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A recepção cênica transestética:  consumo, teatralidade e virtualidade
A recepção cênica transestética:  consumo, teatralidade e virtualidade
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A recepção cênica transestética: consumo, teatralidade e virtualidade

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O que ficou em nós, artistas, nós que muitas vezes consideramos a presença virtual menos importante ou menos potente do que a presença real? Aliás, ainda existe diferença entre real e virtual? Existe com o advento da COVID-19,, uma nova realidade virtual? Conseguimos com esse fenômeno extrapolar a distância espaço-temporal entre os corpos?

O autor nos faz perceber que a recepção atualmente está intrinsecamente conectada a uma lógica de consumo que nos aprisiona a um sistema no qual produzimos financeiramente para o/a outro/a, principalmente quando propagamos aquilo que nos chega. Dessa forma, a virtualidade se consolida como um meio para a distribuição e reprodução desse sistema, capaz de nos seduzir e nos condicionar a um modelo que visa ao entretenimento que alimenta uma economia que não é compartilhada.

O caminhar da leitura do livro é repleto de bifurcações, o que torna sua apreciação multiperceptiva, capaz de despertar inúmeras reflexões, dúvidas, perguntas e respostas. Ao adentrar no universo exclusivamente da arte, o foco passa a ser o virtual, suas ferramentas e como as mesmas influenciam determinantemente na recepção. Entra em jogo a teatralidade e sua presença nas experimentações cênicas, numa abordagem expandida e fundamentada com a contribuição de autores/as que discutem tal objeto. A argumentação passa a abranger como a recepção pode ser estabelecida no cinema, no teatro, a partir de estudos específicos de obras artísticas que inspiram o pensamento do autor.
LanguagePortuguês
Release dateMay 2, 2023
ISBN9786525286556
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    A recepção cênica transestética - Raimundo Kleberson de Oliveira Benício

    A RECEPÇÃO EM UMA SOCIEDADE TRANSESTÉTICA

    O indivíduo não existe mais, a não ser no olhar dos outros, olhar que ele busca para existir e sem o qual não é mais nada. (LIPOVETSKY; SERROY, 2015, p. 374).

    Como ignorar que a revolução das tecnologias da informação e meios de comunicação, hoje, afeta assombrosamente a percepção, a interação, a relação com a outra³ e consigo mesma, se a recepção atual não se reduz unicamente mais a uma fruição passiva, nem muito menos de um espetáculo. A virtualidade tem provocado no público contemporâneo uma forma de interação que oscila entre o estado de fruição e de criação. Ou seja, muitas vezes, tais estados têm saído de sua passividade habitual para se tornar também um coautor de suas próprias performances digitais.

    Existem múltiplas camadas diferentes de interação da espectadora virtual devido a profusão de experiências que resultam em comentários, imagens e vídeos. Há a espectadora virtual que busca se desestabilizar ou se excitar através de conteúdos considerados bizarros (cenas de mutilações, de sacrifícios, e de exposição do corpo colocado ao extremo da violência), há a espectadora produtora de conteúdos virtuais que busca um retorno financeiro ao disseminá-los nos aplicativos de vídeos. Há também a espectadora das redes sociais que busca a criação de imagens ou apenas o fácil entretenimento; por fim, existe aquela espectadora de vídeos que passam horas a assistir videoclipes, filmes, dentre outros.

    A partir do século XXI, os estudos sobre a recepção se expandiram para outros domínios, possuindo um papel decisivo na produção de afetos e de relações de poder, como por exemplo: a recepção que leva a uma suposta censura, a recepção atrelada às experiências que escapam às estéticas agradáveis e desagradáveis, dentre outras.

    Desse modo, podemos, assim, observar que existe uma relação de produção e de consumo por meio da apropriação e da recriação das obras ao compartilhar, comentar, modificar, reorganizar os conteúdos imagéticos virtuais. Durante muito tempo pensamos as relações estabelecidas pelo público apenas definindo sua posição relacional com o teatro, ou da telespectadora com a televisão e o cinema. Concordamos que estas relações são apenas um recorte específico sobre a recepção, mas hoje, as formas bruscas em como os fatores sociológicos, culturais e imagéticos penetram e contribuem com o imaginário da espectadora ampliam a noção de recepção e de experiência estética com os objetos artísticos. Dentro dessa perspectiva, Flávio Desgranges (2012) defende a ideia de uma possibilidade de inversão da olhadela, ou seja, o momento em que durante a experiência, o público retorna seu olhar para ele mesmo. Nesse sentido, a recepção é uma possibilidade ampliada para se compreender os fatores sociais e políticos, podendo ser uma forma de enxergar um lócus social que problematize a realidade, o contexto, o padrão de comportamento e desvelar um possível processo pedagógico.

    Para Gilles Lipovetsky e Jean Serroy (2015), vivemos uma sociedade intimamente relacionada com a dinamicidade da criação e fruição da imagem, reconhecendo-a como transestética. A relação com a estética não data de hoje e sofreu quatro grandes momentos em que se organizaram ao longo da história. O primeiro está inserido nas sociedades primitivas, em que a intenção estética tinha uma finalidade da ritualização composta por um caráter religioso e não em busca de uma mercantilização.

    A organização das formas estéticas ilustrava os mitos, as máscaras, o estilo de vestimenta e as pinturas corporais, as danças tinham uma função de exprimir as ocasiões importantes da ritualização. Os objetos fugiam de um ideal de beleza e conservação, mas possuíam a crença de poderes que traziam a cura para as doenças, afastar os espíritos, trazer abundâncias na produção de colheitas, bem como seus instrumentos eram destruídos após o uso, não havendo necessidade de preservação. Não se trata de um período de definições das ditas artes, da inovação, da estética ilimitada, mas de produzir meios criativos para obedecer às tradições culturais com uma função e um valor religioso (LIPOVETSKY; SERROY, 2015).

    O segundo momento aconteceu no final da Idade Média e se expande até o séc. XVIII. Com o advento do ideal de artista criador que assina suas obras e sua unificação ao conceito de arte no seu sentido moderno, as produções dos objetos estéticos perdem unicamente seu sentido religioso e ganham as primícias da mercantilização, principalmente para responder às exigências arquitetônicas da igreja e da própria corte, no caso dos pintores⁴, escultores, que tinham como missão estética o esforço para eliminar todas as imperfeições das imagens.

    Os artistas são solicitados e convidados às cortes europeias para criar ambientes magníficos, embelezar o interior dos castelos e o arranjo dos parques. As igrejas, querendo seduzir e atrair os fiéis, oferecem, com a era barroca, um espetáculo teatral desmesurado com fachadas sobrecarregadas de esculturas, estruturas que desaparecem sob as ornamentações, efeitos de ótica, jogos de sombra e de luz, baldaquinos, tabernáculos, púlpitos, ostensórios, cálices, cibórios decorados com abundância: toda uma arte exuberante se dissemina para criar um espetáculo grandioso, valorizar a beleza dos ambientes e o esplendor dos ornamentos (LIPOVETSKY; SERROY, 2015, p. 12-13).

    A estetização, nesse período, corresponde na posição de poder social. O gosto pela arte transparecia uma autoafirmação e exibição de seu status social que realça a elegância e o refinamento dos valores estéticos que se apoiam não em lógicas econômicas, mas em estratégias políticas de poder e competição elitista das sociedades aristocráticas.

    O terceiro grande momento histórico ocorre a partir dos séculos XVII e XIX. Com o desenvolvimento das rupturas em relação aos antigos poderes religiosos e nobreza, bem como a emancipação em relação aos preceitos da igreja, a aristocracia inaugura novas produções com inovações artísticas autônomas, no sentido de criação de objetos com alta ênfase na visualidade. Os artistas reivindicaram a liberdade criadora em suas produções, que paradoxalmente são obrigados a acompanhar o fluxo das leis mercantis. Nesse período, nasce simultaneamente uma relação complexa da arte autônoma versus a arte comercial que se reorganiza na esfera social para disseminar seus produtos. Logo, enquanto uma parte desses artistas, principalmente os artesãos, criavam obras únicas, com a revolução industrial, muitas obras são criadas em série.

    A estetização própria da era moderna seguiu assim dois caminhos principais. Por um lado, o estetismo radical da arte pura, da arte pela arte, de obras independentes de qualquer finalidade utilitária, não tendo outro senão elas mesmas. Por outro, e no exato oposto, os projetos de uma arte revolucionária ‘para o povo’, uma arte útil que se faça sentir nos menores detalhes da vida cotidiana e voltada para o bem-estar da maioria (LIPOVETSKY; SERROY, 2015, p. 16).

    Desse modo, parte dessas relações entre obra única versus obra em série, é intensificada com a revolução industrial e pela incessante produção em massa, quando foi inaugurado um sistema de dois modos antagônicos de produção. Por um lado, sua circulação e consagração, que se desenvolveu essencialmente apenas nos limites do mundo ocidental, e por outro, a subversão geral dos valores (LIPOVETSKY; SERROY, 2015).

    As ambições de transgressões artísticas ampliaram as possibilidades de criação e de fruição com as obras através das vanguardas do século XX, quando a questão da busca pelo belo e pela harmonização do objeto perdeu totalmente seu status de beleza. Novas relações com a sociedade descortinaram, uma arte de tensão, principalmente de questões sociais, corporais, críticas direcionadas à indústria moderna.

    Na quarta fase, por volta do séc. XX ocorreu a remodelação da lógica mercantil e individualização. Com o advento da disseminação dos produtos, a corrida pela busca de criatividade foi intensificada, graças à lógica da moda e das inovações nos estilos das imagens. Percebemos que não se concentra mais nos direcionamentos das oposições: arte contra indústria, cultura contra comércio, mas sim na multiplicação intensificada com maior ênfase aos estilos, onde o processo de estetização do mundo passa a ser seguido agora com uma lógica ligada a uma espécie de hiperarte ou um mundo transestético.

    Um mundo transestético, uma espécie de hiperarte, em que a arte se infiltra nas indústrias, em todos os interstícios do comércio e da vida comum. O domínio do estilo e da emoção se converte ao regime híper: isso não quer dizer beleza perfeita e consumada, mas generalização das estratégias estéticas com finalidade mercantil em todos os setores das indústrias de consumo. Uma hiperarte também na medida em que não simboliza mais um cosmos, não expressa mais narrativas transcendentes, não é mais a linguagem de uma classe social, mas funciona como estratégia de marketing, valorização distrativa, jogos de sedução sempre renovados para captar os desejos do neoconsumidor hedonista e aumentar o faturamento das marcas. Eis-nos no estágio estratégico e mercantil da estetização do mundo. Depois da arte-para-os-deuses, da arte-para-os-príncipes e da arte-pela-arte, triunfa agora a arte-para-o-mercado (LIPOVETSKY; SERROY, 2015, p. 17).

    Não há como negar que no século XXI exista uma expansão da proliferação disseminada de um domínio estético relacionado aos aspectos de novidades, tendências, mercadorias e inovações estéticas. Dessa forma, percebemos que a sociedade atual está imersa numa relação intensa de afetação pela imagem. Dentro dessa perspectiva, Gilles Lipovetsky e Jean Serroy (2015, 2019) compreendem estas associações interligadas a uma questão transestética, onde a espectadora está sempre insatisfeita, exigente e viciada por um consumo imagético. Nesse sentido, outros tipos de relação de afetação da espectadora contemporânea virtual foram parcialmente excluídos do campo de pesquisa nas artes cênicas, por ter sido dada uma atenção maior às grandes transformações sociais relacionadas à relação estética da sociedade.

    Diante do exposto, podemos compreender que as intensificações de consumo imagético contribuem significativamente para uma expansão no campo das pesquisas sobre a recepção virtual. Ressaltamos aqui a influência de Mohamed Bamba (2013), ao afirmar que o estudo da recepção e sua teorização estão longe de serem formadas em um campo homogêneo, as pesquisas trazem exatamente a reconstrução e a revisão dos modelos analíticos de forma fragmentada e singular de cada pesquisadora-espectadora.

    Podemos apontar como novos tipos de relação com a recepção virtual são intensificados, a saber: a relação com a obsolescência de imagens; o ritmo acelerado com a criatividade das imagens; a inserção de comparabilidade com a imagem e a valorização da produção otimizada de conteúdos imagéticos. Diante disso, uma visão ampliada para pensar sobre a recepção é pontuada por Byung-Chul Han (2018), que avança nas reflexões acerca das relações de poder psíquicas e implícitas que atuam no imaginário da espectadora contemporânea. Nesse sentido, a carência, ou até mesmo ausência, de estudos ou discussões acerca das novas relações de atuação/participação do público virtual nos faz crer que trazer essa discussão para os estudos da recepção pode contribuir de maneira efetiva para a nossa área de conhecimento.

    Devemos reconhecer que a imagem contemporânea constitui e é um fluxo de consumo rápido em razão de sua apreciação e que, muitas vezes, foge de uma perspectiva informativa na sociedade, já que

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