariamente ontologias outras (revelando
modos de ser diferentes, os dos povos oprimidos e silenciados,
povos que têm sido radicalmente excluídos dos modos
dominantes de ser e de conhecer)”.

METODOLOGIA

A comunidade indígena é parceira do projeto e


protagonista, porque é ela quem produz os bens culturais para
serem expostos, posteriormente na sala CENPEA, e em
sequência, o grupo de pesquisa e extensão da graduação em
Geografia, receberá estudantes, apresentando a importância de
conhecer nossa diversidade cultural.
A sala CENPEA desenvolve projetos de pesquisa e
extensão nos temas socioambientais, como florestas, povos
indígenas e paisagens. Temos materiais educativos como
fotografias dessa comunidade, mapas das terras indígenas do
Brasil e do Estado de São Paulo, videodocumentários e
desenhos dos jovens indígenas (realizado por meio de oficina
em 2019). O projeto iniciou-se em 2018 com a comunidade

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72
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

indígena, porém o atendimento com escolas só aconteceu em


outubro de 2019. Além disso, realizamos visitas educativas na
aldeia com os graduandos do curso de Geografia da UNESP em
2018 e 2019; organizamos palestras e apresentação cultural de
dança para escolares da cidade de Ourinhos durante evento na
UNESP.
A escolha da aldeia Tereguá deve-se a boa parceria feita
com eles em 2018 e também pela menor distância espacial da
cidade de Ourinhos, onde se localiza o campus da UNESP. Em
2019, cerca de 70 pessoas participaram de atividades
promovidas pelo CENPEA, sendo que 25 visitaram a sala e 45
alunos do ensino fundamental vieram assistir a apresentação
cultural (dança) da aldeia Tereguá.
A metodologia foi baseada em revisão teórica (educação
ambiental, diversidade cultural, interculturalidade,
descolonialidade, epistemologias do Sul) e pesquisa ação
voltada à extensão de Thiollent (2006), ou seja:

Tanto os projetos de pesquisa como os de extensão são vistos


como construção social de conhecimento, com a participação de
atores diferenciados. Voltados para a realização de objetivos
concretos, tais projetos podem ser estruturados como projetos
de pesquisa-ação. Nessa linha, a metodologia e as ferramentas
de trabalho em uso possuem dimensões participativa, crítica e
reflexiva, contribuído para fortalecer o propósito emancipatório
dos projetos universitários (Thiollent, 2006, p.1).

Baseado em Thiollent (2006) a metodologia específica da


ação educativa foi organizada do seguinte modo:

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73
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

1) Fase inicial: Os projetos tanto de pesquisa como os de


extensão são participativos, realizamos constantes reuniões na
aldeia, já que desde 2018 temos projetos conjuntos. Na reunião
sobre a participação no evento da Geografia da UNESP,
perguntamos para a liderança e diretor da escola, Jehei Pio, se
poderiam participar do evento na UNESP e ele gostou da ideia
e passou aos estudantes indígenas.

2) Planejamento e ação: Os indígenas planejaram a


atividade da dança, enquanto nós da Universidade planejamos
a parte logística e de apoio, como transporte de ida e volta para
a aldeia e alimentação, a sala Cenpea ficou à disposição para se
trocarem e descansarem. Uma observação aqui vale a pena:
quando viram suas fotos na parede da sala, reconheceram-se e
reconheceram os amigos e estavam felizes. O grupo da
universidade também ficou responsável em enviar os convites
às escolas e graduandos.

3) A ação educativa: A apresentação da dança dos


indígenas da aldeia Tereguá na UNESP foi realizada em
outubro de 2019. A ação foi relatada nos resultados por meio da
observação participativa.

4) Avaliação: A pergunta principal da avaliação foi


responder como foi o envolvimento dos alunos que assistiram á
dança indígena? A ação instigou a discussão da diversidade
cultural nas escolas? Essa avaliação foi feita de modo simples,
perguntando para os professores da escola por e-mail e
observação participativa.

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74
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

A seguir, apresentamos o resultado da dança dos


terenas do Kohixoti-Kipaé (dança da ema) ou dança do bate
pau, para o público de escolares.

RESULTADOS

O grupo de dança da comunidade indígena da aldeia


Tereguá foi convidado para participar do evento cultural na
UNESP, Ourinhos, no qual, os jovens apresentaram suas danças
a escolares e as lideranças palestraram para os graduandos do
curso de Geografia, sobre suas lutas atuais. As mulheres
também se apresentariam, no entanto, não tinham número
suficiente, mas vieram com suas roupas típicas.
Quando o tambor tocou e a dança começou, os olhos dos
estudantes estavam atentos e curiosos. O público nesse caso,
não deve ser considerado inexpressivo, passivo, mas sim, um
espectador “que considera o indivíduo como ser único e
singular, com suas vivências e experiências também únicas e
singulares” (Gasparini, Katz, 2013, p.61). Isso significa que
sempre ocorre a comunicação em qualquer espetáculo de
dança. O corpo e a mente dos espectadores entrando em
contato com outros que estão no palco, por via perceptiva e
cognitiva, provocam e geram novos conhecimentos e
experiências.
O interessante é que houve um momento na dança em
que vários estudantes foram convidados e se levantaram para
participar, o que gerou muita interação. Se esses processos entre
espectadores e a dança foram dinâmicos, no caso em que os
espectadores foram convidados a participarem da arte, eles
estabeleceram outras formas de interação com a dança (Figura

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

3). Tudo mudou. As crianças (meninos), que estavam na roda,


se divertiam com a prática e para quem estava assistindo houve
maior curiosidade pela dança e pelos gestos dos colegas.
Portanto, para os que estavam na dança, passaram por uma
vivência corporal cultural, que provavelmente será guardada
na memória.

Figura 3. A dança da Ema (Kohixoti-Kipaé) apresentada pelos jovens


da aldeia Tereguá na UNESP (Ourinhos), 2019.

Fotos de Luciene C Risso. A foto da direita mostra a interação dos


escolares na dança indígena.

Para Duvidovich; Ostetto (2016,p.12127) “Dançar a


cultura de outros povos permite que a interculturalidade seja
praticada na sua forma fundamental, sendo uma maneira
radical de se experienciar o multiculturalismo”. Essa interação
“seja com suas próprias experiências, seja refletindo, seja
conversando com outras pessoas. E como a relação entre obra e
público é viva, ela segue se desenvolvendo” (Gasparini, Katz,
2013, p.64).
Terminada a dança, abriu-se para a plateia fazer as
perguntas, sendo algumas: “qual o significado da dança?” “As
meninas não vão dançar?”. Essa última, foi feita por uma aluna

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

que queria muito ver a dança das mulheres. Daí elas explicaram
que não havia número suficiente, e, assim, as alunas ficaram
frustradas.
Quanto à avaliação da vivência, os professores
retornaram, após a visita na UNESP, e discutiram a temática
indígena com seus alunos, de forma geral muitos disseram que
tiveram contato com a cultura indígena pela primeira vez e que
gostaram muito da dança. Esse contato reforça pesquisas de
Funari e Piñon (2016) ao dizer que 73% dos alunos nunca viram
um índio pessoalmente e, assim, parecem invisíveis ainda. Os
professores disseram que os alunos fizeram muitas perguntas
nas aulas, aumentando o interesse pelo tema e discutindo
questões como diversidade e preconceito.
Mais do que informação, faltam, sobretudo, políticas
públicas de valorização cultural, bem como locais de fala,
inclusive nas Universidades, para dar visibilidade a outros
tipos de conhecimento das epistemologias do Sul.

CONCLUSÃO

Por tanto tempo, os povos indígenas do Brasil sofreram


com o genocídio e o epistemicídio, ficando na invisibilidade.
Agora precisam mostrar sua cultura, suas lutas e resistências
contra o passado e o presente de opressão e violência. O
movimento indígena encontra-se aberto ao diálogo intercultural
justamente para lutar contra o preconceito e os estereótipos que
os afetam.
As revisões teóricas foram fundamentais na luta contra a
colonialidade/modernidade, mostrando a importância da
educação ambiental no debate da diversidade cultural e o

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

respeito à alteridade. A educação ambiental necessita ser


também descolonizada, para não servir aos interesses
hegemônicos.
A ação educativa via arte da dança indígena teve forte
potencial de vivências interculturais e deve ser mais explorada,
pois ela possibilitou o encontro com outro. A dança entre
indígenas e escolares fez a diferença e talvez seja uma semente
para a diminuição de preconceitos. Ela é resistência e foi um
convite ao descobrimento de uma nova cultura, às vivências
com o corpo de outra forma.
Por fim, espera-se ter contribuído com a ciência diversa,
não universal, descolonial, trazendo e valorizando os saberes
dos povos indígenas e a interculturalidade.

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

ENTRE O ENSINO MÉDIO E A


UNIVERSIDADE: A CONSTRUÇÃO DA
IDENTIDADE DE ESTUDANTES NEGROS EM UMA
ESCOLA DE GRAJAÚ-MA

Cynthia Helena Chaves Oliveira


Ramon Luis de Santana Alcântara

INTRODUÇÃO

Este artigo é resultado do projeto de pesquisa “Entre o


Ensino Médio e a Universidade: política de cotas raciais e
discursos de autoafirmação de estudantes negros” realizado no
período de agosto de 2017 a julho de 2018. O referente projeto
de pesquisa tem por objetivo geral analisar os discursos de
estudantes negros do terceiro ano do ensino médio de escolas
públicas em Grajaú-MA acerca da política de cotas raciais na
Universidade Federal do Maranhão – UFMA, visando a
construção de conhecimentos que pautem a política de cotas
raciais como uma conquista da luta pela igualdade racial.
Todavia, neste trabalho, nos atentaremos na construção da
identidade de jovens estudantes negros e sua relação no
ingresso ao ensino superior.
A pesquisa acontece na cidade de Grajaú, localizada na
região centro-sul maranhense. O local, apesar de ser um lugar
acolhedor, chama atenção para o conservadorismo e o
preconceito racial que ainda se manifesta de maneira intrínseca,
para não dizer devastadora. Tudo que lhes foge aos padrões
eurocêntricos são colocados à margem da sociedade grajauense,

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83
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

isto é, negros, indígenas, LGBTQI+4, entre “outros”5, são


direcionados ao âmbito da invisibilidade social (SANTOS, 2010).
É diante de uma realidade social cruel, que o projeto de
pesquisa se tornou um desafio para os pesquisadores, uma vez
que a temática não é de interesse das comunidades escolares do
município.
Dessa forma, uma intervenção pedagógica fez-se
necessária nas escolas. Ora, uma cidade em que se tem uma
discriminação racial intensa, obviamente, uma política como a
de cotas raciais para o ingresso em universidades não será bem-
vinda, sob o risco de desprezar toda uma luta que o Movimento
Negro teve para conseguir esse benefício, visto que, na UFMA
(Campus Grajaú), as vagas não estavam sendo preenchidas,
mesmo realizando várias chamadas pelo SISU. Portanto, o
projeto de pesquisa “Entre o Ensino Médio e a Universidade:
política de cotas raciais e discursos de autoafirmação de
estudantes negros” foi de suma importância na tentativa de
alcançar uma justiça social em Grajaú.
Compreendemos que a história dos negros no Brasil é
marcada pela discriminação e exclusão, e até hoje se encontram
na base da pirâmide social, isto é, desprovidos dos bens
produzidos pela sociedade, sobretudo o acesso ao Ensino
Superior. Dessa forma, os padrões estéticos eurocêntricos
impostos à sociedade e à escola colonizada, têm colaborado
significativamente para a ausência da história da cultura

4 (Lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros, queer, intersexuais,


etc.).
5 Utilizei a palavra “outros”, entre aspas, em concordância com Boaventura de Sousa

Santos (2010) no qual usa esta terminologia enquanto sinônimo para invisíveis.

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84
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

africana em sala de aula, afetando diretamente no processo de


construção da identidade étnico-racial.
Assim, as relações de poder que foram estabelecidas
historicamente no Brasil, reservaram para o negro uma
trajetória de exclusão, discriminação e invisibilidade,
reproduzindo uma imagem primitiva das culturas africanas e
disseminando ainda mais o preconceito contra essa população.
E Grajaú não se encontra fora desse contexto, faz-se necessário
intervenções pedagógicas que objetivem valorizar a história da
cultura africana a fim de conhecermos a nossa verdadeira
história, isto é, a do Brasil. O projeto de pesquisa, por sua vez,
além de produzir dados, visou também esse tipo de
intervenção, tornando-se assim uma das principais justificativas
para esse trabalho.
Outro fator que nos levou a realizar tal pesquisa, refere-
se à crise de identidade que os jovens estudantes negros
atravessam. A ideia de um “Brasil mestiço”, juntamente com a
ausência do ensino da história dos negros nas escolas do país,
tem gerado uma aflição por não saber onde se enquadram na
classificação étnico-racial. Para tanto, em uma sociedade
opressora, dificilmente alguém queira ser o oprimido. Não é
fácil para os negros afirmarem sua identidade vivendo em um
meio racista, isso pode fazer com que o sujeito possa vir a
construir sua subjetividade enquanto “não-negro”, algo que é
frequente no contexto escolar.
A Lei 10.639/03 modificou a política educacional,
simbolizando uma conquista para a luta antirracista no Brasil.
Essa lei busca incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a
obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-
Brasileira", contudo, ao nos inserirmos no contexto escolar,

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

através de estágios, projetos de extensão e pesquisa, nota-se


que, na prática, a lei não vem sendo efetivamente cumprida.
Daí a importância de examinar como a escola na qual o projeto
está inserido vem atuando frente à Lei 10.639/03, visto que sua
aplicação pode contribuir valorosamente na construção da
identidade étnico-racial e no reconhecimento da política de
cotas raciais enquanto uma conquista da luta pela igualdade
racial.
Ao observarmos o Censo Demográfico do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2014, constata-se
que o município grajauense possui uma rica diversidade.
Vejamos, no que condiz à caracterização da população quanto à
“cor ou raça” (termos utilizados pelo IBGE e que podem indicar
a questão étnico-racial), na população geral de Grajaú, há 476
pessoas que se declararam “amarela”, 15.369 pessoas que se
declararam “branca”, 4.135 pessoas que se declararam
“indígena”, 37.430 pessoas que se declararam “parda” e 4.483
pessoas que se declararam “pretas” (IBGE, 2014). Levando em
consideração a população negra enquanto “pretos” e “pardos”,
temos um percentual de 67,5% de negros em Grajaú, ou seja, a
maioria da população. O que nos angustia é o fato de saber que
os negros enquanto 2/3 da população grajauense, não estão em
maioria nas universidades. Essa é a razão primeira do projeto
de pesquisa, fazer com que mais estudantes ocupem o espaço
que lhes é de direito.
Diante dessa experiência na realização do projeto de
pesquisa, o presente artigo tem por objetivo geral analisar o
processo de construção da identidade étnico-racial dos
estudantes negros em uma escola de Grajaú-MA. Por objetivos
específicos, visa investigar como os estudantes negros do

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

terceiro ano do ensino médio constroem a sua subjetividade e


identidade; examinar como a Escola atua em relação
à Lei 10.639/03 que obriga o ensino da temática "História e
Cultura Afro-Brasileira"; e, por fim, identificar a relação entre o
processo de autoafirmação de estudantes negros e a Política de
Cotas Raciais. O artigo estrutura-se em duas partes: a primeira,
na qual descrevemos o caminho metodológico do projeto; a
segunda, em que problematizamos a construção da identidade
dos estudantes negros da Escola Dimas Simas Lima, bem como
sua relação com ingresso ao ensino superior.

METODOLOGIA

A investigação se fundamenta a partir da concepção de


pesquisa-ação desenvolvida por Boaventura de Sousa Santos. A
pesquisa-ação para Santos (2008) se configura como uma
estratégia que permite a aproximação entre os saberes da
sociedade e o conhecimento científico, produzindo o que o
autor defende como ecologia dos saberes. Para Santos (2008),
através da pesquisa-ação é possível se pensar a universidade
interagindo com a sociedade para além da extensão, em uma
perspectiva de pesquisa e formação. A metodologia da
pesquisa-ação atua como uma forma colaborativa para se
pensar um determinado problema social. A pesquisa-ação
pensada por Santos (2008) contribui neste projeto de modo que
os sujeitos e o pesquisador se percebam como agentes de
investigação, construção de conhecimento, interações e
mudanças pessoais e sociais. Nesse sentido, esta pesquisa não
se configura como uma mera coleta de dados, mas na ação do
pesquisador que adentra em um meio social, modificando-o,

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87
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

em seu processo investigativo, fazendo os sujeitos pensarem


sobre assuntos que poderiam não refletir caso a pesquisa não
estivesse sendo realizada. O pesquisador, nesta proposta
metodológica, é um agente problematizador que visa ir além
das aparências das relações, provocando os sujeitos a refletirem
sobre seus discursos e ações. Isso garante a pesquisa sua
interface com a extensão.
Segundo Santos (2008), a pesquisa-ação e a ecologia de
saberes são instrumentos que viabilizam o diálogo e a
construção de novas práticas acadêmicas que concebam a
universidade como um espaço social, voltado ao pensamento e
à construção de conhecimentos que possam agir como
transformadores em prol da sociedade.
Os procedimentos metodológicos foram utilizados na
perspectiva da pesquisa-ação, a saber: observação etnográfica,
grupo focal e entrevistas. Com a observação etnográfica,
buscou-se conhecer a cultura de Grajaú e da comunidade
escolar, notadamente acerca de sua diversidade e das suas
relações étnico-raciais. Circulando pátios, salas de aulas,
portaria e tantos outros ambientes da escola, foi possível
interagir de maneira contextual com os sujeitos, bem como
observar suas relações. No momento das entrevistas, foram
estabelecidos diálogos mais diretos com determinados sujeitos,
como uma fonte complementar de análise. Os grupos focais se
constituíram, assim, como momentos sociais de debate sobre as
temáticas que envolvem a pesquisa. Metodologicamente, é
importante estar explícita a ideia dessa ferramenta potencializar
a análise do fenômeno social em destaque e produzir
autoanálises problematizadoras entre os sujeitos envolvidos.

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

Foram selecionados para a pesquisa 60 estudantes


negros do terceiro ano do ensino médio nas três principais
escolas públicas de Grajaú (Dimas Simas Lima, Nicolau Dino,
Livino de Sousa Rezende). O quantitativo de 60 estudantes se
justifica por pretender que estes sejam multiplicadores nas
escolas, além de ser um número adequado para a realização dos
grupos, sem afetar a qualidade da pesquisa/intervenção. Na
primeira fase (março de 2017 a abril de 2018), foram 30 alunos
no primeiro ano de pesquisa (10 de cada escola) e na segunda
fase outros 30 alunos no segundo ano de pesquisa (10 de cada
escola). É importante ressaltar que, para este artigo,
delimitamos as discussões referentes ao contexto da Escola
Dimas Simas Lima na primeira fase. O grupo focal foi o
principal procedimento utilizado. Os encontros foram
realizados nos espaços sociais da UFMA, sempre no contra
turno de suas aulas, sendo realizados quinzenalmente com 10
estudantes dessa escola.
Segundo Gondim (2003), a prática metodológica
definida como “grupos focais” se constitui no desenvolvimento
de entrevistas grupais. A autora demarca que

[...] a diferença recai no papel do entrevistador e no tipo de


abordagem. O entrevistador grupai exerce um papel mais
diretivo no grupo, pois sua relação é, a rigor, diádica, ou seja,
com cada membro. Ao contrário, o moderador de um grupo
focai assume uma posição de facilitador do processo de
discussão, e sua ênfase está nos processos psicossociais que
emergem, ou seja, no jogo de interinfluências da formação de
opiniões sobre um determinado tema. Os entrevistadores de
grupo pretendem ouvir a opinião de cada um e comparar suas
respostas; sendo assim, o seu nível de análise é o indivíduo no
grupo. A unidade de análise do grupo focal, no entanto, é o

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

próprio grupo. Se uma opinião é esboçada, mesmo não sendo


compartilhada por todos, para efeito de análise e interpretação
dos resultados, ela é referida como do grupo (GONDIM, 2003,
p. 151).

No que se refere às entrevistas individuais, essas foram


utilizadas como momentos individuais de investigação de
verbalizações emitidas por determinadas sujeitos no momento
social do grupo focal. Os grupos foram pontos de debates entre
os sujeitos, a fim de entender o processo social de construção de
saberes e verdades. No momento da entrevista individualizada,
o enfoque será no processo de singularização desses discursos
sociais. Este último recurso, entrelaçado à observação
etnográfica e ao grupo focal, serviu como um fechamento dos
procedimentos metodológicos, a fim de dirimir lacunas na
investigação.

ENTRANDO EM CAMPO

A seguir, descreveremos as atividades realizadas


durante o período de março de 2017 a abril de 2018 na Escola
Dimas Simas Lima. Primeiramente, antes de adentrarmos no
campo, buscamos nos aprofundar nos conhecimentos teóricos
sobre a história dos negros no Brasil, bem como da Política de
Cotas Raciais. Realizamos alguns encontros entres os
pesquisadores no intuito de discutir sobre os textos que
pautavam a luta do Movimento Negro em prol de uma
sociedade mais justa e igualitária. Maciel (2009) foi uma das
autoras contempladas no nosso grupo de estudo. Em sua obra,
ela ressalta que dentre as reinvindicações postas pela população
negra no Brasil, a educação encontra-se como principal

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

demanda. Embora parta de valores que não favoreçam a


história e a cultura dos negros, entende-se que a educação
formal é primordial para ocuparem os espaços de privilégios na
sociedade. Além de ser considerada como um direito social, o
acesso à educação formal também demonstra a luta dos negros
perante a discriminação racial que insiste em privá-los dos bens
produzidos pela sociedade. Desse modo, a partir dos estudos
realizados, passamos a visualizar a Política de Cotas Raciais
como uma conquista para a população negra e não como um
mecanismo de inferiorização. Além disso, nesses encontros
recebemos as devidas orientações pelo proponente do projeto.
Assim, antes de estar in locus, analisamos os objetivos da
pesquisa e nos apropriamos da fundamentação teórica, bem
como planejamos as atividades a serem realizadas pelos
bolsistas e voluntários na escola. Roberto DaMatta (1978) em O
Ofício do etnólogo descreve essas etapas em teórico-intelectual e
período prático. Na primeira, o pesquisador ainda não tem
contato com a comunidade a ser pesquisada, é a fase em que ele
tenta conhecer o outro a partir da teoria. Na segunda fase, é
quando o pesquisador já está se preparando para ir a campo, ou
seja, é o período em que ele planeja como e quando, e o que
levar a campo.
O nosso primeiro contato com o campo de pesquisa
ocorreu no dia 14 de março de 2017, data em que nos
apresentamos à comunidade escolar. Nesse período, demos
início ao que DaMatta (1978) chama de fase pessoal ou existencial,
que é quando deixamos os papéis para lidar com pessoas reais e
estranhas ao pesquisador. Como diz o próprio autor, “vejo-me
diante de gente de carne e osso. Gente boa e antipática, gente
sabida e estúpida, gente feia e bonita (p. 2) ”. É nesta fase em

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91
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

que o pesquisador deve transformar aquilo que é familiar em


exótico e o que é exótico em familiar, ou seja, essa é a função da
observação etnográfica.
Dessa maneira, a observação etnográfica se deu no
período de 14 de março a 23 de julho de 2017, sendo três visitas
semanais à escola. Durante esse período, buscamos observar o
contexto escolar para compreender as relações de poder ali
existentes, os modos de subjetivação e construção de
identidades. Através desse método, pôde-se dialogar com os
estudantes e perceber a visão dos mesmos com relação ao
sistema de cotas e a forma com que estudantes negros e não-
negros se relacionavam. Observou-se também a metodologia de
alguns professores mediante o contexto da diversidade. No ato
da observação, realizamos também uma pesquisa documental
que objetivou conhecer as práticas discursivas da escola no que
tange às relações étnico-raciais.
No dia 29 de maio de 2017, aplicamos um questionário
aos estudantes do terceiro ano do Ensino Médio. Foram 97
sujeitos pesquisados. O questionário conteve 6 questões de
múltipla escolha, nas quais foram, respectivamente: 1) “Qual
cor você se identifica?”; 2) “De acordo com os termos utilizados
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para
indicar a questão étnico-racial, qual "cor ou raça" você se
identifica?”; 3) “Você conhece a política de cotas raciais para
estudantes negros e índios entrarem na universidade?”; 4)
“Você concorda com a política de cotas raciais para estudantes
negros e índios entrarem na universidade?”; 5) “Você pretende
ingressar em uma universidade?”; 6) “Você teria interesse em
participar de uma pesquisa que vai ser realizada na UFMA

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92
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

sobre a política de cotas raciais para estudantes negros


entrarem na universidade?”.
Após a aplicação do questionário, fizemos a seleção dos
dez estudantes que participariam das discussões nos grupos
focais. No dia 10 de julho de 2017, os bolsistas e voluntários
receberam um minicurso sobre a funcionalidade e finalidade
dos grupos focais, a partir do texto de Sônia Maria Guedes
Gondin (2003), que tem por título “Grupos Focais como Técnica
de Investigação Qualitativa: Desafios Metodológicos”. Após o
estudo, os acadêmicos se apropriaram mais da pesquisa
proposta, compreendendo melhor sua metodologia.
Preparados para iniciar os grupos focais, no dia 11 de
julho de 2017, visitamos novamente a escola, a fim de confirmar
os alunos que participariam da pesquisa. Selecionamos 10
estudantes da Escola Dimas Simas Lima. Dentre eles, havia
estudantes favoráveis e contra às cotas raciais para o ingresso
em universidades. No mesmo dia, ficou acordado com os
alunos um primeiro encontro para esclarecer as normas da
pesquisa e os comprometimentos que ambas partes deveriam
seguir para que a pesquisa fluísse da melhor maneira possível.
Nesse encontro, decidiu-se juntamente com os estudantes
secundaristas que o primeiro grupo focal aconteceria no dia 14
de setembro de 2017, após as férias da escola e da UFMA.
Com relação aos grupos focais, a Escola Dimas Simas
Lima participou de 6 grupos em que foram discutidos os
seguintes temas: (1º grupo focal: Apresentação) Buscamos fazer
uma apresentação da pesquisa, esclarecendo os seus objetivos
para que os estudantes se sentissem à vontade para externar os
seus pensamentos durante os grupos focais, bem como resolver
os assuntos burocráticos da pesquisa e conhecer melhor os

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

sujeitos pesquisados; (2º grupo focal: Identidade Étnico-racial)


Esse encontro teve o intuito de sondar o entendimento dos
estudantes no que diz respeito à identidade étnico-racial e
perceber como eles se identificavam perante esse conceito; (3º
grupo focal: Combate e enfrentamento ao racismo) No corrente
dia, o grupo discutiu sobre os conceitos de raça e racismo no
Brasil, em que foi indagado aos estudantes o que poderia ser
feito para combater o racismo; (4º grupo focal: Racismo na
Escola) O encontro teve como objetivo conhecer, através dos
discursos dos estudantes, como a Escola Dimas Simas Lima se
situa quando trata-se de racismo, bem como problematizar
esses atos na escola; (5º grupo focal: Política de Cotas Raciais) O
grupo focal objetivou investigar os conhecimentos que os
estudantes tinham sobre a Política de Cotas Raciais e qual sua
opinião sobre a mesma, visando também que os alunos
compreendessem essa política como uma conquista e não como
inferiorização dos sujeitos negros; (6º grupo focal: Perspectiva
de Futuro) O último encontro da primeira fase dos grupos
focais, teve a finalidade de identificar as concepções que
mudaram e que permaneceram nos alunos após os encontros,
bem como orientá-los para que ingressassem no Ensino
Superior, de preferência através das cotas raciais. Para uma
melhor visualização das atividades realizadas, segue abaixo um
quadro com o cronograma das mesmas.

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

Quadro 1: Cronograma de atividades da pesquisa


PERÍODO ATIVIDADE REALIZADA
14 de março de Apresentação do grupo de pesquisa na
2017 escola.
14 de março a 23 Observação etnográfica na Escola Dimas
de julho de 2017 Simas Lima.

29 de maio de 2017 Aplicação de questionário na escola.

07 de junho de
Análise dos questionários.
2017
Minicurso preparatório para o grupo
10 de julho de 2017
focal.
Confirmação dos alunos que
11 de julho de 2017
participariam da pesquisa.
14 de setembro de
1º grupo focal (1ª fase).
2017
18 de setembro de
2º grupo focal (1ª fase).
2017
09 de Outubro de
3º grupo focal (1ª fase).
2017
30 de Outubro de
4º grupo focal (1ª fase).
2017
14 de Novembro
5º grupo focal (1ª fase).
de 2017

03 de abril de 2018 6º grupo focal (1ª fase).

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

Por fim, no dia 03 de abril de 2018, nos despedimos da


primeira fase da pesquisa, período em que atingimos o
momento da descoberta etnográfica, que é “quando o etnólogo
consegue descobrir o funcionamento de uma instituição,
compreende finalmente a operação de uma regra antes
obscura” (DAMATTA, 1978, p. 6). É sobre essa descoberta que
discorreremos adiante.

O ESPAÇO ESCOLAR COMO FÁBRICA DE


SUBJETIVIDADES E IDENTIDADES

É mister entender as questões da modernidade para


depois problematizar a escola, uma vez que a segunda é
produção da primeira. De acordo com Bauman (1999, p.12),
“podemos pensar a modernidade como um tempo em que se
reflete a ordem – a ordem do mundo, do habitat humano, do eu
humano e da conexão entre os três [...]”. Dessa forma, pode-se
afirmar que o Estado, enquanto instituição máxima da
modernidade, inseriu a consciência da ordem para o mundo
ocidental. Uma ordem que visa estabelecer normas para
classificar o que é normal e anormal em uma sociedade. Para
Baumam (p. 09), “Classificar significa separar, segregar [...]”,
sendo assim, a criação do outro é obra do poder diferenciador
da ordem social, ficando estabelecido um padrão de existência,
em que tudo que foge a esse padrão torna-se inexistência. É,
portanto, as normas que estabelecem e dividem as diversas
esferas que compõem a sociedade contemporânea.
Essas normas adotadas pelo Estado moderno só são
possíveis mediante às relações de poder. Segundo Foucault

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

(1995, p. 242), quando se fala em relações de poder, estamos nos


referindo a “um modo de ação de alguns sobre outros”. Dessa
forma, “viver em sociedade é, de qualquer maneira, viver de
modo que seja possível a alguns agirem sobre a ação dos
outros”. Contudo, quando Foucault afirma isto, ele não está
querendo dizer que devemos pensar as relações de poder pré-
estabelecidas como necessárias ou como uma “fatalidade
incontornável”. Porém, demonstrar que ações boas ou ruins,
sempre serão relações de poder. E as que foram exercitadas na
modernidade constituíram a norma padrão mundial do poder
capitalista na qual Quijano (2010) denominou de Colonialidade.
Para o autor,

A COLONIALIDADE É UM DOS ELEMENTOS constitutivos e


específicos do padrão mundial do poder capitalista. Sustenta-se
na imposição de uma classificação racial/étnica da população
do mundo como pedra angular do referido padrão de poder e
opera em cada um dos planos, meios e dimensões materiais e
subjetivos, da existência social quotidiana e da escala societal.
Origina-se e mundializa-se a partir da América (QUIJANO,
2010, p. 84).

A colonialidade do poder foi necessária para a


manutenção da ordem na sociedade capitalista, sendo a
classificação étnico-racial o pilar para definir a posição dos
sujeitos na esfera social. Para Santos (2010), essa visão de
mundo em que se é fundamental uma classificação social, faz
parte do pensamento moderno ocidental. A esse modo de
pensar, o autor denominou de pensamento abissal, no qual

Consiste num sistema de distinções visíveis e invisíveis, sendo


que as invisíveis fundamentam as visíveis. As distinções

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

invisíveis são estabelecidas através de linhas radicais que


dividem a realidade social em dois universos distintos: o
universo ‘deste lado da linha’ e o universo ‘do outro lado da
linha’. A divisão é tal que ‘o outro lado da linha’ desaparece
enquanto realidade, torna-se inexistente, e é mesmo produzido
como inexistente (SANTOS, 2010, p. 31-32).

Sendo mais clara, tudo que não segue a norma padrão


de poder é automaticamente produzido como o “outro”. E
estando “do outro lado da linha”, encontra-se então ao lado da
invisibilidade social que é uma forma radical de exclusão. Tão
radical que o torna invisível. É interessante ressaltar a fala de
Santos (2010) quando diz que as distinções invisíveis
fundamentam as visíveis, isto é, os sujeitos só são colocados
como visíveis na medida em que existem os sujeitos invisíveis
ou os “outros”. Em outras palavras, Baumam (1999, p. 23) nos
afirma a mesma coisa ao dizer que: “[...] um lado depende do
outro, mas a dependência não é simétrica. O segundo lado
depende do primeiro para o seu planejado e forçado
isolamento. O primeiro depende do segundo para sua
autoafirmação”. Compreende-se então que o primeiro lado
citado por Baumam, pode ser comparado ao lado dos sujeitos
visíveis que precisam “do outro lado da linha” ou dos sujeitos
invisíveis para a sua autoafirmação.
Seguindo essa linha de raciocínio, pode-se aferir que a
instituição escolar não está desassociada da colonialidade, ela
serve, antes de tudo, para ordenar. A escola é um espaço
disciplinar do sujeito. Foucault nos diz claramente isso quando
ao se remeter a instituição escolar, afirma:

Sua organização espacial, o regulamento meticuloso que rege


sua vida interior, as diferentes atividades aí organizadas, os

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diversos personagens que aí vivem e se encontram, cada um


com uma função, um lugar, um rosto bem definido – tudo isto
constitui um “bloco” de capacidade-comunicação-poder. A
atividade que assegura o aprendizado e a aquisição de aptidões
ou de tipos de comportamento aí se desenvolve através de todo
um conjunto de comunicações reguladas (lições, questões e
respostas, ordens, exortações, signos codificados de obediência,
marcas diferenciadas do “valor” de cada um e dos níveis de
saber) e através de toda uma série de procedimentos de poder
(enclausuramento, vigilância, recompensa e punição, hierarquia
piramidal) (FOUCAULT, 1995, p. 241).

Destarte, podemos afirmar que a escola é responsável


por padronizar subjetividades, já que regula comportamentos.
Antes de adentrarmos na discussão sobre quais seriam esses
comportamentos, faz-se necessário responder o que seria essa
tal subjetividade. A seguir veremos a concepção de alguns
autores sobre o conceito.
Segundo Foucault (2004, p. 262) subjetividade é “[...] o
processo pelo qual se obtém a constituição de um sujeito, mais
precisamente, de uma subjetividade, que evidentemente não
passa de uma das possibilidades dadas de organização da
consciência de si.”
Mansano (2009, p. 112) apoiada em Guatarri, diz que a
subjetividade é “[...] uma matéria-prima viva e mutante a partir
da qual é possível experimentar e inventar maneiras diferentes
de perceber o mundo e de nele agir.”
Segundo Silva (2009, p. 172), “[...] subjetividade é o
processo de tornar o que é universal singular, único, isto é, de
tornar o indivíduo pertencente ao gênero humano.”
Diante dos conceitos expostos, podemos afirmar que a
subjetividade é uma construção do sujeito que se dá de maneira

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

social e coletiva. A subjetividade é uma síntese dos encontros


que temos ao longo da vida. Com relação ao sujeito, concorda-
se com Mansano (2009, p. 115) ao afirmar que “o sujeito é um
vir a ser que não se estabiliza de maneira definitiva”. Sendo
assim, o sujeito se encontra em constante transformação a cada
encontro no meio social.
Agora que se conceituou sujeito e subjetividade,
compreender-se-á melhor qual a sua relação com a instituição
escolar. Já se sabe que a escola é um espaço disciplinador e
regulador do sujeito, a ponto de construir subjetividades
padronizadas. Agora é importante nos questionar como a
educação atua no processo de subjetivação dos estudantes
negros.
Para início de reflexão, entende-se que todo pensamento
educacional encontra-se imerso nas relações de poder que o
cercam. Segundo Arroyo (2012), coletivos sociais, de gênero,
etnia, raça, camponeses, quilombolas, povos indígenas, entre
outros, são produzidos como inexistentes no ambiente escolar,
devido ao pensamento abissal citado anteriormente. Portanto,
os sujeitos foco da pesquisa, isto é, os jovens estudantes negros,
são subjetivados como inferiores pelo sistema educacional.
Todavia, ainda não foi respondido à pergunta anterior: de que
forma isso acontece?
Pois bem, eis a resposta: através do currículo. Mas, não o
currículo enquanto coisa, porém, como uma relação social, ou
melhor, uma relação de poder. Para ser mais precisa, o
currículo enquanto discurso. Segundo Foucault (1999),

Em toda sociedade a produção de discursos é, ao mesmo


tempo, controlada, selecionada, organizada e distribuída por

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

um certo número de procedimentos cujo papel é o de conjurar


seus poderes e perigos, para obter domínio sobre seus eventos
casuais, para evitar sua pesada, imensa materialidade
(FOUCAULT, 1999, p. 24).

Em se tratando da escola, percebe-se que os discursos


são regulados e selecionados pelo currículo. Depois de sermos
“iluminados” pela sabedoria de Foucault, conseguimos
compreender que o saber está estreitamente vinculado ao
poder. Logo, se a instituição escolar é produto do pensamento
moderno ocidental, obviamente, os conhecimentos e saberes
que prevalecerão no currículo serão os eurocêntricos. Sabendo
disso, podemos afirmar que a população negra não está sendo
representada nas práticas discursivas da escola.
Foi pela ausência da cultura negra no currículo, que os
movimentos sociais lutaram pela sua inserção. Hoje, o direito a
esses conhecimentos é reconhecido legalmente, entretanto, o
correto seria que não precisássemos de uma lei para que se
ensinasse nas escolas a história do próprio país. Mas, devido à
ausência, essa foi uma das medidas encontradas. A Lei 10.639,
de 09 de janeiro de 2003, que altera a Lei 9394/96 (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional), inclui no currículo
escolar a obrigatoriedade do ensino da "História e Cultura
Afro-Brasileira". Contudo, durante o período de observação na
Escola Dimas Simas Lima, pôde-se constatar que essa lei não se
aplica com efetividade na realidade grajauense. Vejamos
adiante algumas observações que foram realizadas nessa escola.
Durante a observação etnográfica, conseguimos com
muita dificuldade uma cópia do Projeto Político Pedagógico da
Escola Dimas Simas Lima. O projeto apresentava-se
desatualizado e remetendo ainda ao ano de 2010, enquanto nos

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

encontrávamos no ano de 2017. Nesse documento, a Escola se


propõe a trabalhar de modo que oportunize “[...] reflexões
significativas sobre a diversidade cultural, etnias, orientação
sexual, preservação do meio ambiente, desenvolvimento
sustentável e gênero”. Todavia, durante toda a pesquisa notou-
se o contrário. A escola encontra-se distante do discurso que
emprega em seu Projeto, uma vez que foi possível identificar
atos de preconceito e uma diversidade que não é valorizada
pela instituição escolar. Percebemos também que a escola ainda
hoje se norteia pelos planos de ações desse PPP desatualizado,
pois os eventos escolares presenciados durante o período de
observação, são os mesmos descritos no PPP.
Dentre os diálogos realizados entre pesquisadores e
sujeitos pesquisados durante o estágio observatório, um
particularmente desprendeu bastante atenção. Em uma
conversa informal com um jovem estudante negro, no qual se
identifica e se afirma enquanto tal, podemos perceber o
preconceito velado que a Escola abriga. Perguntamos para o
estudante se ele já presenciou alguma forma de preconceito em
decorrência da sua cor ou da forma de seu cabelo, respondeu-
nos da seguinte maneira: “todos os dias! já estou até
acostumado com isso!”. Então observa-se que o ambiente
escolar do Centro de Ensino Dimas Simas Lima, na prática,
colabora para a produção da cultura negra enquanto inferior.
Alcântara (2015) nos diz que “a escola colonizada, assim, se
constitui em um espaço que busca um ideal de sujeito a partir
das heranças coloniais europeias, ou seja, um aluno branco,
masculino, heterossexual, católico, racional, burguês etc. [...]”.
Dessa forma, esse é o paradigma que a escola pesquisada
demonstrou estar inserida.

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

No que condiz ao corpo docente, durante os dias que


realizamos a observação na sala dos professores, notamos que a
maioria dos docentes não planejavam suas aulas e nem tinham
uma formação voltada para a valorização da diversidade. Com
alguns meses de pesquisa naquela escola, os professores já se
encontravam à vontade para expor seus pensamentos diante de
nossa presença. Em um certo dia, a professora de História
confessou não planejar aula, visto que, preferia tirar o dia do
planejamento para descansar. Percebe-se então a falta de
comprometimento da professora com um ensino crítico. Em
uma escola com currículo eurocêntrico, o veículo para uma
transformação social seria o professor, entretanto, uma aula que
não é planejada, dificilmente pensará em um conteúdo crítico,
sobretudo na disciplina de História.
Em outro momento, também na sala dos professores,
uma professora licenciada em Geografia estava falando sobre o
relacionamento afetivo de uma prima para outra professora.
Parece fofoca de corredor de escola, mas nessa conversa
conseguimos abstrair um pouco do discurso da docente. Essa
professora dizia que sua prima namorava um homem negro,
entretanto, na sua descrição, ela emitia o seguinte discurso: “[...]
O namorado dela é preto, preto, preto tição!”. No momento que
ela falou essa frase, havia um professor de Matemática no
recinto que também era negro. Ele falou para ela com um
sorriso tímido: “Olha, tu não fica falando essas coisas aqui (...)”.
Disse isso porque estávamos lá e ele sabia que pesquisávamos
sobre questões raciais. Ela então respondeu: “Ora, mas ele é
preto mesmo! ”. Percebe-se então, que essa professora tem um
preconceito transparente para com os negros, esse preconceito
provavelmente se amplia para a sala de aula, uma vez que,

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

o modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e


valorativa, os diferentes comportamentos sociais e mesmo as
posturas corporais são assim produtos de uma herança cultural,
ou seja, o resultado da operação de uma determinada cultura
(Laraia, 2001, p.68 apud Gomes, 2003, p. 170).

Por esta razão, não se espera uma atitude altruísta por


parte dessa professora para com os estudantes negros, nem
uma aula que paute a valorização da história e cultura africana.
Isso vem a refletir na discriminação racial sofrida pelo
estudante citado anteriormente.
Analisando o poema Gritaron me negra de Victória Santa
Cruz, podemos tentar imaginar o que todo negro já viveu nas
sociedades eurocêntricas em seu processo de construção da
identidade étnico-racial. Segue abaixo um trecho do poema:

“Y odié mis cabellos y mis labios gruesos


y miré apenada mi carne tostada
Y retrocedí ¡Negra!
Y retrocedí…”
(Victoria Santa Cruz, Gritaron me negra)

Os encontros e o convívio em um ambiente social


racista, fazem-nos acreditar que ser negro é algo ruim e
desprezível. Buscando, na maioria das vezes, uma tentativa de
“embranquecimento” através do alisamento capilar ou algo
mais drástico como cirurgias plásticas, objetivando uma
redução dos traços negroides. Em muitos casos, de tanto ter que
fugir do “ser negro”, chegam a um momento em que não se
reconhecem enquanto tal. Souza (1983) explica a tortura que é
ser negro em uma sociedade de classe e ideologias dominantes

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

brancas. Para a autora, “[...] o negro tomou o branco como


modelo de identificação, como única possibilidade de ‘tornar-se
gente’ (SOUZA, 1983, p. 18)”. Massacrando assim sua
verdadeira identidade. Como pôde-se perceber, a instituição
escolar colabora intensamente para essa crise de identidade.
Falar de identidade na pós-modernidade não é algo
simples. O que anteriormente parecia ser algo sólido e bem
definido, na contemporaneidade é algo complexo e de difícil
definição. Uma vez que a identidade não é estática, podendo
vir a se modificar ao longo dos discursos encontrados nos
encontros da vida. De acordo com Hall (2011, p. 13), a
identidade na pós-modernidade “[...] é definida historicamente
e não biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes
em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao
redor de um ‘eu’ coerente [...]”. Isso vem a explicar o processo
de construção da identidade negra, pois grande parte da
população negra só se reconhece enquanto “negro” já na vida
adulta, e, isto é, quando se reconhecem.
Antes de adentrarmos na questão da identidade negra, é
interessante contextualizar a situação racial na sociedade
brasileira. No Brasil, ainda é característico da população branca,
negar a existência do racismo. Todavia, é notório que essa
“democracia racial” ou um país sem conflitos inter-raciais, não
passa de um mito. Visto que a realidade vivenciada pelas
vítimas do racismo nos diz o contrário. Ora, diariamente a
população negra se depara com atos discriminatórios. Nogueira
(2006), esclarece que no Brasil se prevalece o “preconceito de
marca”, diferentemente dos Estados Unidos em que se
apresenta o “preconceito de origem”. O termo “preconceito de
marca” nada mais é do que o preconceito estabelecido frente a

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105
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

cor do sujeito, ou seja, a exclusão e discriminação sofrida pelo


negro, no Brasil, é justamente pela cor de sua pele que se difere
da cor padrão que é a branca.
Outro fator encontrado ao se falar de raça, é a ideia de
um “Brasil mestiço”. Para Maciel (2009) essa teoria tem a
intenção de cessar os estudos sobre relações raciais, uma vez
que se entende que os grupos vivem de forma harmoniosa. A
autora, enfatiza ainda, que isso é a verdadeira negação do
racismo, pois busca tornar o Brasil um país possuidor de uma
única raça e uma única cultura, inibindo assim, a identidade
dos grupos inferiorizados e escondendo o racismo permanente
nas relações sociais.
Portanto, as relações de poder que foram estabelecidas
historicamente no Brasil, reservaram para o negro uma
trajetória de exclusão, discriminação e invisibilidade.
Reproduzindo até hoje uma imagem primitiva das culturas
africanas e disseminando ainda mais o preconceito contra essa
população. Durante a pesquisa, foi possível perceber que esses
são os discursos reproduzidos na Escola Dimas Simas Lima.
Dessa maneira, em uma sociedade opressora,
dificilmente alguém queira ser o oprimido. Não é fácil para os
negros afirmarem sua identidade vivendo em um meio racista.
Além da opressão, a ideia de mestiço gera uma certa “crise de
identidade” para a população negra, fazendo com que o sujeito
possa vir a construir sua subjetividade enquanto não-negro.
Mercer (1990) aponta que “a identidade somente se torna uma
questão quando está em crise, quando algo que se supõe fixo,
coerente e estável é deslocado pela experiência da dúvida e da
incerteza (MERCER, 1990, p. 43 apud HALL, 2011, p. 9)”.

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

Voltando-se para os grupos focais, notou-se essa crise de


identidade quando, durantes os encontros, discutimos sobre a
temática da identidade étnico-racial. Como pode-se perceber
claramente na fala desses estudantes:

“Eu já vi muitas pessoas brancas usando Black e se identifica como


negra, que tem pais negros. Eu acho que não está ligado a cor de pele
(Aluno 1, L01, p. 112)6.”
“É [...] a mistura de dois povos e na nossa sociedade eu vejo branco e
também vejo o negro e eu não me encaixo em nenhum desses dois
parâmetros. Eu me olho no espelho e me vejo diferente, ou seja,
dominaram essa cor pardo. Me identifico como pardo como os demais
da sociedade (Aluno 2, L01, p. 113).”
“Bom, é... a identidade é... não é a tua cor... eu acho que isso vem mais
de uma cultura familiar... porque a identidade é a tua personalidade...
eu creio que sim (Aluna 1, D02, p.44)”.
“Isso, na verdade a identidade é só uma forma de identificação...
(Aluno 3, D01, p. 14)”.

A construção da identidade negra está atrelada às


dimensões sociais e pessoais. Como esses alunos vivem em uma
cultura racista, não é assustador o fato de não possuírem
referenciais étnicos-raciais, o que dificulta o reconhecimento de
pertencimento à cultura negra. Em concordância com Gomes
(2003),

A identidade negra é entendida, aqui, como uma construção


social, histórica, cultural e plural. Implica a construção do olhar
de um grupo étnico/racial ou de sujeitos que pertencem a um
mesmo grupo étnico/racial sobre si mesmos, a partir da relação
com o outro (GOMES, 2003, p. 171).

6Alunos identificados por números; escola pela primeira letra do nome; número após
essa letra organiza qual encontro a fala foi proferida.

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

A escola enquanto uma instituição de pensamento


abissal, revela-se como uma reprodutora das desigualdades
sociais, uma vez que, invisibilizando a história da cultura
negra, também contribui para a distorção de identidades,
devido a supremacia de valores eurocêntricos.
No que se refere ao racismo na escola, os estudantes
negros manifestaram em seus discursos a existência de práticas
racistas recorrentes no ambiente escolar. Observe:

“Assim... quando as pessoas tiravam esse tipo de brincadeira, esse tipo


de coisa comigo, num tem... às vezes eu chorava, porque eu sou uma
pessoa muito sensível, qualquer coisinha eu to chorando... Um dia
desse mesmo lá na escola, a professora fez um negócio, de artes, muito
sem graça que eu não gostei... só porque eu tava usando uma faixa
rosa, a menina falou, ah não sei o que, a menina que tava com a faixa
rosa tava ridícula... eu simplesmente não disse nada, só baixei minha
cabeça e passei as aulas todas chorando. Porque era os dois primeiros
horários de arte e aulas restantes eu passei toda chorando. Eu não
gostei, agora só porque eu sou negra, eu não posso usar uma faixa
rosa? (Aluna 02, D01, p. 38)”.
“Hum [...] pois bem, racismo eu creio que é aquilo que todos nós
sofremos, mas eu já passei por situações muito tristes, principalmente
na escola, mas, aquilo eu relevei, eu levei, como muitas vezes eu levo,
como brincadeiras de colegas, por conta de professores eu aguentei
calada [...] mas meu humor ele não colabora muito não [risos], mas
nesse caso, eu não discutir com o professor, eu apenas fiquei calada
(Aluna 01, D03, p. 66)”.
“Como eu falei uma vez, até falei aqui. Eu estava na sala e a menina
chamou a outra de negra. E ele falou, ela não tem culpa de ser assim.
Como que um professor, educador, uma pessoa que tá ali pra ajudar na
formação acadêmica de uma pessoa fala isso? (Aluno 01, L03, p.
175)”.

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

Os discursos apresentados por esses alunos nos


mostram o quanto a escola se configura enquanto um ambiente
racista e segregador. É entristecedor descobrir que profissionais
da educação mantém atitudes discriminatórias como as aqui
relatadas. Para Gomes (2003, p. 171), “construir uma identidade
negra positiva em uma sociedade que, historicamente, ensina
ao negro, desde muito cedo, que para ser aceito é preciso negar-
se a si mesmo, é um desafio enfrentado pelos negros
brasileiros”. A maioria dos estudantes negros com os quais nos
deparamos não conseguiam se identificar enquanto negros.
Diante dos resultados conseguimos compreender o porquê.
Essa crise de identidade também afeta a Política de
Cotas Raciais, visto que, por não se identificarem enquanto
negros durante o Ensino Médio, na tentativa de ingresso ao
Ensino Superior não optam pelas cotas, deixando vagas ociosas.
Além disso, passam a visualizar a política enquanto uma
inferiorização do negro e não uma conquista social. Contudo,
após a nossa intervenção pedagógica, muitos estudantes
mudaram a visão negativa que tinham a respeito da Política de
Cotas Raciais, caracterizando esse trabalho como algo
significativo na vida desses jovens.
Por fim, os resultados do projeto de pesquisa
demonstraram que as escolas grajauenses reproduzem práticas
discriminatórias e racistas. Desse modo, estudantes negros
sofrem no processo de construção da identidade étnico-racial
devido à ausência de referenciais. Percebemos que as escolas,
sobretudo a Escola Dimas Simas Lima, necessitam
urgentemente de uma intervenção pedagógica efetiva, onde
consigam resgatar os valores e a história da cultura afro-

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

brasileira. Assim, os estudantes negros ressignificariam os seus


símbolos culturais, reconstruindo a sua identidade étnico-racial
de maneira positiva.
É com grande satisfação que podemos dizer que alguns
estudantes que participaram da pesquisa encontram-se
matriculados na Universidade Federal do Maranhão, graças ao
incentivo que a pesquisa proporcionou aos sujeitos
pesquisados. Além disso, após a exposição dos resultados de
nossa pesquisa, notamos que alguns professores buscaram
inserir a temática da diversidade em seus projetos didáticos, o
que já é um passo para a transformação social do ambiente
escolar. Finalizamos a discussão dando voz para os estudantes
negros da Escola Dimas Simas Limas, trazendo suas
considerações sobre o projeto de pesquisa “ENTRE O ENSINO
MÉDIO E A UNIVERSIDADE: construção da identidade de
estudantes negros da escola Dimas Simas Lima”, a saber:

“Bom, esse período foi muito bom está com vocês, como a Karine disse,
a gente aprendeu, adquiriu conhecimento, porque eu pelo menos não
tinha, não tomei essa decisão por mim mesma de ir pesquisar, não
sabia praticamente nada sobre cotas, sofria o preconceito e ficava pra
mim mesmo, entendeu?! Mas foi bem legal, está com vocês, aprendi
bastante, daqui que veio o conhecimento e o entusiasmo de chegar em
casa de pesquisar d adquirir mais conhecimento além daqui, mais
conhecimento sobre o assunto em casa (Aluna 01, T06, p. 394)”.
“Esse grupo foi um divisor de águas, depois da iniciativa desse
projeto, me ajudou muito, me encorajou, me empoderou a enfrentar o
racismo, com dignidade, não revidar com agressão e foi uma troca de
conhecimento.Eu pude dá minha opinião e também receber
informações e isso é muito benéfico e também me ajudou na minha
construção racial, por que até então eu não tinha acesso as informações
sobre cotas, sobre identidade étnica-racial, até então não era muito
falado, então depois desse projeto isso me incentivou a pesquisa

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110
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

também me encorajou. E é isso, foi muito bom (Aluno 01, T06, p.


397)”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através do projeto de pesquisa foi possível perceber que


as escolas de Grajaú não possuem um currículo voltado para a
diversidade. Nota-se que estão apenas reproduzindo
conhecimentos e saberes eurocêntricos no qual os negros se
encontram para além da exclusão, isto é, no viés da
invisibilidade social.
Constatou-se também que, um dos principais
empecilhos para o ingresso de estudantes negros na
Universidade Federal do Maranhão, campus Grajaú, reside no
processo de construção da identidade negra. Visto que, na
medida em que os estudantes negros não reconhecem a sua
identidade étnico-racial, acabam por não optarem pela Política
de Cotas Raciais, bem como desvalorizam tal política. Todavia,
após o encerramento da primeira fase da pesquisa, alguns
alunos mudaram essa visão negativa e já se encontram
matriculados nos cursos de licenciatura da Universidade
Federal do Maranhão de Grajaú. Algo que nos traz muito
orgulho pois é resultado dessa pesquisa.
Por meio da problematização do racismo nos grupos
focais, descobrimos que as escolas de Grajaú são marcadas pela
discriminação e exclusão dos estudantes negros o que impede a
autoafirmação da identidade negra desses estudantes. Após a
realização dos grupos, muitos alunos passaram a valorizar a
cultura negra, ressignificando assim, sua identidade étnico-
racial.

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111
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

Percebemos que somente a implementação da Lei nº


10.639/2003 não foi suficiente para a inclusão da história da
cultura afro-brasileira, uma vez que as subjetividades dos
professores foram construídas em uma sociedade racista e
desigual, fazendo com que reproduzam esses saberes em sala
de aula. Dessa forma, compreende-se que é necessário um
maior investimento dos órgãos públicos na formação
continuada dos professores. Formação essa que objetive a
valorização das diferenças étnico-raciais na escola, para que
menos estudantes possam vir a sofrer as consequências de uma
formação colonizada.
Diante do que foi exposto, é possível compreender a
importância de um projeto de pesquisa como este na sociedade
grajauense, pois, como foi constatado, as escolas ainda
constroem saberes coloniais, mantendo à margem àqueles que
se diferem dos padrões eurocêntricos. Sendo assim, a Política
de Cotas Raciais é uma conquista social que deve ser utilizada e
divulgada de forma que as pessoas propícias a utilizarem
tomem conhecimento e possam almejar uma ascensão social
através da educação formal.
A experiência que obtivemos na pesquisa foi de grande
valia para a nossa formação docente, pois colaborou para a
construção da nossa identidade profissional centrada na
diversidade, eis a importância da pesquisa-ação. A nossa
esperança é que os estudantes que ingressaram na UFMA
também ampliem a luta por uma justiça social, produzindo
conhecimentos que visem a transformação da realidade.

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112
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

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116
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

DECOLONIDADE E RELAÇÕES ÉTNICO-


RACIAIS NA EDUCAÇÃO BÁSICA

Aline Pinto Medeiros Oliveira

INTRODUÇÃO

Na perspectiva de trazer a Educação Básica as temáticas


relacionadas a negritude, a educação indígena, e outras culturas
que compõe a diversidade de nosso país pode-se dizer que não
é uma tarefa fácil em vista de que as imposições de
pensamentos preconceituosos vêm sendo disseminadas em
nossas mentes desde o período da colonização nacional.
A cultura europeia e a norte-americana têm sido
engendradas desde cedo em nossas mentes, como a única
existente e válida como correta e substancial de nosso povo.
Porém, muitos pesquisadores têm estudado formas de desfazer
esse pensamento colonizador infiltrado em nosso país por
povos europeus.
Assim, a busca pela valorização da diversidade cultural
tem tido um esforço por muitos pesquisadores, na busca pelo
reconhecimento da diversidade étnico-racial e cultural de nosso
povo, falando aqui especialmente da cultura negra e indígena
as principais culturas que originaram o nosso país tão
miscigenado.
Desta feita, o presente estudo se dispõe a necessidade
de proporcionar uma visão mais ampla tanto para
pesquisadores como para estudantes e comunidade escolar
sobre os processos constituintes do nosso povo brasileiro no
respeito a sua diversidade.

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117
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

No que pressupõe ao âmbito escolar percebe-se


necessidade de um estudo interdisciplinar no seio escolar em
vista de proporcionar visão ampla para as crianças e toda a
comunidade escolar sobre esses processos constituintes do
nosso povo e é assim que se justifica este estudo.
Por isso, o estudo tem por Objetivo Geral: Analisar as
diversas visões de autores sobre a importância em dar mais
visibilidades as camadas subalternizadas de sociedade
sobretudo da etnia negra, indígena e outras em contribuição
para um pensamento descolonizador iniciando na Educação
Básica. E como objetivos específicos: a) Apontar o pensamento
de autores sobre como se pode decolonizar nosso pensamento
preconceituoso visibilizando as camadas subalternizadas
sobretudo a negra, indígena e outras; b) Perceber a necessidade
de trabalhar interdisciplinarmente no seio escolar com a
temática da racionalidade negra e indígena em contribuição a
uma visão ampla de formação étnico-racial do povo brasileiro;
c) Contribuir com a ampliação a construção de epistemologias
científicas de construção de divulgação dos saberes com a
diversidade cultural de nosso Brasil iniciando pelo ambiente
escolar na Educação Básica.
Portanto, propõe-se a pergunta de investigação: De que
forma se pode decolonizar o pensamento preconceituoso da
cultura negra e indígena no país iniciando pela Educação
Básica? Assim, pode-se perceber a necessidade de ampliação de
estudos no que corresponde a cultura negra e indígena e outras,
e sua importância para a formação cultural de nosso país no
enfrentamento ao preconceito racial e étnico.
A metodologia do estudo é de cunho bibliográfico. Em
busca de mais informações e sustentabilidade sobre o assunto

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118
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

pesquisou-se Freire 1996, Candau 2010, Walsh 2012 e


Boaventura de Souza Santos 2007 que tratam a importância da
ligação da interculturalidade com a Educação Básica.
Em seu desenvolvimento o estudo divide-se em três
momentos principais: I)Pensamento descolonizador na
visibilidade da cultura negra e indígena e outras;
II)Interdisciplinaridade com a temática negra e indígena na
Educação Básica; III)Análise construtivas de epistemologias de
saberes com a diversidade. Portanto, este estudo é relevante em
vista de que nos induz enquanto profissionais a multiplicar em
nossa sala de aula os conhecimentos sobre a diversidade em
nosso país tornando o mundo mais humano e igualitário.

METODOLOGIA

A metodologia deste estudo dispõe de estudo


bibliográfico (Minayo, 2008), mas nem por isso, também não
deixa de ser social em vista de que busca mais informações a
respeito de como se tenha uma visão decolonial sobre a cultura
negra e indígena e outras respeitando a diversidade nacional,
este pensamento também buscou-se nos apontamentos de
(WALSH 2012), como também no trabalho com a
interdisciplinaridade como aporte promissor na Educação
Básica, nessa vertente contribuiu (FERREIRA 2007).
E na busca de informações para a contribuição de
construções de novas epistemologias de saberes consultou-se
Boaventura de Souza Santos (2007) que chama a ligação dos
saberes científicos com os saberes populares de ecologia de
saberes, com a significância de estudar a cultura negra, a
indígena e outras na busca de construir novas epistemologias.

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119
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

Enfim, houve também outros autores que fortaleceram o estudo


e que foram citados no decorrer do estudo.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Pensamento decolonizador na visibilidade da cultura


negra e indígena

O pensamento libertador decolonial já vem sendo


pensado em toda a américa latina que tem como referencial a
conferência de Bandung na África em 1955, ela traduz
movimento de liberdade e libertação do pensamento opressivo
colonizador, que propunha o reconhecimento da igualdade de
todas as raças e nações, grandes e pequenas, pensamento esse
que vêm se disseminando não somente no continente africano,
mas em outros países que compõem a américa latina.
O pensamento decolonial segundo Walsh 2012 é a
construção de novos caminhos de ser, pensar, olhar, escutar,
sentir e viver. É, portanto, perceber que há outras culturas
existentes e que precisamos dar visibilidade a essas culturas
que foram subalternizadas pelo pensamento colonial pela
cultura branca trazida pelo colonizador europeu, cultura esta
que nos foi imposta como certa, correta, desejável e como a
melhor escolha a se fazer.
Paulo Freire 1996, informa que a prática educativa
profissional requer que o nosso pensamento enquanto
disseminadores do conhecimento seja libertador no seio da
comunidade, libertador de quê? do pensamento colonial da
cultura branca europeia e norte-americana que nos foi e nos é
imposta desde o momento da colonização até os dias de hoje.

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120
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

Esta cultura branca sempre ditou e ainda hoje dita o


nosso modo de vida, as nossas escolhas e a escola nos parece
ser a disseminadora maior desse pensamento colonizador:
porque ela dita o currículo não contextualizado com a nossa
realidade e nem com a nossa diversidade cultural, junto a ela os
meios de comunicação também fazem sua parte na divulgação
dessa cultura branca nos impondo o que devemos consumir,
como devemos viver, qual deve ser o padrão de felicidade e
tudo isso é disseminado pelos nossos alunos, professores,
gestores e principalmente pelo estado que tem a força maior de
imposição cultural atual.
Quando Nascimento (1978) fala que tivemos um
verdadeiro genocídio de negros em nosso país não é somente
para nos lembrarmos de todo o massacre negro e também
indígena existente e real em nosso país, em memória dos 300
milhões de africanos assassinados por escravistas, invasores,
opressores, racistas, estupradores, saqueadores, torturadores e
supremacistas brancos. É para lutarmos para visibilizar essas
camadas subalternizadas que em muitos séculos o país está em
dívida.
Vivemos em um país distorcido segundo (Santos 2002)
onde a modernidade é uma arma para a colonialidade, porque
ela nos impõe padrões: de consumo, ideologias falsas, de beleza
e até de felicidade e esses padrões atingem principalmente a
nossa diversidade cultural que internaliza e se desapropria de
sua própria cultura para adquirir a cultura branca, eurocêntrica,
norte-americana : “A nova composição orgânica urbana, gerada
pela redistribuição de valores relativos dentro da cidade,
atingirá sobretudo aquelas áreas inadequadas, por sua
configuração atual, a dar uma resposta territorial às novas

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121
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

exigências da modernidade” (SANTOS 2002, p. 13). Então,


precisamos fazer esse combate apostando nas novas gerações
que são nossas crianças e jovens, começando desde cedo em
nossa Educação Básica.
Parece que o negro e o índio vivem em um território que
não é o seu e que nunca vai se sentir em casa, pois foram
desapropriados não só do seu território físico, mas também de
suas raízes culturais pela cultura branca. Os quilombos e as
comunidades indígenas foram e ainda são sinônimos não só de
sofrimentos, mas também de cultura que nos fazem voltar as
nossas raízes, e que devemos valorizar a vida dessas pessoas é
o que conta a história de Beatriz Nascimento uma negra
historiadora e professora:

Dizendo isto, estou tentando transmitir minha experiência de


pesquisa sobre os quilombos brasileiros, pesquisa que tomou,
no projeto, o título de “Sistemas sociais alternativos
organizados pelos negros – dos quilombos às favelas”. Este
projeto é também um grande sonho. Cientificamente falando,
pretendemos demonstrar que os homens e seus grupamentos,
que formaram no passado o que se convencionou chamar
“quilombos”, ainda podem e procuram fazê-los. Não se trata
de, no meu entender, exatamente de sobrevivência ou de
resistência cultural, embora venhamos a utilizar estes termos,
algumas vezes como referência científica. O que procuramos
neste estudo é a “continuidade histórica” ( RATTS 2006 , p. 57)

Tentar identificar seu território parece ser uma tarefa


constante da diversidade nacional, não somente a negra, a
indígena, mas das inúmeras diversidades que compõem o
Brasil. Para os alunos também não é diferente, eles podem
procurar na escola o seu território, a sua casa e não encontrar.

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122
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

Essa não é uma luta fácil, a escola por ser a primeira a


propagar essas desigualdades, como pode também ser a
primeira traçar o caminho inverso com políticas contrárias as
do Estado, tendo em seu próprio Projeto Político Pedagógico
ações que possam viabilizar atitudes voltadas a uma maior
participação social da cultura negra, indígena e outras, pois
essas, crianças(negras, índias...), jovens e adolescentes veem na
escola um território de esperança e crescimento não somente
profissional, mas também de reconhecimento social e esse é o
início do pensamento decolonial quando a escola como
instituição social passa a fazer o seu papel na sociedade para
oportunizar um mundo mais justo e igualitário (GEERTZ, 1989)
O pensamento decolonial pode se infiltrar na escola a
partir do momento que cada professor trabalhe com essa
temática principalmente com a temática étnico-racial não
esquecendo também a temática de gênero no momento em que
nos aquilombamos e nos indigenizamos num novo projeto de
nação, a essa nova concepção de sociedade. Não deixando o
racismo, sobretudo o racismo epistêmico nos aprisionar e
continuar a criar sujeitos com uma concepção rebaixada de si
mesmos integrando-se ao neofascismo e ao conservadorismo.
A esse pensamento nos é imposto que o negro e o
índio não podem contribuir com a formação nacional, com as
pesquisas científicas, com um conhecimento não válido, e muito
menos epistêmico. Pode-se perceber que isto é desmistificado
com a cultura indígena bem como com a cultura negra quando
os estudos e pesquisas científicas brancas admitem que seus
conhecimentos são válidos e podem ser provados e
comprovados.

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

Percebe-se esta premissa na Obra do Negro Carlos


Eduardo Dias (Machado 2016, p.02), sua obra fomenta que a
raça negra possui cientistas brilhantes, a seu modo, que
possuem projetos inovadores no mundo científico com seus
conhecimentos. Ao falar da obra Gênios da Humanidade ele
diz:

Esta obra tem a possibilidade de esclarecer que a raça


negra é composta de cientistas brilhantes e de projetos
que estão sendo desenvolvendo no mundo científico-
experiências que, apesar dos problemas de
financiamento, inovam e criam soluções tecnológicas
para o mundo moderno.

Portanto, o autor confirma que a omissão histórica que


se vem fazendo da cultura negra e também na indígena é um
processo de desigualdade à medida que omite saberes
tradicionais. É necessário que estes tenham atuação efetiva na
sociedade, que participem de decisões, que encabecem projetos,
programas que propaguem o efetivo equilíbrio de poder para
todos sem qualquer distinção de raça, cultura, povo, etnia, que
todos tenham o direito de participar de decisões civis.
Há uma necessidade insurgente afirma Walsh 2012 de
resistir aos nossos inimigos que tentaram destruir a nossa
identidade étnica, racial e cultural. É preciso união de cada par
que compõe inicialmente as unidades escolares a um novo
projeto de país, de sociedade nacional. Há mais ainda um longo
processo de desconstrução e destruição dessas imposições o
que ela chama de descolonização articulados a estratégias de
ensino e do que ela chama de pedagogias “outras”.

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124
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

Sabe-se que esse processo de desconstrução cultural a


que nos foi imposta não é um processo fácil, ainda por isso
temos poucos trabalhadores. Assim, disseminar esse
pensamento deve ser a nossa missão para estarmos juntos nesse
processo que embora caminhe a passos largos os frutos serão
colhidos e precisam ser plantado desde cedo, sobretudo
inicialmente logo e de imediato na Educação Básica.
Esse processo de implementação de pedagogias
“outras” pode iniciar com o processo de ressignificação da
prática enquanto profissional inicialmente no ensino básico,
transcorrendo o caminho contrário do que se ensina na
universidade da teoria para a prática. O caminho contrário
agora será da prática para a teoria para que assim novas teorias
se iniciem e possam ser postas em prática de acordo com cada
território e público escolar traduzindo novas formas de ser,
viver e olhar o mundo com igualdade e sobretudo equidade.

Interdisciplinaridade com a temática negra e indígena na


Educação Básica

A interdisciplinaridade pode ser uma das portas de


entrada para a disseminação da cultura negra e indígena no
seio escolar, ela pode traduzir movimentos não lineares e não
cartesianos dentro da sala de aula, pois predispõe de inúmeras
formas a desconstrução e (re)construção de outras
racionalidades impostas a nós desde nossa infância, bem como
quebra de paradigmas dos padrões culturais brancos que nos
foram apresentados.
Através do trabalho com cada disciplina e ou eixo
temático da Educação Infantil um professor pode desenvolver

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125
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

sua “pedagogia”, mas não a entendendo como tal, mas como


informa Walsh 2012, como uma política social:

A ideia de estudos interdisciplinares tem raízes muito mais


antigas e surge ao longo da história com diferentes nomes. Mais
recentemente, aparece nos Parâmetros Curriculares Nacionais,
do MEC, dessa vez com o nome de Temas Transversais. Sua
origem está na afirmação da incapacidade do sistema
tradicional de ensino - baseado em aulas de diferentes matérias,
cada uma com programas específicos predefinidos - em
despertar o interesse e em formar o verdadeiro espírito
científico, que é curioso, observador, analítico e crítico.
(FERREIRA 2007, p.01)

A interdisciplinaridade está relacionada há como o


conhecimento que pode ser trabalhado e ou adquirido de forma
universalizada no processo de ensino, através de assuntos que
podem tematizar as demandas sociais e no que se fala no
contorno da equidade étnico-racial que tanto se vêm falando e
vislumbrando ao longo dos séculos, demanda esta que caduca
enquanto não se trabalha no seio escolar, nem se protagoniza
em vista também de recursos financeiros.
O resgate da história da negritude brasileira e
sobretudo da indígena no pilar da interdisciplinaridade pode
impactar nas aprendizagens: na forma de ser, viver, fazer e ver
o mundo: “Pedagogias que desafiam o monólogo da razão
moderno/ocidental colonial e mito racista da
modernidade/colonialidade ”. (BAUTISTA 2012, p.05);
Assim, é necessário e insurgente a reconexão dessas
culturas com a escola e sociedade, na proposta de desfazer o
racismo epistêmico imposto pela cultura europeia até hoje, sem
falar também das influências da norte-americana.

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

Valorizar nossas raízes têm sido o desafio maior, pois se


propõe pelo Estado, pela mídia, pelas famílias um padrão de
normatizações de vida que influencia as formas de ver a
realidade alastrada desde os primeiros anos de ensino até a
universidade uma uniformização de cultura e raça ideal.
A interdisciplinaridade vem a ser uma ferramenta eficaz
na promulgação de saberes seja étnico/racial/gênero/cultural,
ela traduz em seu bojo inúmeras possibilidades em diferentes
contextos sejam eles nas linguagens, humanas ou ciências
exatas já se falando a partir do Ensino Fundamental.
Para cada criança e jovem a escola é um espaço de
sonhos, esperanças e novas possibilidades, principalmente para
as camadas subalternizadas sejam elas da cultura negra,
indígena, ribeirinhos, terreiros, ciganos e outros que compõem
os coletivos brasileiros. A escola é um espaço de potência,
esperança de apropriação de território acreditada por essas
populações.
Fazer desse território um lar, uma proteção contra a
agressividade cultural eurocêntrica é então o papel primordial
dos profissionais que ali estão, proteger essas crianças contra as
barbáries: negligências, preconceitos, mortes que seja física ou
por seus sonhos deve ser a missão de cada componente na
mudança epistemológica de um currículo engessado, não
contextualizado com as comunidades e a diversidade territorial
de nosso país de dimensões continentais, para assim, portanto
evitar o adoecimento desses corpos e dessas mentes.
Por isso, a união de forças e o estado de cooperação de
cada ente profissional em sua diversidade disciplinar e ou eixo
educacional induz a aquisição de conhecimentos inerentes e

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

insurgentes de nossas verdadeiras raízes no enfoque pela


unificação dos saberes. (SAVIANI 1990)
Desmistificar não somente os termos: índios e negros,
mas também nomenclatura a gêneros têm sido segundo
(Gonçalves e Silva 2000) um enorme entrave à modernidade do
nosso país, pois além de serem preconceituosas subalternizam
essa diversidade, comprometendo o crescimento cultural e
equidade nacional.
A escola como entidade mineradora do conhecimento
deve estudar estratégias de aproximações disciplinares, entre os
eixos de aprendizagens na Educação Infantil, nos diversos
campos do conhecimento reconhecendo “as dimensões
culturais, sociais(...) que podem ser pelos alunos vivenciadas na
cidade ou região em que vivem” (BRASIL 1998, p.83) no
despertar destes para um olhar holístico do conhecimento na
reflexão como ser social dando uma nova visão da natureza e
da realidade.
A interdisciplinaridade como ferramenta
potencializadora do conhecimento possibilita que a temática
intercultural esteja em diversas áreas respeitando o espaço
umas das outras, e enfim podendo se falar até de
transdisciplinaridade conduzente a compreensão de
conhecimentos uma vez pensados que fossem impossíveis de
adquiri-los.
A leitura por exemplo, é uma verdadeira arma no
contexto educacional, mas até a literatura em nossas escolas é
determinada pela cultura branca e imposta a conhecer autores
que não fazem e que nunca fizeram parte da nossa história e
que nunca levaram no rosto as marcas da subalternização e da
invisibilidade. Desta feita a literatura negra ou indígena deve

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

ser uma das marcas essenciais no processo de descolonização,


pois elas retratam as marcas da nossa história e a
subalternização dessas camadas sociais, é o que afirma (Jesus
1996):

O livro... me fascina. Eu fui criada no mundo. Sem orientação


materna. Mas os livros guiou os meus pensamentos. Evitando
os abismos que encontramos na vida. Bendita as horas que
passei lendo. Cheguei a conclusão que é o pobre quem deve
ler. Porque o livro, é a bussola que há de orientar o homem no
porvir (...)(JESUS ,1996 p. 167)

A leitura das literaturas negras e também da indígena,


embora ainda seja pouca, deve ser o primeiro passo para
reflexão de alunos e professores pautados nos princípios de
cidadania. Há ainda quem pense que as crianças não aprendem
com a leitura descolonizadora do pensamento preconceituoso
nas relações étnico-raciais, é tanto que vão entender, porque
também desde crianças entendem o ensino ao preconceito racial
iniciado desde o seio familiar.
Assim, práticas educacionais inovadoras devem fazer
parte do sistema educacional vigente englobando a
contextualização dos conteúdos, como a forma pela qual estes
serão trabalhados intertextualizando os assuntos nos vários
eixos de aprendizagens da Educação Infantil e posteriormente
nas disciplinas do currículo a partir do Ensino Fundamental.
Assim, facilitará o trabalho pedagógico educacional
intercultural:

O trabalho pedagógico é uma prática social que atua na


configuração da existência humana individual e grupal para
realizar nos sujeitos humanos as características de seres

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

humanos. Essa prática social é munida de forma e conteúdo,


expressando dentro das suas possibilidades objetivas as
determinações políticas e ideológicas dominantes em uma
sociedade. (FRIZZO 2013, p.05).

Portanto, essa discussão deve ser interseccional em


todos os pilares educacionais para que não se desligitime os
sujeitos do seu ser, viver, fazer, sentir e ver o mundo. Sujeitos
estes com competência étnica/racial/cultural/gênero que deve
ser respeitada e visibilizada iniciando pelo território escolar.

Análise construtivas de epistemologias de saberes com a


diversidade

Percebendo que a construção das epistêmes são


advindas e fortalecidas pelo pensamento egocêntrico branco,
europeu, norte-americano é necessário e insurgente (Walsh
2012), que se construa ou (re)construa epistêmes e/ou novas
epistemologias baseadas em movimentos de desintoxicação
para nos imunizarmos contra as falsas ideologias de racismo,
gênero, fascismo, machismo, homofobia e tantas outras que
conjunturadas formam base preconceituosa para nossa
sociedade.
Essa desconstrução pode emergir nas comunidades, nos
coletivos formados e que se vêm formando, e sobretudo na
escola desde cedo, por isso a ênfase na Educação Básica. A
escola pode trazer em bojo a luta antirracista para desfazer as
mentiras do pensamento que a epistemologia colonial construiu
em torno de sua racionalidade branca europeizada.
A escola pode ser um campo de reeducação para a
detóx, na construção de novos saberes em busca de

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130
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

epistemologias que geraram nossa nação, quer sejam elas


negras ou indígenas e outras. A interculturalidade pode
promover momentos ricos na escola de reflexão e promoção
cultural (CANDAU, 2010).
No seu pequeno manual antirracista (Ribeiro 2016)
argumenta que a prática antirracista é urgente e se dá nas
atitudes mais cotidianas, são atitudes comuns, mas que são
levadas para o nosso dia a dia, para as escolas, para as nossas
vivências que podem determinar novas formas de ver, viver,
fazer e pensar o mundo e a diversidade cultural. Apontar a
discussão quer seja negra, indígena e de gênero tem por base a
epistemologia interseccional segundo Ribeiro 2016 elas não
podem estar separadas justamente porque fazem parte do
mesmo patriarcado:

Pensar a interseccionalidade é perceber que não pode haver


primazia de uma opressão sobre as outras e que, sendo estas
estruturantes, é preciso romper com a estrutura. É pensar que
raça, classe e gênero não podem ser categorias pensadas de
forma isolada, mas sim de modo indissociável. (RIBEIRO, 2016
p.03).

O olhar colonial abarca todos os olhares (racista, étnico,


machista, homofóbico etc) por isso os diálogos decoloniais na
educação não devem ser tratados de forma separada ou
diferenciada, em vista de que fazem parte das mesmas
barbáries e sofrimentos coletivos das camadas subalternizadas e
invisibilizadas pela sociedade.
A luta maior na construção de novos conhecimentos e
novas teorias do conhecimento são externas e não internas, pois
a mentira do pensamento epistêmico testado e monopolizado

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131
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

pela cultura branca frutificou que vem desde o ventre europeu


e produziu ciência com sangue e morte daqueles que primeiro
aqui estavam (índios) e com os que aqui escravizados (negros)
chegaram ao nosso continente.
Não se pode deixar de falar dos discursos impostos
como corretos a respeito de como deveria ser a fundamentação
cultural, étnica e de gênero no país sem citar o papel da igreja
imbuída de dogmas pelo vaticano com bispos e arcebispos no
comando papal. Nessa construção e imposição de valores e
certezas: educacional, religiosa, étnica e principalmente de
gênero nos impõe modelos educacionais, cultural e racial que
desemboca num monismo científico implantado em nosso país.
Por isso, descontruir essa imposição que nos foi imposta
há séculos é um desafio à medida propõe a libertação desse
cárcere iniciando por parte de um dos componentes que
compõem o tecido social, a escola. E esse deve ser um
movimento de fora(sociedade) para dentro(escola) na união de
todos(pesquisadores, professores, família etc...)
É insurgente (Walsh 2012) a educação com a ecologia de
saberes (Santos 2007) que inclua a todos independente da
raça/etnia/gênero abrindo caminhos para novas formas de
pensar, ser, viver e ver protegendo nossas crianças e jovens das
epistêmes que determinam nossa forma de ser e de viver.
Pode-se dizer que este modelo cívico foi herdado da
escravidão e nos é imposto até hoje determinando as relações
sociais:

O modelo cívico brasileiro é herdado da escravidão, tanto o


modelo cívico cultural como o modelo cívico político. A
escravidão marcou o território, marcou os espíritos e marca
ainda hoje as relações sociais deste país. Mas é também um

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132
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

modelo cívico subordinado à economia, uma das desgraças


deste país.(Santos 1997, p 135).

É preciso trabalhar epistemologias racionais a nossa


raça/cultura primeiras, trabalhar contra aquelas que realmente
não configuram nossa verdadeira identidade: antifeministas,
discriminadores, fascista que têm feito estragos principalmente
no que diz respeito a nossa legitimidade.
O espaço escolar deve ser território garantido a nossas
crianças e jovens, território de esperanças, visibilidade e
equidade não importando onde esteja, na ruralidade ou na
periferia para que a exclusão pare de ser vivida e revivida nesse
sintagma de desumanização, que é um desafio político no
cotidiano de nossas escolas principalmente no movimento da
autocensura e avançar nas discussões, por isso que a junção
Família e a Escola é um espaço para as relações de afeto e de
enfrentamento dessa autocensura.
O tema raça deve uma epistême de mobilização nacional
para serem trabalhadas em todas as escolas do nosso país seja
ela pública, particular, religiosa, filantrópica e de qualquer
cunho. O tema etnia/raça, é, pois, um desafio permanente que
se arrasta de séculos dantes a contemporaneidade, pois
segundo (Freire 1996) a educação é uma potência contra o
racismo e contra as desigualdades sociais.
Segundo (Gonçalves e Silva 2000) a proposta de
mobilização nacional para a equidade racial se acerta em duas
fases a primeira com a inclusão dessa temática nos currículos
escolares e na formação de professores e a segunda com ações
concretas com políticas asseguradas a constituição federativa

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133
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

brasileira, pois ainda há hoje projetos de constituição de nações


sem negros e indígenas.
Pensar em educação como movimento de luta requer
pensar a pedagogia não como uma disciplina, mas como uma
política social (Walsh 2012) avistada pelos apontamentos de
Paulo Freire.
Muitas são as epistemologias que devem ser trabalhadas
desde a infância até a universidade essas devem ser epistêmes
insurgentes que fazem parte da luta das camadas
subalternizadas e invisibilizadas: sustentar a criança negra,
índia na escola, não se descuidando de todas as etapas da
educação; denunciar a pirâmide racial brasileira que estão
multiplicadas em nossas escolas, mídias em geral; trabalhar
políticas de (re)conexão com a diversidade de coletivos
existentes em nosso país visibilizando sua cultura seus
conhecimentos e legitimando esses conhecimentos; denunciar
as condições das mulheres negras, trans, índias, ciganas de
terreiro, do sertão e outras desigualdades, contribuído assim,
portanto, para se construir uma outra nação, quer seja
tematizando os currículos ou com projetos ou programas, mas
que essas políticas sociais aconteçam insurgentemente evitando
às barbáries.
As escolas bem como outros espaços não escolares
podem se tornar espaços não somente de
reflexão/ação/prevenção/valorização de etnia/raça/gênero
representando inicialmente medidas de inclusão,
interculturalidade (Candau 2010) e inovação pedagógica não
com metodologias diferenciadas ou autopromoções, mas com
políticas sociais.

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134
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

A escola deve ser um território de propagação de


educação e cultura por isso ela precisa ser reinventada de
acordo com sua nação (Candau 2011) afro-americana, índia e
outras na busca de novas abordagens, novos conteúdos que
tematizem a autonomia e a democracia fazendo ponte com os
conhecimentos locais e legítimos de nossa nação.
Portanto, a equipe escolar deve compor em suas
discussões e trabalhos a diversidade nacional: negros, índios,
mulheres, homens, trans que lutem contra o racismo, fascismo e
machismo no enfrentamento das barbáries percorrendo o
caminho inverso que nos foi posto como ideal, acabado e
centrado nas epistêmes brancas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os negros e índios adquiriram com muito sangue e


morte respeito e reconhecimento na Constituição Federal de
1988 no Artigo 5º § 42 punindo os néscios com crime ao racismo
e ao preconceito, mas pergunta-se e as outras etnias? e as outras
raças e gêneros? Onde estará sua proteção? É preciso trazer a
cidadania para a escola (DUBET 2011), como forma de proteger
a nossa sociedade plural, no trabalho incansável de cada ser
que compõe o ambiente escolar.
As famílias também não podem ficar de fora, mas serem
chamadas a compartilharem da mesma ciência, das mesmas
epistêmes, do mesmo pensamento e das mesmas ações.
Na perspectiva decolonial a escola deve adequar-se às
necessidades das diversidades dos coletivos de nossa sociedade
primando por pedagogias que retratem as questões sociais

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135
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

inserindo-as na verdadeira realidade, com a nossa cultura


preparando inicialmente nossas crianças seguindo dos jovens
para a verdadeira cidadania renovando opiniões e ideologias.
A temática intercultural deve fazer das redes de escolas
numa composição arquitetônica sendo muito mais que uma
pedagogia, mas uma política social a fim de visibilizar essas
camadas esquecidas e subalternizadas e evitar as tantas
barbáries que tem assolado e destruído as verdadeiras raízes
que compõem nosso país.
Dos aportes feitos no estudo pode-se concluir que a
maioria dos autores compactuam com o mesmo pensamento de
trabalhar com novas epistêmes que configuram a nossa
sociedade principalmente com as epistemologias que ecoam
dos coletivos sejam eles oriundos de quilombos, de coletivos
indígenas, ciganos, ribeirinhos de gênero(Nascimento 1978)
evitando o genocídio dessas massas e muitas outras
subalternizados em nossa sociedade, e esse trabalho deve ser
iniciado logo na Educação Básica, onde se forma o pensamento
e o caráter da pessoa humana, objetivando a oxigenação dessas
culturas invisibilizadas pela nossa sociedade tendo as escolas
como aliadas e seus componentes configurativos.
Essas epistemologias devem ser fixadas nas escolas pela
união do trabalho de seus agentes educacionais em todos os
Eixos da Educação Infantil bem como seguindo às áreas do
conhecimento num processo interdisciplinar que perpassa as
disciplinas e as séries/anos do Ensino Fundamental traduzindo-
se também com a possibilidade transdisciplinar com a temática
intercultural (Candau 2008).
A visibilidade da diversidade de saberes iniciados desde
a infância até a universidade traduzirá ao ambiente escolar a

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136
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

decolonização do pensamento e da cultura branca, eurocêntrica


e norte-americana que fundamentaram nosso pensamento com
os seus ideais de cor, etnia, raça e gênero nos aprisionando e
nos oprimindo (FREIRE, 1996).
Urge romper essas correntes (Ribeiro 2018), correntes
essas que manipulam nosso pensamento, bem estar social,
visões de mundo, do saber, do viver e do ser (WALSH 2012).
Da pergunta de inquietação em como podemos
decolonizar o pensamento preconceituoso da cultura negra,
indígena e outras na Educação Básica afirma-se que é possível
através de pedagogias “outras” em defesa da biopráxis quando
se pensa em outras classes sociais e em outras possibilidades de
existência e de (re) existência. (GEERTZ 1989).
Assim, observou-se que os objetivos foram alcançados
em vista de que é possível que o pensamento descolonizador
seja desfeito quando este é trabalhado na Educação Básica, para
que assim a diversidade cultural do Brasil sobretudo a negra e
indígena e outras sejam mais valorizadas e visibilizadas perante
a sociedade nacional e até possível um giro decolonial global.
Quanto à possibilidade desse trabalho em sala de aula pode ser
inicial feito com a perspectiva no trabalho de cada profissional
com a interdisciplinaridade perpassando por todas as
disciplinas, podendo até se sobressair ao modelo
transdisciplinar com a temática negra e indígena e outras que
compõem nossa diversidade. E finalmente, o trabalho com a
diversidade nacional pode proporcionar a construção de novas
epistêmis dando origem a novas epistemologias que podem
surgir com a ecologia de saberes.
Portanto, o trabalho pedagógico educacional
intercultural nas relações étnico-raciais na Educação Básica

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137
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

deve ser planejado e executado de acordo com as diferenças


territoriais, culturais de gênero, de pensamento, quer seja no
solo escolar ou em espaços não escolares que deve conceber a
inclusão, interculturalidade e desta feita na inovação
pedagógica para uma ecologia de saberes iniciando logo na
Educação Básica.

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141
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

PEDAGOGIA DOS SABERES PLURAIS NA


FORMAÇÃO DOCENTE: UMA PERSPECTIVA
DECOLONIAL

Jocélio Morais Pereira

INTRODUÇÃO

Em uma sociedade complexa que cada vez mais


necessita do uso da fala e da ação em coletividade mesmo em
espaços e visões de mundo que negam as acontribuiçõs e a sua
existência nas comunidades tradionais, das culturas dos povos,
das desigualdades sociais que desafian contantemente os
indivíduos a serem agentes de transformações destes contextos
em sociedade justa.
O período de colonização brasileira chegou em
momentos de dominação, escravidão, exploração das riquezas
naturais, força um treinamento de enquadramento de uma
ideia de sujeito produtivo e separado por classes, a dominação
raizada das colonialidade como utilização do discurso de que
estamos construindo uma humanidade. Utilização dos recursos
capitalista que propaga o discurso de que estamos no mesmo
nível de civilização. Os recortes de inclusão que não precisa
existir e que são criados por ideias do discurso do falso
moralismo.
Objetivo do artigo visa fazer uma breve reflexão dos
estudos sobre a pedagogia dos saberes plurais na formação
docente para uma perspectiva decolonial, em olhares
multiculturais e da formação docente, com ênfase ao
desenvolvimento do papel da escola.

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143
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

O estudo de cunho bibliográfico faz apontamentos de


ideias de narrativas e memórias da teoria pós-colonialista e
colonialista em contextos reflexivos, fazendo apontamentos de
caminhos que possam ser incluidos nos processos formativos
dos docentes, destacando a sua impotância e suas contribuições
nos processos históricos e culturais, respeitando a sua
identidade e o conhecimento aplicado a formação humana.
A formação de cidadãos mais conscientes em conhecer e
destacar a importância a do protagonismo participativo e social,
referenciando-se as obras de Paulo Freire em suas contribuições
para a defesa de uma educação de qualidade pautada na
cultura, da fala das minorias, de luta contra o sistema
autoritário e capitalista. Enumera uma cosmovisão de realizar
ações coletivas, conjuntas, utilizando de uma pedagogia
problematizadora referenciado na diversidade e a pela troca
dos saberes plurais.
O interesse pelo estudo surge pelas minhas vivências na
prática docente iniciado pelo meu processo formativo durante
minhas aulas de Educação de Jovens e Adultos, Educação e
Educação no Campo durante a formação incial do curso de
pedagogia, enquanto aluno monitor dessas disciplinas na
Universidade Estadual Vale do Acaraú -UVA, Sobral -CE.
Durante este período foi possível vivenciar em espaços
universitários escolares e não escolares os primeiros contatos
com as teorias Freianas e as mudanças educacionais.
O artigo esta organizado em tópicos de estudo, apresentado
os caminhos metodológicos da realização da pesquisa, o primeiro
será discutido perspectiva decolonial e suas implicações
educacionais: desafios e perspectivas, segundo reflexão sobre
pedagogia dos saberes plurais na formação docente e o papel

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144
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

da escola, em seguida as considerações finais acompanhado das


referências bibliográficas.

METODOLOGIA

A pesquisa em sua relevância visa contribuir com as


pesquisas de formação de professores sejam em caráter inicial
ou continuado, diálogos abertos com a comunidade local e
acadêmica a fim de estreitar laços para a melhoria de políticas
públicas de inclusão. As contribuições vão para além de muitos
caminhos que ainda precisa se percorrer. Academia ganha
destaque no sentindo de apoio a este ciclo pelo
desenvolvimento de estudos e pesquisas, pelo muitos desafios
presentes, estado da melhoria da prática pedagógica.
A metodologia da pesquisa utilizada como estudo foi
efetivada mediante pesquisa bibliográfica. A pesquisa
bibliográfica é de extrema relevância, pois, [...] permitirá ao
pesquisador buscar fontes bibliográficas que auxiliarão no
trabalho a ser desenvolvido. Estas vão ajudá-lo a esclarecer suas
dúvidas ao longo da busca pelas ideias, bem como
proporcionará o aperfeiçoamento de suas posições pessoais
acerca do tema proposto. (PINTO; COSTA PINTO, 2008, p. 29).
Para essa autora a pesquisa bibliográfica é uma
modalidade de estudo e análise de documentos de domínio
científico tais como livros, periódicos, enciclopédias, ensaios
críticos, dicionários e artigos científicos. Como característica
diferenciadora ela pontua que é um tipo de “estudo direto em
fontes científicas, sem precisar recorrer diretamente aos
fatos/fenômenos da realidade empírica” (OLIVEIRA, 2007, p.
69).

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145
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

Argumenta, ainda, a autora, que a principal finalidade


da pesquisa bibliográfica é proporcionar aos pesquisadores e
pesquisadoras o contato direto com obras, artigos ou
documentos que tratem do tema em estudo: “o mais importante
para quem faz opção pela pesquisa bibliográfica é ter a certeza
de que as fontes a serem pesquisadas já são reconhecidamente
do domínio científico” (OLIVEIRA, 2007, p. 69).
O estudo buscou referências em artigos científicos,
artigos em revistas e livros que estudam a literatura sobre a
inclusão escolar e gestão escolar, selecionando as principais
obras, com a realização de leituras, fichamentos e análise.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

PERSPECTIVA DECOLONIAL E SUAS IMPLICAÇÕES


EDUCACIONAIS: DESAFIOS E PERSPECTIVAS

Diante da colonização dos povos pelas narrativas dos


percursos históricos e geográficos nos faz necessário reflitir
sobre as novas estruturações para a construção de pensamentos
emacipatorios e libertadores, de encontra outras formas de
pensar e viver. As tessisuras da formação sócio histórica e
política na vivência dos povos na América Latina vem
confrontando essas ideias de pesar e estar no mundo , as nações
e os povos foram subordinados a interres de poder, acabando
assim com a soberancia dos povos, deixando-nos irmensos da
colonialidade.
O pensamento decolonial objetiva problematizar a
manutenção das condições colonizadas da epistemologia,
buscando a emancipação absoluta de todos os tipos de opressão

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146
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

e dominação, ao articular interdisciplinarmente cultura, política


e economia de maneira a construir um campo totalmente
inovador de pensamento que privilegie os elementos
epistêmicos locais em detrimento dos legados impostos pela
situação colonial. Grosfoguel aponta que “é preciso
descolonizar não apenas os estudos subalternos como também
os póscoloniais” (apud ROSEVICS, 2017, p. 189).
Em virtude da indicação de muitos teóricos que
apresntam a diferecniação em decolonial para descolonial
indicar compreensão do entendimento da dferenciação do
vocábulo, destacando a ressitência e de luta dos povos por
garatia e efetivação de dieitos, acesso as políticas públias que
assegure os seus direitos sociais básicos garantindos pelas
constituições virgentes em cada país, reividicações de dialogos
em espaços democraticos de direito.
“O pensamento decolonial reflete sobre a colonização
como um grande evento prolongado e de muitas rupturas e não
como uma etapa histórica já superada. [...] Deste modo quer
salientar que a intenção não é desfazer o colonial ou revertê-lo,
ou seja, superar o momento colonial pelo momento pós-
colonial. A intenção é provocar um posicionamento contínuo de
transgredir e insurgir. O decolonial implica, portanto, uma luta
contínua” (COLAÇO, 2012, p. 08).
É preciso ter um olhar sobre os nocautes e
ausência do Estado em banalização dos dos direitos da minoria
do ponto de vista da cidadania, da sáude, educação, direitos
civis, da ausência e acesso das políticas públicas, dos
enventimentos públicos e da garantia de orçamentos, isso
acaba deixando muitas lacunas em linhas verticais do princípio
da naturalidade das coisas. Ausência da preserça crítica de

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147
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

ideia sobre as atuais conjunturas vivenciadas pelos povos


tradicionais nos dias de hoje mosta caminhos por
desenvolvimento do protagonismo a clara evidência em linhas
mais horizontais o surgimento dos novos arranjos de luta e de
ressistência e empoderamento para a construção social,
dismentificando as contradições e concepções erradas sobre a
história e memória dos seus povos e antepassados, com uma
ampla divulgação para além dos seus territórios, a voz
prepoderante é de ressiguinificações de novas perspectivas de
mundo, do trabalho e das trajetorias bibliograficas das culturas
das comunidades tradicionais.
O projeto pós-colonial é aquele que, ao identificar a
relação antagônica entre colonizador e colonizando, busca
denunciar as diferentes formas de dominação e opressão dos
povos. Como uma escola de pensamento, o pós-colonialismo
não tem uma matriz teórica única, sendo associado aos
trabalhos de teóricos como Franz (sic) Fanon, Albert Memmi,
Aimé Césaire, Edward Said, Stuart Hall e ao Grupo de Estudos
Subalternos, criado na década de 1970 pelo indiano Ranajit
Guha (2017, p. 187).
É possível por meio da educação romper com a força da
cultura colonialista através das artes, das culturas, do respeito
as diversidades, do conhecimento de mundo, respeito a
natureza e suas fontes de vida, salvado os ensinamentos dos
xamãs e da ancestralidade, garatir a sustentabilidade da saúde
da terra. Romependo com as apropriações do discurso do
capitalismo e da descrença da falsa narrativa, buscando ter uma
vida de qualidade, dialogando com a divisão de
responsabilidades entre a governança e a sociedade.

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148
Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

Transpondo o pensamento pós-colonial, “o pensamento decolonial


propõe romper

com os pensamentos gravados nas mentes e corpos por


gerações”, representados, por exemplo, pelas tradições greco-
romanas, eurocentradas, incorporando “o pensamento dos
povos originários (índios) e de diáspora forçada (negros)” como
epistemologias legítimas para a cultura dos povos colonizados
(COSTA NETO, 2016, p. 51).

Deste modo, o papel da educação nos modelos das


comunidades tradicionais têm sido apresentado por diferentes
alternativas multidiciplinares e interdiciplinares de orientação
de práticas pedagógicas em defesa da valorização da cultura,
do trabalho exemplificando as metodologias ativas decolonias.
Resgatando as experiências dos territórios, abrangendo as
contribuições dos povos em suas matrizes religiosas, da
culinária local, das artes, repensar a situação colonial para
construção de novos saberes e práticas pedagógias de
aprendizagem e ensino nas escolas, como bem a mudança de
questões curriculares.
Embasados em Hall (2009), concordamos com o fato de
que o “póscolonial” ou o “pós-colonialismo” somente se
tornam categorias conceituais úteis na medida em que nos
ajudam a problematizar, interpretativamente, as
transformações globais oriundas das transições desiguais da era
dos Impérios para a era da pós-independência das ex-colônias.
Isso se deve ao fato de que a análise em torno das sociedades
pós-coloniais deve ser bastante cuidadosa, como alertaram
Frankenberg e Mani (1993), visto que nem todas as sociedades

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

são pós-coloniais num mesmo sentido. Sobre isto, se posiciona


Stuart Hall:

Quanto ao fato de o pós-colonial ser um conceito confusamente


universalizado, sem dúvida certo descuido e homogeneização
têm ocorrido, devido à popularidade crescente do termo, seu
uso extenso, o que às vezes tem gerado sua aplicação
inapropriada. Há sérias distinções a serem feitas, as quais têm
sido negligenciadas, o que tem causado um enfraquecimento
do valor conceitual do termo. A Grã-Bretanha é pós-colonial no
mesmo sentido em que são os Estados Unidos? É conveniente
considerar os Estados Unidos uma nação pós-colonial? Deveria
o termo ser aplicado igualmente à Austrália, um país de
colonização branca, e à Índia? A Grã-Bretanha e o Canadá, a
Nigéria e a Jamaica seriam todos igualmente póscoloniais? Os
argelinos que vivem em seu país e os que vivem na França, os
franceses e os colonos pied-noir, seriam todos eles póscoloniais?
A América Latina seria pós-colonial, ainda que suas lutas de
independência tenham ocorrido no início do século dezenove –
portanto bem antes da recente fase de descolonização à qual o
termo se refere mais evidentemente – e tenham sido lideradas
pelos descendentes dos colonizadores espanhóis que haviam
colonizado os povos nativos? (HALL, 2009, p. 99-100, grifos no
original).

Marcon (s/d), apoiando-se em Appiah (1997), escreve:

Este não é apenas um pós de superação de etapas, mas é um


pós do gesto de abrir espaços, por ser posterior a algo, mas
também por rejeitar os aspectos de algo. Não significa que
uniformemente as sociedades coloniais ou tradicionais
ultrapassaram o colonialismo. Significa que esta é uma
condição de posturas intelectuais, estéticas, políticas e
econômicas marcadas pela deslegitimação da autoridade, poder
e significados produzidos pelos impérios ocidentais. É um pós
que contesta narrativas anteriores, legitimadoras de dominação

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

e poder, [...]. Nesta perspectiva, o entendimento do pós-


colonialismo como substantivo propõe a ideia de uma condição
universal do póscolonial. Condição global que emerge na
literatura, na filosofia, na estética e na política fruto da mútua
experiência colonial na metrópole e nas colônias (MARCON,
s/d, In: www.nuer.ufsc.br, grifos no original, p.18).

A ideia de práxis possibilita o desenvolvimento de uma


consciência crítica em ambiente de constantes debates
reflexivos sobre a tomada de ideias, projetos, renúncia de
concepções e imagens, tendo a sala de aula como espaços de
transformações para descolonizar os processos de ensino e de
aprendizagem da comunida escolar. Partilhar experiências
incoporando valores afetivos.

PEDAGOGIA DOS SABERES PLURAIS NA FORMAÇÃO


DOCENTE E O PAPEL DA ESCOLA

Aprender com os obstáculos na educação e colonização


significa considera uma lista de lacunas entre superação de
barreiras que se somam aos esforços de mudanças curriculares,
no ensino, na gestão da sala de aula, na gestão escolar. As
novas tendências em aproxima à escola das situações
problemáticas e das ferramentas tecnológicos para a formação
vêm acompanhadas de mudanças decorrentes das
transformações sociais, educacionais, culturais e econômicas.
Paulo Freire (1921-1997) possui nesta seara um papel decisivo
na elaboração de uma crítica consistente não apenas à
instituição escolar, como também à prática pedagógica como
um todo, propondo em seu lugar uma pedagogia que

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Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais

possibilitasse uma emancipação humana, sendo um marco para


a tanto a publicação do livro “Pedagogia do Oprimido”.

Formar professores para a compreensão da diversidade,


da pluralidade para o reconhecimento da construção da