Você está na página 1de 101

Para Barack e Michelle Obama, e o futuro

da arte norte-americana
Prefácio

Não tenho como escrever uma nova biografia de Andy Warhol. Minhas aptidões se situam em outra
área. A sorte é que posso me basear em várias biografias excelentes sobre o artista, já que meu livro
segue, grosso modo, uma ordem cronológica, e escritores como Victor Bockris, David Bourdon e,
mais recentemente, Steven Watson já construíram em conjunto uma boa narrativa sobre a vida de
Andy – sobre como ele viveu e morreu. Além disso, esses escritores tinham a vantagem de conhecê-
lo pessoalmente e muitos dos que o cercaram. Não tenho nenhuma contribuição a dar nesse sentido.
Como escritor, tenho publicado essencialmente estudos filosóficos, inclusive na área de filosofia da
arte; e também, na qualidade de crítico de arte, escrevo para a revista The Nation, que, desde o
número 1, de 4 de julho de 1865, sempre manteve em seu quadro de colaboradores um crítico de
arte. Entre essas duas áreas de atividade, há uma estreita relação – assim como há uma conexão entre
elas e este livro. Minha filosofia da arte foi desenvolvida em dois textos: em um artigo intitulado
“The Art World” [“O mundo da arte”], publicado no Journal of Philosophy em 1964, e no livro A
transfiguração do lugar-comum, de 1981. Ambos foram escritos em resposta aos acontecimentos
que mudaram significativamente a arte contemporânea durante a década de 1960, principalmente em
Nova York, entre os quais as duas exposições de Andy Warhol realizadas na Stable Gallery, em
1962 e 1964. Os trabalhos apresentados nessas duas exposições, especialmente na segunda,
pareceram-me exigir da filosofia da arte uma abordagem radicalmente nova. Creio que a maioria dos
estetas e filósofos da arte reconhece o mérito essencial dos meus textos no redirecionamento da
filosofia da arte para dar conta da imensa revolução artística que ocorreu na primeira metade dos
anos 60, e na qual um artista, Andy Warhol, desempenhou um papel proeminente. Mas a arte que
levou Warhol a assumir uma estatura histórica tinha fortes ligações com sua potencialidade como
ícone norte-americano. O que lhe permitiu alcançar o status de ícone foi o conteúdo de sua arte, que
buscava inspiração diretamente no modo de viver dos norte-americanos – o estilo de vida que, na
verdade, a arte de Warhol exaltava –, inclusive no que eles gostavam de comer e nas figuras que
consideravam seus verdadeiros ícones, especialmente os personagens da cultura de massa, como o
cinema e a música popular.
De certo modo, aos olhos do mundo, Warhol transcendeu os objetos que escolheu. Muitos
intelectuais europeus interpretaram sua arte como uma crítica à cultura de massa e aos produtos do
capitalismo norte-americano, como as sopas Campbell. Vistos como críticos da cultura americana,
Warhol e os artistas pop em geral obtiveram dos europeus o reconhecimento que lhes fora negado, ao
menos de início, pelo mundo da arte norte-americana, que havia, finalmente, começado a aceitar o
fato de que os Estados Unidos tinham produzido pela primeira vez na história uma arte de nível
internacional, com as pinturas da chamada Escola de Nova York – as grandes telas expressionistas
abstratas criadas durante e logo após a Segunda Guerra Mundial. O repúdio dos artistas pop a essas
extraordinárias realizações estéticas e sua preferência por pinturas aparentemente simplórias de latas
de sopa ou do Pato Donald chocaram os círculos de arte dos Estados Unidos. Na opinião geral, uma
pintura de valor tinha de ser difícil – mas qualquer pessoa familiarizada com a cultura americana
podia compreender imediatamente a arte pop. Estivesse ou não correta a interpretação dos europeus
de que a arte pop continha uma crítica da cultura dos Estados Unidos, a verdade é que eles pelo
menos perceberam que havia algo mais na nova arte do que nossos olhos americanos podiam ver. De
sua parte, Andy ansiava por apresentar-se aos europeus como tudo menos um artista fútil. Ele e sua
marchande, Ileana Sonnabend, divergiram sobre a organização de uma mostra do artista na galeria
parisiense da qual ela era proprietária. Warhol queria batizar a exposição de Morte na América,
reunindo imagens de batidas de carro, conflitos raciais e cadeiras elétricas, impressas em serigrafia
e pintadas em cores doces e suaves a partir de fotografias publicadas nos tabloides populares. No
fim, Sonnabend aceitou o conteúdo, mas não o título. A exposição acabou se chamando simplesmente
Warhol. Foi uma mostra inegavelmente séria, que atraiu o respeito dos europeus, e que não poderia
ter sido montada nos Estados Unidos naquela época, janeiro de 1964.
O mundo da arte europeu do século XX era necessariamente mais complexo que seu equivalente
norte-americano, porque havia muito mais em jogo no continente. Na Europa, a arte era altamente
politizada. O abstracionismo, por exemplo, foi considerado politicamente inaceitável tanto sob o
regime de Hitler quanto sob o de Stálin. E permaneceu inaceitável na Rússia soviética durante todo o
período da Guerra Fria. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, por outro lado, os artistas alemães
perceberam na abstração uma expressão dos valores políticos da democracia. E como desde o
regime hitlerista havia o sentimento de que certo tipo de realismo kitsch expressava os valores do
nacional-socialismo, a arte figurativa tornou-se politicamente suspeita no pós-guerra. Já nos anos 60,
quando parecia que a arte pop questionava os valores do expressionismo abstrato, o momento
afigurou-se aos alemães como particularmente libertador. Na Alemanha, a arte pop foi considerada
importante porque dava a impressão de repudiar a abstração; e isso elevou a estatura de Warhol no
continente. Para os alemães, ele não era só um crítico da produção capitalista, também era um crítico
da cultura de elite. O primeiro estudo sério sobre Warhol publicado na Alemanha, escrito por Rainer
Crone, logo virou um best-seller. Mas demorou muito mais tempo para que Warhol fosse
considerado um artista intelectualmente respeitável nos Estados Unidos. Em vez disso, ele se
converteu em ícone – tornou-se parte da cultura que celebrava, uma estrela que amava cachorro-
quente e Coca-Cola, e idolatrava Marilyn Monroe e Elvis Presley.
Meu interesse pela arte pop, e especialmente por Andy Warhol, tinha outro foco. Eu havia me
mudado para Nova York após a guerra, motivado por um imenso entusiasmo pela arte da Escola de
Nova York, na qual esperava fazer carreira como artista. Eu era veterano de guerra e possuía uma
bagagem educacional que decidira aplicar ao estudo da filosofia. Embora tivesse feito algum sucesso
como artista, a filosofia acabou se revelando mais interessante para mim. No princípio de 1960, eu
era professor da Universidade Colúmbia e estava em gozo de um período sabático na Europa, onde
pretendia escrever meu primeiro livro. Foi na Biblioteca Americana de Paris que vi pela primeira
vez um trabalho da arte pop: uma reprodução em preto e branco publicada na revista ARTnews. Seu
título era O beijo, de Roy Lichtenstein, e parecia ter sido recortada da seção de quadrinhos de um
jornal americano. Basta dizer que fiquei pasmo. Eu tinha certeza de que aquilo não era arte, mas no
decorrer de minha temporada em Paris fui aos poucos elaborando a ideia de que se aquilo era arte,
qualquer coisa podia ser arte. Tomei então a decisão de ver tudo o que pudesse da arte pop quando
voltasse aos Estados Unidos.
Meu interesse em escrever uma autobiografia não é maior do que o de fazer uma nova biografia
de Andy Warhol, mas acho necessário explicar a importância que ele teve para mim, assim como
esclarecer o leitor sobre a ênfase deste livro. Não se trata de um estudo de história da arte, nem de
uma biografia de Warhol, mas de uma análise de enfoque filosófico sobre o que faz de Warhol um
artista tão fascinante. Ver sua segunda exposição na Stable Gallery, em abril de 1962, foi para mim
uma experiência transformadora. Fez com que eu me tornasse um filósofo da arte. Até aquele
momento, por maior que fosse meu interesse pela arte, sobretudo a arte contemporânea, eu não tinha
nenhuma simpatia especial pela filosofia da arte. A verdade é que eu não conseguia ver nenhum
modo interessante de unir filosofia e arte. A exposição consistia de centenas de objetos, que
pareciam ser caixas comuns de armazém, organizadamente empilhadas em prateleiras, como se
estivessem no depósito de um supermercado. Entre esses objetos havia caixas da marca Brillo muito
semelhantes aos objetos reais. Acho que a Brillo Box pode ser considerada um ícone americano, mas
isso porque Andy Warhol a fez assim. É sua obra mais famosa e, na minha opinião, uma obra-prima,
pelas razões que explicarei ao longo deste livro. Como concepção visual de um produto comercial é
uma peça admirável. Por ironia, o autor do projeto gráfico era um artista comercial que tinha altas
ambições no campo das belas-artes – na verdade, era um expressionista abstrato de Detroit, James
Harvey. Mas o problema para mim não estava na qualidade gráfica da caixa, e sim no que a fazia ser
arte. A Brillo Box [Caixa Brilho] ajudou-me a resolver um problema tão antigo quanto a própria
filosofia, isto é, como definir arte. Mais ainda, ela me ajudou a explicar, em primeiro lugar, por que
esse é um problema filosófico. É escusado dizer que uma definição adequada da arte deve abranger
toda a arte universal. É preciso explicar por que a Mona Lisa é arte, por que o Rigoletto é arte, por
que Washington atravessando o Delaware é arte. A definição tem de explicar por que uma coisa,
qualquer coisa, é arte. Naquele tempo, muita gente dizia que a Brillo Box não era arte. Claro que eu
achei que estavam todos errados: eu amei a Brillo Box. O que ela oferecia de fascinante para a
filosofia era ser um trabalho muito simples – uma mera caixa retangular com letras impressas em
todos os lados. Nada de mais complexo em comparação com os exemplos da pintura expressionista
abstrata que conhecemos.
Certamente, o que faz de Andy Warhol um ícone não é o fato de ser filosoficamente tão educativo,
embora este seja um aspecto importante de sua qualidade como artista. O que faz dele um ícone é que
seu tema sempre é alguma coisa que o americano comum entende: tudo ou quase tudo que ele usou
para fazer arte veio diretamente da vida cotidiana do americano médio. Qualquer pessoa habituada
ao modo de viver dos norte-americanos pode descrever uma caixa de supermercado, dizer onde
encontrá-la e para que serve. Assim como poderá dizer onde se acha uma lata de sopa Campbell,
como prepará-la e quanto custa.
Claro que o universo banal dos objetos industriais foi menosprezado do ponto de vista estético
pelos cultores do bom gosto. E o repertório de imagens banais dos outdoors, dos gibis, das revistas
pulp, foi considerado pelos mesmos árbitros do juízo estético como irremediavelmente desprezível.
O fast-food hoje em dia polui o organismo humano tanto quanto, pouco tempo atrás, se dizia que as
histórias em quadrinhos corrompiam o espírito. No meu tempo de estudante em Paris, diziam que a
Coca-Cola causava câncer. Os Estados Unidos, para citar o título de uma obra do exilado Henry
Miller, eram “um pesadelo de ar condicionado”. No século XIX, o movimento Arts and Crafts [1]
condenou a manufatura industrial de móveis. Da mesma maneira, até 1960 a arte se opunha
implacavelmente à cultura popular. Mas, de repente, no início da década de 1960, alguns artistas de
verdade assumiram a posição oposta, passando a exaltar a linguagem comum da arte comercial em
pinturas que copiavam suas cores chapadas e seus contornos nítidos. O gosto e os valores das
pessoas comuns tornaram-se então inseparáveis da arte de vanguarda. No meu modo de ver, essa arte
mostrou o caminho para levar ao confuso terreno da estética as luzes da alta filosofia analítica. Sem
Warhol eu jamais teria escrito A transfiguração do lugar-comum. Por isso, este livro é o
reconhecimento de uma dívida.
Nunca me encontrei pessoalmente com Andy Warhol, embora tivesse estado bem perto dele na
inauguração de uma exposição de gravuras, Mitos, na Ronald Feldman Gallery, no Soho, enquanto
ele autografava um prospecto da exposição para minha mulher, Barbara Westman. De vez em quando,
eu o via de relance numa festa ou numa exposição de arte. Nossos estilos de vida eram muito
diferentes. A filosofia está tão afastada da vida da downtown nova-iorquina que quando eu escrevi
no artigo “The Art World” [O mundo da arte] que “Andy Warhol, o artista pop, expõe fac-símiles de
caixas de Brillo, empilhadas e arrumadas em prateleiras como se estivessem no depósito de um
supermercado”, tinha quase certeza de que nenhum leitor do Journal of Philosophy, onde o texto foi
publicado em 1964, fazia a menor ideia de quem eu estava falando. Poucos filósofos se dispunham a
visitar a Stable Gallery, a Green Gallery ou mesmo a Jansen Gallery, que faziam exposições de
artistas pop. Anos depois, quando eu já me firmara como crítico de arte e filósofo, minha mulher e eu
fomos ao leilão do espólio de Andy, e nos deslumbramos com seu gosto refinado para o mobiliário
art déco francês e para a arte em geral. Nisso, como em tudo mais, ele estava adiante de seu tempo,
mesmo que não soubesse fazer nada melhor com suas extraordinárias presas do que empilhá-las,
como numa sala de tesouros, em sua casa no East Side de Nova York.

[1] O Arts and Crafts (Artes e Ofícios) foi um movimento estético e social inglês que defendia o artesanato criativo como alternativa à
mecanização e à produção em série. [N.T.]
Agradecimentos

Sou particularmente grato ao professor Bertrand Rougé da Universidade de Pau por suas críticas à
minha interpretação da montagem da segunda exposição de Andy Warhol na Stable Gallery de
Manhattan, em abril de 1964, que foram publicadas no livro The Philosophy of Arthur Danto, na
série The Library of Living Philosophers (The Open Court Press, 2009). Minha interpretação atual
dessa exposição deve muito à convivência com as percepções de Rougé. As características das
caixas devem ser explicadas pela aparência que teriam quando empilhadas nas mercearias. Esse
reconhecimento deixa intacto o caráter ontológico da explicação das diferenças entre as caixas
verdadeiras do Lebenswelt – o mundo da experiência cotidiana – e o estilo um tanto futurista e
graficamente programado dos pacotes de Warhol. Em termos da história da arte, elas são exemplos
tardios da arte metafísica.
Poucas retificações que devo a outras pessoas exigiram de mim o mesmo nível de
reconsideração: a maior parte foi aceita como dádivas generosas, tal como a presteza a lerem meu
estudo. Tenho uma dívida quase inexprimível com David Carrier pela longa e minuciosa
correspondência que trocamos. Minha gratidão à maravilhosa colega Lydia Goehr é existencial. Um
vasto conhecimento do mundo da arte marcou a leitura que Alison McDonald fez deste texto. Noel
Carroll foi uma fonte constante de saber filosófico e de compreensão da arte. Richard Kuhns é o
amigo indispensável de toda a vida. Jamais poderia escrever alguma coisa que tivesse algum sentido
sem recorrer à sua sabedoria e profundo conhecimento do ser humano. Devo a Ti-Grace Atkinson as
informações sobre a tortuosa personalidade de Valerie Solanas e minha sensibilidade às profundas
questões do feminismo. E tenho imenso apreço pelo fato de o grande pintor Sean Scully nunca ter
permitido que suas dúvidas quanto ao objeto deste livro empanassem a certeza de sua amizade por
mim. Finalmente, este livro, como outros que escrevi, não teria existido sem a perspicácia de
Georges e Anne Borchardt.
E a Barbara Westman, minha esposa – pela beleza de sua alma, pelo seu maravilhoso senso de
humor, seu olhar arguto, seu bom senso e pela dádiva abençoada do seu amor.

Uma nota sobre as referências bibliográficas

Procurei neste livro alcançar um texto de fácil leitura, em linguagem agradável e com o mínimo
de citações bibliográficas.
Na biografia Warhol, escrita por Victor Bockris, há um capítulo intitulado “O nascimento de Andy
Warhol: 1959-61”. O título não se refere, é claro, ao nascimento do menino Warhol, que ocorreu em
1928, em Pittsburgh, numa família de imigrantes rutenos, mas a uma série de mudanças na identidade
de Andy – a brusca mudança de direção que o levou à condição de ícone. Um dos trabalhos que
ajudam a visualizar essa guinada é uma pintura de 1961, que consiste numa versão muito ampliada de
um simples anúncio em preto e branco do tipo que aparece nas colunas laterais e na contracapa dos
jornais populares. Era um anúncio dos serviços de um cirurgião plástico que mostrava dois perfis da
mesma mulher, antes e depois de uma operação de nariz. No perfil à esquerda, ela aparece com um
grande nariz de bruxa, e no da direita, com um lindo narizinho arrebitado como o de uma cheerleader
ou de uma jovem atriz de cinema – o nariz dos sonhos de uma mulher de perfil adunco. Como as
pessoas geralmente leem da esquerda para a direita, a justaposição das duas imagens é uma óbvia
comparação de “antes e depois”. Aliás, Warhol batizou o trabalho de Antes e depois, e pintou uma
série deles em diferentes versões. Era a materialização do tipo de sonho que persegue as pessoas
preocupadas em mudar sua aparência para se tornarem, aos seus próprios olhos, mais atraentes.
Substituir o antes pelo depois parece-lhes o melhor caminho para a beleza ideal, e para a felicidade.
O período entre 1959 e 1961 constitui uma zona de transição biográfica entre duas fases da vida
de Warhol, uma zona de transfiguração. Warhol passou de artista comercial bem-sucedido a membro
da vanguarda nova-iorquina – mudança que ele cobiçou com uma paixão equivalente aos anseios da
Moça de Nariz Grande pelo rosto da Miss de Nariz Arrebitado. A transformação era sublinhada
pelas imagens da série Antes e depois como arte. Anteriormente a Warhol, a série não teria passado
de mero clichê da arte comercial, e seu autor já teria sido esquecido há muito tempo. Em 1961, em
formato muito ampliado, Antes e depois virou alta obra de arte. Reproduções da pintura, feitas prévia
e posteriormente à ocorrência de sua transformação em arte, têm exatamente a mesma aparência.
Poderíamos até dizer que a diferença é invisível. Parte da explicação do que levou Warhol à
condição de ícone tem a ver com o fato de que, a princípio, quase ninguém reconhecia diferenças
entre as duas imagens. Warhol não só reproduziu uma peça banal da arte comercial, como tornou ao
mesmo tempo invisível e monumental a distinção entre uma peça de arte banal e uma peça de arte
culta. E isso significa que ele não mudou apenas nosso modo de ver a arte, mas o modo de
compreendermos a arte. Quer dizer, entre 1959 e 1961, foram plantadas as sementes de uma
revolução visual, e mais, de uma revolução cultural.
O que sucedeu quando Andy Warhol se tornou um ícone cultural não foi simplesmente o resultado
de uma transição biográfica em que um artista comercial de sucesso converteu-se em um artista sério
de vanguarda. Foi uma transição social na medida em que importantes indivíduos que monitoram as
fronteiras da arte reconheceram que Warhol tinha realizado um trabalho de relevo do ponto de vista
da configuração dessa fronteira. Toda mudança artística tem de ser reconhecida e aceita como tal
pelo que denomino, como de costume, mundo da arte da época – determinados curadores,
marchands, críticos, colecionadores e, naturalmente, outros artistas. Sob esse aspecto, o mundo da
arte do começo dos anos 60 estava preparado para Andy Warhol. Ele se inscreveu em uma discussão
em processo e contribuiu para a direção que essa discussão veio a tomar nos anos seguintes. Isso não
foi suficiente, é claro, para fazer dele um ícone. Para tanto, precisava haver uma cultura muito mais
ampla que o mundo da arte do princípio da década de 60, e o próprio Warhol precisava ser
associado a algo que ia muito além dos limites da arte. Sem dúvida, o fato de ser artista foi um fator
decisivo para que virasse um ícone – mas quantos artistas, afinal de contas, dão um passo além e se
tornam ícones? Muito poucos. Só Warhol galgou a dimensão icônica em todo o movimento pop que,
coletivamente, mudou a arte em meados dos anos 60. Roy Lichtenstein, Claes Oldenburg, Jim Dine,
Tom Wesselman e James Rosenquist eram os principais artistas pop, mas nenhum deles se tornou
ícone, a não ser para alguns setores específicos do mundo da arte, se tanto. Todos eram excelentes
artistas. Mas Warhol é que haveria de ser o artista da segunda metade do século XX. Ele se tornou um
artista para pessoas que sabiam muito pouco sobre arte. Warhol representava uma forma ideal de
vida, que tocava o mundo delas em muitos pontos. Ele encarnava uma concepção de vida que
abraçava os valores da era em que ainda vivemos. Sob certos aspectos, Warhol criou uma imagem
icônica do que a vida é. Nenhum outro artista chegou perto disso.
A transição de artista para ícone se deu muito rapidamente. Em 1965, por exemplo, a
transformação já estava completa. Em outubro desse ano, Andy e sua superstar, Edie Sedgwick,
compareceram à primeira retrospectiva do artista nos Estados Unidos, realizada no Institute of
Contemporary Art, no campus da Universidade da Pensilvânia, na Filadélfia. Uma multidão de mais
de 2 mil pessoas extasiadas, a maioria estudantes, já estava lá. Ninguém esperava uma multidão
dessa ordem, e o curador, Sam Green, resolveu retirar das paredes, por precaução, a maior parte das
pinturas. Por pouco as paredes da galeria não ficaram inteiramente nuas. Mas a multidão não tinha
vindo exatamente para olhar as pinturas, e sim para ver Warhol e sua parceira. Começaram a entoar o
refrão: “Andy e Edie! Andy e Edie!”. Muito empurra-empurra, gente se atropelando. A coisa tomou
uma dimensão semelhante ao problema de controle de multidões que se via nos shows de rock. Andy,
Edie e seu grupo acabaram descobrindo um lugar seguro numa escadaria de ferro de onde, como
políticos nos palanques, acenavam para a multidão. Finalmente, abriram um buraco no teto e as
celebridades puderam escapar a salvo para o andar de cima. Antes de Warhol e Edie, esse tipo de
comportamento de multidão era quase padrão para certos ídolos da música popular, como os Beatles
ou Frank Sinatra. Mas nunca se vira coisa igual em um evento de arte, onde a atmosfera institucional
do museu impõe silêncio e respeito. A mudança de comportamento não escapou à observação de
Warhol. “Pensar que isso ocorreu num vernissage”, disse ele. “Mesmo num vernissage pop. Só que
não estávamos apenas numa exposição de arte – a exposição éramos nós.”[1]
A história da arte moderna foi uma história de raiva e ressentimento. Desde o Salon des Refusés
de 1863, por ordem de Luís Napoleão, as pinturas rejeitadas pela comissão de seleção ficavam
expostas em um salão à parte, onde os espectadores podiam formar suas próprias opiniões. O
Déjeuner sur l’herbe, de Manet, foi alvo de zombarias e manifestações de escárnio. Houve tumultos
em Paris quando o Ubu rei, de Alfred Jarry, foi apresentado pela primeira vez e após a primeira
execução da Sagração da primavera, de Stravinski. Vaias foram ouvidas nas salas onde Matisse e os
fauves expunham seus trabalhos no Salon de 1905. Mas esses fatos não se repetiram com a arte dos
anos 60. Ao contrário, havia um sentimento, principalmente entre o público jovem, de que aquela era
a sua arte, uma arte que fazia parte de sua cultura. Já em 1965, todo mundo sabia, de maneira geral,
que tipo de arte Warhol estava fazendo. As multidões do ICA criaram espontaneamente um evento que
não teria ocorrido com Lichtenstein ou Oldenburg, nem com os pintores da geração anterior dos
expressionistas abstratos. Tampouco esses atos se repetiram com a arte minimalista, que tomou o
lugar da pop como vanguarda predominante em meados dos anos 60. A reação do público em geral
foi antes um largo bocejo. Quanto aos artistas pop, a mudança artística foi percebida como radical, o
sentido da arte para a média das pessoas havia se modificado, e muito disso se devia a Warhol. Pelo
menos no caso de Andy, graças à sua arte, ele começara a ascender à condição de ícone.
Voltemos, porém, ao “Nascimento de Andy Warhol” e ao período em que ele fez Antes e depois.
Ninguém poderia saber então que com a virada da década, de 1950 para 1960, toda a cultura
ocidental entraria num período de convulsiva transformação. Ninguém poderia ter antecipado a
enorme mudança de atitudes que estava por vir, especialmente na cultura da juventude em 1968. Foi
uma década em que uma após outra as fronteiras cederam e foram eliminadas. Logo no começo da
década, rompeu-se a fronteira entre a arte culta e a arte popular, uma forma de superar a distância
entre a arte e a vida. Tenho uma teoria de que sempre que ocorre um período de profunda mudança
cultural, esta se revela antes de tudo na arte. A era do romantismo se tornou visível primeiramente no
arranjo dos jardins ingleses, a ênfase no “natural” em vez do formal. Em 1964, os Beatles fizeram
sua primeira visita aos Estados Unidos, usando cabelos compridos, como que a testar as fronteiras
entre os gêneros. Nesse mesmo ano, as fronteiras raciais foram atacadas quando os Freedom
Riders[2] viajaram pela primeira vez para o sul dos Estados Unidos a fim de ajudar a defender os
direitos civis dos negros. As rebeliões nos campi universitários de 1968 puseram sob ataque as
fronteiras entre gerações, e os jovens reivindicavam o direito de determinar seus currículos e de
estudar as disciplinas que lhes interessavam, incluindo cursos de estudos étnicos e de gênero,
inexistentes na década anterior. Mas as reivindicações dos jovens estendiam-se muito além da
instituição universitária, alcançando a arena das grandes decisões políticas. Em fins da década de 60,
surgiu o feminismo radical, que lutou contra as fronteiras tradicionais entre os sexos e exigia
igualdade e autonomia para as mulheres. Em 1969, os violentos conflitos de Stonewall[3] atacaram as
fronteiras entre heterossexuais e gays, considerando-as despropositadas para a sociedade civil. No
fim da década, Warhol criou um espetáculo de variedades reunindo a banda de rock Velvet
Underground e outras atrações, no que batizou de The Exploding Plastic Inevitable. As palavras
“exploding” [explosivo] e “inevitable” [inevitável] captam de certa forma a volatilidade da mudança
que assinalou os anos 60. Mas a transição de Andy Warhol de artista comercial para ícone da arte,
ainda que inevitável, não foi explosiva. No começo, foi uma espécie de tatear inseguro de uma arte
que ainda não existia na realidade, e de uma identidade que nem Warhol nem ninguém de seu círculo
era capaz de especificar. E a “discussão” que mencionei acima, em que Warhol acabou conseguindo
se inscrever, ainda era imprecisa e mal definida. É isso que torna especialmente feliz a metáfora de
Bockris. O feto tateia às cegas na escuridão em direção a um mundo que ainda não podia visualizar
na cavidade morna que até então constituía todo seu universo.
Em 1959 ou 1960 deve ter havido algum tipo de mudança interior em Warhol. Ele havia se
mudado para Nova York depois de formar-se na escola de arte, e conseguira estabelecer-se como
artista comercial, obtendo imenso sucesso. Diz a canção que se você consegue fazer sucesso em
Nova York, pode fazê-lo em qualquer lugar, mas Warhol pretendia fazer sucesso em Nova York de
maneira diferente, em um nível diferente e a qualquer custo. Queria ser bem-sucedido como um tipo
diferente de artista. É difícil imaginar que quisesse ser um pintor expressionista abstrato, a tendência
que dominava o mundo da arte em Nova York naquele tempo. Conforme veremos, seus primeiros
passos foram dados sob a proteção das cores de uma filosofia expressionista abstrata do pigmento.
Mas o que se poderia chamar de filosofia da arte expressionista abstrata não tinha e não podia ter
atrativo algum para Warhol. A ideia fundamental do expressionismo abstrato era que o pintor
mergulhasse fundo em seu inconsciente e descobrisse meios de traduzir o que Robert Motherwell
chamou de “impulso criativo original” em marcas depositadas impulsivamente e com gestos largos
sobre a superfície da pintura ou do desenho. Quando Warhol declarou, com seu estilo aforístico, “Se
você quer saber quem é Andy Warhol, apenas olhe para o meu rosto ou para a superfície do meu
trabalho. Está tudo lá”, ele estava rejeitando essa concepção romântica da alma do artista. Os
expressionistas abstratos e os artistas pop tinham concepções radicalmente opostas sobre o que os
artistas faziam. O artista pop não tinha segredos íntimos. Se ele revelava alguma coisa aos
espectadores, era algo que estes já conheciam ou pelo menos tinham ouvido falar. Por esse motivo, já
existia um elo natural entre o artista e o espectador, o que contribuiu, no caso de Warhol, para
explicar como ele se tornou um ícone. Ele sabia as mesmas coisas que seu público sabia e se
comovia com as mesmas coisas que comoviam o público.
Não se pode negar que embora o expressionismo abstrato estivesse perdendo fôlego por volta de
1962, já existia desde o fim dos anos 50 uma repulsa a certos aspectos desse movimento como uma
ortodoxia – uma reação contra o que os críticos hostis chamavam de “paint cookery” [receituário de
pintura]. Havia, por exemplo, a abstração hard-edged, que buscava formas bem definidas e cores
lisas e uniformes, na qual o artista controlava as relações entre as formas e não aproveitava os
acidentes da pincelada ou da tinta que tornaram tão interessantes as superfícies expressionistas
abstratas. Mas não era assim, pode-se dizer, que a arte queria avançar. A pintura hard-edge atacava
o que parecia ser o coração da pintura contemporânea, isto é, a expressividade da tinta e a
impulsividade com que o pintor interagia com ela, o espírito de improvisação e liberdade que
fizeram do expressionismo abstrato um movimento tão diferente de todos os outros na história da
arte. Qualquer movimento que viesse substituí-lo tinha de conservar esses aspectos ou alguma coisa
deles. Não é difícil entender por que os pintores que se tornaram mestres do expressionismo abstrato,
como Mark Rothko, pensavam que o movimento se prolongaria por um milênio – tanto tempo quanto
prevaleceram pelo menos os paradigmas do Renascimento. A arte abstrata já se tornara uma opção
em 1912, e a abstração da Escola de Nova York, com Jackson Pollock e Willem de Kooning, em fins
da década de 40. Nasceu e esgotou-se em menos de duas décadas.
A rebelião vitoriosa tinha de assumir outra forma além da abstração hard-edge, e havia
começado com os artistas que foram modelos ideais para Warhol – Robert Rauschenberg e Jasper
Johns, e, de forma um pouco diferente, Cy Twombly. Johns, sobretudo, dominava perfeitamente o
manejo do pincel no estilo expressionista abstrato. Como pintor, era no mínimo tão bom quanto
qualquer mestre da Escola de Nova York. Havia algo de delicioso em sua maneira de pintar. Mas o
tema de Johns não era ele mesmo, mas as formas corriqueiras que os fenomenólogos designam como
Lebenswelt – o mundo da experiência cotidiana: números, letras, mapas, alvos. De certo modo, Johns
procurou temas que todo mundo reconhecesse, e se interessava especialmente pela relação entre
essas entidades e suas representações. Um número pintado é apenas um número, uma letra pintada é
apenas uma letra. Uma bandeira pintada é uma bandeira. Se são lindamente pintados é irrelevante.
Johns descobriu uma maneira de transformar a realidade em arte, no sentido de que seus temas
superaram a diferença entre representação e realidade. Rauschenberg trabalhou desde o começo com
objetos reais. Quando pintava um objeto real, fazia-o do modo mais direto e literal – espalhava tinta
sobre ele. Sua famosa “combine”,[4] entitulada Monograma, consiste basicamente numa cabra
empalhada com um pneu de borracha em volta da barriga. Depois, ele espalhou generosa quantidade
de tinta sobre a cabeça e outras partes do corpo do animal. A combine que leva o título de Cama
constitui-se de uma colcha e um travesseiro encaixados na estrutura de madeira de uma cama
pendurada na parede, e, naturalmente, o artista espalhou tanta tinta sobre os objetos de modo que
ninguém se sentiria tentado a dormir ali. Era como se a tinta pintada bastasse para transformar a
realidade em arte. Twombly era mais abstrato que seus amigos. Desenhava garatujas sobre a tela ou
sobre o papel. Seus desenhos e pinturas eram gestuais desse ponto de vista e em consonância com o
espírito do expressionismo abstrato. Eram primitivos no sentido de que a garatuja é o tipo de marca
que as crianças reais fazem. A garatuja está para a escrita como o balbuciar está para a fala. Mas,
sem dúvida alguma, eram reais; despontam na superfície, mas não são nunca arbitrárias. Qualquer
pessoa é capaz de reconhecê-las.
Esses artistas, especialmente Rauschenberg e Johns, tiveram poderosa influência em Warhol.
Havia ainda o fato de que eles eram amantes, como também foram Rauschenberg e Twombly. O fato
de serem gays interessou muito a Warhol, que tinha a mesma orientação sexual. Todos eram muito
masculinos e por isso Warhol era muito tímido para aproximar-se deles. Disse que se achava “bicha
demais” para ser aceito por eles. O código de conduta dos gays masculinos estava mudando tanto que
a maneira afeminada era cada vez menos aceitável. O objetivo agora era ser o mais agressivamente
masculino possível. Em meados dos anos 60, Warhol mudou completamente sua aparência.
Emagreceu, passou a usar jaquetas de couro e calças jeans. Buscava ser aceito em dois mundos ao
mesmo tempo, o mundo da arte e o mundo gay, já que ambos começavam a evoluir. Não é fácil
caracterizar em termos sexuais o tipo de arte a que se dedicou, mas a que fizera dele uma figura
respeitável do mundo comercial da década de 1950 era marcadamente afetada. Uma forma de arte
quase folclórica, repleta de gatinhos e querubins, na qual sua assinatura começava com uma linha
interrompida recheada de bombons em azul-claro e cor-de-rosa, amarelo e verde. As caixas de
bombons muitas vezes continham inscrições feitas à mão, com a bela caligrafia de sua mãe – bem de
acordo com a estética dos cartões de boas-festas das altas-rodas. Na verdade, era a estética da arte
comercial de Warhol, visível sobretudo nos desenhos dos sapatos da marca I. Miller: escarpins de
salto alto com toques fetichistas. De certo modo, fotografias de sapatos têm o conteúdo certo para o
tipo de imagens que o interessavam como protoartista pop, mas era preciso despojá-las do luxo
espalhafatoso de seus anúncios de sapato, e projetar uma imagem mais realista, mostrando-o como de
fato apareceria numa propaganda simples, expurgado de seu glamour e com o preço exibido ao lado.
Os sapatos deveriam ter alguma coisa da praticidade e realismo dos anúncios de Antes e depois.
A questão psicológica de fundo é o que explica por que Warhol abandonou a estranha estética das
suas primeiras ilustrações de livros e escolheu substituí-la pela simples estética declaratória das
representações proletárias que começou a preferir. O tabloide barato tornou-se para ele uma espécie
de mina, e ele passou a pintar dois tipos de imagem: as das tiras de quadrinhos, como Dick Tracy e o
Super-Homem, Popeye, Nancy ou O Reizinho, e imagens extraídas da seção de anúncios, logotipos
toscos e diretos em preto e branco, sem ambiguidades e, eu diria, sem arte.
Os painéis com imagens de histórias em quadrinhos são vistos atualmente como arquetípicos da
arte pop. Contudo, há uma diferença entre as imagens usadas por Roy Lichtenstein, como a do Mickey
Mouse ou da Blondie, e as imagens mais complexas de Andy Warhol. Lichtenstein reproduz de modo
quase mecânico as imagens das revistas de quadrinhos ou as tiras de jornais. Ele reproduz os meios
de reprodução, isto é, os pontos de retícula Ben-Day, de modo que, na realidade, obtêm-se cópias de
imagens pintadas à mão semelhantes às que aparecem, ou apareceriam, impressas nos jornais usando
retícula. Boa parte das imagens de Lichtenstein provém de gibis de aventuras, em que pilotos atacam
aviões inimigos e a palavra “Zap!” aparece dentro da mesma moldura. Ou então, os pensamentos de
lindas garotas aparecem escritos dentro de balões ligados às figuras por pequenas bolhas. As
imagens de Warhol são diferentes em muitos aspectos, principalmente porque as palavras são
atenuadas pela aplicação de uma fina camada de tinta, deixando parcialmente visíveis apenas
fragmentos de palavras. E o espectador percebe muito bem a materialidade da tinta gotejada.
Lichtenstein aplica a tinta do mesmo modo que um desenhista de histórias em quadrinhos, mantendo-a
cuidadosamente dentro dos limites da figura. Warhol aplica a tinta como os expressionistas abstratos,
gotejando-a. “Não se pode fazer uma pintura sem a tinta gotejada”, disse ele a Ivan Karp, diretor da
Castelli Gallery. Foi isso que eu quis dizer quando afirmei que Warhol usava a pintura gestual dos
expressionistas abstratos como coloração protetora. Deixar a tinta gotejar não tinha relação com uma
convicção íntima e pessoal. Não dizia respeito àquele momento de transe em que o pintor movimenta
o pincel livremente, sem se preocupar com a limpeza e a ordem da pintura. Nessa época, o “drip” [a
tinta gotejada] era considerado uma descoberta, um sinal de autenticidade. Não para Warhol. Para
ele, era antes uma simulação, um maneirismo, uma forma de marcar seu trabalho como atual. O que
havia de especial nesse trabalho era o esforço para fundir a arte de massa com a arte culta – pintar o
ultrafamiliar, como Popeye e Nancy, aplicando a tinta à maneira, ou quase, dos expressionistas
abstratos. Mais ou menos como se ele estivesse pintando tiras cômicas expressionistas abstratas. Era
uma estocada na síntese estilística que não foi percebida pelos especialistas do mundo da arte, que
achavam Warhol muito talentoso.
Um desses especialistas era, sem dúvida, Ivan Karp. Warhol costumava visitar com frequência a
Castelli, onde os artistas que ele mais admirava expunham seus trabalhos. A Castelli era a galeria em
que ele mais desejava expor. Numa dessas visitas, Warhol descobriu que não estava sozinho – outros
estavam seguindo um caminho muito parecido com o que ele vinha tentando. Karp mostrou-lhe o
trabalho de Roy Lichtenstein, que acabara de aderir à galeria. Warhol surpreendeu-se ao ver que
outra pessoa estava pintando ícones de quadrinhos e de anúncios publicitários. Lichtenstein havia
pintado uma versão ampliada de um desses ícones, em preto e branco: uma jovem de maiô gritando e
segurando uma bola de praia. A figura provinha do clichê da propaganda de um hotel de veraneio em
Catskills. Sem modificar a imagem – reproduzindo inclusive os pontos reticulados – Lichtenstein
simplesmente ampliou-a para o tamanho de um quadro expressionista abstrato. Nessa época, para ser
significativa, uma pintura tinha de ser grande. Qualquer leitor do New York Post podia reconhecer a
imagem, mas certamente ficaria espantado de vê-la em grandes dimensões pendurada na parede de
alguém, e sem texto. Talvez parecesse ao espantado leitor uma espécie de híbrido estético.
Lichtenstein pintava para um público extremamente sofisticado. Qualquer pessoa que adquirisse o
quadro perceberia que, apesar de pintado à mão, a imagem não tinha as pinceladas usuais dos
expressionistas abstratos. Warhol disse a Ivan Karp que vinha fazendo exatamente o mesmo tipo de
pintura e convidou-o a visitar seu ateliê. Karp gostou do que Warhol estava fazendo, mas criticou,
com razão, a aplicação descuidada das tintas.
A resposta de Warhol a essa crítica é muito útil para compreendermos como ele agiu para
avançar em seus planos. Na oportunidade, arrolou a ajuda de uma pessoa em cujo julgamento tinha
plena confiança. Era Emile de Antonio, cineasta documentarista, que fizera, entre outros, Point of
Order [Ponto de ordem] – um filme que se baseava nas cenas filmadas dos interrogatórios públicos
de McCarthy em 1954. No verão de 1960, De Antonio foi à casa de Warhol tomar uns drinks:

[Andy] pôs dois grandes quadros lado a lado. Normalmente ele me mostrava seu trabalho de
modo menos formal, então entendi que se tratava de uma apresentação. Eram dois quadros de
cerca de 1,80 m de altura mostrando garrafas de Coca-Cola. Um deles era de uma garrafa antiga
de Coca em preto e branco. O outro exibia muitas marcas no estilo expressionista abstrato. Eu
disse: “Qual é, Andy, o abstrato é uma porcaria, o outro é excelente. É a nossa sociedade, é o que
somos, é maravilhoso e despojado; você devia destruir o primeiro e mostrar o segundo”.[5]

A justaposição dos quadros parecia igual àquela do Antes e depois. O que Warhol fez foi
acrescentar os toques de pincel que ele julgava serem esperados para uma pintura corresponder a
“quem nós somos”. De Antonio lhe fez ver que o caminho certo era o oposto do que Warhol pensava.
Ele devia eliminar todos os arremedos de marcas expressionistas. Na verdade, devia ter feito o que
intuitivamente Lichtenstein julgara certo. Escrevi sobre esse episódio em um ensaio intitulado “The
Abstract Expressionist Coca Cola Bottle” [A garrafa de Coca-Cola expressionista abstrata]. A
garrafa de Coca-Cola era, em si mesma, um ícone. Se você quer pintá-la como um ícone, pinte-a
como ela é. Não precisa de enfeites.
O caminho a seguir estava claro. Ele continha ao mesmo tempo uma ordem e uma guinada. A
ordem era: pinte o que somos. A guinada, a intuição do que somos. Somos um tipo de gente que
almeja à felicidade prometida pela publicidade, fácil e barata. Antes e depois é como um raio X da
alma americana. Warhol começou a pintar os anúncios em que nossas fraquezas e esperanças são
retratadas. Suas imagens após a mudança eram convencionais, familiares e anônimas, tiradas das
contracapas dos jornais populares, das páginas da frente dos tabloides sensacionalistas, das
revistinhas policiais, dos fanzines, do junk mail, dos folhetos comerciais, dos clichês prontos de
publicidade descartável. Como se ele tivesse recebido uma ordem para conduzir o pior da pintura
mais reles até os locais reservados para a arte culta. Não houve nenhuma revelação ou confissão
acerca do que talvez seja até hoje a mais misteriosa transformação na história da criatividade
artística. Mas isso não é tudo. Warhol saiu do que um dos personagens de Henry James descreve
como “um pequeno artista”, à margem da margem do mundo da arte, para tornar-se o artista que
definiu seu tempo. Isso poderia não ter acontecido se o mundo não tivesse passado por uma mudança
paralela por meio da qual o Warhol transformado veio à tona como o artista que esse mundo estava
esperando.
A primeira exposição de Warhol após essa conversão ocorreu num espaço que pertencia de
direito ao Warhol dos sapatos e dos gatinhos: as vitrines da grande loja de departamento Bonwit
Teller na 57  Street. Mas as pinturas, exibidas durante uma única semana em meados de abril de
1961, pertencem à sua nova fase. São cinco ao todo. Anúncio baseia-se numa montagem de
propagandas de jornais em preto e branco: de uma tintura de cabelos; de como ficar com braços
fortes e ombros largos; da modificação da forma do nariz, de próteses para rupturas e da Pepsi-Cola
(“No Finer Drink” [ Não há bebida melhor]). Em 1960, a Pepsi-Cola havia dado início a uma
campanha publicitária em que se proclama ser a bebida “para os que pensam jovem”, como se fosse
o elixir da juventude que Ponce de León viera descobrir em Nova York. A vitrine da Bonwit Teller
também incluiu Antes e depois, a publicidade da transformação do nariz que nos dá vergonha no nariz
com que sonhamos. As outras pinturas tinham como tema o Super-Homem, o Reizinho (num cavalete)
e Popeye. Os anúncios refletem as preocupações pessoais de Warhol – a careca se formando, o nariz
feio, a compleição física franzina. Mas a localização das imagens originais – nas seções de anúncios
das contracapas do tabloide National Enquirer e publicações similares de consumo de massa –
atesta a universalidade dessas torturantes insatisfações e a inextinguível esperança humana de
soluções fáceis para obter saúde e felicidade, e como fazer com que “ele deseje você”. As pinturas
são comentários, quase filosóficos, sobre as roupas leves de verão que vestem os manequins que as
precederam. Mas a mensagem é suavizada pelas imagens dos personagens dos gibis que todo mundo
conhecia. Quem poderia adivinhar, ao parar para ver a vitrine, que Anúncio um dia ia chegar à
Nationalgalerie de Berlim por intermédio do museu de Monchengladbach e do Hamburger Bahnhof
Museum für Gegenwart [Museu de Arte Contemporânea]? Se imagens tão pouco promissoras podem
se tornar belas-artes, há esperança para o restante de nós, igualmente pouco promissores!
Anos depois, no princípio da década de 80, Warhol deu o Anúncio de presente ao dr. Marx,
famoso colecionador alemão de arte contemporânea, por intermédio de Heiner Bastien, um curador
alemão que considerava Andy um grande artista. Segundo Bastien,

Ele foi generoso com Marx, porque mostrou todas as suas antigas pinturas. No fim, até separou o
Anúncio porque eu disse que seria maravilhoso ter essa primeira obra na coleção. Creio que
ainda não temos condições de compreender a radicalidade do que Warhol fez. Ele provavelmente
fez um retrato de nosso presente, que reflete mais sobre nossa época que qualquer outra arte. É
como se ele tivesse uma espécie de compreensão instintiva de para onde nossa civilização está
indo.[6]

O que quase ninguém que passasse em frente da vitrine da Bonwit Teller em 1961 poderia ver é
que o espaço estava cheio de arte. As pessoas que estavam vendo roupas femininas junto a imagens
comuns de sua cultura arrumadas por um vitrinista cheio de imaginação, e provavelmente gay. Quem
nessa data teria visto aquilo como arte? Eu, com certeza, não. Só em 1962 tomei conhecimento da
arte pop, quando vi uma ilustração publicada na revista ARTnews mostrando o que me pareceu ser um
painel baseado nas tirinhas de gibi de Steve Canyon: um piloto e sua namorada beijando-se, com o
título de O beijo. A maior parte do mundo da arte, que ainda estava às voltas com o expressionismo
abstrato, certamente não definiria tal imagem como arte. Lichtenstein certamente veria arte nela,
assim como Ivan Karp. O mesmo pensariam De Antonio e Henry Geldzahler, o jovem curador de arte
moderna americana do Metropolitan Museum. E mais uns poucos marchands, alguns colecionadores,
talvez.
O que a tornava arte, então? Warhol com certeza seria incapaz de formular uma explicação. Ele
tinha certa dificuldade de expressão, tropeçava nas palavras, comia sílabas. A arte não podia estar
na diferença de tamanho entre os anúncios publicados nos jornais e as imagens exibidas em grandes
painéis na vitrine da Bonwit Teller. Seria possível imaginar Antes e depois exibido no tamanho de
um pôster afixado em vagões do metrô ou na parede de um ônibus em Nova York, ou até em grandes
e dramáticos outdoors na Times Square. Um dos artistas pop, James Rosenquist, de fato trabalhava
para a empresa gráfica Artkraft-Strauss e pintava cartazes gigantescos espalhados pela cidade
inteira. Minha opinião é que todos os anúncios “apropriados” – esta palavra não era usada na década
de 60, e quando se tornou uma forma de “apropriação” de imagens, como nos anos 80, o significado
era completamente diferente – têm algo em comum. Todos remetem aos “pequenos contratempos
humanos”, para usar o título de uma coletânea de contos de Grace Paley. Falam de barrigas flácidas,
de dores nas pernas, de cicatrizes na pele, de cabelos crespos que se quer alisar ou de cabelos lisos
que se quer ondular, e coisas semelhantes. Para tudo isso os anúncios oferecem uma solução. Mas,
em conjunto, projetam uma imagem da condição humana, e é por isso que são arte. Os quadrinhos têm
outro significado. Seus personagens são ídolos americanos, cujas virtudes estão além das nossas. A
força de Popeye faz dele o Hércules de nosso tempo. A sabedoria de Nancy é superior à sua idade. E
o Super-Homem, bem… é o Super-Homem, com as qualidades de um Bodhisattva, sempre atento aos
clamores do mundo. Também esses heróis prometem ajuda, esperança. No fim das contas, a vitrine
da Bonwit Teller foi o showroom do mundo dos transeuntes. Todos entendiam as imagens porque
elas projetavam o mundo em que todos habitavam. O mundo projetado pelos expressionistas
abstratos era o mundo dos que tinham feito suas pinturas.
Warhol não foi o primeiro a levantar a questão da arte de forma radical. Ele redefiniu a
formulação da questão. A nova pergunta não era, “O que é arte?”, mas “Qual a diferença entre duas
coisas, exatamente iguais, uma das quais é arte e a outra não?”. Nesses termos, a pergunta se tornou
uma questão quase religiosa. Jesus é simultaneamente humano e divino. Nós sabemos o que é ser
humano – é sangrar e sofrer, como Jesus, ou os consumidores a que se dirigem os anúncios. Assim,
qual a diferença entre um homem que é deus e um homem que não é? Como determinar a diferença
entre eles? Que Jesus era humano é a mensagem natural da circuncisão de Cristo. É o primeiro sinal
de sangue real escorrendo. Que ele é Deus é a intenção da mensagem que o halo em volta de sua
cabeça anuncia – um símbolo que é lido como uma inegável marca da divindade.
[1]David Bourdon, Warhol. Nova York: Harry N. Abrams, 1989, pp. 213-14.
[2]Os Freedom Riders eram grupos de ativistas dos direitos civis nos Estados Unidos que viajavam de ônibus para estados do Sul que
mantinham leis de segregação racial com o objetivo de testar uma decisão da Suprema Corte, que havia proibido a discriminação em
restaurantes e terminais de ônibus interestaduais. [N.T.]
[3]Os Stonewall riots foram uma série de violentos conflitos entre policiais de Nova York e grupos de gays e transexuais que eclodiram
na manhã de 28 de maio de 1969 e prolongaram-se durante vários dias. Foi um marco decisivo no movimento mundial pelos direitos dos
homossexuais. [N.T.]
[4]A combine painting “é uma técnica de colagem em que objetos do cotidiano colocados sobre a superfície da composição são às
vezes pintados e noutras deixados em seu estado natural, procurando criar uma relação equívoca entre o pintado e o elemento
introduzido”. Cf. Luiz Fernando Marcondes, Dicionário de termos artísticos. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1998. [N.T.]
[5]V. Bockris, op. cit., p. 98.
[6]Id. ibid., p. 435.
Não há uma explicação evidente para o fato de, no início da década de 60, vários artistas de Nova
York e arredores (a maioria deles mal se conhecia) terem começado a fazer arte, cada qual à sua
maneira, usando imagens corriqueiras da cultura popular: tiras de histórias em quadrinhos
distribuídas por agências, logotipos de produtos de consumo de massa, fotografias publicitárias de
celebridades, fotos de coisas que todo mundo conhecia nos Estados Unidos, como os hambúrgueres e
a garrafa de Coca-Cola. Na primavera de 1960, Warhol comprou na Castelli Gallery um pequeno
desenho de uma lâmpada elétrica feito por Jasper Johns. Quando lhe mostraram uma grande tela de
Lichtenstein reproduzindo o anúncio de um hotel de veraneio em Catskill, Warhol surpreendeu-se ao
ver que outro artista estava pintando clichês de anúncios do tipo que ele ia exibir no ano seguinte na
vitrine da Bonwit Teller. Por acaso, Warhol era o quarto artista que Karp tinha visitado em poucos
meses que trabalhava com esse tipo de imagens. A existência de um grupo de artistas brilhantes
produzindo pinturas novas sobre temas muito populares não chega a constituir um movimento, mas
representava uma manifestação visível de uma grande agitação cultural que mais cedo ou mais tarde
transformaria toda a vida artística da cidade. “É um terremoto do século XX”, pensou Karp com seus
botões. “Eu senti isso, sabia disso e estava atento.”
Desde que ficou claro que vários artistas se dedicavam a projetos semelhantes, explicamos o fato
dizendo que havia alguma coisa no ar, e deixamos de lado as abordagens biográficas. No final deste
capítulo, comentarei as Latas de sopa Campbell, de Warhol, que muitos críticos afirmam ter relação
com a biografia dele – por exemplo, que ele tinha o hábito de consumi-las diariamente. Mas, na
realidade, parece que para Warhol, pintar esse tema era mais um passo em direção ao seu desejo de
ser um dos artistas de Castelli, e expor em sua galeria, que havia se especializado num certo tipo de
arte de vanguarda. Castelli havia assumido a representação de Rauschenberg e Jasper Johns,
justamente os artistas que Warhol mais admirava. E começara também a vender trabalhos de
Lichtenstein muito parecidos com os que Andy vinha fazendo, embora os dois não se conhecessem
ainda. Como diretor da Castelli, Karp procurava artistas que estivessem fazendo exatamente esse
tipo de arte – e certamente não teria se interessado por pinturas abstratas de Warhol. Karp conhecia
uns dez ou doze colecionadores interessados no mesmo tipo de arte e poderia levá-los ao ateliê do
artista. Warhol ainda não tinha uma galeria que o representasse, mas fazia parte do mundo da arte –
um complexo de marchands, críticos, colecionadores e, naturalmente, outros artistas que
consideravam o trabalho dele sério. E esse complexo que se erguia em torno dos artistas estava
pronto para se tornar a instituição característica de meados da década de 1960, baseada num tipo de
arte que a mídia divulgava e comentava. Quando isso aconteceu, Warhol estava fadado a ser muito
famoso, ainda que boa parte da opinião da imprensa lhe fosse desfavorável. Numa palavra, Warhol
se tornou uma sensação.
A expressão “arte pop” foi usada pela primeira vez em 1958 pelo crítico britânico Lawrence
Alloway para designar a cultura de massa dos Estados Unidos, especialmente os filmes de
Hollywood. O argumento de Alloway era que esses filmes, assim como os romances de ficção
científica, eram obras sérias e mereciam ser estudadas como os filmes de arte, a grande literatura e
os produtos da cultura de elite em geral. Mas por algum deslize, o termo passou a designar
exclusivamente pinturas – e esculturas – de objetos e imagens ligados à cultura comercial, ou a
objetos fácil e amplamente reconhecíveis, cujo uso ou significado não precisavam ser explicados. A
primeira exposição de Warhol na vitrine da Bonwit Teller fez parte do movimento artístico que se
iniciou no ano seguinte. Personagens de histórias em quadrinhos – Nancy, Super-Homem, Popeye, o
Reizinho, Dick Tracy – penetraram na consciência artística dos norte-americanos no começo dos
anos 60 mais ou menos como a imagística das gravuras japonesas penetrou na vanguarda artística
francesa da década de 1880, com a diferença de que, por mais populares que fossem as gravuras no
Japão, na França eram consideradas exóticas, enquanto as histórias em quadrinhos americanas, com
raras exceções, eram tidas por toda a parte como lixo, exceto no mundo da arte que interessava a
Warhol, que as tratava como imagens instigantes porque implicavam uma revolução no gosto; com
Warhol e Lichtenstein, as imagens das histórias em quadrinhos entraram na esfera da arte culta. Foi
por sua popularidade que elas se tornaram interessantes para os artistas pop, que, por sua vez, deram
um cunho político à sua promoção como arte séria.
Quanta diferença entre essa arte ousada e irreverente e a pintura expressionista abstrata, na qual
os significados eram pessoais e enigmáticos, e se expressavam através dos pigmentos com
pinceladas enérgicas, ou com tinta gotejada e derramada sobre grandes superfícies de tela, de
maneira que aos espectadores restava pouco senão exclamar: “Uau!”. Não que houvesse muito o que
falar diante da arte pop, pois todo mundo sabia do que se tratava. A questão é o que tornava tão
instigantes elementos tirados da vida cotidiana, que interesse podia haver em personagens de
histórias em quadrinhos, em rótulos de sopa ou em casquinhas de sorvete? Por que alguém se
prestaria a pintar ou fazer retratos dessas coisas? As pessoas já estavam tão familiarizadas com seu
significado e retórica que a única pergunta que pareciam fazer era em que sentido se poderia dizer
que aquilo era arte. Da perspectiva dos expressionistas abstratos, somente veriam tais coisas como
arte aqueles delinquentes “burros mascadores de chicletes”, que um renomado crítico dissera
estarem começando a povoar as galerias de arte, provavelmente exclamando “Uau”, quando não
estavam simplesmente assoviando por entre os dentes.
Assim, não é raro encontrar quem explique a arte pop como mera e previsível reação ao
expressionismo abstrato. Mas uma reação poderia tomar muitas formas. Os abstracionistas poderiam
voltar à pintura abstrata não gestual, como fizeram os chamados abstracionistas hard-edged. Ou os
pintores poderiam voltar às paisagens e naturezas-mortas. Contudo, havia algo de provocador,
rebelde na arte pop. Sim, é verdade, todo mundo sabia muito bem quem eram Popeye e Mickey
Mouse. Mas era preciso muita coragem para aceitar o retrato de um dos dois como arte culta. No
prefácio deste livro, falo sobre meu espanto ao ver pela primeira vez, em 1962, uma reprodução em
preto e branco de O beijo, de Roy Lichtenstein, nas páginas da ARTnews, a mais importante e
respeitável revista de arte da época. Tive a impressão de que se tratava de uma pintura baseada nas
tiras de Terry e os piratas ou de Steve Canyon; na realidade, a reprodução fora usada como
ilustração para uma crítica da primeira exposição individual de Lichtenstein na Castelli Gallery.
Achei o trabalho muito inquietante, embora nos últimos tempos eu já me tivesse convencido de que
se aquilo era arte, então qualquer coisa podia ser arte – qualquer coisa mesmo! Anos depois, ouvi
Lichtenstein dizer que seu objetivo era transcender a distinção entre arte inferior e arte superior,
introduzindo a pintura de uma tira de quadrinhos numa galeria de arte. Havia algo de revolucionário,
um pouco do que Nietzsche denominou de “transvalorização de valores” na atitude de Lichtenstein,
uma condenação à irrelevância de tudo o que pertencia à ordem da apreciação da arte. Os artistas
que fizeram essa súbita mudança de direção não estavam simplesmente reagindo contra o
expressionismo abstrato, mas fazendo uma revolução no conceito de arte, forçando uma fronteira.
Imaginem que uma pessoa pendurasse na parede de sua sala um quadro representando uma lata de
cera de engraxar sapatos, pintada da maneira mais realista, de modo que ninguém pudesse admirar o
vigor das pinceladas – uma pintura que podia estar numa revista como propaganda de uma marca de
graxa de sapatos. O que poderia significar isso? No mínimo que o proprietário do quadro tinha, ele
próprio, ultrapassado uma fronteira, e fazia um statement sobre a arte, e sobre ele mesmo.
Todos os períodos revolucionários começam tentando forçar as fronteiras artísticas, depois se
estendem às fronteiras sociais mais decisivas para a vida, até que, perto do fim do período, toda a
sociedade se transforma; basta pensar no romantismo e na Revolução Francesa, ou na vanguarda
russa de 1905 a 1915, e no slogan de Aleksandr Ródtchenko, trazer “a arte para a vida”.
Rigorosamente falando, creio que a era do modernismo começou a dissolver-se com o advento do
movimento dadá em 1915, como uma reação de repulsa à Primeira Guerra Mundial. Começou na
Suíça, que assumiu uma posição de neutralidade na guerra. A ideia predominante era que os artistas
não estavam mais dispostos a produzir arte para a fruição das classes dominantes na Europa, as quais
eles responsabilizavam pelas mortes de milhões de jovens e pela devastação das populações civis.
Os artistas dadaístas achavam impossível fazer outra coisa senão uma arte desrespeitosa das classes
patrocinadoras das artes em geral, e ridicularizar a ideia do Grande Artista cujo trabalho enaltecia e
glorificava os poderosos. A obra emblemática do movimento dadá foi o L.H.O.O.Q. de Duchamp –
letras que ele imprimiu na margem superior de um cartão-postal da Mona Lisa, em cujo rosto havia
desenhado um bigode e um cavanhaque; as letras, pronunciadas em francês, formam uma frase um
tanto obscena.[1] Duchamp foi a figura central da irreverência provocadora que unificou a rebeldia
dos dadaístas e deflagrou o ataque contra as fronteiras que definiam o modernismo. O ponto máximo
da estética modernista era político. Consistia em dois grandes Estados monolíticos, a Alemanha
nazista e a Itália fascista, na regulamentação da vida e na glorificação da guerra. A pintura
expressionista abstrata estava muito distante da visão política desses Estados e de sua concepção do
poder. Na verdade, era uma pintura que exaltava a privacidade pessoal, mas por sua escala e poder
também enaltecia o espírito de heroísmo, o alvo inicial da zombaria dos dadaístas. O expressionismo
abstrato foi a última grande manifestação artística do espírito modernista.
Na década de 50, algumas instituições nos Estados Unidos incentivaram determinado tipo de
inovação artística: o Black Mountain College, onde Robert Rauschenberg e Cy Twombly estudaram e
onde John Cage foi professor; o seminário zen-budista dirigido por D. T. Suzuki na Universidade de
Colúmbia, frequentado principalmente por músicos de vanguarda, como John Cage e Morton
Feldman, e por artistas como Philip Guston e Agnes Martin; e o curso de composição experimental,
ministrado por Cage na New School for Social Research, que deu origem a um movimento musical e
de arte radical conhecido pelo nome de Fluxus, que se dedicou a “ultrapassar o hiato entre arte e
vida”. O lema do grupo Fluxus retomou o projeto de Rodtchenko de integrar a “arte na vida”; Robert
Rauschenberg reproduziu essa ideia em suas declarações para o catálogo da exposição de 1959, no
Museum of Modern Art de Nova York, Dezesseis americanos, onde escreveu: “A pintura se
relaciona ao mesmo tempo com a arte e com a vida. Procuro situar-me no espaço entre ambas. Não
existem temas insignificantes. Um par de meias não é menos apropriado para uma pintura que a
madeira, pregos, terebintina, óleo e tecido”. Rauschenberg devia ter usado a palavra “arte” em vez
de “pintura”. Com essa declaração ele se dava autorização para empregar qualquer coisa que
quisesse a fim de produzir uma obra de arte. No começo dos anos 60, esse impulso inclusivo
estendeu-se à dança. Um movimento de dança podia consistir em sentar numa cadeira, comer um
sanduíche ou passar a ferro uma camisa. A pergunta “O que é a dança?” juntou-se então a outras
duas: “O que é a música?” e “O que é a pintura?”. Onde e de que maneira devia passar a linha que
separa a arte da vida? Ao longo dos anos 60, testar as fronteiras culturais se tornou o projeto central
que definiu toda a década.
A arte pop esteve presente na ruptura do espírito modernista e no despontar da era pós-moderna
em que vivemos. Em dezembro de 1961, Claes Oldenburg transformou uma loja do East Side de
Manhattan em ponto de venda de suas esculturas feitas de gesso, telas de arame e tecido, pintadas
com tinta esmalte doméstica, com as quais criava representações grosseiras de objetos do cotidiano
– vestidos, malhas de ginástica, calcinhas, bolos, latas de refrigerante, tortas, hambúrgueres, pneus
de automóveis. O lugar lembrava mais um grande depósito de mercadorias variadas que uma galeria
de arte. Aliás, Oldenburg batizou-o de The Store [A loja] como se o local e as mercadorias
formassem juntos uma obra de arte. Oldenburg era o dono do armazém e quem escrevia os preços dos
objetos nas etiquetas. Todos os objetos eram expostos na vitrine. As pessoas compravam arte da
mesma maneira que compravam mantimentos numa mercearia ou miudezas num armarinho. O lugar
era muito diferente, sem dúvida, das vitrines elegantes da Bonwit Teller, onde, em abril do mesmo
ano, Warhol havia mostrado suas obras. Em certo sentido, o ato de Oldenburg foi uma crítica
institucional do ambiente de preciosismo dos museus e galerias de arte criados para refletir a
preciosidade da arte que exibiam. E foi um modo de estreitar a separação entre a arte e a vida. Mas
também uma forma de tornar-se rapidamente conhecido, se o trabalho do artista atraísse as atenções
da mídia.
Pelo menos desde a exposição de 1913, conhecida como The Armory Show (onde a tela Nu
descendo uma escada, de Marcel Duchamp, surgiu como o exemplar paradigmático da arte de
vanguarda), a imprensa passou a dar atenção especial ao trabalho de artistas muito talentosos. O que
levou Warhol a começar a pintar os anúncios e figuras de histórias em quadrinhos que expôs por um
breve período na vitrine da Bonwit Teller é um dos mistérios mais secretos de sua biografia. Mas
não há mistério algum quanto à sua decisão de pintar latas de sopa Campbell. Warhol queria se
tornar muito famoso, o mais rápido possível, e tal desejo só poderia ser realizado se contasse com o
apoio da mídia. Warhol foi um artista “pop” antes que o significado da palavra se generalizasse, mas
em 1962 a palavra “pop” já dava o que falar.
Muitas histórias diferentes relatam como Warhol teve a ideia de pintar latas de sopa, e uma delas
pelo menos vale a pena examinar: a que fala de um encontro entre o artista e um designer de
interiores, Muriel Latow, a quem o pintor teria pedido uma ideia. Algumas dessas histórias dizem
que Warhol tinha o hábito de pedir ideias, e que, na maioria das vezes, suas ideias eram sugestões de
outras pessoas. Em 1970, numa conversa com Gerard Malanga, seu assistente e companheiro
inseparável, Warhol afirmou: “Minhas ideias sempre vêm de outras pessoas. Às vezes, nem modifico
a ideia; outras vezes, não uso a ideia de imediato, mas guardo-a na lembrança para usar mais tarde.
Adoro ideias”. Warhol disse a Latow que precisava de uma ideia “de grande impacto, diferente de
Lichtenstein e Rosenquist, algo bem pessoal, que não pareça que estou fazendo exatamente o que eles
fazem”. Latow respondeu-lhe que ele devia pintar alguma coisa que “todo mundo vê todos os dias,
que todo mundo reconhece… como uma lata de sopa”. A própria maneira como Warhol formulou a
pergunta já eliminava muitas possibilidades. Ele não estava interessado em pintar uma abstração
bonitinha e agradável, ou Manhattan ao luar, ou uma mulher bonita lendo uma carta perto da janela.
Tinha de ser algo ligado à cultura comum que ainda não tivesse sido trabalhado por ninguém. Algo
que as pessoas comentassem mesmo sem ter visto. Quantas pessoas viram de perto o crânio com um
diamante incrustado que Damien Hirst teria vendido por um milhão de dólares? Mas não ter visto a
peça não impediu que se imaginasse seu valor, quem poderia ter comprado a obra, qual o significado
dela e por que alguém a faria.
Uma coisa é dizer ao artista que ele devia pintar latas de sopa, outra é decidir como pintá-las. A
decisão de Warhol envolveu mais que a mera pintura de uma lata de sopa. Ele construiu um painel
com trinta e duas telas (50,8 X 40,6 cm cada), organizadas em quatro fileiras de oito, cada tela
representando uma das variedades das sopas Campbell produzidas naquela época – como uma
instalação de retratos de pessoas notáveis. Warhol pôs em prática os ensinamentos que recebera de
Emile de Antonio: os quadros não tinham nada de pictural, pareciam ter sido reproduzidos por meios
mecânicos, como na realidade foram, porque Warhol usou um processo de serigrafia para obter um
efeito de absoluta uniformidade. De qualquer forma, o conjunto é rigorosamente frontal, como
retratos bizantinos, e as quatro fileiras de oito quadros assemelhavam-se a uma iconóstase moderna –
uma parede de ícones como as que existiam na igreja ortodoxa de Pittsburg onde a mãe de Warhol,
Julia Warhola, costumava rezar quando ele era criança. Poderíamos pensar também na arrumação de
fileiras de prateleiras de supermercados, uma estética que agradava muito a Warhol. Nenhum dos
outros artistas pop usava esse tipo de formato no qual a imagem se repete inúmeras vezes. Inclusive
quando ele, mais tarde, começou a fazer retratos, continuou a usar um painel com o mesmo retrato, da
mesma pessoa, em cores diferentes. As Latas de sopa Campbell eram retratos, cada um contendo
uma variedade de sabor da sopa, identificada no rótulo. A repetição é um dos principais elementos
do que se pode chamar de estética de Andy Warhol.
Quase tudo que ele fez nessa época tocava na questão de pintura de gênero, fossem trinta e duas
pinturas ou uma instalação composta de trinta e duas partes. Creio que ele pretendia que o conjunto
inteiro formasse uma única obra. Afinal, a serigrafia é uma técnica de impressão que lhe permitia
imprimir e reimprimir quantas vezes quisesse. Mas o fato é que ele só fez uma impressão de cada, o
que indica que preferiu criar uma parede de latas de sopa formada de trinta e duas unidades
singulares. No entanto, quando o trabalho foi mostrado pela primeira vez na Ferus Gallery de Los
Angeles, em 1962, os quadros estavam organizados numa só fileira, colocados sobre uma estreita
prateleira que contornava toda a galeria. E, evidentemente, foram vendidos separadamente por cem
dólares cada. Mas o marchand, Irving Blum, aos poucos percebeu que os quadros se interligavam em
“um conjunto”, como ele disse. A decisão de Blum agradou a Warhol, porque tinham sido
“concebidos como uma série”. Depois, Blum recomprou as que tinha vendido e Warhol fixou o preço
de mil dólares para o que agora se reconhecia ser uma só obra. Blum mandou-lhe cem dólares por
mês até acabar de pagar tudo. E todas as telas passaram a ser expostas como uma só unidade, uma
matriz.
As Latas de sopa Campbell já eram famosas antes que qualquer um dos visitantes do ateliê de
Warhol tivesse realmente visto o trabalho. A revista Time descreveu-as na edição de maio de 1962.
Mas a mídia tratou as obras como um evento cultural e não como um evento do mundo da arte – isto
é, o que quer que o mundo da arte estivesse pensando sobre Warhol, ele já estava prestes a se tornar
um ícone americano. Pouco importava se a publicidade fosse favorável; afinal, o mundo da arte vive
da controvérsia. Warhol chamou a atenção de Eleanor Ward, proprietária da Stable Gallery,
localizada num antigo estábulo na 58 Street oeste, perto da Seventh Avenue. Eleanor pediu a Emile
de Antonio, conselheiro artístico de Warhol, que a levasse ao ateliê de Andy. Lá chegando, fez uma
proposta: se Warhol pintasse um retrato de sua nota da sorte, uma cédula de um dólar, ela
patrocinaria uma exposição do pintor em novembro daquele ano. (Além das latas de sopa, Muriel
Latow havia sugerido que Warhol pintasse cédulas de dinheiro.) Ward tinha boa intuição para a arte
séria; Rauschenberg e Twombly eram dois artistas de sua galeria. Ela também tinha organizado
exposições de Robert Motherwell e acabara de admitir Marisol e Robert Indiana em sua galeria.
Mais do que todos esses artistas, foram as Latas de sopa Campbell de Warhol que suscitaram a
questão da arte de maneira irreprimível.
Para a maioria das pessoas, arte era algo espiritualmente rico, que cabia em molduras douradas e
ficava pendurado nas paredes dos museus ou das mansões dos milionários. Em sua biografia de
Warhol, Victor Bockris entrevistou um dos primeiros amigos do artista, Charles Lisanby, que recusou
sem rodeios o oferecimento de um dos retratos de Marilyn Monroe. “Agora me diga, no fundo do seu
coração, você sabe que isso não é arte”, disse Lisanby a Warhol. “Ele nunca iria admitir isso, mas eu
sabia que ele sabia que não era arte”.[2] É difícil saber, de fato, o que Warhol pensava sobre essas
questões, mas eu acho que ele sabia que tinha levado a arte para um novo lugar. Na minha
adolescência, eu costumava percorrer as salas do Detroit Institute of Art, onde havia reluzentes
pinturas a óleo de santos, príncipes montados em cavalos, damas vestidas com longas saias de cetim
lendo cartas de amor. Impossível imaginar naquele tempo que a imagem fiel e chapada de uma lata de
sopa viesse a fazer-lhes companhia como obra de arte. Além do fato de ser um quadro pintado, a lata
de sopa parecia não ter nada em comum com o que qualquer pessoa considerava arte. Sem dúvida,
era um objeto que fazia parte da vida, mas não era uma peça que alguém pudesse reconhecer como
arte. No mínimo, uma definição filosófica de arte teria de ser aplicável tanto à lata de sopa Campbell
quanto aos santos de El Greco, ou às belas mulheres de Terborch, ou aos personagens da realeza de
Velázquez. Para que uma definição de arte fizesse isso, teria de ser esvaziada de tudo que se
aplicasse àquelas obras-primas mas não o fizesse à lata de sopa. De repente, a lata de sopa Campbell
invalidou, por ser insuficientemente geral, todo o cânone da estética filosófica, e de um golpe definiu
sua época. Ela era, como disse De Antonio, quem nós somos.
Warhol pintou a sopa Campbell durante toda sua vida. Começou com as cem latas que mostrou em
sua primeira exposição na Stable Gallery. Depois, foram as sopas Campbell em que as latas sofriam
uma espécie de martírio – furadas com um abridor de latas, esmagadas ou esfoladas por terem seus
rótulos rasgados. Estas últimas compartilham o espírito das várias pinturas de catástrofes humanas às
quais Warhol em breve se dedicaria – acidentes de carros, desastres de avião e coisas assim. Os
formatos que ele inventou para mostrar as latas lembram os formatos da pintura religiosa – corais,
congregações, iconóstases, onde as latas eram entendidas como vasos para nossa sopa diária.
Encostada na parede do fundo do ateliê de Warhol, no dia em que ele saiu pela última vez para ir ao
hospital submeter-se à cirurgia que acabou por matá-lo, em 1987, havia uma imagem de uma
fumegante tigela de sopa Campbell. Estava ao lado de um Jesus duplo, pertencente a uma das
variações da Última Ceia que ele havia pintado alguns meses antes de morrer. Sem dúvida, o
conjunto satisfazia seu pedido de que qualquer “ideia” que Latow lhe desse devia ser pessoal. O que
ele admirava na cultura comercial eram a uniformidade e a previsibilidade da comida de todos os
dias. Uma lata de sopa de tomate Campbell é sempre igual a qualquer outra. Não importa quem você
é, nunca poderá ter uma sopa melhor que a do seu vizinho. Wittgenstein dizia que não ligava para o
que comesse, desde que fosse sempre a mesma coisa. A repetição de recipientes de comida fácil e
imediatamente reconhecíveis – latas de sopa Campbell, garrafas de Coca-Cola – era um emblema da
igualdade política. Não se tratava simplesmente de um recurso formal da pintura de vanguarda.
Em novembro de 1962, foi inaugurada a exposição de Warhol na Stable Gallery, que havia então
se transferido para uma elegante mansão da East 74 Street. Uma semana antes, três trabalhos dele
haviam sido mostrados numa exposição intitulada “Os novos realistas”, na Sidney Janis Gallery, na
57thth Street, com a curadoria de um crítico francês, Pierre Restany, ligado ao movimento Novo
Realismo da França. A exposição da Janis Gallery foi interpretada por alguns como um esforço para
assimilar a arte pop ao movimento europeu e, por outro lado, como uma afirmação de que o
expressionismo abstrato havia chegado ao fim, pois Sidney Janis havia representado os mais
importantes artistas expressionistas. Abrir seu espaço para a arte pop e para os “novos realistas”
parecia ser uma traição aos valores da Escola de Nova York e uma adesão à turma dos “estúpidos
delinquentes mascadores de chicletes”. Vários artistas mais antigos deixaram a galeria em protesto.
Estabelecia-se então uma nítida divisão entre dois períodos da produção artística de Nova York, e
mais, entre dois períodos da história da arte, ainda que isso fosse menos evidente naquele momento.
De fato, os anos 60 presenciaram o fim do modernismo e o começo de uma era totalmente nova, que a
arte pop exemplificou. Mas o espírito pop era demasiadamente norte-americano para ser facilmente
assimilado aos novos realistas, que, em essência, expressavam valores europeus. O forte
americanismo do movimento pop provavelmente se acentuou com o fim da crise dos mísseis cubanos
em 20 de novembro de 1962. A súbita retirada da ameaça à forma de vida que os artistas pop
celebravam deve ter acrescentado certa luminosidade a inocentes artefatos da cultura norte-
americana como a sopa Campbell e a Coca-Cola. Eu me lembro de quando era bolsista da Fullbright
e assisti a uma palestra da escritora e jornalista Janet Flanner, correspondente da revista The New
Yorker na França, em que ela definiu o estômago como o mais patriótico de nossos órgãos, porque às
vezes o desejo de certos alimentos impossíveis de encontrar em Paris era incontrolável.
A primeira exposição de Warhol na Stable Gallery reuniu dezoito obras bastante heterogêneas:
três trabalhos seriados de cem latas de sopa, cem garrafas de Coca-Cola e cem notas de dólar, além
de Elvis vermelho – um painel com 36 cabeças de Elvis Presley. Havia duas pinturas sobre Marilyn
Monroe, uma das quais consistia na repetição de cinquenta cabeças de Marilyn, que pode ser
considerada pintura seriada [serial painting], tal como se pode considerar uma pintura em serigrafia
do jogador de beisebol Roger Maris, lançando uma bola, repetidas vezes, na frente de um receptor,
uma memória recorrente. Havia também Diagrama de dança, grande painel em preto e branco,
indicando onde pôr o pé direito e o esquerdo, junto com as linhas de conexão, para executar um
passo de dança; e Faça você mesmo (Flores), brilhante pintura do tipo com áreas numeradas para
colorir. Não havia imagens tiradas de histórias em quadrinhos, como as que tinham sido incluídas na
exposição da Bonwit Teller, já que Warhol preferira deixar esse gênero de arte pop para Roy
Lichtenstein. Finalmente, a exposição mostrou a primeira obra da série de pinturas de catástrofes,
129 morrem. Um crítico que escrevesse sobre essa exposição teria, sem dúvida, muita dificuldade
para juntar tudo isso num corpo coerente de obras. Mas a exposição deixou claro que havia muito
mais em Warhol que o pintor de latas de sopa.
Diagrama de dança e Faça você mesmo (Flores)relacionam-se com os anúncios granulados
expostos na vitrine de Bonwit Teller, se pensarmos neles como uma espécie de retrato do homem
comum ou da mulher comum, com seus inventários de pequenos achaques e dores, e com as
imperfeições cosméticas que os tornavam, pelo menos na opinião deles, pouco atraentes e, por
consequência, solitários e indignos de serem amados. Aprender a dançar seria um modo de combater
a solidão: abraçamos o parceiro enquanto a música toca e podemos sentir o calor do outro. Aprender
a pintar, comprando um kit e preenchendo de cores as áreas numeradas na tela, é um esforço patético
de autoaperfeiçoamento pela aquisição de uma “façanha” que não supõe talento algum. Isso tudo
apenas sublinha a distância entre a vida do cidadão comum e a das celebridades, fazendo-o sentir-se
inferior. Mas nem as celebridades são tão felizes assim. Marilyn Monroe suicidou-se no dia do
encerramento da exposição de Warhol na Ferus Gallery. Warhol pintou a cabeça de Marilyn como a
de uma santa sobre um campo de folhas douradas num ícone religioso. Santa Marilyn das Dores. Sua
beleza era uma máscara. A habilidade de Warhol como artista comercial mostrou-se útil quando ele
começou a fazer retratos de Marilyn Monroe. Ele traçou uma moldura em torno da cabeça da atriz
numa foto de divulgação do filme Torrentes de paixão e transpôs para a serigrafia. Isso transformou
o rosto dela numa máscara que ele reproduziu um sem-número de vezes. Ele próprio fez 24 retratos
de Marilyn, dos quais o mais espetacular é o Díptico de Marilyn, incluído em sua primeira
exposição na Stable Gallery. O trabalho merece uma descrição especial.
As cores dos retratos são espalhafatosas: no cabelo, um amarelo-cromo, nos olhos uma sombra
verde amarelada, da cor do licor Chartreuse, e um batom vermelho untuoso. Eram dois grupos de 25
retratos de Marilyn, coloridos à esquerda, e outros tantos em preto e branco à direita. Os retratos
coloridos são bem uniformes, ainda que sem a preocupação de as cores ocuparem com exatidão as
regiões que preenchem. Nos retratos em branco e preto há certa variação. Na segunda fileira da
esquerda, a tinta preta parece acumular-se na tela, como se uma sombra caísse sobre o rosto da atriz.
As feições vão empalidecendo até que no quadro de cima, do lado direito, o rosto parece
desaparecer do mundo à medida que percorremos o díptico com o olhar – como uma representação
gráfica de Marilyn morrendo sem que o sorriso lhe deixe a face. Nesse sentido, os cinquenta rostos
de Marilyn Monroe são muito diferentes da série de trinta e duas latas de sopa Campbell, sempre
uniformes e luminosas. Nestas, não há nenhuma transformação interna. No Díptico de Marilyn há
repetição, mas é uma repetição transformadora, na qual foram preservados os acidentes do processo
serigráfico como os graves e agudos extremos de um solo de saxofone de John Coltrane.
129 morrem é um trabalho anômalo. Trata-se da fotografia de um desastre de avião publicada na
primeira página do New York Mirror de 4 de junho de 1962. Henry Geldzahler, curador de arte
contemporânea do Metropolitan Museum, mostrou-a a Warhol dizendo: “Chega de vida. Está na hora
de um pouco de morte”. Ele queria que Warhol deixasse de lado a celebração do consumo e tratasse
de algo mais sério e profundo. Warhol dedicou boa parte do ano seguinte a fazer pinturas em
serigrafia sobre morte e desastre: batidas de carro, desastres de avião, protestos antirracistas,
suicídios, envenenamentos – as catástrofes que vemos todos os dias nos noticiários noturnos ou nos
tabloides, e que logo esquecemos, como se mortes violentas só acontecessem com os outros, com
gente que não conhecemos. Essas obras parecem ser ilustrações do epitáfio irônico de Marcel
Duchamp: “D’ailleurs, c’est toujours les autres qui meurent” [Aliás, são sempre os outros que
morrem]. Como o batedor de beisebol que sonha todas as noites com uma grande jogada, um
strikeout, os desastres são repetidos e repetidos, numa mesma moldura, para nos anestesiar do
horror. Ninguém morre duas vezes – “depois que houve a primeira, não há segunda morte”, escreveu
o poeta Dylan Thomas – embora Warhol tenha morrido, de fato, duas vezes. Mas o que significa
mostrar repetidamente a mesma pessoa morrendo da mesma morte? Warhol usou cores decorativas
nessas serigrafias: lilás-claro, cor-de-rosa, laranja e verde-folha, como se quisesse fabricar papéis
de parede. Às vezes, Warhol combinava lado a lado uma pintura do gênero das catástrofes com uma
tela vazia toda da mesma cor. Isso criava um efeito mais impressionante que a catástrofe vista
sozinha. Mas a combinação também estabelece um contraste, entre o mundo de desastres e
devastações e o vazio – o mundo esvaziado de ocorrências, o vazio em azul-claro.
A exposição de 1962 na Stable Gallery foi um enorme sucesso, de crítica e de receita, embora os
preços de Warhol fossem excepcionalmente modestos. Mas, de certa forma, Warhol foi arrastado
junto com seu trabalho, como se fosse inseparável dele, com sua peruca, sua vista fraca, sua pele
ruim, seus músculos mal definidos. Quem tinha ideia da verdadeira aparência de homens como
Lichtenstein, Oldenburg, Wesselman ou Rosenquist, a não ser que os conhecesse pessoalmente? Mas
Andy se tornou tão reconhecível quanto Charlie Chaplin ou Mickey Mouse. Ele era uma pessoa
pública. Depois da primeira exposição na Stable Gallery, Warhol virou Andy, o artista pop – um
ícone identificado com seu desconcertantemente óbvio trabalho e com o mundo que todo americano
vivia. Foi ele quem agarrou esse mundo e o transformou numa forma de arte que todos pensavam
compreender. Boa parte da publicidade lhe era negativa, mas abundante, e não tinha a menor
importância o que ela dizia.
Um dos melhores críticos da época respondeu ao que essa negatividade deixava intocado.
Michael Fried, culto e sofisticado como poucos colunistas de arte, entendeu as grandes verdades das
exposições na Stable Gallery:
Entre todos os pintores que hoje se dedicam à iconografia popular – ou dela são escravos –, Andy
Warhol talvez seja o mais determinado e o mais espetacular. Em seu trabalho mais forte – que
julgo ser os retratos de Marilyn Monroe –, Warhol mostra uma competência pictórica, uma
intuição segura para o vulgar (como na escolha das cores) e uma sensibilidade para o que há de
genuinamente humano e patético em um dos mitos exemplares de nossa época. Isso me parece
comovente.

A tragédia do lugar-comum – “beauty falls from air, queens have died young and fair”[3] – é tão
verdade em Nova York e Los Angeles nos anos 60 quanto foi em Paris e na Lombardia no tempo do
Renascimento. Diante do retrato de Marilyn, ninguém diria, “tão barato, tão vazio”. Ao nos oferecer
o mundo transfigurado em arte, Warhol ao mesmo tempo nos transfigurou e transfigurou-se. Mesmo
que as pinturas de Morte e desastre não vendessem, mesmo que os dias da arte pop estivessem
contados, os nossos começavam a ser a Era de Warhol. Uma era é definida por sua arte. A arte
segundo Andy era radicalmente diferente da arte que veio depois dele e através dele.

[1]“Elle a chaud au cul ” [Ela tem fogo no rabo]. [N.T.]


[2]V. Bockris, op. cit., p. 157.
[3]Em tradução livre, “A beleza desaba do ar, rainhas já morreram jovens e belas.” [n.e.]
O sucesso da sua primeira exposição na Stable Gallery elevou Warhol a um patamar de celebridade
que não era compartilhado com outros artistas do movimento pop. Na verdade, sua fama sobreviveu
ao próprio movimento, que mais que um movimento artístico foi um furor cultural, baseado na
impetuosidade e na inovação. A carreira artística de Warhol tomou uma direção bem distinta dos
seus colegas. Não foi a carreira típica do “artista em seu ateliê”, dedicado à criação de um conjunto
de trabalhos destinado a ser exposto regularmente numa galeria de arte, a colecionar resenhas
críticas e vender para importantes colecionadores. Mais do que qualquer outro artista de igual
importância, Andy intuiu de tal forma as grandes mudanças que caracterizaram os anos 60 e
contribuiu para modelar a época em que viveu, que sua arte foi ao mesmo tempo parte integrante
dessa época e a transcendeu. Ele inventou, por assim dizer, um estilo de vida inteiramente novo para
um artista, um modo de viver que incluía música, moda, sexo, uma linguagem própria, cinema, drogas
e… arte. Muito além disso, ele mudou o próprio conceito de arte; seu trabalho inspirou uma
transformação tão profunda da filosofia da arte que se tornou impossível pensar a arte como se fazia
poucos anos antes de Warhol aparecer. Pode-se dizer que ele foi motivo de uma profunda
descontinuidade na história da arte ao eliminar da concepção usual artística a maior parte do que
todo mundo julgava pertencer à essência dela. É preciso dizer que Picasso foi o artista mais
importante da primeira metade do século XX, por ter revolucionado a pintura e a escultura de maneira
profunda e libertadora. Warhol revolucionou a arte como tal. Suas decisões foram sempre
surpreendentes, e se não chegaram a popularizar tanto assim seu trabalho, hoje, olhando em
perspectiva, essas decisões parecem harmonizar-se muito bem com o espírito de sua época. É natural
pensar em nossa época como a Era Warhol, na medida em que ele imprimiu sua marca pessoal no
que era permissível.
Essa nova configuração conceitual da arte começou no início de 1964 com um conjunto de
trabalhos muito diferente de tudo o que ele tinha feito antes, e coincidiu com a mudança do seu centro
de operações de uma sede do corpo de bombeiros, nada funcional, para um novo espaço físico – uma
antiga fábrica no número 231 da East 47  Street, em Manhattan. O lugar, por sinal, passou a ser
chamado de “The Factory” [A Fábrica]. Com o tempo, a Factory se tornou muito mais que um local
de criação de arte. Passou a ser também um lugar em que pessoas identificadas com certo espírito
dos anos 60 podiam levar a vida típica da época. Parafraseando uma visão utópica projetada nos
textos de Rabelais, a Factory virou uma espécie de Abbey de Thélème, cujo lema era Fais ce que tu
voudras, “Faça o que quiser”. Na abadia de Rabelais, belos casais seguiam o caminho do amor
sexual onde quer que este os levasse. As pessoas que conseguiam entrar na Factory eram geralmente
belas e desorientadas, sem rumo, e, por isso, no melhor dos casos, o máximo que tinham a apresentar
era uma espécie de “piss glamour” [glamour ordinário] – usando o epíteto conferido a Edie
Sedgwick, a superstar arquetípica de Warhol. Muitas dessas pessoas acabaram destruídas pelo
ambiente de permissividade da Factory, fosse pelo sexo ou pelas drogas. No centro de tudo estava
Warhol, pessoalmente nem um pouco bonito, um trabalhador compulsivo que ao mesmo tempo se
dedicava à arte, dirigia o ateliê e usava os jovens desorientados que se agregavam à Factory como
fontes de inspiração em troca da permissão de observá-los. Na frente de Warhol, eles o chamavam
de Andy, e, por trás, chamavam-no de Drella – uma combinação de Drácula com Cinderela, apelido
que quase se tornou o seu nome oficial na Factory.
No entanto, a princípio, a Factory não se definia somente pelo trabalho, mas por um tipo de labor
repetitivo, quase fabril, onde Andy e uns poucos assistentes produziam em grandes mas
administráveis quantidades uma variedade de objetos tridimensionais, que o artista chamava de
esculturas, e que se assemelhavam a produtos industriais – objetos que são normalmente produzidos
para fins utilitários por máquinas especialmente projetadas; objetos impessoais, fabricados
mecanicamente, desprovidos de toda aura estética. Quando pensamos em escultura, lembramos de
Michelangelo, Canova, Rodin, Brancusi ou Noguchi, que criaram objetos únicos de beleza e
significado. Antes de Warhol, jamais ocorreria a alguém criar, como escultura, uma coisa semelhante
a uma caixa de papelão para transporte de mercadorias de consumo. Warhol não só fez exatamente
isso como usou um processo que, de certo modo, parodiava a produção em massa. Sua escultura tinha
a aparência de caixas, normalmente feitas de papelão corrugado, dentro das quais alimentos em lata
ou artigos de limpeza eram transportados desde as fábricas onde eram produzidos até os lugares onde
seriam vendidos aos consumidores, como supermercados. Caixas de papelão com logotipos ou
marcas impressas eram objetos extremamente familiares na vida cotidiana dos norte-americanos, que
as aproveitavam, depois de vazias, para guardar ou despachar coisas, além de outras funções
domésticas; seus logotipos continuavam, assim, a fazer publicidade dos produtos que embalavam,
produtos estes que, por sua vez, eram elementos comuns na vida doméstica. Mas Warhol estava
menos interessado em seu caráter cotidiano do que na estética de caixas fechadas, estocadas em
pilhas nos depósitos dos supermercados, como os olhos as viam. Para usar as palavras de seu
assistente, Gerard Malanga, ele “queria ser completamente mecânico em seu trabalho, como uma
fábrica de embalagens imprime informações em serigrafia nas caixas de papelão”. [1] E para tanto ele
precisava menos de um ateliê que de uma fábrica. Daí o nome de seu local de trabalho.
Malanga é nossa fonte principal sobre a confecção dessas caixas e sobre a ideia de Andy de
organizar a Factory segundo linhas industriais, um paradoxo porque as pessoas que participavam da
Factory eram tudo menos robôs. “Andy estava fascinado pelas prateleiras dos supermercados e pelo
efeito repetitivo, maquinal, que criavam […] Ele queria reproduzir esse efeito, mas logo descobriu
que a superfície de papelão era impraticável.” Como o efeito em questão é geralmente obtido pelo
empilhamento de caixas de papelão em armazéns e depósitos, é difícil entender o que havia de
errado com o papelão, que Warhol podia ter usado com muito menos esforço, simplesmente
comprando as embalagens dos fabricantes e tratando-as como ready-mades. É como se a realidade
não fosse mecânica o suficiente para se acomodar a imaginação de Warhol. É importante notar ainda
que o trabalho era tão central em sua concepção da arte que a ideia de usar como arte algo que não
resultasse do trabalho não teria interesse nenhum para ele.
O dadaísta Marcel Duchamp, com quem Warhol é muitas vezes comparado, havia introduzido na
arte o conceito de “ready-made” em uma série de trabalhos “criados” entre 1913 e 1917. Seu ready-
made mais famoso é o urinol que ele afirmou ter comprado numa loja de material hidráulico – um
vaso sanitário de louça branca fabricado pela empresa Mott Iron Works, que ele viu na vitrine de
uma loja. Duchamp acrescentou uma assinatura – de um tal R. Mutt, provavelmente um trocadilho
como nome Mott do fabricante –, uma data e fez história ao tentar que fosse aceito numa exposição da
Sociedade dos Artistas Independentes, que supostamente não tinha júri nem premiações. Na verdade,
o objeto foi recusado pelo comitê organizador da mostra, que argumentou que qualquer peça de arte
seria aceita, o problema é que aquilo não era arte. De repente, a questão do que é arte assumiu uma
nova forma. Os dadaístas originais, que se estabeleceram em Zurique para fugir da Primeira Guerra
Mundial, tinham decidido em 1915, em protesto contra as classes que consideravam responsáveis
pela Grande Guerra, pela recusa a fazer uma arte bela, justamente numa época em que predominava o
consenso de que a beleza era a essência da arte. Foi esse o primeiro embate do antiesteticismo que se
tornou uma corrente importante da arte moderna. Se a arte não tinha de ser bela, o que era preciso
para ser arte? Na minha opinião, Warhol levou a questão do que é arte a um novo patamar.
Refletindo sobre a história do modernismo como uma luta da arte para trazer à consciência o
entendimento do que ela, a arte, é, as “caixas de supermercado” de Andy Warhol estão entre as mais
importantes obras modernistas já feitas. Na verdade, ele pôs fim ao modernismo mostrando como se
deve responder à pergunta sobre o que é a arte.
Numa exposição de Warhol realizada em 1968 no Moderna Museet de Estocolmo, ele
encomendou ao fabricante do Brillo quinhentas caixas de papelão, que foram usadas para criar a
atmosfera de um depósito, mas as embalagens em si não eram obras de arte. Em 1968, as caixas de
supermercado, e especialmente as Brillo Box constituíam, junto com as pinturas da Lata de sopa
Campbell, a obra icônica por excelência de Warhol, de modo que toda retrospectiva genuína do
artista tinha de incluir caixas de supermercado, no ideal alguns exemplares da Brillo Box. Warhol
tinha pedido ao curador da exposição, Pontus Hulten, que fizesse uma encomenda especial de grande
número de caixas de Brillo para a mostra de Estocolmo, que ele pretendia doar ao Moderna Museet.
O mesmo pedido foi feito para a mostra de 1970 no Pasadena Art Museum, na Califórnia. Mas por
razões misteriosas, Hulten não atendeu ao artista. Havia alguns exemplares da Brillo Box de 1964,
mas a maioria eram simples caixas de papelão, que não constituíam obras de arte e não tinham valor
algum. No entanto, em 1990, após a morte de Warhol, Hulten mandou fabricar cerca de 120
exemplares da Brillo Box, que então certificou como tendo sido feitas em 1968, e vendeu-as por
muito dinheiro. Mas eram falsificações. Em compensação, um artista que trabalhava com
apropriações, Mike Bidlo, também fez uma série de “caixas de Brillo” na década de 1990, assinou-
as com seu próprio nome e intitulou Not Andy Warhol. As caixas de Bidlo, como parte do movimento
apropriacionista, são obras de arte de pleno direito, suscitam indagações próprias, mas não são mais
falsificadas que as caixas de Warhol. Tratar desse assunto aqui, no entanto, é uma digressão
inoportuna, de modo que retomarei agora a análise das caixas de supermercado, de 1964, “feitas na
Factory”.
Dado que as caixas de papelão usadas pelo fabricante Brillo – e por outras empresas cujas caixas
foram copiadas para a exposição de 1964 – não permitiam obter o efeito visual que Warhol
desejava, ele decidiu fazê-las de madeira, confeccionadas por marceneiros treinados em cortar e
encaixar de acordo com especificações recebidas. O trabalho de marcenaria não fazia parte do
processo artístico, tal como não faz parte da arte da pintura que o artista produza pessoalmente a tinta
que vai usar. Malanga encontrou uma marcenaria na 70 Street leste e encomendou centenas de caixas
de madeira de vários tamanhos, que foram entregues num caminhão na porta da Factory no dia 28 de
janeiro de 1964. Em meados da década de 60, já se tornara comum recorrer a artesãos quando o
artista não possuía as habilidades técnicas necessárias para criar os efeitos estéticos desejados.
Donald Judd, o escultor minimalista, por exemplo, contratava os serviços de uma oficina de
usinagem para confeccionar as caixas de metal que usava como esculturas, já que não conseguia fazer
à mão as pontas e as quinas perfeitas que são aspectos estéticos imprescindíveis das peças de metal
perfeitamente combinadas que compunham seus famosos “objetos específicos”. Na década de 90,
Jeff Koons costumava encomendar suas peças a artesãos que trabalhavam com cerâmica ou metal,
porque sabia que não tinha habilidade manual para fazê-las sozinho. Ele não era artesão, era artista
plástico. O artista tinha as ideias, não havia razão alguma para que ele próprio tivesse de
materializar essas ideias. A escultura de Robert Therrien consiste em itens domésticos corriqueiros
fabricados numa escala de cerca de 3,5 para um: enormes caçarolas, frigideiras, cadeiras dobráveis,
mesas de bridge de metal. Alguns trabalhos são pilhas de panelas ou pratos. Mesmo que ele pudesse
fazer esses objetos à mão, seria um desperdício de talento. Alguns artistas – Damien Hirst é o
primeiro nome que me vem à lembrança – mandam seus trabalhos para outros pintarem; com isso,
uma exposição de pinturas de Damien Hirst parece mais uma exposição coletiva. Desde Duchamp – e
certamente depois de Cage – o acaso foi incorporado ao trabalho artístico, de modo que é possível
imaginar que um artista possa pegar o nome de um pintor numa lista aleatória e depois exibir a
pintura, qualquer que seja o estilo ou o conteúdo, como sendo dele próprio. De qualquer modo, já
não faz parte do conceito de obra original que ela tenha sido confeccionada pelo artista que leva o
crédito. Basta que ele tenha concebido a ideia. Fazendo uma pequena digressão: pelo que sei,
nenhuma outra pessoa levou o crédito pela ideia de fazer caixas de supermercado da mesma forma
como fizeram, por exemplo, pela ideia de pintar latas de sopa ou a série de pinturas Morte e
desastre. A concretização da ideia incluía a repetição e o efeito de ser produzida à máquina, dois
aspectos centrais na estética de Warhol. E sua produção encaixava-se perfeitamente com a noção de
Warhol de querer ser uma máquina: “Gosto de que as coisas sejam exatamente as mesmas,
repetidamente”.
Não há grande diferença, sob certo ponto de vista, entre escolher um ready-made – uma pá de
varrer neve, um pente de metal, um porta-garrafas ou um acessório de encanamento – e mandar
confeccionar um objeto. Em ambos os casos, o objeto é produzido por outra pessoa e o artista recebe
o crédito por se tratar de uma obra de arte. Por outro lado, nem todo objeto pode ser um ready-made.
Em uma palestra que proferiu no Museum of Modern Art em 1961, Duchamp afirmou: “A escolha
desses ‘ready-mades’ nunca foi determinada pelo deleite estético. A escolha baseou-se numa reação
de indiferença visual e ao mesmo tempo numa total ausência do bom ou mau gosto […], na verdade,
uma completa anestesia”. [2] O projeto de Duchamp era polêmico, como sugere a palavra “gosto”. Na
estética clássica, o gosto, e especialmente o bom gosto, desempenhava um papel crucial por sua
ligação com o prazer. E nos anos 50 e começo dos 60, a arte remetia ao prazer visual – o que
Duchamp desdenhava como “o retiniano”. Quando o crítico Pierre Cabanne perguntou-lhe de onde
vinha sua atitude antirretiniana, Duchamp respondeu:

Da importância excessiva que se dá ao retiniano. Desde Courbet existe a crença de que a pintura
se dirige à retina. Era o erro de todo mundo. Os calafrios da retina! Antes, a pintura tinha outras
funções: podia ser religiosa, filosófica, moral […] Nosso país é completamente retiniano […]
Isso é absolutamente ridículo. Tem de mudar. [3]

Em certo sentido, Warhol foi um seguidor de Duchamp. Quando ele pediu a um assistente, Nathan
Gluck, que comprasse umas caixas de papelão num supermercado perto de sua casa, ficou
decepcionado quando Gluck voltou trazendo caixas com desenhos elegantes. Ele queria uma coisa
mais comum. Malanga intuiu suas necessidades: “As marcas escolhidas foram duas versões de
Brillo, o ketchup da Heinz, cereais Kellog’s e suco de maçã da Mott”. (Ele tinha deixado de lado os
pêssegos em calda Delmonte e a sopa de tomate Campbell.) Mas Warhol não era contrário ao
esteticismo da mesma forma que Duchamp. O que Duchamp estava procurando era libertar a arte da
necessidade de agradar aos olhos. Estava interessado numa arte intelectual. Os motivos de Warhol
eram mais políticos. Andy realmente celebrava a vida americana cotidiana. Ele realmente gostava do
fato da comida americana ser sempre a mesma, e ter um sabor previsivelmente igual.

O que há de melhor neste país é que a América deu início à tradição pela qual os consumidores
ricos compram essencialmente a mesma coisa que os pobres. Você está diante da televisão e vê
um anúncio da Coca-Cola, e sabe que o presidente dos Estados Unidos bebe Coca-Cola, Liz
Taylor bebe Coca-Cola, e você também pode beber Coca-Cola. Uma Coca é uma Coca, e não há
dinheiro que possa conseguir-lhe uma Coca-Cola melhor que aquela que o cara da esquina está
bebendo. Todas as Coca-Colas são iguais e todas as Coca-Colas são boas. Liz Taylor sabe disso,
o presidente sabe disso, o cara da esquina sabe, e você sabe. [4]

A arte de Andy Warhol é, em certo sentido, uma celebração da arte que todo americano conhece.
Suas caixas talvez tenham sido inspiradas na famosa canção de protesto, “Little Boxes”, escrita por
Malvina Reynolds em 1962 e popularizada por Pete Seeger em 1963. A canção é uma sátira à
proliferação de certos agrupamentos residenciais em que uma casa parecia igualzinha à outra. O
McDonald’s é, com certeza, o protótipo da uniformidade universal em matéria de alimentação,
sempre escolhido onde quer que haja um protesto contra a globalização. Mas, como sabemos, Andy
gostava que tudo fosse o mesmo. Achava que isso é o que havia de notável nos Estados Unidos.
Afinal de contas, ele cresceu na miséria, num bairro carente da cidade de Pittsburgh. Certa vez, disse
que cresceu “no pior lugar que já vi na vida”. [5] As “caixinhas” pareciam palácios em comparação à
favela que ele conheceu quando criança em Pittsburgh. A comida quentinha, saborosa, nutritiva dos
supermercados era um luxo diário. Em comparação com a miséria opressiva em que ele cresceu, as
portas contra tempestades e as geladeiras que ele pintou eram a materialização do calor e da
satisfação, tal como os cobertores e a gordura foram os antídotos contra o frio e a fome no sistema
simbólico de Joseph Beuys. A expressão “ticky-tacky” [6] pejorativamente aplicada às “caixinhas”
pelos que protestavam contra a pobreza espiritual da vida nos subúrbios, denunciava o fato de que
aqueles que usavam a expressão tinham perdido de vista as necessidades fundamentais pelas quais as
vítimas da fome e do frio dariam a vida. “Eu amo a América”, disse Warhol certa vez, “e estes são
alguns comentários sobre ela. Minha Storm Door [Porta contra tempestades] de 1960 é um
testemunho dos produtos grosseiros e impessoais, e dos audaciosos objetos materiais sobre os quais
a América se ergue hoje. É uma projeção de tudo que pode ser comprado e vendido, dos símbolos
práticos e impermanentes que nos sustentam.” E, numa entrevista sobre a arte pop, ele declarou:

Os artistas pop fizeram imagens que qualquer um que passeie pela Broadway é capaz de
reconhecer num piscar de olhos – gibis, mesas de piquenique, calças masculinas, celebridades,
cortinas de chuveiro, geladeiras, garrafas de Coca-Cola –, todas as maravilhosas coisas modernas
que os expressionistas abstratos fizeram tanto esforço para não notar. [7]

Mas quem, antes do artista pop, teria pensado em fazer esculturas com caixas de supermercado?
De todo modo, agora que compreendemos por que as caixas tinham que ser feitas de madeira e
montadas por marceneiros, vamos voltar à maneira semifabril como foram construídas as caixas de
supermercado. Depois de entregues na Factory, Andy e seus assistentes começavam a “árdua tarefa
de forrar o chão com rolos e rolos de papel pardo e pôr cada caixa dentro de um padrão semelhante a
uma grade de oito fileiras de comprimento”. Na realidade, a Factory estava sendo decorada de uma
forma que a tornava o mais diferente possível de uma manufatura. Parede e tetos estavam sendo
cobertos de papel de alumínio prateado ou de tinta prateada por Billy Linich, um morador boêmio da
downtown, que teria um papel decisivo na determinação da demografia do que viria a ser chamado a
Silver Factory [Fábrica Prateada], na qual Linich era uma espécie de faz-tudo e supervisor. Ao
mesmo tempo, ele tinha de trabalhar junto com Malanga na pintura das caixas com tinta acrílica
branca ou marrom para ficar igual às cores originais das embalagens de papelão. Malanga, um poeta,
fora contratado logo cedo para ajudar Andy nas serigrafias, no endereço do Hook and Ladder, o
posto do corpo de bombeiros que servira de ateliê temporário.
Enquanto isso, as caixas de papelão eram achatadas e um técnico preparava os estênceis para a
impressão serigráfica. Depois de seca a primeira camada de tinta, Warhol e Malanga começavam a
imprimir a serigrafia nas caixas pintadas, criando réplicas perfeitas do que se via em embalagens de
sucos de fruta ou de enlatados, ou nas caixas mais célebres, das esponjas de aço Brillo. Os
“operários da Factory” trabalhavam em cada caixa separadamente e completavam dois lados de
determinado tipo de embalagem por dia. O fundo ficava em branco, e sem assinatura. Malanga diz
que as caixas de supermercado eram “literalmente, fotografias tridimensionais dos produtos
originais”, o que explica por que pareciam tanto com os originais. É claro que a tela serigráfica
acumula tinta em certos lugares, ou a tinta escorre e goteja. Mas Andy nunca descartou nada. Para
ele, essas “imperfeições” faziam parte do processo. Assim, as caixas feitas na Factory não passariam
pelo exame de controle de qualidade de uma fábrica verdadeira. Elas pareciam, de certa forma,
mecânicas demais, vistas à distância. Na opinião de Warhol, os acidentes faziam parte do processo,
e por isso ele não corrigia nada. E essas duas características – a reprodução mecânica e a não
correção dos eventuais defeitos – se tornaram parte integrante da estética de Warhol, não importa o
meio ou suporte com que trabalhasse.
Leitores de Wittgenstein podem se surpreender, como eu mesmo me espantei, com essa descrição
do processo de criação das caixas de supermercado na Silver Factory e a descrição que o filósofo
faz do “jogo de linguagem” em suas Investigações filosóficas. O “jogo de linguagem” é uma situação
altamente simplificada em que um pequeno número de objetos é associado a um pequeno número de
palavras. Wittgenstein descreve assim o jogo de linguagem:

A linguagem deve servir ao entendimento de um construtor A com um ajudante B. A constrói um


edifício usando pedras de construção. Há: blocos, colunas, lajes e vigas. B tem que lhe passar as
pedras na sequência em que A delas precisa. Para tal objetivo, eles se utilizam de uma linguagem
constituída das palavras: “bloco”, “coluna”, “laje” e “viga”. A grita essas palavras; – B traz a
pedra que aprendeu a trazer ao ouvir este grito. – Conceba isto como uma linguagem totalmente
primitiva. [8]

A linha de montagem da Silver Factory incluía um artista – Warhol – e dois assistentes, Malanga
e Linich. Warhol grita “caixa” e um dos assistentes traz a caixa. Warhol grita “estêncil” e eles trazem
o estêncil e colocam-no em posição. Warhol depois grita “rodo” etc. Ordens e obediência às ordens
repetidas em rápida sucessão permitiam criar uma quantidade suficiente de caixas de supermercado
para uma exposição. Se essa descrição lança um pouco de luz na noção um tanto enigmática de “jogo
de linguagem” não posso garantir, mas as ressonâncias entre os dois esquemas me ocorreram durante
um sonho enquanto escrevia este livro, e, para o bem ou para o mal, não resisti à tentação de registrá-
lo aqui.
A comparação nos leva à grande questão filosófica suscitada pelas caixas de supermercado. As
Brillo Box da Factory, a despeito de eventuais acidentes no processo de confecção, parecem
exatamente iguais às embalagens de papelão que vemos nos depósitos de qualquer supermercado
americano. Fred MacDarrah tirou uma fotografia de Andy em pé em meio a pilhas de suas Brillo
Box, mas uma pessoa pouco familiarizada com a vanguarda artística em 1964 pensaria tratar-se de
uma fotografia de um pálido funcionário da loja entre as caixas que lhe cabia desempacotar. A bem
da verdade, uma pessoa pouco habituada à arte de vanguarda nessa época não veria arte naquelas
caixas. Em termos ainda mais incisivos, pode-se dizer que seria impossível que as caixas de Warhol
fossem arte muito antes de 1964. O grande historiador da arte Heinrich Wol±in disse que nem tudo é
possível em todas as épocas. A história da arte sempre está aberta a novas possibilidades, mas não
teria aberto a possibilidade de um objeto como uma caixa de Brillo ser arte, digamos, em 1874,
quando a pintura impressionista era a vanguarda. Se um objeto desses existisse nessa época, é
possível que um pintor impressionista o tivesse pintado – mas não estaria fazendo uma obra de arte.
Ele teria pintado um objeto com uma função qualquer, mas não seria arte. Os impressionistas fizeram
enormes esforços para que suas pinturas fossem aceitas como arte em 1874. Muitos viam em suas
telas nada mais que trapos sujos de tinta. Para tomar como arte as Brillo Box da Factory seria
preciso conhecer um pouco da história da arte recente – saber alguma coisa sobre Marcel Duchamp,
por exemplo – e compreender o que levaria alguém a mandar fazer centenas de objetos exatamente
iguais aos que podem ser vistos em qualquer supermercado dos Estados Unidos. Por que as caixas de
Andy Warhol eram arte e suas contrapartidas reais, simples embalagens utilitárias, não tinham
nenhuma pretensão ao status de arte? A indagação sobre a definição de arte fazia parte da filosofia
desde o tempo de Platão. Mas Andy nos obrigou a repensar a questão de modo inteiramente novo. O
novo formato da antiga questão era a seguinte: dados dois objetos de aparência exatamente igual,
como é possível que um deles seja uma obra de arte e o outro, apenas um objeto comum? Uma
resposta poderia ser que as caixas de Andy eram feitas de madeira e as caixas comuns de Brillo eram
feitas de papelão corrugado. Mas é óbvio que a diferença entre arte e realidade não pode consistir da
diferença entre madeira e papelão! Afinal de contas, há muitas caixas feitas de madeira que servem,
por exemplo, para transportar garrafas de vinho. Outra resposta poderia ser que as caixas de Andy
contêm muitos erros de impressão ao passo que as embalagens comerciais de Brillo são impecáveis.
Mas, ainda que as caixas de Andy fossem igualmente impecáveis, a diferença entre arte e realidade
se manteria.
A verdade é que o autor do projeto gráfico da caixa de Brillo comercial também era artista –
James Harvey, pintor expressionista abstrato que trabalhava como designer de embalagens. Harvey
ficou espantado quando viu, durante a inauguração da exposição das caixas de supermercado de
Andy, que a Stable Gallery estava vendendo por centenas de dólares as caixas que ele tinha
projetado, enquanto as dele não valiam nada. Mas Harvey, com certeza, não julgava que suas caixas
fossem arte. Elas eram reconhecidamente arte comercial, e como tais, excelentes. Deve ser possível
explicar por que todo mundo se lembra da caixa de Brillo, mas não, por exemplo, das caixas de suco
de maçã da Mott. Não cabe a Warhol o mérito pela genialidade do projeto gráfico da Brillo Box; o
mérito é todo de Harvey, mas cabe a Warhol o crédito por transformar em arte o que não passava de
um objeto absolutamente corriqueiro da vida cotidiana. Foi ele quem transformou em escultura o que
ninguém considerava arte. E repetiu o feito com caixas de design ainda mais anódinos que a
embalagem de Brillo, como a caixa de cereais Kellogg’s. Cada uma das oito variedades de caixas
era uma escultura, e não apenas a Brillo Box.
O escritor Edmund White escreveu que

Andy pegou uma a uma as definições da palavra arte e as contestou. […] A arte revela o rastro da
mão do artista: Andy recorreu à serigrafia. Uma obra de arte é um objeto único: Andy produziu
múltiplos. Um pintor pinta: Andy fez filmes. Arte e trabalho comercial de finalidade utilitária se
distinguem: Andy especializou-se em pintar latas de sopa Campbell e notas de dólar. A pintura se
contrapõe à fotografia: Andy reciclou fotos instantâneas. Uma obra de arte é o que um pintor
assina, prova de sua escolha criativa, de suas intenções: Andy assinava qualquer objeto. A arte é
uma expressão da personalidade do artista congruente com seu discurso: Andy mandou um sósia
em seu lugar numa turnê de palestras. [9]

Cabe notar que Andy não assinou as embalagens de supermercado. De resto, White tem razão:
Andy contestou quase tudo o que os filósofos disseram sobre a arte. E é muito fácil entender por que:
nada que a caixa de Brillo e a Brillo Box de Andy têm em comum faz parte da definição de arte, pois
elas são – ou parecem ser – absolutamente iguais. Em consequência, o que faz de um objeto uma obra
de arte deve ser invisível a olho nu.
Não vou me aprofundar aqui no que os filósofos denominam ontologia da obra de arte – o que é
uma obra de arte –, quais as condições necessárias para que um objeto seja uma obra de arte. A esse
respeito, peço ao leitor que procure meus estudos sobre filosofia da arte. Em contraposição, os
vários desafios de Andy às definições dos filósofos e outros pensadores sobre a arte são
insignificantes se comparadas às caixas de supermercado. Considerando que ele descobriu o
exemplo de um objeto real e uma obra de arte, por que todas as coisas não podem ter um homólogo
que seja obra de arte de maneira que, no fim, qualquer coisa possa ser uma obra de arte? Isso aponta,
no mínimo, para uma nova era em que não se poderá distinguir as obras de arte das coisas reais, pelo
menos em princípio – o que chamei de “O Fim da Arte”. Alguns críticos me perguntam por que acho
que Warhol pôs fim à história da arte da maneira como a entendíamos antes – por que não Duchamp
com seus ready-mades? Ora, a verdade é que Andy fazia suas caixas, enquanto Duchamp, de maneira
geral, não podia fazer seus ready-mades. Só que nem todo objeto pode ser um ready-made, já que
Duchamp os restringia a objetos indistinguíveis do ponto de vista estético. Mas por que fazer essa
restrição, a não ser que se tenha uma persistente aversão à arte retiniana? Uma coisa deve ser dita a
respeito das Brillo Boxes: elas são muito bonitas. Minha esposa e eu temos uma há anos, e ainda nos
maravilhamos com sua beleza. Por que teríamos de conviver com objetos esteticamente
desinteressantes em vez de coisas tão bonitas quanto a Brillo Box?
A segunda e última exposição de Andy na Stable Gallery foi inaugurada no dia 21 de abril de
1964. Havia caixas de supermercado empilhadas por todo o espaço da galeria, do chão ao teto. No
salão da frente, estavam as já famosas esculturas da Brillo Box, em vermelho e azul sobre fundo
branco. As caixas de cereais Kellogg’s ficaram na sala dos fundos. A galeria ocupava o andar térreo
de uma luxuosa residência na 74 Street, mais tarde incorporada ao Whitney Museum, e serve
atualmente de entrada lateral do museu. O piso do saguão era de ladrilhos de mármore branco e
preto, à direita havia uma elegante escadaria de corrimão em latão polido. Entrava-se na galeria por
uma larga porta de mogno, que durante o curto período da exposição simulava a aparência utilitária
de um depósito. O contraste entre a requintada entrada do prédio e o espaço da galeria sugeria o
contraste entre o sonho e a realidade – como se de repente fôssemos transportados para um espaço
utilitário rudimentar, radicalmente diferente da atmosfera aristocrática da Madison Avenue e da
região nobre do leste de Manhattan. Adentrar a exposição era como vivenciar uma experiência
surrealista. A instalação da mostra era de Billy Linich e ficou em minha lembrança como uma
espécie de selva, bem diferente da organização geométrica que Andy Warhol imaginara. O
espectador seguia por uma trilha determinada entre as fileiras de caixas empilhadas, de modo que o
salão não estava abarrotado, embora a exposição fosse de visita imprescindível para qualquer
pessoa interessada em arte naquele tempo, e na noite do vernissage as filas de visitantes
atravessassem as portas da galeria e se prolongassem até as ruas. Mas isso se devia ao fato de que só
havia espaço para um punhado de pessoas por vez dentro da exposição. A maior parte dos estudos
críticos e filosóficos sobre a Brillo Box tende a concentrar-se em caixas individuais, já que o
contraste entre arte e realidade reside nelas. A palavra “instalação”, como gênero distinto de arte,
apareceu pela primeira vez no Oxford English Dictionary em 1969, mas certamente já era usada
muito antes disso. É inegável que a decisão de Warhol de fazer as caixas de madeira já sugere o
efeito que ele desejava obter ao apresentá-las cuidadosa e corretamente empilhadas uma ao lado da
outra, mas é difícil afirmar que a segunda exposição na Stable Gallery mostrava somente uma obra. A
maioria dos estudos críticos e filosóficos sobre a Brillo Box trata cada embalagem como uma obra
individual devido à sua relação com as caixas individuais dos supermercados. Ao mesmo tempo, é
possível imaginar que Andy mostrasse caixas individuais em cima de pedestais, como se fossem
retratos de embalagens para transporte de Brillo, ou mesmo presas de algum modo à parede, ou
arrumadas em praleteiras. Mas Warhol não quis fazer nada disso – embora as víssemos expostas
desse modo em museus e galerias de arte. A verdade é que ele queria causar uma forte impressão no
espectador, empilhando as caixas no chão à maneira das pilhas de pneus de automóveis velhos que
Allen Kaprow instalou no pátio da Martha Jackson Gallery, pertinho da Stable Gallery. Kaprow usou
a palavra “environment” [ambiente] que se contrapõe à palavra “ensemble” [conjunto de elementos
com propriedades comuns] que Louise Nevelson usou para identificar sua grande exposição de 1958
na Nierendorf Gallery. Ela imaginou a galeria como uma gigantesca escultura ou um “ensemble”.
“Tudo deve estar bem encaixado, fluir sem esforço, e eu também tenho de me encaixar”, explicou a
um repórter do New York Times. Nada poderia estar mais distante do conceito de “ensemble” que
uma galeria de arte repleta de caixas de supermercado!
A exposição foi um grande sucesso de crítica, mas não chegou a ser um sucesso comercial. Muitas
caixas sobraram ao final. No começo de 1965, um negociante de arte de Toronto tentou importar
oitenta caixas para o Canadá, mas esbarrou em entraves da alfândega canadense. Na condição de
esculturas, as caixas poderiam entrar no país sem ter de pagar taxas de importação, mas a alfândega
canadense classificou-as como mercadorias e exigiu o pagamento da tarifa de 4 mil dólares. Situação
semelhante à do célebre caso do Pássaro no espaço, de Brancusi, que acabou nos tribunais quando a
alfândega dos Estados Unidos recusou-se a reconhecer a obra como arte, classificou-a na categoria
de utensílios de cozinha e materiais hospitalares e exigiu o pagamento de uma tarifa. (A propósito, o
preço da escultura de Brancusi em 1927 era 240 dólares, enquanto as caixas de Warhol eram
avaliadas em 250 dólares.) O assunto foi comunicado ao dr. Charles Comfort, diretor da National
Gallery do Canadá, que ao ver fotografias das caixas de supermercado concordou com a avaliação
da alfândega. “Vi que não se tratava de esculturas”, declarou.
O fiasco tinha um aspecto filosófico, e cômico. Nos anos 60, graças em boa parte a obras como a
Brillo Box, os filósofos despertaram para a questão que delineei acima: o que constitui uma obra de
arte, especialmente a Brillo Box, que para muitos fins práticos parece ser um objeto corriqueiro de
supermercado. Uma linha de pensamento, ainda muito discutida, foi proposta pelo filósofo norte-
americano, George Dickie, numa definição conhecida como “Teoria institucional da arte”. Para
Dickie, obra de arte é (1) um artefato e (2) o que o mundo da arte considera ser “candidato à
apreciação”. O caso do dr. Comfort demonstra que o mundo da arte não é homogêneo, e os diretores
de museu certamente fazem parte dele. Talvez seja melhor pensar o mundo da arte como um
eleitorado, e considerar como arte aquilo que a maioria dos seus membros elege como tal. Sem
dúvida, há muito mais que um consenso na definição do que é arte. Essencialmente, é preciso haver
razões para que algo seja arte. No grande diálogo do Eutifro, Sócrates examina o argumento de que
uma coisa é santa se os deuses a amam. Eles a amam porque é santa, pergunta Sócrates, ou ela é santa
porque eles a amam? Se a amam porque é santa, pode-se descobrir quais são suas razões – e,
portanto, podemos ser juízes do que é santo e do que não é. Se, por outro lado, é santa porque eles a
amam, resta a questão de saber por que isso deve nos interessar. A arte é assim. Na cena de um filme
usada por Ric Burns, uma mulher interroga o artista: “Andy, o porta-voz do governo canadense disse
que não é possível descrever sua arte como escultura original. Você concorda?”. E Warhol responde:
“Sim”. “Por que você concorda?”, pergunta a repórter. “Bem, porque não é original”, diz Warhol.
“Então você imitou um artigo banal?”, indaga a mulher. “Sim”, replica Warhol. A entrevistadora
começa a exasperar-se: “Por que você se deu ao trabalho de fazer isso? Por que não criou uma coisa
nova?”. “Porque é mais fácil de fazer”, respondeu Warhol. “Então o que você está fazendo é uma
espécie de pegadinha com o público”, diz ela. “Não. É só pra me ocupar.” Andy está de óculos
escuros e fala o tempo todo de um modo afetado que combina perfeitamente com o ar de burrice que
ele costumava usar como uma espécie de camuflagem. Ao lado dele, está o diretor da Castelli
Gallery, Ivan Karp, com um sorriso amarelo. Andy havia deixado a Stable Gallery. A Castelli era a
galeria certa para ele. Leo Castelli era o grande juiz do que era novo e relevante na arte dos anos 60.
Era o representante comercial dos heróis de Andy – Robert Rauschenberg e Jasper Johns. Karp
justificara sua decisão inicial de não representar Warhol porque na época achava que os trabalhos
dele eram muito semelhantes aos de Lichtenstein, mas agora que o artista adotara a escultura havia
lugar para ele. A Castelli era a galeria dos sonhos de Andy desde que ele decidiu se tornar artista.
Eleanor Ward fora humilhada pelas caixas de supermercado, e houve alguns conflitos entre os dois
em torno de questões financeiras. Além de agir de maneira ambígua com relação às caixas, ela
achava que a série de trabalhos Morte e desastre não tinha mercado nos Estados Unidos. A primeira
exposição de Andy na Castelli Gallery reuniu pinturas de flores, e vendeu muito bem. Quem sugeriu a
ideia da série das flores, mais uma vez, foi Henry Geldzahler, que disse a Warhol que ele havia
esgotado o tema da morte, a hora era de falar um pouco da vida. As pinturas de flores também foram
exibidas em Paris, na galeria dirigida por Ileana Sonnabend, onde o crítico norte-americano Peter
Schjeldahl, que na época se dedicava à poesia, teve a oportunidade de vê-las. Schjeldahl se mudara
para a França para fazer literatura, seguindo a trilha de tantos outros jovens artistas que haviam dado
as costas para sua cultura nacional. Quando viu as flores de Warhol, ele compreendeu que estava no
país errado, como gosta de dizer, e logo começou a planejar seu regresso aos Estados Unidos, onde a
arte era real.

[1]Gerard Malanga, Archiving Andy Warhol. Nova York: Creation, 2002, p. 34.
[2]Marcel Duchamp, “A Propos of ‘Readymades’” (conferência no Museum of Modern Art, 1961), in K. Stiles e P. Selz (orgs.),
Theories and Documents of Contemporary Art: A Sourcebook of Artists’ Writings. Berkeley: University of California Press, 1996, p.
21.
[3]Pierre Cabanne, Dialogues with Marcel Duchamp. Nova York: Da Capo, 1971, p. 43 [ed. bras.: Marcel Duchamp: engenheiro
do tempo perdido, trad. Paulo José Amaral. São Paulo: Perspectiva, 1987].
[4]Kynaston McShine (org.), Andy Warhol: A Retrospective. Nova York: Museum of Modern Art, 1989, p. 458.
[5]Steven Watson, Factory-Made: Warhol and the Sixties. Nova York: Phaidon, 2003, p. 5.
[6]Termo coloquial para material de construção de baixa qualidade usado em casas pré-fabricadas popularizado pela canção de
Reynolds. [N.T.]
[7]K. McShine (org.), op. cit., p. 461.
[8]Ludwig Wittgenstein, Philosophical Investigations. Oxford: Blackwell, 1958, i, p. 2 [ed. bras.: Investigações filosóficas, trad.
Marcos G. Montagnoli. Petrópolis: Vozes. 2008.]
[9]K. McShine (org.), op. cit., p. 441.
Uma das poucas obras de ficção que conheço baseadas em Andy Warhol e a Factory – Who Killed
Andrei Warhol? [Quem matou Andrei Warhol?] – é um diário escrito por um jornalista soviético que
chega aos Estados Unidos no começo de 1968 para cobrir o que julga ser a revolução inevitável.
Nessa época, Warhol já tinha transferido a Factory da 47th Street para um prédio na Union Square,
onde também funcionava a sede do Partido Comunista Americano. O atrapalhado jornalista está
convencido de que “Andrei” é um artista proletário e seus trabalhos são o verdadeiro realismo
socialista. “Ele é realista socialista até a medula”, escreve no diário, “mas conseguiu transpor essa
forma de arte para as condições capitalistas. E, nesse processo, subverteu o capitalismo.”[1] Esse
prodigioso erro de interpretação não é muito diferente do que alguns críticos marxistas europeus
escreviam sem parar sobre Warhol nos jornais de esquerda. Os mais moderados disseram que
Warhol satirizava a cultura capitalista. De fato, os artistas do bloco soviético consideravam a arte
pop absolutamente libertadora: a arte sots, como os pintores dissidentes soviéticos Komar e
Melamid designavam sua arte, era uma forma de ridicularizar a pintura soviética oficial, com suas
imagens de nobres operários e camponeses superando heroicamente suas cotas de trabalho. Mas,
como vimos, a arte de Warhol era enaltecedora e patriótica. Ele era um liberal, simpático aos
democratas, que desejava – como declarou certa vez a um de seus colaboradores – ser capaz de ser
republicano, mas não conseguia virar a casaca. Em 1972, Warhol imprimiu um cartaz em serigrafia
mostrando Nixon com um rosto esverdeado assustador. Na margem inferior, ele escreveu a frase:
“Vote em McGovern” – o adversário democrata de Nixon nas eleições presidenciais daquele ano.
Warhol doou a renda da comercialização do pôster ao Partido Democrata; o cartaz vendeu tanto que
o artista se tornou o maior doador individual do partido. As consequências foram as sucessivas
auditorias realizadas pela Receita Federal nas contas da Factory. É por isso que nos Diários, que
incluem relatos de suas conversas telefônicas cotidianas com sua fiel assistente Pat Hackett, Warhol
faz questão de lembrá-la de obter recibos.
Se o jornalista soviético tivesse visitado a Silver Factory no começo de 1964, teria visto Andy e
seus colaboradores imitando operários a produzir caixas de mercado em série, assim como Maria
Antonieta e suas criadas brincavam de ordenhar vacas na pequena e elegante Laiterie de la Reine
[Leiteria da rainha] no castelo de Rambouillet (caso o jornalista soubesse dessa história). Pelo que
sei, depois da segunda exposição na Stable Gallery, Warhol nunca mais trabalhou em esculturas; a
edição de 1970 da Brillo Box era pré-fabricada, assim como as Nuvens prateadas que formaram, ao
lado do papel de parede com a gravura de uma vaca, sua primeira mostra na Castelli Gallery. Em
1965, Warhol decidiu “aposentar-se” da pintura. Seu ímpeto criador havia se voltado principalmente
para o cinema e a televisão. A Silver Factory transformou-se num estúdio cinematográfico.
No início da década de 60, Warhol encantou-se com o florescente, embora um tanto primitivo,
movimento do “cinema underground” de Nova York. Seus primeiros filmes registravam gente comum
realizando atividades básicas da vida – comer, dormir, cortar o cabelo, fumar, beber e fazer sexo.
Esses temas podem ser vistos como uma continuidade dos objetos de suas antigas pinturas – latas de
sopa, portas contra tempestades, geladeiras, embalagens de mercado –, o corriqueiro e cotidiano, o
que todo mundo faz em todos os lugares na maior parte do tempo. Tudo era interessante, nada era
mais interessante que qualquer outra coisa. O puro fascínio pelo que todos conhecem bastava para
justificar filmes de qualquer duração, em que nada de mais empolgante acontecia do que o registro
do ato em um rolo de filme. Desde o princípio, além disso, a Silver Factory tornara-se uma espécie
de “espaço cênico” – um lugar onde as pessoas chegavam de repente e se integravam ao que estava
acontecendo. Um lugar sem dúvida muito mais aberto e livre que qualquer ateliê de arte da época.
Trabalhava-se, é claro, mas muitas outras coisas aconteciam lá além de trabalho. A atividade
cinematográfica de Warhol já estava bem adiantada quando ele iniciou o projeto das caixas de
supermercado, e não se pode negar que o glamour dos filmes representava um forte atrativo para
gente bonita e especialmente talentosa. O primeiro filme de Andy, Sleep [Sono] foi um presente, por
assim dizer, ao seu namorado da época, o poeta John Giorno. A ideia era que o filme transformaria
Giorno num astro do cinema. Assim, desde o começo, fazer filmes teve para Warhol o sentido de um
ato de amor.
O historiador da arte Leo Steinberg escreveu certa vez um interessante ensaio sobre um gênero
peculiar de trabalho artístico de Picasso, que consistia numa figura, geralmente um homem, a
observar uma mulher dormindo. Steinberg refere-se a essas figuras como sleepwatchers,[2] ou seja,
um tipo especial de voyeur. “O artista deve ter sabido desde o começo que o tema era antigo”,
escreveu Steinberg. “Cenas de ninfas dormindo observadas por machos em vigília – relacionadas à
visão e ao desejo – são parte da grande tradição da arte, na Antiguidade e, novamente, a partir do
Renascimento.”[3] Não sei se fizeram gravuras underground mostrando um amante gay a observar o
sono do outro. Giorno fez questão de dormir numa época em que a maioria das pessoas,
especialmente os usuários de anfetaminas, tentava sobreviver com o mínimo de sono possível. Mas a
existência da tradição que Steinberg assinalou sugere que observar o sono do outro tem a ver, se não
com o amor, certamente com sexo. Giorno publicou um relato bastante franco sobre os bastidores do
filme. Ele e Warhol eram namorados, Giorno faz questão de explicar que os dois se amavam – Andy
chegou até a apresentá-lo à sua mãe! Mas a relação sexual entre eles era difícil porque Giorno
achava Warhol fisicamente pouco atraente. “Acontece que ele era feio, ele sabia disso, e ninguém
quer comprometer sua própria reputação”.[4] As mulheres são menos exigentes nesses aspectos que
os gays masculinos, mas Giorno era bondoso, e eles acharam um jeito de contornar os obstáculos
estéticos. “Eu fazia porque ele queria muito. Ele era patético, e eu o amava muito.” Enfim, Andy era
um sleepwatcher. Giorno conta que, às vezes, ao acordar de um sono profundo depois de uma noite
de bebedeira, deparava-se com Andy olhando para ele. E, quando perguntava o que ele estava
fazendo, Andy respondia: “Assistindo você dormir!”.
Andy começou a filmar Sleep em agosto de 1963. A filmagem levou um mês, sobretudo porque
ele não sabia usar a câmera Bolex, um tanto primitiva, que havia comprado. Gastou milhares de rolos
de filmes de quatro minutos, mas não sabia montá-los. No fim, Warhol, como de costume, resolveu
“aproveitar tudo”. Ele tinha feito a mesma coisa com fotos tiradas em cabines de foto automática,
como se mostrar o mesmo rosto em muitas expressões o poupasse da necessidade de escolher, e de
certa forma, o permitisse se apossar da pessoa inteira. Giorno descreveu uma projeção especial de
Sleep para Jonas Mekas, decano do cinema underground dos anos 60 em Nova York. Mekas tinha
publicado um still de uma cena do filme na revista Film Culture, e organizou uma première mundial
“num velho cinema caindo aos pedaços, perto da prefeitura.”[5] Rodando em câmera lenta, numa
velocidade de dezesseis quadros por minuto, a projeção de Sleep leva cinco horas e 26 minutos, de
modo que a maioria das pessoas que assistiu ao filme deve ter visto no máximo alguns fragmentos, de
diferentes durações, com tomadas do corpo do personagem dormindo.
Nenhum dos filmes silenciosos de Warhol, chamados de “minimalistas”, contém muita coisa para
ver, nem mesmo Boquete, de 1964, que mostra o rosto de um belo e anônimo rapaz recebendo sexo
oral de alguém que está fora da tela. De modo que o título parece ser propaganda falsa ou pelo menos
enganosa. O filme era muito comprido, apesar do curto tempo que subsistiu, e quase provocou
tumulto quando foi exibido em 1966 na Universidade de Colúmbia, junto com um show da banda de
rock de Warhol, Velvet Underground. A plateia de estudantes se impacientou e começou a vaiar,
assoviar e entoar o refrão zombeteiro: “Ele não vai gozar nunca!”. “Nós pensávamos que os
estudantes seriam nossos aliados”, me disse Gerard Malanga. Andy estava na plateia preparando-se
para dizer algumas palavras depois da exibição, mas foi embora em silêncio quando a algazarra
começou.
A obra-prima desse gênero de filme é, sem dúvida, Empire, de 1964, que dura pouco mais de oito
horas, com o mínimo de incidentes e um único ator – o próprio edifício do Empire State, filmado de
uma janela do Rockefeller Center com uma filmadora Auricon –, e mostra uma vista ininterrupta do
prédio, rolo após rolo, colados na ordem exata da exposição. Trata-se, a meu ver, de uma obra-prima
filosófica quase tão profunda quanto a Brillo Box. Explico-me. Desde tempos remotos, os filósofos
têm se dedicado a analisar conceitos, o que significa que se ocupam da busca de determinados tipos
de definições. Os grandes diálogos escritos por Platão e protagonizados por seu herói, Sócrates, que
tentam clarificar o significado de um conceito contestado, são exemplos da busca de definições que
põe à prova ideias como as de justiça, verdade, conhecimento, beleza, amizade e coragem. Os
diálogos nunca são travados com um intuito lexicográfico, mas visam uma melhor compreensão do
uso da linguagem na formulação das distinções que fazemos. Os interlocutores de Sócrates nos
diálogos geralmente formulam definições que refletem suas posições na vida. Em A república, um
ancião, Céfalo, define a justiça como “falar a verdade e cumprir as promessas” – exatamente o que,
na opinião de um empresário, é suficiente para que o considerem um homem honesto. Para o filho de
Céfalo, Polimarco, um soldado, justiça é “ajudar os amigos e prejudicar os inimigos”. Estabelecidas
as definições, buscam-se as exceções, e, em seguida, maneiras de tapar os buracos abertos na
definição pela existência das exceções. Meu interesse básico sempre foi a definição de arte, e foi por
isso que a Brillo Box de Warhol me pareceu tão importante. Nada que ela tivesse em comum com o
objeto comercial, as prosaicas embalagens de Brillo dos mercados, podia explicar o que a tornava
arte, por mais que fossem exatamente iguais. Em outras palavras, poderíamos perguntar de que é feita
a essência da arte, mas o desafio era explicar por que a caixa de Warhol era arte e seus similares não
eram.
Suponhamos que alguém nos pergunte de que consiste a essência dos “retratos em movimento”
[moving pictures].[6] A resposta não pode estar no fato de serem feitos de imagens, porque os stills
de Cindy Sherman, como seus primorosos Untitled Film Stills [Stills cinematográficos sem título],
também o são. Mas alguém poderia acrescentar: as imagens se movem. Ocorre que, na verdade, as
imagens no filme Empire não se movem nem um milímetro! De fato, se projetarmos cenas de Empire
em duas telas separadas, na primeira, o filme inteiro e, na segunda, um still do mesmo filme, as
imagens seriam tão idênticas quanto a Brillo Box é igualzinha a uma caixa de esponjas Brillo!
Lembro-me de um dia em que estava assistindo a uma projeção de Empire no Whitney Museum, e
ouvi um homem perguntar quando é que o filme ia começar. Só que o filme já estava rodando havia
quinze minutos! Olhando com muita atenção, até poderíamos ver bolhas e arranhões. Assim, pode-se
dizer que num “retrato em movimento” não é a imagem que se move, mas é uma tira de celuloide que
se move. Warhol andava em busca da essência das coisas, e raciocinou intuitivamente, como
Sócrates ou seus companheiros, propondo definições e testando-as. Em Empire, Warhol mostrou que,
num “retrato em movimento”, nada no retrato tem de se mover. Na verdade, somente num retrato em
movimento é que uma coisa pode realmente ficar parada. Afinal, ninguém que olhe para uma foto do
Empire State Building vai perguntar: “Por que não está se movendo?”.
A despeito de sua duração épica, poucos frequentadores da Factory participaram da filmagem de
Empire: Warhol, Gerard Malanga, John Palmer – que deu a ideia de fazer um retrato do Empire State
Building –, Jonas Mekas e mais uma ou duas pessoas. Andy tinha alugado a câmera Auricon, um
equipamento muito mais desenvolvido que a Bolex, e usou rolos de filmes que rodavam durante 35
minutos, não só quatro minutos. O “roteiro” de Palmer, naturalmente, exigia tomadas panorâmicas,
mas, depois de enquadrado o edifício, Andy insistiu que não se fizesse nada além de trocar os rolos
de filme. O herói era o edifício, não a câmera. Nada devia acontecer no filme além do que acontecia
no edifício. “Após o dramático primeiro rolo, no qual o sol se põe e subitamente os refletores
externos que iluminam o prédio são ligados, a única ação é o ocasional pisca-pisca das luzes até que,
no penúltimo rolo, os refletores são novamente desligados.” A autora desse relato é Callie Angell,
principal estudiosa da produção cinematográfica de Warhol.[7]
Entre os filmes de Warhol, há cerca de trezentos chamados Testes de câmera que ele começou a
fazer em 1964; foram esses testes que lentamente mudaram a demografia em seu estúdio The Factory.
Andy convidava pessoas para fazerem o teste quando as achava interessantes ou atraentes o bastante.
Muitos se saíram bem no ambiente do estúdio e passaram a ser frequentadores assíduos, alguns se
integraram às equipes de apoio ou viraram atores, e alguns destes se tornaram “superstars”,
designação que Andy copiou do cineasta de vanguarda Jack Smith. Mas isso não quer dizer que
Warhol não sabia contar uma história, como alegam certos críticos. Quando ele usava um conteúdo
narrativo, como em Cowboys Solitários, de 1967, por exemplo, começava com uma situação – um
grupo de caubóis numa fazenda que pertencia a uma mulher, interpretada por Viva. Os caubóis se
entregam a jogos violentos, alguns de natureza sexual – beliscam os mamilos uns dos outros ou
ameaçam marcar um deles a ferro quente. Em certo momento, há uma sugestão, bastante convincente,
de uma curra da personagem de Viva. Mas nesse momento começa a surgir uma espécie de
intimidade entre os rapazes, e há até uma cena de amor entre “Ramona” – nome da personagem
interpretada por Viva – e um dos caubóis, que é uma tentativa de demonstrar ternura, ainda que
infrutífera. A cena em que eles se despem sob um caramanchão verde me parece realmente muito
bonita, e Viva, apesar de sua ridícula diatribe contra usar calças, parece uma deusa maneirista de
Correggio. Quando perguntaram a Warhol o que ele achava do festival de seus filmes que devia
ocorrer no Whitney Museum nos anos 80, ele disse que seus filmes eram sempre muito mais
comentados que vistos. Mas as emoções reveladas pelo menos em Cowboys Solitários eram muito
mais humanas e profundas que os sentimentos estereotipados do caubói típico de Hollywood. O filme
é mais que uma paródia gay, como é descrito na literatura crítica.
Em 1965, Warhol já tinha feito a maior parte dos trabalhos em que se baseia sua fama – as Latas
de sopa Campbell, as Brillo Box, as pinturas Faça você mesmo (Flores), as Marilyn, as Jackie
Kennedy, as Liz Taylor, as Mona Lisa; as litografias coloridas dos S&H Green Stamps,[8] as Notas
de dólar, a série Morte e desastre. Nesse ano, durante a exposição de suas pinturas de Flores na
Sonnabend Gallery, em Paris, Warhol anunciou que ia “aposentar-se” da pintura: “Eu sabia que tinha
de descobrir coisas novas e diferentes”. Seu projeto era dedicar-se integralmente à realização de
filmes. É claro que as gravuras e pinturas continuariam a ser produzidas, no mínimo como meio de
obter recursos para financiar a atividade cinematográfica, mas os filmes, e mais tarde os vídeos,
fizeram essas produções artísticas tradicionais parecerem limitadas: “Ninguém pode mostrar mais
nada com a pintura, pelo menos não como é possível fazer no cinema”, declarou Warhol. Essa
afirmação parece um tanto irônica em face dos feitos lendários de Warhol como cineasta: filmes de
duração incomum, com um nível próximo a zero de incidentes – retratos em movimento onde nada se
move.
Esses filmes sem precedentes fortaleceram os ímpetos vanguardistas de Warhol, mas não
caracterizavam inteiramente suas ambições como cineasta. Ele não se contentava em ficar na
vanguarda da experimentação conceitual sobre os fundamentos da arte. Aspirava ao tipo de glamour
e ao êxito comercial implícito nos grandes sucessos de Hollywood, e pouco a pouco a organização
da produção na Factory foi reconfigurada para refletir as diferenças entre fazer imagens para
exibição e vendas em galerias de arte – por um tempo, ele chegou a pensar em vender seus Testes de
câmera como “retratos em movimento” – e fazer filmes para distribuição em cinemas comerciais.
Por volta de 1966, quando o filme Garotas do Chelsea já rendera a Warhol um grande sucesso, a
transformação da Factory já estava mais ou menos completa. Sem perder sua identidade boêmia, o
estúdio se tornara uma máquina admiravelmente eficiente de produzir filmes que certos públicos,
pelo menos, estavam dispostos a pagar para assistir.
Warhol começava a ser reconhecido como realizador de filmes – em 1964, ele recebeu o prêmio
de cinema independente da revista Film Culture – e graças a essa percepção um empresário resolveu
emprestar-lhe uma câmera portátil de vídeo, para que ele fizesse experiências. O que Warhol
inventou não foi excepcionalmente diferente do que pessoas comuns estavam acostumadas a fazer em
casa com sua câmera de vídeo – filmar amigos e parentes em diversas atividades. Warhol filmou
alguns personagens para os quais a Factory se tornara quase um lar – Edie Sedgwick, Ondine, Billy
Name. Em harmonia com o espírito de vanguarda de seus antigos filmes, esses primeiros vídeos
foram realizados no formato usual da produção caseira, visto que compartilhavam da intenção de
eliminar todo e qualquer vestígio da mão ou do olhar do artista. Os vanguardistas de meados dos
anos 60 eram herdeiros de Marcel Duchamp, para quem a arte devia consistir “acima de tudo em
esquecer completamente a mão”. A imagem que conhecemos de Warhol focalizando uma câmera
fixada sobre um tripé, e deixando-a rodar sem interrupção, é emblemática de sua estética austera. Ele
chegava a se afastar da câmera, como vimos nos Testes de câmera, deixando a pessoa se virar.
Vincent Fremont, o companheiro mais próximo de Warhol na tarefa de torná-lo um artista de TV, teria
declarado que o desejo de Warhol era que a filmadora rodasse permanentemente. Como se para ele o
vídeo ideal fosse uma fita gerada por uma câmera de vigilância a registrar indiscriminadamente
qualquer coisa que passasse pela frente das lentes. Warhol, famoso por declarar que gostava de
coisas tediosas, parecia às vezes buscar uma arte totalmente mecânica da qual o artista
desaparecesse em benefício do registro permanente de tudo o que acontecia no mundo exterior. Era a
forma de arte perfeita para alguém que, como ele, era fascinado pelo mundo da vida cotidiana,
exatamente como ele é. Sua única tentativa de “escrever” um romance – A: A Novel [A: Um romance]
– foi a transcrição do material gravado em fita magnética de 24 horas na vida de Ondine, de um
humor e um sarcasmo tão extraordinários que mereceu ser preservado. O “romance” deixa o leitor
tão perplexo quanto uma página do Finnegan’s Wake, de James Joyce. Mas a gravação não foi
inventada. Os incidentes não são planejados. A prosa é sem graça. Parece mais uma entrevista em
que os “ahams” e “uhuns” são mantidos. Qualquer tentativa de editar as falas seria uma violação das
intenções do “autor”. Dificilmente serviria como programa de televisão comercialmente ambicioso,
como pretendia Warhol. Discutirei Ondine no próximo capítulo.
Em 1971, Warhol adquiriu um sistema de vídeo mais avançado – um Sony Portapack – e
anunciou, segundo Bob Colacello, diretor da revista Interview, que ia “entrar para o ramo da
televisão”.[9] Interpretaram essa frase como significando que Warhol pretendia “usá-la como um
meio de experimentar ideias para o cinema”. No entanto, ao longo dos anos 70, ele continuou a
empregar o vídeo como sempre fizera – transformando os frequentadores da Factory em objetos dos
seus filmes e, em certo sentido, em “estrelas”. Entre 1971 e 1978, fez uma série de fitas de vídeo,
intituladas Os diários da Factory, material não editado, ainda dentro do espírito minimalista dos
vídeos caseiros sobre pessoas que buscavam definir para si mesmas novas identidades no ambiente
da Factory – os travestis Candy Darling e Jackie Curtis, Brigid Berlin, Lou Reed, Ultra Violet, Viva,
bem como outros personagens que levavam glamour ao estúdio, como Mick Jagger, David Bowie,
Dennis Hopper, Yves Saint-Laurent, entre outros. Callie Angell descreve esse ambiente como “uma
cena social extraordinária” em que “um número cada vez maior de visitantes ligados a setores cada
vez mais numerosos de círculos da arte passavam para ver Warhol, e, em muitos casos, aparecer nos
filmes”.[10] Como os primeiros filmes, Os diários da Factory não são editados ou dirigidos. Pessoas
de maior ou menor interesse eram filmadas fazendo nada de especial. “Nada de especial” é, por
sinal, o título que Warhol sugeriu para um de seus primeiros programas de televisão.
A televisão definia cada vez mais as ambições artísticas de Warhol. “Meus filmes têm sido
preparados para a televisão. A TV é tudo o que há de novo. Nada de livros ou de cinema, só a
televisão.” Os diários da Factory não parecem ser toda essa novidade no panorama geral da obra do
artista, mas, paralelamente à filmagem dos habitués do estúdio e de celebridades de fora, Warhol
estava à procura de um formato mais viável para a televisão além do que a câmera de vigilância
podia proporcionar. Somente nos anos 80 é que seu trabalho começou a aproximar-se da qualidade
profissional dos comerciais de TV, algo que seus filmes jamais conseguiram. Os filmes de Warhol,
mesmo os mais benfeitos, têm o inerradicável aspecto improvisado e desalinhado da vanguarda dos
anos 60. Mas isso indica de certo modo que os programas de Warhol têm muito mais semelhança
com a televisão comercial que suas obras artísticas mais conhecidas. Contudo, em alguns aspectos
importantes a televisão de Warhol é muito coerente com sua obra anterior.
Só os espectadores mais dedicados se dispunham a ficar sentados assistindo a toda a monótona
projeção do Empire, de 1964. Se o filme fosse televisionado, o espectador comum talvez imaginasse
que o canal estava sofrendo problemas técnicos de transmissão. Sair no meio de filmes maçantes
envolve certo esforço físico, mas mudar de canal é muito simples quando o programa aborrece. Não
se pode esperar que o público de televisão goste de entediar-se. O canal preocupado com o sucesso
comercial precisa prender a atenção dos espectadores, que têm interesses inconstantes e nenhuma
tolerância ao tédio. Ele precisa atrair públicos que conhecem pouco as vanguardas e se interessam
menos ainda por suas inquietações.
Warhol compreendeu uma parte dessa verdade projetando sua própria imagem ao público no final
da década de 60. Mesmo hoje, ele é provavelmente o único artista norte-americano cujo rosto todo
mundo reconhece em nossa sociedade. Suas frases são amplamente citadas, e pessoas muito pouco
informadas sobre a arte contemporânea são capazes de reconhecer instantaneamente suas obras.
Todos reconheceram “o famoso artista Andy Warhol” quando ele foi convidado para uma
participação especial em The Love Boat,[11] em 1985. O simples fato de que Andy Warhol
apareceria na tela foi motivo para as pessoas prestarem atenção no programa, esperando ver o que
ele ia dizer ou fazer. A maioria, porém, se sentiria mortalmente entediada com filmes como Empire.
Mas o fato de que alguém tivesse feito um filme desses não era absolutamente tedioso. Poucos se
interessam em contemplar uma lata de sopa. Mas o fato de um artista ter pintado um objeto
esteticamente tão pouco promissor era fascinante. Warhol sabia que era um objeto de fascinação.
Mas ele deve ter tido um momento de compreensão quando decidiu montar programas de televisão
em torno de si mesmo. Em suas primeiras experiências com vídeo, ele ficava de fora da ação, como
diretor. Mas sua televisão se tornou interessante quando ele passou a estar dentro da ação, como
estrela. O problema restante era descobrir o que acrescentar à ação para dar mais interesse aos
programas como entretenimento. A resposta óbvia era mostrar pessoas tão interessantes quanto ele.
Tudo o que Warhol precisava fazer era cercar-se de celebridades que ele próprio estaria interessado
em assistir quando não estivesse interessado em cultivar o tédio.
Vincent Fremont conta que o amigo levou esse projeto muito a sério. Em determinado momento,
eles produziram o vídeo Fight [Briga], no qual Brigid Berlin e Charles Rydell discutem. Brigas de
casais são comuns num certo gênero de sitcom, e é claro que foi ideia de Warhol reduzir seu
programa a esse único incidente. Depois, tentou combinar a briga com um jantar de que participariam
convidados interessantes – uma óbvia fusão, por assim dizer, de sitcom com um talk show, ou
programa de entrevistas. O resultado, na opinião de Bob Colacello, “ficou demasiado amorfo e
amadorístico para ser viável”.[12] Warhol chegou à conclusão de que ele e seus companheiros teriam
de voltar ao começo e realmente aprender como produzir para a televisão de modo profissional. Até
investiu na compra de uma caríssima câmera de televisão. Em 1979, Warhol descobriu o formato
que, com pequenas diferenças, caracterizaria seus esforços televisivos durante toda a década
seguinte, culminando com o programa Quinze minutos de Andy Warhol, exibido de 1985 a 1987. No
programa, ele recebia celebridades que contavam ao público o que as havia tornado famosas. Ele
concretizou assim sua fantasia de ser celebridade num mundo de celebridades – o mundo da moda,
das estrelas da arte, da música e da beleza, e dos lugares onde elas brilhavam: as discotecas e os
clubes noturnos que todo mundo desejava conhecer: o Mudd Club, o Tunnel, o Studio 54. Warhol
produziu programas que continham algo do brilho das revistas de moda, cheias de imagens dos belos
e famosos, que nos estimulam a ficar folheando as páginas para ver o que está na página seguinte (e
enquanto isso olhamos os anúncios). Esse mundo é, para citar uma expressão de Shakespeare, um
“cortejo insubstancial”, e, embora se possa compilar uma antologia dos momentos memoráveis de
vários programas, é justamente por fazer parte desse “cortejo” que a fama é transitória (dura “quinze
minutos”), logo o brilho cede lugar ao novo objeto brilhante. As estrelas brilham e se extinguem; há
infinitos espetáculos, fascinantes de ver e difíceis de lembrar. Mas Warhol, sempre presente, dava
continuidade à sua televisão.
Warhol morreu em 1987, deixando em aberto a pergunta de até onde sua Andy Warhol TV
Productions poderia ter ido. É sempre difícil predizer a trajetória criativa de um artista, quanto mais
a de um artista de tamanha originalidade como Warhol; mas há certa coerência em sua obra, qualquer
que tenha sido o meio com que ele trabalhou. Seu tema era a consciência comum de sua época – o
mundo da vida cotidiana, como denominam os fenomenólogo o mundo em que estamos em casa.
Warhol mostra o que toda pessoa que faz parte deste mundo já sabe sem que lhe tenham de dizer o
que está vendo. As celebridades são um componente importante de nossa consciência comum, e por
isso ele pintou Marilyn e Liz e Jackie e Elvis. Ele os teria filmado caso tivessem ido à Factory,
assim como filmou astros e estrelas que por acaso passaram por lá. Todo mundo se interessa pelas
estrelas. Por isso seus programas de televisão teriam interesse, bastando-lhe fazer pouco mais que
mostrá-los, incluindo, é claro, ele mesmo. Warhol era obcecado pelo glamour, pela beleza, pelas
festas, compras, e por sexo. Há um episódio memorável em que sua cabeça rola para longe do corpo
(uma das coisas que a pintura não pode mostrar). A cabeça sem corpo diz: “Divirta-se em todas as
festas!” – frase que podia ser sua mensagem de despedida para o mundo. É inegável que ser produtor
de TV e anfitrião de seu próprio programa proporcionou-lhe acesso a todas essas coisas. Warhol
parece ter conhecido de dentro o que todo mundo gostaria de ver.
Mas para fazer o tipo de programa que o grande público realmente gostaria de ver era preciso
muita tecnologia. E isso impôs certo limite à capacidade de expansão da atividade televisiva de
Warhol. É interessante comparar a relação dos créditos de seus primeiros vídeos com os do Quinze
minutos de Andy Warhol. De início, havia apenas Warhol e Fremont. Em 1979, quando os programas
começaram a tomar uma feição mais profissional, Don Monroe entrou na equipe como diretor. Já os
créditos de Quinze minutos de Andy Warhol, além de Warhol, Fremont e Monroe, mencionavam uma
equipe inteira de produção: gerente, coordenador e assistentes de produção, editores, artistas
gráficos, pesquisadores musicais, compositores, assim como as estrelas convidadas. Warhol já
estava longe do que fizera sozinho com uma câmera Norelco 1 em 1965. Seus programas tinham
alcançado um nível de qualidade que justificava que fossem inseridos na grade de programação da
MTV. Mas os recursos de produção da Factory provavelmente eram demasiado limitados para ir
muito mais longe que isso, ou mesmo sustentar uma temporada inteira de programas. Para tal, era
preciso mais dinheiro, talvez muito mais dinheiro. Só que essa exigência expôs Warhol a um fator
com que ele não contava ao selar um acordo faustiano para fazer TV comercial: a interferência em
suas decisões artísticas de pessoas sobre as quais ele não tinha nenhum controle.
Há uma esclarecedora passagem no livro de Colacello, Holy Terror [Santo terror], memórias da
vivência do autor na Factory. Estava marcada uma reunião entre Warhol e Lorne Michaels, o
“inventor” do Saturday Night Live. Michaels estava muito animado com as perspectivas da TV de
Warhol. Ofereceu financiamento para a elaboração do projeto e uma vaga na programação do horário
nobre de sábado à noite. “Eles poderiam fazer tudo o que quisessem. Ele os protegeria das críticas
dos chefões da rede às ideias mais experimentais.” Warhol não disse uma só palavra, e Vincent
Fremont logo percebeu que a oferta não iria adiante. “Warhol não tolerava nenhuma forma de
paternalismo. Apesar da fachada passiva, ele fazia questão de estar no controle.” Sua “fachada
passiva” era uma forma de exercer controle. A Andy Warhol TV Productions tinha de ser
essencialmente uma realização de seu estúdio, a Factory. Só faria programas de TV enquanto não
precisasse envolver mais ninguém na integridade de sua arte. Nesse aspecto, a Factory, como estúdio
de televisão, não era muito, diferente da Factory como ateliê de arte ou cinema. E é isso que faz da
TV de Warhol tão singular e tão completamente expressiva dele próprio. Ele foi o mais longe que
pôde na televisão comercial sem abrir mão de sua autonomia. Os programas realizados por Warhol
refletem duas ordens distintas de imperativos: a ordem do entretenimento comercial e a ordem de um
artista visceralmente independente, que só prestava contas a si mesmo.

[1] Alexander J. Motyl, Who Killed Andrei Warhol? Santa Ana: Seven Locks, 2007, p. 49.
[2] Literalmente “observadores de sono”. [N.T.]
[3] Leo Steinberg, Other Criteria: Confrontations with Twentieth-Century Art. Oxford: Oxford University Press, 1972, p. 95 [ed.
bras.: Outros critérios: confrontos com a arte do século XX, trad. Célia Euvaldo. São Paulo: Cosac Naify, 2008].
[4] John Giorno, “Andy Warhol’s Movie Sleep”, in You Got to Burn to Shine: New and Selected Writings. Londres/ Nova York: High
Risk/ Serpent’s Tail, 1994, p. 132.
[5] Id., ibid., p. 142.
[6] Moving pictures – literalmente, retratos em movimento – era a expressão popularmente usada nos Estados Unidos, na época do
cinematógrafo, final do século XIX, para designar a projeção de uma série de instantâneos de objetos numa sucessão rápida e
intermitente de modo a produzir a ilusão de cenas em movimento. [N.T.]
[7] Callie Angell, “Andy Warhol, Filmmaker”, in The Andy Warhol Museum. Pittsburgh: The Museum, 1994, p. 126.
[8] S&H Green Stamps eram cupons de desconto distribuídos aos consumidores pelo comércio varejista, operados pela companhia
Sperry and Hutchinson desde o final do século xix, e muito populares nos anos 60. [N.T.]
[9] Bob Colacello, Holy Terror: Andy Warhol Close Up. Nova York: Harper Collins, 1990, p. 61.
[10] C. Angell, op. cit., p. 128.
[11] Série de televisão, famosa nas décadas de 1970 e 1980, em que os episódios se passam durante um cruzeiro marítimo. [N.T.]
[12] B. Colacello, op. cit., p. 145.
A história da vida na cidade de Nova York é a história dos seus imóveis que, por isso mesmo, são
um tema narrativo tão apaixonante quanto o amor: a história de onde vivemos ou poderíamos ter
vivido é tão fascinante quanto o relato de como conhecemos a pessoa com quem vivemos – ou não
vivemos mais. Esse é o ponto de partida do primoroso livro de contos de Tama Janowitz, Escravos
de Nova York, ironicamente narrado na primeira pessoa por uma moradora de downtown, um pouco
mais velha que um desalentado pintor cujo nome fictício é Stash – seu nome na vida real é Ronnie
Cutrone, assistente de ateliê de Andy Warhol entre 1972 e 1982 –, um dos tantos tipos que
parasitavam a Silver Factory desde 1965. Considerando a dependência de Warhol das ideias do
grupo que o cercava, Cutrone desempenhou um papel importante na última fase da carreira do artista.
Se Stash for um bom retrato de Cutrone, a situação de Eleanor, “a escrava de Nova York”, não era
nada fácil, não só porque o contrato de locação do lugar onde moravam estava em nome dele, como
porque o amante era um mulherengo, sempre de olho nas gatas. Na história, Eleanor está
completamente quebrada – toda a sua “criatividade” consiste em inventar chapéus para freguesas do
East Village –, e ainda por cima ela vive sob a constante ameaça de não ter onde morar, a não ser
que continue a contar com a benevolência do volúvel Stash. Fossem ou não verdadeiras essas
histórias de Nova York nos anos 70, o fato é que elas continham uma metáfora que todo nova-
iorquino entendia. Se um morador de Nova York, mulher ou homem, casado ou solteiro, não fosse ele
próprio titular de um contrato de locação, tornava-se praticamente escravo do locatário com quem
vivia.
A história de uma locação comercial já é menos dolorosa. Só que a “cultura” de um espaço
comercial depende mais do que faz o imóvel existir de verdade que de sua mera realidade
arquitetônica. Pratear a Silver Factory foi uma expressão material do espírito da vida artística da
Nova York de meados dos anos 60, um espírito que não sobreviveu à mudança que as Andy Warhol
Enterprises foram obrigadas a fazer no final da década seguinte, quando Andy, na condição de
locatário, foi comunicado de que deveria desocupar o local porque o prédio da velha Silver Factory
estava programado para ser demolido e substituído por um moderno edifício de apartamentos. Cobrir
o ateliê de tinta prateada combinava com a cultura jovem dos seus frequentadores, com a música que
ouviam, com o tipo de drogas que usavam, com sua promiscuidade ou ansiedade sexual, inclusive
com sua linguagem – para citar a máxima de Wittgenstein de que imaginar uma linguagem é imaginar
uma forma de viver. O espaço “era um testemunho” intrinsecamente ligado à arte que lá se fazia,
especialmente os filmes underground. Pintar a Factory de tinta prateada foi uma ideia de Billy Linich
– apelidado de “Billy Name” –, que já havia usado essa cor para pintar seu apartamento quando lhe
deram anfetamina para tirá-lo de um estado de torpor persistente que lhe roubara toda a energia. Foi
Andy quem propôs a Billy, tempos depois, de pintar seu novo ateliê com a mesma cor; e também foi
ele quem interpretou da seguinte maneira o que essa cor representava: “Era o momento perfeito para
a cor prata. Prata era o futuro […] os astronautas vestiam roupas prateadas. E prata também era o
passado – a cor metálica das telas de cinema – das atrizes de Hollywood fotografadas em cenários
prateados”. Prata era a cor do Surfista Prateado e das louras platinadas da época do art déco.
Linich era o único que morava no estúdio – apossara-se do banheiro, que também usava como
câmara escura para revelar seus registros fotográficos da vida na Factory. É significativo que, dos
dois auxiliares mais próximos de Warhol, Malanga recebia um salário, ainda que pequeno, e Name
ganhava apenas o necessário para cobrir despesas miúdas. Malanga era um homem maduro,
assalariado, associado ao processo fotográfico da confecção de serigrafias e à produção em série
das caixas de mercado; as ambições de Billy Name, todavia, eram as de um eterno adolescente que
ainda morava com os pais, ajudava nas tarefas de casa e sobrevivia com uma mesada para
necessidades pessoais.
A maior parte dos que usavam a Silver Factory como seu “clube” não morava lá. Ou moravam
com os pais e iam passar o tempo na Silver Factory, ou eram ricos e levavam uma vida independente
e sofisticada. Mas todos acreditavam no tipo de vida que a Silver Factory simbolizava, a vida de
liberdade com pitadas da permissividade que a boemia pregava. Muitos eram celebridades. Na
primavera de 1965, um amigo de Andy promoveu uma festa para as pessoas mais bonitas da cidade,
os Beautiful People à qual Judy Garland, Rudolf Nureiev, Tennessee Williams e Montgomery Clift
compareceram como convidados especiais. Nessa época, Andy era, ele próprio, um dos Beautiful
People – uma estrela e um ícone. Mas nenhum dos frequentadores habituais da Silver Factory possuía
o brilho necessário para alcançar esse status. Quase todos eram lindos e jovens de certo talento que
lhes permitia sonhar com o estrelato, gente recrutada para a Factory por Malanga ou Linich, ou pelo
próprio Warhol, que identificava lampejos de talento nas baladas noturnas que frequentava.
Billy Name fez uma aparição no especial de televisão de quatro horas produzido por Ric Burns e
levado ao ar em 2006, no qual declara, às gargalhadas, que tinha sido responsável pela entrada da
downtown na Silver Factory. Billy havia chegado a Nova York no final dos anos 50 – um rapaz
bonito, moreno e magro, atraído pelas livrarias e por certo tipo de boemia gay na qual fez amizades e
procurou encontrar protetores. Entrou para um grupo que se tornou conhecido pelo nome de The
Mole People,[1] alcunha que eles também usavam entre si – jovens de talento, usuários de anfetamina,
admiradores de ópera, de estilo de vida bem anárquico, dotados de um humor rude e mordaz, de vida
sexual livre e aberta, e uma dedicação a aprontar confusão. O “papa” do Mole People era Bob
Olivo, conhecido na Factory pelo nome de Ondine; era um inspirado monologuista e muito habilidoso
na arte do lip-sync;[2] de personalidade bizarra e extremamente original.
Em suas memórias, Swimming Underground: My Years in the Warhol Factory [Nadando
underground: Meus anos na Factory], Mary Woronov faz um retrato de Ondine e dos Mole People:

Ondine era um furacão – fiquei eletrizada e assustada, apesar de saber que eu estava num parque
de diversões. As salas envelheciam quando ele as deixava, e depois de conversar com ele, não
conseguia suportar uma conversa normal. Comecei a sair muito para estar perto dele, ia a bares
gays, às festas mais malucas. Eu era destemida, e era uma questão de tempo até que eu fosse
apresentada ao círculo extremamente restrito de pessoas que cercava Warhol na época da Silver
Factory na 47  Street: os Mole People. “Mole” porque só eram vistos à noite usando óculos
escuros, e tinham uma palidez que era provavelmente causada por anos a fio vivendo em
subterrâneos. “Mole” porque sabia-se que eles estavam abrindo um fosso para uma insanidade da
qual ninguém além desse círculo íntimo tinha consciência. Alguns dos Great White Moles eram
Ondine, o Papa; Rotten Rita, o traficante; Orion, o bruxo; e, naturalmente, Billy Name, o protetor
da Factory […] Drella me avisou para evitar os Mole People, então eu me afastei até que, uma
noite, Ronnie me convidou para ficar doidona com eles. Ronnie era um sujeito bonito, que parecia
ser careta mas era um homossexual completamente louco por anfetamina, cujo sobrenome era Vile
[vil], caso alguém se confundisse com seu jeitão simpático. Ele disse que durante os últimos sete
dias os Moles tinham se trancado num apartamento da uptown, na região norte de Manhattan,
fazendo colares, e eu só pensava que eles deviam ter uma droga poderosa para manter aquele
bando todo enfiando continhas durante uma semana. Mas a verdadeira razão pela qual eu entrei no
táxi com o Ronnie foi porque ele disse que o Ondine estaria lá.[3]

Durante aquela noite, Woronov, uma atriz e escritora, com certa dose de sadismo e inquestionável
coragem, foi enfim capturada pela perpétua Noite de Walpurgis que era a realidade dos Moles.
Finalmente, ela saiu da festa, e foi para casa. “Mas eu não era bem-vinda. Eu tinha mudado. Não
havia sinais exteriores, mas eu sabia. Não eram mais eles, éramos nós. As regras deles eram as
minhas, a insanidade deles era a minha realidade, e o resto do mundo não importava. Eu era uma
Mole.”  [4]
Andy ficou tão fascinado com o estilo de humor de Ondine que o perseguiu com um gravador
durante 24 horas na tentativa de guardar tudo o que ele dissesse nesse intervalo de tempo. Pelo
menos foi o que admitiu. É possível identificar mediante um trabalho de investigação textual a
verdadeira data, da mesma forma que se descobriu que o dia 16 de junho de 1904 é o Bloomsday,
isto é, as verdadeiras 24 horas vividas por Leopold Bloom, o herói de James Joyce. Mas é claro que
Joyce não escreveu o livro em 24 horas corridas. Warhol queria que o dele fosse “um livro ruim”,
assim como é de supor que quisesse que seus filmes fossem “filmes ruins”, que suas pinturas fossem
“pinturas ruins”, conforme as críticas iniciais. Quando recebeu a transcrição das fitas, elas estavam
cheias de erros e descontinuidades, mas, por coerência, ele resolveu publicar como estava, dizendo:
“Está fantástico. Está ótimo!”. E de certa forma é fantástico e ótimo: de fato, há uma recusa em
distinguir o que as pessoas dizem dos ruídos ambientais que a gravação pegou e que até foram
transcritos. Como “Chacoalho, gorgolejo, tinido, retintim./ Clique, pausa, clique, campainha/ Discar,
discar” – que é como o livro começa. Só que estes são nomes de ruídos, não os ruídos em si, que
poderíamos ouvir se escutássemos as fitas. O livro pode ser considerado literatura de vanguarda (o
enorme “A” no começo do livro visa lembrar o leitor de uma peculiaridade tipográfica do Ulisses).
Mas não realiza o que Warhol pretendia, isto é, transmitir uma sensação do humor de Ondine.
Comparem o A com a voz de “lui” na obra magistral de Diderot, O sobrinho de Rameau, que sabe
que tem talento mas não é um gênio como o tio, embora ninguém, muito menos o tio, pudesse imitar o
estilo de linguagem delirante do sobrinho, que Hegel transcreve numa passagem da Fenomenologia
do espírito:

Esse discurso é [como] a extravagância do músico que “amontoava e misturava trinta árias, –
italianas, francesas, trágicas, cômicas, − de todo tipo. Ora com voz grave descia até às
profundezas, ora esganiçando falsetes rasgava a altura dos ares, adotando tons sucessivos:
furioso, calmo, imperioso e brincalhão […] uma mixórdia de sabedoria e loucura, uma mescla de
sagacidade e baixeza, de ideias tanto corretas como falsas: uma inversão completa de sentimento:
tanto descaramento completo, quanto total franqueza e verdade.” [5]

A: A Novel só foi publicado em 1968. Mas, de certo modo, ficamos com a impressão de que o
espírito da fracassada experiência de Warhol está na base da diatribe de Willem de Kooning (que
confessou estar bêbado) numa festa em 1969: “Você é um assassino da arte, é um assassino da beleza
e é um assassino do riso. Detesto seu trabalho”.[6] Mesmo que se considere A: A Novel uma
demonstração filosófica de que a literatura de vanguarda, conforme praticada por um gravador de
cassete, seja impossível, ele conseguiu matar o riso. Afinal, Joyce não disse que Finnegan’s Wake
foi escrito para o riso da humanidade? E os vários biógrafos de Warhol nos permitem ter uma boa
percepção do humor de Ondine. Na página 190 de A: A Novel, temos uma amostra do talento de
Ondine como contador de histórias. Mas é uma agonia ler tudo. Um dos episódios de Garotas do
Chelsea acompanha Ondine em uma explosão de raiva que fez dele um superstar.
Era impossível ser um Mole sem pagar um preço, simplesmente porque era impossível sobreviver
às custas das drogas sem pagar um preço. Principalmente no caso da anfetamina, que dá ao usuário a
sensação de não precisar comer ou dormir. O Beautiful Freddy Herko, um dançarino, foi um exemplo
das tendências dos Moles: ele tinha um imenso senso da própria grandeza, mas dotes limitados.
Ondine descreve-o como “uma estrela total, que joga com o espaço e o tempo, e com sua plateia, e
joga com tudo o que diz respeito àquela coisa insignificante chamada vanguarda. Mas isso não
bastava para Freddy Herko. Ele queria muito mais. Queria ser visto. Fred Herko desejava voar”.
Executar números de dança minimamente coreografados no segundo plano de um filme de vanguarda
de Warhol, como Haircut [Corte de cabelo], enquanto Billy Name cortava o cabelo de uma pessoa
no primeiro plano, não era glória suficiente para alguém que tinha uma imagem tão grandiosa de si
mesmo. No fundo, o mundo se resumia a ele. Vendo-o dançar desvairadamente no balcão de um
restaurante, um amigo levou-o para casa. Fred Herko tomou banho, depois atravessou uma janela
aberta no quinto andar de um prédio dançando ao som da Missa da Coroação, de Mozart: afinal, ele
voou. Há um famoso comentário posterior de Andy Warhol, em que ele diz que gostaria de ter
filmado o salto para a morte de Fred Herko. A alma e a mente de Herko tinham se engajado
totalmente na ocupação que define um Mole, fazer colares. Todo mundo sabia que, na pauta de
valores da Silver Factory, ele tinha feito a escolha certa.
Um pouco mais velha e tão maníaca quanto um Mole, embora, talvez, velha demais para ser uma
Mole, era Dorothy Podber, que o grupo considerava um gênio. “Tenho sido má a vida toda. Jogar
sujo é minha especialidade.” Warhol queria que ela atuasse em um filme. Em vez disso, Dorothy
montou uma espécie de happening, coroamento de sua vida que durou até 2008, quando faleceu. Ela
apareceu um dia na Silver Factory usando calças de couro e óculos escuros, na companhia de seu cão
dinamarquês. Warhol estava dirigindo um filme e muito atarefado para falar com ela. Contam que
Podber perguntou se ela podia tirar algumas fotos, e Warhol concordou. Ela então sacou uma pistola
prateada da cintura e atirou numa pilha de retratos de Marilyn Monroe, acertando bem no meio dos
olhos. Warhol as exibiu depois como Shot Marilyns, mas Dorothy Podber tornou-se persona non
grata na Silver Factory desde então. O episódio marcou a vida dela e foi citado com destaque em
seu obituário em 2008.
Valerie Solanas, que tentou matar Warhol, não tinha a personalidade típica dos Moles. Sua
loucura era de outra ordem. A nova Factory – que não era mais a Silver Factory, pois a decoração
platinada já era coisa do passado – pretendia alijar o tipo de pessoa exemplificada pelo grupo dos
Moles. Em 1968, a administração tinha mudado. Era formada agora por Fred Hughes, que vendia os
trabalhos de Warhol por um preço mais próximo dos de mercado, e cuidava de arrumar encomendas
de retratos a fim de financiar os filmes de Andy, e por Paul Morrissey, que mais ou menos assumiu a
direção dos filmes e lhes deu uma orientação mais narrativa, começando por My Hustler. Gerard
Malanga caíra em desgraça, e Billy Name estava cada vez mais marginalizado, não se sabendo muito
bem qual era sua função na Factory, agora que o prateado, real e simbolicamente, pertenciam ao
passado. Os dias do Mole People tinham quase acabado, para lástima de Andy após a tentativa de
assassinato:

Compreendi que era apenas uma questão de sorte nada de terrível ter acontecido a nenhum de nós
antes disso. Sempre fui fascinado por pessoas malucas porque eram tão criativas – simplesmente
não conseguiam fazer as coisas de maneira normal. Geralmente não machucavam ninguém, só
eram perturbados; mas como saber agora quem é quem?[7]

A teórica feminista, Ti-Grace Atkinson, que na época (3 de junho de 1968) era presidente da
Organização Nacional de Mulheres (NOW), estava convencida de que nenhuma mulher era
intrinsecamente louca. Se uma mulher agia de modo louco, isso se devia a alguma coisa que um
homem lhe tinha feito. É a versão feminista da explicação liberal do crime: que o ser humano é
induzido a se tornar criminoso por circunstâncias econômicas externas. Anos depois, ela disse,
ironicamente, que Valerie Solanas lhe tinha ensinado a pensar o oposto. Valerie era realmente louca
de pedra.
Solanas era uma mulher instruída. Formou-se em psicologia pela Universidade de Maryland, onde
desenvolveu a opinião de que os homens têm um defeito genético, porque carecem de um
cromossomo essencial. Ela foi, ou acreditava ter sido, molestada sexualmente pelo pai, que praticava
sexo oral nela quando ela era criança. Teve um filho quando estava no ensino médio.
Steven Watson, que escreveu Factory-Made: Warhol and the Sixties [Feito na Factory: Warhol e
os anos 60], obteve seu boletim escolar dessa época, que estava cheio de elogios ao vigor e
capacidade intelectual de Solanas. Parece estranho, mas as ideias de Valerie não eram muito
diferentes das de Ti-Grace Atkinson: os homens eram defeituosos, as mulheres não. Solanas fundou
uma sociedade chamada SCUM, um acrônimo de “Society for Cutting Up Men” [literalmente,
Associação para Destroçar os Homens].[8] Em um manifesto que só foi divulgado depois que ela se
tornou celebridade, Solanas explica com base na genética que a sociedade só poderia ser boa se os
homens fossem eliminados. (Essa não era, é claro, a posição de Atkinson.) Era lésbica e ganhava a
vida posando com outras mulheres em cenas de sexo.
A história de sua ligação com Andy Warhol já foi contada várias vezes. Em 1967, ela telefonou
para Andy, oferecendo-lhe um roteiro para um filme intitulado Up Your Ass [No seu rabo], que se
revelou, até mesmo para ele, sórdido demais. Na verdade, Warhol imaginou que ela fosse uma agente
policial tentando pegá-lo numa armadilha. Depois, parece que ele acabou perdendo o roteiro.
Solanas vivia importunando Warhol com pedidos de dinheiro. Em resposta, ele ofereceu remunerá-la
para representar um papel em seu novo filme, Eu, um homem, no qual Valerie de fato atuou com
notável humor, e certa vulgaridade. Isso, no entanto, não eliminou o ressentimento de Valerie, e ela
insistiu nas exigências de que o roteiro, provavelmente perdido, lhe fosse devolvido. No dia 3 de
junho, ela tomou a decisão de punir Warhol. Esperou sua chegada à nova Factory, subiu no elevador
com ele, toda maquiada e vestindo um pesado casaco de lã, com um revólver em cada bolso. É claro
que o casaco pesado servia para disfarçar as armas mais do que para chamar a atenção para si
mesma, o que, aliás, acabou acontecendo. (Um suspeito de atentado a bomba no metrô de Londres foi
morto exatamente por usar um casaco pesado demais para a estação do ano!)
Na Factory, ninguém achava que Valerie metia medo, confirmando assim a opinião de Warhol de
que, via de regra, gente maluca não fazia mal aos outros. Na opinião de qualquer pessoa de bom
senso, Valerie era apenas uma chata. E ela não fez ameaças, não deu nenhum aviso, simplesmente
puxou o gatilho, errou o primeiro tiro, mas acertou duas balas no corpo de Warhol quando ele buscou
refúgio debaixo de sua mesa. Valerie atirou também em Mario Amayo, profissional da arte, que
morava parte do ano em Londres, e hesitou se devia ou não atirar em Fred Hughes. O elevador
chegou e Hughes disse: “Aí está o elevador. Vá embora!”. Valerie obedeceu, foi embora deixando
atrás de si um caos completo nos escritórios da Factory, e uma grande incerteza sobre se Warhol
conseguiria sobreviver. Ela se entregou às sete horas da noite a um guarda de trânsito. Disse que
havia atirado em Andy Warhol porque ele tinha controle demais sobre a vida dela.
Na audiência de instrução e julgamento, Solanas recebeu elogios de importantes líderes
feministas como Atkinson, que a qualificou de “proeminente defensora dos direitos das mulheres”.
Atkinson provinha da aristocracia sulista e sabia se comportar nas altas-rodas. Betty Friedan achava
que tinha deixado em boas mãos a filial nova-iorquina da NOW quando conseguiu elegê-la presidente.
Atkinson era uma revolucionária feminista de maneiras elegantes. Por isso, Friedan se surpreendeu
ao ler no New York Times que Atkinson, falando em nome da filial da organização, defendeu Solanas
no tribunal. Valerie nunca expressou arrependimento e chegou a pedir que Warhol lhe pagasse 20 mil
dólares por seus escritos. Ela passou o resto da vida entrando e saindo da prisão e de hospitais
psiquiátricos, mas sempre disse que faria tudo outra vez.
Warhol estava morto – clinicamente morto – até que foi ressuscitado por massagens. A bala que
Solanas atirou não poderia ter sido mais danosa: o tiro entrou pelo lado direito do corpo de Andy,
atravessou-lhe os pulmões, ricocheteou pela garganta, vesícula, fígado, baço e intestinos, e deixou
um enorme buraco do lado esquerdo. Há imagens famosas mostrando suas cicatrizes, tiradas por
Richard Avedon e pela grande retratista Alice Neel. Bob Kennedy foi assassinado na mesma noite da
denúncia de Valerie, retirando o caso de Warhol das primeiras páginas dos jornais. Foram os
assassinatos – Martin Luther King tinha sido mortalmente ferido no dia 4 de abril – que deram ao
mundo a impressão de que tudo estava desmoronando em 1968. As mortes e as rebeliões estudantis
em Nova York e Paris ocorreram em abril e maio.
Warhol passou boa parte de sua convalescença editando o filme Cowboys Solitários. É uma
ironia que John Schlesinger – ganhador do Oscar por Perdidos na noite – tenha se apropriado de
algumas ideias de Warhol em seu filme, principalmente na romantização do vigarista, inclusive a
incorporação do que se poderia chamar de “festa à la Warhol” e o aproveitamento como atores de
alguns dos frequentadores da Factory: Viva, por exemplo, fez o papel de uma cineasta underground;
Morrissey criou uma paródia underground de Perdidos na noite em torno de um vigarista, e chamou
o filme de tributo a John Ford. Em um momento cordial, havia um diálogo entre o cinema
underground e o cinema de Hollywood, que no final tinha algum significado para quem é do ramo,
mas não levou a nada, mesmo porque o movimento do cinema underground já estava em baixa.
Não surpreende que tal experiência tenha deixado Warhol muito abalado. É verdade que temia
topar com Valerie nas ruas. Ele afirmou de maneira pungente que nunca tinha sentido medo antes, mas
agora não tinha certeza de estar realmente vivo depois de sobreviver à morte. “Não consigo dizer
‘alô’ ou ‘tchau’ a uma pessoa. A vida é como um sonho.” [9] Estava proibido de tomar Obitrol, um
supressor de apetite que era um composto moderado de anfetamina. Se é possível tomar o abandono
das drogas nesse momento de sua vida como uma explicação, a verdade é que muitos concordam que
o atentado de Valerie Solanas marcou uma mudança profunda em sua atividade artística. Warhol
tornou-se uma pessoa diferente depois de morrer, para definir a situação de modo um tanto
surrealista. Todavia, é impossível afirmar que grau de importância um consumo leve de anfetaminas
entre 1961 e 1968 teve para a arte de Warhol. Como todo mundo usava anfetaminas naquela época,
pode-se dizer que a Era de Warhol é a “Era da Anfetamina”? Não ajuda dizer que ele consumiu tão
pouco e fez tantas coisas – ou talvez sim. Billy Name tomava doses diluídas da droga e o que isso lhe
fez de bom? Subtraindo as anfetaminas, permanece a diferença entre Warhol, um gênio, e Billy Name,
um tolo.
Vale a pena perguntar quantos outros artistas norte-americanos teriam chegado às manchetes da
mídia se tivessem levado um tiro. O New York Post informou que “Andy Warhol luta pela vida”,
pressupondo que os leitores sabiam de quem o jornal estava falando e quisessem comprar um
exemplar para saber detalhes. Isso não aconteceria com nenhum outro artista nos Estados Unidos. Os
leitores do Post sabiam que ele era o sujeito que tinha pintado Latas de sopa Campbell. Para o
público, mesmo que ele tivesse desistido da pintura, continuava a ser um pintor. O fato de agora fazer
filmes em vez de quadros queria dizer que era um artista que fazia filmes. Warhol tinha ampliado o
conceito de artista para uma pessoa que não limitava seu produto a um meio em particular. Não se
diria uma coisa dessas sobre nenhum outro artista americano; ele reinventou o conceito de artista
como uma pessoa dotada da liberdade de usar qualquer meio de expressão que se lhe apresentasse.
Até os artistas mais criativos levavam uma vida bem mais convencional que a dele. Warhol
continuava pensando que, pelo menos para ele, a pintura fazia parte de uma fase encerrada de sua
vida, sem que isso significasse que ele tinha deixado de ser artista. Continuava a ser artista de outras
maneiras – um artista que não pintava mais. Isso não significava, porém, que ele estivesse satisfeito
com a sua posição como afirmou Leo Castelli referindo-se a Warhol. Apenas significava que o
sentimento de satisfação não fazia parte de ser artista como ele o definia.
Em 1970, Warhol considerou a ideia de organizar uma exposição retrospectiva itinerante de suas
obras, sob curadoria de John Coplans, do Pasadena Art Museum. O trajeto deveria terminar no
Whitney Museum of Art na primavera de 1971. A retrospectiva devia excluir explicitamente o que
Donna di Salvo designou de “Pop pintado à mão”, que incluía a obra da década anterior exibida na
vitrine da loja Bonwit Teller. Warhol queria que só fossem incluídas as séries, como as latas de sopa
e as caixas de supermercado, os retratos de ícones e as imagens de catástrofes e, finalmente, as
pinturas de flores. Como se ele fosse, afinal de contas, o que disse que desejava ser – uma máquina,
uma máquina que não produzisse obras singulares, mas exclusivamente séries. Se era assim, o que
fazer agora? De certo modo, Warhol parece ter percebido que os anos 60 tinham acabado e que a
nova década começava com uma espécie de vazio. Para ser justo, é preciso dizer que ninguém
parecia saber o que fazer em seguida. A pintura estava em apuros, como as pessoas gostavam de
dizer. Eric Fischl, que em 1970 estudava na Cal Arts, recorda-se de que os professores olhavam para
os alunos para ver aonde a arte se dirigia e o que deveria ser. O desenho, por exemplo, era objeto de
desdém, embora não se tivesse clareza do que haveria de substituí-lo. Fischl descreveu da seguinte
maneira a atmosfera da escola de arte mais avançada da época:

Era por volta de 1970, o pináculo das delirantes ideias liberais sobre educação e
autoaperfeiçoamento. Faça suas próprias coisas. Nada de regras. Nada de história. Tivemos
aquela aula de desenho organizada por Allan Hacklin. Cheguei atrasado. A aula tinha começado
por volta de nove ou dez horas da manhã, mas só pude chegar às onze. Entrei no ateliê, e estava
todo mundo nu. Verdade! Estava todo mundo nu. Metade das pessoas estava coberta de tinta.
Rolavam pelo chão sobre folhas de papel que haviam cortado de um rolo. As duas modelos
estavam sentadas num canto, absolutamente imóveis, mortas de tédio. Os outros jogavam tinta
para todos os lados e tinham escalado o telhado e se atirado dentro de baldes de tinta. Um
completo zoológico.[10]

De fato, as escolas de arte dos Estados Unidos tinham parado de ensinar habilidades específicas.
O pressuposto era que cabia aos próprios alunos afirmar que gênero de artista desejavam ser. E
deviam aprender o que fosse necessário para concretizar suas ideias de arte. A avaliação crítica do
grupo substituía os cursos de formação: o aluno defendia seu trabalho em andamento numa espécie de
reunião de conscientização. Qualquer coisa era aceita desde que o aluno a justificasse numa reunião
de avaliação – qualquer coisa exceto pinturas, que a década impugnava tal como Warhol tinha feito
em 1965, e que parecia não satisfazer às necessidades de uma nova geração de artistas formada, em
maioria, por mulheres para as quais a pintura se associava ao forte machismo criado pela cultura
expressionista abstrata. A viúva de Jackson Pollock, Lee Krasner, ela própria uma eminente figura
daquele movimento, afirmou, no fim de sua carreira, segundo sua crítica, Anne Wagner: “Sou um
produto dessa civilização e pode-se dizer que toda essa cultura e civilização é machista”. A
confissão tem a forma lógica de um entimema: uma premissa maior e uma premissa menor, com uma
conclusão omitida, isto é, “Eu, apesar de mulher, sou machista”. Como se ela precisasse ser machista
para sobreviver como pintora. Nos anos 70, as mulheres absolutamente não se sentiam assim.
Importante exposição de artistas do sexo feminino, realizada em meados da década de 80, cujo
subtítulo era “Mulheres artistas entram no mainstream”, deixa claro que o mainstream estava sendo
reconstruído de modo a adaptar-se melhor ao que se pensava ser uma sensibilidade feminina. Na
exposição de Lee Krasner que Barbara Rose organizou no MOMA em meados dos anos 80, havia
fotografias de suas pinturas no espaço doméstico, entre plantas e colchas decorativas. Mas, no
museu, as pinturas estavam nos hediondos cubos brancos de suas implacáveis galerias, como se uma
exposição fosse uma arena e a arte passasse por uma via crucis, um rito de passagem, que as pinturas
tinham de ser capazes de resistir. O curador de pintura, William Rubin, chegou a tirar as molduras
dos quadros! Eles tinham de encarar a situação com ousadia, como lutadores nus no ginásio. A arte
não tinha lugar na vida.
A crescente presença das mulheres na arte depois dos anos 70 não foi o único fator de
complicação nesses anos. Os vários grupos étnicos e raciais também pressionaram para obter o
reconhecimento de suas expressões artísticas pelas instituições definidoras do mundo da arte,
especialmente os museus. O multiculturalismo diversificou o currículo da história da arte e a
programação das exposições de museus e galerias comerciais. O mundo da arte estava se
transformando de uma forma que dificilmente seria reconhecível nos anos 60, muito menos na década
anterior, quando o expressionismo abstrato reinava soberano. A questão não estava numa ausência de
lógica, mas na contestação ponto a ponto da lógica da arte e da compreensão da arte conforme se
ampliava cada vez mais o leque do permissível. Em 1960, o grande crítico Clement Greenberg
publicou um importante artigo intitulado “A pintura modernista”. Sua tese era que cada arte estava
começando a interrogar o que era essencial no meio que a define. Greenberg afirmou que a pintura
estava se tornando cada vez mais pura, no sentido de ser cada vez mais fiel à sua essência. Mas na
década de 70 ocorreu justamente o inverso. Uma espécie de “impureza” começou a dominar a
produção artística. E, quanto a isso, Warhol revelou-se extremamente avançado. Ele foi o primeiro
artista contemporâneo a considerar o papel de parede como produto artístico legítimo. Em suas
Nuvens prateadas, ele foi o primeiro a usar escultura inflável. Nada poderia ser mais heterogêneo
que o espetáculo Exploding Plastic Inevitable, que juntou música, dança, cinema, tudo misturado e
em altíssimos decibéis. A pintura parecia ser uma atividade inteiramente retrógrada para alguém que
era o emblema da arte avançada. E, se Warhol voltasse a pintar, teria de ser alguma coisa com um
sentido diferente do que a pintura havia significado até em sua obra incrivelmente heterogênea.
Uma vez que a maioria das pessoas pensa na pintura de cavalete quando pensa em arte, não deixa
de ser curioso que esse gênero de pintura tenha sido considerado obsoleto pelas vanguardas em boa
parte da era moderna. “A pintura esgotou-se”, declarou Duchamp aos colegas Ferdinand Léger e
Constantin Brancusi durante uma exposição aeronáutica em Paris, em 1911, onde admiravam uma
hélice de avião: “Você pode pintar uma coisa tão linda quanto esta?”. Após a Revolução Russa,
muitos pintores soviéticos indagaram sobre o papel que lhes caberia desempenhar na nova
sociedade, já que a pintura fora considerada inadequada. Os muralistas mexicanos desaprovavam a
pintura de cavelete e optaram pelos enormes muros pintados com mensagens heroicas dirigidas ao
povo. No início da década de 80, importantes críticos do mundo da arte nova-iorquino proclamaram
a morte da pintura e da instituição em que era basicamente reverenciada, os museus de belas-artes.
Mas quando a sucessão de invenções revolucionárias de Duchamp, Warhol e Beuys mostrou que
qualquer coisa podia ser arte, aos poucos foi se tornando claro que não havia razão alguma para
excluir a pintura; no mundo pluralista atual, excluir pinturas de grandes exposições, como fez a
Bienal do Whitney Museum, não me parece ser mais que um capricho da curadoria. As guerras contra
a pintura acabaram, e a questão que resta é saber por que foram tão furiosas. Warhol continuou a
fazer filmes durante toda a década de 70 e, em 1972, repentinamente voltou à pintura quando
começou a série de retratos de Mao Tse-Tung, reproduzidos em grandes quantidades e diversos
tamanhos.
Em fevereiro de 1972, Mao Tse-Tung incentivou o presidente Nixon a visitar a China, iniciativa
que foi considerada mundialmente um passo para a distensão da Guerra Fria. Somente uma pessoa
com sólida reputação anticomunista teria ousado encetar essa viagem, e Nixon tem o mérito por esse
excepcional gesto de ousadia. Warhol pintou retratos dessas duas figuras históricas. Nixon aparece
com a pele esverdeada e dentes caninos, e na margem inferior pode-se ler a frase: “Vote McGovern”.
As pinturas de Mao, ao contrário, têm uma saudável afabilidade e se baseiam numa imagem
conhecidíssima – o rosto usado no frontispício do Livro Vermelho das máximas do líder chinês.
Warhol modificou a imagem que serviu de base, para dar a impressão de que Mao está usando batom
e sombra de olhos, como uma rainha raivosa, me parece. Warhol foi muitas vezes retratado como um
travesti nas fotos de Chris Mako, e, numa intervenção jocosa citada na biografia de Victor Bockris,
disse que o batom para homens e mulheres é um dos direitos reclamados em seu filme A revolta das
mulheres, protagonizado por três importantes travestis da Silver Factory: Holly Woodlawn, Candy
Darling e Jackie Curtis.
Andy tinha uma concepção profunda da condição do travesti:

Entre outras coisas, as drag queens são arquivos ambulantes da condição feminina da estrela de
cinema ideal. Sou fascinado por meninos que passam a vida inteira tentando ser meninas
completas, porque eles têm de trabalhar arduamente – o dobro do tempo – para se livrar de todos
os reveladores sinais masculinos e trazer para si todos os sinais femininos. Não estou dizendo que
isso não seja autodestrutivo e produza o resultado oposto ao esperado, e não estou dizendo que
esta talvez não seja a coisa mais absurda que um homem pode fazer com sua vida. O que estou
dizendo é que é uma tarefa árdua assemelhar-se ao oposto do modo como a natureza o fez, e
depois virar uma imitação do que não passou de uma fantasia de mulher, desde o início.[11]

Entretanto, é impossível determinar se a intenção era que os retratos de Mao o mostrassem usando
realmente batom, ou se é apenas um maneirismo de Warhol nesse gênero de pintura. Minha impressão
é que ele efetivamente não entendia por que os homens não têm o direito de pintar o rosto para
parecerem mais bonitos do que a natureza os fez, como as mulheres – e como ele mesmo reclamava o
direito de fazer, usando maquiagem para sair.
Assim como nas pinturas de Flores, Warhol fez retratos de Mao de todos os tamanhos e preços,
de modo que todo mundo podia comprar um quadro de Mao, dentro dos limites dos seus recursos,
inclusive os quatro gigantescos Maos, de cerca de cinco por quatro metros, tão impressionantes a
ponto de causarem forte emoção num comício na Praça da Paz Celestial. No momento em que
escrevo este livro, o último dos retratos gigantescos de Mao que se encontra em mãos de particulares
foi enviado a um leilão em Hong Kong, onde se especula que possa render 120 milhões de dólares,
superando o Desastre de carro verde, que foi arrematado por 80 milhões de dólares em 2007. Mas
Warhol também fez retratos de Mao em dimensões pequenas e médias, e estampou rolos de papel de
parede com imagens repetidas do presidente da China. O rosto de Mao não foi apenas transposto da
serigrafia para painéis: Warhol deu vida à superfície das telas com pinceladas espontâneas para que
parecessem arte pop – e eram – pintada à mão.
A transformação foi espantosa. Warhol conseguiu desintoxicar uma das imagens políticas mais
assustadoras da época. Antes de Warhol apropriar-se do rosto do presidente Mao, pôr um retrato
dele na parede não era apenas uma manifestação de atitude política – era fazer uma profissão de fé.
Nenhuma instituição dos Estados Unidos ousaria enfrentar a suspeita da subversão implícita ao
pendurar um retrato do mais poderoso líder radical da China. Seria o mesmo que colocar um retrato
de Karl Marx ou de Josef Stálin. Warhol transformou aquela imagem tão aterradora em algo inócuo e
decorativo. Qualquer um podia pendurar na parede um presidente Mao, ou dez, sem medo de ofender
a ninguém, ou de sugerir que tivesse ideias perigosas e revolucionárias. Imaginemos um jovem
estudante, empolgado com as ideias dos Guardas Vermelhos da China, trazendo para casa um pôster
do presidente Mao para pôr em seu quarto, enquanto os pais lhe mostram um novo Warhol – um
retrato afável do presidente chinês sobre a lareira, ao lado de uma das latas de sopa de Andy, numa
sala de estar cujas paredes fossem cobertas de papel de parede verde e roxo com ilustração de
cabeças de vaca! Andy tinha um pequeno Mao na mesa de cabeceira em sua residência da 66Street,
próximo à Madison Avenue.
Warhol criou cerca de 2 mil retratos de Mao Tse-Tung, devolvendo à Factory o ritmo de
produção de massa que distinguiu o ateliê no breve período em que ele e Malanga fizeram centenas
de caixas de supermercado. Mas a riqueza e a diversidade de cores e a irônica impulsividade das
pinceladas eram uma preparação para o estilo de retrato que viria a se tornar a marca de suas
representações pictóricas das celebridades, e daqueles que desejavam parecer-se com celebridades.
Há espaço para pesquisas sérias sobre a evolução do gênero do retrato em Warhol, que por alguns
anos sustentou financeiramente a Factory em sua terceira e última fase, quando potenciais
compradores eram convidados a almoçar no restaurante da Andy Warhol Enterprises, depois que a
etapa de estúdio cinematográfica chegou ao fim. A causa do encerramento da produção de filmes foi
a impossibilidade de Warhol e seus sócios receberem o dinheiro decorrente do surpreendente
sucesso comercial de uma refilmagem abominável de Frankenstein, em 1973. Recentemente,
comparei o estilo de retrato de Warhol com o de Francesco Clemente, que também pintava
celebridades. Por mais que admire Warhol como artista, não consigo imaginá-lo interessando-se pela
interioridade, que é a razão de Clemente para fazer o retrato de uma pessoa. Ele era um mestre e até
certo ponto servo da reprodução mecânica, que estaria perdido, eu diria, sem a intermediação de um
instrumento de reprodução. Clemente, ao contrário, declarou: “Eu nunca pinto um retrato a partir da
fotografia, porque a fotografia não me oferece suficiente informação sobre o que a pessoa sente”.
Pode-se dizer que Warhol interpôs a câmera entre si e o modelo justamente porque só lhe interessava
a superfície. “Quando você senta durante uma hora e meia diante de alguém”, observou Clemente,
“ele ou ela revelam cerca de vinte faces. Então é uma busca louca por Qual Face? Qual delas é a
tal?” Para ser franco, eu acho que Warhol responderia: “Todas elas”, e se recusaria a escolher. Seus
testes de câmera, suas séries de fotos geradas em máquinas automáticas eram estratégias mecânicas
para não fazer escolhas. Mas Clemente, um homem que conhece o mundo, descobre meios de dar
visualidade ao que sabe sobre uma pessoa além do que seus olhos veem. Ele traduz seu
conhecimento em inflexões visuais, apresentando aspectos da pessoa que não podem ser
fotografados. Poucos retratos na arte moderna se comparam ao seu maravilhoso Princesa Gloria von
Thurn und Taxis. A mulher de nome comprido nos olha, desafiadora, com sua deslumbrante
gargantilha de pedras preciosas agressivamente presa ao pescoço, os olhos ardentes acentuados
pelos tons esverdeados e rosados que Clemente usou para representar sua pele. O retrato é modulado
pelas descobertas estilísticas independentes de Schiele, Beckmann e Matisse, sem ser de modo algum
redutível a nenhum deles. Só essa pintura bastaria para reconhecer Clemente como um artista de
grande estatura e potência. Os recursos que ele utiliza para criar uma imagem verdadeira da princesa
Gloria não têm correspondência alguma na linguagem da fotografia. As formas coloridas
semiarbitrárias que Warhol usa para marcar os traços essenciais do rosto de um modelo também não
correspondem a nenhum recurso fotográfico, antes de tudo porque não têm correspondência alguma
com um elemento real do rosto da pessoa. Isso explica a magnitude dos retratos de Mao Tse-Tung.
Será que eles nos dizem alguma coisa que Warhol intuiu sobre o tirano? Que ele pintava o cabelo ou
usava batom para ficar mais fotogênico?
Essas perguntas não se aplicam à outra imagem que Warhol desintoxicou, o emblema comunista
da foice e do martelo cruzados, um símbolo que qualquer um pensaria vinte vezes antes de exibir na
vitrine de sua loja. Andy expôs as versões da Foice e martelo na Castelli Gallery em janeiro de
1977 e, posteriormente, na Daniel Templon Gallery, em Paris; todas as pinturas foram vendidas. No
entanto, o emblema já era comum nos grafites de Paris, onde o Partido Comunista era forte, ao
contrário de Nova York, onde era visto como um símbolo incendiário, uma ameaça assustadora para
uma população que, no auge da Guerra Fria, estava convencida de que o comunismo visava destruir
os valores dos norte-americanos e tudo o que eles defendiam. É verdade que, nos Estados Unidos, a
exposição teve lugar no Soho e não em Omaha, mas não se viram protestos nem manifestações
agressivas. Dez anos antes, expor o símbolo comunista seria uma provocação tão grande quanto
mostrar um Jesus de plástico flutuando na urina do artista em Richmond, Virginia. Na verdade, a
exposição transcorreu como qualquer outro evento no Soho daquela época. Andy tinha visto o
símbolo comunista na Itália, onde o artista pop era quase um herói da esquerda. Em 1975, ele
realizou uma mostra em Ferrara, reunindo uma série de pinturas cujo tema eram travestis negros e
hispânicos, e os críticos ligados à esquerda elogiaram esses trabalhos como uma denúncia “do cruel
racismo do capitalismo americano”, que não deixa escolha aos negros pobres e hispânicos senão se
prostituírem como travestis. Na verdade, Senhoras e senhores, o título da série, glamorizou o tema,
em conformidade com a cultura do mundo do travesti; Warhol usou faixas de cor como colagens – o
que dificilmente bate com as intenções políticas atribuídas à obra. Indagado por jornalistas se era
comunista, Warhol se fez de desentendido e perguntou a Colacello se ele era comunista. Colacello
respondeu: “Bem, acabei de fazer um retrato de Willy Brandt e estou buscando desesperadamente
uma encomenda para fazer o retrato de Imelda Marcos”. Ao que Andy concluiu: “Eis minha
resposta”. Na condição de business artist, Andy não admitia a interferência da política nos seus
empreendimentos. Acusaram-no de perseguir o xá do Irã na tentativa de obter dele uma encomenda
de trabalho, mas a verdade é que todo mundo naquele tempo estava correndo atrás do dinheiro do xá,
sabidamente envolvido na modernização do país; e tinha convidado professores estrangeiros para
colaborar nesse esforço. Eu mesmo fui convidado a dar aulas sobre arte contemporânea em Teerã,
mas o retorno do aiatolá adiou a proposta por tempo indeterminado. Alguns capitalistas italianos
eram comunistas – Gianni Agnelli até comprou uma pintura da Foice e martelo na Daniel Templon
Gallery. Nesse meio-tempo, no Soho, estavam todos encantados: Paulette Goddard pensou em
mandar fazer um broche, se bem que uma coisa era mandar fazê-lo a partir da pintura de Andy, outra
muito diferente seria ter uma comum e simples foice e martelo. O interessante é que esse emblema já
estava morto e enterrado nos Estados Unidos, ao contrário da suástica que até hoje desperta ódio e
arrepios pelos que o envergam. Isso não quer dizer, é claro, que o símbolo da foice e do martelo
tenha perdido força em outros lugares do mundo. Continua a ser tóxico na Coreia do Norte, por
exemplo. Mas pelo menos no Soho, em 1977, era possível mostrá-lo sem sofrer represálias. Saul
Steinberg disse que a Foice e martelo era a única pintura que ele invejava e gostaria de ter tido a
ideia de desenhá-la – uma espécie de “natureza-morta polí-tica”. De todo modo, como se trata do
caso raro de um tema que não lhe fora sugerido por ninguém, um símbolo universalmente reconhecido
e igualmente temido e odiado, é preciso conceder a Andy o mérito de intuir que o comunismo
deixaria de ser um assunto inquietante. Doze anos depois, a queda do Muro de Berlim pôs fim à
Guerra Fria.
Já o painel com quatro retratos que Warhol inventou tem uma explicação econômica. Um retrato
ocupando um só painel custa 25 mil dólares, e o preço vai caindo a cada painel subsequente, de
modo que o quarto e último vale 5 mil dólares. Bom negócio, difícil de resistir. Em última análise,
nem todos os clientes de Warhol eram celebridades, mas sim pessoas que podiam pagar para ter seus
retratos pintados como se fossem famosos, e no painel completo de quatro imagens. Conheci um de
seus modelos, cujo retrato ele me disse ter sido o último que Warhol pintou. Ela contou que ele
ficava o tempo todo comentando sobre a pele dela. No mínimo, isso revela que as preocupações de
Warhol demonstradas na vitrine de Bonwit Teller prolongaram-se durante toda sua vida: o nariz de
batata, a pele com marcas de acne e qualquer outra coisa que fizesse de sua aparência um tormento.
No livro A filosofia de Andy Warhol: de A a B e de volta a A, ele escreveu: “Se alguém me
perguntasse ‘qual é seu problema?’, eu teria de dizer: a pele”.

[1]Mole People é o apelido dado aos numerosos sem-teto que vivem nos subterrâneos das grandes metrópoles, como Nova York,
usando os túneis abandonados do metrô. A palavra mole significa toupeira. [N.T.]
[2]Sincronização do movimento dos lábios com a voz gravada. [N.T.]
[3]Mary Woronov, Swimming Underground: My Years in the Warhol Factory. Londres: High Risk/ Serpent’s Tail, 1995, pp. 62-63.
[4]Id, ibid. p. 72.
[5]Georg Wilhelm Friedrich Hegel, Fenomenologia do espírito. [1807] Petrópolis: Vozes, 1992, p. 55.
[6]V. Bockris, op. cit., p. 320.
[7]Id., ibid., p. 306.
[8]“Scum” significa, em inglês, ralé ou escória. [N.T.]
[9]V. Bockris, op. cit., p. 311.
[10]Donald Kuspit, Fischl. Nova York: Vintage, 1987, p. 33.
[11]Andy Warhol e Pat Hackett, popism: The Warhol ’60s. San Diego: Harcourt Brace Jovanovich, 1990, pp. 317-18.
Não é raro dizerem que o ataque de Valerie Solanas foi um divisor de águas na vida de Warhol, que
ele se tornou um artista diferente depois de sofrer a violência que o deixou quase morto por um
momento e para sempre traumatizado. Realmente, há uma diferença entre o tipo de trabalho que ele
fez antes de 1968 e o que começou a realizar após ter se recuperado e até sua morte. O primeiro
período mudou a história da arte de uma perspectiva filosófica, mas dificilmente se poderia dizer o
mesmo a respeito do período posterior.
É difícil de validar fatos que não aconteceram, mas poderiam ter acontecido. Não nos resta mais
que especular sobre como seria a vida artística de Andy caso Valerie tivesse sido uma pessoa menos
patologicamente ressentida e mais fácil de abrandar, logo ela que, apesar de uma personalidade
perturbada, até então nunca tinha disparado um tiro. Pode-se tentar compreender como a vida e a arte
de Warhol teriam evoluído se ponderarmos que o tiro fatídico de Valerie atingiu Warhol seis meses
depois da segunda mudança da Factory para a Union Square West, 33, onde, desde o começo, ele já
trilhava um novo caminho. A mudança, portanto, não foi simples troca de endereços; na verdade,
significou um recomeço. A decoração prateada da primeira Factory desapareceu no novo estúdio,
que se parecia mais com um escritório comercial nova-iorquino do que com um lugar onde as
pessoas faziam e aconteciam. Fred Hughes, e Paul Morrissey procuraram introduzir um modelo de
operação mais eficiente e profissional. Morrissey tinha pouca paciência com o tipo de gente que
havia dado o tom da Silver Factory e tentou afastar os que lhe pareciam mais bizarros. Isso causou
certa preocupação em Warhol: “Eu tinha medo de que sem aqueles doidos drogados falando
besteiras e fazendo maluquices acabasse perdendo minha criatividade. Eles tinham sido toda a minha
inspiração desde 1964”.[1] E é claro que o novo regime não conseguiu manter Valerie longe das
portas.
De certo modo, até que Warhol tinha razão. A mudança da primeira para a segunda Factory fez
uma diferença significativa na maneira de pensar a produção de arte, e portanto no tipo de arte feita
lá. Essa diferença já estava institucionalizada no início de 1968, meses antes de Solanas puxar o
gatilho, em princípios de julho. Andy já se tornara um misto de artista e executivo e começava a
pensar a arte como um negócio; a segunda Factory foi de certa maneira emblemática disso, com sua
aura profissional, suas mesas de tampo de vidro, suas imponentes máquinas e seus telefones. Ele
ainda se via como alguém que tinha abandonado a pintura para dedicar-se primordialmente a fazer
filmes. Seus advogados estavam ocupados em dar forma concreta à Andy Warhol Enterprises como
uma entidade jurídica. As pinturas que viessem a ser feitas no futuro não seriam, do ponto de vista
legal, produtos do artista Andy Warhol, mas da Andy Warhol Enterprises, Inc., como quer que isso
funcionasse na prática.
De certo modo, a agressão foi boa para os negócios de Warhol. Os preços de suas obras
aumentaram, bem como sua fama. A exposição retrospectiva de Pasadena, magnificamente
organizada e que definiu toda a sua obra, deixou clara a enorme contribuição de Andy Warhol para a
arte contemporânea. Assim, algumas forças empurravam-no de volta ao mundo da arte, onde ele já
era uma estrela fundamental, se bem que ele considerasse os trabalhos selecionados para a exposição
de Pasadena como partes de uma obra encerrada. Mas outras forças contrabalançavam esse impulso
levando-o para uma direção muito diferente. Penso que Warhol tinha atitudes distintas com relação
às duas esferas de suas atividades. Os filmes não tinham mais nada a ver com o gênero underground.
Eram produções mais caras, que exigiam equipamentos e pessoal técnico muito diferentes da
improvisação de uma câmera e um tripé, alguns refletores e quem estivesse passando por ali. Ele
agora precisava da infraestrutura de Hollywood ou da Cinecittà de Roma. O filme Cowboys
Solitários foi o último verdadeiro filme da Silver Factory, e mesmo assim exigiu filmagens externas.
Mas os novos filmes permitiriam a Warhol levar o tipo de vida que ambicionava para si – a de uma
celebridade internacional entre as celebridades internacionais –, uma diva entre divas. Naturalmente,
esperava que os filmes lhe rendessem dinheiro. Por outro lado, ele talvez mesmo abandonasse a
pintura se tivesse condições financeiras de fazê-lo. Foi isso mais ou menos que ele quis dizer quando
falou da business art no livro A filosofia de Andy Warhol: de A a B e de volta a A, de 1975:

A business art é o passo que vem depois da Arte. Comecei como um artista comercial e quero
terminar como um business artist [artista de negócios]. Ser bom nos negócios é o mais fascinante
tipo de arte […] ganhar dinheiro é arte, trabalhar é arte, e o bom negócio é a melhor arte.[2]

Parece ser justamente isso que Warhol tinha em mente quando se transferiu da Silver Factory para
a Union Square Oeste. Ele até imaginou vender ações da Andy Warhol Enterprises em Wall Street.
De modo que Valerie Solanas provocou uma pane na suave concretização dos planos de Warhol
quando ele mudou de endereço.
Ocorre que os filmes dos anos 1970 não despertaram o mesmo interesse que os primeiros, e nem
mesmo foram um sucesso financeiro. A “business art” dos anos 70 e 80, por outro lado, era instável,
às vezes vendia muito, às vezes era um completo fracasso, embora poucos trabalhos apresentassem a
extraordinária profundidade conceitual de sua produção da década de 60, quando Warhol elaborou
as mudanças que transfiguraram a história da arte. Até que ponto isso se devia ao fato de ser business
art é difícil de dizer. Os retratos de Mao, sem dúvida, foram feitos em 1972, assim como as pinturas
da Foice e martelo são de 1977. São trabalhos louváveis, até instigantes, mas não me parecem ser
“business art”, ainda que os quadros de Mao tenham vendido bem, enquanto as serigrafias da Foice
e martelo, “feitas por razões de arte”, como Andy explicou a Ronnie Cutrone, venderam muito mal,
pelo menos de início.
Logo que Andy recuperou as forças, começou a levar uma vida intercontinental de esplendor e
glamour. Ele era muito mais aceito como artista na Europa do que nos Estados Unidos. Na Europa,
era visto como uma figura importante – o artista das pinturas de Morte e desastre, o autor do filme
Empire –, enquanto nos Estados Unidos ainda não era tratado com a seriedade que merecia, e ainda
por cima era criticado por não ter nada a dizer sobre a Guerra do Vietnã. Em 1973, Warhol estava
trabalhando na Cinecittà, fazendo filmes de horror para Carlo Ponti, frequentando festas e tornando-
se amigo íntimo e confidente de estrelas como Elizabeth Taylor. Por um breve período pareceu que
ele acumularia dinheiro suficiente com esses filmes para poder esquecer a “arte”. Mas, quando se
tratava de negócios, Warhol não se igualava aos italianos, e a Andy Warhol Enterprises não lucrou
nada com seus filmes sobre Frankenstein e Drácula.
No outono de 1974, apesar do fracasso financeiro dos filmes realizados em Roma, a Andy Warhol
Enterprises instalou-se numa terceira versão da Factory – um grupo de salas no elegante endereço da
Broadway, 860, com um restaurante anexo que servia almoços grandiosos. Os malucos da velha
Factory tinham sido substituídos por executivos, cada um ligado a um ramo dos empreendimentos de
Andy Warhol. Um desses ramos era a revista Interview, que gerava receita de publicidade sob a
coordenação de Bob Colacello. Outro ramo era o do negócio dos retratos, dirigido por Fred Hughes,
que parecia pertencer à mesma classe social daqueles que tinham dinheiro o suficiente para
encomendar seus retratos. Os escritórios da Broadway, 860, eram decorados com os valiosos
objetos de art déco que Andy localizava com seu olho clínico – ele havia inaugurado uma fase em
que, todos os dias, passava horas fazendo compras. Paul Morrissey tinha saído de cena por causa do
sumiço da fortuna que se esperava obter com os filmes feitos na Itália. A Andy Warhol Enterprises
estava toda mobilizada para produzir uma última imprudência cinematográfica, o filme Bad, feito sob
medida para a onda punk que dominava a cultura jovem da época, com a qual o nome e a figura de
Warhol tinham sido associados. O ponto alto do filme é a cena em que uma mulher joga seu bebê
pela janela – episódio que pelo código de ética do cinema era quase uma garantia de que o filme
seria um fracasso. Se, no caso dos dois filmes autorais que produziu, a Andy Warhol Enterprises não
obteve lucros, com Bad ela perdeu dinheiro. Por fim, havia o setor da business art, na qual Andy e
Ronnie Cutrone trabalhavam em salas especialmente destinadas para seus negócios. Quanto à sua
forma de vida e de trabalho, Warhol era mais ou menos o mesmo que se poderia esperar, caso não
tivesse levado o tiro.
Mas tudo isso deixa de lado as cicatrizes psicológicas provocadas pelo violento ataque de
Valerie. E também não inclui as diferenças entre a década de 60 e a de 70. Os anos 60 foram um
decênio de movimentos artísticos: arte pop, minimalismo e arte conceitual definiram o debate da
época. Nos anos 1970, porém, não houve movimentos e nenhuma direção histórica. “O que aconteceu
nos anos 1970?” – perguntou Roy Lichtenstein quando a década terminou, sugerindo que a resposta
era “Nada”. É um exagero; na verdade, surgiram artistas, especialmente na fotografia, como Cindy
Sherman, Nan Goldin e Robert Mapplethorpe. Mas o pluralismo que dominou o mundo da arte havia
se instalado. Cada artista tinha de descobrir seu próprio caminho. A conformação da história da arte
havia se modificado radicalmente, graças sobretudo ao trabalho de Andy Warhol nos anos 60, e,
como todos os outros artistas, Andy estava só.
Antes de tornar-se um “artista de negócios”, Warhol tinha um evidente interesse na fama, mas o
dinheiro parecia ser secundário. Ele esperava que as pessoas comprassem suas caixas de mercado,
só que elas não compraram. Esperava que as pinturas da série Morte e desastre vendessem bem, mas
ninguém estava muito interessado nelas, pelo menos não nos Estados Unidos, ou então as pessoas
estavam somente interessadas em vê-las, não em comprá-las. Vistas como um todo, as obras exibidas
na retrospectiva de Pasadena demonstravam o que se poderia chamar de filosofia de vida de Andy
Warhol. Ele representou o mundo em que os americanos viviam como imagens num espelho, para que
todos pudessem ver a si mesmos e a seu mundo refletidos. Era um mundo bastante previsível por suas
repetições, um dia igual ao outro, mas esse arranjo ordenado podia ser destruído pelos acidentes e
explosões que povoam nossos pesadelos: desastres e perigos imprevistos que ocupam os noticiários
da noite e depois são substituídos – salvo para as vítimas imediatas – por outros horrores que os
jornais do dia seguinte têm o prazer de nos mostrar, com seus corpos esmagados e vidas dilaceradas.
É um mundo de gente simples e comum – nós –, com as imperfeições que nos atormentam e explicam
por que não somos amados como gostaríamos de ser, e que também afligem as estrelas e
celebridades que tiram a própria vida, apesar de serem invejadas por sua beleza, sucesso e
felicidade. Andy também tinha um lado lascivo, certo voyeurismo tolo, um desejo de ver e tirar
fotografias do pênis, do ânus, do peito dos outros, e de fazer filmes em que as pessoas apalpam o
corpo umas das outras, tentam se dar prazer reciprocamente e falham tantas vezes quanto conseguem.
Hollywood nos trata como crianças. Não nos oferece o que queremos ver. “Os filmes devem ser
lascivos. A lascívia faz parte da máquina”, disse Warhol a um entrevistador.[3] Tudo bem que um
artista pinte quadros fazendo xixi na tela preparada, e depois dê sorrisinhos maliciosos quando os
espectadores, ignorando como tinham sido feitos, os admiram como belas abstrações. Problema
algum em desenhar genitálias, desde que se diga às pessoas que pensem nelas como abstratas. À sua
moda, Warhol fez pela sociedade americana o que Norman Rockwell havia feito antes. Os Estados
Unidos, especialmente Nova York, tornaram-se o centro do mundo da arte. A arte norte-americana
era admirada e imitada por toda a parte. Mas o que havia nela de tão tipicamente americano? Andy
pintou selos promocionais de desconto da S&H Green. Pintou notas de dólar americano de pequeno
valor. Pintou o que os americanos comem. As pessoas o viam como uma delas, mesmo quando ele
dizia que a business art era a melhor arte.
Mas o que ele efetivamente produziu como “arte de negócios” quase nunca parecia fazer parte
desse quadro. A business art consistia geralmente numa série de gravuras (e pinturas) feitas para
ganhar dinheiro. Quando Warhol pintou as latas de sopa, a maioria das pessoas achou que ninguém
de bom senso ia comprá-las. Mas imagens agradáveis de atletas famosos, de animais em extinção
pareciam ser feitas sob medida para as paredes da sala de espera de profissionais liberais bem-
sucedidos ou para o saguão dos hotéis de luxo. A business art parecia ser feita para o bem dos
negócios.
Ocasionalmente, Warhol, como artista de negócios, fez alguma coisa com a profundidade de seus
antigos trabalhos. Numa esplêndida série de gravuras, encomendada pela Ronald Feldman Gallery,
as imagens se inspiraram diretamente na cultura popular: uma estrela de cinema (talvez Elizabeth
Taylor como Cleópatra), o Super-Homem, Mickey Mouse e Papai Noel como forças do bem, Drácula
e a Bruxa Má do Oeste como forças das trevas, um Tio Sam ambíguo entre o bem e o mal, Tia
Jemima[4] como emblema de nosso pão de cada dia, e, naturalmente, ele próprio, como o Sombra,
aquele que tudo vê e tudo sabe. Warhol incluiu ainda o Howdy Doody, o boneco sardento, bobão e
lerdo, muito popular entre as crianças por causa de um programa infantil a que elas assistiam na sala
de suas casas de subúrbio, e cantavam junto com ele e seu amigo mais velho, Buffalo Bob. Isso me
fez lembrar que os jovens revolucionários de minha universidade tinham ido ver a apresentação de
Howdy Doody no campus, em plena rebelião, e cantaram junto com ele e outro boneco as canções
que lhes lembravam a infância, quando ainda não carregavam nas costas a responsabilidade de lutar
por um mundo melhor. Típico de Andy Warhol foi perguntar, quando a equipe se preparava para tirar
a fotografia de Howdy Doody que ele ia usar para sua gravura, se Howdy Doody tinha pênis.
Segundo o relato de Ronald Feldman, eles despiram Howdy Doody ali mesmo, no estúdio, e, como
era de esperar, havia um toco de madeira provando que o boneco era igual ao restante de nós no que
diz respeito às partes normais do corpo humano que nos deixam excitados e atentos aos corpos dos
outros. Mas ele não mostrou Howdy Doody nu – isso não fazia parte do mito.
Tivesse Warhol pintado um símbolo do dólar como outro mito, todo mundo teria percebido onde
ele queria chegar. O dinheiro é uma preocupação de todos nós, e, à sua maneira, o símbolo do dólar
representado de maneira simples e sem retoques é tão emblemático dos Estados Unidos quanto a
bandeira. Há inclusive um livro escolar muito citado que fala sobre a origem do símbolo do dólar:
era um monograma para os Estados Unidos com a letra U sobreposta a um S. Isso explica as duas
linhas verticais e os cortes necessários – mas não dá conta do constrangedor problema dos símbolos
do dólar feitos de linhas simples, e não explica de maneira convincente a perda da base curva da
letra U, que já devia ter desaparecido quando o símbolo foi impresso pela primeira vez em 1797. A
curva provavelmente desaparecera bem antes ainda, pois Jefferson usou o símbolo num memorando
de 1784, no qual recomendou o dólar como unidade monetária dos Estados Unidos. Não dá para
acreditar que o U pudesse ter perdido sua base em tempos tão remotos quanto os da Independência
do país! Há importantes razões históricas para explicar por que o símbolo do dólar não podia ter-se
originado de um monograma para o nome dos Estados Unidos, mas só gostaria de acentuar que o
símbolo do dólar poderia ser igualmente um dos mitos pátrios, o Tio Sam [Uncle Sam, (US)], por
exemplo.
Mas os críticos acharam difícil entender aonde Warhol queria chegar quando organizou uma
exposição na Castelli Gallery, em 1981, com desenhos, gravuras e pinturas de símbolos do dólar,
que provavelmente pareceu demasiado literal para uma exposição de business art. Os críticos
torceram o nariz para a exposição, mas os Símbolos do dólar eram maravilhosamente criativos.
Warhol às vezes compilava uma espécie de antologia de suas variações dentro de uma só moldura –
vinte símbolos do dólar em quatro fileiras, nenhum igual ao outro, alguns tão grossos e feitos no
impulso como os ideogramas chineses; outros curvos e elegantes como se tivessem sido executados
por um mestre da caligrafia itálica; alguns sem serifa e outros com terminações ornamentais. Quase
como se quisesse demonstrar que estava tão interessado nas possibilidades do símbolo por si só
quanto no que ele simbolizava. Como se estivesse experimentando formas gráficas para o símbolo do
dólar e mostrando várias maneiras de desenhá-lo. As variações podiam ser infinitas. Havia na
exposição um clima de alegria, e, apesar disso, a crítica reagiu com severidade e azedume, como se
Warhol estivesse tomando liberdades com um símbolo sagrado. A mostra foi um fracasso, crítica e
financeiramente falando. Nenhuma pintura foi vendida. O fracasso do Símbolo do dólar foi tão
grande quanto o das pinturas de Morte e desastre nos anos 60. Creio que por serem percebidas como
frívolas.
De certa maneira, tudo na exposição parecia refletir o fato de que a mostra era uma iniciativa
empresarial. Cutrone, responsável pela montagem, alternou os Símbolos do dólar com imagens de
facas e revólveres feitas por Warhol – a mesma arma que, segundo ele, Solanas tinha usado para
atingi-lo. Fred Hughes disse que o resultado parecia europeu demais, que a exposição devia ter
mostrado apenas os desenhos de dólar. Ele estava certo, pois ninguém estava interessado nessa parte.
Parece-me ser um emblema demasiado carregado para que se pudesse afirmar, como Emile de
Antonio declarou a respeito da Coca-Cola, que era o que nós somos – mesmo que a Segunda Emenda
seja um tema político em alta, e apesar de o Saturday Night Special fazer parte do panorama cultural
dos Estados Unidos. Qualquer um pode entender por que Warhol pintou essa imagem ligada ao
acontecimento mais traumático de sua vida. Mas, justamente por isso, me parece que o revólver não
se encaixa em sua visão do mundo. As pessoas se sentiriam constrangidas diante de tal imagem. Seu
significado seria estranho ao que dá sentido à vida dos norte-americanos, porque era autobiográfico
demais, particular demais para um artista de tamanha dimensão pública – justamente o artista
festejado da alma americana, com a qual Warhol, na fase anterior à business art, parecia ter atingido
tanta harmonia. Algo que ele aparentemente perdeu ou reencontrou apenas de modo intermitente na
década de 70. É por isso que a exposição de Feldman teve tanto sucesso – os símbolos pertenciam a
todo mundo. De certa forma, os sinais gráficos do dólar são muito decorativos e engraçados. Dariam
figuras interessantes para luxuosas cortinas de banheiro, ou papéis de parede, mas para um elemento
que se aproxima de um símbolo nacional eram excessivamente superficiais.
Uma obra que dá a impressão de ser pessoal demais para participar do espírito da business art é
uma instalação de pinturas de sombras realizada por Warhol e Cutrone em 1978. Tal como a Foice e
martelo, do ano anterior, é possível que as sombras tenham se originado de igual desejo de fazer um
trabalho com a pura intenção de ser arte – algo que realmente tivesse um significado –, assim como
uma sombra supõe uma substância sem ser substancial em si mesma. Sombras são abstratas e ao
mesmo tempo representacionais, embora o que representem seja uma questão essencial na
interpretação de Warhol. Ademais, as sombras desempenhavam um papel fundamental nas
explicações mitológicas da origem do desenho. Diz-se que uma jovem de Corinto teria desenhado as
bordas da sombra de seu amante projetada na parede pela luz do fogo, criando assim a silhueta do
perfil dele. As sombras de Warhol são mais abstratas. São geradas por objetos sem identidade
específica, embora Bob Colacello afirme que são sombras de pênis eretos – mais exatamente, pênis
eretos não circuncidados, para explicar uma diferença na ponta. Essa história é, sem dúvida, coerente
com a irrefreável lascívia de Warhol, mas de certo modo incoerente com as prioridades estéticas do
espaço que ele imaginara. Mas as sombras também podiam ser de pepinos, berinjelas ou, como
sugeriram, do Empire State Building. Inclusive de rochas numa paisagem desértica ou lunar.
A probabilidade de haver referências a objetos identificáveis nessas sombras é, todavia, pequena.
Andy queria fazer algumas pinturas abstratas, de acordo com as memórias de Cutrone, sobretudo por
sua proveniência de uma geração de artistas que haviam resistido à abstração quando a concepção
geral era que a boa pintura devia ser abstrata, que a era da abstração era uma revolução na arte, e
resistir à revolução era contraditório com a verdadeira tendência da história. Os artistas da minha
geração, como os da geração de Warhol, tinham certo sentimento de culpa em fazer arte figurativa.
Jackson Pollock censurou asperamente De Kooning pelo reacionarismo de expor pinturas de
mulheres em 1952, em sua histórica mostra na Janis Gallery. Cutrone lembra-se de ter dito a Warhol
que ele pertencia a uma geração posterior que não tinha as obsessões de De Kooning. Foi Cutrone
quem teve a ideia de pintar sombras de formas que não eram formas de coisa alguma – e cujas
semelhanças com alguma coisa eram pura coincidência, ao contrário do perfil de um amante.
As pinturas de Sombras contêm, de fato, a aparência um tanto misteriosa de paisagens abstratas na
penumbra, o que se poderia chamar de “cores de decorador”: a cor arroxeada da berinjela, o azul
forte de Klein, o tom do açafrão. A Dia Foundation adquiriu oitenta dessas pinturas, que se
encontram atualmente instaladas numa grande sala especial, formando um ambiente único,
penduradas lado a lado perto do chão, na sede da fundação em Beacon, Nova York. Colocadas desse
modo, as pinturas de Sombras de Warhol se harmonizam ao conhecido espírito da Dia, que promovia
uma arte de acentuada espiritualidade, tal como o monumental painel Ao povo de Nova York, de
Blinky Palermo, composto de vários elementos nas cores da bandeira alemã. Ou então aos
sentimentos que se imagina que a fundação deseje despertar com os trabalhos de Fred Sandbeck, Dan
Flavin, Robert Ryman ou Donald Judd – um tipo de abstração de elevado misticismo que ergue o
espírito ao plano da comunicação com forças superiores. Nada do que se poderia associar a uma
business art. Mas as Sombras tampouco são o que nos vem à lembrança quando falamos de uma arte
warholiana. Não há nada de impetuoso, atrevido nelas, nada que force limites como se espera de
Warhol. Na verdade, é tudo o que deseja aquele que o respeita e admira como um artista sério, mas
sonha em vê-lo criar uma peça de arte de elevada espiritualidade. Muito mais próximo do trabalho
usual de Warhol é a sala cheia de serigrafias da Última Ceia, baseadas numa reprodução em cores
barata, com Jesus múltiplos e etiquetas de preço que ele pintou em seus últimos anos.
A arte produzida pela Andy Warhol Enterprises consiste em retratos e principalmente as séries de
gravuras imaginadas como propostas comerciais, imagens de atletas ou de animais em extinção. As
Sombras renderam 1,6 milhão de dólares – quase um roubo se compararmos com a venda de todos os
originais da Lata de sopa Campbell por mil dólares.

[1]D. Bourdon, op. cit., p. 313.


[2]Andy Warhol, The Philosophy of Andy Warhol: from A to B and Back Again. San Diego: Harcourt, Brace, Jovanovich, 1975. [ed.
bras. A filosofia de Andy Warhol: de A a B e de volta a A, trad. José Rubens Siqueira. Rio de Janeiro: Cobogó, 2008.]
[3]D. Bowdon, op. cit., p. 327.
[4]Marca popular de produtos matinais criada em 1893; nos Estados Unidos, a Tia Jemima é a versão feminina do Tio Sam. [N.T.]
Andy Warhol tinha uma mentalidade naturalmente filosófica. Muitos dos seus trabalhos mais
importantes são respostas a questões filosóficas ou soluções de enigmas filosóficos. Muitos deixam
de notar esse aspecto do seu trabalho, já que a filosofia não é muito cultivada fora das universidades.
Todavia, a filosofia necessária para apreciar a admirável contribuição de Warhol não existia até ele
criar sua arte. Muito da estética moderna é mais ou menos uma resposta aos desafios que ele propôs,
de modo que sob importantes aspectos Warhol estava verdadeiramente fazendo filosofia ao fazer a
arte que o tornou famoso. Isso significa que a maior parte da filosofia da arte anterior a ele tem
pouquíssimo valor para analisar suas obras. Não foi escrita para dar conta de um trabalho como o
dele, pois esse trabalho não fora pensado antes que ele o pensasse. Warhol demonstrou com a Brillo
Box a possibilidade de duas coisas parecerem idênticas no aspecto exterior e, no entanto, serem não
só diferentes, mas essencialmente diferentes. É um fato importante para a filosofia, porque sugere que
podemos estar diante da arte sem nos apercebermos dela, devido à expectativa equivocada de que a
arte deve fazer uma imensa diferença visual. Quantos visitantes da segunda exposição de Warhol na
Stable Gallery não se perguntaram se por acaso teriam errado o endereço e entrado num depósito de
supermercado? Quantos espectadores não entraram num cinema para assistir a Empire e pensaram
estar vendo na tela uma cena parada do filme, que ainda não tinha começado?
Algo parecido com isso pode ser válido para determinados objetos religiosos, que acreditamos
ser completamente diferentes dos objetos comuns, embora disfarçados por sua trivialidade. Entre os
quatro vasos que são atualmente apresentados como o Santo Graal, por exemplo, o que mais me
convence de sua autenticidade é um cálice de aspecto banal, quase sem cor, que mais parece uma
tigela de salada e que pode ser visto numa vitrine na catedral de Valencia, na Espanha. O objeto
realmente se parece com um cálice que Jesus poderia ter usado à mesa, já que as pessoas cujas vidas
ele influenciava eram simples – carpinteiros, pescadores. É claro que um objeto tão venerado, o
Sacra Cáliz, como dizem na Espanha, está apoiado sobre uma base ornada de ouro, pérolas e
esmeraldas, mas por si mesmo é um objeto simples e sem mais atrativos, talhado na pedra. Na Última
Ceia verdadeira, o cálice provavelmente não se apoiava numa base ornamentada e com pedras
preciosas, porque deve ter sido usado para todo tipo de alimento servido numa ocasião tão
extraordinária, deve ter sido tocado pelos lábios ou mãos daquele que os participantes da ceia
estavam convencidos de ser o messias. O próprio Jesus era como aquele cálice, se for verdade que
era Deus sob uma forma humana. Imaginemos que houvesse em Jerusalém um homem da mesma idade
de Jesus, que se parecesse tanto com ele que ambos fossem muitas vezes confundidos um com o
outro, até mesmo por aqueles que o conheciam bem. Não poderia haver diferença mais importante
que esta; afinal, confundir um deus com um mero ser humano é, toutes proportions gardées, como
confundir uma obra de arte com uma mera coisa real – confundir uma coisa definida por seu
significado com uma coisa definida por seu uso. Imagine-se que houvesse um aluno de um programa
de crítica institucional cuja tese consistisse em substituir na vitrine de um museu uma caixa comum de
Brillo pela caixa de Warhol – uma obra avaliada em 2 milhões de dólares na Christie’s trocada por
mera caixa de papelão sem mais valor que o do material de que é feita!
As relíquias costumam ser apresentadas da mesma maneira que o Sacra Cáliz de Valencia: um
fragmento de osso colocado num estojo ou invólucro dourado, decorado com pedras de valor
inestimável e às vezes com imagens do santo ao qual se acredita que o osso tenha pertencido. É
preciso acreditar sem provas que o fragmento de osso possui poderes especiais, mas também é
preciso que ele tenha a aparência de um simples despojo humano, e, além disso, passe em todos os
testes óbvios, como o de DNA. Há o sentimento de que o Graal possui poderes extraordinários, dada
a crença de que foi tocado pelo Deus encarnado, mas a história que lhe é atribuída, se é que ele ainda
existe de fato, não deixou vestígios em sua superfície. Não se pode deduzir por nenhum sinal visível
que Jesus tocou o cálice com seus lábios, nem que ele conteve o sangue de Cristo. Somente a
simplicidade do objeto atesta a possibilidade de que estivesse presente na última refeição de Jesus
junto com seus discípulos, onde pareceria ser uma tigela comum, talvez um pouco especial dado o
caráter especial de quem a usou. Mas a prova de que Cristo era o Deus encarnado não consta do
repertório forense. A Transfiguração descrita nos Evangelhos sinópticos teve a intenção de mostrar a
um grupo seleto de discípulos que Jesus transcendia ao meramente humano, por sua radiância, por
exemplo. Todavia, o Segredo Messiânico tinha de ser preservado – Jesus preferiu não ser seguido
por grupos de aficionados sedentos de milagres. Afora os que testemunharam a Transfiguração, para
todos os demais Jesus era completamente humano.
A descrição da humanidade de Cristo feita por um grande crítico de arte, Roger Fry, a partir de
uma pintura de Mantegna que hoje está em Berlim, me parece extremamente sensível: “A face
contraída, a carne crispada e vincada de uma criança recém-nascida […] todo o castigo, a
humilhação, quase a condição de miséria que coexiste com ‘ser feito carne’ estão marcados”. Para
pintar o Deus encarnado, o artista cristão precisava pintar tão somente um ser humano. Indicações
estavam certamente presentes na forma de auréolas que representavam o aspecto divino. Todavia,
essas indicações eram meros símbolos, da mesma maneira que as molduras douradas simbolizavam a
proteção de obras de arte. Sangrar é uma prova da condição humana, mas não há nenhuma prova
simples da divindade.
Aprofundei-me em determinados assuntos religiosos em virtude de um pensamento de Hegel de
que a filosofia, a arte e a religião são “momentos” de Espírito Absoluto. Cito esse pensamento
porque ele sugere que a arte, a filosofia e a religião são formas através das quais os homens
representam o que significa a condição humana. Um dos aspectos que é particular aos seres humanos
é que a questão do que é a condição humana nos ocorre de um modo que não ocorre aos animais.
Nesse sentido, pode-se estabelecer pelo menos uma analogia entre as obras de arte e os objetos
religiosos, e tal analogia poderá ser uma forma de abordar o problema de saber se e de que modo a
arte de Warhol é religiosa. O que não se pode negar é que ele era católico, sua mãe era inclusive
muito piedosa, eles oravam juntos, em casa e na igreja. Depois da morte da mãe, ele continuou a
frequentar a missa. A bem da verdade, deve-se dizer que a maioria dos frequentadores da Silver
Factory nasceu e foi criada no catolicismo, aí incluída grande parte dos Moles. A crítica de arte
Eleanor Heartney, também católica, escreveu um minucioso estudo, Post-modern Heretics
[Heréticos pós-modernos], em que descreve “A imaginação católica na arte contemporânea”, que é o
subtítulo do livro. Grande parte do conteúdo da arte contemporânea nos Estados Unidos inclui
aspectos do corpo humano que supõem atitudes católicas, mas que são ofensivas à moral
conservadora católica. Um bom exemplo é o incendiário Piss Christ, de Andres Serrano, fotografia
de um pequeno crucifixo de plástico submerso na urina do artista. A foto causou enorme confusão
quando foi exibida em Richmond, no Virginia Museum of Art. Andres é católico, e não é difícil
entender sua intenção com esse trabalho: reavivar o modo como Jesus foi “desprezado e rejeitado”,
para citar o Messias de Haendel – escarnecido, cuspido e açoitado. Urinar em alguém é um ato
notoriamente humilhante e degradante. A urina e a cusparada são fortemente carregadas de desprezo,
como as fezes ou o vômito, e a menstruação. Na minha opinião, Serrano procurou recuperar a
maneira como Jesus foi humilhado enquanto carregava a cruz para o Gólgota. A efígie era de
plástico, sem dúvida, mas que diferença faz isso? O crucifixo não é um objeto de adoração, tal como
a pessoa crucificada? Quando Barnett Newman, judeu, pintou as Estações da Cruz, o fez de maneira
muito abstrata e por assim dizer interiorizada. A obra trata da dor insuportável, do desmaio e da
exalação do último suspiro. Mas não ofende ninguém, o que o trabalho de Serrano certamente faz.
Anos atrás, mencionei um dos poemas de Yeats, “Crazy Jane”, a um membro da Maioria Moral,
quando ambos participávamos de uma mesa-redonda para discutir a Associação Nacional de
Editores (NEA) e o trabalho altamente erótico do fotógrafo Mapplethorpe: “Love has pitched his
mansion in the place of excrement” [O amor pôs sua morada junto ao lugar do excremento]. Ele me
respondeu que este não era um dos mais belos versos de Yeats e eu lhe pedi que citasse outro mais
bonito. “Crazy Jane” foi uma das mais inspiradas criações de Yeats para falar do corpo sexuado e da
base física do amor humano.
Warhol não gostava muito que tocassem seu corpo, principalmente as mulheres, segundo relato de
Viva, mas não resta dúvida de que tinha uma alegre curiosidade a respeito do sexo e das partes
sexuais do corpo, e insistiu em mostrá-lo em seu trabalho artístico, sobretudo nos filmes. Se a
explicação disso está em seu catolicismo é difícil dizer. Todavia, não há distinção mais nítida entre a
arte dos anos 50 e anos 60 em Nova York do que a diferença entre a representação da morte e do
sexo nas duas décadas. Robert Motherwell, protestante, pintou duas grandes séries de telas abstratas
com o título de Elegia para a república espanhola. Serrano mostrou cadáveres num necrotério. Os
grandes quadros de De Kooning sobre o tema das Mulheres, de 1952, eram ousadamente misóginos,
com seus seios enormes e bocas desdentadas. Mapplethorpe fotografou pênis imensos ou punhos
forçando orifícios anais. O fato de a pintura ter cedido lugar para a fotografia nos anos 70 deve ter
sido fundamental para o novo tratamento do tema. Andy tentou expor desenhos de meninos nus na
Tanger Gallery da 3 Avenue, que os rejeitou de imediato, embora os desenhos de Warhol nunca
tenham sido tão potentes quanto suas serigrafias. A abstração também pode ser uma forma de
repressão, o que leva a ver na arte pop uma forma de libertação. Só que a revolução sexual dos anos
60 manifestou-se tanto na arte quanto na vida, e nem por isso os artistas cuja obra tinha conteúdo
sexual eram católicos. Era uma mudança na cultura, antes de tudo. A maioria dos fatos que influíram
na religiosidade de Warhol tinha a ver com sua biografia. Mas nenhum deles prova que Warhol era
especialmente religioso na arte.
Vejamos suas últimas pinturas importantes do corpo humano, baseadas na Última Ceia, de
Leonardo da Vinci, que alguns consideram uma prova da religiosidade de Andy Warhol. Como tantas
vezes ocorreu no trabalho de Andy, a ideia lhe foi sugerida por outra pessoa, nesse caso por
Alexandre Iolas, proprietário de uma galeria de arte em Milão. Warhol era um dos cinco pintores
escolhidos para realizar pinturas baseadas na famosa Última Ceia. A ideia era que uma exposição de
pinturas sobre esse tema feitas por artistas contemporâneos despertaria grande interesse, pois a
galeria situava-se na mesma praça onde a obra-prima de Leonardo da Vinci estava passando por
nova restauração, o que poderia estimular os visitantes a desfrutar tanto da obra original quanto das
versões dos artistas da hora. Estudiosos de Andy Warhol comentaram que ele havia achado escuras
demais as reproduções da Última Ceia dos livros de arte, o que explicaria ele ter usado cópias
baratas da célebre pintura. Contudo, a relevância de se tratar do famoso original está em que todo
mundo conhece a pintura de Leonardo da Vinci; isto é, o quadro faz parte do acervo comum de
conhecimentos que Warhol compartilhava com todos aqueles que conheciam seu trabalho,
conhecimentos que ele tomou como sua missão artística elevar à consciência, mostrar-nos a vida
interior que temos. A Última Ceia de Leonardo da Vinci é uma das poucas pinturas que goza desse
status – a lata de sopa de tomate Campbell de Warhol é outra –, embora poucos dos que conhecem a
obra célebre viram-na de fato em Milão. Ela é conhecida por suas inúmeras reproduções. Mostrar a
Última Ceia como lugar-comum é mostrá-la como aparece num cartão-postal, tal como Duchamp
mostrou a Mona Lisa, ou então em um calendário ilustrado por obras-primas. Peçam às pessoas para
nomearem dez pinturas, e elas inevitavelmente falarão da Última Ceia, não da Conversa de Matisse,
muito menos da Última comunhão de São Jerônimo, de Domenichino ou de uma das paisagens com a
montanha Sainte-Victoire de Cézanne.
Andy deu à Última Ceia o tratamento que deu a muitos dos seus temas. Fez versões mostrando
séries de Últimas Ceias à maneira de suas séries de latas de sopa ou de notas de dólar. Multiplicou
Jesus como multiplicou Marilyn ou Elvis. A repetição era um sinal do significado. Preencheu-o com
o logotipo de produtos contemporâneos, como o sabonete Dove, para representar o Espírito Santo, ou
a coruja sábia de conhecida marca de batatas fritas, emblema de sabedoria. Usou também o logotipo
da General Electric para simbolizar a luz. Tudo isso provinha do mundo comercial que ele e nós
conhecemos muito bem, embora deva se dizer, por justiça, que nenhum desses logotipos tinha
significado religioso. O grande projeto artístico de Warhol começou com as imagens na vitrine da
Bonwit Teller e desenvolveu-se em dois níveis – o nível dos medos e angústias e o nível das
belezas. O nível dos desastres de avião, suicídios, acidentes, execuções, e o nível de Marilyn, Liz
Taylor, Jackie, Elvis, Jesus, radiantes de glamour e celebridade. Um mundo sombrio com seres
radiantes, que nos redimem por sua presença entre nós, em cuja companhia Warhol procurou insinuar
sua própria presença desajeitada, e nos transformar a todos em estrelas. A missão dele era externar a
interioridade do mundo que dividimos. A Última Ceia penetrou em nossa consciência comum com a
importância de sua mensagem. Assumindo-a como sua, ele também se tornou parte do que somos. E
assumindo-a, ele nos mostra que ela é nossa, parte da vida, e não uma coisa que temos de viajar à
Itália para ver – sob esse aspecto é como o prato que muitas vezes consideramos ser o Graal, lugar-
comum em vez de raridade, um prato igual a outros e não um objeto incrustado de joias e feito de
metais preciosos. Ou como suas primeiras gravuras, que se podiam comprar por uns poucos dólares
do balcão da recepcionista da Castelli Gallery, onde ficavam expostos em pilhas. Uma genuína obra
de arte por cinco dólares, imaginem! Não admira que ele desenhasse etiquetas de preços em pinturas
de obras-primas, a 6,99 dólares cada!
A pintura que alude mais claramente à ocultação da verdade religiosa talvez seja a Camouflage
Last Supper [Última Ceia camuflada], de Warhol, onde a mensagem visual da pintura é distorcida
por uma sobreposição de ruí-do visual. Ele começou a usar camuflagem em 1986, mesmo ano em que
fez as Últimas Ceias, e também a usou em seu autorretrato, no qual esse recurso visual tem um
significado muito próximo ao de Camouflage Last Supper: revela a ocultação de sua própria
verdade, que está toda na superfície. Numa frase famosa, ele havia declarado: “Se você quer saber
tudo sobre Andy Warhol, basta olhar a superfície: de minhas pinturas, de meus filmes e de mim, e lá
estou eu. Não há nada por trás”. Inclusive, ele fez uma série de trabalhos que consistiam unicamente
em camuflagem, a qual, como padrão visual, já se tornara tão comum e corriqueiro quanto a violência
no mundo moderno, ainda que raramente apresentado na arte – tão inusual, aliás, quanto as Brillo
Boxes nas galerias de arte em 1964. Alguns críticos entenderam as gravuras de camuflagem como
abstrações ready-made, mas o que elas querem dizer é que seu objeto está completamente oculto. A
camuflagem em retalhos tornou-se um retrato da realidade política de nosso tempo, terrível demais
para se olhar diretamente. A inferência que se faz, ao vermos uma pessoa vestindo roupas de
camuflagem, de que se trata de um soldado baseia-se na verdade social de que as camuflagens são a
marca visual do aspecto militar de nossa época.
Tenho a impressão de que a ocultação implícita na camuflagem tem relação com a ideia de que
durante a Última Ceia foram feitas confidências. Que significado poderia ser mais secreto que o pão
e o vinho são o corpo e o sangue de Cristo, e que ao partilhá-los Jesus se tornou carne e sangue de
quem os partilhava? Mas eu não acho que nos últimos anos de vida Warhol tenha se tornado um
artista religioso com as pinturas da Última Ceia.
Creio que a guinada religiosa, se é que houve, ocorreu muito mais cedo. Acho que, em algum
momento entre 1959 e 1961, o trabalho artístico de Andy Warhol passou por uma mudança tão
profunda que pode ser comparada a uma conversão religiosa – profunda demais, eu diria, para não
ser uma conversão religiosa. Antes, seu trabalho continha certo charme decadente, com seus
querubins rechonchudos, ramalhetes de flores, borboletas cor-de-rosa e azul, gatinhos em cores
adocicadas. Ele ganhara um bom dinheiro como artista comercial, desenhando principalmente
anúncios de sapatos com brincadeiras obscenas para senhoras da alta sociedade. Tenho a impressão
de que sua identidade religiosa veio à tona em abril de 1961, na primeira exposição que apresentou,
simbolicamente instalada num local onde estavam expostas levíssimas peças de vestuário de verão
para a mesma classe de mulheres às quais se destinavam os luxuosos sapatos que lhe haviam
granjeado seu primeiro sucesso como designer – as vitrines da Bonwit Teller, uma das maiores e
mais sofisticadas lojas de moda feminina da Fifth Avenue em Nova York. Já vimos que Warhol
cercou os manequins com ampliações fotográficas da propaganda comercial que se vê nas
contracapas de jornais populares impressos em papel barato. As imagens de que ele se apropriou
após a conversão eram corriqueiras, familiares e anônimas. Geralmente faziam propaganda de
tratamentos de saúde, queda de cabelos, fortalecimento de braços e ombros, correção do nariz,
próteses para fraturas e de elixir do amor (“How to Make him want you” [Como fazer com que ele
deseje você]) e Pepsi-Cola (“No finer drink” [Não há bebiba melhor]). Esses anúncios projetam
uma visão do ser humano como deficiente e necessitado de ajuda. Uma mensagem que não era tão
diferente da de Joseph Beuys, cujos símbolos eram a gordura e o feltro, para transmitir aos que têm
fome e frio. Toda religião se baseia no sofrimento e em seu lenitivo. No caso de Andy, era como se a
mensagem dos salvadores tivesse sido traduzida para a linguagem universal da publicidade barata
nos Estados Unidos. A exposição da Bonwit Teller é uma demonstração do que provavelmente é até
hoje a transformação mais misteriosa da história da criatividade artística – o “antes e depois” de
Warhol.
Numa fotografia do ateliê de Warhol tirada logo após sua morte, há um grande quadro na parede
ao fundo com um retrato duplo de Jesus no centro da Última Ceia, com os olhos baixos, e, à sua
esquerda, dois discípulos, Tomé e Tiago, gesticulando animadamente. A foto mostra muitos outros
quadros encostados nas paredes laterais. O único que vemos de frente, porém, está à esquerda dessa
última pintura. Mostra um prato de sopa de frango com macarrão decorado com o conhecido rótulo
vermelho e branco da sopa Campbell, e sua conhecidíssima logomarca, a palavra Campbell’s bem
desenhada. A imagem no rótulo é a de um prato de louça produzido em massa, cuja borda mais que
banal envolve a Rainha das Sopas como uma auréola. Acho comovente que as duas imagens – a Lata
de sopa Campbell e A Última Ceia – assinalem o começo e o fim da carreira de Warhol, pelo menos
desde quando ele encontrou seu caminho próprio. Mas não me parece menos comovente que o rótulo
faça eco ao prato na mesa que Jesus parece estar fitando com seus olhos baixos, como se o prato
contivesse algum significado profundo. Imagino Warhol de pé, diante das duas pinturas, nos seus
momentos finais no ateliê, contemplando os dois pratos como se fossem cognatos do Graal.
É impossível dizer quais foram seus últimos pensamentos, mas gosto de pensar que deviam ter
algo a ver com dois pratos, um vazio e o outro cheio, da sopa de todos os dias, morna, quente,
nutritiva, saborosa, como a resposta a uma oração. Juntas, as duas pinturas testemunham sobre sua
vocação como artista. Ele é grato pelo pão de cada dia que pedimos na Oração do Senhor. Mas
sofria dores terríveis por causa de pedras na vesícula, que ele sabia ter e temia ser obrigado a
operar-se em breve. A viagem a Milão fora uma agonia só. A segunda e última morte levou-o no dia
22 de fevereiro de 1987, no New York Hospital. Morreu em paz e para surpresa de todos.
Bibliografia

FREI,Georg & Neil printz (orgs.). The Andy Warhol CatalogueRaisonné, vol. 1: Paintings and
Sculptures, 1961-1963; vol. 2: Paintings and Sculptures, 1964-1969.Nova York: Phaidon, 2004.
FELDMAN, Frayda & Jorge schellman (orgs.). Andy WarholPrints: A Catalogue Raisonné 1962-1987,
3a. ed. Nova York: dap, 1997.
MCSHINE, Kynaston (org.). Andy Warhol: A Retrospective.Nova York: Museum of Modern Art, 1989.
ANGELL, Callie. Andy Warhol Screen Tests: The Films of Andy Warhol – Catalogue Raisonné. Nova
York: Harry N. Abrams, 2006.
____. “Andy Warhol, Filmmaker”, in The Andy Warhol Museum. Pittsburgh: The Museum, 1994, pp.
121-45.
BOCKRIS, Victor. Warhol: The Biography. Nova York: Da Capo, 2003.
BOURDON, David. Warhol. Nova York: Harry N. Abrams,1989.
CABANNE, Pierre. Dialogues with Marcel Duchamp. Nova York: Da Capo, 1971 [ed. bras.: Marcel
Duchamp: engenheiro do tempo perdido, trad. Paulo José Amaral. São Paulo: Perspectiva,
1987].
COLACELLO, Bob. Holy Terror: Andy Warhol Close Up. Nova York: Harper Collins, 1990.
DANTO, Arthur C. “The Philosopher as Andy Warhol”, in The Andy Warhol Museum. Pittsburgh: The
Museum, 1994, pp. 73-90.
____. The Transfiguration of the Commonplace: A Philosophy of Art. Cambridge: Harvard
University Press, 1981 [ed. bras.: A transfiguração do lugar-comum, trad. Vera Pereira. São
Paulo: Cosac Naify, 2006].
____. “The Artworld”, Journal of Philosophy 61, n. 19, 15 out. 1964, pp. 571-84.
DILLENBERGER, Jane. The Religious Art of Andy Warhol. Nova York: Continuum, 1998.
DUCHAMP , Marcel. “A Propos of ‘Readymades’” (conferência no Museum of Modern Art, 1961), in
Kristine Stiles e Peter Selz (orgs.). Theories and Documents of Contemporary Art: A
Sourcebook of Artists’ Writings. Berkeley: University of California Press, 1996.
GIORNO, John. “Andy Warhol’s Movie Sleep”, in You Got to Burn to Shine: New and Selected
Writings. Londres e Nova York: High Risk/ Serpent’s Tail, 1994, pp. 122-63.
HEGEL, G. W. F. The Phenomenology of Mind, trad. J. B. Baillie. Londres: George Allen and Unwin;
Nova York:
Macmillan, 1949 [ed. bras.: Fenomenologia do espírito, trad. Paulo Meneses, Karl-Heinz Efken e
José Nogueira Machado. Petrópolis: Vozes, 1992].
JANOWITZ, Tama. Slaves of Nova York: Stories. Nova York: Crown, 1986.
KUSPIT,Donald. Fischl. Nova York: Vintage, 1987.
MALANGA, Gerard. Archiving Andy Warhol. Nova York: Creation, 2002.
MOTYL, Alexander J. Who Killed Andrei Warhol? Santa Ana: Seven Locks, 2007.
STEINBERG, Leo. Other Criteria: Confrontations with Twentieth-Century Art. Oxford: Oxford
University Press, 1972 [ed. bras.: Outros critérios: confrontos com a arte do século xx, trad.
Célia Euvaldo. São Paulo: Cosac Naify, 2008].
WARHOL, Andy. The Philosophy of Andy Warhol: From A to B and Back Again. San Diego:
Harcourt, Brace,
Jovanovich, 1975 [ed. bras.: A Filosofia de Andy Warhol: de A a B e de volta a A, trad. José Rubens
Siqueira. Rio de Janeiro: Cobogó, 2008].
____. A: A Novel. Nova York: Grove, 1968.
WARHOL, Andy & Pat hackett. popism: The Warhol ‘60s. San Diego: Harcourt, Brace, Jovanovich,
1990. Warhol from the Sonnabend Collections. Nova York: Gagosian, 2009.
WATSON, Steven. Factory-Made: Warhol and the Sixties. Nova York: Phaidon, 2003.
WITTGENSTEIN, Ludwig. Philosophical Investigations. Oxford: Blackwell, 1958, i, p. 2 [ed. bras.:
Investigações filosóficas, trad. Marcos G. Montagnoli. 5a. ed. Petrópolis:Vozes, 2008].
WORONOV, Mary. Swimming Underground: My Years in the Warhol Factory. Londres: High Risk/
Serpent’s Tail, 1995.
Índice de nomes e obras[+]

129 morrem (Warhol) 66-68

A
A Novel (Warhol) 117, 135-36
“Abstract Expressionist Coca Cola Bottle, The” (Danto), 39
Anúncio (Warhol) 40, 41-42
Agnelli, Gianni 159
Alloway, Lawrence 49
Amayo, Mario 141
Andy Warhol Enterprises 163, 165-67, 178
Andy Warhol TV Productions 123, 126
Angell, Callie 113, 119
“Art World, The” (Danto) 8, 16
Atkinson, Ti-Grace 18, 139, 140, 142
Avedon, Richard 142

B
Bad, filme (Warhol) 167
Bastien, Heiner 42
Beatles, Os 25, 27
Beckmann, Max 156
Cama (Rauschenberg) 33
Antes e depois (Warhol) 22, 27, 35, 39, 41, 43
Berlin, Brigid 118, 122
Beuys, Josef 86, 151, 192
Bidlo, Mike 80
Blow Job, filme (Warhol) 109
Blondie 35
Blum, Irving 60
Bockris, Victor 7, 21, 29, 61, 152, 39n, 42n, 62n
Bourdon, David 7, 26n, 162n
Bowie, David 119
Brancusi, Constantin 76, 98, 150
Brandt, Willy 158
Brillo Box(es) (Warhol) 13-14, 79-80, 90-91, 93-99, 105, 110-12, 114, 180, 190
Buffalo Bob 171
Burns, Ric 99, 131

C
Cabanne, Pierre 83, 84n
Cage John 54-55, 82
Camouflage Last Supper (Warhol) 189-190
Castelli Gallery 36-37, 47-48, 52, 100-01, 105, 157, 173, 189
Castelli, Leo 100, 145
Cézanne, Paul 188
Clemente, Francesco 155-56
Clift, Montgomery 130
Colacello, Bob 118, 118n, 122, 122n, 125, 158, 167, 176
Coltrane, John 68
Comfort, Charles 98-99
conversa, A (Matisse) 188
Coplans, John 145
Correggio, Antonio da 114
Courbet, Gustave 84
Cowboys Solitários, filme (Warhol) 143, 164
Crone, Rainer 11
Curtis, Jackie 118, 152
Cutrone, Ronnie 127-28, 166-67, 174-77

D
Diagrama de dança (Warhol) 66
Diários da Factory, Os (Warhol) 118-19
Darling, Candy 118, 152
De Antonio, Emile 38-39, 43, 59, 61-62, 174
Déjeuner sur I’herbe (Manet) 26
de Kooning, Willem 31, 135, 176, 186
Diários (Warhol) 105, 118-19
Dickie, George 99
Dick Tracy 35, 50
Diderot, Denis 135
Dine, Jim 24
di Salvo, Donna 146
Díptico de Marilyn (Warhol) 67-68
Domenichino (Domenico Zampieri), 188
Pato Donald 9
Drácula 76, 166, 171
Duchamp, Marcel 54, 57, 69, 78, 82-84, 91, 95, 117, 150, 151, 188
l.h.o.o.q.,; Nu descendo uma escada 57

E
Elegia para a república espanhola (Motherwell) 186
Empire, filme (Warhol) 110-12, 120-21, 166, 176, 180
Escravos de Nova York (Janovich) 91-92
Eu, um homem, filme (Warhol) 140
Eutifro (Sócrates) 99
Exploding Plastic Inevitable, evento multimídia (Warhol) 29, 150
F
Faça você mesmo (Flores) (Warhol) 66, 114
Factory-Made: Warhol and the Sixties (Watson) 86n, 140
Feldman, Morton 171-72, 175
Fenomenologia do espírito (Hegel) 135, 135n
Fight, vídeo (Warhol) 122
filosofia de Andy Warhol: de A a B e de volta a A, A (Warhol) 160, 164, 165n
Finnegan’s Wake (Joyce) 117, 136
Fischl, Eric 146, 147n
Flanner, Janet 65
Flavin, Dan 177
Foice e martelo, pinturas (Warhol) 157, 159, 165, 175
Ford, John 143
Frankenstein, filme (Warhol) 155, 166
Freedom Riders 28, 28n
Fremont, Vincent 117, 121, 124-25
Fried, Michael 70
Friedan, Betty 142
Fry, Roger 183

G
Garland, Judy 130
Garotas do Chelsea, filme (Warhol) 136
Geldzahler, Henry 43, 68, 101
Giorno, John 106-08
Gluck, Nathan 84
Goddard, Paulette 159
Green, Sam 25
Greenberg, Clement 149
Green Car Crash (Warhol) 153
Guston, Philip 55

H
Hackett, Pat 105, 152n
Hacklin, Allan 147
Haircut, filme (Warhol) 137
Haendel, George Frideric 184
Harvey, James 13, 92-93
Heartney, Eleanor; Postmodern Heretics 184
Hegel, Georg; Fenomenologia do espírito 135, 135n, 183
Herko, Freddie 136-37
Hirst, Damien 58, 82
Hitler, Adolf 10
Holy Terror (Colacello) 29n, 125
Hopper, Dennis 119
Howdy Doody 171-72
Hughes, Fred 138, 141, 162, 167, 174
Hulten, Pontus 80

I
Indiana, Robert 61
Iolas, Alexandre 187

J
Jagger, Mick 119
Janovich, Tama; Escravos de Nova York, 127-28
Jarry, Alfred; Ubu rei 26
Jefferson, Thomas 172
Jesus Cristo 45, 182-83, 190
Johns, Jasper 32-33, 47-48, 100
Joyce, James 118, 134, 136;
Finnegan’s Wake (Joyce) 116, 138
Judd, Donald 81, 177

K
Kaprow, Allen 97
Karp, Ivan 36-38, 43, 48-49, 100
Kennedy, Bobby 143
Kennedy, Jackie 114
King, Martin Luther, Jr. 143
beijo, O (Lichtenstein) 12, 43, 52
Komar, Vitali 104
Koons, Jeff 81
Krasner, Lee 148

L
Ladies and Gentlemen (Warhol) 158
Lata(s) de sopa Campbell, (Warhol) 79, 178, 193
Latow, Muriel 57-58, 61, 63
L.H.O.O.Q. (Duchamp) 54
Lichtenstein, Roy 12, 24, 26, 35-39, 47, 49, 50, 52, 58, 66, 70, 100, 168
Linich, Billy (apelidado de Billy Name) 88, 90, 96, 129-31
Lisanby, Charles 61
“Little Boxes”, canção (Reynolds) 85
Reizinho, O 35, 41, 50
Luís Napoleão 26

M
MacDarrah 90
Mako, Chris 152
Malanga, Gerard 57, 77, 81, 84, 88, 90, 109, 112, 130-31, 138, 155
Manet, Édouard 26
Mantegna, Andrea 183
Mao Tse-tung, retratos de (Warhol) 151, 153-54
Mao Tse-tung 151, 154, 157
Mapplethorpe, Robert 168, 185
Marcos, Imelda 158
Maria Antonieta 105
Marilyn (Warhol) 71
Maris, Roger 65
Marisol (Marisol Escobar) 61
Martin, Agnes 55
Matisse, Henri 26, 156, 188; A conversa,
Mekas, Jonas 109, 112
Melamid, Aleksandr 104
Michaels, Lorne 125
Mickey Mouse 35, 52, 70, 171
Miller, Henry 15
Mona Lisa (Leonardo da Vinci) 54, 114
Mona Lisa (Duchamp) 188
Monograma (Rauschenberg) 32
Monroe, Don 124
Monroe, Marilyn 11, 61, 65, 67-68, 70, 138
Morrissey, Paul 138, 143, 162, 167
Motherwell, Robert 30, 61, 186
Elegia para a república espanhola 186
Mulheres em revolta, filme (Warhol) 152

N
Name, Billy. Ver Linich, Billy (apelidado de Billy Name)
Nancy, personagem de revista de histórias em quadrinho 35, 37, 44, 50
Nevelson, Louise 97
Newman, Barnett 185
Niagara, filme 67
Nietzsche, Friedrich 52
Nixon, Richard 54, 151
Not Andy Warhol (Bidlo) 80
Notas de dólar (Warhol) 115
Nu descendo uma escada (Duchamp) 57
Nureiev, Rudolf 130

O
Oldenburg, Claes 24, 26, 56, 70
Olivo, Bob (apelidado de Ondine) 116-18, 131-36
Ondine. Ver Olivo, Bob.
Orion, o bruxo 132

P
Palermo, Blinky; To the People of New York City 177
Palmer, John 112-13
Pássaro no espaço (Brancusi) 98
Perdidos na noite, filme 143
Philosophy of Arthur Danto, The 17
Picasso, Pablo 74, 107
“pintura modernista, A” (artigo de Greenberg) 149
Piss Christ (Serrano) 184
Platão 92, 110
Podber, Dorothy 137-38
Point of order, filme (De Antonio) 38
Pollock, Jackson 31, 148, 176
Ponti, Carlo 166
“Pop pintado à mão” 146
Popeye 35, 37, 41, 44, 50, 52
Postmodern Heretics (Heartney) 184
Presley, Elvis 11, 65, 123, 188-89
Princesa Gloria Von Thum und Taxis 156

Q
Quinze minutos de Andy Warhol, programa de TV (Warhol) 122

R
Rabelais, Francois 75
sobrinho de Rameau, O (Diderot) 135
Rauschenberg, Robert 32-34, 48, 54-55, 61, 100
Monograma, Elvis vermelho (Warhol) 65
Reed, Lou 118
A república (Platão) 110, 186
Restany, Pierre 64
Reynolds, Malvina 85, 86n
Rockwell, Norman 170
Ródtchenko, Aleksandr 53, 55
Rose, Barbara 148
Rosenquist, James 24, 43, 58, 70
Rothko, Mark 31
Rotten Rita 132
Rubin, William 148
Rydell, Charles 122
Ryman, Robert 177

S
Sacra Cáliz 181-82
Sagração da primavera, A (Stravinski) 26
Saint-Laurent, Yves 119
Sandbeck, Fred 177
S&H Green Stamps (Warhol) 115, 115n
Schiele, Egon 115
Schjeldahl, Peter 101
Schlesinger, John 143
Sedgwick, Edie 25, 75, 116
Seeger, Pete 85
Serrano, Andres 184-86
Sombras, pinturas (Warhol) 177
Sherman, Cindy 111, 168
Símbolo(s) do dólar (Warhol) 173-74
Sleep, filme (Warhol) 106, 108-09
Sócrates 99-110, 112
Solanas, Valerie 18, 138, 140-44, 161, 163, 165, 174
Sonnabend, Ileana 10, 101, 115
Stálin, Josef 10, 154
Steinberg, Leo 106, 107
Steinberg, Saul 159
Store, The (Oldenburg) 56
Storm Door (Warhol) 86
Stravinski, Igor 26
Super-Homem 35, 41, 44, 50, 171
Suzuki, D. T 54
Swimming Underground: My Years in the Warhol Factory (Woronov) 132, 133n

T
Taylor, Elizabeth 85, 114, 166, 171, 188
Therrien, Robert 81
Thomas, Dylan 69
Tia Jemima 171
Tio Sam 171, 171n, 173
To the People of New York City (Palermo) 177
transfiguração do lugar-comum, A (Danto) 8, 15
Twombly, Cy 32-34, 54, 61

U
Ubu rei (Jarry) 26
Última comunhão de São Jerônimo, A (Domenichino) 188
Última Ceia, A (Leonardo da Vinci) 186-87
Última(s) Ceia(s) (Warhol) 163, 178, 188-89, 191, 192-93
Ulisses (Joyce) 134

V
Velvet Underground, The, grupo de rock 29, 109
Vile, Ronnie 133
Viva 114, 118, 143, 184-85

X
Xá do Irã 158

W
Ward, Eleanor 61, 100
Warhol (Bockris) 7, 21, 29, 39n, 42n, 61, 62n, 152
Warhola, Julia 59
Watson, Steve 7, 86n, 140
Wesselman, Tom 24, 70
White, Edmund 93-94
Who Killed Andrei Warhol? 103
Williams, Tennessee 130
Wittgenstein, Ludwig 63, 89, 90, 129
Wolffin, Heinrich 91
Woodlawn, Holly 152
Woronov, Mary 132-33, 133n

+ A numeração dos links, neste índice, corresponde à paginação da edição impressa do mesmo título.
Optamos por mantê-la apenas como referência, já que ela na verdade varia conforme a plataforma digital de leitura que se utilize.
Este livro foi feito com o apoio da Terra Foundation for American Art.

Agradecemos à tradutora Vera Pereira por tornar este apoio possível.


© Cosac Naify, 2012, e-book, 2013
© Yale University Press, 2009

Edição Cassiano Elek Machado e Luiza Mello Franco


Preparação Célia Euvaldo
Revisão Pedro Paulo Silva e Maria Fernanda Alvares
Projeto gráfico original Paulo André Chagas

Adaptação e coordenação digital Antonio Hermida


Produção de ePub Fabian J. Tonack

1ª edição eletrônica, 2013

Nesta edição, respeitou-se o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Danto, Arthur C. [1924- ]


Andy Warhol: Arthur C. Danto
Título original: Andy Warhol
Tradução: Vera Pereira
São Paulo: Cosac Naify, 2013

ISBN 978-85-405-0593-3

1. Arte e sociedade - Estados Unidos - História - Século 20

2. Artistas - Estados Unidos - Biografia

3. Warhol, Andy, 1928-1987 - Crítica e interpretação i. Título.

Índices para catálogo sistemático:


1. Warhol, Andy: Artistas pop: Biografia 700.92
COSAC NAIFY
rua General Jardim, 770, 2º andar
01223-010 São Paulo SP
cosacnaify.com.br [11] 3218 1444
atendimento ao professor [11] 3823 6560
professor@cosacnaify.com.br
Este e-book foi projetado e desenvolvido em agosto de 2013, com base na 1ª edição
impressa, de 2012.

Miller e Knockout
FONTE
SOFTWARE LibreOffice e Writer2ePub de Luca Calcinai

Você também pode gostar