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A METAMORFOSE DO CONCEITO DE INTERSUBJETIVIDADE A PARTIR

DA REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA

A chegada das novas plataformas de tecnologia teve um impacto muito


agravante na relação do eu com o tu. Tal relação foi sofrendo uma mutação com o
decorrer dessas evoluções, quanto mais tecnológico, maior o distanciamento
presencial dos seres humanos, cada qual, se isola cada vez mais num mundo onde
seus desejos e fetiches são realizáveis, e fornecem a sensação de prazer, todavia
necessita-se o questionamento: Até que ponto as tecnologias realmente nos
distanciaram? Ora, tal inquirição podem abalar o consciente humano, pois ao
retornar alguns séculos, percebe-se que Descartes, considerando o mundo uma
máquina, já dá indícios de uma nova interpretação de como as relações humanas se
dariam, pois para o filósofo, sendo o mundo uma máquina, os seres humanos,
seriam as engrenagens, e assim como em uma fábrica cada qual necessitaria de
produzir cada vez mais e de forma constante para que a fábrica lucrasse com tal
produção, aqueles que não o produzissem eram descartados.
No decorrer dos anos, com a revolução copernicana de Kant, o homem foi
tornando-se o centro do universo, e tal situação antropológica, favoreceu para que
entendendo-se como centro suas vontades e desejos deveriam ser realizadas.
Mesmo que Kant tenha estabelecido o Imperativo Categórico, no qual as leis devem
ser cumpridas, não por inclinação, mas por dever, o homem utilizava-se de sua
egoicidade para conduzir suas relações, produzindo um sentido, que Sartre trata em
seu livro O Ser e o Nada, que minha liberdade se limita na liberdade do outro, ora se
minha liberdade se limita no outro, então o outro, não me complementa, mas se
torna um peso.
Considerar o outro como peso, não produz um sentido de alteridade, pois
como afirma Levinas, o outro deve completar o eu, e não se tonar um fardo, caso tal
situação acontece não há subjetividade, mas interpretação dualista do conceito de
subjetividade e alteridade. Para Levinas, o homem se dá na relação com o outro, e
só pode dizer que é alguma coisa se possui tal relação.
Mas como a tecnologia impediu que o ser humano tivesse uma verdadeira
relação de intersubjetividade? Tal resposta para o problema, se encontra mascarada
por um sentimento de proximidade e de liberdade. O ser humano inserido cada vez
mais nas redes, encontra-se embebido de um mundo, totalmente diferente daquele
que é externo às mesmas. Assim cria-se sub-mundos dentro deste mundo, e tais
conduzem o ser humano a uma nova conceptualização de intersubjetividade, ora se
no entendimento de Levinas as relações com todo e qualquer ser humano é o que
permitia que o mesmo se reconhecesse como tal, com a revolução e seus sub-
mundos a interação com “todo e qualquer”, foi reduzida a “todo e qualquer que
comungue de minhas ideias”, construindo uma nova categoria de intersubjetiva, na
qual “[...] busca eliminar todas as relações assimétricas.” 1 com isso, busca-se cria-se
novas dominações e relações entre os seres humanos, tais são cercados por
ideologias e separatismos, extremismos, terrorismo, ou seja, a doença, que com a
nova configuração tem sua gênese no indiferentismo, no qual a dor do outro não me
dói, numa linguagem coloquial, “mimimi”.
A realidade da indiferença, se faz muito presente nas redes sociais, ora,
possuo em minhas redes as pessoas que quero, com os argumentos e opiniões que
se configurem iguais aos meus. Tais redes permitem ao ser humano acreditar que
faz parte da comunidade, contudo trata-se de uma ilusão, na qual não há
estabilidade, e como afirma Bauman, trata-se de uma liquidez de relações. Papa
Francisco afirma que é necessária a “[...] consciência de sermos uma comunidade
mundial que viaja no mesmo barco, em que o mal de um prejudica a todos.” 2 e que
“[...] ninguém se salva sozinho, de que só é possível salvar-nos juntos.” 3
A construção de um novo conceito de intersubjetividade leva o ser humano a
um suicídio coletivo, pois “Se não conseguirmos recuperar a paixão compartilhada
por uma comunidade de pertença e solidariedade, [...] desabará ruinosamente a
ilusão global que nos engana e deixará muitos à mercê da angústia e do vazio.” 4
Permanecer na individualidade dos grupos restritos, e não considerar a abertura
para a agregação do outro que me interpele; reduzir o ser humano a uma máquina,
na qual deve-se funcionar perfeitamente; fazer acepção de pessoas e reunir-se
somente com aqueles que comunguem de uma mesma opinião, tudo isso refletirá
em um caos social, no qual não saber-se-á qual via tomar. A pandemia refletiu muito
o quão prejudicial se faz essa nova interpretação do conceito de intersubjetividade,

1
CHUL-HAN, Byung. Sociedade da Transparência. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2020.
Tradução de Enio Paulo Giachini, p. 45.
2
FRANCISCO, Papa. Fratelli Tutti: sobre a fraternidade e a amizade social. São Paulo:
Paulus, 2020, p. 26
3
Idem
4
Idem, p. 28
pois se se agrupa apenas com os iguais, os diferentes serão excluídos, e assim
tentarão conquistar seus direitos através de luta, através de guerras, ou da morte.

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