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Unindo minha formação como cientista social na Universidade de São Paulo a vivências
realidade política.
contribuiu para materializar esta busca e para estabelecer o tema desta dissertação. Este
texto também foi utilizado como ponto de partida para o artigo ³Teatro e Política: em
1
Renato Janine RIBEIRO ± ³O entusiasmo, o teatro e a revolução.´, in: Adauto NOVAES, (org.)
± Tempo e história - São Paulo : Companhia das Letras : Secretaria Municipal de Cultura, 1992,
p. 326.
2
Miguel CHAIA - ³A natureza da política em Shakespeare e Maquiavel´, in: Revista Estudos
Avançados ± IEA/USP, ano 9, n. 23, 1995, pp. 165-182.
3
Eduardo Luiz VIVEIROS DE FREITAS - ³Teatro e Política: em busca do elo perdido´, in:
Revista da APG (Associação dos Pós-Graduandos da PUC/SP), ano VI, nº 11, agosto de 1997,
pp. 7-11.
2
Chaia indica que a política... ³não é só uma forma de conhecimento, mas também uma
Dias Gomes, Vianinha, Gianfrancesco Guarnieri, entre outros. Fica mais clara a
política, no teatro interessa saber não quais ações os homens executam, mas
escreveu:
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4
Miguel CHAIA, op.cit., pp. 166 e 175.
5
Florestan FERNANDES, ³A Política como Teatro´, in: ornal Folha de S. Paulo, 08/01/1991.
3
Com tais preocupações, e já tendo assinalado alguns supostos para uma pesquisa
deslocaria sua ênfase para o pensamento social, cultural e político, produzido numa
ao teatro e à crítica de costumes. Este autor cria uma dramaturgia consistente e produz
teóricos que permitam trânsito na fronteira das áreas do conhecimento envolvidas (Arte,
das idéias políticas, da história do teatro, do pensamento social e cultural etc. Analisar-
se-á o contexto histórico e cultural em que foram escritas e/ou encenadas as peças, e em
que foram publicados (ou republicados) os folhetins. Será buscado, na análise das
estruturas e dos elementos internos das peças, o entendimento das seqüências de cenas e
diálogos, não só na relação com a sociedade, mas também do ponto de vista da estrutura
dramática.
uma obra literária não permite a dissociação entre aspectos internos (estrutura) e
procedimento, afirmando que não basta apontar as dimensões sociais existentes na obra,
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Antonio CANDIDO ± ³Crítica e sociologia (Tentativa de esclarecimento)´, in: Aiteratura e
sociedade: estudos de teoria e história literária, 5ª edição, São Paulo, Editora Nacional, 1976,
p.4.
5
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Ao mesmo tempo, será verificado que tipo de sociedade e qual a realidade social,
política e cultural eram representados nessa obra, e como o teatro se configurou, desde a
vinda da Família Real para o Brasil, como espaço político de representação social, tanto
tal tarefa às possibilidades abertas por França Júnior. Para tanto, algumas linhas de
7
Ibidem, pp. 6 e 7.
8
Ibidem., p.7.
6
pesquisa, além das pistas já citadas anteriormente, foram levantadas para nortear esta
dissertação:
sua época. Mostra, como disse o Hamlet, ³à sua época e geração sua forma e efígie´,
ironizando a realidade que via à sua frente, construía uma visão de mundo própria, pela
contemporâneos;
folhetins como nas peças de França Júnior, aparecem misturadas, pois sua visão era a de
autor. Nem sempre é possível identificar tais momentos, em que se poderia trabalhar ou
mero costume social, por exemplo, o de fazer visitas, tinha a mesma importância da
estudos que apontam o folhetim como gênero híbrido, situado entre o jornalismo e a
9
³Os leitores hão de ter ouvido muitas vezes certos indivíduos, inchando as bochechas,
exclamarem orgulhosos: --- O cargo difícil que exerço... --- A tarefa cheia de espinhos que
tomei sobre os ombros... --- Os deveres penosos da minha posição social... Mas os que mais
incham assim as bochechas e os que mais gritam não são por certo os que mais trabalham. A
vida é uma batalha. (...) Assim filosofava eu há dias, almoçando em um restaurant. E nos meus
devaneios sociológicos (grifos nossos), dizia com os meus botões: --- Como é difícil e
espinhosa a condição de um criado de hotel! --- Quanto estudo, quanta ciência, quanta
sagacidade para bem desempenhá-la! (...) A posição de criado de hotel é ou não espinhosa e
dificílima? Ele tem, mais que outro qualquer que ocupa elevados cargos sociais, o direito de
inchar as bochechas e exclamar com orgulho: --- A tarefa difícil que tomei sobre os ombros...
O criado de hotel, como o estadista, deve conhecer profundamente os homens, estudando-lhes
o temperamento, as inclinações, os hábitos e até as fisionomias! (...) Sobre ele caem todas as
descomposturas que pertencem por direito ao cozinheiro. É contra ele que o freguês desabafa
o seu mau humor. E cada freguês é uma charada, um logogrifo; é preciso adivinhá-lo. (...)
Regra geral: todos os sujeitos que passam mal em casa são exigentes nos hotéis. Quando se
quiser rogar uma praga a um indivíduo, deve-se-lhe dizer: --- Deixa estar, que ainda hei de te
ver criado de restaurant.´ Folhetim ³Entre o Beef e o Café´, publicado, originalmente, no jornal
O Paiz, na série Ecos Fluminenses, de 1885. Ver: Joaquim José da FRANÇA JÚNIOR ±
Folhetins, (prefácio e coordenação de Alfredo Mariano de Oliveira, da Associação Ciências e
Letras de Petrópolis), 4ª edição, aumentada, com os folhetins publicados nos jornais O Globo
Illustrado, O Paiz e o Correio Mercantil, Rio de Janeiro, Jacintho Ribeiro dos Santos Editor,
1926, pp. 464/469). A ortografia e a pontuação foram alteradas, para melhor compreensão do
texto original.
10
Em ilustração reproduzida ao final desta apresentação, o caricaturista Ângelo Agostini
apresenta França Júnior num palco distribuindo carapuças à platéia, por ocasião da estréia de
sua peça Direito por Ainhas Tortas, em março de 1882. É significativa a ilustração: vemos ao
fundo pessoas bem vestidas, como era comum no teatro da época, portando alegremente as
carapuças distribuídas pelo autor. No primeiro plano, em frente à ribalta e à caixa do ponto,
França Júnior tira as carapuças com o título da peça e as distribui ao público, que as apanha
avidamente. Por cima, atrás da cabeça do escritor, estende-se um varal onde estão
penduradas carapuças com títulos de comédias anteriores do autor, como Meia hora de
cinismo, Uma República Modelo, Tipos da atualidade, O Defeito de Família etc. Em destaque,
ainda na caricatura, uma placa com os dizeres: ³Ao Carapuceiro Fluminense´. Ladeiam o
comediógrafo, duas grandes penas que terminam cada uma com uma tesoura no lugar da
ponta, que era mergulhada na tinta para escrever. Nas suas comédias, criando tipos e
situações em chave de paródia, caricatura literária e sátira, França Júnior vai confeccionando
³carapuças´, a partir de pedaços selecionados do tecido social, cultural e político recortados
pela pena-tesoura do escritor. É comum ao teatro a imagem da trama, do enredo, da ³costura´
cênica. O autor construía, assim, seu repertório de comédias satíricas, ³costurando´ aspectos
8
Júnior é autor de 23 peças teatrais (comédias), uma tradução de peça (do italiano), uma
Nesta pesquisa, para efeito de análise, serão selecionadas apenas algumas obras de
da realidade observada. A imagem da tesoura pode nos remeter, também, à censura que o
moralista conservador fazia aos costumes de sua época.
11
No Dicionário Breve de Termos Aiterários, de Olegário PAZ e António MONIZ (Lisboa,
Portugal : Editorial Presença, 1997, p. 162), encontramos a seguinte definição de paródia:
³Termo que indica a imitação irónica ou burlesca de personagens, situações ou textos, com
finalidade cómica.´ Em Aa Caricature e la parodie, de Jean-Pierre CÈBE (Paris : Boccard,
1966, p.11), citado por Edwaldo CAFEZEIRO e Carmem GADELHA ± História do Teatro
Brasileiro: um percurso de Anchieta a Nelson Rodrigues, Rio de Janeiro: Editora UFRJ :
EDUERJ : FUNARTE, 1996, p. 278, temos uma definição de paródia satírica: ³La parodie
satirique se propose de faire rire aux dépens de son modèle, dont elle dénonce nom moins
efficacement qu¶une critique sérieuse les faiblesses. Elle joue un grand rôle dans les querelles,
et surtout dans les querelles litteráires.´ ³A paródia satírica propõe-se a zombar dos tipos, dos
quais ela denuncia, não menos eficazmente que uma crítica séria, as fraquezas. Ela representa
um grande papel nas querelas, e sobretudo nas querelas literárias. (trad. Livre)
12
³Termo que designa o desenho gráfico ou literário de uma personagem (geralmente, tipo),
exagerando os seus pontos mais vulneráveis (defeitos físicos ou morais).´ in: Olegário PAZ e
António MUNIZ, op. cit., p.40.
13
³Reverso dialéctico da epopeia, a sátira é um subgénero literário que se infiltra nas mais
diversas formas de expressão: o poema epigramático, o romance social, o teatro burlesco, a
farsa, a comédia ou o auto de moralidade. Caracteriza-se pela crítica social, através do recurso
à ironia e ao sarcasmo. W. Kayser resume com admirável simplicidade as marcas da sátira,
desta forma: µNo satírico torna-se visível um não-valor duradouro, que talvez seja anulado por
alguma coisa de valor. Mas também é possível alguma coisa de inverso: que seja anulado o
que tem valor, harmonia e medida.¶(Análise e Interpretação da Obra Aiterária)´, ibidem, p. 195.
14
Machado de ASSIS, Memórias Póstumas de Brás Cubas, in: Obra Completa, vol.I, Rio de
Janeiro, Editora Nova Aguilar, 1992, p. 513.
15
³Autêntico teatro de costumes, chegado ao Brasil no florescer de sua vida de nação
independente em 1859. (...) Por definição o teatro de revista é uma revisão, de fatos e
fantasias. (...)... a revisão dos fatos dos doze meses imediatamente passados.´ Roberto RUIZ,
in: Prefácio de O Teatro de Revista no Brasil: dramaturgia e convenções, Neyde VENEZIANO,
Campinas, SP, Pontes ± Editora da Universidade Estadual de Campinas, pp. 12 e 13.
9
França Júnior que melhor traduzem as linhas de pesquisa levantadas. Assim, serão
anteriormente:
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(1862): a crítica ao casamento por
melhor do que o que é feito no Brasil, desde produtos a instituições, é criticada nesta
comédia de costumes.
de análise da pesquisa.
16
Além das peças listadas, outras obras de França Júnior serão utilizadas na análise, como
suporte para a reflexão.
17
Ver ³França Júnior e a Comédia de Costumes´, em João Roberto FARIA ± O Teatro na
estante, São Paulo, Ateliê Editorial, 1998, pp 55 a 65.
18
João Roberto FARIA ± op. cit. p. 63.
11
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presidido por Zacarias Góes de Vasconcelos, serão analisados, por tratarem de matéria
mais diretamente política. Outros exemplares dos folhetins, que tratam de temas
geração de França Júnior, suas críticas e propostas em relação ao Brasil que conhecia.
Procurará mostrar que havia uma constelação de autores, entre aqueles escritores,
poetas, jornalistas e políticos, com uma identidade de objetivos, mesmo que não
Rio de Janeiro, a capital do Império, enquanto cidade e espaço político, social e cultural
crítica contidas nos folhetins do autor, através do cotidiano de seus habitantes, das
sociedade, das atitudes individuais e do comportamento coletivo em bailes, nas ruas, nas
19
Joaquim José da FRANÇA JÚNIOR ± França únior, Política e Costumes, Folhetins
Esquecidos (1867-1868), organização, introdução e notas de Raimundo Magalhães Júnior, Rio
de Janeiro, São Paulo, Bahia: Editora Civilização Brasileira, Coleção Vera Cruz (Literatura
Brasileira), Volume 6, 1957.
20
Idem, Folhetins, (prefácio e coordenação de Alfredo Mariano de Oliveira, da Associação
Ciências e Letras de Petrópolis), 4ª edição, aumentada, com os folhetins publicados nos jornais
O Globo Illustrado, O Paiz e o Correio Mercantil : Rio de Janeiro, Jacintho Ribeiro dos Santos
Editor, 1926.
12
crônica atual. No trabalho com os folhetins de França Júnior, será preciso analisar
costumes e à política, em muitos momentos, tanto nos folhetins como nas peças de
França Júnior, aparecem misturadas, pois sua visão era a de um grande observador da
vida social em suas múltiplas manifestações. Nos folhetins será possível fazer a leitura
análise social (os c & feitos nos folhetins), documento para a
comparação entre Petrópolis e Friburgo, o registro das mudanças de hábitos urbanos, tal
partido (em especial o Partido Liberal, alvo dos ataques do conservador França
práticas políticas são apresentadas de maneira crítica pelo autor. Desse material anotado
1855 a 1865, no Teatro Ginásio Dramático21, mas abandona-os para dar pleno
21
³É nesse contexto, ou seja, num clima francamente favorável às atividades teatrais, que
França Júnior aparece, desejoso de se alinhar com a reforma realista promovida pelo Ginásio´.
João Roberto FARIA ± ³França Júnior e a Comédia de Costumes´, in : O Teatro na Estante,
Cotia, São Paulo : Ateliê Editorial, 1998, p. 57; ³As idéias teatrais lançadas por dramaturgos,
intelectuais e críticos, entre 1855 e 1865, permaneceriam como referência para uma boa parte
da dramaturgia brasileira e da crítica teatral que surgiu nos dez ou vinte anos seguintes´. Idem
± ³As idéias teatrais no Brasil: o século XIX ± O Realismo´, in: Idéias Teatrais: o século XIX no
Brasil, São Paulo, Editora Perspectiva : Fapesp, 2001, Coleção Textos, nº 15, p. 143. Ver, do
mesmo autor, O teatro realista no Brasil: 1855-1865, São Paulo : Editora Perspectiva, 1993,
coleção Estudos, nº 136.
14
procurou trazer à luz esse pensamento fragmentário, disperso, esboçado por
realidade que via à sua frente, construía uma visão de mundo própria, pela denúncia,
autor nos mostrará como o público e o privado, a intimidade e a vida pública estavam,
coletivos, e da crítica social. Como os elementos utilizados por França Júnior nessa
15
luz que o autor projeta sobre os defeitos intelectuais e morais dos costumes e da política
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22
³Representação deformada do real, a caricatura se alimenta dos defeitos físicos, intelectuais
ou morais daqueles que são tomados como alvo. Ela não só joga luz sobre esses defeitos, mas
também os leva ao exagero. Ela implica, por conseguinte, um movimento do espírito µrealista¶
(uma distorção da realidade).´ [ trad. Livre] Jean-Pierre CÈBE, op. cit. p. 8, citado por Edwaldo
CAFEZEIRO e Carmem GADELHA, op. cit. p. 278.
23
Anatol ROSENFELD, ³A Estrutura da Obra de Arte ± O ser do objeto´, in: Estrutura e
Problemas da Obra Aiterária, São Paulo : Editora Perspectiva, 1976, Coleção Elos, nº 1, pp.
13/14.
16
1870
17
· º capítulo ±
França Júnior, nasceu no Rio de Janeiro, em 19 de abril de 1838. Seus pais foram
Joaquim José da França e dona Mariana Inácia Vitovi Garção da França. Morreu em 27
crítica de costumes, a sátira política e social, indo buscar nos hábitos e comportamentos
da sociedade carioca de seu tempo, a Corte do Segundo Reinado, farto material para
vitalício de 1851 até sua morte, em 1872 25). Foi advogado militante e adjunto da
Segunda Vara dos Órfãos da Capital Federal. Chegou a ser condecorado Cavaleiro da
exposição de Viena (1873 ± sobre a exposição, França Júnior escreveu o relatório citado
no Anexo 1), o que o animou tomar lições de pintura (paisagens, principalmente) com o
24
A dúvida suscitada pela afirmação de que França Júnior nascera na Bahia, feita por Artur
Azevedo em artigo publicado na Revista Século XX (1906) e reproduzido na 4ª Edição dos
FOLHETINS, foi desfeita por Arhur Motta (ver Anexo 1), que consultou os registros da
Faculdade de Direito de São Paulo, onde consta que França Júnior, formado em 1862, era
³natural da cidade do Rio de Janeiro´. Aluísio Azevedo, filho de Artur Azevedo, cita a
publicação, no Correio do Povo, edição de 29-9-1890, de uma curta biografia de França Júnior
(que morrera no dia 27; a missa de 7º dia foi rezada em 03 de outubro de 1890), indicando o
nascimento no Rio de Janeiro, ³à Rua do Príncipe, hoje Silveira Martins, no Catete´; comentário
manuscrito feito em 1-5-1957, por Aluísio Azevedo, em exemplar dos FOLHETINS de França
Júnior ± fac-símile reproduzido no Teatro de França Júnior (Tomo I, MEC/SNT/FUNARTE,
1980).
25
Affonso E. TAUNAY, O Senado do Império (ed. Fac-similar), introdução Professora Myriam
Ellis, Brasília : Senado Federal, 1998, pp. 92, 157, 190 e 193.
18
de 188026.
assinar uma peça com França Júnior´, elogiou seus conhecimentos jurídicos e a
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(1882). Informa-nos que França Júnior ³não era político nem palaciano,
mas tinha muita afeição à família imperial, com especialidade ao infeliz príncipe D.
Pedro Augusto, de quem era amigo íntimo e comensal assíduo´28 Homem de muitos
talentos, falava corretamente francês, inglês, alemão e italiano e na pintura, diz ainda
Artur Azevedo, o conhecimento do idioma alemão fez com que ³aproveitasse (...) as
Artur Azevedo:
26
Ver: Carlos MARTINS, Revelando um acervo (catálogo da exposição de pintura da Coleção
Brasiliana ± Fundação Rank-Packard / Fundação Estudar), Pinacoteca do Estado de São
Paulo, São Paulo : Bei Comunicação, 2000, p. 19.
27
França Júnior colaborou nos seguintes jornais do Rio de Janeiro: Correio Mercantil (1867 a
1868, folhetins sobre política e costumes, assinados com o pseudônimo ); Gazeta de
Notícias (sua colaboração foi extensa, tendo sido reunidos os folhetins ali publicados, em
primeira edição de 1878 ± ver Anexo 1); Globo Ilustrado (número 12, 9/3/1882); O País (no qual
publicou a série de folhetins Ecos Fluminenses, de 1885); Gazeta da Tarde (publicou a série de
folhetins Ecos da Cidade ± s/d); O Globo (com Joaquim Serra); Bazar Volante (como redator,
de 1863 a 1867, em parceria com Antonio de Castro Lopes; assinava seus textos como );
Vida Fluminense (s/d) e ornal da Tarde (s/d).
28
Ver Artur AZEVEDO, artigo citado, reproduzido na 4ª edição dos FOLHETINS, de França
Júnior, pp. 9 e 10.
29
Ibidem, p. 11.
19
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30
Ibidem, p. 11.
31
Aluísio AZEVEDO, artigo de 5 de abril de 1882, publicado originalmente no jornal O Globo,
reproduzido na Revista da Academia Brasileira de Aetras (volume 39), Rio de Janeiro, 1932,
seção FIGURAS, pp. 302 a 304.
20
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(estreada no Teatro Recreio em 9 de maio de 1890), não caiu
acontecimentos políticos abalaram ainda mais seu estado de saúde frágil. Morreu nos
braços de sua esposa, Dona Clotilde de França, de família privilegiada (era filha de um
ampliação da participação popular nos assuntos políticos, uma aliança tática para
restabelecer o antigo
c , o nivelamento das classes, ao menos no nível
identificação como casta privilegiada, que vai aos teatros, lê os jornais (e, como leitura
32
Machado de ASSIS - Obra Completa, Rio de Janeiro : Editora Nova Aguilar S. A., 1992, vol.
3, p. 409. Sobre o mesmo episódio ver também Brito BROCA, Um Folhetinista Brasileiro em
Paris, in: Naturalistas, Parnasianos e Decadentistas: vida literária do realismo ao pré-
modernismo, Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1991, pp. 66 a 69.
21
literatura de forma econômica) e os livros a que começa a ter maior acesso com a
No Brasil recém saído da fase colonial e iniciando sua história como país
autônomo, a incipiente burguesia (ou camadas sociais com traços semelhantes) não
possuía força para impor-se politicamente. Surgia no e dava forma ao ambiente urbano,
tácita, atrelando-se por laços comerciais, políticos e de parentesco com a classe dos
proprietários de terras em fase de urbanização. Dela (da classe dos proprietários rurais)
proprietários de terras), no entanto, não eram tão fortes a ponto de buscar a burguesia
aliança com o povo. Mesmo porque, de que povo se poderia falar numa sociedade em
33
Nelson Werneck SODRÉ, História da Aiteratura Brasileira, Rio de Janeiro : Bertrand Brasil,
1995, p. 191.
22
dos senhores da terra no plano político e econômico. Mesmo as reformas propostas por
setores urbanos pertencentes ao Partido Liberal, que pouco alteravam esse panorama,
c de então, ligados (mas não exclusivamente, dada a confusão reinante
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34
Caio PRADO JR., ³O Império´, in: Evolução Política do Brasil, São Paulo : Editora
Brasiliense, 19ª edição, 1991, p. 97.
23
de uma firma comercial (M. Wright e Cia), que qualifica como ³desafogo do espírito
conservador que só via perdição nos novos costumes´ Vejamos alguns trechos do
depoimento, em que até críticas à filantropia britânica36 são invocadas para a defesa
35
Ver biografia parcial em S. A.. SISSON (editor), Galeria dos Brasileiros Ilustres ± biografias
(1822-1861), Brasília : Senado Federal, 1999 (vol. II), pp. 357 a 366.
36
A Inglaterra pressionara o Brasil, por meios diplomáticos, comerciais e militares a cessar o
tráfico de escravos. Interesses comerciais internos e o endividamento, hipotecas de fazendas a
traficantes de escravos, também ajudaram a ³flexibilizar´ a legislação escravocrata de então.
24
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público limitado, ainda, o !$ c%, composto de camadas urbanas em condições
jornalísticos, os quais muitas vezes se confundiam numa única pessoa, pois houve
autores que escreviam romances, peças de teatro, folhetins, discursos políticos próprios
ou alheios etc, como José de Alencar e Joaquim Manoel de Macedo, entre outros)
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37
Joaquim NABUCO, Um Estadista do Império, capítulo VI, tomo I, 5ª edição, Rio de Janeiro :
Topbooks, 1997, pp. 238 a 241. A última frase desta citação é transcrita também por Nelson
Werneck SODRÉ, op. cit. , p.202.
25
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semanais de França Júnior. Essa mesma pequena burguesia, ou classe média, é retratada
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38
Nelson Werneck SODRÉ - op. cit. p. 212.
39
Victor VIANA - Academia Brasileira de Aetras - Discursos Acadêmicos (1935-1936), Volume
IX, Rio de Janeiro : Empresa Editora ABC Limitada, 1937, p. 55.
40
Ibidem, p. 56.
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O Rio de Janeiro conheceu um grande desenvolvimento urbano, a partir da
chegada da Família Real em 1808, que fugira à perseguição das tropas napoleônicas. A
noventa e sete mil, em 1838; duzentos e setenta mil em 1850 e quinhentos e cinqüenta e
dois mil habitantes, em 189042. Em poucos anos, a cidade ganha o seu primeiro teatro
oficial, graças ao incentivo do próprio D. João VI (1813 ± Teatro São João), surgem
novos jornais, casas dos mais variados tipos de comércio, organiza-se a vida da Corte,
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41
Raimundo FAORO - Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio, 4ª edição, revista, São
Paulo : Editora Globo S/A, 2001, pp. 307/308.
42
Ver: Adolfo Morales de los RIOS FILHO - O Rio de aneiro Imperial, 2ª edição, Rio de
Janeiro : Topbooks Univercidade Editora, 2000, pp. 59, 61 e 62; ver, também, Boris FAUSTO
História Concisa do Brasil, São Paulo : Editora da Universidade de São Paulo, Imprensa Oficial
do Estado de São Paulo, 2001, p. 134.
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século XIX, com bicos de gás), são ampliados para um número cada vez maior de ruas,
acesso outrora não existia. Criam-se hábitos sociais como visitar e receber visitas,
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43
Lottar HESSEL e Georges RAEDERS - O Teatro no Brasil sob Dom Pedro II, 1ª parte, Porto
Alegre: Ed. da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto Estadual do Livro, 1979,
pp. 278 e 325.
28
após um período de turbulências políticas, com Revoltas que atingiram a própria capital
Janeiro como a principal cidade do país, por força de seu papel social, cultural e
político.
munido de elegância, cultura, sabedoria, ironia e crítica, França Júnior vestia sua
egípcio cujo mito pode ser interpretado como uma metáfora da dispersão e da
fragmentação) para, através de suas comédias e folhetins, mostrar - como quer Q
ao falar a atores sobre a representação (Ato III, Cena II), ³à sua época e geração sua
44
Idem - O Teatro no Brasil sob Dom Pedro II, 2ª parte, Porto Alegre : Ed. da Universidade,
UFRGS, 1986, pp. 223 a 225.
45
José Murilo de CARVALHO, A construção da Ordem / Teatro de Sombras, Rio de Janeiro :
Editora da UFRJ / Relume Dumará, 1996, p. 51.
29
mordaz, o pensador que sonha uma sociedade diferente da que ironiza, mesmo quando
distribui aos políticos e à sociedade carioca de então. Ao lado dos escritores
Imperador Dom Pedro II, cujo maior ideal, assim que se livrasse do indesejado ³ofício
Conservador) que ironizavam e criticavam a política brasileira, França Júnior não era,
como eles, identificado com o ideário liberal, podendo-se, antes, alinhá-lo como
46
³Não há nada pior neste mundo do que ser testa coroada ou celebridade. (...) Falo dos reis e
dos príncipes que dirigem os estados. (...) Qualquer sujeito, por mais ínfima que seja a sua
condição social, pode dizer µvou fazer isto ou aquilo¶, uma vez que não ofenda as leis, ou não
entre pela esfera de direitos de terceiro. Qualquer sujeito pode, por exemplo, ir ao Castelões,
tomar uma cajuada, passear a pé pelas ruas a qualquer hora do dia, carambolar à vontade nos
bilhares públicos pagando o respectivo tempo, assistir aos espetáculos da Sarah Bernhardt das
torrinhas do S. Pedro Alcântara, ir a Botafogo em um bond de tostão e até mesmo em um cara
dura, descompor o adversário nas folhas públicas sob o seu nome e a bendita
responsabilidade de um testa de ferro, etc, etc. A cabeça coroada que tivesse a fantasia de
fazer uma só destas coisas ou cairia no ridículo ou na execração pública. O ofício de rei é
penoso. E toda a glória que dele possa por ventura porvir, não compensa a grande soma de
liberdade que se perde. (...)´. Folhetim Onde está a felicidade, publicado originalmente na série
³Ecos Fluminenses´, em 1885, no jornal O Paiz. FRANÇA JÚNIOR, op. cit. pp. 675 e 676. A
ortografia e a pontuação foram alteradas, para melhor compreensão do texto original.
47
Ver, entre outros: Lídia BESOUCHET, Pedro II e o século XIX, Rio de Janeiro : Nova
Fronteira, 1993; Gloria KAISER, Pedro II do Brasil: filho da Princesa de Habsburgo, romance,
trad. de Christiane Rupp, Rio de Janeiro : Agir Editora Ltda, 2000; Lilia MORITZ SCHWARCZ,
As barbas do Imperador: Pedro II, um monarca nos trópicos, São Paulo : Companhia das
Letras, 1998; Jean SOUBLIN, D. Pedro II, O Defensor Perpétuo do Brasil, Memórias
Imaginárias do Ultimo Imperador, tradução de Rosa Freire d¶Aguiar, Rio de Janeiro : Paz e
Terra, 1996 e S. A. SISSON (editor), Galeria dos Brasileiros Ilustres: biografias (1822-1861),
Brasília : Senado Federal, 1999 (vol. 1). Para uma visão crítica do papel político do Imperador
Dom Pedro II, ver Caio PRADO JR., op. Cit., pp. 100 e 101.
30
conservador, em política pelo menos. Isso não o impediu de utilizar, como os artistas e
realidade que via à sua volta. Deve-se, aliás, considerar relativo o alinhamento político
pois, a exemplo do que acontecia na política, também na arte era comum encontrar
em Paris a Revista Nitheroy, em cujos únicos dois números publicados (1836) foram
licenciou-se em direito pela Faculdade de Paris, mas suas atividades principais seriam o
48
Paulo BONAVIDES e Roberto AMARAL, Textos Políticos da História do Brasil, vol. 2, Império,
Segundo Reinado (1840-1889), Introdução (versão eletrônica),
in: http://www.cebela.org.br/txtpolit/socio/2/B_intro1.html.
49
Maria Orlanda PINASSI, Três Devotos, uma Fé, nenhum Milagre: Nitheroy, Revista
Brasiliense de Ciências, Aetras e Artes; São Paulo : Fundação Editora da UNESP, (Prismas),
1998.
31
Rio de Janeiro; na época ainda era um jornalista panfletário), publica, ainda sob o
Fato que a imprensa liberal não poupou e que, mesmo entre os conservadores, causou
da qual passou a ser proprietário quando se casou52. O Visconde, durante muito tempo,
terminava:
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Torres Homem traçaria uma carreira política que, num período de dez anos,
50
Ver as razões para a Revolução em TAUNAY, op. Cit. pp. 141 e 142. Ver, também, Nelson
Werneck SODRÉ, Panorama do Segundo Império, SP, RJ, Recife e Porto Alegre, Companhia
Editora Nacional (Brasiliana Série 5ª, vol. 170), 1939, pp. 94 e 95, e Moacyr FLORES,
Dicionário de História do Brasil (Coleção História ± vol. 8), 2ª edição, revista e ampliada, Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2001, pp. 489 e 490.
51
Ver Raimundo MAGALHÃES JÚNIOR, Três Panfletários do Segundo Reinado, São Paulo :
Companhia Editora Nacional, Série 5ª - Brasiliana ± Vol. 286, Biblioteca Pedagógica Brasileira,
1956, pp. 3-126.
52
Ibidem, p. 40.
53
Ibidem, pp. 40 e 41.
32
patrocinada por D. Pedro II, atacando-a violentamente em sua coluna no jornal Ec
c c c I, o que lhe valeu a desconfiança e reservas por parte do Imperador,
c
() Tempo virá em que do obscuro gabinete do escritor a pena governará o
mundo, como a espada de Napoleão da sua barraca de campanha. Uma palavra
que cair do bico da pena, daí a uma hora correrá o universo por uma rede (sic!)
imensa de caminhos de ferro e de barcos a vapor, falando por milhões de bocas,
reproduzindo-se infinitamente como as folhas de uma grande árvore.cEsta árvore
é a liberdade; a liberdade de imprensa, que há de existir sempre, porque é a
liberdade do pensamento e da consciência, sem a qual o homem não existe;
porque é o direito de queixa e de defesa, que não se pode recusar a ninguém. (...)
³LL
França Júnior pode ser considerado um autor que não só analisa criticamente o
Brasil, mas também pensa a necessidade de uma sociedade diferente daquela que
54
Ver Raimundo de MENESES - osé de Alencar: Aiterato e Político, Rio de Janeiro : Livros
Técnicos e Científicos Editora S. A., 1977.
55
Folhetim publicado no Diário do Rio de aneiro, em 27 de maio de 1855; ver José de
ALENCAR, Crônicas Escolhidas, editadas por Fernando Paixão, São Paulo : Folha de S. Paulo
e Editora Ática S. A., 1995, p. 109.
56
Joaquim José da FRANÇA JÚNIOR± Folhetim publicado em 29 de abril de 1867, no jornal
Correio Mercantil; ver: FRANÇA JÚNIOR, Política e Costumes, Folhetins Esquecidos (1867-
1868), organização, introdução e notas de Raimundo Magalhães Júnior, Rio de Janeiro, São
Paulo, Bahia : Editora Civilização Brasileira, Coleção Vera Cruz (Literatura Brasileira), Volume
6, 1957, pp. [1]; ver, ainda, na mesma obra, os folhetins do jornal Correio Mercantil de 7 de
julho de 1867 [p. 61], de 27 de outubro de 1867 [p.125], 5 de janeiro de 1868 [p.151] e 12 de
janeiro de 1868 [p.155]. O folhetim de 29 de abril de 1867, com modificações, seria publicado
na série ³Notas de um vadio´, no jornal O Globo Illustrado (1881-1882), ver: FRANÇA JÚNIOR,
Folhetins , pp. 317 a 320. Jean Baptiste Alphonse Karr, jornalista panfletário francês (1808-
33
que Lezama Lima chamou de ³eras imaginárias, pois uma cultura que não consiga criar
França Júnior, suas críticas e propostas em relação ao Brasil que conhecia, procuramos
mostrar que havia uma constelação de autores entre aqueles escritores, poetas,
Janeiro, cidade e espaço político, social e cultural que serviu de inspiração para as
comédias e forneceu material para a crônica e a crítica dos folhetins de França Júnior,
gerais.
1890) exerceu forte influência em Portugal e no Brasil. Era lido e admirado por D. Pedro II,
citado por Machado de Assis e imitado por Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão. Publicou vários
livros e foi colaborador do jornal Ae Figaro. No fim da vida, em Saint-Raphael, próximo a Nice,
entregou-se à paixão pelas rosas e outras flores, cultivadas ao redor de sua casa. Chegou a
escrever uma Voyage autour de mon jardin, quem sabe ainda fazendo uso da sátira,
parodiando Xavier de Maistre (1763-1852), autor de Voyage autour de ma chambre, de quem
também Machado de Assis é devedor.
57
Ver entrevista de Maria Filomena Mónica, biógrafa de Eça de Queiroz, à revista BRAVO! -
ano 4, nº 40, janeiro 2001, pp. 86 a 91.
58
Ver, de Carlos FUENTES, o artigo ³O milagre de Machado de Assis´, in: jornal Folha de São
Paulo, 1º de outubro de 2000, caderno Mais!, pp. 4 a 11.
59
Lezama LIMA, citado por Carlos FUENTES, op. cit., p. 11.
34
utilização destas categorias, entretanto, não se dará de forma rígida, pois em muitos
momentos, tanto nos folhetins como nas peças de França Júnior, a descrição e a crítica
c c
35
º capítulo ±
Folhetins: a ficção
O folhetim de que trata este capítulo não se confunde com o romance ± folhetim,
nem com o romance cfolhetim já estudado por autores como José Ramos Tinhorão60 e
Marlyse Meyer61. Tania Rebelo Costa Serra expôs a diferença básica entre o romance ±
de ficção, que serviu de espaço tanto para devaneios, entretenimento, crítica teatral,
exercícios de estilo, como para, no caso de França Júnior, José de Alencar, Machado de
60
José Ramos TINHORÃO, Os Romances em Folhetim no Brasil (1830 à atualidade), São
Paulo : Livraria Duas Cidades, 1994.
61
Marlyse MEYER, Folhetim: uma história; São Paulo : Companhia das Letras, 1996.
62
Tania Rebelo COSTA SERRA Antologia do romance ± folhetim (1839 a 1870), Brasília :
Editora da Universidade de Brasília, 1997, p. 21; ver também, da mesma autora: oaquim
Manuel de Macedo, ou, Os Dois Macedos: A Auneta Mágica do IIº Reinado; Rio de Janeiro :
Fundação Biblioteca Nacional, Departamento Nacional do Livro, 1994.
63
Ver Marlyse MEYER - Folhetim: uma história; São Paulo : Companhia das Letras, 1996, e
³As mil faces de um herói-canalha´, in: Marlyse MEYER - As mil faces de um herói canalha e
outros ensaios, Rio de Janeiro : Editora UFRJ, 1998, pp. 197 a 236.
36
XIX, submetida à forte censura napoleônica, é atraída para a leitura leve, nesse espaço
os temas tratados nesses textos variam, sempre com seus autores atentos à novidade,
mais não seja pela própria natureza do veículo a que se destinam: o jornal.
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e o encanto que transpira de sua análise de tão arredio objeto de estudo65, ficamos com a
64
MACHADO DE ASSIS ± ³Miscelânea, Aquarelas, IV, O Espelho: revista de literatura, modas,
indústria e arte´, 30 de outubro de 1859, in: Obra completa, vol. 3, Rio de Janeiro : Editora
Nova Aguilar S. A., 1992, p. 959.
65
Ver, da autora, o ensaio ³Voláteis e versáteis: de variedades e folhetins se fez a chronica´, in:
As mil faces de um herói canalha e outros ensaios, Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1998, pp.
109 a 196.
37
quantos foram os gêneros ali tratados desde a crônica noticiosa até o ensaio crítico e a
Isto posto, passemos a tratar dos Folhetins de França Júnior. Como dissemos na
apresentação desta dissertação, seria preciso separar e analisar alguns textos, levando
ilustrar uma ou mais de uma destas categorias. Procuramos escolher alguns exemplares
obras, opta, em sua crítica de costumes, por metáforas, pelo riso, pela ironia e pela sátira
como elementos formais de seu estilo literário. Em muitos textos dos folhetins, o
cultural brasileiro da época. Desse material anotado e apresentado nos folhetins, o autor
fará uso em seu teatro, em especial nas comédias analisadas no capítulo seguinte.
66
Citado por Marlyse MEYER± Folhetim: uma história, Nota Prévia, São Paulo : Companhia
das Letras, 1996, p. 15. O mesmo texto é reproduzido na contra capa da obra citada na nota
anterior.
67
FRANÇA JÚNIOR, Folhetins, (prefácio e coordenação de Alfredo Mariano de Oliveira, da
Associação Ciências e Letras de Petrópolis), 4ª edição, aumentada, com os folhetins
publicados nos jornais O Globo Illustrado, O Paiz e o Correio Mercantil, Rio de Janeiro,
Jacintho Ribeiro dos Santos Editor, 1926, e Política e Costumes, Folhetins Esquecidos (1867-
1868), organização, introdução e notas de Raimundo Magalhães Júnior, Rio de Janeiro, São
Paulo, Bahia, Editora Civilização Brasileira, Coleção Vera Cruz (Literatura Brasileira), Volume
6, 1957.
38
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viveu boa parte de seus 52 anos, foi retratado e criticado em diversos aspectos pelo
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Júnior, numa produção jornalística que se inicia na década de 1860 e vai até o fim de
A Rua do Ouvidor, no centro do Rio de Janeiro, recebeu esse nome por ter
recebido, em 1746, o Dr. Manuel Amaro Pena de Mesquita Pinto, que teve ampla
moradia montada por conta da Câmara, como acontecia com os ouvidores mandados
para o Brasil pela Metrópole, Lisboa. Rua inexpressiva, como tantas outras numa cidade
ainda sem vida social e com pequenas atividades comerciais, como eram as cidades na
época colonial, passou, após a abertura dos portos ao comércio internacional, a receber
68
Arthur MOTTA, ³Perfil Acadêmico: noticia biographica e subsidios para um estudo crítico´, in:
Revista da Academia Brasileira de Aetras, anno XIX, volume XXVIII, Rio de Janeiro : Edição do
Annuário do Brasil, novembro ± 1928, p. 325.
39
1870, Carlos Gomes queixava-se das dificuldades em que vivia a seu compadre Chico
Castelões, e fazia planos para voltar à Itália, enquanto comia saborosas empadas.69
italiano Antonio Franzione e instalado na rua Direita com o nome de Hotel do Norte,
e Filhos, atentos comerciantes que atraíam uma clientela ávida por seus sorvetes e
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como disse Luiz Edmundo, ³...a fina-flôr da sociedade nossa, pela época´71 Mauá,
Sales Tôrres Homem, Pereira da Silva, José de Alencar, Maciel Monteiro, Zacarias de
69
Brasil GERSON - ³Rua do Ouvidor´, in: História das ruas do Rio: e da sua liderança na
história política do Brasil; notas, introdução, fixação do texto, Alexei Bueno; 5ª edição, Rio de
Janeiro : Lacerda Ed., 2000, pp. 42 a 51.
70
Luiz EDMUNDO - ³O Carceler´, in: Recordações do Rio Antigo, 2ª Edição (Popular), Rio de
Janeiro : Ed. Conquista, 1956, p. 146.
71
Ibidem.
40
se vestiam com costumes, camisas e casacas confeccionados nas alfaiatarias Raunier &
como o Icc7 (de Pierre Plancher), +c1 (do então jovem deputado
conservador José Maria da Silva Paranhos, futuro Barão do Rio Branco), c % (de
Èuintino Bocaiúva), a G
c c 1
% (que contou com nomes como Ferreira de
imprimiram revistas como +cüc8, de Artur Azevedo e Luís Murat, cM$,
de Artur Azevedo, e *$, de Colatino Barroso, que publicava textos e poemas dos
e Souza teve seu primeiro emprego no Rio de Janeiro, contratado por Emiliano Perneta,
redator-chefe do jornal. Gc e Francisco Alves são outras livrarias e editoras que
depois de 1890, colaboraram Machado de Assis (freguês assíduo da Casa Crashley, que
72
Brasil GERSON ± Op. cit. Para conhecer a biografia das personalidades citadas, ver :
Augusto Vitorino Alves SACRAMENTO BLAKE - Dicionário bibliográfico brazileiro, Rio de
Janeiro : Imprensa Nacional, 1883-1902; ver também: S. A . SISSON (editor) Galeria dos
brasileiros ilustres, Brasília : Senado Federal, 1999, 2 vls.
41
Charutos de Havana eram vendidos na loja do Bernardo, que tinha entre seus
nomes de hotéis onde se servia à francesa, e aonde artistas vindas de Paris recebiam
ricos fazendeiros de café do Estado do Rio. Na loja Passos, cujo café era o mais
no capítulo anterior. O Visconde de Abaeté, boateiro contumaz, por ali passava todos os
dias.74
Por noventa anos, a Rua do Ouvidor foi tida como c% da cidade do Rio de
Janeiro. Èuando é aberta a Avenida Rio Branco, no começo do século XX, a Rua do
Ouvidor perde a condição de líder e conhece a decadência que pudemos constatar, num
Brasil Gerson à c %, citando Coelho Neto ao final do capítulo sobre a Rua do
Ouvidor:
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73
Brasil GERSON ± Op. cit.
74
Brasil GERSON, Op. Cit., p. 45. Na biografia de S.A. SISSON (op. Cit. pp. 57 a 63) nada
autoriza esta afirmação de Brasil Gerson. O Visconde de Abaeté foi chefe de Gabinete
Conservador (dezembro de 1858 a agosto de 1859).
42
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política e social da cidade de seu tempo, contidos num espaço tão diminuto e
escreveu para a G
cc1
% , em 1878, o folhetim ³A Rua do Ouvidor´. O texto
Sem pretender os ³foros d¶ Atenas para a cidade, onde o autor teve a ventura de
ver a luz´, França Júnior diz que a ³vida fluminense está na rua do Ouvidor´. Ao
percorrer o trajeto entre as duas extremidades da rua, ³largo de S. Francisco de Paula até
à rua Direita´, os seus leitores teriam ³apalpado o pulso do Rio de Janeiro´. Propõe,
O
inicia com a identificação dos tipos que freqüentam uma charutaria,
(onde) ³discutem-se questões de praça e diversos pormenores da vida social´. Ali estão
corretores e capitalistas:
75
FRANÇA JÚNIOR - Folhetins, 1926, op. Cit., p. 13.
43
toque do Aragão:
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Brasil, cargo criado por D. João VI, em 10 de maio de 1808, a quem
competia a governança da cidade; função semelhante a de um prefeito
atual, do ponto de vista administrativo)c
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A liberdade com que transitavam pela rua do Ouvidor, em pleno horário de trabalho,
Forma-se uma espécie de assembléia, ³às vezes presidida por algum vereador´,
76
Ibidem, p. 14.
77
Adolfo Morales de los RIOS FILHO, O Rio de aneiro Imperial, 2ª edição, Rio de Janeiro :
Topbooks Univercidade Editora, 2000, p. 131.
78
FRANÇA JÚNIOR ± Op. Cit. p. 14.
44
eleições, terreno onde cada um tem uma prosa a contar´. Depois das três da tarde, o
Caminhando ainda com França Júnior pela rua do Ouvidor, encontramos o Hotel
fluminense da segunda metade do século XIX, o café, o Hotel Ravot foi poupado pelo
discreto folhetinista, que talvez não concordasse com o preconceito que já se estabelecia
em relação às artistas de teatro e canto lírico que vinham de Paris para se apresentar na
capital do Império:
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último baile, a partida de Fulano, o jantar de Sicrano, uma nova cantora que estréia no
Alcazar (teatro lírico). Acompanham a moda, ³em todas as suas evoluções e caprichos´.
uma charutaria (onde se reúnem os estudantes). No entanto, quem por ali passava, era
³visto por todo o Rio de Janeiro´. O movimento da rua acentua-se a partir da uma hora
79
GERSON, Brasil ± Op. Cit. p. 45
45
folhetins do autor), Icc7 cG$ce !$ , retratado por França Júnior
analisada no capítulo seguinte desta dissertação. Por ora, podemos adiantar que a
quer ver seus interesses privados satisfeitos pela definição da situação política. Os
nas esquinas e nas mesas das sorveterias, giram em torno da sucessão de gabinetes
(ministérios): a cada manchete estampada nos diversos jornais que anunciam a queda do
rumo dos acontecimentos políticos. É também com certo moralismo zeloso dos bons
costumes que França Júnior lança a seguinte observação: ³As pragas que os pais de
família rogam contra a rua do Ouvidor têm por causa aquela zona´.80
80
FRANÇA JÚNIOR, op. cit. p. 16.
46
c
Na loja de 8 Lambert, localizada um pouco antes da perigosa ³zona´,
entramos no ³domínio do belo sexo, isto é, onde ele reina, governa e administra´ Ali,
ali onde se armam os cavaleiros das letras, política e artes. É a imprensa no meio da rua;
semeados com ³a mesma facilidade com que uma mãe-benta se desmancha na boca dos
provecta das duas câmaras´. Na ourivesaria do Souza, iam expor-se ³os médicos
adjacências. As filhas dessas famílias compravam ali tecidos e aviamentos para seus
47
vestidos de festa81. O folhetinista não lhes perdoa a origem social e o gosto duvidoso
para formas e cores dos ³vestidos encarnados, amarelos, verdes e azuis com enfeites os
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Na parte final do folhetim, não havendo nada ³mais digno de menção´ para seu
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, ainda fala o folhetinista da confeitaria do Guimarães, onde ³se reúnem
apenas alguns comedores de empadas, e um ou outro deputado inofensivo, que ali vai
tomar sorvetes em horas de sessão´ Como se vê, a atividade parlamentar não era já
mesmo sem superar o senso comum, pode ser entrevista na conclusão de seu texto:
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Na série de folhetins ³Ecos Fluminenses´ publicada no jornal c
c de 1885
em diante, tratou França Júnior de diversos assuntos relativos aos hábitos urbanos,
81
É nesse armarinho que as personagens Dona Bárbara e a filha Mariquinhas, da comédia
Caiu o Ministério! (1882), fazem suas compras.
82
FRANÇA JÚNIOR ± Op. cit. pp. 13 a 19.
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de boca em boca com uma longa cauda de gargalhadas´ À meia noite, todos os
dos que já sabiam do fato. E França Júnior aponta como se dava tal milagre da
contar o caso@4Kc
Rio de Janeiro, França Júnior nos dá, no folhetim ³Friburgo e Petrópolis´85, outro
exemplo de sua técnica de analista social amador, sempre no estilo humorístico que o
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83
Idem ± folhetim ³O ridículo´, p. 625.
84
FRANÇA JÚNIOR ± op. cit. p.626
85
FRANÇA JÚNIOR ± op. cit. pp.193 a 202.
49
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As diferenças entre as cidades são apontadas por França Júnior, como ³pontos de
imperial e a corte, quase sempre por moda, para desespero das donzelas à procura de um
bom partido, ou de assuntos para suas intermináveis conversas, a maior parte dos que
iam a Friburgo o fazia por recomendação médica. A água das duas cidades possui ³a
virtude dos grandes remédios americanos; - cura todas as moléstias, desde a prosaica
espinhela caída até a poética neurose, originária por amores infelizes´ Médicos a
indicavam, como ainda indicam, para males do fígado, estômago etc. Um médico, em
particular, é citado por França Júnior, mais por ironia do que pela competência: Sales
repudiavam o adesista e, nos diálogos que escreveu neste folhetim, abaixo reproduzidos,
86
Ibidem ± p. 193.
50
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87
FRANÇA JÚNIOR ± Op. cit. pp. 196 e 197.
88
ibidem, p. 201.
51
GOSTUMES
O mesmo França Júnior que chega ao lirismo em seus folhetins mais amenos, ao
falar de crianças, sem perder a verve que constata, que os ³anjinhos do céu´, após
alguns minutos de convivência, ³são mais espirituosos e malignos que todos os diabos
sambas.89
vida na natureza, pelas mãos do pretenso missivista. Viver numa choupana no ³meio da
mata virgem, rodeada de flores silvestres, (...) felizes eu e ela´, respirando ³ar puro,
puríssimo, tão puro que se o Rio de Janeiro pudesse recebe-lo encaixotado, fechar-se-
iam logo todos os consultórios médicos´. Não transpirar, ter o fígado em perfeito
funcionamento, dormir ³como um justo´ e ter o bom humor correndo ³parelhas com o
de um recém casado sem sogra no período da lua de mel´. Todas estas vantagens da
, no entanto, perdem para a vida da corte pelo predomínio dos hábitos urbanos e o
choque que representa para o ³amigo íntimo´ a falta do pão entregue duas vezes por dia
pelo padeiro, o horror a ter apenas a carne de porco e, graças à proverbial preguiça da
89
Idem, folhetins ³Crianças´ (pp. 83 a 91) e ³O cantor de serenatas´ (pp. 203 a 208).
52
gente da (antecipando o Jeca Tatú de Monteiro Lobato...), ter apenas como legume
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Após reclamar que seu espírito ³começa a enferrujar´ pela falta de opções de
leitura, pois o livro ³mais interessante que por acaso caiu-me nas mãos foi uma folhinha
de 1871´, o missivista fictício relata um pedido feito a um vizinho, para que lhe
quando não tinha o que Concluindo a ³carta´, assim podemos ver o predomínio
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90
FRANÇA JÚNIOR, op. Cit. p. 609.
91
Ibidem, p. 610.
53
qualifiquem como crime os atos praticados ³por semelhantes homens´ Èualquer ínfimo
atentado contra a propriedade é levado ³aos tribunais com grande aparato´. No entanto,
o Juiz...
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Cria França Júnior, para classificar os tipos de maçantes (
cna gíria atual),
retóricos, ³que escolhem termos quando falam, e que gostam de se ouvir´. São
indivíduos que ³não conversam, discutem´/c 3)c os que falam e não deixam os outros
perigosos, pois limitam-se a ouvir o que dizem os demais participantes de uma conversa
e, quando ela parece extinguir-se, fazem de tudo para que ela continue, inclusive falar
algo como: ³-- É o que lhe digo. O senhor é quem pode. Este mundo é uma bóia. A vida
é para o senhor. O que há de novo? O que se diz por aí? Isto vai mal, etc, etc.´; 5) o
maçante lírico, ³que adora em excesso a música´, e procura por todos os meios levar a
conversa para o canto lírico, as novidades na área etc.; 6) os maçantes que não gostam
de música, ³no entretanto obrigam as filhas a cantar e a tocar, para ... obsequiar as
92
Ibidem, p. 22.
54
que implicam e ameaçam brigar por qualquer motivo, mas não passam das ameaças; 9)
último, os que ³consomem o tempo a indagar da vida alheia, que perguntam aos
ganhas? O que faz tua mulher todo o dia à janela? O que jantaste hoje? etc, etc´.
Com sarcasmo, França Júnior relata a criação, ³há cinco ou seis anos (...) no Rio
de Janeiro´, de uma sociedade a que chamou ³Resgate dos Cativos, com o fim
altamente filantrópico de livrar os sócios das garras dos maçantes´ Chega a descrever
como se realiza o resgate: o indivíduo incomodado por um dos vários tipos de maçantes
coloca a mão no peito. Um membro da que esteja passando pelo local ou
vítima do maçante ³há mais de duas horas´, que (a vítima) era esperado por outras
maçante, leva o ³resgatado´ pelo braço, e ³vão à primeira confeitaria tomar um refresco,
93
FRANÇA JÚNIOR ± op. cit. pp. 21 a 30.
55
POLÍT·GA
Constituição de 1824, que vigorou até o final do Império (1889) com pequenas
uma nobreza, mas não uma aristocracia: os títulos concedidos pelo Imperador não eram
mulheres não possuíam direitos políticos, sendo que os escravos estavam excluídos dos
Brasil a aplicação de tais direitos era (como é) relativa, pois a população livre das áreas
quase cinqüenta anos, em regime bicameral, era escolhido, por voto indireto e censitário
(votavam os cidadãos brasileiros que possuíam renda anual de pelo menos cem mil réis,
os
), em eleições primárias, um corpo eleitoral (composto de brasileiros que
possuíssem renda de duzentos mil réis anuais e não fossem libertos, os
). Esse
corpo eleitoral elegia os deputados (compunham a Câmara), que além das exigências
diferença substancial entre as duas casas legislativas estava no fato de que a eleição para
56
a Câmara era temporária e, para o Senado, vitalícia. Para o Senado, cada província
resultado das eleições, uma lista tríplice que era encaminhada ao Imperador, para a
francês que previa a separação entre o Poder Executivo, a ser exercido pelos ministros
do Rei e o poder propriamente Imperial, neutro ou moderador; no Brasil, tais idéias não
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quarenta anos (então considerada uma idade avançada para a época), renda não inferior
94
Nelson Werneck SODRÉ, ³A sucessão dos gabinetes´, in: Panorama do Segundo Império,
São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre : Companhia Editora Nacional, 1939,
Brasiliana (Biblioteca Pedagógica Brasileira), série 5ª, vol. 170, p. 91.
95
Boris FAUSTO, ³O Brasil Monárquico (1822-1889)´, in: História Concisa do Brasil, São Paulo,
Imprensa Oficial/Edusp, 2001, p. 81.
57
de ser desmentida por diversos momentos de crise institucional originada por sucessivas
período de 1840 a 1889), eleições decididas pela força do poder lo cal e falta de
Se algo houve de estável e vivo politicamente, esse algo foi o exercício do poder
políticas e ideológicas dos partidos imperiais (Liberal, cujos militantes eram apelidados
sofreram sua maior derrota, na Revolução de 1842; Conservador, cujos membros eram
96
Nelson Werneck SODRÉ, ³Retrato do Império - O parlamentarismo fraudulento´, in: A
República (uma revisão histórica), Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1989, p. 20.
58
Conservador. Caxias (Luis Alves de Lima e Silva, político conservador que presidira o
gabinete de seu partido entre março de 1861 e maio de 1862, militar e aristocrata), havia
97
José Murilo de CARVALHO, ³Federalismo e centralização no Império brasileiro: história e
argumento´, in: Pontos e bordados: escritos de história e política, Belo Horizonte: Editora
UFMG, 1998, pp. 155 a 188 (especialmente pp. 180 e 181).
59
ressentimentos com velhos desafetos (Torres Homem, entre eles), e, por outros, como
atiçado pela pena dos folhetinistas e articulistas dos jornais da oposição conservadora,
A questão do impasse entre o chefe militar e o chefe político de seu governo chega ao
Gabinetes Conservadores.
jornal 7c8
, dos quais Raimundo Magalhães Júnior nos apresenta 45 deles
(29 de abril de 1867 a 26 de julho de 1868) 100, França Júnior revela, além de sua face de
98
ver Raimundo de MENESES - ³O Escritor-Ministro´, in: osé de Alencar: literato e político, 2ª
edição., Rio de Janeiro : Livros Técnicos e Científicos, 1977, pp. 225 a 231; ver, também,
Pandiá CALÓGERA - Formação Histórica do Brasil, 2ª edição, São Paulo : Companhia Editora
Nacional, Brasiliana, Biblioteca Pedagógica Brasileira, Série V, Vol. XLII, 1935, p. 297.
99
ver Raimundo de MENESES, op. cit., p. 225.
100
FRANÇA JÚNIOR - Política e Costumes: Folhetins Esquecidos (1867-1868), organização,
introdução e notas de Raimundo Magalhães Júnior, Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia : Editora
Civilização Brasileira, Coleção Vera Cruz (Literatura Brasileira), Volume 6, 1957.
60
O 7c 8
(jornal de idéias liberais no período de 1853 a 1865,
quando foi dirigido por Francisco Otaviano) já tinha, no passado, publicado os folhetins
Otaviano, jornalista e deputado, casara-se em 1854 com Eponina Barreto, graciosa filha
Cristóvão), saraus e serões eram freqüentados por José de Alencar, Joaquim Manoel de
Vasconcelos (que durou de 1866 a 1868; os dois primeiros duraram uma semana, de 24
mencionando várias vezes o autor Alphonse Karr como sua principal inspiração
101
Raimundo de MENESES - Op. cit., pp. 67 a 83.
61
folhetins dessa época. Uma forma de preservar a figura pública do autor, bacharel e
magistrado - que seria afetada por sua produção de páginas de amenidades nos jornais,
disfarçando-se sob a máscara do deus egípcio; uma maneira de dar liberdade ao escritor
para atacar os adversários liberais, ou um simples expediente para valorizar seu texto?
Èualquer destas possibilidades podia ser verdadeira. Era comum escrever-se sob
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103c
102
Outra influência literária sobre França Júnior, citada por R. Magalhães Júnior (FRANÇA
JÚNIOR ± op. Cit., 1957, p. XIII), e que nos causou surpresa, tratando-se de um escritor
conservador, como França Júnior, foi a de Henrich Heine, que era considerado por Karl Marx
seu escritor preferido. Pelo estilo, satírico, e pela ironia mordaz, no entanto, compreendemos
tal influência, pelo menos no campo literário... Ver o prefácio de Marcelo Backes para a edição
do fragmento (ou novela) Das Memórias do Senhor de Schnabelewopski, de Henrich Heine,
São Paulo : Boitempo Editorial, maio de 2001, pp. 7 a 15.
103
MAGALHÃES JÚNIOR, R. ± Artur Azevedo e sua época, 4ª edição, São Paulo: LISA (Livros
Irradiantes S. A. ± ), 1971, p. 20.
62
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Brasileiro´104.
pseudônimo de ³Ignotus´.
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Artur Azevedo foi ³Dopante´, personagem de Molière no jornal Ec c c
³Dr. Semana´, ³João das Regras´, ³Lélio´, ³Malvólio´, ³Eleazar´ ou ³Job´. Joaquim
104
MAGALHÃES JÚNIOR, R. ± Três Panfletários do Segundo Reinado, São Paulo :
Companhia Editora Nacional, Série 5ª - Brasiliana ± Vol. 286, Biblioteca Pedagógica Brasileira,
1956 p. 143; sobre a atividade de crítico teatral de Justiniano José da Rocha, ver, também
Décio de Almeida PRADO ± O Advento do Romantismo, in: Teatro de Anchieta a Alencar, São
Paulo: Editora Perspectiva S. A., 1993, pp. 121 a 140, e João Roberto de FARIA ± O
Romantismo, Ensaios sobre a Tragédia e Excertos Críticos, in: Idéias teatrais: o século XIX no
Brasil, São Paulo : Ed. Perspectiva / FAPESP, 2001, coleção Textos : 15, pp. 20 a 30, 268 a
316 e 317 a 323.
105
Ver Nelson Werneck SODRÉ, História da Aiteratura Brasileira, Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1999, p. 212.
106
R. MAGALHÃES JÚNIOR - Artur Azevedo e sua época, 4ª edição, São Paulo : LISA (Livros
Irradiantes S. A.), 1971, p. 16.
63
Monteiro´ em +c 1
% c e ³Proudhome´ na G
c c 1
% 50 E até D. Pedro II,
polemizando com José de Alencar - ³Ig´, para defender Gonçalves de Magalhães dos
ataques que o escritor proferiu contra o poema +c 7c c *, foi aos
jornais como
c +c c
, em 1856 108. Não por acaso, durante a ditadura
militar (1964 a 1985), no período mais agudo de censura aos jornais e meios de
cantores (como Chico Buarque) gravaram músicas sob nomes fictícios. Foi nesse
³Folhetim´.
crítico contundente e, por vezes, até violento. No que a violência pode se manifestar em
metáfora para sua crítica ao Gabinete liberal de Zacarias Góes de Vasconcelos. Após
descrever o quadro +c c c c%, do pintor Rafael, o folhetinista afia sua
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()+c cc c c $c c c c c c c c %c
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c (alusão ao Gabinete Ministerial, composto de 7 pastas ministeriais) c
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107
R. MAGALHÃES JÚNIOR - Artur Azevedo e sua época, 4ª edição, São Paulo : LISA (Livros
Irradiantes S. A. ± ), 1971, p. 20.
108
Ver Raimundo de MENEZES ± ³Primeira Rusga com o Imperador´, in: osé de Alencar:
literato e político, 2ª edição, Rio de Janeiro ± São Paulo: Livros Científicos e Técnicos, 1977,
p. 91
64
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A crítica do folhetinista não perdoa nem a indumentária dos Ministros:
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c (alude ao Deputado Manoel Pinto de Sousa Dantas)c Hc c
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As a que se refere a metáfora de França Júnior eram as pastas do
folhetins políticos escritos pelo autor, que recorre à comparação dos sete ministros e do
Gabinete Ministerial com objetos, partes do corpo humano, aposentos de uma casa etc.
(aposento):
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109
FRANÇA JÚNIOR - Política e Costumes: Folhetins Esquecidos (1867-1868), organização,
Introdução e Notas de R. Magalhães Júnior, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira S.A.,
Coleção Vera Cruz (Literatura Brasileira) volume 6, p. 27.
110
Ibidem, p. 28.
65
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Lourenço, ³um dos mais conspícuos vultos, da oposição´. Com a queda dos liberais, o
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111
ibidem, folhetim de 17 de maio de 1867, pp. 19 a 23.
112
ibidem, pp. 267 e 268.
66
Outra forma de ataque utilizada por França Júnior foi a comparação entre o
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fatos que se passam ao redor de nós.´ A citação aparece em outros textos do folhetinista
e marca uma característica de seu método de trabalho: a observação. O autor pede a seus
leitores que não levem a mal que ele ³... diga que tenha feitos sérios e profundos estudos
gato, porém, ³é essencialmente egoísta´: ³O cão coça-se para fora; o gato coça-se para
dentro, a fim de que a voluptuosidade do gozo reverta toda para si e só para si!´114
A metáfora do estudo sobre cães e gatos tem uma . Servirá para um
motivou a ida de vários políticos conservadores para o campo liberal.115 França Júnior
113
Ibidem, p. 154.
114
Ibidem, p. 156.
115
³Forma-se, logo em 1862, a Aiga Progressista, gerada no governo do Gabinete Caxias
(1861 a 1862), sob o fundamento que os partidos estavam extintos e, segundo um dos seus
artífices, µnão consoem no presente¶, cabendo aos µhomens prudentes¶ µantes conjurar a
67
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Adolfo de Sá, liberal progressista, que governava a província do Rio Grande do Norte.
Nos dois textos, o ataque é dirigido ao político pela via literária. França Júnior
Adolfo de Sá, pela Faculdade de Medicina da Bahia. Nos trechos seguintes, procuramos
dar uma idéia do julgamento de França Júnior sobre a tese do Dr. Gustavo, que
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118
Ibidem, p. 132.
69
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Ao terminar este folhetim, França Júnior justifica-se por ter excluído da lista de
partidos ³que hoje se batem´ o partido liberal, que aproveita para atacar:
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119
Ibidem, pp. 202 a 209.
120
Ibidem, pp. 245 a 249.
70
aos ataques de França Júnior poderia vir de Joaquim Nabuco, neste texto de 1886, em
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(grifos do autor)c
Em diversos momentos, França Júnior elabora, nos folhetins, o material que será
descrições, expressões que utiliza, são transpostos para situações, caracterizações e falas
dos tipos criados nas comédias. O texto do folhetim é transcrito para a linguagem
121
Ibidem, p. 250.
122
Joaquim NABUCO, ³Eleições Liberais e Eleições Conservadoras´, in: A Abolição e a
República, organizado e apresentado por Manuel Correia de Andrade, Recife: Editora
Universitária da UFPE,1999, pp. 54 e 55.
71
festejo levando dois ³camelos d¶África´ no seu cortejo, pois ³temos camelos, podemos
123
A expressão utilizada pelo próprio França Júnior situa o folhetim como gênero literário, mas
não lhe tira o valor de registro histórico e análise social, de documento para a pesquisa
sociológica, histórica, estética, literária. Anatol ROSENFELD (³Literatura e Sociedade´ ± in:
Estrutura e Problemas da Obra Aiterária, São Paulo : Editora Perspectiva, 1976, Coleção Elos
nº 1, pp. 57/58), ao analisar as relações entre arte e sociedade, nos ajuda a compreender os
devaneios sociológicos que França Júnior constrói em sua obra literária (folhetins), e as
distorções, exageros, ampliações e idealizações que o jornalista e teatrólogo utiliza para
empreender sua reconstrução teatral do Brasil: ³(...) ...é preciso realçar que a relação entre a
obra de arte literária e a sociedade é extremamente mediada. Qualquer simplificação neste
terreno desvirtua os fenômenos. De modo algum a obra de arte literária pode ser reduzida a
condicionamentos sociais. Não pode ser explicada, como um todo estético valioso a partir
deles, por mais que estes fatores tenham influído nela e se manifestem nos vários planos. No
processo de criação interferem intensamente elaborações imaginativas e obsessões pessoais
que particularizam radicalmente os momentos socioculturais. A própria obra impõe
imperativos estéticos que não podem ser derivados, sem mais nada, do momento
histórico-social, visto decorrerem, ao menos parcialmente, da tradição autônoma de
cada gênero. Esta, embora tenha por sua vez raízes sociais, não pode ser reduzida a elas
e é reelaborada de um modo complexo e pessoal, embora sob a influência de novas
situações histórico-sociais.´ (grifos nossos)
72
publicados no jornal G
cc1
% AL, em 1878, que o procedimento de aproveitar
caracterizações e falas dos tipos criados nas comédias de costumes, vai ser mais e
seguinte, recebe diálogos inteiros tirados destes folhetins. A comparação, pela leitura
dos textos, entretanto, permite-nos aferir a riqueza das idéias, descrições e pensamentos
do autor, contidos nos folhetins, que não poderiam ser transcritos para a comédia, por
dissertação (Teatro: a real representação), sai do plano literário, dramatúrgico, pela ação
dos tipos caricaturados (políticos, seus familiares, a moça fútil e a mãe que procura um
124
Para os folhetins de 2 e 17de junho de 1867, e 27 de fevereiro de 1868, ver FRANÇA
JÚNIOR, Política e Costumes, Folhetins Esquecidos (1867-1868); para os folhetins intitulados
³O futuro da mulher´, ver FRANÇA JÚNIOR, Folhetins; para as comédias de costumes, ver
Teatro de França únior, 2 volumes.
125
FRANÇA JÚNIOR - Folhetins, 1926, pp. 93 a 101; 185 a 192.
73
estética, a ficção e a crítica social e política. A história torna-se , sem que a obra de
O cronista da cidade prepara o autor teatral. França Júnior dialoga com suas próprias
burocrática do Estado:
126
FRANÇA JÚNIOR - Teatro de França únior, vol. 2, 1980, p. 215; Folhetins, 1926, p. 97.
74
Raymundo Faoro, que utiliza o depoimento de outro folhetinista para ilustrar sua análise
França Júnior aponta, com seus folhetins e peças teatrais, para uma idealização
127
Raymundo FAORO - ³O Sistema Político do Segundo Reinado´, in: Os Donos do Poder:
formação do patronato político brasileiro, vol. 1, Porto Alegre: 4ª edição, 1977, p. 390.
75
Esta leitura dos folhetins, deve ser realizada levando em conta o caráter de obra
de arte, de ficção que esses textos possuem, lembrando-se que a realidade é apresentada
Isso não tira a realidade da obra como fato e documento histórico, análise social etc.
família imperial a Petrópolis, nas críticas ao mau gosto estético da burguesia que
freqüentava os teatros, de uma sociedade que a tudo reagia levando em conta a moda
interdependências128). A análise política, por sua vez, apesar do viés ideológico que
possui, traz elementos para o entendimento dos costumes, idéias e comportamentos dos
estes dois gêneros estão vinculados em França Júnior - muitas vezes um reafirmando
128
ver Norbert ELIAS - A Sociedade de Corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da
aristocracia de corte; Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
76
idealização do real.
77
[ º capítulo
Teatro: a representação
portuguesa, etc.).
abertura dos portos, e o contato com países europeus, criou as condições materiais e
O público nativo, ampliado com expatriados que haviam fugido das tropas de
apresentações e o teatro...
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Sob o impacto das idéias românticas, na década de 1830, seguiu-se uma fase
mais rica da produção dramatúrgica brasileira. O maior ator brasileiro do século XIX,
João Caetano (João Caetano dos Santos,1808-1863) inicia sua carreira de ator e
empresário. Seu nome estará ligado à história do teatro oficial inaugurado no Rio de
Janeiro, em 1813 (Teatro São João), que hoje recebe seu nome.
129
Edwaldo CAFEZEIRO e Carmem GADELHA - História do Teatro Brasileiro: um percurso de
Anchieta a Nelson Rodrigues; Rio de Janeiro : Editora UFRJ, EDUERJ, FUNARTE, 1996, p.
113.
79
Além dos três autores mencionados, João Caetano, ator e empresário, já citado, é outro
nome importante.
com a tragédia +
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c cB (1838), considerada um marco
injustiça´.
ser atribuída ao professor franco-brasileiro Luis Antônio Burgain131, que teve os dramas
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c c7'
comédia brasileira de costumes´DA Seu teatro traz a linguagem popular, pela primeira
130
Ver ³O Encontro da Nacionalidade´, in: Sábato MAGALDI - Panorama do Teatro Brasileiro,
3ª edição, São Paulo : Global Editora, 1997, pp. 34-41.
131
Luis Antônio Burgain: 1812-1877, ³francês de nascença e brasileiro por adoção literária´; ver
Décio de Almeida PRADO - O Drama Romântico Brasileiro, São Paulo, Editora Perspectiva
S.A., 1996, p.54. Ver, também Nelson de ARAÚJO - História do Teatro, 2ª edição, ampliada,
Salvador: Ed. Empresa Gráfica da Bahia, 1991, p.198.
132
Nelson de ARAÚJO - História do Teatro, Editora Empresa Gráfica da Bahia, 1992, p. 198.
80
vez, para o palco. Até hoje suas comédias são representadas com sucesso, pois os tipos
retratados e a sátira política e social mostram um país que não se alterou tanto assim
parte ± no
, e de outras três peças que marcam, no conjunto, a sedução da época
terceiro ano da Faculdade de Direito, em São Paulo com a peça 8ccc ,
escrita. No mesmo ano (1861), além da peça já mencionada, foi representado também o
texto !$ c8, do qual se infere, pelo título, que tratava de assunto semelhante
vida numa ³república´ estudantil, tem diálogos que se assemelham aos da primeira peça
81
escrita por França Júnior, e poderiam ter feito parte do texto teatral !$ c8,
peça de que só se tem notícia de haver sido encenada, pois o texto perdeu-se.133
levantamento foi feito a partir da lista publicada por Arthur Motta na Revista da
França Júnior, como fez Martins Pena, prestigiou o teatro de costumes, a sátira
política e social, indo buscar na atividade política e nos hábitos e costumes da sociedade
carioca de seu tempo, a da Corte do Império, farto material para suas comédias. Dentre
8
9c(ambas de 1882) e +cE
(1889).
França Júnior freqüentou o Colégio D. Pedro II, onde obteve o grau de bacharel
em Letras. Como boa parte dos escritores e homens públicos do Império, seguiu depois
comédia em 3 atos, fez sua verdadeira estréia de comediógrafo, logo após formar-se na
Faculdade de Direito de São Paulo. Além desta, e das já citadas 8ccc e
133
João Roberto FARIA, no capítulo ³França Júnior e a Comédia de Costumes´, de seu livro O
Teatro na Estante (Cotia, SP, Ateliê Editorial, 1998), escreveu: ³Embora esse texto (República
Modelo) esteja perdido, é de supor que se trate de uma variação sobre o mesmo tema da
comédia anterior (Meia hora de cinismo)´. A leitura do folhetim A República publicado na
Gazeta de Notícias (1878) e em livro (Folhetins, 1926, pp. 163 a 172) dá razão a João Roberto
Faria: França Júnior desenvolve diálogos no folhetim que caberiam perfeitamente no provável
enredo da peça. O autor que aproveitava o material publicado em folhetins numa peça como
Caiu o Ministério!, por exemplo, teria feito o caminho inverso, e aproveitado diálogos da
comédia de 1861 no folhetim de 1878?
82
fazendo uma alusão aos empréstimos ingleses e às questões políticas envolvendo Brasil
e Inglaterra.
Na peça cE
cc:% (1870) um rude criado alemão atrapalha-se com a
língua e com os costumes, numa família comandada por uma espécie nativa de ³M.
(Artur, bacharel recém-formado, apaixonado que desfia adjetivos à sua amada que bem
poderiam servir para classificá-lo como maçante retórico, conforme folhetim acima
analisado), um joanete.
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c c c 7$c I é um c &
c # c c c
c que França
por corridas de cavalos que havia tomado conta do Rio de Janeiro, com o personagem
cavalos, a ponto de falar à filha, que procura um namorado, sobre lindos cavalos que viu
83
no referido Clube, e de não aceitar para genro moço que nunca houvesse montado um
cavalo na vida.
prado de corridas (na verdade, uma praça pública), compara a corrida às trapalhadas do
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Uma característica do teatro de França Júnior, mantida desde seu primeiro texto
encenado, vai ser marcante ao longo de toda sua produção dramatúrgica (comédias) e
literária (folhetins): os costumes e a política se mesclam como foco de seu olhar agudo
sobre a realidade.
momentos, tanto nos folhetins como nas peças de França Júnior, aparecem misturados,
134
FRANÇA JÚNIOR, op. cit., 1957, p.34.
84
pois sua visão era a de um observador crítico da vida social em suas múltiplas
manifestações.
ritos e aparências criticáveis. Tal trama é recortada pelo autor e recomposta, na forma
c c% são resolvidos por acordos políticos e eleições arranjadas. Èuando
ventos políticos deixa clara a inapetência de um político pelas coisas... da política, como
em 7cc8
9.
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85
França Júnior é mais ³realista e elaborado´, deixando-se, por vezes, ³contaminar pela
vulgaridade que propagou nos espetáculos da segunda metade do século´ (XIX). Como
censura-lhe ³a graça pesada, o mau gosto claro, a presença dos menos exigentes padrões
E
, 7cc8
9c(ambas de 1882) e +cE
(1889).
linguagem cênica´, permitindo que França Júnior ³pisasse terreno firme nos textos mais
135
Edwaldo CAFEZEIRO e Carmem GADELHA ± ³Romantismo: a comédia da libertação´, in:
op. cit., p. 275 e 281.
86
Corte de uma família interiorana trazem nessas relações, são os assuntos da comédia
E
c cc
. Intriga sentimental envolvendo criados, disfarces, estratégias
sátira dos costumes políticos´, para Sábato Magaldi, estão na comédia 7cc : c
c E
, de 1882, que teve o verbo do título alterado pelo autor (de :
para
Em 7c c 8
9, por sua vez, a crítica aos ³costumes do filhotismo nacional´
inglês; mas não deve ser esquecida a influência francesa na cultura e nos costumes da
época) que se aproveita da ingenuidade nativa, para conquistar privilégios para seus
negócios.
assumir na sociedade de fins do século XIX, também no Brasil. Duas amigas (uma
136
De autoria do Senador pela Bahia, José Antonio Saraiva (ver TAUNAY, op. Cit., p.. 161).
87
médica e uma advogada) formam-se, casam-se, e passam a ter com os maridos, também
médico e advogado, uma relação quase contratual, chegando uma delas (a médica
Carlota, que se formou incentivada pelo pai, Manuel Praxedes, progressista e defensor
ironiza a crise conjugal dos casais e reafirma a maternidade como função
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do autor estudado:
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cccComo se fazia um Deputado, Caiu o Ministério! c
137
Sábato MAGALDI - ´Fixação de Costumes´, in: Panorama do teatro brasileiro, 3ª ed. ± São
Paulo : Global Editora, 1997, pp. 140 a 151. Obs.: as citações em itálico no corpo desta
dissertação reportam-se ao capítulo ³Fixação de Costumes´.
88
As Doutorasc
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ccc &cc6()D4c
França Júnior, e o exagero de Sábato Magaldi pode ser constatado pelo estudo de alguns
situa duas das principais obras de França Júnior numa perspectiva crítica em relação à
obra do comediógrafo e que nos interessaram sobremaneira para nosso estudo. Fica
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tratado pelos parentes do casal de jovens da peça, Henrique e Rosinha)c1cc
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autores consultados, citar Martins Pena, França Jr. e Artur Azevedo, respectivamente,
138
Ibidem, pp. 149 e 151.
139
Décio de Almeida PRADO - ³A Evolução da Comédia´, in: História Concisa do Teatro
Brasileiro: 1570-1908, São Paulo : Editora da Universidade de São Paulo, 1999, pp. 127, 131 e
133.
89
desenvolveu entre nós, com tempero tipicamente brasileiro. Artur Azevedo é para Décio
cujo enredo também aborda a questão política que França Júnior critica em 7c c
:
c c E
, também freqüenta a lista dos escritores de comédias de costumes
do século XIX. Machado de Assis também tentou a sátira política em 2c 8
Verso e Reverso´ (encenada em 1857, publicada, em segunda edição revista pelo autor,
em 1864). João Roberto Faria141, Lothar Hessel e Georges Raeders142, em certo sentido
também Nelson de Araújo143, Hermilo Borba Filho144 e Flávio Aguiar145 reforçam essa
tradição.
autor tenha sido o consolidador da comédia de costumes no Brasil. Para Iná Camargo
Costa, o mais correto seria dizer que França Júnior, ao contrário de Martins Pena,
dedicou-se à
c , e não à comédia de costumes. Para comprovar seu
140
Décio de Almeida PRADO, Décio de ± Op. cit., p. 126.
141
João Roberto FARIA - ³França Júnior e a Comédia de Costumes´, in: O Teatro na Estante,
São Paulo, São Paulo : Ateliê Editorial, 1998, pp.55 a 65
142
Lothar HESSEL e Georges RAEDERS - O teatro no Brasil sob D. Pedro II, 2ª parte, Porto
Alegre : Ed. da Universidade, UFRGS, 1986, pp. 83 a 90.
143
Nelson de ARAÚJO - História do Teatro, Salvador : Empresa Gráfica da Bahia, 1991, p. 201.
144
± Hermilo BORBA FILHO - História do Teatro, Rio de Janeiro : Livraria Editora da Casa do
Estudante do Brasil, s/d (prefácio do autor, de novembro de 1950), pp. 417-418.
145
Flávio AGUIAR (org.) - Antologia do teatro brasileiro / A aventura realista e o teatro
musicado, São Paulo : Editora SENAC São Paulo, 1998, pp. 7 a 9.
146
Iná Camargo COSTA ³A classe da comédia de França Júnior´, in: Sinta o drama, Petrópolis,
RJ : Ed. Vozes, 1998, pp. 157 a 175.
90
suas tribulações´, seu conservadorismo que ³vai muito além da mera desqualificação de
tudo o que aponte para a modernização e democratização do país´, e indica que uma das
pelo próprio autor ³à mera condição de peça ideológica, de categoria duvidosa´, pelos
antiabolicionista.
objetivo neste estudo defender o caráter político ou ideológico do autor que escolhemos
para analisar. Apenas poderíamos mencionar, a título de colaboração para uma reflexão
a respeito do teatro e da obra jornalística de França Júnior, que muitos autores reputados
posições progressistas. E uma das ironias da História estaria no fato de que, por
linhas de pesquisa para nosso estudo, procuramos definir França Júnior como um crítico
seu pensamento sobre a sociedade brasileira e o desejo de um país diferente daquele por
ele criticado. Influenciado, em boa parte, pelo repertório de peças realistas francesas e
representada naquele Teatro, na Corte. Iniciou, com esta peça, sua produção
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147
Ver João Roberto FARIA, O Teatro Realista no Brasil:1855-1865, São Paulo : Perspectiva :
Editora da Universidade de São Paulo, 1993.
148
Ibidem , pp. 268 e 269.
92
de assuntos e temas, apreensão do significado das cenas e reconstrução das ações e falas
das personagens, revela um autor que nos mostra como o público e o privado, a
criação das comédias de França Júnior, a imagem das possui uma referência
situada na história.
durante catorze anos (1832-1846). Lopes Gama assumiu a cadeira de deputado geral em
E
. Também no Rio de Janeiro publicou ³Lições de Eloqüência Nacional´c
sobre o gênero literário no qual o padre jornalista apresentava sua crítica social, Evaldo
que, a nosso ver, não é descabida para o ³carapuceiro fluminense´ França Júnior:
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(1862) foi a primeira peça de França Júnior representada na
representada ³sempre com extraordinário sucesso nos teatros do Rio de Janeiro e nos
por dinheiro, num texto híbrido que mistura a comédia de costumes a intenções
149
Padre Lopes GAMA, O Carapuceiro: Crônicas de costumes; organização Evaldo Cabral de
Mello. ± São Paulo : Companhia das Letras, Retratos do Brasil, 1996, pp. 9-10.
150
FRANÇA JÚNIOR - Teatro de França únior II, Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Teatro,
Fundação de Arte, 1980, p. 17.
94
material trabalhado na crítica feita por França Júnior à sociedade apegada às aparências,
produções posteriores de França Júnior. Mas fica patente, na escolha do tema e pelo
ações, constituem os recortes do tecido social com que França Júnior costura já algumas
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95
intermédio de uma carta enviada da capital paulista, como ³um dos mais ricos
fazendeiros de São Paulo´. Isso provoca o interesse de Dona Ana de Lemos - viúva de
financeiro, que regia as relações familiares, a preparação das filhas de família para
³doutor´.
Dona Ana quer dar a filha como esposa a um ³negociante honrado´, ou a ³algum
freqüentador ³de todas essas sociedades onde se reúne o c´, ele mesmo um
caça dotes que casa com ³uma velha muito rica´ (Ato II, cena I), para ostentar (a
aparência de) uma posição social mantida artificialmente por uma longa ³experiência
(...) adquirida nos salões da Corte´ (Ato I, cena IV). Torna-se viúvo de Porfíria (uma
³velha rica´), ³mandando-a para outro mundo da maneira a mais fácil possível´, após
submetê-la a uma verdadeira maratona de festas, bailes, jantares, sessões líricas e peças
de teatro, ³um meio pronto e eficaz´ que recomenda ³a todos aqueles que casarem com
151
Edvaldo CAFEZEIRO e Carmem GADELHA , ³Romantismo: a comédia de libertação´, in:
História do Teatro Brasileiro: um percurso de Anchieta a Nelson Rodrigues, Rio de Janeiro:
Editora UFRJ / UERJ / FUNARTE, 1996, p. 278.
96
jovem enamorada por Carlos, criada pela família para um casamento de conveniência,
educada no ambiente dos salões da corte, ocupando seus dias com bordados, músicas
quem tenta convencer a pedir sua mão em casamento, antes que a mãe a destine ao
Barão da Cutia; afinal, como lembra ao objeto de seu amor a também prática
Mariquinhas, apesar de pobre e idealista, o médico foi criado e educado por um tio rico
(Ato II, cena I). Carlos, jovem médico idealista, tem sentimentos nobres e convicções
morais que o levam a concluir que ³o mundo só olha para os fins e não atende aos
meios´ (Ato I, cena VIII). É crítico ao culto das aparências e aos casamentos por
interesse, a que chama de ³casamentos da época´ (Ato II, cena I). Desdenha da
valores de Dona Ana de Lemos, que especula com a mão da filha e procura um
do Barão, a quem acaba dando razão quando este ataca Dona Ana de Lemos, ³mulher
falsa e fingida que põe preço à mão de sua filha e que não duvida comprometer a sua
A intriga é simples: Mariquinhas ama Carlos, apesar de este ainda não ter
diploma de ³doutor´ como patrimônio, tem um tio rico. Dona Ana de Lemos, vigilante
97
dos interesses econômicos da família, tolera as visitas de Carlos, mas lembra a filha que
linha de apoio às pretensões de Dona Ana e procura dar cabo de suas dívidas, mantendo
moça à mãe, que vislumbra no casamento a realização de seu ³sonho dourado´ (Ato II,
cena VII). Sofre a humilhação de ser preterido na disputa pela noiva, quando um golpe
de teatro faz uma herança tornar Carlos duas vezes mais rico que ele: a morte do tio
Carlos passa a ser tratado com cortesia pela futura sogra e admiração por
Gasparino, que recebe de Dona Ana a missão de enxotar da casa o Barão da Cutia,
agora considerado pela viúva ³um toleirão, um malcriado que vem todos os dias
fazenda e de tudo que lhe vem à boca´ (Ato III, cena IV).
A frieza com que passa a ser tratado na casa da família, as desculpas e oscilações
pacata Cutia para ir ao Rio de Janeiro, à Corte, uma ³terra endiabrada cheia de carros,
98
de lama e de calor, para deixar-me apaixonar nesta idade por uma menina que é um
desenganado e desprezado Barão, que classifica a viúva como uma ³mulher falsa e
fingida que põe preço à mão de sua filha e que não duvida comprometer a sua palavra
só por causa do dinheiro (...) capaz de saltar por cima das considerações da honra e da
homem estúpido´, sem possuir isso que Dona Ana ³chama educação´ e que ele chama
³antes a máscara que oculta uma alma corrompida´, alega possuir ao menos ³a
franqueza e a lealdade que caracteriza um homem de província´ (Ato III, cena XI).
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Lembrado pela viúva que ³está no seio de uma família´, o Barão responde que
casa, ³para não dar escândalos´, repele o convite com um ataque fulminante a quem
³especulou também com este negócio, servindo de correio de meus amores, para exigir
depois o pagamento de algumas dívidas que sua mulher não quis pagar!´, chamando
ainda o elegante caça dotes de ³vil, ordinário e infame!´ (Ato III, cena XI).
152
Sérgio Buarque de HOLANDA, ³Herança Rural´, in: Raízes do Brasil, 8ª edição, Rio de
Janeiro: Livraria José Olympio Editora, Coleção Documentos Brasileiros, volume 1, 1975, p. 46.
99
O Barão vai embora para sua Cutia, onde deseja entrar ³tão puro e tão limpo´
como de lá saiu (Ato III, cena XI), mas antes sente-se vingado ao saber que Dona Ana
vai casar com Gasparino. Este enxerga no novo casamento outra oportunidade de ouro,
afinal ³Dona Ana de Lemos tem alguma coisa... julga-me sem dúvida senhor de uma
boa fortuna com a morte da velha... a menina casa-se com mil contos... fica este bolo em
condições em que cedeu, afinal, à cooptação do meio social e foi aceito na família, pois
não foi ³o interesse, nem uma especulação de lucros´ que o ligou a Mariquinhas, um
³protótipo de virtudes´, e sim ³um sentimento que Vossa Excelência desconhece e que
na época atual desafia o epigrama. Como simples doutor em medicina sei que a mão de
sua filha me seria negada; Vossa Excelência queria um título ainda mais nobre; esse
título a fortuna mo deparou. Não é o Doutor Carlos de Brito que hoje vem fazer parte
Dona Ana pede que o futuro genro não ³faça injustiça´ aos seus sentimentos,
pois ³pode avaliar-se os efeitos de uma paixão quando a sentimos também no peito´, e
nossa família com o doce nome de meu esposo.´ Ao apelo de Mariquinhas para que
comédia com a seguinte sentença: ³--- É ainda uma ambição fatal que a cega: cumpra-se
satirizados por França Júnior nesta comédia de certo sabor realista154, revelando o
crítico social no bacharel recém saído da Academia. Convém lembrar que França
c c 6c c 7
. Iniciando a vida literária nos bancos da Academia, foi
influenciado pelo modelo realista francês adaptado ao Brasil (leia-se, a Corte Imperial
aprofundados nos folhetins e nas últimas comédias: o olhar irônico do autor sobre os
costumes da época, sua verve crítica, estavam direcionados para uma sociedade
puro interesse financeiro, nem tão pouco ao ideal de vida simples (melhor seria dizer
³simplória´) da província.
153
Texto sobre França Júnior no ³site´ da Academia Brasileira de Letras, da qual França Júnior
é patrono da cadeira nº 12. ver: www.academia.org.br/imortais.htm
154
Ver a análise de João Roberto FARIA sobre a peça em O Teatro Realista no Brasil: 1855-
1865, São Paulo : Perspectiva : Editora da Universidade de São Paulo, 1993. ± Estudos; 136,
pp. 249
101
com a utilização do material anotado sobre tipos e costumes originado dos folhetins que
escrita dos folhetins, nota-se que, nos textos de maior fôlego, como as comédias E
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(1870), 7cc
cc
(1882), 7cc
9 (1882)
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c(1889), a temática política predomina, principalmente nas peças de 1882.
sociedade, não deixa o crítico social de pincelar, mesmo que em registro paródico,
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Henrique por sua mania pelo ³estrangeirismo´ (Ato Único, Cena I). Henriqueta também
ama Henrique, mas o casal tem sobre suas cabeças a ameaça de um rival poderoso para
Henrique: Mr. John Read, empreendedor inglês a quem a mão da moça está prometida
155
João Roberto FARIA - ³França Júnior e a Comédia de Costumes´, in: O Teatro na Estante:
estudos sobre dramaturgia brasileira e estrangeira, São Paulo : Ateliê Editorial, 1998, p. 60.
103
em casamento por Teodoro Paixão, que irá finalmente unir o nome brasileiro da família
a um nome estrangeiro:
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conveniência pública, de que os tais senhores brasileiros ainda não se lembraram" e que
(Cena II).
No embate entre Teodoro Paixão e sua obsessiva preferência por tudo que é
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c c c c c c c c c c c
104
brasileiras no Paraguai por um Gabinete Ministerial liberal (presidido por Zacarias Góes
de Vasconcelos). Caxias, após várias vitórias militares, passou a ser atacado pela
imprensa e pela situação liberal. Vale lembrar que França Júnior era simpático às teses
o luxo de uma sociedade carnavalesca, o ³Club X´, que havia utilizado dois camelos e
de suas observações que havia registrado no folhetim. Tal como naquele texto, percebe-
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/cc cc6ccccc c(Cena II).
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105
pregação nacionalista, dizendo que ele é ³... um brasileiro às direitas; tem discursado
Determinado a não abrir mão de sua paixão e a dar uma lição ao pai de
arranje um negocio com o governo´, que tem ³idéia de montar aqui um grande fabrique
arranjar ser pomadiste universal avec garantie du gouvernement, acaba de uma vez com
laboriosos que aportam a este país.´ (Cena VII). O servilismo aos estrangeiros é
Após uma sucessão de cenas em que Henrique, Teodoro Paixão e Mr. Read
que está atrás do dote de Henriqueta e do privilégio governamental para apurar dinheiro
Na cena final, Henrique, ainda como o falso francês, pede a mão de Henriqueta.
Teodoro nega, dizendo que ³nesta casa não há de entrar mais tratante algum´ e que
consente no casamento da filha ³com o Senhor Henrique´. Este revela-se e obtém a mão
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Na peça *c c
(1862), França Júnior compõe seu material de
Teodoro Paixão. A aqui tem endereço certo: a mania de só atribuir valor à
França Júnior desde a primeira obra teatral escrita e encenada. Em seus textos, surgem
dependência externa brasileira das finanças internacionais etc157. João Roberto Faria
França Júnior para o teatro brasileiro que, neste sentido, teria ido um pouco além de
Martins Pena.158
sociais e práticas políticas são alvo da denúncia, da paródia, das caricaturas e da sátira
do autor.
156
Folhetim ³Parece estrangeiro!´, in: FRANÇA JÚNIOR - op. cit. p. 652.
157
Edwaldo CAFEZEIRO e Carmem GADELHA , op. cit. pp. 275 a 285.
158
Resposta à pergunta que fizemos ao palestrante, dia 16 de outubro de 2001, durante o
debate sobre o tema de sua palestra ³Teatros Nacionais e Sociedade Burguesa´, no ciclo O
TEATRO E A CIDADE ± São Paulo, 08 a 31 de outubro de 2001, Centro Cultural São Paulo,
Secretaria do Municipal da Cultura.
108
de 1882). A primeira peça, como já o dissemos, teve o verbo do título alterado pelo
c
c da sátirac pode ser percebido, involuntariamente, já desde este
episódio. Os costumes políticos não mudaram por força de lei. Nem na época em que a
província vai eleger um Deputado e os dois líderes ensaiam uma discussão sobre
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159
³Era a milícia cidadã criada em 1831, inspirada na Revolução Francesa, para manter a
ordem e policiar o município. A lei de 18.8.1831 extinguiu as milícias e criou a Guarda Nacional.
O alistamento era só entre os cidadãos que possuíam condições econômicas estáveis. Graças
à Guarda Nacional, surgiam grupos locais que obrigaram o governo a fazer acordos para
manter a centralização do Estado. Os comandantes locais passaram a ser os coronéis, que
também dirigiam a política. Esta instituição prestou serviços na Revolução Farroupilha e na
Guerra do Paraguai. No final do II Reinado a força se abastardou pela corrupção da venda de
cargos aos novos ricos. Foi extinta em 1918.´ Moacyr FLORES, Dicionário de História do Brasil,
2ª edição, revista e ampliada, Porto Alegre : EDIPUCRS, 2001, Coleção História; 8, pp. 292.
109
com o senso prático e realista dos velhos líderes políticos. Limoeiro tira da frente dos
olhos do jovem idealista as ilusões românticas dos tempos da Academia, pois ³isto de
poesia não dá para o prato´. É preciso ocupar-se ³com alguma coisa séria´. Èuestionado
sobre que carreira pretende seguir, Henrique vê o tio desqualificar uma por uma as que
administrativa e o jornalismo. A política é a carreira ideal, pois para ³... deputado não é
preciso ter prática de coisa alguma. Começas logo legislando para o juiz municipal, para
o juiz de direito, para o desembargador, para o Supremo Tribunal de Justiça, para mim,
que sou quase teu pai, para o Brasil inteiro em suma.´ (Ato I, Cena VII).
160
Liga Progressista. ³Grupo político organizado pelo Marquês de Caxias, quando presidia o
Conselho de Ministros. A liga se dissolveu em 1865 com a queda do gabinete do marquês de
Olinda´. Moacyr FLORES - op. cit., pp.358/359. O Marquês de Caxias, futuro Duque de Caxias,
político e militar, pertencia ao Partido Conservador, o mesmo do Tenente-Coronel Chico Bento.
110
Henrique, que nunca havia pensado no assunto, satisfaz o Major, pois o não ter idéias
políticas revela que Henrique é ³... mais político do que eu pensava.´ A escolha de um
ser do partido do tio (Liberal). Este questiona se ele pode ser conservador e Henrique
concorda também. Limoeiro decide que Henrique servirá aos dois partidos. Henrique
protesta que ³isto é uma indignidade´ e recebe do tio uma prática lição de realismo
Os dois coronéis comunicam aos jovens Henrique e Rosinha que eles vão se
filha do Tenente. Rosinha diz não gostar de brincadeiras e diz que não quer casar.
Teimosa, a moça diz que ³... quando digo que não quero, é porque não quero mesmo.´
161
teatro por parte de França Júnior: a simplicidade da roceira Rosinha agrada a Henrique
que tem diante de si uma bela moça: ³Cintura fina e delgada, cabelos castanhos...
Decididamente não é nenhuma asneira´. Casar com um moço que ³não é muito feio´,
161
Antecipando uma expressão que seria utilizada, no final do século XX, por um conhecido estadista da
República para desqualificar a oposição, Rosinha reitera a recusa: ³É à-toa, escusa de estar nhen-nhen-
nhen em cima da gente.´ (Ato I Cena IX ± grifos nossos).
111
ato da comédia, a eleição. Revela-se a trama urdida para eleger Henrique: capangas,
Limoeiro.
mulher de um deputado. É a mãe, Dona Perpétua que a lembra que deve ser uma ³...
moça educada, bem arranjadinha´ e que a mulher de um político ³... é uma senhora que
tem o dever de ser amável, de dar reuniões em sua casa, de lisonjear os outros, e de se
apresentar bem.´ (Ato III, Cena I). O Major Limoeiro sonha um ³futuro mais que
perfeito´ para o sobrinho: ³Moço, rico, talentoso, deputado provincial aos vinte e quatro
anos, futuro representante da nação aos vinte e cinco, futuro ministro aos vinte e seis,
futuro chefe de partido aos trinta e futuro senador do império aos quarenta!´ (Ato III,
Cena II) Aqui fica clara a intenção de França Júnior de denunciar o compadrio, aliado
que o candidato ³há de definir as suas idéias´, Limoeiro retruca perguntando o que tem
³... as idéias com o programa, e o programa com as idéias?´. Pede ao aliado que não
misture ³... alhos com bugalhos (...) e parta deste princípio: o programa é um amontoado
de palavras mais ou menos bem combinadas, que têm sempre por fim ocultar aquilo que
idealismo do recém-formado bacharel, que havia sido amortecido pela sedução política
do tio, e pela perspectiva do casamento com Rosinha, por quem se apaixona. Henrique
cai em si e pondera:
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´(Ato III, Cena V)
Este choque de realidade seria trágico, se não fosse cômico. Henrique, que tem
consciência de ser um mero joguete nas mãos dos velhos líderes políticos, nega-se a
apresentar-se à Câmara como deputado eleito, mas é chamado à coerência pelo tio:
³Mas, rapaz, como combinar esta série de disparates que estás dizendo agora, com o que
diagnóstico da vida política brasileira, ainda válido, neste quase monólogo do novo
³deputado´:
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%c(Ato III, Cena V ± grifos nossos)
Rosinha é chamada pelo futuro sogro, Major Limoeiro, para convencer Henrique
moça simples está em jogo. Limoeiro, hábil na sedução política, joga com os interesses
da futura esposa de um deputado, pois ³... a menina tem também o maior interesse nisto.
Irá para a corte, terá ricos vestidos, bonitas jóias, aparecerá nos grandes bailes,
major alimenta a curiosidade da moça da roça pelos ³encantos de uma grande capital´.
Rosinha finalmente capitula ao ver-se, nas palavras do hábil sedutor, casada e passeando
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Cc(Ato III, Cena VII)
Dizendo-se uma ³... pobre moça da roça´, sem educação, que não pode, como o
refinado homem da corte que é Henrique, ³... dizer tanta coisa bonita´, Rosinha
pergunta se ele é capaz de fazer ³uma coisa que vou lhe pedir?´ e arranca do futuro
marido a promessa de levá-la para a Corte. Rosinha, porém, impõe a condição de ir para
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Cena VIII).
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jovens representantes das famílias aliadas na política. Henrique partirá como Deputado
e envidará ³todos os esforços para bem cumprir´ seus deveres, levando, porém, ³a
convicção de que a descrença, mais tarde ou mais cedo, far-me-á tragar a taça dos
mais de uma vez. França Júnior alfineta a ³filantropia´ interessada do líder político
liberal na província:
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(Ato III, Cena XII ± grifos nossos)
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de França Júnior esteve voltada para a crítica social de costumes e da política de seu
115
urbano do Rio de Janeiro Imperial da segunda metade do século XIX, quanto no entorno
rural, França Júnior trouxe para o teatro, para o plano da representação, essa mesma
sociedade.
defeitos da sociedade carioca das últimas décadas do século XIX, mostra-nos tipos
Estado à vida urbana, em vários campos procura o analista de costumes França Júnior
material para suas morais, estéticas, culturais e políticas. Nada parece
escapar ao olhar atento, à sua pena ágil, ao estilo cômico de representar a realidade que
recortar no tecido social, cultural e político brasileiro da época o que nos é mostrado,
das comédias, ressalta, como vimos demonstrando ao longo deste trabalho, o que era
162
Sábado MAGALDI - ³Fixação de costumes´, in: Panorama do Teatro Brasileiro; 3ª edição,
revista e ampliada, São Paulo : Global Editora, 1997, p. 140.
116
mais evidente, o que mais agredia a sensibilidade estética, cultural, social do homem de
letras, do jornalista que passa a utilizar a máscara de autor teatral para mostrar ³à sua
época e geração sua forma e efígie´ (Hamlet, Ato III, Cena II). E a principal crítica,
parece-nos, é dirigida ao modo como essa sociedade, em seu cotidiano, na imprensa, nas
França Júnior distribui suas aos esnobes e à instituição do casamento, aos
E
, de 1882), a sátira política castiga as oligarquias que dominam o país,
um projeto político para o país. A ampla preparada por França Júnior nessa
Império, abarca ainda os arranjos domésticos e sua influência nos negócios do Estado.
bacharelesca; o costume de falar mal das pessoas pelas costas; as idéias políticas
tipos populares e ingênuos; o contraste entre a vida no Brasil agrário e no Brasil urbano;
7c c 8
9 é, sem dúvida, a peça mais conhecida do comediógrafo, e
talvez a mais citada nas análises e resenhas críticas de sua obra literária, encontradas na
teoria e na crítica teatral. Sendo assim, para adicionar mais uma às tantas descrições e
163
Caiu o Ministério! esteve em cartaz de setembro a dezembro de 2001, e de 16 de março a
30 de junho de 2002 com temporada no Teatro João Caetano, dirigida por Ariela Goldmann,
dentro do Projeto ³Formação de Público´ (curadoria de Gianni Ratto e orientação de Maria
Sílvia Betti e Flávio Wolff Aguiar), da Secretaria Municipal de Cultura do Município de São
Paulo. O espetáculo teve temporada de 16 a 24 de fevereiro de 2002 no Teatro Municipal de
São Paulo. O Projeto Formação de Público, da Prefeitura do Município de São Paulo (2001-
2002), do qual a encenação de Caiu o Ministério! a que assistimos participou, ao lado de
espetáculos como Geração Trianon (Anamaria Nunes), Pedro Mico (Antonio Callado) e Nossa
vida em família (Vianinha), fez parte da política pública para o teatro paulistano, em que uma
118
Osmar Rodrigues Cruz, diretor do espetáculo falando sobre sua encenação, disse que
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9 (1882), das peças a que tivemos acesso neste estudo, parece
das linhas mestras que regiam a Secretaria Municipal de Cultura era: ³Construção do
pensamento cultural na cidade que permite a constituição de cidadãos e cidadãs dotados de
capacidade de entendimento dos problemas que afetam a cidade, o Brasil e o mundo´. A
escolha das quatro peças citadas, representativas de algumas das facetas mais marcantes da
vida nacional, visava atingir o objetivo do programa que era: ³...o de difundir o teatro através
daquilo que ele produz de mais característico, ou seja, o prazer artístico, o entretenimento, e a
reflexão crítica sobre o mundo que o cerca´.
164
Osmar Rodrigues CRUZ e Eugênia Rodrigues CRUZ, Osmar Rodrigues Cruz: uma biografia
teatral, São Paulo: Hucitec, 2001, pp. 214, 216, 217 e 231.
119
encenadora, são alguns dos elementos a serem estudados. Por outro lado, em se tratando
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165
Décio de Almeida PRADO, ³A Evolução da Comédia´, in: História Concisa do Teatro
Brasileiro: 1570-1908, capítulo sétimo, São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
1999, p. 132.
120
programa:
166
Armando Sérgio da SILVA e J. GUINSBURG - ³A Linguagem Teatral do Oficina´, in: .
Guinsburg : Diálogos sobre Teatro, Armando Sérgio da SILVA (organizador), São Paulo :
Editora da Universidade de São Paulo, 1992, pp. 97 e 98.
167
Programa do Projeto de Formação de Público, Secretaria Municipal da Cultura,
Departamento de Teatro, Prefeitura do Município de São Paulo, 2001.
121
criados pelo autor foram bem construídas pelos atores, que demonstram larga
texto de época é bem dado nas falas e mesmo expressões hoje em desuso são
Império é representada pelo viés cômico e crítico. Marcações cênicas bem definidas, o
do público. Figurinos simples e adereços de época situam a ação no século XIX, sem no
cenografia apenas localiza a ação no espaço, sem ocupar todo o palco, o que dá
O 168 com que foi executado o trabalho artístico, revela o cuidado que o
grupo de atores e a direção teve em trazer para a cena o texto de França Júnior. E esse
garantir, ao longo do Primeiro Ato, a manutenção do clima imaginado por França Júnior
168
Hostinato rigore, divisa de Leonardo Da Vinci. Não se confunde com rigidez, bloqueio
criador. Ver Paul VALÉRY, Introdução ao Método de Aeonardo Da Vinci, tradução de Geraldo
Gérson de Souza, Ed. bilíngüe, São Paulo: Editora 34, 1998.
122
falas restringem-se aos atores que surgem em primeiro plano. Tal pano de fundo para as
169
FRANÇA JÚNIOR, Folhetins, pp. 13 a 19.
123
manchete estampada nos diversos jornais que anunciam a queda do ministério anterior e
fazem planos para o futuro. Os interesses públicos e privados, a vida pública e a vida
inglês que quer apoio político para seu projeto (Mr. James). Há espaço também para o
Brito, que a viu pela primeira vez na Confeitaria Castelões, ³comendo empada´. As
ostentação consumista e pela falsa cordialidade feminina. É ali, ainda, que o inglês Mr.
James faz suas críticas à instabilidade política, à fragilidade dos partidos e ao excesso de
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124
sua casa, espaço íntimo, domínio do privado, passa a ser o foco dos interesses na disputa
Novamente, França Júnior utiliza, num diálogo entre o Felipe Flecha e Ernesto,
perfil da clientela política e dos que perseguem o ³empenho´ (proteção) dos políticos
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um dos agora mais interessados pretendentes (Dr Raul, por um emprego, e Mr. James
pelo privilégio ao seu projeto) e a ostentação de uma posição social pela família do
170
FRANÇA JÚNIOR, op. cit., pp. 93 a 101.
125
articulação política, servindo a casa de local para uma reunião do Gabinete, que vai
principalmente, foi criticado por França Júnior em c *c 6 (1872). Tal
do Conselheiro Brito, Filomena e sua filha Beatriz, que intercala palavras de várias
línguas em suas falas, numa clara demonstração de pedantismo. Mr. James, que já havia
constatado, com a concordância do Dr. Raul, que tudo ³que se faz neste terra (...) é para
inglês ver´ novamente exerce o seu ³direita de faz crítica do Brasil´ (Ato I, Cena XIV),
aproveitando a conversa para tratar de seu interesse, o privilégio para a execução de seu
projeto ³ferroviário´:
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Francisco Coelho, que pleiteia o cargo da Marinha, e sua contrariada mulher, Dona
Bárbara, apresenta a crítica de França Júnior aos maus modos da ³classe média, em que
figura a nossa boa burguesia´. A mesma crítica era apresentada no folhetim ³Visitas´
171
, em que França Júnior já havia inserido a oração para ³mau olhado´ feita por Dona
Bárbara e ironizada por Filomena e Beatriz, mais uma vez marcando o tratamento
pretensões políticas do Desembargador, líder da maioria governista, faz com que este
dos Ministros reforçam a caricatura dos políticos proposta pela direção do espetáculo,
possuem bigodes, como o autor da comédia. O breve diálogo do Conselheiro Brito com
os colegas de Ministério mostra a instabilidade política criada por não ter sido atendido
o Gabinete presidido pelo Conselheiro Brito, muitos políticos haviam mudado de lado,
171
FRANÇA JÚNIOR, op. cit., pp. 49 a 56.
127
da situação para a oposição. Aqui fica clara a crítica do autor à inconsistência dos
pasta da Marinha, mas indica o jovem bacharel, filho de sua irmã Maria José, que
³acaba de chegar da Europa, razão pela qual ainda não tomou assento na Câmara.´ Dr.
Bückner, Litré, ³todos esses grandes vultos, que constituem o apostolado das sociedades
político experiente, tranquiliza o Conselheiro Brito quanto a esse fato: ³Fica sob as
:
c c E
(1882), quando um jovem bacharel (Henrique) é levado a
apresenta como única credencial para ocupar um cargo público, além do diploma de
encenada pela primeira vez, França Júnior publicou uma série de folhetins no jornal c
G$c B
intitulada ?1
c c c @0A. Èuando publicou a primeira das
172
FRANÇA JÚNIOR, Folhetins, pp. 295 a 328. A palavra ³vadio´ tem a conotação de boêmio,
um personagem típico da Rua do Ouvidor, que passava o dia em conversas com os ociosos e
dessas conversas tirava a sua ³ciência´ : ³Ser vadio é uma ciência que exige estudo e
tendências especiais de espírito. (...) Os vadios de hoje são uns sujeitos de bom gosto, que
estudam no grande livro da vida. Conhecem mais os homens que todos esses milhares de
128
notas, França Júnior advertia seus leitores que as notas em seu poder haviam sido
recebidas de um vadio ³daquele gênero´, e prometia que elas ³hão de ser impressas tais
quais as recebi´. Criava o folhetinista e teatrólogo mais uma máscara, que usou para
criticar os costumes e a política nacionais. Na nota VI, surge uma crítica do ³vadio´ à
Monteirinho´:
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filósofos que os séculos têm produzido. (...) O vadio de bom gosto veste-se bem, fala como um
Cícero, escreve artigos para os jornais, e não há assunto, por mais importante e difícil que seja,
a respeito do qual ele não possa dizer pelo menos meia dúzia de palavras. (...) Sempre
irrepreensivelmente barbeado, trajando no último apuro, enluvado quando a situação o exigia,
era um regalo vê-lo discutir com estadistas, diplomatas, literatos, jornalistas, comerciantes,
artistas, com toda aquela pleiade brilhante de moços e velhos que frequentavam a loja do
Paula Brito onde funcionava a dita Petalógica (sociedade de mentirosos ± ³peta´ quer dizer
mentira). (...) Logo que acordava lia as folhas diárias, que naquele tempo não eram tantas
como hoje. (...) Em seguida vestia-se, e ia almoçar café com leite no Braguinha, que era o
botequim da moda. (...) Ali conversava e ficava sabendo coisas de que os jornais não se tinham
ocupado, por não se ter ainda descoberto o reporter. Findo o almoço e a palestra, ia passear. E
era nesse passeio que ele bebia a sua melhor ciência. Aqui falava com um senador, ali ouvia
um advogado, acolá assistia a uma discussão literária; mais adiante fazia parte de um círculo,
em que se falava de artes, etc., etc.´ FRANÇA JÚNIOR - op. cit., pp. 297 e 298.
173
FRANÇA JÚNIOR, op. cit., pp. 319 e 320. Como costumava fazer com outros folhetins, o
autor aproveitou boa parte do texto publicado no folhetim do Correio Mercantil, de 29 de abril
de 1867. Tirou-lhes as referências à situação conjuntural daquele período, quando escrevia sob
129
Na cena seguinte, Mr. James vai à casa do Conselheiro Brito para apresentar ao
Gabinete o projeto de uma estrada de ferro para o Corcovado, com um trem movido a
intervém e demonstra ser o mais interessado no assunto. Por não estar o cachorro
legislativo. O segundo ato encerra-se, ainda, com a declaração de amor de Felipe Flecha
(agora repórter que cobre a pauta política) a Beatriz. A filha do conselheiro repele
Felipe, mas considera que este ³ao menos não me falou em emprego nem em privilégio´
Conselheiro Felício Brito, que quer ver a filha, Beatriz, casada com um dos pretendentes
à mão da moça, Mr. James, e não compreende porque o marido, sendo Presidente do
Conselho de Ministros, não concede o privilégio que fará com que o inglês execute seu
favor e outro contra o projeto dos cachorros. A mulher passa em revista com o marido
incita o marido a usar de todos os meios para aprovar o projeto. A pressão da mulher
parlamentares). Mais uma vez fica clara a indiferenciação entre interesses públicos e
privados, entre vida íntima e vida pública, e o quanto a discussão política estava presa à
Dr. Monteirinho, decidido a utilizar seus dotes de orador para a defesa do projeto
da elite letrada:
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III, Cena I)
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embora os pretendentes.
citado, que França Júnior constrói a cena em que Filomena e Beatriz comentam a sina
da clientela política de vários cantos do país, que manda presentes e cartas pedindo a
proteção do Conselheiro Brito, para que este promova seus interesses. Em seguida,
após mais uma visita indesejada de Dona Bárbara - desta vez para provocar a mulher do
projeto dos cachorros, que ouviu... ³passando por acaso na rua do Ouvidor...´, enche-se
174
Raymundo FAORO, ³O Sistema Político do Segundo Reinado´, in: Os donos do poder:
formação do patronato político brasileiro, 4ª edição, Porto Alegre: Ed. Globo, 1977, p. 390.
132
indo ³duas vezes por dia´ à casa do político) e submetem-se ao estado de espírito do
esperanças de ser chamado para ocupar um lugar ³na Secretaria´, para o qual tem
direito por ter sido aprovado em primeiro lugar em concurso público, numa carta de
175
Ibidem, pp. 390-391.
176
Roberto SCHWARZ , ³As idéias fora do lugar´, in: Ao vencedor as batatas: forma literária e
processo social nos inícios do romance brasileiro, São Paulo: Editora Livraria Duas Cidades
Ltda, 4ª eição, 1992, p. 16.
133
atualizar as conversas dos pretendentes. As informações não são boas, o Ministério está
O desânimo toma conta dos pretendentes, enquanto Felipe procura por sua Beatriz... O
o poder e os que dele dependem. A eles e ao apaixonado e pobre Felipe Flecha, só resta
a loteria, o acaso, como esperança de realizar seus sonhos de alcançar uma ³posição
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cpara Ernesto ± cc$cc
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ctirando um bilhete de loteria do bolso ± +c
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c(Sai.)
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$ c 8c 9c .c c c c(má sorte)c c
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c(Olhando para todos os lados:) c
cCc(Sai.) (Ato
III, Cena VIII).
c
c
Mr. James cai em si, e finaliza sua análise da política brasileira, lamentando ter
³tem um só ministra de Bahia. E ministéria sem baiana ± estar defunta logo, senhor. (...)
Baiana estar gente muito poderosa. Não se pode esquece dela.´ (Ato III, Cena X). Além
177
O liberal baiano José Antonio Saraiva chefiava o Gabinete no início de 1882, e voltaria a
chefiar outro Gabinete em 1885; outros nomes de senadores e chefes de Gabinete influentes,
baianos ou eleitos pela Baía, podem ser citados, como o liberal Zacarias de Gois Vasconcelos;
134
governo provincial serviu como secretário de governo entre 1868 e 1871. Provável
dívida de gratidão?
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cc/c8
cc8c
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(Ato III, Cena X ± grifos
nossos)
estavam atrás não da mão da moça, mas sim de uma ³posição social´ (Dr. Raul) ou do
seus interesses.
Manoel Vieira Tosta ± Marquês de Muritiba; o conservador João Maurício Wanderley ± Barão
de Cotegipe.
135
para a filha, França Júnior opõe a alegria do político Brito por ter se livrado das
pressões e das suspeitas de ser ladrão, alimentadas pela imprensa, ele que saía ³... do
ministério mais pobre do que entrei, porque estou crivado de dívidas, e com a pecha de
ladrão.´ (Ato III, Cena XIV). Èuestionado pela mulher sobre o que pretende fazer a
respeito dos ataques que sofreu, Brito responde, conformado: ³Nada: infelizmente, esta
é a sorte de quase todos que descem do poder.´ (Ato III, Cena XIV).
A cena final vai mostrar o apaixonado Felipe Flecha realizando o sonho de sua
paixão: o bilhete que comprara estava premiado e ele vai receber duzentos contos. O
realidade, e cada cena constitui, nas palavras de Osmar Rodrigues Cruz acima citadas,
Para nossa análise, que procura a aproximação entre arte e política, entre o teatro e a
136
postura que...
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ver, traduz os tipos criados pelo autor e sua crítica, de maneira a propiciar ao público
quem era destinado o texto, recuou frente aos gastos de encenação, e, para não
travessas´, para que a representação fosse proibida. O texto ficou preso na burocracia da
censura (polícia), que não o proibiu, mas, retendo o manuscrito em seu poder, impediu
178
Nicolau SEVCENKO, Aiteratura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira
República, 2ª edição, São Paulo: Ed. Brasiliense, 1985, p. 20.
179
³Tal qual como lá´; ver quadro do Anexo 1.
137
efêmero de tal tipo de espetáculo180. Tempos depois, Artur Azevedo propôs que
colaborassem juntos numa comédia, mas França Júnior estava doente e morreu (27 de
setembro de 1890), sem que pudesse realizar o projeto. Artur Azevedo lamentou não ter
tido ³... a honra de assinar uma peça com França Júnior.´ 181
O que a História não registrou, o Teatro, com seu poder de invenção, atualizando
c 8
9 utilizou um trecho musicado da
+c :
(1896) de Artur
c
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180
FRANÇA JÚNIOR, Folhetins, 4ª edição, aumentada, com os folhetins publicados nos
jornais O Globo Ilustrado, O Paiz e o Correio Mercantil; Jacintho Ribeiro dos Santos Editor, Rio
de Janeiro, 1926, pp 8 e 9.
181
Ver Joaquim José da FRANÇA JÚNIOR - Folhetins, 1926, p. 9.
182
Artur AZEVEDO, Teatro de Artur Azevedo ± Tomo IV ± Rio de Janeiro : INACEN, 1987
(Clássicos do Teatro Brasileiro, 8), p. 265.
138
GONGLUSÃO
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A trajetória deste trabalho teve início há muito tempo atrás. Não a descoberta do
tema, mas a atitude de procurar, o interesse pela pesquisa em si. Razões de ordem
número de vezes o caminho. Por vezes, a realidade da vida impõe ao pesquisador fatos
concretos contra os quais a mais firme convicção, a disciplina, o rigor, nada podem.
apelos que o nos traz ao abrirmos a porta da casa, numa bela manhã de sol.
disciplina e o rigor brigavam, em minha mente, com o (entre parenteses: tais
momentos foram freqüentes e fecundos neste percurso): ³--- Nada, nem a Arte, a
Religião, o Pensamento, a Cultura, nada pode nos livrar do que somos. Eu não posso
fugir do que sou. No entanto, inventamos a Arte e outros meios de adiar este encontro.
Criamos máscaras que ocultam o ator por trás da personagem, do papel. Até quando isso
é possível? Por que essas máscaras que usamos para representar tantos papéis?´.
Em instantes, vários pensamentos passaram por minha mente: talvez isso a que
chamamos realidade, nada mais seja do que pura representação, uma invenção teatral,
139
uma metáfora que nos ajuda a suportar tantos maus e mesmo bons momentos. Pensei
na Terra. Os que aqui chegaram buscavam, também, uma Utopia. O sonho europeu do
*
aqui na terra mesmo? Pensava em quanto a busca (para uns, a fuga) de
cavalheiro elegante, culto, sábio, irônico e crítico de sua época utilizava para,
quer o Hamlet ao falar a atores sobre a representação, ³à sua época e geração sua forma
França Júnior utilizava nos folhetins, havia a construção, pela via da paródia, da
pensador que sonha uma sociedade diferente da que ironiza. Ao lado de tantos outros
artistas, pensadores e políticos de seu tempo, França Júnior viria somar mais uma
Na busca de
para decifrar a sociedade brasileira, circunscrevendo tal
tarefa às possibilidades abertas por França Júnior, deparamo-nos com um autor que tira
sociedade que vai ao teatro e recebe alegremente tais críticas, ri de si mesma, e, talvez,
, que França Júnior distribui em sua obra dramatúrgica, são feitas a partir da
social, cultural e político brasileiro de sua época os aspectos que nos são mostrados,
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estética, literária.
formação na segunda metade do século XIX. Nos textos que analisamos o público e o
ambiente político.
183
Raymundo FAORO ± ³O Espelho e a Lâmpada´, in: Machado de Assis: a pirâmide e o
trapézio, 4ª edição, revista, São Paulo: Editora Globo, 2001, p. 526.
184
Nos reportamos a Anatol Rosenfeld (³A Estrutura da Obra de Arte ± O ser do objeto´, in:
Estrutura e Problemas da Obra Aiterária, São Paulo : Editora Perspectiva, 1976, Coleção Elos,
nº 1, pp. 13/14.) para entender que ³realidade´ aqui é apenas uma das dimensões da obra de
arte analisada, sujeita a variados atos de atualização e concretização pelo pesquisador
enquanto apreciador e sujeito desses atos.
142
França Júnior é um autor que privilegia o diálogo, não apenas no estilo literário.
Ele dialoga com o leitor e com suas próprias fontes: reaproveita idéias, fatos,
acontecimentos, críticas anteriores ainda válidas no momento em que (re) escreve. Por
Júnior nos traz dessa sociedade, seus costumes e defeitos, criticados e apontados, agora,
em registro ficcional, literário. Nossa análise caminhou para um limiar, uma fronteira
todos os ritos sociais e assuntos trabalhados e criticados por França Júnior em seu
distribuídas pelo autor sobre cabeças reais, pensantes, vivas, concretas. Há atores dando
143
Júnior.
por França Júnior nos folhetins, é demonstrado em nossa análise. Trata-se não apenas de
ritos e aparências condenáveis. Hábil na escrita com sua pena afiada, cortante como
uma tesoura, França Júnior seleciona e recorta desse tecido o material de suas comédias.
Com ele alinhava suas morais, estéticas, políticas, costurando-as com as
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Na abordagem da encenação, nossa análise tomou o rumo da fronteira entre arte
e política, entre teatro e política. O texto e sua carga de críticas, idéias, comportamentos,
conduzem. É um texto de época que está sendo encenado; uma sátira política.
O trabalho do pesquisador foi informado pela crítica teatral: foi feita a leitura
185
Armando Sérgio da SILVA e J. GUINSBURG - ³A Linguagem Teatral do Oficina´, in: .
Guinsburg: Diálogos sobre Teatro, Armando Sérgio da SILVA (organizador), São Paulo: Editora
da Universidade de São Paulo, 1992, p. 98.
145
A elaboração das , por França Júnior, com recortes do tecido social,
França Júnior é o de elaborar uma reconstrução do Brasil, mais pela pena da ³galhofa´,
com um viés social e político bem demarcado: sua crítica foi realizada tendo como
referência uma sociedade burguesa, moderna, civilizada, de inspiração européia, que ele
exercício do poder. E a principal crítica, a nosso ver, é dirigida ao modo como essa
vida pública.
do progresso, mas sente o gosto amargo da realidade: sua época está sendo ou já foi
186
José de Souza MARTINS, ³Clientelismo e corrupção no Brasil contemporâneo´, in: O Poder
do Atraso: ensaios de Sociologia da História Aenta, São Paulo : Editora Hucitec, 1994, p. 20.
146
superada. Apega-se à forma, a princípios (ele que tanto os ironizou), fazendo apenas
com que seu teatro, nas palavras de Sábato Magaldi, exerça o papel moderador de
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época, D. Pedro II. O comediógrafo era amigo da família real e sentiu o golpe, não tão
duro quanto a incompreensão da colônia portuguesa para com sua última comédia,
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(1890). França Júnior morreria, desgostoso, quatro meses
187
Euclides da CUNHA, ³Da Independência à República´, in: § Margem da História, Porto,
Portugal: Lello & Irmãos, Livraria e Editora, 1909, pp. 366 a 399.
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Fotografia
Programa de Teatro