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8.2 A atenção conjunta ...................................................................................................... 130
8.3 Princípios teóricos de interpretação da atenção conjunta..................................... 133
9.0 IDEOLOGIA E ALIENAÇÃO .......................................................................................... 137
9.1 Ideologia ............................................................................................................................ 137
9.1.1 Para que serve a ideologia? ............................................................................... 142
9.1.2 Tipos de ideologia ................................................................................................ 144
9.2 Alienação Social........................................................................................................... 145
10.0 A PSICOLOGIA SOCIAL E O PAPEL DO PSICÓLOGO NA SOCIEDADE
CONTEMPORÂNEA .............................................................................................................. 147
11.0 O PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO .......................................................................... 150
11.1 O indivíduo: ser social ............................................................................................... 150
11.2 Cultura ......................................................................................................................... 152
11.3 Agentes socializadores do processo de socialização .......................................... 154
11.4 Papéis sociais ............................................................................................................ 156
11.5 Identidade social e consciência de si mesmo .................................................... 158
12.0 PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO, GRUPOS E PAPÉIS SOCIAIS ...................... 162
13.0 PSICOLOGIA COMUNITÁRIA .................................................................................... 164
14.0 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA FAMÍLIA E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA ........ 168
14.1 O conceito de família enquanto sistema ................................................................ 171
14.2 A estrutura familiar dinâmica ................................................................................... 175
14.3 Os diferentes tipos de fronteiras familiares ........................................................... 177
14.4 A família e as mudanças ao longo do ciclo vital ................................................... 179
15.0 VIOLÊNCIA FAMILIAR: CONCEITUAÇÃO E CARACTERÍSTICAS DE SUA
SUSTENTAÇÃO ..................................................................................................................... 183
15.1 Os tipos de violência com crianças e idosos......................................................... 185
15.2 O psicólogo lidando com questões de violência familiar ..................................... 189
15.2.1 Genograma.......................................................................................................... 194
15.2.2 Mapa de redes .................................................................................................... 198
16.0 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER .................................................... 202
16.1 Caracterização da violência ..................................................................................... 204
16.2 Gênero e Violência. ................................................................................................... 206
16.3 Os tipos de violência ................................................................................................. 208
16.3.1 Física .................................................................................................................... 210
16.3.2 Psicológica .......................................................................................................... 210
16.3.3 Sexual .................................................................................................................. 211
16.3.4 Patrimonial........................................................................................................... 212
16.3.5 Moral..................................................................................................................... 212
16.4 Fatores Determinantes que Levam as Mulheres a se Sujeitarem a Violência. 213
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16.5 Consequências Trazidas Para as Vítimas............................................................. 214
16.6 Perfil do agressor....................................................................................................... 216
16.7 Violência conjugal contra o homem ........................................................................ 218
16.8 O papel do psicólogo com as vítimas de violência doméstica ........................... 222
REFERÊNCIA: ........................................................................................................................ 232
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1.0 PSICOLOGIA SOCIAL
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descobrir relações causais que permitam estabelecer princípios básicos que
explicarão o fenômeno da psicologia social" (p. 412).
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Se os eventos naturais fossem caprichosos, a ciência natural seria amplamente
substituída pela história natural.
Tal como Back (1963) mostrou, a ciência social pode proveitosamente ser
vista como um extenso sistema de comunicações. Na execução da pesquisa, os
cientistas recebem mensagens transmitidas pelo sujeito do experimento. Em sua
forma crua, tais mensagens geram apenas "ruído" para o cientista. Teorias
científicas servem como dispositivo decodificador que converte o barulho em
informação útil. Embora Back tenha usado esse modelo de várias maneiras
instigantes, sua análise termina no ponto da decodificação. Esse modelo precisa
ser estendido além do processo de coleta e decodificação das mensagens. A
tarefa do cientista é também aquela do comunicador. Se suas teorias provam ser
dispositivos úteis de decodificação, elas são comunicadas à população a fim de
que ela possa beneficiar-se de sua utilidade. Ciência e sociedade
retroalimentam-se.
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cuidadosamente os encontros profissionais tanto quanto os periódicos da
profissão. Editoras acharam rentável apresentar a visão dos psicólogos sobre os
padrões contemporâneos de comportamento, e revistas quase exclusivamente
voltadas à psicologia ostentam hoje um total de mais de 600.000 leitores.
Quando acrescentamos a essas marcas a ostensiva expansão do mercado de
brochuras, a crescente demanda governamental por conhecimento justificando
o investimento público na pesquisa psicológica, a proliferação de encontros
técnicos, o estabelecimento de empreendimentos comerciais vendendo
psicologia através de jogos e pôsteres, e a crescente confiança das grandes
instituições (comerciais, governamentais, militares e sociais) depositada na
competência de seus cientistas comportamentais; começa-se então a sentir a
força do laço pelo qual os psicólogos encontram-se vinculados, em mútua
comunicação, à cultura que lhes envolve.
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enviesadores de intensos compromissos normativos. Por outro lado, como seres
humanos socializados, nós sustentamos inúmeros valores acerca da natureza
das relações sociais. Raro o psicólogo social em que seus valores não
influenciam o tema de sua pesquisa, seus métodos de observação, ou mesmo
os termos de sua descrição. Na geração de conhecimento sobre a interação
social, comunicamos também nossos valores pessoais. O receptor do
conhecimento provê-se assim de duas classes de mensagens: mensagens que
desinteressadamente descrevem o que parece ser, e aquelas que
sutilmente prescrevem o que é desejável.
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Inicialmente, nossa imagem dos maquiavélicos foi negativa,
associada a manipulações sombrias e desagradáveis. Entretanto ...
encontramo-nos nós mesmos diante de uma admiração perversa pela
habilidade daqueles para ultrapassar os outros em situações
experimentais (p. 339).
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Embora vieses avaliativos sejam facilmente identificados em pesquisas
sobre personalidade, eles não estão de modo algum limitados a esta área. A
maioria dos modelos de interação social também contém juízos de valor
implícitos. Por exemplo, pesquisas sobre conformidade frequentemente tratam
o conformado como um cidadão de segunda categoria, uma ovelha social que
abre mão de convicções pessoais em troca das opiniões errôneas dos outros.
Assim, modelos de conformidade social sensibilizam-no a fatores que poderiam
levá-lo a ações sociais deploráveis. Com efeito, o conhecimento protege contra
a eficácia futura destes mesmos fatores. Pesquisas sobre mudança de atitude
frequentemente levam a essas mesmas implicações. Saber sobre a mudança de
atitude estimula a crer que se tem o poder de mudar os outros.
Consequentemente, outros são relegados ao status de manipuláveis. Assim,
teorias de mudança de atitude poderiam sensibilizar em direção à proteção
contra fatores que poderiam potencialmente influenciá-lo. Do mesmo modo,
teorias de agressão usualmente condenam o agressor, modelos de negociação
interpessoal desaprovam a espoliação e modelos de desenvolvimento moral
depreciam aqueles abaixo do estágio ótimo (Kohnlberg, 1970). A teoria da
dissonância cognitiva (Brehm & Cohen, 1966; Festinger, 1957) podia parecer
neutra, porém a maioria dos estudos nesta área tem apresentado o redutor de
dissonância em termos nada elogiosos. "Quão estúpido", dizemos, "que as
pessoas tenham que trapacear, tirar notas baixas em exames, mudar suas
opiniões sobre os outros, ou mesmo comer alimentos indesejáveis, apenas para
manter a consistência".
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costumamos ver nossas opiniões como propagandísticas, mas sim como o
reflexo de "verdades básicas".
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podemos testar adequadamente nossas hipóteses. Da mesma maneira, se a
sociedade é psicologicamente informada, teorias sobre isso mesmo que é
informado tornam-se difíceis de serem testadas sem o risco de contaminação.
Eis aqui uma diferença fundamental entre as ciências naturais e sociais.
Formalmente, o cientista não pode comunicar seu conhecimento aos sujeitos de
seu estudo de tal forma que suas disposições comportamentais sejam
modificadas. Nas ciências sociais tal comunicação pode ter um impacto vital no
comportamento.
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Princípios estabelecidos do comportamento tornam-se estímulos à tomada de
decisão de alguém. Como Winch (1958) indicou, "na medida em que
compreender algo envolve compreender sua contradição, alguém que,
inteligentemente, realiza X deve ser capaz de visualizar a possibilidade de fazer
não-X" (p. 89). Princípios psicológicos também sensibilizam os sujeitos a
influências que agem sobre eles e dirigem sua atenção a certos aspectos do
meio e deles mesmos. Nesse processo, seus padrões de comportamento podem
ser fortemente influenciados. Como May (1971) expôs mais apaixonadamente,
"cada um de nós herda da sociedade um fardo de tendências que nos modelam
inevitavelmente; porém nossa capacidade de ser consciente desse fato salva-
nos de sermos estritamente determinados" (p. 100). Dessa forma, o
conhecimento de signos não-verbais de estresse ou calma (Eckman, 1965)
habilita-nos a utilizá-los toda vez que nos é útil fazê-lo. Saber que pessoas em
problema são menos dispostas a serem ajudadas quando há um grande número
de espectadores (Latané & Darley, 1970) pode aumentar o desejo de oferecer
ajuda em tais condições. Saber que o estado de excitação pode influenciar a
interpretação de eventos (cf. Jones & Gerard, 1967) pode suscitar cautela
quando esse mesmo estado se encontra em grau elevado. Em cada caso, o
conhecimento aumenta as alternativas de ação, e padrões prévios de
comportamento são modificados ou dissolvidos.
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popularidade de Erikson (1968) e Allport (1965) pode se dever ao grande apoio
que esses autores dão a este valor, e recente pesquisa em laboratório (Fromkin,
1970, 1972) demonstrou a força desse valor na alteração do comportamento
social. A teoria psicológica, na sua estrutura nomotética, é insensível às
ocorrências singulares. Indivíduos são tratados como exemplares de classes
maiores. Uma reação comum é a de que a teoria psicológica é desumanizante,
e como Maslow (1968) notou, pacientes sustentam um forte ressentimento ao
receberem a rubrica ou serem rotulados com termos clínicos convencionais.
Similarmente, negros, mulheres, ativistas, suburbanos, educadores e idosos têm
todos reagido amargamente a explicações sobre seus comportamentos. Dessa
forma, podemos nos esforçar em invalidar teorias que nos seduzem por sua
aparência impessoal.
Até agora discutimos três modos através dos quais a psicologia social
altera o comportamento que ela pretende estudar. Antes de passarmos a um
segundo grupo de argumento em favor da dependência histórica da teoria
psicológica, devemos lidar com um importante meio de combate aos efeitos
descritos até agora. A fim de preservar a validade transhistórica dos princípios
psicológicos, a ciência poderia ser removida do domínio público e a
compreensão científica reservada a uma elite seleta. Essa elite seria,
evidentemente, cooptada pelo Estado, uma vez que nenhum governo poderia
admitir o risco da existência de um estabelecimento privado desenvolvendo
ferramentas de controle público. Para a maioria de nós, tal proposta é
repugnante, e nossa inclinação é, ao contrário, procurar uma solução científica
ao problema da dependência histórica. Muito do que se disse aqui sugere uma
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resposta desse tipo. Se pessoas que são psicologicamente esclarecidas reagem
aos princípios gerais contra dizendo-lhes, ratificando-lhes, ignorando-lhes, e
assim por diante, então deveria ser possível estabelecer as condições sob as
quais essas várias reações ocorrerão. Baseado em noções de reatância
psicológica (Brehm, 1966), profecias auto realizadoras (Merton, 1948) e efeitos
de expectativa (Gergen & Taylor, 1969), poderíamos construir uma teoria geral
das reações à teoria. Uma psicologia dos efeitos de esclarecimento deveria
habilitar-nos a predizer e controlar os efeitos do conhecimento.
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149). Em bom português, nomeia-se lhe psicologia reversa, e é frequentemente
malvista. Certamente, pode-se contar com pesquisa sobre reações à psicologia
dos efeitos de esclarecimento, porém rapidamente pode-se ver que essa troca
de ações e reações poderia ser estendida indefinidamente. Uma psicologia dos
efeitos de esclarecimento está sujeita às mesmas limitações históricas como
outras teorias de psicologia social.
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Tais alterações nas relações funcionais não estão limitadas em princípio
às áreas concernentes ao público imediato. A teoria da comparação social de
Festinger (1957), por exemplo, e a extensiva linha de pesquisa dedutiva (cf.
Latané, 1966) estão baseadas na dupla suposição de que (a) pessoas desejam
avaliar-se corretamente e (b) a fim de fazê-lo, comparam-se com outros. Há
pouquíssimas razões para achar que tais disposições são geneticamente
determinadas, e podemos facilmente imaginar pessoas, e mesmo sociedades,
nas quais tais suposições não se sustentariam. Muitos de nossos comentadores
sociais são críticos da tendência comum a buscar na opinião dos outros a
definição de si e tentam mudar a sociedade com sua crítica. Com efeito, toda a
linha de pesquisa parece depender de um conjunto de propensões aprendidas,
propensões que poderiam ser alteradas pelo tempo e circunstâncias.
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mensagem comunicada tornar-se dissociada de sua fonte com o passar do
tempo (Kelman & Hovland, 1953) porque, atualmente, não nos parece útil reter
a associação. Em pesquisas sobre conformidade, pessoas conformam-se mais
a amigos do que a não-amigos (Back, 1951) parcialmente porque aprenderam
que amigos punem comportamentos desviantes na sociedade contemporânea.
Pesquisas em atribuição causal (cf. Jones, Davis & Gergen, 1961; Kelley, 1971)
dependem da tendência culturalmente dependente a perceber o homem como a
fonte de sua ação. Essa tendência pode ser modificada (Hallowell, 1958) e
alguns (Skinner, 1971) de fato demonstraram que isso pode acontecer.
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indivíduo. Entretanto, ainda que a psicologia social esteja imunizada do
reducionismo fisiológico, suas teorias não estão isoladas da mudança histórica.
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estabelecida como um reforçador, a aprovação social prova ser, no que concerne
à predição, um bem-sucedido meio de modificação do comportamento (cf.
Barron, Hecknmueller, & Schultz, 1971; Gewirtz & Baer, 1958).
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Sob a luz dos presentes argumentos, a tentativa contínua de construir leis
gerais do comportamento social parece mal direcionada, e a crença associada a
ela de que o conhecimento da interação social pode ser acumulado como nas
ciências naturais revela-se injustificada. Em essência, o estudo em psicologia
social é fundamentalmente um empreendimento histórico. Estamos
essencialmente engajados em incontáveis questões contemporâneas.
Utilizamos metodologia científica, porém os resultados não são princípios
científicos no sentido tradicional. No futuro, historiadores poderão voltar-se para
tais relatos do passado a fim de alcançar uma melhor compreensão acerca da
vida atualmente. Entretanto, é provável que os psicólogos do futuro encontrem
pouco valor no conhecimento contemporâneo. Esses argumentos não são
puramente acadêmicos e não se limitam a uma simples redefinição de ciência.
Aqui estão implicadas significantes alterações na atividade de campo. Cinco
dessas alterações merecem atenção.
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pesquisa pura têm grande validade transhistórica, podem estar refletindo
processos de interesse periférico ou importantes para o funcionamento da
sociedade.
Da Predição à Sensibilização
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O objetivo central da psicologia é tradicionalmente encarado como a
predição e o controle do comportamento. Do nosso ponto de vista, esse objetivo
é despropositado e oferece pouca justificativa para a pesquisa. Princípios do
comportamento humano podem ter valor preditivo temporalmente limitado, e seu
alto conhecimento pode torná-los impotentes como ferramentas de controle
social. Todavia, previsão e controle não precisam servir de pedras angulares do
campo. A teoria psicológica pode desempenhar um papel excessivamente
importante enquanto dispositivo de sensibilização. Pode esclarecer-nos acerca
da gama de fatores que potencialmente influenciam o comportamento sob várias
condições. A pesquisa pode também oferecer algumas estimativas da
importância desses valores num determinado momento. Seja no caso do
domínio da política pública ou dos relacionamentos pessoais, a psicologia social
pode aguçar a sensibilidade de um indivíduo para influências sutis e apontar
suposições sobre o comportamento que não se mostraram úteis no passado.
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fornecer princípios para que predições confiáveis possam ser feitas. Padrões de
comportamento estão sob constante mudança. Contudo, o que o campo pode e
deve oferecer são pesquisas informando o inquiridor do número de possíveis
ocorrências, ampliando assim sua sensibilidade e preparando-o para uma
acomodação mais rápida à modificação ambiental. Pode prover ferramentas
conceituais e metodológicas com as quais um número maior de juízos de
discernimento pode ser efetuado.
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maioria dos processos de domínio social é dependente de disposições sujeitas
a modificação ao longo do tempo.
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O fenômeno social pode variar consideravelmente na medida em que se
submete à mudança histórica. Certos fenômenos podem ser mais estreitamente
vinculados a dados fisiológicos. A pesquisa de Schachter (1970) sobre estados
emocionais parece ter uma forte base fisiológica, assim como o trabalho de Hess
(1965) sobre afeto e constrição pupilar. Embora disposições adquiridas possam
vir a superar algumas tendências fisiológicas, tais tendências deveriam se
reafirmar gradualmente. Outras propensões fisiológicas, ainda, podem ser
irreversíveis. Pode haver também disposições que são suficientemente
poderosas para que nem o esclarecimento e nem mesmo as mudanças
históricas venham a causar-lhe algum impacto. Algumas pessoas geralmente
evitarão estímulos físicos dolorosos, apesar de suas sofisticações ou das
normas correntes. Devemos pensar, então, em termos de um contínuo de
durabilidade histórica, com fenômenos altamente suscetíveis à influência
histórica num extremo e processos mais estáveis no outro.
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de períodos históricos recentes. Até agora, tais empreendimento têm fornecido
pouco além de citações indicando que algum grande pensador pressentiu uma
hipótese familiar. Temos ainda que travar contato com a vasta quantidade de
informações referentes aos padrões de interação nos últimos períodos. Embora
a progressiva sofisticação dos padrões de comportamento ao longo do espaço
e do tempo fornecesse valiosas compreensões referentes à durabilidade, alguns
difíceis problemas apresentar-se-iam. Alguns padrões de comportamento podem
permanecer estáveis até uma observação minuciosa. Outros podem
simplesmente tornar-se disfuncionais com o passar do tempo. A confiança do
homem num conceito de deidade tem uma longa história e é encontrada em
numerosas culturas. Entretanto, muitos são céticos sobre o futuro desta crença.
Taxas de durabilidade teriam assim que contribuir para a estabilidade potencial
tanto quanto atual do fenômeno.
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particulares estratégias de pesquisa e a sensibilidade do historiador poderiam
elevar a compreensão da psicologia social, passada e presente. Particularmente
útil seria a sensibilidade do historiador às sequências causais no curso do tempo.
Muitas pesquisas em psicologia social centram-se em segmentos momentâneos
de processos em andamento. Temos nos concentrados muito pouco na função
desses segmentos dentro de seu contexto histórico. Temos pouca teoria lidando
com a inter-relação entre eventos dentro de longos períodos. Da mesma feita,
historiadores poderiam beneficiar-se das mais rigorosas metodologias
empregadas pelos psicólogos sociais tanto quanto de sua sensibilidade a
variáveis psicológicas. Contudo, o estudo da história, passada e presente,
deveria ser empreendido da maneira mais ampla possível. Fatores políticos,
econômicos e institucionais são todos fatores necessários à compreensão numa
perspectiva integrada. A concentração em psicologia apenas oferece uma
compreensão distorcida de nossa condição presente.
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narrativa singular do que foi e do que é a Psicologia Social em nosso país. Mais
exatamente, produzem uma narrativa dividida em duas partes: a primeira retoma
o modo como costumamos contar a história dessa ciência; e a segunda
apresenta algumas das abordagens teórico-metodológicas que fazem parte de
sua história.
32
Nesse mesmo período, a Psicologia Social norte-americana começou a
ser problematizada pelos europeus. Na França, por exemplo, a tradição
psicanalítica foi retomada após o movimento de maio de 1968 e a tradição norte-
americana foi criticada por ser "uma ciência ideológica, reprodutora dos
interesses da classe dominante, e produto de condições históricas específicas"
(Lane, 1984/2007, p. 11). Esse movimento repercutiu na Inglaterra: em 1972,
Israel e Tajfel analisaram a "crise" sob o ponto de vista epistemológico – era "a
crítica ao positivismo, que em nome da objetividade [perdia] o ser humano."
(Lane, 1984/2007, p. 11). Dois anos mais tarde, é publicado o
livro Reconstructing Social Psychology (Armistead et al., 1974), com
contribuições de muitos psicólogos críticos ao status quo da disciplina.
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Os principais motivos de insatisfação eram: a dependência teórico-metodológica,
principalmente dos Estados Unidos, a descontextualização dos temas
abordados, a superficialidade e a simplificação das análises desses temas, a
individualização do social e ausência de preocupação política. Em suma, "a
palavra de ordem era a transformação social." (p. 31) 1.
34
diálogo e o avanço desse campo. Além disso, caminhava-se para o
fortalecimento de um pensamento latino-americano na Psicologia, a partir da
Psicologia Social." (Lane & Bock, 2003, p. 146). Após o congresso, foi nomeada
uma comissão para redigir o estatuto da nova associação. No ano seguinte,
durante a reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC), esse estatuto foi votado e aprovado, instituindo oficialmente a
Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO). Segundo as autoras, as
intenções políticas da ABRAPSO sempre foram a construção de uma psicologia
social crítica, voltada para os problemas nacionais, acatando diferentes
correntes epistemológicas, desde que filiadas ao compromisso social de
contribuir para a construção de uma sociedade mais justa. A ABRAPSO nasceu
da insatisfação com a psicologia europeia e americana. Os problemas de nossa
sociedade, marcada pela desigualdade social e pela miséria, não encontravam
soluções na psicologia social importada como um saber universal dos países do
Primeiro Mundo. (p. 149).
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Quadro 1: Programas de pós-graduação com nome e/ou área básica em Psicologia Social
36
2.2 A diversidade da Psicologia Social brasileira
A história da Análise Institucional (AI) no Brasil não pode ser contada sem
considerar o contexto político dos países latino-americanos – principalmente, da
Argentina. De acordo com Cunha, Dorna e Rodrigues (2006), essa abordagem
começou a ser desenvolvida na França na década de 1960. Logo em seguida,
psicanalistas argentinas(os) entraram em contato com as obras de seus
principais expoentes – como René Lourau, Georges Lapassade, Giles Deleuze
e Félix Guatarri –, passando a utilizar as ferramentas teóricas e metodológicas
37
por eles propostas para promover transformações, de cunho libertário, nos
campos da saúde mental, educação e formação. Mas com o golpe militar de
1976, muitas(os) dessas(es) psicanalistas foram forçados ao exílio e
algumas(ns) se mudaram para o Brasil – tais como Gregório Baremblitt e
Osvaldo Saidón –, o que acabaria imprimido "marcas argentinas e psicanalíticas"
na AI brasileira.
Desde o final dos anos 1960, "o Setor" − alcunha pela qual ficou conhecido
− incorporou a AI francesa como um de seus referenciais, tendo recebido, em
1972, a visita de Georges Lapassade.... Visita "intempestiva", por sinal, para os
tempos ditatoriais, visto que a AI francesa constitui pensamento/prática tendente
ao marxismo libertário e/ou ao anarquismo, e Lapassade fora, além do mais,
ativo militante do movimento de maio de 1968, enfatizando, à época da estada
no Brasil, temas como o anticolonialismo, a afirmação da homossexualidade e a
denúncia do racismo. (Cunha, Dorna & Rodrigues, 2006, p. 3).
38
"em produzir uma psicologia social comprometida com as necessidades da
população, especialmente com as classes populares. E é justamente a partir das
intervenções realizadas junto a diferentes movimentos e grupos que a Psicologia
Social do Setor vai sendo construída." (Cunha, Dorna & Rodrigues, 2006, p. 5).
39
pelo modelo positivista de ciência e construir uma Psicologia comprometida com
a transformação da realidade brasileira. Ou seja, buscavam construir uma
Psicologia que considerava o "conhecimento científico como práxis, unidade
entre saber e fazer" (Bock, Ferreira, Gonçalves & Furtado, 2007, p. 48), na qual
teoria e prática deveriam ser vividas sempre como militância. Para isso,
propunham adotar uma nova concepção de "homem": o "homem" social e
histórico, bem como um novo método: o materialismo histórico e dialético (Lane,
1984/2007).
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Questionou-se profundamente o parâmetro teórico da psicologia social. De uma
hora para outra, apenas a discussão crítica da Psicologia Social americana não
era mais suficiente. (p. 48, destaque dos autores)
O termo "representações sociais" foi utilizado pela primeira vez por Serge
Moscovici em Psychanalyse: son image et son public (1961) para se referir aos
saberes populares e do senso comum, elaborados e partilhados coletivamente
com o objetivo de construir e interpretar o real (Oliveira & Werba, 2007).
Moscovici havia percebido que os meios de comunicação difundiam uma série
de conceitos psicanalíticos e que esses eram incorporados à linguagem
cotidiana de diferentes grupos sociais de uma forma bem "livre", sem fazer
referência alguma à fundamentação teórica original. Havia percebido também
que, nesse movimento, conceitos complexos eram transformados em
conhecimento acessível, útil para dar sentido à realidade e justamente é esse
processo de transformação de noções acadêmicas em ideias do senso comum
que o autor enfoca nessa obra (Álvaro & Garrido, 2006).
41
Segundo Celso Pereira de Sá (2007), a Teoria das Representações
Sociais (TRS) chegou ao Brasil em 1978, com a publicação da primeira parte do
livro de Moscovici. Pouco tempo depois, estudantes latino-americanas(os) –
dentre elas(es), algumas(uns) brasileiras(os) – começam a procurar o laboratório
de Moscovici na França para fazer cursos de pós-graduação. Segundo o autor,
foi a partir da iniciativa dessas(es) estudantes que a TRS penetrou efetivamente
no Brasil: "de fato, no seu segundo ingresso no país, em 1982, a teoria veio
corporificada na pessoa de uma pesquisadora francesa, Denise Jodelet, que,
atendendo aos convites de suas estudantes latino-americanas, após passar pela
Venezuela, desembarcou em Campina Grande, Paraíba." (p. 598).
42
cooperação resultou, também, na criação de centros e redes de pesquisa, tais
como o "Centro Internacional de Estudos em Representações Sociais e
Subjetividade – Educação" (CIERS-ed), o "Centro Internacional de Pesquisa em
Representação e Psicologia Social ‘Serge Moscovici'" e a "Rede Internacional de
Pesquisa sobre Representações Sociais em Saúde" (RIPRES) (Jodelet, 2011) 3.
Segundo Jodelet (2011), hoje, podemos até mesmo falar em uma "escola
brasileira" da TRS . Afinal, já temos um "um grupo de pesquisadores unido por
um mesmo estilo e uma mesma preocupação ou orientação" (p. 22). Para a
autora, apesar de possuírem divergências teóricas e metodológicas, as(os)
pesquisadoras(es) que fazem parte dessa "escola" têm em comum a
preocupação de entender os (e intervir nos) problemas sociais de seu país. Em
suas palavras: os trabalhos são desenvolvidos essencialmente em torno de
temas ou domínios chamados de "aplicação", mas que em efeito, são domínios
onde surgem problemas sociais importantes: educação, saúde, ambiente,
política e justiça social, movimentos sociais, memória e história... essa
orientação social é característica de uma "escola" radicalmente diferente da
perspectiva das escolas europeias. Estas se dedicam a processos e temas
definidos de maneira teórica para enriquecer a teoria, afinar as metodologias, no
laboratório ou no campo; ou para oferecer novas vias de análise dos fenômenos,
conceitos e temas da disciplina "psicologia social", opondo-se as correntes
tradicionais. (p. 22).
43
autoras(es) construcionistas costumam se basear em alguns pressupostos: o
primeiro deles é o antiessencialismo, ou seja, a adoção de uma postura
desnaturalizadora, que considera que tanto as pessoas como o mundo em que
elas vivem são produtos de processos sociais específicos. Assim, não existiriam
objetos naturais: "os objetos são como são porque nós somos como somos, os
fazemos, tanto como ele nos fazem e, portanto, não há objetos independentes
de nós, nem nós somos independentes deles" (Ibañez, 2001, p. 578). É neste
sentido que autoras(es) construcionistas afirmam que a realidade é construída.
44
ser tomado como uma construção coletiva resultante de práticas sociais
culturalmente localizadas." (Spink & Spink, 2007, p. 578).
45
da "virada linguística" na filosofia e das correntes da Psicologia Discursiva (por
exemplo, Potter & Wetherell, 1987). Assim, em 1999, pesquisadores afiliados ao
NUPRAD organizaram e publicaram uma primeira apresentação da abordagem
de análise de práticas discursivas pautada na abordagem construcionista (Spink,
1999).
46
E foi só depois da Segunda Guerra Mundial, para a qual os psicólogos
contribuíram com estudos imaginativos de persuasão e moral dos soldados, que
ela começou a se destacar como o campo vibrante que é hoje. Em apenas três
décadas, o número de publicações especializadas em psicologia social mais do
que dobrou (MYERS, 2000).
47
Os psicólogos sociais interessam-se profundamente pela maneira como
as pessoas pensam, influenciam e se relacionam umas com as outras. Mas isso
também ocorre com os sociólogos e os psicólogos da personalidade (MYERS,
2000).
48
Alguns exemplos: ao estudar relacionamentos íntimos, um sociólogo pode
estudar tendências nos índices de casamento, divórcio e coabitação; um
psicólogo social pode examinar como certos indivíduos se sentem atraídos uns
pelos outros. Ou um sociólogo pode investigar como as atitudes raciais das
pessoas de classe média de um grupo diferem das atitudes das pessoas de
baixa renda. Um psicólogo social pode estudar como as atitudes raciais se
desenvolvem dentro do indivíduo (MYERS, 2000).
49
Há outras diferenças: a psicologia social tem uma história mais curta.
Muitos representantes da psicologia da personalidade, como Sigmund Freud,
Carl Jung, Karen Horney, Abraham Maslow e Carl Rogers, viveram e
trabalharam durante os primeiros dois terços deste século. A maioria dos
contribuintes da psicologia social está viva. A psicologia social também possui
poucos teóricos famosos e muito mais pesquisadores desconhecidos e criativos
que contribuem para conceitos de menor escala (MYERS, 2000).
50
Não se presume que qualquer um desses níveis é a verdadeira
explicação. As perspectivas fisiológica e emocional do amor, por exemplo, são
apenas duas maneiras de se considerar o mesmo evento. Da mesma forma, uma
explicação evolucionista dos tabus universais contra o incesto (em termos da
penalidade genética que a prole paga pela endogamia) não substitui uma
explicação sociológica (que pode considerar os tabus de incesto como uma
maneira de preservar a unidade familiar) ou uma teológica (que pode se
concentrar na verdade moral). As várias explicações podem se complementar
(MYERS, 2000).
51
cunho político, deparamo-nos com um mosaico de teorias e de práticas
inspiradas na Psicologia Social. Muitas vezes, encontrar pontos em comum entre
as distintas abordagens torna-se um trabalho intelectual árduo, digno de
fervorosas horas de discussões político-acadêmicas – regado pelo mais alto
grau de comprometimento afetivo com a transformação social em nossa pátria.
52
Diante desse panorama, encontramos um lapso na formação em
Psicologia Social dentro dos cursos de graduação em Psicologia no Brasil. Como
argumenta Stralen (2005), a maioria dos cursos de Psicologia está marcada por
uma estrutura curricular tradicional, em que a "Psicologia Social aparece apenas
como uma disciplina básica que permite compreender os aspectos sociais do
comportamento psicológico" (p. 94). Isso significa que o lapso contido na
formação é o de que se ensina Psicologia Social como uma abordagem em
Psicologia, ao invés de considerá-las como disciplinas que possuem interfaces
entre si.
53
longo do texto traremos argumentos que reforçam este nosso ponto de vista,
parcial e refutável como qualquer outro viés científico.
54
Essa dificuldade de inscrição da Psicologia Social dentro das ciências
humanas e/ou sociais se dá, em grande parte, por conta do momento em que
surgiram não apenas ela, mas também a Psicologia, Sociologia e Antropologia.
Trata-se do contexto do destacamento das ciências sociais das ciências naturais
no final do século XIX, em que antigos temas de especulação passaram a ser
estudados segundo o paradigma científico moderno: teoria, levantamento de
hipóteses, teste empírico das hipóteses levantadas, análise dos dados colhidos,
confirmação ou rejeição das hipóteses, generalização. Por outro lado, nos
primórdios da Psicologia Social moderna, nos Estados Unidos do final do século
XIX e começo do século XX, os primeiros pesquisadores dessa área
encontraram respaldo em centros tanto de Psicologia quanto de Sociologia (Farr,
1998). Isso resultou em origens plurais da disciplina, em disputas pelo seu status
como ciência social ou ciência humana e até mesmo em sua negação como área
de investigação autônoma.
55
4.1 Ciências naturais, ciências sociais e a Psicologia Social
56
ciências sociais e humanas são colocadas juntas na diferenciação das ciências
naturais.
Álvaro e Garrido (2006) localizam a Psicologia Social nesse contexto mais amplo
da diferenciação das ciências sociais. E relembram dois aspectos importantes,
que destacamos no trecho abaixo:
57
O segundo destaque é o da pluralidade na constituição da Psicologia
Social, o que significa origens múltiplas, e não apenas pela obra de um ou outro
autor. Para Rodrigues (1978, p. 39), os manuais de Psicologia Social diferem
consideravelmente a respeito das origens modernas dessa disciplina. Segundo
Krüger (1986, p. 10), "o início das especulações, interpretações e doutrinas a
respeito do Homem e do seu comportamento social remonte a filósofos das
civilizações clássicas, helênicas e romana, que alimentam as raízes da cultura
ocidental até hoje". Nesse sentido, o autor menciona que se encontra já em
Platão (428-347 a. C.) e Aristóteles (384-322 a. C.) as bases filosóficas que
constituem a pré-história da Psicologia Social. Para Mailhiot (1976, p. 17-18),
encontramos os primórdios da Psicologia Social nas obras de Auguste Comte
(1793-1857).
58
Trade em 1898, o início do curso de Psicologia Social ministrado por George H.
Mead em 1900, a obra de Charles Ellwood em 1901 e, por fim, Felix Le Dantec
em 1911. No entanto, como lembram Álvaro e Garrido (2006, p. 40), credita-se
o início da Psicologia Social como ciência independente com as obras de William
McDougall e de Edward A. Ross, ambas em 1908 e contendo no título
"Psicologia Social".
Para Corga (1998), a Psicologia Social é uma disciplina que tenta entender o
Homem em seu contexto social, mas entre suas diferentes abordagens parece
ter em acordo apenas o nome. Sua pluralidade (que gera tensões e divisões)
deve ser observada segundo dois tipos de diversidade:
59
centrados nas inter-relações sociais a partir do ponto de vista do indivíduo; e por
aqueles centrados nos aspectos sociológicos das relações sociais entre
indivíduos.
61
C) a tradição dos "estudos de grupos sociais". Corga localiza vários
autores que contribuem para a edificação desta tradição, nos primeiros anos de
produção acadêmica norte-americana: 1) os estudos de Mayo (1933/1945), com
pequenos grupos de trabalhadores da Western Electric Company em
Hawthorne, Chicago, entre 1924 e 1932; 2) os estudos sociológicos da Escola
de Sociologia de Chicago, nos anos 1930, em ambientes naturais; 3) alguns
trabalhos de F. H. Allport, sobre "facilitação social" e "conformismo"; 4) as
inovações de J. L. Moreno no trabalho de psicoterapia de grupo; 5) as
contribuições de Sherif (1948, 1962), que em 1936 publica "A psicologia das
normas sociais", na qual aponta como os sujeitos se aproximam no grupo para
criar normas para situações ainda não estruturadas. Posteriormente, na década
de 1960, com o prosseguimento das pesquisas, elabora um modelo explicativo
das relações intergrupais para a questão do conflito e cooperação intergrupo. 6)
as contribuições de Lewin, que mesmo considerado como consolidador da
Psicologia Social experimental, tem em sua obra importante marco para as
pesquisas nesta "tradição". Além do Centro de Pesquisas em Dinâmica de
Grupo, Lewin também funda um outro centro, nomeado "comissão para inter-
relações comunitárias", no qual guiou estudos sobre as raízes do anti-semitismo,
práticas de socialização para a conscientização coletiva da discriminação social
e sobre o preconceito de forma global. 7) os trabalhos de Festinger (1957/1975,
1974; Festinger et al., 1950/1963), com sua teoria de "comparação social" e
"dissonância cognitiva"; a "teoria do intercâmbio social", de Thibaut e Kelley
(1959/1967); as pesquisas sobre a "Personalidade Autoritária", de Adorno et al.
(1950/1965); os trabalhos do sociólogo Homans (1951), com a teoria do
intercâmbio e a proposta de uma análise sociológica alternativa ao
funcionalismo; e as contribuições de Asch nas investigações sobre as minorias.
62
Os estudos a respeito de grupos sociais diminuíram consideravelmente
nos anos 1960, nos EUA, devido aos contextos sócio-político-econômicos.
Entretanto, o interesse dos psicólogos sociais a respeito de processos grupais e
intergrupais é retomado no final dos anos 1970 (Corga, 1998). Desta vez, com
força na Europa, perdurando e tendo produção expressiva até hoje. Algumas
escolas (grupos universitários) representam tal "tradição", como a Escola de
Bristol, com estudos da compreensão das relações intergrupais, seus conflitos e
discriminações, por meio de conceitos como identidade social, categorização
social e comparação social. As figuras proeminentes são seu precursor Tajfel
(1972, 1978, 1981) e seu discípulo Turner (1987), este último com a teoria da
auto-categorização, entre outros autores. Além da Escola de Bristol, existe
também a Escola de Genebra e outros grupos de pesquisadores ingleses,
americanos, canadenses e alemães, todos dedicando-se ao estudos de grupos
sociais.
63
Nessa esteira é que Moscovici vai constituindo sua obra, diferenciando-
se de Durkheim, na qual pretende analisar os processos através dos quais os
indivíduos e os grupos em interação constroem uma "teoria" sobre um objeto
social, a qual norteará e orientará seus comportamentos, tomando como ponto
de partida as representações sociais da Psicanálise na França (Corga, 1998, p.
95). Álvaro e Garrido (2006) localizam as contribuições de Moscovici dentro do
contexto da Psicologia, por se tratar de um psicólogo, não obstante tenha se
inspirado em idéias de Durkheim. As teorizações de Moscovici possuem
discordâncias da Psicologia Social cognitiva tradicional, com o enfoque
individualista para leituras dos processos cognitivos e, por isso, Corga (1998) o
insere dentro da tradição sociológica de Psicologia Social.
64
propaganda, preconceito, mudanças de atitudes, comunicação, relações raciais,
conflitos de valores, relações grupais, etc. Em suma, todos estudos e
experimentos que procuravam procedimentos e técnicas de intervenção nas
relações sociais, que se traduziam em fórmulas de ajustamento e adequação de
comportamentos individuais ao contexto social. A crítica a esse tipo de produção
foi um dos motivos da chamada "crise" da Psicologia Social, que teve
repercussão direta nas produções latino-americanas, como veremos a seguir.
65
Corga (1998, p. 152-154) aponta que tais críticas tinham como foco
principal o questionamento do laboratório como ambiente de produção científica,
complementando que passou-se a problematizar os avanços dos experimentos
em laboratório em detrimento da relevância do que se estava produzindo para o
enfrentamento de problemas sociais. Lane (1981, p. 78-80; 2006, p.67-8)
descreve que as críticas dirigiam-se principalmente ao caráter ideológico e
mantenedor das relações sociais das teorias e técnicas que vinham sendo
produzidas e que, na América Latina, mais um fator veio contribuir para reforçar
os questionamentos sobre teorias e metodologias: o caráter político da
Psicologia Social e da atuação dos psicólogos diante das ditaduras militares.
66
Aprofundando-nos neste ponto, Montero (2004a) argumenta que entre os
anos 1960 e 1970, a emergência da Psicologia Social comunitária ocorreu: a) a
partir das discordâncias da Psicologia Social psicológica norte-americana e o
caráter estritamente subjetivista e experimental com que vinha sendo produzida
até então. b) Pelo impulso de outras disciplinas das ciências sociais que tinham
leituras macrossociais voltadas à comunidade.
Diante desse campo emergente, Freitas (1999, p. 50) agrega que o tipo
de práxis da Psicologia Social comunitária vem se desenvolvendo por duas
preocupações básicas: a) a construção do conhecimento, que configura esse
campo. b) Aquela comprometida explicitamente com a transformação da
realidade. Nessa linha, Montero (2004a, p. 53) argumenta que os modelos
construídos dentro dessa abordagem são tratados em seis frentes: prático-
teórico, ontológico, epistemológico, metodológico, ético e político.
67
Em linhas gerais, pode-se afirmar que a Psicologia Social comunitária é
um ramo da Psicologia Social que aborda as comunidades e que é realizada com
elas. Ou, nas palavras de Montero (2004a), o ramo da psicologia [social] cujo
objeto é o estudo dos fatores psicossociais que permitem desenvolver, fomentar
e manter o controle e poder que os indivíduos podem exercer sobre seu
ambiente individual e social para solucionar problemas que os afetam e lograr
mudanças nesses ambientes e na estrutura social (p. 70, tradução nossa).
68
ser este o horizonte primordial do fazer dos psicólogos, trabalhando-se pela
desalienação da consciência social. Ao falar sobre a consciência, o autor a
descreve da seguinte maneira:
69
Do ponto de vista metodológico, a abordagem da Psicologia Social
comunitária não poderia deixar de ser de cunho participativo, uma vez que suas
posturas rompem com a neutralidade do pesquisador em relação aos "objetos"
de estudo (as pessoas), o que implica a consideração de uma postura ética e
política diferenciada do pesquisador. Além do rompimento da neutralidade, há
também a intenção de emancipação nas ações que configuram o grau de
participação da pesquisa, delineadas em função de acordos firmados junto aos
envolvidos na Co construção do conhecimento.
Como vimos até este momento, após a "crise" da Psicologia Social, muitos
psicólogos passaram a atuar com base em teorias mais condizentes com a
realidade latino-americana. Não obstante já exista produção prático-teórica
relevante na área, para Corga (1998) essa vertente não é tratada como "tradição"
por ainda não possuir sedimentação paradigmática suficiente, tal qual aquelas
citadas anteriormente. Em suma, temos mais estas duas correntes compondo a
gama de opções prático-teóricas da Psicologia Social:
70
4.4 Outras abordagens em Psicologia Social no Brasil
71
K) as contribuições dos russos A. N. Leontiev, L. S. Vygotsky e A. R. Luria,
que dão base às teorizações da Psicologia Sócio-Histórica (B ock, Gonçalves &
Furtado, 2004), com contribuições pertinentes às discussões da Psicologia
Social, em especial pelo estudo a respeito: da constituição social da
subjetividade; da historicidade como noção básica nos processos de formação
do sujeito; da consciência e atividade como categorias centrais para
compreender o indivíduo/sociedade; da aquisição da linguagem, aprendizagem
e socialização como fenômenos do âmbito individual/social.
72
estudar o indivíduo psicológico e a sociedade num único objeto, deixando de
lado tanto a supremacia do psicologismo quanto do sociologismo, por meio de
metodologias quantitativas e qualitativas.
73
perspectiva, apresentam-se, a seguir, abordagens sobre cada um desses níveis
e, na sequência, suas interfaces, iniciando-se assim pelas considerações acerca
da identidade pessoal.
74
avaliar-se e aprovar-se. Sob essa perspectiva, o eu não existe, a não ser em
interação com os outros (Whetten e Godfrey, 1998).
75
A identidade é sobretudo uma luta entre o processo consciente e
inconsciente. Os processos inconscientes ressoam no consciente, produzindo
significados. A ausência dessa transferência produziria uma vida estéril, como
uma concha vazia, e é somente por meio dela que a maturidade do indivíduo
acontece (Chodorow, 1989). No momento em que ele organiza o inconsciente,
a individuação torna-se mais forte e resulta na formação de um autoconceito
mais diferenciado.
76
adolescência são períodos nos quais a influência dos outros na definição das
identidades é mais forte. Na idade adulta os espelhos que orientam as escolhas
não estão tão disponíveis como na infância ou na adolescência; mas, mesmo
assim, o indivíduo continua buscando referências, protótipos e modelos até
atingir determinado nível de composição entre a sua interioridade e a
exterioridade, que corresponde ao processo de individuação. No entanto o nível
de interioridade nunca será pleno, pois algum nível de interação social será
sempre necessário que exista.
77
A identidade de um grupo repousa sobre uma representação social
construída, sobre a qual uma coletividade toma consciência de sua unidade pela
diferenciação dos outros (Dubar, 1996), pois a vida no grupo cria um imaginário
social (Maffesoli, 2000). Dessa forma, a identidade social é constituída não
somente pela representação que o indivíduo faz dele mesmo no seu ambiente
social, referindo-se a diferentes grupos aos quais ele pertence, mas também aos
grupos de oposição, aos quais ele não pertence (Zavalloni apud Chauchat e
Durand-Delvigne, 1999), pois essa identidade é guiada pela necessidade do
indivíduo de ser no mundo, assim como pela sua necessidade de pertencer a
grupos sociais. Isso ocorre porque a definição do outro e de si mesmo é
largamente relacional e comparativa (Ashforth e Mael, 1989).
78
implícito na relação entre eles constitui, para o sujeito, um estímulo afetivo, na
medida em que ele se sente integrante do grupo. Não só o sentimento de
pertencer, mas também a sua autopercepção como membro do grupo são as
bases requeridas para a identificação social, propiciando assim uma orientação
para a ação, compatível com a sua participação no grupo. A adesão ao grupo
requer, portanto, pensar, agir e sentir-se como integrante, a fim de que todos
tenham em comum uma mesma lógica de atuar nas posições sociais que
ocupam (Sainsanlieu, 1977).
79
distinção, pelo qual cada um procura fundar sua coesão e marcar sua posição
em relação a outros grupos.
80
quando a identidade social for insatisfatória, o indivíduo abandona o seu
grupo e busca vinculação em outros grupos.
81
comunidade, evitando os elementos que ameaçam a sua coesão social" (Ruano-
Borbalan, 1998, p.146). Dessa forma, a violência e formas de contestação
podem acompanhar certos casos de afirmação identitária. Este autor ressalta
que grupos que se opõem podem influenciar-se mutuamente, num processo de
"aculturação antagonista".
82
Baugnet (1998) salienta que, pelo exercício de papéis, os indivíduos
constroem ativamente suas identidades. Na mesma direção, os papéis ligados
ao mundo do trabalho compõem uma face da estrutura identitária dos indivíduos
e, de acordo com Sainsanlieu (1995), a empresa constitui um lugar de
socialização importante para os indivíduos que nela trabalham. "Ela é uma
verdadeira instituição secundária de socialização, a qual, após a escola e a
família, modela atitudes, comportamentos, a ponto de produzir uma identidade
profissional e social" (Sainsanlieu, 1995, p.219).
83
Além desses fatores, os sistemas de representação existentes nas empresas
são variáveis importantes no processo de constituição das identidades na esfera
organizacional. Para Sainsanlieu (1995) as representações ligadas à legitimação
da autoridade na empresa, aquelas ligadas às finalidades do trabalho e da
empresa, estão entre as diretamente relacionadas com o autoconceito no
trabalho.
84
A identidade no trabalho também se processa no plano afetivo e cognitivo.
O fato de viver sob uma estrutura institui uma espécie de mentalidade coletiva,
com a qual o indivíduo se conforma, assimilando suas regras e normas de
comportamento e estabelecendo vínculos afetivos com as pessoas com as quais
convive nesse ambiente. Esse processo pode derivar em identificações por parte
do indivíduo, as quais podem conter significados distorcidos. Sobretudo quando
os espaços de autonomia do indivíduo na organização são reduzidos, há a
possibilidade de engendrar processos de identificação que tenham natureza
projetiva, nos quais o indivíduo se imagina no lugar do outro, buscando assim a
destituição do lugar ocupado, ou os de natureza introjetiva e imitativa, quando o
indivíduo copia o outro e procura viver a vida do outro.
85
profissional; (4) profissional de serviço público; (5) temporário; e (6)
empreendedor.
86
os espaços de poder na organização. A identidade no trabalho constitui, dessa
forma, componente importante no processo motivacional, que concorre também
para a construção de uma auto-estima positiva. Conseqüentemente, não só a
realização do trabalho, mas também a esfera social organizacional é
positivamente afetada, podendo resultar em formas de trabalho mais criativas,
que contribuem para integrar a subjetividade, a socialização e o trabalho.
87
A identidade organizacional compreende o processo, atividade e
acontecimento por meio dos quais a organização se torna específica na mente
de seus integrantes (Scott e Lane, 2000). Esse processo compreende as crenças
partilhadas pelos membros da organização sobre o que é central, o que a
distingue e é duradouro na organização (Albert e Whetten apud Whetten e
Godfrey, 1998). Ele se constrói, dia após dia, quando o indivíduo vai
internalizando a crença de que a organização na qual está inserido é a mesma
que era ontem, simbolizando a sua existência temporal. Nessa perspectiva,
Machado-da-Silva e Nogueira (2001), ao estudarem a identidade organizacional
de duas organizações, procuraram destacar os seus aspectos distintos e
duradouros, para interpretarem, a partir deles, as referidas identidades. Também
Albert e Whetten (apud Whetten, 1998) ressaltam que a identidade
organizacional tem três dimensões: (1) a definida pelos membros da
organização, que é a central; (2) o que distingue a organização de outras; e (3)
o que é percebido como traço contínuo, ligando o passado ao presente.
88
Para Jo Hatch e Schultz (1977, p.361) a identidade organizacional é "o
produto reflexivo do processo dinâmico da cultura organizacional". A cultura
provê o material simbólico com o qual as imagens serão construídas e
comunicadas. Ao correlacionar cultura, identidade e imagem, os autores
sustentam que a experiência de trabalho dos participantes da organização e a
visão da capacidade de liderança dos níveis estratégicos da organização são os
elementos determinantes. Todavia para os autores a identidade organizacional
sofre também influências externas, por meio do processo de formação de
imagens.
89
caracterizam um processo circular, que envolve dependência mútua entre
cultura, imagem e identidade (Rindova e Schultz apud Whetten e Godfrey, 1998).
90
negativas ou vice-versa, dependendo dos acontecimentos, resultados e
impactos das empresas.
91
A identidade organizacional, tal como as outras modalidades da
identidade, remete ao vivido e à subjetividade. Ela orienta a ação dos indivíduos
e é dinamicamente construída por meio de interações sociais, identificações e
afiliações. Portanto o contexto identitário no âmbito organizacional é constituído
pelo indivíduo, pelo grupo e pela organização. A fim de articular a discussão em
torno dos níveis apresentados, aborda-se a seguir uma integração entre os tipos
de identidade discutidos neste trabalho.
92
Por outro lado, se cada um dos níveis apresenta suas particularidades no
processo de definição da identidade, há profunda complementaridade entre eles,
resultando que a formação da identidade pessoal, por meio do grupo, do trabalho
ou da organização envolve a todo o momento construção e desconstrução, pois
o contexto social é dinâmico e complexo. Desse modo, a formação do
autoconceito, englobando a noção de grupo, incorporando o trabalho e as
organizações, alicerça-se em etapas gradativas, construídas sobre processos de
identificação, originalidade e conformação, os quais são permeados pela
emoção e pela cognição, conforme demonstra a Figura 1. Dessa maneira, o
indivíduo identifica-se com o grupo ou grupos aos quais pertence, com o trabalho
que realiza e com a organização à qual pertence. Também esses elementos
interagem na configuração do auto representação do indivíduo. Além disso, a
organização é o reflexo do trabalho realizado em seu interior e dos grupos que
a constituem. O grupo ou grupos podem ser conhecidos pelo retrato do trabalho
que realizam; o trabalho, por sua vez, também engloba o imaginário do grupo.
93
Ao analisar a identidade no contexto organizacional é importante
considerar que o agir e o interagir dão forma às identidades. A todo o momento,
portanto, realizar e pertencer são condições para que os processos de
identificação sejam desencadeados e gerem estímulos, novas descobertas e
maneiras de realizar as atividades, transformando o espaço organizacional em
importante palco para potenciação das existências. Desse modo, o grupo, o
trabalho e a organização passam a constituir as bases centrais de representação
do eu para o indivíduo. Por último, é importante salientar que, quanto maior o
reconhecimento do indivíduo em todos os âmbitos, ou seja, no trabalho
realizado, no grupo ou na organização à qual o indivíduo está vinculado, maior
é a força desses elementos na construção do conceito de si. Do ponto de vista
organizacional, isso implica um ambiente de trabalho favorável, no qual seus
integrantes manifestam autonomia e segurança na realização de suas tarefas.
Outras implicações organizacionais são discutidas a seguir.
94
têm também o papel de estruturar a ação, por parte de indivíduos, grupos ou
organizações.
Outro aspecto ainda pouco explorado nos estudos desta natureza, está
relacionado com a possibilidade de associação entre stress e identidade no
trabalho. Não se sabe até que ponto níveis elevados de identidade no trabalho
95
resultam em alta dedicação, que pode conduzir ao stress, ou se o exercício de
um trabalho ao qual o indivíduo não se identifica contribui para o stress no
trabalho.
96
no trabalho e na empresa. Todavia, no plano imaginário, eles se encontram
interligados e orientam a atuação do indivíduo.
97
Esse é o papel das instituições. Na ausência de regras que garantem o
direito à propriedade, por exemplo, os seres humanos teriam de defender esse
direito caso a caso, o que, além de oneroso, tumultuaria as transações, os
investimentos, o desenvolvimento econômico e o progresso social.
98
Honestidade, confiança, respeito e outros valores sociais são importantes
quando compartilhados por todos. São bens públicos. Entretanto, pela sua
natureza, os seres humanos praticam a honestidade só dentro do seu grupo –
mas não fora dele. Os membros da máfia, por exemplo, são gente de honra em
relação aos seus pares. Contudo, com relação aos de fora do grupo, a regra é
tirar vantagem, por qualquer meio.
99
Quando um grupo é muito forte e outro muito fraco, as leis criam
instituições de modo enviesado, garantindo a liberdade de uns ao custo da
desigualdade de outros. Surge, então, a mais brutal de todas as desigualdades
– a desigualdade legal.
As regras justas, que deveriam ser garantidas pela lei como um bem
público, transformam-se, na verdade, na principal fonte dos males públicos.
A teoria dos jogos explica que os seres humanos nascem e crescem com
desejos essencialmente egoístas. Poucas pessoas atuam altruisticamente por
força de sua natureza. São as instituições de boa qualidade que estabelecem as
regras segundo as quais a melhor maneira de satisfazer o egoísmo de cada um
é cumprindo com suas obrigações em relação aos outros. Essa é a matemática
que move a defesa intransigente do interesse individual para o alcance de
resultados coletivos.
100
regras de proteção, precisam transacionar caso a caso as ações que garantam
a sua sobrevivência.
Assim é a vida dos pobres. Eles têm de procurar fazer pequenos avanços,
de forma calculada e cautelosa, e, com isso, evitar naufragar na sua tênue
existência.
Uma lei é de boa qualidade quando as regras por ela criadas protegem
essas vidas, dando às pessoas condição de administrar sua trajetória com um
mínimo de previsibilidade.
Por que é assim? Porque as leis foram cunhadas com este viés: os
incluídos contam com direitos; os excluídos contam com destino.
Isso tem a ver com o processo de elaboração das leis. Observem que, na
maioria das vezes, os projetos que visam proteger os excluídos acabam, no final
de sua tramitação, reforçando a proteção dos incluídos. Por que isso acontece?
102
2. Querem mais um exemplo de mal público? A Lei 9.601/98, que visou
incorporar uma parte dos trabalhadores informais dentro do mercado formal
através da contratação por prazo determinado e protegido, estabelece que a
referida contratação só pode ser feita com a aprovação do sindicato que
representa os empregados na empresa onde há vagas, ou seja, uma lei que
visava proteger os excluídos colocou o seu destino nas mãos dos incluídos. Que
tipo de justiça social pode surgir desse tipo de regra? Não é à toa que essa lei
não pegou. Os incluídos rejeitam a entrada dos excluídos. A lei está a seu favor.
E a empresa não pode admitir o empregado que está disposto a aceitar as
condições oferecidas. Essa não é uma lei do tempo de Getúlio Vargas. É uma
lei cunhada na esquina do século XXI – em janeiro de 1998.
Será que os juízes japoneses são 2 mil vezes mais rápidos do que os
brasileiros? Não. A diferença está nas leis e nas instituições. No Brasil, as leis
trabalhistas são extremamente detalhadas, o que instiga a desavença e o
conflito. No Japão, as leis estabelecem princípios gerais, deixando os detalhes
para empregados e empregadores, o que instiga a negociação e o consenso.
Culpa de quem? De instituições elitistas e da ação preservacionista de grupos
de elite que vivem do conflito. Toda vez que se pretende reduzir o peso do
detalhismo e aumentar a criatividade da negociação, esses grupos passam a
103
atuar com argumentos sofisticados a que os excluídos não têm o que dizer – e
nem são chamados para falar. Para o sistema japonês, bastam 14 mil
advogados; para o brasileiro, são mais de 600 mil. Para quem ganha a vida com
o conflito, reduzir as injustiças pela via da negociação constitui séria ameaça.
Por isso preferem – e conseguem – manter instituições obsoletas. Enquanto o
resto do mundo baseia o contrato na negociação flexível, o Brasil continua
insistindo em leis rígidas e detalhadas.
4. Neste campo surgiu uma lei de boa qualidade em 2002. Foi a Lei 9.958, que
criou as Comissões de Conciliação Prévia que dão às partes o direito de resolver
seus problemas diretamente, sem a interferência de advogados, funcionários
públicos ou juízes.
104
cordial, e dentro de 15 dias – Uma enorme economia de tempo e de outras
despesas! As Varas e Tribunais do Trabalho começam a registrar uma queda no
número de ações ali propostas.
6. Vejam o que ocorre na previdência social: os 20% mais pobres ficam com
apenas 7% do que o País gasta com aposentadorias e pensões; o restante vai
para os não-pobres. Assim é a lei. É mais um exemplo de mal público.
106
Não há como esconder. A Constituição Federal de 1988 consagrou a
tendência de se fazer uma fachada igualitária para instituições que, na realidade,
aprofundam as desigualdades.
O que impede fazer essa reforma? Leis elitistas que protegem quem já
está protegido e desprotege quem precisa de proteção.
107
Ora, o que o jovem vai fazer entre os 14 e 16 anos? Sabemos que a
maioria não pode continuar os estudos. E a Constituição diz que a totalidade não
pode trabalhar. Quem não estuda e não trabalha faz o quê? Será essa a melhor
maneira de proteger os jovens?
Nem tudo está perdido. No meio de tanta desigualdade criada por lei, há
institutos que conseguiram varar a barreira dos "lobbies" e se colocarem como
verdadeiros bens públicos. Lembro aqui a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei
do SIMPLES.
108
problemas. Para tanto, nutro fortes esperanças na incorporação das novas
tecnologias no campo social.
109
informática. Manuel Castells cita inúmeros exemplos de experimentos pioneiros
que se tornarão, dentro em breve, rotina na vida dessas comunidades.
110
momentos precisos e para dar opinião ou um voto sobre assunto de seu
interesse.
Para quem acha que isso é irreal, convém enfatizar que líderes
autoritários já se preocupam com o acesso de seus povos aos órgãos decisórios.
Os governantes da China e Coréia do Norte, por exemplo, estão tentando, sem
sucesso, evitar que seus governados explorem o desconhecido através dos
novos meios de comunicação. Da mesma forma, as oligarquias econômicas e os
representantes do neocorporativismo buscam impedir que seus representados
participem de modo direto de decisões que lhes dizem respeito.
111
Estamos no meio de um período em que a história corre muito depressa.
Há pouco mais de 10 anos, a cortina de ferro estava em pé. O Japão era exemplo
de desenvolvimento. Nelson Mandela era tratado como prisioneiro de guerra. E
Fernando Henrique Cardoso era esquerdista convicto. Em tão pouco tempo, a
cortina ruiu. O Japão entrou em recessão. Mandela é um ícone da democracia
mundial. E Fernando Henrique é rotulado de neoliberal.
112
A Psicologia Institucional é o termo usado para designar a abordagem da
psicologia nas instituições, fundamentada no referencial psicanalítico. Surgiu na
Argentina na década de 60 e difundiu-se no Brasil através do estado de Rio
Grande do Sul.
113
Há aproximadamente três décadas, começou a se tornar visível, entre
nós, a preocupação de estender a psicologia para além das áreas em que
habitualmente se exercia: pesquisas de laboratório, psicodiagnóstico,
psicoterapias, treinamento e seleção profissional, predominantemente. Por
currículo e por lei, ora mais e ora menos contraditoriamente1, o ensino e a
atuação profissional vão produzindo o desenho de uma psicologia que não
parece querer ficar à margem das reflexões filosóficas e sociológicas, feitas nas
salas de aula, ou à margem de ações políticas das agremiações estudantis e dos
movimentos sociais e comunitários em geral.
114
mais experientes (entre eles, estavam psicólogos e psicanalistas que migraram
da Argentina para cá) dedicavam-se à supervisão desses trabalhos. Não tardou
a aparecer uma disciplina na Universidade de São Paulo, ainda optativa:
Psicologia Institucional. Com o passar do tempo, os currículos de outras
faculdades foram incorporando o mesmo título.
116
Em seu livro Psicohigiene e Psicologia Institucional (Bleger, 1973/1984), fica
claro que o psicólogo opera com os grupos, desde os de contato direto com a
clientela até a direção, por meio de um enquadre que preserva os princípios
básicos do trabalho clínico psicanalítico, bem como suas justificativas. Ainda: a
compreensão que tem das relações interpessoais guarda uma formulação muito
interessante: a da simbiose e ambiguidade nos vínculos e ele mesmo aproxima
essa compreensão às ideias de M. Klein a respeito de posições nas relações de
objeto; mais do que ao conceito de narcisismo em Freud (Bleger, 1977/1987).
117
Análise Institucional, por sua vez, é o nome dado a um movimento que
supõe um modo específico de compreender as relações sociais, um conceito de
instituição e um modo de inserção do profissional psicólogo que é de natureza
imediatamente política. Desalojado do lugar de intérprete dos movimentos
grupais ou interpessoais, ele não se delega a tarefa diferenciada da interpretação
ou de assinalamentos; ele é, acima de tudo, um instigador da autogestão dos
grupos nas organizações, um favorecedor da revelação dos níveis institucionais,
desconhecidos e determinantes do que se passa nesses grupos. É um
provocador de rachaduras e rupturas na burocracia das relações instituídas. Está
do lado do instituinte, ainda que se questione sempre esse lugar e a própria
análise como facilitadores da “liberação da palavra social dos grupos”
(Lapassade, 1974/1977).
Tal chamado, porém, como uma segunda voz nos escritos de seu livro
mais conhecido entre nós (Lapassade, 1974/1977), traz já a ambiguidade,
assumida por ele, de apresentar e criticar radicalmente a Análise Institucional
que ele mesmo propõe. No “Prólogo à Segunda Edição” dessa obra, acaba por
dizer, enfaticamente, sobre a ineficácia da Análise Institucional, na medida em
que conta com a ação de técnicos como coordenadores e preceptores de
mudança; a menos que se queira considerar, por um artifício, que a análise se
118
dá no nível da palavra e, portanto, não tem relação automática com uma
mudança na ação concreta. Por isso, não menos enfaticamente, afirma que o
que se deve fazer é a Ação Direta (análise em ato), por aqueles mesmos que
constituem os grupos de uma determinada instituição e/ou organização, com as
lideranças nascidas de seu interior. Segundo ele, essa é a verdadeira revolução
permanente que “decapita o rei”, as instituições sociais dominantes. Tudo, por
inspiração dos momentos históricos da revolução de 1968, na França, e ainda
visando à liberação da palavra social. Ora, poucos anos mais tarde, registra-se
em um “Prólogo à Terceira Edição”, que a liberação a ser feita é a do corpo e
que o que, então, se sustenta como ação de um profissional da psicossociologia
e da psicologia é Crise Análise.
119
A segunda é a distinção entre dois outros termos: organização e
instituição. Organização é um nível da realidade social em que as relações são
regidas por estatutos e acontecem no interior de estabelecimentos, espaços
físicos determinados. A instituição é o nível da lei ou da Constituição que rege
todo o tecido de uma formação social; está acima dos estatutos das
organizações. Ainda, segundo Lapassade, a instituição pode ser considerada o
brique-braque das determinações daquilo que atravessa os grupos de relação
face a face numa organização social. A sala de aula é exemplar nesse sentido:
a relação entre as pessoas é regida por normas que, em última instância, estão
apoiadas no que prevê a lei maior para o ensino; nesse contexto, o professor
poderá ser considerado um representante do Estado frente a seus alunos.
120
Como dissemos anteriormente, a nomeação Análise Institucional
estendeu-se a uma variedade de compreensões e modos de atuação, sobretudo
os psicanalíticos. De tal forma que, hoje, a referência comum tem sido o fato de
se tratar de trabalhos institucionais e/ou junto a instituições. Em geral, quando
conduzidos na forma de supervisão do trabalho de profissionais de ação direta.
121
Para Bleger o objetivo do psicólogo institucional é proporcionar a psico-
higiene, ou seja, qualidade de vida para as pessoas que estão naquele ambiente,
principalmente nesse ponto em específico os objetivos do psicólogo instituição
se opõe, as instituições que visam apenas números e lucros desconsiderando o
sujeito biossocial.
baixo:
Exteriorização: É exterior a vontade do indivíduo, que a aprende sem
questionar e é primordial para se inserir na sociedade.
122
Objetividade: Reproduz as ações, determinadas coisas só existem se
estiverem no exterior, no campo objetivo, para maioria das pessoas.
Coercitividade: Impõe dificuldades para que as mudanças não possam
acontecer, caso for contra a algo instituído pode ser lembrado pelas
regras, normas de forma agressiva e punitiva.
Autoridade moral: Só a coerção não é o suficiente para manter a ordem
da instituição é preciso torna-la legitima, criando ameaças de sofrimento.
Historicidade: A instituição já existia antes do indivíduo nascer e
provavelmente continuará após. A história é contada de geração, a
geração, através de conversas, escritos se mantendo na história.
123
Conceitualmente, a percepção social estuda a forma como formamos
impressões sobre outras pessoas e sobre como fazermos inferências sobre elas.
As conclusões mostram a importância de abordar o papel dos valores no
processo subjetivo-objetivo e nas relações do indivíduo e da sociedade.
Portanto, é através desses aspectos que podemos dá sentido ao mundo social
que nos rodeia, é também, através dela que podemos ter a capacidade de formar
impressões de maneira rápida e objetiva sobre esse mundo.
124
Na psicologia, o estudo da percepção é de extrema importância porque o
comportamento das pessoas é baseado na interpretação que fazem da realidade
e não na realidade em si. Por este motivo, a percepção do mundo é diferente
para cada um de nós, cada pessoa percebe um objeto ou uma situação de
acordo com os aspectos que têm especial importância para si própria, ou seja, é
através da percepção que um indivíduo faz do outro que se pode notar a forma
de como esse indivíduo organiza e interpreta as suas impressões sensoriais para
atribuir significado ao seu meio. Portanto a percepção tem uma grande
importância, ela pode ser relacionada pela a imagem que se faz do outro, pelo
conteúdo da memória, conceitos de valor e normas sócios culturais, ou seja, a
percepção está ligada a valores específicos do indivíduo ou de grupos distintos.
125
financeiramente até o de tentar protegê-lo e com o passar do tempo acabam se
tornando amigos. Até que um dia o mendigo se apaixonou por uma mulher que
ele via na rua, quando ela ia ao trabalho, a partir daí ele passou a observá-la,
seguindo-a, mas não tenha como ter uma aproximação dela e Jack ao saber
disso resolveu a ajudá-lo, convidando os dois para a sua casa, para um jantar
na tentativa de aproximá-los. No começo a mulher por nome Lydia Sinclair não
queria aceitar o convite, mas com muita insistência acabou aceitando, dessa
forma os dois se apaixonaram um pelo outro, Parry se curou de seus traumas e
problemas mentais, e passou a viver uma vida nova. Tudo com a ajuda de Jack
que mostrou que os valores e atitudes podem mudar o comportamento das
pessoas, e daí por diante ele passou a não se sentir mais culpado e começou de
novo a viver a sua vida normal se tornando uma pessoa bem melhor.
126
deveria levar à compreensão dos mecanismos que provocam a alienação e
contribuir para ampliar a consciência dos homens. Sua teoria sobre o psiquismo
teve essa direção.
[...] abrindo esse espaço para todo mundo, para quem quiser
aprender e mais: fazendo o esforço de falar a linguagem de todo o
mundo. Transmitir nosso saber numa linguagem do cotidiano. É um
desafio. Mas é uma briga entre o poder autoritário e o poder
democrático. Acho que esta é a questão fundamental da academia.
(LANE, 1995, p.9)
127
Nossa experiência é essencialmente intersubjetiva. Merleau-Ponty (1945)
reporta-se à nossa relação com aspectos básicos da espacialidade, como a
profundidade, a iluminação e a forma das coisas. Essa dimensão das nossas
vivências constitui o que se poderia chamar, segundo o filósofo, de mundo físico,
ou mundo natural. Mas o mundo físico, mesmo no sentido fenomenológico da
expressão, que escapa às acepções das ciências naturais, não passa de um
recorte abstrato da nossa experiência. É preciso compreender, como faz
Merleau-Ponty (1945), que "quase toda a nossa vida" (p.31) se passa no mundo
cultural. Estamos cercados por pontes, estradas, casas e utensílios, como
óculos, cadeiras e colheres. "Cada um desses objetos carrega implicitamente a
marca da ação humana à qual ele serve", comenta Merleau-Ponty (1945, p.399).
E estamos rodeados, principalmente, pela presença corpórea de outras pessoas.
"O primeiro dos objetos culturais e aquele pelo qual eles todos existem, é o corpo
de outrem enquanto portador de um comportamento", complementa o filósofo
(Merleau-Ponty, 1945, p.401). Orientando-nos pelo tema da percepção, é
possível identificar, portanto, dois problemas básicos referentes à
intersubjetividade: a questão da percepção do outro e a questão do vetor social
que marca a nossa relação com as coisas.
128
mas que, todavia, merecem ser diferenciadas. Pode-se afirmar que a diferença
fundamental concerne ao objeto intencional em cada tipo de circunstância. Na
realização participativa de sentido, o objeto central é o mundo e as coisas
mundanas. O interesse recai, nesse caso, sobre a constituição de sentido no
campo da interação intersubjetiva, ou, de modo mais geral, sobre a "Co
constituição de um mundo significativo [meaningful world]" (Gallagher, 2010,
p.113). No âmbito da cognição social, o objeto são os outros agentes, as
pessoas, e o seu comportamento.
129
8.2 A atenção conjunta
130
coordenação da percepção e da ação, a criança e o adulto conjugam sua
atenção em relação a objetos e eventos (Tomasello, 1999; Moll & Meltzoff, 2011).
É justamente essa forma de interação, e os comportamentos a ela associados,
que foi designada como atenção conjunta, desde os trabalhos pioneiros de
Bruner (1983).
131
Para Tomasello (1999), a emergência da atenção conjunta por volta dos
nove a doze meses de idade configura um fenômeno coerente, ou seja, bem
delineado, no desenvolvimento infantil. Mas seria preciso um passo a mais nos
estudos, no sentido de se elaborar uma explanação, igualmente lógica, em torno
do papel desenvolvimento da atenção conjunta. A hipótese teórica geral que
congrega essa linha de pesquisas integra os comportamentos triádicos ao
problema da cognição social na infância. A hipótese específica é de que a
atenção conjunta implica o início da compreensão, por parte da criança, do outro
como agente intencional como ela mesma. Tomasello (1999) explica o sentido
que dá à intencionalidade: "Agentes intencionais são seres animados que têm
objetivos e que fazem escolhas ativas entre as formas comportamentais
disponíveis para atingir aqueles objetivos, incluindo escolhas ativas sobre em
que prestar atenção na busca desses objetivos" (p.68). A atenção seria, portanto,
um tipo de percepção intencional, na medida em que, para Tomasello (1999), os
indivíduos "(...) escolhem intencionalmente atentar [intentionally choose to
attend] a certas coisas e não a outras" (p.68) em seu processo de busca por suas
metas no ambiente. O autor dá o exemplo de um pintor e de um alpinista que,
preparando-se para a realização de suas respectivas atividades, voltam seus
olhares para uma determinada montanha. Embora vejam a mesma coisa, os dois
atentam a aspectos distintos dela3. Os comportamentos triádicos, especialmente
aqueles em que a criança dá indícios de identificar com alguma precisão a "que"
o adulto se dirige ou o "que" está fazendo, denotam, segundo Tomasello (1999),
"uma clara compreensão da atenção do adulto" (p.69), embora ainda haja, por
132
parte da criança, muito a conhecer acerca da relação entre a direção de um olhar
e o foco de atenção.
133
predominantemente com a explicação do comportamento alheio, sobretudo com
a previsão do curso ulterior das ações desse agente físico e das suas
consequências no ambiente. Concorda-se, além disso, em atribuir a esse
sistema comportamental, externo ao sujeito cognoscente, estados internos
prováveis. De acordo com Petit (2004), a relação intersubjetiva, nesse enquadre
filosófico, é sintetizada em um sujeito que, na interação com um outro, torna-se
"'um atribuidor de propriedades mentais' a um 'objeto-alvo' do ambiente e do qual
ele quer 'predizer o comportamento' afim de antecipá-lo" (p.128)4. No que diz
respeito aos processos internos do sujeito perceptivo que estariam envolvidos
na interação com outrem, trata-se, para os pesquisadores, de investigar os
mecanismos representacionais que possibilitariam a compreensão, constituída
perceptivamente, da vida mental do outro. As hipóteses explicativas acerca
desse processo passam, sem pretensão a uma listagem exaustiva, pela
suposição de módulos mentais especializados na detecção da direção ocular de
alguém, em mecanismos de compartilhamento da atenção, que seriam
responsáveis pela formação de representações triádicas, além das teorias
inferencial e da simulação, que tiveram grande aceitação nos programas de
pesquisa voltados à atenção conjunta (Fuchs & De Jaegher, 2009; Bimbenet,
2010, 2011; Seemann, 2011).
134
informação sobre "(...) como o outro é 'igual a mim' [like me]" (Meltzoff, 1999,
p.256). Concorda-se em afirmar, de todo modo, a capacidade do bebê de se
identificar em profundidade com seus Co específicos, fato que constitui uma
importante diferença na comparação comportamental entre os seres humanos e
outros primatas.
135
com propósitos referidos ao meio circundante, passam a aplicar esta
compreensão ao comportamento de outrem. O outro pode, então, ser tratado
como um agente psicológico, possuidor de interesses próprios e centro de uma
atenção voltada a entidades que lhe são exteriores (Carpenter, Nagell &
Tomasello, 1998).
136
Os estudos inaugurais da atenção conjunta denotam, por outro lado, um
compromisso teórico com ideários mentalistas e intelectualistas. Seus
pressupostos solipsistas comprometem a compreensão das bases psicológicas
da relação com o outro e a conotação social de interação com o mundo (Petit,
2004). A abordagem da atenção conjunta realizada por autores como Tomasello
e Meltzoff, denominada de perspectiva representacionalista (Fuchs & De
Jaegher, 2009), ou sócio-cognitiva (Bimbenet, 2010), acaba, com efeito, por
enfatizar uma proto-compreensão, por parte da criança, de seus estados mentais
e a ocorrência de processos reflexivos e de projeção desse conhecimento no
outro. Desde que se considere a mente como um domínio interior apenas
acessível ao próprio sujeito mental, a vida mental do outro não pode ser
acessada senão indiretamente, segundo os indícios revelados pelo seu
comportamento (Bimbenet, 2011). O pressuposto da teoria da mente é, além
disso, de que o outro apenas pode ser reconhecido, desde o início, "como um
outro eu mesmo" (Bimbenet, 2010, p.98). Do mentalismo decorre o
intelectualismo. "Se o outro é constitutivamente um problema, é ao
conhecimento, então, que ele se oferece em primeiro lugar", afirma Bimbenet
(2011, p.349). Como o outro não se apresenta diretamente na relação social, seu
entendimento exige processos de interrogação e de elaboração de um saber
explicativo ou preditivo.
9.1 Ideologia
137
Ideologia “é um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações
(ideias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem
aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que
devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem
sentir, o que devem fazer e como devem fazer. Ela é, portanto, um corpo
explicativo, de representações e práticas (normas, regras e preceitos) de caráter
prescritivo, normativo, regulador, cuja função é dar aos membros de uma
sociedade dividida em classes uma explicação racional para as diferenças
sociais, políticas e culturais, sem atribuir tais diferenças à divisão da sociedade
em classes. Pelo contrário, a função da ideologia é a de apagar as diferenças,
como as de classes, e de fornecer aos membros da sociedade o sentimento de
identidade social, encontrando certos referenciais identificadores de todos e para
todos, como, por exemplo, a humanidade, a liberdade, a igualdade, a nação, ou
o Estado.” (Marilena Chauí, o que é ideologia 1980).
138
Antiguidade Clássica e da Idade Média já entendiam ideologia como o conjunto
de ideias e opiniões de uma sociedade.
139
Ideologia também pode indicar Teoria, no sentido de “constituição”,
configuração dos conhecimentos para nortear a ação de indivíduos e
instituições, há uma ideologia religiosa, a de uma igreja, de uma religião
específica, estabelece um código de conduta aos fiéis, há uma ideologia para as
escolas, cada escola segue uma ideologia específica, e, claro há a ideologia de
um partido político, ou seja, um estatuto que estipula as concepções acerca de
diversos temas de interesse do partido e de seus afiliados, como por exemplo,
de poder e fornece uma série de orientações de ação aos seus militantes.
140
Mas o que é reificação? O que seria reificar? é o processo de tomar uma
ideia ou conceito e tratá-los como se fossem algo concreto e real. "Sociedade",
por exemplo, é um conceito usado pela maioria dos sociólogos para descrever a
organização da vida social. A sociedade não é algo que possamos tocar, no
sentido físico, material, nem "ver" ou “experimentar" de alguma forma usando
nossos sentidos. A sociedade também não é capaz de pensar, sentir ou agir,
mas sim os indivíduos que fazem parte de uma determinada sociedade.
141
podem ser expressas por professores, alunos (as), funcionários, pais, diretores
ou mesmo podem ser trazidas de fora da escola por eles.
Exemplos:
Por exemplo, quem disse que os alunos e alunas não sabem nada e o
professor (a) é o único dono(a) da verdade? E as experiências pessoais dos
alunos(as).Não podemos asseverar que a função do professor é unicamente
ensinar e os alunos (as) devem apenas aprender, pois na verdade o professor(a)
é um mediador(a), um facilitador(a) e os alunos(as) podem muito bem ensinar
coisas e compartilhar seus conhecimentos com os professores.
142
faz a desigualdade. Quem estuda mais, trabalha mais e possui qualidades
administrativas mais desenvolvidas consegue sobrepor-se economicamente.
Consequentemente, as camadas mais pobres seriam compostas por pessoas
que não merecem a riqueza por não terem se esforçado o bastante para
conseguir a riqueza ou por não saberem administrar o dinheiro.
143
9.1.2 Tipos de ideologia
Ideologia capitalista;
Ideologia liberal;
Ideologia conservadora;
Ideologia comunista;
Ideologia anarquista;
Ideologia democrática;
Ideologia nazista;
Ideologia fascista.
144
9.2 Alienação Social
145
Há uma categorização elaborada em torno do tema “alienação social”, que
a divide em três classes: a alienação econômica, a intelectual e a social. Na
econômica os produtores não se veem como produtores; na social o homem
sente-se separado do meio externo e coloca a sociedade como sendo “o outro”;
e na intelectual os indivíduos consideram as ideias como sendo universais,
tomam-nas como verdades absolutas, reproduzem-nas e tendem a perder seu
senso reflexivo. Todas elas, apesar de suas diferenças, possuem um aspecto
em comum: resultam num mesmo fator, que é o surgimento de uma Ideologia. A
Ideologia é uma elaboração intelectual da classe dominante e dirigente, que
passa a ser incorporada pelas outras classes sociais. Assim, essas outras
classes (compostas pelos cidadãos alienados) irão reproduzir as ideias,
pensamentos e opiniões dos dominantes ou dirigentes. Dentro de tal contexto,
aqueles que se tornam alienados e, conforme já mencionado anteriormente,
perdem sua capacidade crítica, passam a reproduzir o que lhes é passado pelos
outros e acabam por viver num mundo de aparências e dissimulações, pois
encaram e vivem seu cotidiano somente sob uma perspectiva já formulada por
outros, e não por eles próprios (conforme a tradução da terminologia latina citada
anteriormente: algo que vem de outra pessoa). Portanto, esses indivíduos
alienados irão se submeter aos valores pregados pelas instituições vigentes.
146
O grande problema da Alienação Social, qualquer que seja a categoria
em que se manifeste, é que o indivíduo atingido por ela se torna padronizado e
tem seus pensamentos limitados. Filosoficamente isso é um grande obstáculo,
pois representa a perda da autonomia dos homens, além de significar uma
aceitação e um plágio inconsciente do que outras pessoas dizem e pensam. A
Filosofia deve atuar na batalha contra a perda do senso crítico, pois é capaz de
despertar a indagação no ser humano e levá-lo a examinar a realidade que o
cerca, podendo assim instaurar a emancipação do pensamento, da consciência
e da subjetividade de um homem.
A Psicologia Social é vista como uma senhora de pouco mais de 100 anos,
cujo período mais vindouro é caracterizado pelas últimas seis décadas, sendo
sua gênese marcada por uma dupla paternidade, ora pautada na Psicologia, ora
fundamentada na Sociologia.
147
A Psicologia Social, apesar de apresentar um longo passado, sua história
como disciplina científica ainda é curta. As preocupações sobre a relação entre
sujeito e sociedade tiveram início com o desenvolvimento do pensamento
filosófico. No entanto, os antecedentes da Psicologia Social como disciplina
científica remetem à segunda metade do século XIX, momento em que a
Psicologia e a Sociologia estão se estabelecendo como disciplinas científicas,
independentes da Filosofia, influenciadas, assim como as demais ciências
humanas, pelo desenvolvimento do positivismo. É neste contexto de reflexão
acerca destas duas disciplinas que se manifestará uma perspectiva psicossocial.
148
Através do trabalho do psicólogo social nos auxilia a entender a necessidade
que sentimos do outro e a importância da comunicação frente ao comportamento
alheio.
Outra abordagem que tem sido foco do psicólogo social é a atuação frente
as políticas públicas, colaborando para que as pessoas possam desenvolver e
compreender suas habilidades e utilizá-las para romper com a vulnerabilidade.
Ou seja, instrumentalizar as pessoas para que rompam com a situação de
manipulação e opressão.
149
segmentos socioculturais, com vistas à realização de projetos da área social e/ou
definição de políticas públicas. Realiza estudo, pesquisa e supervisão sobre
temas pertinentes à relação do indivíduo com a sociedade, com o intuito de
promover a problematização e a construção de proposições que qualifiquem o
trabalho e a formação no campo da Psicologia Social (Resolução CFP Nº
05/2003, art. 3).
150
necessidade de se comunicar, de aprender, de ensinar, de dizer que ama o seu
próximo, de exigir melhores condições de vida, bem como de melhorar o seu
ambiente externo, de expressar seus desejos e vontades.
151
Então, quando estudamos sobre o indivíduo, percebemos a forma como
ele organiza o seu pensamento, seu comportamento. Assim, iremos concluir que
essa construção e organização ocorrem, a partir do contato que tem com o outro.
Por isso, temos a necessidade de estudar não só o indivíduo enquanto ser social,
mas este influenciado por padrões culturais diante da sociedade em que vive,
pois a cultura fornece regras específicas. Assim, para compreendermos o
indivíduo e a sociedade, precisamos entender a cultura à qual pertencemos.
11.2 Cultura
152
que vivencia. Strey (2002) aponta que o indivíduo tanto cria como mantém a sua
cultura presente na sociedade. Cada sociedade humana tem a sua própria
cultura, característica expressa e identificada pelo comportamento do indivíduo.
Segundo Strey (2002, p. 58), “o homem é também um animal, mas um animal
que difere dos outros por ser cultural”. Para ele, a cultura refere-se ao conjunto
de hábitos, regras sociais, intuições, tipos de relacionamento interpessoal de um
determinado grupo, aprendidos no contexto das atividades grupais.
Assim, não podemos considerar a cultura como algo isolado, mas como
um conjunto, integrado de características comportamentais aprendidas. Essas
características são manifestadas pelos sujeitos de uma sociedade e
compartilhadas por todos. Com isso, a cultura refere-se ao modo de vida total de
um grupo humano, compreendendo seus elementos naturais, não naturais e
ideológicos. Segundo Ramos (2003, p. 265), “as culturas penetram o indivíduo
[...] da mesma forma que as instituições sociais determinam estruturas
psicológicas [...] o homem pensa e age dentro do seu ciclo de cultura”.
Vimos que nós fazemos parte de diversos grupos sociais e que é por meio
desses grupos que o nosso processo de socialização ocorre. Temos, então,
como agentes socializadores, de acordo com Savoia (1989), três grupos: a
família, a escola (agentes básicos) e os meios de comunicação em massa.
154
O processo de socialização ocorre durante toda a vida do indivíduo
(SAVOIA, 1989); por isso, esse processo é dividido em etapas:
155
Todo esse processo de socialização que os seres humanos vivenciam está
ligado à cultura do indivíduo, como também a uma estruturação de
comportamentos, à medida que aprendemos e os internalizamos. Essa
estruturação e atribuição de significados ocorrem por meio da interação com os
outros. Isso faz com que criamos expectativas sobre esses comportamentos
diante do grupo social, desenvolvendo papéis sociais, pois o processo de
socialização pode ser visto também como um processo pelo qual cada indivíduo
configura seu conjunto de papéis
156
Ao nascer, já temos alguns papéis prescritos como idade, sexo ou posição
familiar. À medida que adquirimos novas experiências, ampliando nossas
relações, vamos nos transformando, adquirindo outros papéis que são definidos
pela sociedade e cultura (SAVOIA, 1989). Em cada grupo no qual relacionamos,
deparamo-nos com normas que conduzem as relações entre as pessoas,
algumas são mais sutis, outras mais rígidas. São essas normas que caracterizam
essencialmente os papéis sociais e que produzem as relações sociais (LANE,
2006).
157
na sociedade. Esses papéis podem ser objetivos ou subjetivos. Em relação a
isso, Savoia (1989, p. 57) assevera que
158
Se alguém perguntar a você sobre quem é você, o que responderia? E se
perguntassem sobre a sua identidade, como a definiria?
159
mesmo. Mas esse conceito é produzido a partir das relações que mantemos com
os outros (LANE, 2006).
160
O indivíduo constrói a sua história, como um ser individualizado e, ao
mesmo tempo, social. Esse processo de transformação pode trazer angústia,
dúvidas o que pode gerar uma crise de identidade, diante da contradição que o
indivíduo vive, entre a necessidade de se padronizar para ser aceito em um
grupo e a necessidade de se destacar como único (SAWAIA, 2006). Essa crise
é geralmente percebida na transição da infância para a adolescência, em que o
indivíduo passa por diversas transformações tanto físicas, como psicológicas e
sociais. Mas isso pode ser superado a partir da tomada de consciência e das
relações que mantém com o outro.
161
12.0 PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO, GRUPOS E PAPÉIS SOCIAIS
As atitudes do ser humano são importantes, pois são elas que norteiam
nosso comportamento. Há a influência dos motivos, interesse e necessidades
com que nos apresentamos na situação. Este conjunto de aspectos psicológicos
permite-nos entender, atribuir significado e responder ao outro (BOCK,
FURTADO, TEIXEIRA, 1999).
162
sistematizados e acumulados por um determinado conjunto social (BOCK,
FURTADO, TEIXEIRA, 1999).
163
apresentamos como ocupantes da posição de professores ou autores de um
livro, sabemos como nos comportar, porque aprendemos no decorrer de nossa
socialização o que está prescrito para os ocupantes dessas posições. Se formos
convidados a proferir uma palestra na sua escola, não iremos vestidos como se
estivéssemos indo para o clube (BOCK, FURTADO, TEIXEIRA, 1999).
164
desafio claro à ineficácia anteriormente sentida em relação às crises
desencadeadas pelas doenças mentais.
165
Desse modo, a Psicologia Social Comunitária visa promover a
consciência e minimizar a alienação, procura promover a participação reflexiva
dos grupos com os quais trabalha na definição das prioridades de atuação,
planejamento, execução e avaliação de suas atividades. Para Campos (2002), a
produção teórica e prática da Psicologia Social Comunitária é marcada pela
busca do desenvolvimento da consciência crítica, da ética, da solidariedade e de
práticas cooperativas ou mesmo auto gestionárias, a partir da análise dos
problemas cotidianos da comunidade.
166
se dado, de maneira geral, a partir da ênfase na autonomia e no protagonismo
das populações com as quais se tem trabalhado por maio da ampliação da
criticidade desses sujeitos em relação ao contexto e aos problemas que
apresentam, em busca da construção de um conhecimento social e comunitário.
167
indivíduos a identificarem as características históricas e sociais de seus
problemas e a criarem estratégias para a solução coletiva.”
Desta forma este, tipo de trabalho vai além do saber acadêmico e
científico, o saber popular ganha força e torna peça fundamental para a
elaboração de uma teoria própria das experiências cotidianas se firmam neste
âmbito.
A pesquisa-ação, segundo Nasciutti, “se define essencialmente pelo elo
entre o saber e o fazer. Ela parte de uma perspectiva epistemológica
interdisciplinar e que inclui assim diferentes saberes acadêmicos, além da
relação entre saber científico e saber popular (…) implicando como
consequência a reelaboração coletiva de aspirações e valores psicossociais, a
participação comunitária e a ação organizada.”
A família é abordada como refúgio, num mundo que não tem coração (2).
É a base social, enfim, uma instituição que tem como características ser abstrata,
168
higiênica, nuclear e privada (3). Pode-se afirmar que, na maioria das sociedades,
essa parece ser a família pensada e idealizada.
169
Se a família é pensada como núcleo de convivência harmoniosa entre pai,
mãe e filhos, espaço de afeto e proteção como, no pensamento social, se
articulam tais representações de família com a ideia de violência doméstica?
170
corresponde a concebê-la como um objeto social que suscita representações
diversas, que intervêm na construção de uma dada realidade social.
171
organização, esse grupo, denominado de família, foi sofrendo o impacto das
mudanças da sociedade a partir do conjunto de valores e regras sociais
predominantes que influenciavam diretamente no entendimento do papel dos
indivíduos. Assim, ao longo do processo histórico humano, encontramos uma
diversidade de formas, organizações, funções e papéis atribuídos à família, que
foram se ancorando, seja numa perspectiva ideológico-religiosa, política ou
econômica ou jurídica, seja sociológica, antropológica e psicológica. Hoje,
observamos e convivemos com uma diversidade maior de configurações
familiares que revelam explicitamente como esse grupo humano foi se
moldando, principalmente, ao conjunto de valores éticos, morais e científicos que
predominam na sociedade atual. Nesse processo histórico de mudanças e
acomodações do grupo familiar, é importante destacar que o entendimento da
família como uma matriz humana de identidade foi se sustentando e se
afirmando com maior vigor a partir Século XVI. Atualmente, a família é
reconhecida por estudos científicos dos mais variados campos como uma das,
senão a mais, importante rede social significativa de referência para o
desenvolvimento humano.
172
Relacionado a isto, a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2002) aponta
que o conceito de família não pode ser limitado a laços de sangue, casamento,
parceria sexual ou adoção. Qualquer grupo cujas ligações sejam baseadas na
confiança, suporte mútuo e um destino comum, deve ser encarado como família.
Nessa linha de pensamento, Minuchin (1990), terapeuta familiar reconhecido
internacionalmente e um estudioso da família, afirma que a organização, a
estrutura e os padrões de interação de uma família são responsáveis por
selecionar e qualificar as experiências de seus membros. Nesse sentido, a
família tem dois objetivos principais: um interno, que se refere à função de
proteger seus membros e outro externo, ao transmitir a seus descendentes a
cultura na qual estão inseridos. É importante destacar que as funções de
“proteção” e “transmissão” se constituem em possibilidades de serem
desempenhadas pelos diferentes integrantes da família, à luz de sua história
familiar.
Toda família , segundo Minuchin (1990, p. 57), tem “um conjunto invisível
de exigências funcionais que organiza a interação dos seus membros,
considerando-a igualmente como um sistema que opera através de padrões
relacionais”. Por sua vez, o autor nos chama a atenção apontando que no interior
da família os indivíduos podem construir subsistemas, havendo diferentes níveis
de poder, a exemplo da ideologia presente no patriarcado, em que prevalece o
domínio físico e decisório do homem nas relações familiares, sociais e
comunitárias, afetando e influenciando decisivamente os demais integrantes da
família, em termos de desenvolvimento psicossocial. Destacamos que a família
enquanto sistema é considerada uma unidade social que tem como tarefa
173
principal ações de desenvolvimento de seus membros, tarefa esta que, enquanto
forma e implementação, podem variar de acordo com os parâmetros culturais
onde ela está inserida, mas sempre ela responderá a uma organização singular
de funcionamento que vai se gestando ao longo do tempo.
Nas obras de Maurício Andolfi, o autor define família como “um sistema
de interação que supera e articula dentro dela os vários componentes
individuais”. Ele nos traz um aporte importante quando defende que a família é
um sistema entre sistemas e que é essencial a exploração das relações
interpessoais e das normas que regulam a vida dos grupos significativos a que
o indivíduo pertence, para uma compreensão do comportamento dos membros
e para a formulação de intervenções eficazes.
174
14.2 A estrutura familiar dinâmica
• Subsistema conjugal: geralmente é formado por duas pessoas que têm por
propósito formar uma família. Cada cônjuge possui tarefas e funções que são
complementares e recíprocas, vitais para o funcionamento da família. Deve ser
desenvolvida uma relação de complementaridade e apoio. O casal pode ajudar
tanto a desenvolver aspectos positivos quanto negativos em seu parceiro.
175
irmãos. Este subsistema permite que as crianças socializem e aprendam umas
com as outras. As crianças aprendem como fazer amigos, ter aliados, negociar,
cooperar e competir. Quando as crianças passam a ter contato com iguais
pertencentes às relações extrafamiliares, elas levam o novo conhecimento, as
novas aprendizagens para o seu subsistema fraternal. Por outro lado, se a
família estabelece barreiras com o mundo extrafamiliar, os filhos podem ter
dificuldades de se inserir em outros sistemas sociais.
176
significa referir-se ao mesmo fenômeno, que é a família em constante
movimento. Uma não pode ser pensada sem a outra.
177
demanda de família para equipe, com uma linguagem comum para todos
poderem entender melhor o funcionamento das famílias.
178
Um exemplo no cotidiano da prática é quando, numa entrevista com a
família, observam-se filhos desempenhando as funções do sistema parental, ou
seja, quando o poder de decisão dos filhos ultrapassa as decisões dos pais. Este
seria um exemplo de “fronteiras difusas” entre o sistema parental (pai e mãe) e
fraternal (filhos). A estratégia de intervenção seria evidenciar essa inversão das
funções, convidando os pais a compreender a importância das funções parentais
tanto para o desenvolvimento da família bem como de seus integrantes.
179
• Família na Fase Madura: É a fase em que os filhos estão na idade adulta,
se tornando independentes dos pais, muitas vezes saindo de casa, não
requerendo mais tanto o cuidado. Nessa fase, ainda há necessidade de um
rearranjo no casal, além dos pais terem que enfrentar a morte de seus
progenitores, o que leva a um novo período de renegociação de regras de
funcionamento.
180
Cabe mencionar, que o modelo de compreensão da família em fases, não
é linear. Embora ocorra na dimensão linear do tempo, deve-se sempre visualizar
a relação de três ou mais gerações convivendo, passando pelos momentos de
transição entre uma fase e outra do ciclo da vida, já que, inevitavelmente, um
evento em uma geração afeta todas as outras.
183
seguindo as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (2002) relacionadas ao
conceito, também presente nas diretrizes do Ministério da Saúde (2002),
entendemos por violência familiar aquela que se caracteriza por “ações ou
omissões que prejudiquem o bem-estar, a integridade física, psicológica ou a
liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento de outro membro da família. Pode
ser cometida dentro ou fora de casa por algum membro da família, incluindo
pessoas que passam a assumir função parental, ainda que sem laços de
consanguinidade, e em relação de poder à outra”.
Mas, por que acontece uma ação violenta no contexto familiar? Que
condições têm que existir para ela emergir e se sustentar? Ancorados nos
aportes da Terapeuta Familiar argentina, Maria Cristina Ravazzola, que trabalha
o tema da violência familiar, apresentaremos, de forma didática um conjunto de
condições necessárias que geralmente ocorrem e que estão estreitamente
relacionadas entre si.
184
relações afetivas familiares. Em continuação, no Quadro 3, destacamos a
proposta de Ravazzola (2005) em que é possível visualizar variáveis que podem
auxiliar no melhor entendimento de uma situação de violência.
185
A seguir, apresentamos os conceitos e as repercussões da violência
familiar para famílias com filhos pequenos, mulheres na relação conjugal e para
os idosos. Esses integrantes familiares e fases do ciclo vital específicas foram
escolhidos por considerarmos os mais vulneráveis dentro do sistema familiar,
sem, no entanto, desconfirmar ou minimizar quaisquer outras pessoas e
configurações desse sistema, especialmente o papel dos homens adultos.
186
Ainda sobre as repercussões, destacam-se o uso e abuso de álcool e
outras drogas, iniciação sexual precoce, comportamentos criminosos, violentos
e de alto risco, além de relacionamentos pessoais inadequados. Também pode
haver comprometimento no desempenho escolar, hiperatividade ou atrasos de
desenvolvimento cognitivo (BRASIL, 2002).
Com o crescimento da população idosa que tem ocorrido nos últimos anos
em nosso país, a violência dirigida contra essas pessoas tornou-se um fenômeno
recente em termos de sua visibilização. De acordo com Minayo (2005), a
violência à pessoa idosa pode ser definida como ações ou omissões cometidas
uma vez ou muitas vezes, prejudicando a integridade física e emocional das
pessoas desse grupo etário e impedindo o desempenho de seu papel social. A
violência acontece como uma quebra de expectativa positiva dos idosos em
relação às pessoas e instituições que os cercam (filhos, cônjuge, parentes,
cuidadores e sociedade em geral). De acordo com dados estatísticos, 90% dos
idosos vivem com familiares e é justamente na família onde ocorre a maioria das
violências, sendo que 2/3 são praticadas por filhos, parentes ou cônjuges
(BRASIL, 2014). Os idosos4, em geral, não falam sobre o fato de sofrerem
violência por medo de possíveis retaliações por parte do autor da violência, pelo
receio de serem mandados para uma casa asilar onde temem sofrer violência
187
também ou ainda para proteger o autor da violência (filho, neto, genro, nora...),
tendo em vista os laços afetivos presentes na relação (BRASIL, 2014;
GONZÁLEZ; ZINDER, 2009).
188
15.2 O psicólogo lidando com questões de violência familiar
189
de sua conduta ética e principalmente, questionar-se acerca do que pensa sobre
violência e a sua tolerância ou sobre atos violentos.
190
• Acreditar na importância das redes significativas e de apoio da família e
nos recursos comunitários enquanto redes efetivas que podem gerar mudanças.
A violência gera ou sustenta o isolamento social, por sua vez, o trabalho em rede
abre possibilidades efetivas de interferir nesse isolamento, gerando novos
caminhos de comunicação e implicando seus integrantes, através da
corresponsabilização de ações, tendo como consequência, a distribuição da
responsabilidade do apoio às famílias.
191
• Compreender que todo saber a ser comunicado precisa,
necessariamente, ser ancorado e coconstruído à luz dos contextos socioculturais
nos quais a família está inserida. Os diálogos profissionais, as mensagens ou
palavras que possam vir a serem construídos com a família, terão significado e
sentido enquanto possibilidade de transformação ou mudança, quanto mais
próxima aos contextos socioculturais em que a família e suas redes estejam
inseridas.
b. tempo na comunidade;
193
na Unidade 1, o convívio num mesmo sistema familiar em diferentes fases do
ciclo de desenvolvimento aumenta a fragilidade da família, principalmente
afetando seus fatores potencialmente protetores.
Esses aspectos são trazidos com ênfase especial, pois observamos que
muitas vezes, equipes ex postas em seu cotidiano a demandas intensas e
complexas não reconhecem ou não sabem as possibilidades e potencialidades
de seu próprio contexto de atuação, afetando diretamente seu processo de
trabalho, o que gera ações fragmentadas ou isoladas. Entende-se que o esforço
pela busca da articulação das famílias e suas redes significativas, com a
comunidade e redes suporte institucional é um processo de trabalho permanente
e que depende diretamente da postura diferenciada do profissional, mais do que
da Instituição com sua trama complexa. A sensibilização dos profissionais para
uma postura de trabalho em rede constitui-se em um caminho fundamental,
possível e efetivo, tanto de acolhimento e cuidado, como de prevenção da
violência na família.
15.2.1 Genograma
194
Seguindo essa perspectiva, Andolfi (2003) define e descreve o
genograma diferenciando-o do que anteriormente se conhecia como árvore
genealógica. Afirma que a árvore genealógica tem como principal característica
a de ser utilizada no contexto da anamnese médica e centraliza-se nos fatores
hereditários ou etiopatogênicos. Já no que diz respeito ao genograma, o autor o
define como uma rede ampla de pessoas e eventos, cujo acesso às informações
pode ir além de nomes, considerando-se, ainda, a idade de todos os membros
de uma família, dos dados de acontecimentos específicos significativos
(nascimento, casamento, separações, mortes, etc.) e, de outros eventos de
relevância particular, focalizando principalmente a “história afetiva dos indivíduos
privilegiando a ativação do sistema de memória emotiva e imaginativa” (Andolfi,
2003, p. 134). Considera-se que essa compreensão do Genograma, como
possibilidade de resgate da história afetiva dos vínculos, constitui-se numa ponte
importante para acessar a família. Isto pode ocorrer na medida em que é
possível, tanto junto à família ou algum de seus representantes, quanto com as
informações acumuladas pela equipe, realizar uma reconstrução histórica de
determinados eventos que se sustentaram ou continuam a se sustentar, em
torno dos vínculos afetivos, das emoções e dos registros que permanecem na
memória dos participantes de um sistema familiar, permitindo, assim, ter acesso
efetivo à dinâmica deste sistema (CREPALDI; MORÉ; WENDT, 2014). Segundo
essas autoras, o Genograma permite:
195
que podem ser visualizados no Genograma e se constituírem numa linguagem
comum para a equipe:
i. Triangulação: relação existente entre três pessoas, em que uma delas regula
a tensão e os conflitos existentes entre as outras duas.
196
197
Genograma
198
por meio do conjunto de suas relações sociais institucionais ou comunitárias que
oferecem apoio e proteção, reduzindo os efeitos físicos e psicológicos de
eventos estressantes (como nos casos de violência na família).
199
A utilização do Mapa de Redes como um recurso gráfico permite
identificar e avaliar a rede social significativa a partir de suas características
estruturais, que se referem às propriedades da rede em seu conjunto; das
funções dos vínculos, caracterizadas pelo tipo de interação entre a pessoa e os
indivíduos que compõem a sua rede, podendo ser um vínculo específico ou uma
combinação de vínculos; e por fim, a partir dos atributos do vínculo, sendo estes
marcados pelas propriedades específicas de cada relação (SLUZKI, 1997). Em
termos de intervenção, gostaríamos de destacar as funções dos vínculos das
pessoas que integram um Mapa de Redes. As funções podem ser de:
200
f. acesso a novos contatos, que diz respeito à abertura de portas para
novas conexões com pessoas e redes que até então não faziam parte da rede
do indivíduo/família (SLUZKI, 1997).
201
identificada uma situação de violência na família de origem, isto não significa,
necessariamente, que haverá violência na família atual; assim como se o Mapa
de Redes evidencia uma ruptura das redes sociais significativas, não
necessariamente significa que a família ou integrantes apontados na rede tenha
dificuldades de construir vínculos. Esses instrumentos, que exigem um tempo
para sua apropriação por parte da equipe, fornecem dados que, de forma efetiva
podem auxiliar a sermos mais estratégicos e cuidadosos, no planejamento, na
organização de ações e na intervenção propriamente dita, junto às famílias em
situação de violência.
202
dominado”, que apesar de se obter avanços na equiparação entre
homens e mulheres, a ideologia patriarcal ainda vigora, e a
desigualdade sociocultural é uma das principais razões da
discriminação feminina (DIAS,2007,P.15-16).
203
a princípio protegia apenas as mulheres, hoje pode ser também aplicada
através das analogias para a proteção de homens que sofrem agressão no
contexto familiar.
A violência é um ato que pode ser expresso sob diversas formas, podendo
ser elas, física, moral, psicológica, sexual e patrimonial, bem como, existem
vários enfoques sob as quais podem ser definidas. Trata-se de agressão
injusta, ou seja, aquela que não é autorizada pelo ordenamento jurídico. É um
ato ilícito, doloso ou culposo, que ameaça o direito próprio ou de terceiros,
podendo ser atual ou iminente (ROSA FILHO, 2006, P.55).
204
levar a submissão ou subjugação do indivíduo pelo simples fato deste ser
mulher (BENFICA; VAZ, 2008, P.201).
205
que propiciam ao seu aumento, tais como, desigualdades econômicas, sociais
e culturais.
206
ensejou a inovação legislativa para proteger essa parte da população vítima
da violência de gênero (OLIVEIRA, 2010).
207
criadas para dar maior sustentação às reclamações da população feminina
contra as agressões sofridas, na maioria das vezes, no âmbito doméstico.
A Lei Maria da Penha veio para suprir, com vantagem, essa negligência,
pois cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar,
visando assegurar a integridade física, psíquica, sexual, moral e patrimonial
da mulher (DIAS,2013, P.112).
208
I- A violência física, entendida como qualquer conduta que
ofenda sua integridade ou saúde corporal;
209
V- A violência moral, entendida como qualquer conduta que
configure calúnia, difamação ou injuria.”
16.3.1 Física
16.3.2 Psicológica
210
É toda ação ou omissão que causa ou visa causar dano à autoestima, à
identidade ou ao desenvolvimento da pessoa. Inclui: Inclui: ameaças,
humilhações, chantagem, cobranças de comportamento, discriminação,
exploração, crítica pelo desempenho sexual, não deixar a pessoa sair de casa,
provocando o isolamento de amigos e familiares, ou impedir que ela utilize o
seu próprio dinheiro. Dentre as modalidades de violência, é a mais difícil de ser
identificada. Apesar de ser bastante frequente, ela pode levar a pessoa a se
sentir desvalorizada, sofrer de ansiedade e adoecer com facilidade, situações
que se arrastam durante muito tempo e, se agravadas, podem levar a pessoa
a provocar suicídio (BRASIL, 2002).
16.3.3 Sexual
211
16.3.4 Patrimonial
16.3.5 Moral
212
menos nos casos de calúnia e difamação, ofensas à imagem e reputação da
mulher em seu meio social."
213
profissional assegura-lhe independência econômica, encorajando-a a reagir e
buscar soluções para o seu problema. As estatísticas da violência doméstica
nas grandes cidades coincidem com as do interior do país. Está provado que
a violência doméstica é um fenômeno global, presente tanto nos países
desenvolvidos, como nos subdesenvolvidos e nos que estão em
desenvolvimento. O caso brasileiro está correlacionado à pobreza, baixa
escolaridade e dependência econômica das mulheres. Os homens aparecem
como maiores agressores. Além disso, o preconceito e a discriminação estão
na origem da violência contra a mulher. Muitas mulheres sentem-se
envergonhadas de admitir, mesmo para amigos, que um membro de sua
família (na maioria dos casos o companheiro) prática violência, e em assim
sendo, não o denunciam (JACINTO, 2010).
214
No Brasil, como em vários outros países, a delimitação dos prejuízos
psicológicos decorrentes de situações traumáticas é a matéria recente, e,
portanto, não está claramente especificada na legislação. O que gera o dano
psíquico é a ameaça à própria vida ou à integridade psicológica, uma lesão
física grave, a percepção do dano com internacional, a perda violenta de um
ente querido e a exposição ao sofrimento de outros, ainda que não seja
próxima afetivamente (MAROJA, 2017).
e) são brancas.
215
Como visto anteriormente, as mulheres vítimas de violência que sofrem
a agressão pertencem a uma camada social mais baixa, negam submissão, mas
referem medo do agressor, que em sua maioria, é o companheiro, com baixo
nível socioeconômico, usuário de bebida alcoólica, que pratica a violência no
domicílio, sendo o ciúme apontado como a principal causa da violência.
216
O agressor pode ser motivado a agredir por simples necessidade de
controlar a mulher ou dominá-la. Tem uma personalidade machista e um
sentimento de poder frente a mulher.
217
características comuns, nomeadamente casados, com baixa autoestima, usam
armas e consomem álcool ou outras substâncias ilícitas. Contudo, na sua maioria
são cuidadosos e tentam esconder o abuso, causando lesões em zonas menos
visíveis e que não requeiram cuidados médicos.
219
No plano conceptual, a VD historicamente era vista como um problema
individual (Shuler, 2010). Mais recentemente tem sido amplamente reconhecida
como um crime grave e um problema social com implicações complexas (e.g.,
Dobash & Dobash, 2004; Matos, 2006; Shuler, 2010). Apesar do crescente
interesse atual por esta temática, a atenção científica dada a esta questão
remonta dos anos 70, quando Steinmetz (1977, como citado em Casimiro, 2008)
divulgou o conceito de “síndrome do homem espancado”. Também nesta
década, Gelles (1974, como citado em Hines & Douglas, 2010) mostrou interesse
pelo estudo científico desta temática. Depois disso, o estudo deste fenómeno
assumiu gradualmente um lugar de destaque na literatura científica internacional
(e.g., Archer, 2000; Costa et al, 2015; Hines, Brown, & Dunning 2007; Hines &
Douglas, 2011;Randle & Graham, 2011; Tsui, Cheung, & Leung, 2010).
220
A procura de ajuda parece ser influenciada pela percepção da sociedade
sobre as diferenças de género. Tsui, Chen, & Leung, 2010, num estudo sobre
serviços de saúde revelou que os homens procuram menos ajuda que as
mulheres. Percepções que enaltecem a capacidade física do homem de se
defender e de permanecer longe de relações íntimas violentas, bem como as
expetativas sociais sobre a capacidade física e económica para resolver os seus
próprios problemas, conduzem à ideia do homem como vítima seja inconcebível
(Hines e Douglas, 2010a, b). Assim, os homens debatem-se interna e
externamente com a manutenção de um ideal masculino (e.g., sexo dominante;
Shuler, 2010). Desta forma, quando são vítimas de VD, os homens enfrentam
lutas de “conciliação” entre a vitimação e a perceção de sua masculinidade (Tsui
et al., 2010). Talvez, por via disso, muitos dos homens vítimas não admitam sua
condição e não procurem ajuda profissional (Barber, 2008; Hines, 2007). Um
estudo qualitativo realizado por Tsui e colegas (2010) revelou que os homens
não procuram ajuda devido a obstáculos sociais e à falta de apoio. Vergonha,
medo, negação, estigma e, sobretudo, o facto do sistema de apoio não tratar os
homens da mesma forma, são obstáculos à procura de apoio. Também o medo
de serem conotados como autores, especialmente estes retaliarem, impede-os
de denunciarem o abuso (Hines, 2007).
221
contribuindo para a manutenção da invisibilidade da VD contra homens (e.g.,
Barber, 2008; Hines et al., 2007; Tilkbook et al., 2010; Tsui et al., 2010).Quando
procuram ajuda em serviços responsáveis pela abordagem de VD (e.g., centros
de apoio à vitima), estas vítimas tendem a relatar obstáculos como serem
mandados embora, rirem-se deles, acusá-los de serem os agressores e/ou
encaminha-los para um programa de agressores (e.g., Hines & Douglas, 2011;
Hines et. al., 2007; Hines & Douglas, 2011a). Muitas instituições tratam o homem
como único autor (Tsui,2014), levando o a desistir de procurar apoio (Hines et
al., 2007).
Num estudo que analisou telefonemas de homens vítimas para uma linha
de apoio (n= 190), metade revelou que as suas companheiras deram afirmações
falsas ao sistema judicial a fim de ganhar a custódia dos filhos ou obter ordem
de restrição (Hines et al., 2007).
222
A mulher que convive ou já conviveu, durante algum tempo, com a
violência perpetrada pelo parceiro, geralmente, tem um comprometimento
psicológico, como a dificuldade de mudar sua realidade, uma vez que “a pessoa
sob jugo não é mais senhora de seus pensamentos, está literalmente invadida
pelo psiquismo do parceiro e não tem mais um espaço mental próprio”
(HIRIGOYEN, 2006, p. 182). Por esta razão ela necessita de uma ajuda externa
que a auxilie a criar mecanismos para mudar sua realidade e superar as
sequelas deixadas pelo processo de submissão às situações de violência.
(HIRIGOYEN, 2006).
223
Outro objetivo do atendimento psicológico às vítimas é fazer com que elas
resgatem sua condição de sujeito, bem como sua autoestima, seus desejos e
vontades, que ficaram encobertos e anulados durante todo o período em que
conviveram em uma relação marcada pela violência. Desta forma, elas poderão
ter coragem para sair da relação que, durante muito tempo, tirou delas a
condição de ser humano, tornando-as alienadas de si mesmas. Este é um
processo que continua ativo durante um longo período no psiquismo da mulher,
mesmo que ela já tenha colocado um ponto final na relação. Pois, no período em
que sofreu as violências, o parceiro a desqualificava de todas as formas, através
da violência psicológica e moral. (HIRIGOYEN, 2006; SOARES, 2005).
A introjeção das mensagens impostas pelo seu agressor fez com que sua
autoestima se tornasse cada vez menor, fazendo-a se sentir cada vez mais como
um objeto, deixando de ser um sujeito dotado de vontades e saberes
(HIRIGOYEN, 2006; SOARES, 2005).
224
mas sim, no todo do que está sendo dito. A escuta ativa prende a atenção do
profissional que o faz prestar mais atenção e curiosidade sobre o que está por
vir na fala do sujeito. Quando se utiliza a escuta ativa o psicólogo pode fazer
intervenções inesperadas, que faça com que o sujeito pense de forma diferente
da que havia pensado até então.
225
Segundo Hirigoyen (2006), existem algumas etapas que devem ser
seguidas no processo terapêutico com mulheres que já foram ou são vítimas de
violência doméstica. O primeiro passo da psicoterapia é fazer com que a mulher
enxergue a violência sofrida tal qual ela é. Muitas mulheres possuem dificuldades
para perceber que se encontram numa relação perpetuada pela violência. Até
pelo fato de já terem tomado a violência sofrida como algo natural,
principalmente, quando se trata da violência psicológica, que ocorre de forma
mais sutil o que dificulta sua identificação. A partir do momento em que a mulher
reconhece a violência sofrida, que este tipo de comportamento é abusivo e traz
sofrimentos para sua pessoa ela terá capacidade de mobilizar recursos para sair
dessa situação.
226
Muitas vítimas possuem dificuldade para reconhecer a violência como
algo fora do padrão normal de relacionamento. Muitas se perguntam se a atitude
do parceiro foi uma violência ou não. Uma das intervenções que o psicólogo
poderia fazer seria questionar a pergunta da vítima, a fim de fazer com que ela
mesma pense e chegue a sua conclusão. Uma boa pergunta seria: “Se você
fizesse a mesma coisa, como é que seu cônjuge reagiria?”. (HIRIGOYEN, 2006).
Nesse contexto, o psicólogo não deve adotar uma postura neutra, pois as
mulheres vítimas de violência buscam apoio e assistência. O terapeuta pode
intervir solicitando ao paciente que nomeie aquilo que é agressivo para ele e fale
como se sente diante de um comportamento agressivo, sem negar suas
emoções, pois, assim, o paciente consegue sair do bloqueio emocional. Esta
intervenção auxilia o paciente a dar nome à violência sofrida, bem como, a
reconhecer suas emoções que durante muitos anos foram negadas e reprimidas.
Auxilia no processo de construção do sujeito, como ser no mundo. (HIRIGOYEN,
2006).
227
Outra etapa do processo terapêutico é fazer com que a mulher não se
sinta responsável ou culpada pela violência sofrida. Pois o parceiro, utilizando-
se de vários tipos de manipulação, a fez acreditar que a culpa é dela. Na
psicoterapia o caminho é fazer com que a pessoa se sinta responsável pelo
próprio destino. No atendimento à vítima, o trabalho também será feito desta
forma, evidenciando as possibilidades de mudança que a pessoa vitimada pode
fazer em relação ao agressor e isso só depende dela. (HIRIGOYEN, 2006).
228
No entanto, a atuação do psicólogo deve ter esse formato quando a
relação conjugal violenta é assimétrica. Isto é, o homem assume, visivelmente,
o papel de dominador e a mulher de dominada. Nesse papel, a mulher se sente
frágil e impotente diante de seu agressor, submetendo-se a este e introjetando
a culpa que é dele. Nesse contexto, a mulher vivencia uma situação de impasse,
pois embora esteja sofrendo na relação, a possibilidade de separação também
é insuportável, devido ao sentimento de incapacidade para reconstruir sua vida
sem o parceiro. Na violência conjugal assimétrica, a vítima, geralmente, mantém
uma relação de codependência em relação ao agressor, tornando-se
indispensável o resgate da autoestima, autoconfiança e autonomia através de
um processo de conscientização de si mesma, de suas necessidades, desejos,
potencialidades e capacidade para transformar sua vida e promover sua
autorrealização independente do outro. (TENÓRIO, comunicação pessoal,
28/10/2012).
229
psíquico quando possui uma boa autoimagem, quando tiveram na infância boas
experiências afetivas, produzindo o sentimento de segurança e confiança em si
mesma. Para conseguir mudar sua história a mulher precisa, primeiramente,
aceitar a história que construiu até o momento. É a partir da aceitação de si
mesma e da sua história que ocorrem as possibilidades de mudança subjetiva.
(HIRIGOYEN, 2006).
Trabalhado esses aspectos acima, poderá ser feito com o paciente, uma
análise da sua história individual, a fim de compreender em quais momentos da
sua vida ela se tornou vulnerável a este tipo de relacionamento e criar
possibilidades de mudanças subjetivas.
230
É importante analisar e compreender se existem na mulher traços de
dependência emocional. Assim como uma pessoa pode torna-se dependente de
substâncias entorpecentes como álcool ou drogas. A mulher pode se tornar
dependente do parceiro agressor. A codependência pode ser compreendida
como “uma condição emocional, psicológica e comportamental que se
desenvolve como resultado da exposição prolongada de um indivíduo a – e a
prática de – um conjunto de regras opressivas que evitam a manifestação aberta
de sentimentos e a discussão direta de problemas pessoais e interpessoais”. É
importante compreender se a mulher possui características codependentes
porque quando se descobre o problema é possível encontrar uma solução, bem
como direcionar o tratamento da psicoterapia. (BEATTIE, 1992).
231
continuar na relação, que a fazem permanecer fixada no algoz. O profissional
deve ajudá-la a identificar quais são as perdas e os ganhos que ela tem ao
continuar fixada na relação. Outro aspecto importante a ser trabalhado é auxiliar
a vítima a mobilizar energia, para sair da situação de submissão e do papel de
dominada no qual se encontra. Para isso a vítima precisa mudar sua postura
diante do agressor ou reconstruir sua vida longe dele. (TENÓRIO, 2012)
232
REFERÊNCIA:
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- http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822008000300018
- https://siteantigo.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/psicologia/psicologia-
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- http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-
106X2010000200003
- http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-65552003000500004
- http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20032002000300001
- https://siteantigo.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/psicologia/psicologia-
institucional/10960
- https://www.studocu.com/pt-br/document/universidade-nove-de-julho/tecnologia-em-
comunicacao-institucional/resumos/psicologia-institucional-resumo/2591715/view
- https://revistas.ufpr.br/psicologia/article/viewFile/9447/11377
- https://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/psicologia/psicologia-social-uma-analise-
critica-percepcao-outro.htm
- http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-
68672019000300009&lng=pt&nrm=iso
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-https://siteantigo.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/educacao/processo-de-
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-http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-
89082015000200005
- https://violenciaesaude.ufsc.br/files/2015/12/Violencia_Familiar.pdf
- https://repositorio.uniceub.br/jspui/bitstream/123456789/2593/3/20820746.pdf
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https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/43250/1/Fl%c3%a1via%20Marina
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