Explorar E-books
Categorias
Explorar Audiolivros
Categorias
Explorar Revistas
Categorias
Explorar Documentos
Categorias
O PASSAGEIRO CLANDESTINO
RISCO –
O PASSAGEIRO CLANDESTINO
A idéia deste trabalho surgiu a partir da frase de Beck que afirma ser o risco um
passageiro clandestino do consumo normal ou, dito de outro modo, o consumo normal traz
embutido de forma clandestina, o perigo.
Para a epidemiologia clássica, risco é a probabilidade de ocorrência de um evento.
Assim é definido o risco na dimensão do setor saúde. Entretanto, para a sociologia, de acordo
com Luhmann (1992), “Não existe um conceito de risco que possa satisfazer à todas as
exigências da ciência”.
O que é risco? Para Cunha (200), risco é “perigo ou possibilidade de perigo” e tem
uma etimologia obscura. Mas, então, o que é perigo? Para este mesmo autor, perigo é “uma
circunstância que prenuncia uma mal para alguém ou para alguma coisa”
Castiel (1999) esclarece que o vocábulo risco é polissêmico, dando margens à
ambigüidades e explica que há controvérsias também quanto a sua origem:
Tanto pode provir do baixo-latim risicu, riscu, provavelmente do verbo resecare, cortar,
como do espanhol risco, penhasco escarpado. Em uma segunda acepção, excluindo os
termos relacionados ao verbo riscar, indica, por um lado, a própria idéia de perigo e, por
outro, a possibilidade de ocorrência.
Para Mitjavila (1999) o termo “risco teria sido derivado de ‘rozik’, do persa, tendo
chegado ao italiano via aramaico e árabe”. De qualquer modo, o termo risco sofreu uma
mudança evolutiva com o passar do tempo, conforme mostra Spink (2001).
Há, conforme discutimos em textos anteriores (Spink, 2001), uma incorporação gradativa
de termos, passando de fatalidade à fortuna (Giddens, 1991), e incorporando
paulatinamente os vocábulos hazard (século XII), perigo (século XIII), sorte e chance
(século XV) e, no século XVI, risco.
Granjo (2006) insere no debate mais uma palavra para tentar esclarecer as diferenças e
semelhanças entre risco e perigo. Afirma, ele, que utiliza o termo «ameaça» quando se refere
a qualquer fator que possa causar dano à integridade de uma pessoa, outros seres ou coisas,
desde que a existência deste fator seja percebida, mesmo que de forma vaga.
Por outras palavras, refiro-me aos próprios fatores potencialmente agressivos, na sua
existência objetiva, independentemente dos quadros cognitivos que sejam utilizados para
os classificar, interpretar ou submeter a uma determinada ordem. «Perigo» e «risco»
serão, por seu lado, dois casos particulares - e socialmente localizados - de quadros
cognitivos aplicáveis à ameaça.
1
Médico Sanitarista, Mestre em Sociologia Política pela UFSC.
É essa noção da ameaça como algo totalmente imprevisível, incerto, arbitrário e
permanente que Granjo designa por «perigo», sendo que «risco» é utilizado por esse autor
com o sentido de uma forma de domesticação da ameaça. A proposta que Granjo utiliza para
esta domesticação pode-se resumir em três vertentes:
a) uma manipulação quantitativa que pretende tornar cognoscível esta ameaça;
b) uma tentativa de tornar previsível a probabilidade da ocorrência do evento;
c) uma presunção de que existe um controle sobre o que é aleatório.
Mitjavila (1999) também participa desta visão que percebe a existência de um
consenso entre diferentes autores a respeito da noção de risco na modernidade, embora
ressalte que pode não haver, necessariamente, consenso no uso do termo. A existência de
ambigüidades, de percepções diferentes a respeito de um mesmo fenômeno também faz parte
das características da modernidade, notadamente da modernidade tardia, em Giddens.
Objetivamente, risco é uma probabilidade de que algo ruim possa ocorrer, enquanto
perigo é a evidência desta ocorrência. O risco se coloca na dimensão do coletivo, já o perigo
se inscreve na dimensão pessoal e/ou grupal, algo que está ali a ameaçar de uma forma
concreta.
Se o risco está colocado na dimensão do coletivo, ou seja, de uma sociedade inteira,
tem-se, então, o que Beck chama de Sociedade de Risco. O que este autor quer dizer com
isso?
Em uma entrevista à Revista IHU On-Line, Beck definiu claramente o que é a
“Sociedade de risco”. Significa, diz ele,
... que vivemos em um mundo fora de controle. Não há nada certo além da incerteza. Mas
vamos aos detalhes. O termo “risco” tem dois sentidos radicalmente diferentes. Aplica-se,
em primeiro lugar, a um mundo governado inteiramente pelas leis da probabilidade, onde
tudo é mensurável e calculável. Esta palavra também é comumente usada para referir-se a
incertezas não quantificáveis, a “riscos que não podem ser mensurados” (BECK-2006).
O sentido principal adotado por Beck é aquele que diz respeito às incertezas fabricadas
e decorrem das rápidas inovações tecnológicas e das respostas dadas pela sociedade diante
desse processo acelerado de mudanças. Em muitos casos não se conhecem as consequências
da introdução dessas tecnologias na vida das pessoas e nas relações sociais, além do mais há
toda uma ignorância na lida com esses processos tecnológicos revolucionários. E Beck
enfatiza que o conceito de Sociedade de Risco “designa uma fase do desenvolvimento da
sociedade moderna na qual os riscos sociais, políticos, econômicos e individuais tendem cada
vez mais a escapar das instituições de controle e proteção da sociedade industrial” (BECK,
GIDDENS e LASH, 1997).
Risco é um conceito moderno e origina das decisões tomadas pela sociedade, mas
cujas conseqüências são imprevisíveis, embora tentem torná-las previsíveis e controláveis.
Dito de outro modo, os riscos são conseqüências negativas, mas que foram permitidas por
decisões aparentemente calculadas, como se tenta controlar a probabilidade da ocorrência de
uma doença ou de um acidente. Mesmo assim, as doenças e os acidentes continuam
acontecendo. A questão essencial é que a sociedade de risco repousa no fato de que nossas
decisões civilizacionais envolvem conseqüências e perigos globais, o que, evidentemente,
contradiz o discurso do controle institucional. Chernobyl é um exemplo concreto da
impossibilidade desse controle.
A idéia de “Sociedade de risco” demonstra o fato de vivermos em um mundo fora de
controle. A certeza que se tem é que tudo é incerto.
Qual a origem desta Sociedade de Risco? Por que isto aconteceu?
No início do primeiro capítulo do livro Modernización Reflexiva, Beck (1997) cita
uma frase de Montesquieu que, apesar de antiga, pode ser considerada uma referencia para a
situação atual das sociedades modernas: As instituições fracassam vítimas de seu próprio
êxito” (tradução nossa). Para Beck, bem como para Giddens e Lash, a modernização trouxe a
possibilidade de uma autodestruição de toda uma época, a da sociedade industrial. Beck fala
em seus textos sobre a existência de duas modernidades:
Havia caracterizado a primeira modernidade nos seguintes termos: uma sociedade estatal
e nacional, estruturas coletivas, pleno emprego, rápida industrialização, exploração da
natureza não "visível".. Esse modelo da primeira modernidade – também denominada de
simples ou industrial - tem profundas raízes históricas. Afirmou-se na sociedade européia,
através de várias revoluções políticas e industriais, a partir do século XVIII. Hoje, no fim
do milênio, encontramo-nos diante daquilo que eu chamo "modernização da
modernização" ou "segunda modernidade", ou também "modernidade reflexiva” (BECK,
ZOLO, 2008).
A formação médica vem contribuindo cada vez mais para a construção deste modelo
biopolítico cujo paradigma é o estudo do genoma humano, que está se transformando em um
poderoso dispositivo biopolítico que, ao mesmo tempo, tornou-se mais um risco para a
sociedade. É o que fala Rabinow (1991):
Minha suposição é que a nova genética deverá remodelar a sociedade e a vida com uma
força infinitamente maior do que a revolução na física jamais teve, porque será
implantada em todo o tecido social por práticas médicas e uma série de outros discursos.
A nova genética será portadora de suas próprias promessas e perigos
BECK, Ulrich e ZOLO Danilo. A SOCIEDADE GLOBAL DO RISCO. Uma discussão entre
Ulrich BECK e Danilo ZOLO. Tradução para o português: Selvino J. Assmann. Disponível
em: http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/ulrich.htm. Acesso em 12 agosto 2008.
BECK, Ulrich, GIDDENS, Anthony e LASH, Scott. MODERNAZIÓN REFLEXIVA.
Política, tradición y estética em el orden social moderno. Madri: Alianza Editorial, 1997, p.
18.
BECK, Ulrich. INCERTEZAS FABRICADAS. In IHU ONLINE. Disponível em:
www.unisinos.br/ihu, São Leopoldo, 22 de maio de 2006.
__________ LA SOCIEDAD DEL RIESGO. Hacia una nueva modernidad. Barcelona:
Paidos, 1998, p. 40.
CASTIEL, Luis David. A MEDIDA DO POSSIVEL... saúde, risco e tecnobiociências. Rio de
Janeiro: Editora Fiocruz, 1999, p. 40.
CUNHA, Antonio Geraldo. DICIONÁRIO ETIMOLÓGICO NOVA FRONTEIRA DA
LINGUA PORTUGUESA. 2ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
DOUGLAS, Mary. LA ACEPTABILIDADE DEL RIESGO SEGÚN LAS CIENCIAS
SOCIALES. Barcelona: Paidós, 1996.
GIDDENS, Anthony. AS CONSEQÜÊNCIAS DA MODERNIDADE. Tradução de Raul
Fiker. São Paulo: Editora UNESP, 1991.
GRANJO, Paulo. Quando o conceito de «risco» se torna perigoso. In Análise Social, vol. XLI
(181), 2006, 1167-1179, p. 1168 e 1169.
LUHMANN, Niklas. SOCIOLOGIA DEL RIESGO. México: Universidade Iberoamericana,
Guadalajara, Jalisco, 1992, p. 48.
MITJAVILA, Myrian R.. O RISCO COMO ESTRATÉGIA DE MEDICALIZAÇÃO DO
ESPAÇO SOCIAL. Medicina Familiar no Uruguai (1985-1994). Tese apresentada à
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1999.
_________. O risco como recurso para a arbitragem social. Tempo Social; Rev.Sociol. USP,
S. Paulo, 14 (2): 129-145.
RABINOW, Paul. Artificialidade e Ilustração. Da sociobiologia à bio-sociabilidade. Novos
Estudos CEBRAP; S. Paulo, 31, out. 1991: 79- 93.
SPINK, Mary Jane P. Trópicos do discurso sobre risco: risco-aventura como metáfora na
modernidade tardia. In Cad. Saúde Pública vol.17 nº. 6, Rio de Janeiro Nov./Dec. 2001, p. 3.