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APRESENTAÇÃO

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Sempre me atraíram os mistérios da política, mas algo no seu interior intrigava-

me, despertando a curiosidade: o jogo, a encenação, as máscaras, o poder em cena.

Unindo minha formação como cientista social na Universidade de São Paulo a vivências

práticas do teatro, em peças universitárias, oficinas, festivais e cursando disciplinas na

Escola de Comunicação e Artes da USP (Departamento de Artes Cênicas), começou a

surgir uma preocupação intelectual, uma 


, a possibilidade de encontrar um

caminho, a partir deste cruzamento, para chegar ao desvendamento dos 


 da

realidade política.

A leitura do artigo ³A natureza da política em Shakespeare e Maquiavel´2

contribuiu para materializar esta busca e para estabelecer o tema desta dissertação. Este

texto também foi utilizado como ponto de partida para o artigo ³Teatro e Política: em

busca do elo perdido´, que publiquei em 19973, reafirmando os parâmetros da

³aproximação entre arte e política´ e da ³proximidade entre indivíduo e poder´. Ainda

1
Renato Janine RIBEIRO ± ³O entusiasmo, o teatro e a revolução.´, in: Adauto NOVAES, (org.)
± Tempo e história - São Paulo : Companhia das Letras : Secretaria Municipal de Cultura, 1992,
p. 326.
2
Miguel CHAIA - ³A natureza da política em Shakespeare e Maquiavel´, in: Revista Estudos
Avançados ± IEA/USP, ano 9, n. 23, 1995, pp. 165-182.
3
Eduardo Luiz VIVEIROS DE FREITAS - ³Teatro e Política: em busca do elo perdido´, in:
Revista da APG (Associação dos Pós-Graduandos da PUC/SP), ano VI, nº 11, agosto de 1997,
pp. 7-11.
2

Chaia indica que a política... ³não é só uma forma de conhecimento, mas também uma

técnica a ser aplicada, avaliando-se cada momento, situação e oportunidade.´4

O teatro é o local privilegiado, que apresenta com nitidez ac³aproximação entre

arte e política e a proximidade entre indivíduo e poder´, e, como inúmeros exemplos,

podemos lembrar a Grécia Antiga (Sófocles, Ésquilo, Eurípides), Shakespeare e

Maquiavel no Renascimento e, mais recentemente, Piscator, Brecht, Heiner Müller,

Dias Gomes, Vianinha, Gianfrancesco Guarnieri, entre outros. Fica mais clara a

aproximação da política com o teatro, no fato de que ambos se valem de técnicas a

serem aplicadas, ³avaliando-se cada momento, situação e oportunidade´. Como na

política, no teatro interessa saber não quais ações os homens executam, mas 

executam. O que é motivo para intrigas, segredos, articulações, na política, torna-se

transparência, iluminação e aclamação, no teatro: o  (astúcia, 


!, inteligência

etc) da política e o c (talento, genialidade, técnica, construção da personagem,

verossimilhança do drama etc) do teatro.

Florestan Fernandes, tratando da dimensão política no teatro de Shakespeare,

escreveu:

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4
Miguel CHAIA, op.cit., pp. 166 e 175.
5
Florestan FERNANDES, ³A Política como Teatro´, in:  ornal Folha de S. Paulo, 08/01/1991.
3

Com tais preocupações, e já tendo assinalado alguns supostos para uma pesquisa

interdisciplinar que contemple as áreas da arte e da política, proponho como

desdobramento deste tema (arte e política), o seguinte objeto de estudos: a obra

dramatúrgica e literária (comédias de costumes e folhetins) de França Júnior (1838-

1890), para uma aproximação entre as tradições do pensamento, investigação e pesquisa

em Ciências Humanas e a dramaturgia, a crítica, a reflexão e as encenações no Teatro.

Ao longo da preparação inicial e da pesquisa que a fundamentou, percebi que o trabalho

deslocaria sua ênfase para o pensamento social, cultural e político, produzido numa

época especial, o Segundo Reinado (1840-1889), enfocando as especificidades da

produção de França Júnior.

Tal aproximação entre Ciências Humanas e Teatro contribui para o

enriquecimento epistemológico e metodológico, trazendo novas linhas de pesquisa e

investigação para os campos do conhecimento que se (re)aproximam, através do estudo,

com novos instrumentos, das tradições de pensamento envolvidas.

Nesta pesquisa sobre a obra de França Júnior, pretende-se, portanto, encontrar e

percorrer as fronteiras entre as áreas da política e da arte, detendo-se sobre um

pensamento cultural (político e crítico) formulado por um artista e intelectual vinculado

ao teatro e à crítica de costumes. Este autor cria uma dramaturgia consistente e produz

num gênero híbrido de jornalismo e literatura ± o folhetim - no qual se expressam várias

dimensões da sociedade brasileira, mais especificamente da sociedade carioca ou da

Corte Imperial, da segunda metade do século XIX.


4

Èuanto ao método de análise das peças e dos folhetins selecionados, serão

utilizadas as análises interna e externa da obra, através de conceitos e instrumentos

teóricos que permitam trânsito na fronteira das áreas do conhecimento envolvidas (Arte,

Dramaturgia, Sociologia, Antropologia, História e Política, Teatro e Política),

originários da teoria literária, da análise política de conjuntura, da filosofia, da história

das idéias políticas, da história do teatro, do pensamento social e cultural etc. Analisar-

se-á o contexto histórico e cultural em que foram escritas e/ou encenadas as peças, e em

que foram publicados (ou republicados) os folhetins. Será buscado, na análise das

estruturas e dos elementos internos das peças, o entendimento das seqüências de cenas e

diálogos, não só na relação com a sociedade, mas também do ponto de vista da estrutura

dramática.

Antonio Candido, num estudo publicado em 1972, dizia que a integridade de

uma obra literária não permite a dissociação entre aspectos internos (estrutura) e

externos (sociais, políticos etc), do ponto de vista da análise. Ambos...c

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Ao analisar o romance . , de José de Alencar, o crítico utiliza-se deste

procedimento, afirmando que não basta apontar as dimensões sociais existentes na obra,

para definir o caráter sociológico de um estudo sobre ela. O assunto do romance...

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Antonio CANDIDO ± ³Crítica e sociologia (Tentativa de esclarecimento)´, in: Aiteratura e
sociedade: estudos de teoria e história literária, 5ª edição, São Paulo, Editora Nacional, 1976,
p.4.
5

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Ao fazer uma análise deste tipo, continua o crítico,

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Para analisar a obra, ou parte da obra de França Júnior, será preciso

contextualizar essa obra dentro da literatura, do teatro, da história brasileira do período.

Ao mesmo tempo, será verificado que tipo de sociedade e qual a realidade social,

política e cultural eram representados nessa obra, e como o teatro se configurou, desde a

vinda da Família Real para o Brasil, como espaço político de representação social, tanto

em termos de utilização do espaço teatral como espaço de manifestação política, quanto

de representação simbólica e apresentação metafórica dessa mesma realidade.

Tratou-se de buscar pistas para decifrar a sociedade brasileira, circunscrevendo

tal tarefa às possibilidades abertas por França Júnior. Para tanto, algumas linhas de

7
Ibidem, pp. 6 e 7.
8
Ibidem., p.7.
6

pesquisa, além das pistas já citadas anteriormente, foram levantadas para nortear esta

dissertação:

- França Júnior foi um crítico mordaz da política e dos costumes brasileiros de

sua época. Mostra, como disse o Hamlet, ³à sua época e geração sua forma e efígie´,

através de seus folhetins e de sua dramaturgia;

- temos em França Júnior um pensador da sociedade brasileira, que expressa o

desejo de um país diferente daquele por ele criticado. Apontando os problemas e

ironizando a realidade que via à sua frente, construía uma visão de mundo própria, pela

denúncia, negação ou rejeição de comportamentos, hábitos e atitudes de seus

contemporâneos;

- a crítica aos costumes e a crítica à política, em muitos momentos, tanto nos

folhetins como nas peças de França Júnior, aparecem misturadas, pois sua visão era a de

um grande observador da vida social em suas múltiplas manifestações. No entanto,

através de metáforas que procuraremos identificar, serão separadas as duas formas de

críticas (folhetim e teatro), para melhor compreender o pensamento social e político do

autor. Nem sempre é possível identificar tais momentos, em que se poderia trabalhar ou

separar as duas formas de críticas, pois a descrição e o comentário irônico sobre um

mero costume social, por exemplo, o de fazer visitas, tinha a mesma importância da

crítica velada, na referência metafórica ou aberta das atitudes do gabinete ministerial,

tanto no teatro como nos folhetins do autor;

- em especial, o tratamento a ser dado para a análise dos folhetins procurará

identificar uma linha ou estilo adotado pelo autor, seguindo 


c dadas por outros

estudos que apontam o folhetim como gênero híbrido, situado entre o jornalismo e a

literatura. Em qual estatuto, se pensamos na análise do material pesquisado, enquadrar-


7

se-iam os  c &  9 construídos em textos nos quais as interpretações da

realidade beiram o ficcional, como ocorre na maioria dos folhetins lidos?

- na dramaturgia, ou melhor, no teatro cômico, França Júnior, misturando

os assuntos e os tipos caricaturados no processo de criação de suas obras, mostra-nos

como o público e o privado, a intimidade e a vida pública na Corte Imperial estavam

imbricados no tecido social e cultural brasileiro, compondo uma trama de hábitos,

comportamentos, ritos e aparências criticáveis. Esta trama é recortada pelo autor, a

partir de sua aguda observação da realidade, e ³costurada´, na forma de    5

9
³Os leitores hão de ter ouvido muitas vezes certos indivíduos, inchando as bochechas,
exclamarem orgulhosos: --- O cargo difícil que exerço... --- A tarefa cheia de espinhos que
tomei sobre os ombros... --- Os deveres penosos da minha posição social... Mas os que mais
incham assim as bochechas e os que mais gritam não são por certo os que mais trabalham. A
vida é uma batalha. (...) Assim filosofava eu há dias, almoçando em um restaurant. E nos meus
devaneios sociológicos (grifos nossos), dizia com os meus botões: --- Como é difícil e
espinhosa a condição de um criado de hotel! --- Quanto estudo, quanta ciência, quanta
sagacidade para bem desempenhá-la! (...) A posição de criado de hotel é ou não espinhosa e
dificílima? Ele tem, mais que outro qualquer que ocupa elevados cargos sociais, o direito de
inchar as bochechas e exclamar com orgulho: --- A tarefa difícil que tomei sobre os ombros...
O criado de hotel, como o estadista, deve conhecer profundamente os homens, estudando-lhes
o temperamento, as inclinações, os hábitos e até as fisionomias! (...) Sobre ele caem todas as
descomposturas que pertencem por direito ao cozinheiro. É contra ele que o freguês desabafa
o seu mau humor. E cada freguês é uma charada, um logogrifo; é preciso adivinhá-lo. (...)
Regra geral: todos os sujeitos que passam mal em casa são exigentes nos hotéis. Quando se
quiser rogar uma praga a um indivíduo, deve-se-lhe dizer: --- Deixa estar, que ainda hei de te
ver criado de restaurant.´ Folhetim ³Entre o Beef e o Café´, publicado, originalmente, no jornal
O Paiz, na série Ecos Fluminenses, de 1885. Ver: Joaquim José da FRANÇA JÚNIOR ±
Folhetins, (prefácio e coordenação de Alfredo Mariano de Oliveira, da Associação Ciências e
Letras de Petrópolis), 4ª edição, aumentada, com os folhetins publicados nos jornais O Globo
Illustrado, O Paiz e o Correio Mercantil, Rio de Janeiro, Jacintho Ribeiro dos Santos Editor,
1926, pp. 464/469). A ortografia e a pontuação foram alteradas, para melhor compreensão do
texto original.
10
Em ilustração reproduzida ao final desta apresentação, o caricaturista Ângelo Agostini
apresenta França Júnior num palco distribuindo carapuças à platéia, por ocasião da estréia de
sua peça Direito por Ainhas Tortas, em março de 1882. É significativa a ilustração: vemos ao
fundo pessoas bem vestidas, como era comum no teatro da época, portando alegremente as
carapuças distribuídas pelo autor. No primeiro plano, em frente à ribalta e à caixa do ponto,
França Júnior tira as carapuças com o título da peça e as distribui ao público, que as apanha
avidamente. Por cima, atrás da cabeça do escritor, estende-se um varal onde estão
penduradas carapuças com títulos de comédias anteriores do autor, como Meia hora de
cinismo, Uma República Modelo, Tipos da atualidade, O Defeito de Família etc. Em destaque,
ainda na caricatura, uma placa com os dizeres: ³Ao Carapuceiro Fluminense´. Ladeiam o
comediógrafo, duas grandes penas que terminam cada uma com uma tesoura no lugar da
ponta, que era mergulhada na tinta para escrever. Nas suas comédias, criando tipos e
situações em chave de paródia, caricatura literária e sátira, França Júnior vai confeccionando
³carapuças´, a partir de pedaços selecionados do tecido social, cultural e político recortados
pela pena-tesoura do escritor. É comum ao teatro a imagem da trama, do enredo, da ³costura´
cênica. O autor construía, assim, seu repertório de comédias satíricas, ³costurando´ aspectos
8

fartamente distribuídas, principalmente nas peças, através do uso de situações em que a

paródia11, a caricatura12 e a sátira13 são elementos utilizados para uma reconstrução

teatral do Brasil. Entenda-se, aqui, o Brasil da política oficial, o Brasil da roça, da

superficialidade da Corte, enfim, o Brasil de fato existente naquele período. Ao mesmo


14
tempo, o quanto desse Brasil, pela ³pena da galhofa e da melancolia´ , aparece

propositalmente distorcido, exagerado, ampliado ou idealizado?

Entre obras publicadas e títulos mencionados de peças que se perderam, França

Júnior é autor de 23 peças teatrais (comédias), uma tradução de peça (do italiano), uma

opereta e uma ³revista-de-ano´15cescrita em conjunto com Artur Azevedo. Além disso,

existem pelo menos 115 folhetins publicados em livro, conforme se vê no Anexo 1.

Nesta pesquisa, para efeito de análise, serão selecionadas apenas algumas obras de

da realidade observada. A imagem da tesoura pode nos remeter, também, à censura que o
moralista conservador fazia aos costumes de sua época.
11
No Dicionário Breve de Termos Aiterários, de Olegário PAZ e António MONIZ (Lisboa,
Portugal : Editorial Presença, 1997, p. 162), encontramos a seguinte definição de paródia:
³Termo que indica a imitação irónica ou burlesca de personagens, situações ou textos, com
finalidade cómica.´ Em Aa Caricature e la parodie, de Jean-Pierre CÈBE (Paris : Boccard,
1966, p.11), citado por Edwaldo CAFEZEIRO e Carmem GADELHA ± História do Teatro
Brasileiro: um percurso de Anchieta a Nelson Rodrigues, Rio de Janeiro: Editora UFRJ :
EDUERJ : FUNARTE, 1996, p. 278, temos uma definição de paródia satírica: ³La parodie
satirique se propose de faire rire aux dépens de son modèle, dont elle dénonce nom moins
efficacement qu¶une critique sérieuse les faiblesses. Elle joue un grand rôle dans les querelles,
et surtout dans les querelles litteráires.´ ³A paródia satírica propõe-se a zombar dos tipos, dos
quais ela denuncia, não menos eficazmente que uma crítica séria, as fraquezas. Ela representa
um grande papel nas querelas, e sobretudo nas querelas literárias. (trad. Livre)
12
³Termo que designa o desenho gráfico ou literário de uma personagem (geralmente, tipo),
exagerando os seus pontos mais vulneráveis (defeitos físicos ou morais).´ in: Olegário PAZ e
António MUNIZ, op. cit., p.40.
13
³Reverso dialéctico da epopeia, a sátira é um subgénero literário que se infiltra nas mais
diversas formas de expressão: o poema epigramático, o romance social, o teatro burlesco, a
farsa, a comédia ou o auto de moralidade. Caracteriza-se pela crítica social, através do recurso
à ironia e ao sarcasmo. W. Kayser resume com admirável simplicidade as marcas da sátira,
desta forma: µNo satírico torna-se visível um não-valor duradouro, que talvez seja anulado por
alguma coisa de valor. Mas também é possível alguma coisa de inverso: que seja anulado o
que tem valor, harmonia e medida.¶(Análise e Interpretação da Obra Aiterária)´, ibidem, p. 195.
14
Machado de ASSIS, Memórias Póstumas de Brás Cubas, in: Obra Completa, vol.I, Rio de
Janeiro, Editora Nova Aguilar, 1992, p. 513.
15
³Autêntico teatro de costumes, chegado ao Brasil no florescer de sua vida de nação
independente em 1859. (...) Por definição o teatro de revista é uma revisão, de fatos e
fantasias. (...)... a revisão dos fatos dos doze meses imediatamente passados.´ Roberto RUIZ,
in: Prefácio de O Teatro de Revista no Brasil: dramaturgia e convenções, Neyde VENEZIANO,
Campinas, SP, Pontes ± Editora da Universidade Estadual de Campinas, pp. 12 e 13.
9

França Júnior que melhor traduzem as linhas de pesquisa levantadas. Assim, serão

estudadas as seguintes obras, tendo em vista as linhas de pesquisa assinaladas

anteriormente:

c c
10

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*c  c
  , ou 6 c  c 7
 (1862): a crítica ao casamento por

dinheiro, num texto híbrido que mistura a comédia de costumes a intenções

moralizantes, em que o caipira ³bronco e desajeitado, completamente inadaptado à vida


17
da corte´ (O Barão da Cutia) contrapõe-se a personagens de comédia realista,

castigados ou premiados por sua superficialidade ou solidez moral (Gasparino, Carlos,

Mariquinhas e Dª. Ana).

c *c 6 c (1872): a mania de considerar tudo o que é estrangeiro

melhor do que o que é feito no Brasil, desde produtos a instituições, é criticada nesta

comédia de costumes.

7c c   c c 


 e 7 c c 8
9 (1882): sátiras dos costumes

políticos do Império. A primeira peça desmascara o sistema eleitoral corrupto. A

segunda mostra a prática de colocar a política a serviço dos interesses pessoais,

satirizando a formação dos gabinetes ministeriais, ³denunciando que o apadrinhamento

valia mais do que a competência´.18 7 cc8


9cse constituirá na principal obra

de análise da pesquisa.

16
Além das peças listadas, outras obras de França Júnior serão utilizadas na análise, como
suporte para a reflexão.
17
Ver ³França Júnior e a Comédia de Costumes´, em João Roberto FARIA ± O Teatro na
estante, São Paulo, Ateliê Editorial, 1998, pp 55 a 65.
18
João Roberto FARIA ± op. cit. p. 63.
11

Ë   c

Alguns dos folhetins publicados no 7c 8 


, entre 1867 e 1868 19,

momento de intenso combate político de conservador França Júnior ao Gabinete Liberal

presidido por Zacarias Góes de Vasconcelos, serão analisados, por tratarem de matéria

mais diretamente política. Outros exemplares dos folhetins, que tratam de temas

relativos à cidade e aos costumes, serão extraídos do livro :


.20

Os capítulos da dissertação serão organizados da seguinte maneira: o primeiro

capítulo, intitulado ³Uma época e uma geração procuram o Brasil´Ã apresentará a

geração de França Júnior, suas críticas e propostas em relação ao Brasil que conhecia.

Procurará mostrar que havia uma constelação de autores, entre aqueles escritores,

poetas, jornalistas e políticos, com uma identidade de objetivos, mesmo que não

necessariamente de princípios e idéias políticas ou estéticas. Apresentará, na história, o

Rio de Janeiro, a capital do Império, enquanto cidade e espaço político, social e cultural

que serviu de inspiração para as comédias e forneceu o material para a crônica e a

crítica contidas nos folhetins do autor, através do cotidiano de seus habitantes, das

relações de parentesco, do comportamento, das aspirações individuais de homens e

mulheres, das relações de poder e do noticiário político, da moda e maneiras de agir em

sociedade, das atitudes individuais e do comportamento coletivo em bailes, nas ruas, nas

ocasiões solenes e na intimidade. Trará, ainda, uma biografia analítica do autor,

apresentando, em linhas gerais, sua obra de comediógrafo e folhetinista.

19
Joaquim José da FRANÇA JÚNIOR ± França  únior, Política e Costumes, Folhetins
Esquecidos (1867-1868), organização, introdução e notas de Raimundo Magalhães Júnior, Rio
de Janeiro, São Paulo, Bahia: Editora Civilização Brasileira, Coleção Vera Cruz (Literatura
Brasileira), Volume 6, 1957.
20
Idem, Folhetins, (prefácio e coordenação de Alfredo Mariano de Oliveira, da Associação
Ciências e Letras de Petrópolis), 4ª edição, aumentada, com os folhetins publicados nos jornais
O Globo Illustrado, O Paiz e o Correio Mercantil : Rio de Janeiro, Jacintho Ribeiro dos Santos
Editor, 1926.
12

O segundo capítulo, intitulado ³Folhetins: a   ficção´, apresentará o gênero

híbrido, misto de jornalismo e literatura de ficção, que foi o folhetim, antecessor da

crônica atual. No trabalho com os folhetins de França Júnior, será preciso analisar

separadamente alguns textos, levando em conta categorias como ³Cidade(s)´,

³Costumes´ e ³Política´. É preciso ressaltar, no entanto, que a descrição e a crítica aos

costumes e à política, em muitos momentos, tanto nos folhetins como nas peças de

França Júnior, aparecem misturadas, pois sua visão era a de um grande observador da

vida social em suas múltiplas manifestações. Nos folhetins será possível fazer a leitura

do pensamento e da crítica social de França Júnior, na apresentação da realidade, como

um registro no nível da descrição jornalística ou da crônica, como registro histórico e

análise social (os  c  &  feitos nos folhetins), documento para a

pesquisa sociológica, política, histórica, estética, literária. A ambigüidade do estatuto

literário do folhetim permite esse tipo de leitura.

Assim, em ³Cidade(s)´, teremos a Rua do Ouvidor como o espaço social,

cultural e político por excelência da observação e crítica de França Júnior, o confronto

entre a capital imperial e Petrópolis, a comparação entre a roça e a capital, a

comparação entre Petrópolis e Friburgo, o registro das mudanças de hábitos urbanos, tal

como a substituição dos lampiões a azeite de peixe pelos bicos de gás.

Em ³Costumes´, veremos surgir a moda, a rua como espaço de exibição e de

manifestações estéticas, os armarinhos, os alfaiates, os chapeleiros, as tabacarias, as

visitas, os personagens inconvenientes, os enterros, o casamento, o namoro, as

companhias de viagem, certos  c  &  sobre o comportamento em


13

sociedade, a infância, as amas de leite, a situação da mulher na sociedade da época,

enfim, um grande número de assuntos e comentários específicos sobre o cotidiano, a

tradição e as mudanças em curso na capital imperial e em cidades ou localidades

próximas (a chamada  , que hoje se situa na periferia do Rio de Janeiro).

Em ³Política´, destacaremos o uso de metáforas, chegando à caricatura pessoal

ou coletiva, ao abordar o comportamento isolado de um político, do ministério ou de um

partido (em especial o Partido Liberal, alvo dos ataques do conservador França

Júnior...), antecipando, e, em certos casos, superando comentaristas políticos atuais no

tocante ao bom humor e sarcasmo. Nos folhetins políticos, as instituições, idéias e

práticas políticas são apresentadas de maneira crítica pelo autor. Desse material anotado

e apresentado nos folhetins, o autor fará uso nas comédias analisadas.

No terceiro capítulo, que tem por título ³Teatro: a   representação´, utilizar-

se-á o Realismo e a Comédia de Costumes como corrente literária e gênero

dramatúrgico a que se pode filiar as comédias de França Júnior. Na verdade, este

procura seguir, em suas produções iniciais, os postulados do Realismo no teatro

brasileiro, iniciado com a dramaturgia escrita e encenada, principalmente no período de

1855 a 1865, no Teatro Ginásio Dramático21, mas abandona-os para dar pleno

desenvolvimento a seu talento para as comédias de costumes. Procuraremos identificar

e analisar separadamente as categorias encontradas em algumas das peças de França

21
³É nesse contexto, ou seja, num clima francamente favorável às atividades teatrais, que
França Júnior aparece, desejoso de se alinhar com a reforma realista promovida pelo Ginásio´.
João Roberto FARIA ± ³França Júnior e a Comédia de Costumes´, in : O Teatro na Estante,
Cotia, São Paulo : Ateliê Editorial, 1998, p. 57; ³As idéias teatrais lançadas por dramaturgos,
intelectuais e críticos, entre 1855 e 1865, permaneceriam como referência para uma boa parte
da dramaturgia brasileira e da crítica teatral que surgiu nos dez ou vinte anos seguintes´. Idem
± ³As idéias teatrais no Brasil: o século XIX ± O Realismo´, in: Idéias Teatrais: o século XIX no
Brasil, São Paulo, Editora Perspectiva : Fapesp, 2001, Coleção Textos, nº 15, p. 143. Ver, do
mesmo autor, O teatro realista no Brasil: 1855-1865, São Paulo : Editora Perspectiva, 1993,
coleção Estudos, nº 136.
14

Júnior. Assim, mesmo correndo o risco de incorrer em generalização, ou, antes,

desejando chegar a categorias mais genéricas, procuraremos localizar, nas peças, em

quais passagens a crítica e o ridículo do cômico acentuavam este ou aquele detalhe,

comportamento ou comparação, de certo modo, já presentes nos folhetins.

Pretenderemos procurar, no desenvolvimento das situações teatrais, como o pensamento

do autor se manifesta em termos de crítica e idealização do real. A representação da

realidade já ironizada ou apenas descrita nos folhetins esconde, na máscara do autor de

comédias, o seu pensamento social, político, cultural. A tentativa de desvendar esse


 procurou trazer à luz esse pensamento fragmentário, disperso, esboçado por

França Júnior-Osíris em seus folhetins.

Como dissemos acima, França Júnior, apontando os problemas e ironizando a

realidade que via à sua frente, construía uma visão de mundo própria, pela denúncia,

negação ou rejeição de comportamentos, hábitos e atitudes de seus contemporâneos. Ao

misturar os assuntos e os tipos caricaturados, no processo de criação de suas obras, o

autor nos mostrará como o público e o privado, a intimidade e a vida pública estavam,

na Corte Imperial, imbricados no tecido social e cultural brasileiro, compondo uma

trama de hábitos, comportamentos, ritos e aparências criticáveis. Esta trama é recortada

e recomposta por França Júnior, na forma de    fartamente distribuídas em suas

peças, através do uso de situações em que a paródia, a caricatura e a sátira são

elementos utilizados para uma verdadeira reconstrução teatral do Brasil.

Esta reconstrução artística da realidade social e cultural brasileira, apresenta

deformações do real, através da imitação irônica, do exagero dos defeitos individuais e

coletivos, e da crítica social. Como os elementos utilizados por França Júnior nessa
15

reconstrução são a paródia, a caricatura e a sátira, a realidade, representada

simbolicamente e apresentada metaforicamente, é deformada através do exagero e da

luz que o autor projeta sobre os defeitos intelectuais e morais dos costumes e da política

da sociedade de sua época.

 

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Encontramos em Anatol Rosenfeld, uma proposição estética que virá ao

encontro da justificativa para a escolha dos títulos dos 2º e 3º capítulos, dando-lhe

sustentação para o desenvolvimento da análise nos marcos desta pesquisa:

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22
³Representação deformada do real, a caricatura se alimenta dos defeitos físicos, intelectuais
ou morais daqueles que são tomados como alvo. Ela não só joga luz sobre esses defeitos, mas
também os leva ao exagero. Ela implica, por conseguinte, um movimento do espírito µrealista¶
(uma distorção da realidade).´ [ trad. Livre] Jean-Pierre CÈBE, op. cit. p. 8, citado por Edwaldo
CAFEZEIRO e Carmem GADELHA, op. cit. p. 278.
23
Anatol ROSENFELD, ³A Estrutura da Obra de Arte ± O ser do objeto´, in: Estrutura e
Problemas da Obra Aiterária, São Paulo : Editora Perspectiva, 1976, Coleção Elos, nº 1, pp.
13/14.
16

1870
17

· º capítulo ±

Uma época e uma geração procuram o Brasil

Joaquim José da França Júnior, ou como mais comumente é conhecido e citado,

França Júnior, nasceu no Rio de Janeiro, em 19 de abril de 1838. Seus pais foram

Joaquim José da França e dona Mariana Inácia Vitovi Garção da França. Morreu em 27

de setembro de 1890, em Poços de Caldas, Minas Gerais24. Seu teatro prestigiou a

crítica de costumes, a sátira política e social, indo buscar nos hábitos e comportamentos

da sociedade carioca de seu tempo, a Corte do Segundo Reinado, farto material para

suas comédias e folhetins. Foi Secretário de Governo Provincial da Bahia (1868 a

1871), a convite do presidente da Província da Bahia, senador Francisco Gonçalves

Martins (magistrado, barão e depois Visconde de São Lourenço, ocupou o Senado

vitalício de 1851 até sua morte, em 1872 25). Foi advogado militante e adjunto da

promotoria pública da Corte, tendo ocupado também o cargo de Curador Geral da

Segunda Vara dos Órfãos da Capital Federal. Chegou a ser condecorado Cavaleiro da

Ordem da Rosa e da Ordem Austríaca de Francisco José. Representou o Brasil na

exposição de Viena (1873 ± sobre a exposição, França Júnior escreveu o relatório citado

no Anexo 1), o que o animou tomar lições de pintura (paisagens, principalmente) com o

alemão Grimm, que reuniu em torno de si um grupo de alunos que se tornariam

24
A dúvida suscitada pela afirmação de que França Júnior nascera na Bahia, feita por Artur
Azevedo em artigo publicado na Revista Século XX (1906) e reproduzido na 4ª Edição dos
FOLHETINS, foi desfeita por Arhur Motta (ver Anexo 1), que consultou os registros da
Faculdade de Direito de São Paulo, onde consta que França Júnior, formado em 1862, era
³natural da cidade do Rio de Janeiro´. Aluísio Azevedo, filho de Artur Azevedo, cita a
publicação, no Correio do Povo, edição de 29-9-1890, de uma curta biografia de França Júnior
(que morrera no dia 27; a missa de 7º dia foi rezada em 03 de outubro de 1890), indicando o
nascimento no Rio de Janeiro, ³à Rua do Príncipe, hoje Silveira Martins, no Catete´; comentário
manuscrito feito em 1-5-1957, por Aluísio Azevedo, em exemplar dos FOLHETINS de França
Júnior ± fac-símile reproduzido no Teatro de França Júnior (Tomo I, MEC/SNT/FUNARTE,
1980).
25
Affonso E. TAUNAY, O Senado do Império (ed. Fac-similar), introdução Professora Myriam
Ellis, Brasília : Senado Federal, 1998, pp. 92, 157, 190 e 193.
18

paisagistas de destaque, como Caron, Vasquez, Parreiras, Ribeiro e outros. O Grupo

Grimm reunia-se para lições e atividades ao ar livre em Niterói, em meados da década

de 188026.

Artur Azevedo, que o chamou de 


, lamentou não ter tido ³a honra de

assinar uma peça com França Júnior´, elogiou seus conhecimentos jurídicos e a

competência do curador de órfãos. Acompanhou a carreira do amigo comediógrafo e

folhetinista (que retomou em 1876 suas atividades jornalísticas interrompidas em

1868) 27, incentivando-o a escrever um de seus maiores sucessos teatrais: 7cc  c

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 (1882). Informa-nos que França Júnior ³não era político nem palaciano,

mas tinha muita afeição à família imperial, com especialidade ao infeliz príncipe D.

Pedro Augusto, de quem era amigo íntimo e comensal assíduo´28 Homem de muitos

talentos, falava corretamente francês, inglês, alemão e italiano e na pintura, diz ainda

Artur Azevedo, o conhecimento do idioma alemão fez com que ³aproveitasse (...) as

lições do Velho Grimm, e se tornasse um paisagista muito aceitável, resgatando ligeiros

defeitos de técnica por um profundo sentimento da cor, da luz, e da intensa poesia da

nossa terra´29. Sobre o comportamento social de França Júnior, assim se expressou

Artur Azevedo:

26
Ver: Carlos MARTINS, Revelando um acervo (catálogo da exposição de pintura da Coleção
Brasiliana ± Fundação Rank-Packard / Fundação Estudar), Pinacoteca do Estado de São
Paulo, São Paulo : Bei Comunicação, 2000, p. 19.
27
França Júnior colaborou nos seguintes jornais do Rio de Janeiro: Correio Mercantil (1867 a
1868, folhetins sobre política e costumes, assinados com o pseudônimo „  ); Gazeta de
Notícias (sua colaboração foi extensa, tendo sido reunidos os folhetins ali publicados, em
primeira edição de 1878 ± ver Anexo 1); Globo Ilustrado (número 12, 9/3/1882); O País (no qual
publicou a série de folhetins Ecos Fluminenses, de 1885); Gazeta da Tarde (publicou a série de
folhetins Ecos da Cidade ± s/d); O Globo (com Joaquim Serra); Bazar Volante (como redator,
de 1863 a 1867, em parceria com Antonio de Castro Lopes; assinava seus textos como „  );
Vida Fluminense (s/d) e  ornal da Tarde (s/d).
28
Ver Artur AZEVEDO, artigo citado, reproduzido na 4ª edição dos FOLHETINS, de França
Júnior, pp. 9 e 10.
29
Ibidem, p. 11.
19

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Èuando França Júnior ainda vivia, Aluísio Azevedo, em artigo publicado no

G$, em 1882, a ele assim se referiu:

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Machado de Assis cita França Júnior numa de suas 1
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setembro de 1878, a propósito da constatação de que se vendia em Paris, como nota o

cronista na  ccEc8, nas páginas de anúncios, uma cópia do quadro de

Vítor Meirelles, a  c 8 c c 6 . A revista elogia o quadro, mas omite o

nome de seu autor, e Machado registra a lacuna:

30
Ibidem, p. 11.
31
Aluísio AZEVEDO, artigo de 5 de abril de 1882, publicado originalmente no jornal O Globo,
reproduzido na Revista da Academia Brasileira de Aetras (volume 39), Rio de Janeiro, 1932,
seção FIGURAS, pp. 302 a 304.
20

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França Júnior já estava doente quando foi proclamada a República, e a

deportação do Imperador e da família imperial mortificou-o muito. Sua última comédia,


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 (estreada no Teatro Recreio em 9 de maio de 1890), não caiu

no agrado da comunidade lusitana do Rio de Janeiro. A incompreensão do público e os

acontecimentos políticos abalaram ainda mais seu estado de saúde frágil. Morreu nos

braços de sua esposa, Dona Clotilde de França, de família privilegiada (era filha de um

Conselheiro do Império, sobrinha do Visconde de Cabo Frio), em Poços de Caldas,

quatro meses depois da apresentação de sua última obra.

O Romantismo marca, na literatura da França e de outros países da Europa com

maior nitidez, o pleno desenvolvimento da burguesia como classe dominante. Além da

ampliação da participação popular nos assuntos políticos, uma aliança tática para

solapar as manifestações de resistência da aristocracia e eventuais tentativas de

restabelecer o antigo 

c , o nivelamento das classes, ao menos no nível

simbólico, como conseqüência da Revolução Francesa e sua repercussão na Europa, dá-

se pela perda do predomínio da aristocracia sobre a literatura, pela generalização da

curiosidade por criações artísticas, especialmente através da imprensa e do teatro. Surge

o público como conceito e prática hoje conhecidos, a platéia sem discriminações ou

identificação como casta privilegiada, que vai aos teatros, lê os jornais (e, como leitura

preferida, os romances-folhetins, ou romances c folhetim, forma de popularizar a

32
Machado de ASSIS - Obra Completa, Rio de Janeiro : Editora Nova Aguilar S. A., 1992, vol.
3, p. 409. Sobre o mesmo episódio ver também Brito BROCA, Um Folhetinista Brasileiro em
Paris, in: Naturalistas, Parnasianos e Decadentistas: vida literária do realismo ao pré-
modernismo, Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1991, pp. 66 a 69.
21

literatura de forma econômica) e os livros a que começa a ter maior acesso com a

criação de livrarias-editoras e acesso a gabinetes de leitura.

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No Brasil recém saído da fase colonial e iniciando sua história como país

autônomo, a incipiente burguesia (ou camadas sociais com traços semelhantes) não

possuía força para impor-se politicamente. Surgia no e dava forma ao ambiente urbano,

buscando paradoxalmente o ³enobrecimento´ com a posse de terras, numa aliança

tácita, atrelando-se por laços comerciais, políticos e de parentesco com a classe dos

proprietários de terras em fase de urbanização. Dela (da classe dos proprietários rurais)

copia hábitos, costumes e traços exteriores. Choques de interesses e o antagonismo que

principiava entre as duas ³classes´ (burguesia ou pequena burguesia urbana e

proprietários de terras), no entanto, não eram tão fortes a ponto de buscar a burguesia

aliança com o povo. Mesmo porque, de que povo se poderia falar numa sociedade em

que a participação política restringia-se à classe de proprietários, com um arcabouço

jurídico e uma organização institucional estruturados para manter praticamente intacto o

principal pilar em que se sustentava a economia, a escravidão?

33
Nelson Werneck SODRÉ, História da Aiteratura Brasileira, Rio de Janeiro : Bertrand Brasil,
1995, p. 191.
22

O Romantismo assume, então, no Brasil, feições inteiramente diversas daquelas

apresentadas na Europa. Aqui seus temas literários são a autonomia nacional, a

idealização da natureza, o predomínio de quadros rurais, do pitoresco e da paisagem

física e, como coroamento característico do movimento, o indianismo. Como cópia

melhorada da era colonial, o Brasil do Primeiro e Segundo Reinados mantém o domínio

dos senhores da terra no plano político e econômico. Mesmo as reformas propostas por

setores urbanos pertencentes ao Partido Liberal, que pouco alteravam esse panorama,

encontravam tenaz resistência nos representantes do que se poderia chamar de nossa


   c  de então, ligados (mas não exclusivamente, dada a confusão reinante

nos Partidos imperiais, de interesses, alianças, reviravoltas de situação e quedas de

Gabinetes no parlamentarismo monárquico), em princípio, ao Partido Conservador.

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34
Caio PRADO JR., ³O Império´, in: Evolução Política do Brasil, São Paulo : Editora
Brasiliense, 19ª edição, 1991, p. 97.
23

Em meados do século XIX, surgem sinais de mudança no quadro econômico que

incomodam, sobretudo, os representantes conservadores. No Gabinete Ferraz

(conservador ± agosto de 1859 a março de 1861), nascido no período posterior à

extinção   c do tráfico de escravos (Lei Euzébio de Èueiróz, de 4 de setembro de

1850), de expansão e redirecionamento do capital empregado, até então, quase que

exclusivamente à importação e venda de escravos para novas atividades comerciais e

industriais, uma Comissão de Inquérito, nomeada em 1859 pelo Presidente do Conselho

de Ministros, Ângelo Moniz da Silva Ferraz35, apura as condições em que o meio

circulante, a criação de novos bancos, emissão de papel moeda e a especulação

financeira alimentavam a febre de enriquecimento rápido, por golpes de audácia

especulativa. Joaquim Nabuco, em Jc "



c cB , transcreve o depoimento

de uma firma comercial (M. Wright e Cia), que qualifica como ³desafogo do espírito

conservador que só via perdição nos novos costumes´ Vejamos alguns trechos do

depoimento, em que até críticas à filantropia britânica36 são invocadas para a defesa

conservadora dos costumes dos brasileiros:

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35
Ver biografia parcial em S. A.. SISSON (editor), Galeria dos Brasileiros Ilustres ± biografias
(1822-1861), Brasília : Senado Federal, 1999 (vol. II), pp. 357 a 366.
36
A Inglaterra pressionara o Brasil, por meios diplomáticos, comerciais e militares a cessar o
tráfico de escravos. Interesses comerciais internos e o endividamento, hipotecas de fazendas a
traficantes de escravos, também ajudaram a ³flexibilizar´ a legislação escravocrata de então.
24

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Tal espírito conservador contrapõe-se vivamente ao gosto artístico e às idéias já

em circulação nos meios urbanos, principalmente na Corte Imperial, no Rio de Janeiro.

A característica comum ao romantismo, principalmente na França e no Brasil, é

o surgimento de um público leitor mais numeroso e diversificado. Trata-se de um

público limitado, ainda, o !$ c% , composto de camadas urbanas em condições

de dar atenção aos livros e jornais: estudantes, mulheres, o pequeno funcionalismo

público, grupos de comerciantes. A arte aparece a esses grupos sociais como

divertimento, fuga da rotina, preenchimento das horas de ócio, e as fidelidades a

determinados autores (seja de romances, peças de teatro ou mesmo simples folhetins

jornalísticos, os quais muitas vezes se confundiam numa única pessoa, pois houve

autores que escreviam romances, peças de teatro, folhetins, discursos políticos próprios

ou alheios etc, como José de Alencar e Joaquim Manoel de Macedo, entre outros)

obedecem a essas características da sociedade imperial:

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37
Joaquim NABUCO, Um Estadista do Império, capítulo VI, tomo I, 5ª edição, Rio de Janeiro :
Topbooks, 1997, pp. 238 a 241. A última frase desta citação é transcrita também por Nelson
Werneck SODRÉ, op. cit. , p.202.
25

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França Júnior viveu num dos períodos mais ricos de nossa história, marcado por

significativas transformações políticas e culturais que estavam afetando as diferentes

dimensões da sociedade brasileira. Neste cenário, de aparente imobilidade, como era

considerado o Segundo Reinado, França Júnior elege as camadas médias da sociedade

carioca como assunto e personagens de suas peças e folhetins. No dizer de um dos

ocupantes da cadeira número doze da Academia Brasileira de Letras, da qual França

Júnior é o patrono, essas camadas foram...

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Era essa ³destemida pequena burguesia brasileira!´,c sempre tão ³inteligente e

irônica, tão compreensiva e consciente´40 que assistia às comédias e lia os folhetins

semanais de França Júnior. Essa mesma pequena burguesia, ou classe média, é retratada

com menos entusiasmo por Raymundo Faoro, ao analisar personagens de Machado de

Assis, como o Dr. Valença, do conto +c$ ccF%cE 


 de 1873:

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38
Nelson Werneck SODRÉ - op. cit. p. 212.
39
Victor VIANA - Academia Brasileira de Aetras - Discursos Acadêmicos (1935-1936), Volume
IX, Rio de Janeiro : Empresa Editora ABC Limitada, 1937, p. 55.
40
Ibidem, p. 56.
26

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O Rio de Janeiro conheceu um grande desenvolvimento urbano, a partir da

chegada da Família Real em 1808, que fugira à perseguição das tropas napoleônicas. A

população da cidade já foi avaliada em sessenta mil habitantes, em 1808, em torno de

noventa e sete mil, em 1838; duzentos e setenta mil em 1850 e quinhentos e cinqüenta e

dois mil habitantes, em 189042. Em poucos anos, a cidade ganha o seu primeiro teatro

oficial, graças ao incentivo do próprio D. João VI (1813 ± Teatro São João), surgem

novos jornais, casas dos mais variados tipos de comércio, organiza-se a vida da Corte,

material e culturalmente, dinamiza-se o intercâmbio comercial com a abertura dos

portos do Brasil ao comércio internacional.

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41
Raimundo FAORO - Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio, 4ª edição, revista, São
Paulo : Editora Globo S/A, 2001, pp. 307/308.
42
Ver: Adolfo Morales de los RIOS FILHO - O Rio de  aneiro Imperial, 2ª edição, Rio de
Janeiro : Topbooks Univercidade Editora, 2000, pp. 59, 61 e 62; ver, também, Boris FAUSTO
História Concisa do Brasil, São Paulo : Editora da Universidade de São Paulo, Imprensa Oficial
do Estado de São Paulo, 2001, p. 134.
27

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O saneamento e melhorias na cidade, como calçamento de ruas e iluminação

pública (inicialmente com lampiões alimentados a azeite de peixe e, em meados do

século XIX, com bicos de gás), são ampliados para um número cada vez maior de ruas,

trilhas, becos e vielas, possibilitando a seus moradores deslocamentos a pontos cujo

acesso outrora não existia. Criam-se hábitos sociais como visitar e receber visitas,

presentear, passear, dar festas e bailes em residências ou clubes. E, principalmente,

cresce o teatro como espaço material, social e cultural de expressão.

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43
Lottar HESSEL e Georges RAEDERS - O Teatro no Brasil sob Dom Pedro II, 1ª parte, Porto
Alegre: Ed. da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto Estadual do Livro, 1979,
pp. 278 e 325.
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Consolidada a independência e iniciada a obra de construção institucional do

Brasil independente com o Primeiro Reinado (1822-1831) e a Regência (1831-1840),

após um período de turbulências políticas, com Revoltas que atingiram a própria capital

do Império, chega-se à consolidação do regime monárquico (1840-1853), que entra em

seu apogeu (1853-1871) e conhece o declínio e a queda (1871-1889)45, tendo o Rio de

Janeiro como a principal cidade do país, por força de seu papel social, cultural e

político.

Como um moralista ou demiurgo, ao lado de figuras exponenciais do jornalismo,

da dramaturgia e da literatura de seu tempo ± na mesma tradição de Martins Pena,

Joaquim Manoel de Macedo, José de Alencar, Machado de Assis e Artur Azevedo,

munido de elegância, cultura, sabedoria, ironia e crítica, França Júnior vestia sua

máscara de comediógrafo e ocultava-se atrás de um sugestivo pseudônimo ( , deus

egípcio cujo mito pode ser interpretado como uma metáfora da dispersão e da

fragmentação) para, através de suas comédias e folhetins, mostrar - como quer Q 

ao falar a atores sobre a representação (Ato III, Cena II), ³à sua época e geração sua

forma e efígie´. E França Júnior mostra, em forma cômica, um espelho ridículo à

sociedade de seu tempo.

44
Idem - O Teatro no Brasil sob Dom Pedro II, 2ª parte, Porto Alegre : Ed. da Universidade,
UFRGS, 1986, pp. 223 a 225.
45
José Murilo de CARVALHO, A construção da Ordem / Teatro de Sombras, Rio de Janeiro :
Editora da UFRJ / Relume Dumará, 1996, p. 51.
29

Tais recursos (máscara e pseudônimo) ocultam o analista arguto, o crítico

mordaz, o pensador que sonha uma sociedade diferente da que ironiza, mesmo quando

distribui    aos políticos e à sociedade carioca de então. Ao lado dos escritores

mencionados e de outros artistas, pensadores e políticos de seu tempo, como o próprio

Imperador Dom Pedro II, cujo maior ideal, assim que se livrasse do indesejado ³ofício

de governar´K-, era tornar-se bibliotecário ou professor47, França Júnior somou mais

uma contribuição ao sonho de criação ou invenção de um novo país, uma Nação, o

Brasil. Toda uma geração de jornalistas-escritores, se analisarmos o pensamento contido

em suas obras, tem essa preocupação.

À diferença dos autores mencionados (Martins Pena e Machado de Assis, por

exemplo), homens de literatura (no caso de Alencar, também político do Partido

Conservador) que ironizavam e criticavam a política brasileira, França Júnior não era,

como eles, identificado com o ideário liberal, podendo-se, antes, alinhá-lo como

46
³Não há nada pior neste mundo do que ser testa coroada ou celebridade. (...) Falo dos reis e
dos príncipes que dirigem os estados. (...) Qualquer sujeito, por mais ínfima que seja a sua
condição social, pode dizer µvou fazer isto ou aquilo¶, uma vez que não ofenda as leis, ou não
entre pela esfera de direitos de terceiro. Qualquer sujeito pode, por exemplo, ir ao Castelões,
tomar uma cajuada, passear a pé pelas ruas a qualquer hora do dia, carambolar à vontade nos
bilhares públicos pagando o respectivo tempo, assistir aos espetáculos da Sarah Bernhardt das
torrinhas do S. Pedro Alcântara, ir a Botafogo em um bond de tostão e até mesmo em um cara
dura, descompor o adversário nas folhas públicas sob o seu nome e a bendita
responsabilidade de um testa de ferro, etc, etc. A cabeça coroada que tivesse a fantasia de
fazer uma só destas coisas ou cairia no ridículo ou na execração pública. O ofício de rei é
penoso. E toda a glória que dele possa por ventura porvir, não compensa a grande soma de
liberdade que se perde. (...)´. Folhetim Onde está a felicidade, publicado originalmente na série
³Ecos Fluminenses´, em 1885, no jornal O Paiz. FRANÇA JÚNIOR, op. cit. pp. 675 e 676. A
ortografia e a pontuação foram alteradas, para melhor compreensão do texto original.
47
Ver, entre outros: Lídia BESOUCHET, Pedro II e o século XIX, Rio de Janeiro : Nova
Fronteira, 1993; Gloria KAISER, Pedro II do Brasil: filho da Princesa de Habsburgo, romance,
trad. de Christiane Rupp, Rio de Janeiro : Agir Editora Ltda, 2000; Lilia MORITZ SCHWARCZ,
As barbas do Imperador: Pedro II, um monarca nos trópicos, São Paulo : Companhia das
Letras, 1998; Jean SOUBLIN, D. Pedro II, O Defensor Perpétuo do Brasil, Memórias
Imaginárias do Ultimo Imperador, tradução de Rosa Freire d¶Aguiar, Rio de Janeiro : Paz e
Terra, 1996 e S. A. SISSON (editor), Galeria dos Brasileiros Ilustres: biografias (1822-1861),
Brasília : Senado Federal, 1999 (vol. 1). Para uma visão crítica do papel político do Imperador
Dom Pedro II, ver Caio PRADO JR., op. Cit., pp. 100 e 101.
30

conservador, em política pelo menos. Isso não o impediu de utilizar, como os artistas e

intelectuais seus contemporâneos, as armas do riso, da $  e da ironia para criticar a

realidade que via à sua volta. Deve-se, aliás, considerar relativo o alinhamento político

ideológico dos homens de cultura (intelectuais e artistas) da época (Segundo Reinado),

pois, a exemplo do que acontecia na política, também na arte era comum encontrar

escritores que, em política, eram conservadores e, na arte e na crítica aos costumes,

defendiam teses típicas de um difuso liberalismo. E vice-versa.

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Um nome pode ser citado para ilustrar o fato de que nem sempre a coerência

estava presente nas atitudes e nos escritos de intelectuais e políticos do Império:

Francisco Sales Tôrres Homem (1812-1876). Ao lado de Domingos José Gonçalves de

Magalhães (1811-1882) e Manuel de Araújo Porto Alegre (1806-1879), fundou e editou

em Paris a Revista Nitheroy, em cujos únicos dois números publicados (1836) foram

lançadas as bases do movimento romântico brasileiro49. Formou-se pela Academia

Médico-Cirúrgica (que daria origem à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro),

licenciou-se em direito pela Faculdade de Paris, mas suas atividades principais seriam o

jornalismo e a política. Em 1849, deputado do Partido Liberal (eleito pela província do

48
Paulo BONAVIDES e Roberto AMARAL, Textos Políticos da História do Brasil, vol. 2, Império,
Segundo Reinado (1840-1889), Introdução (versão eletrônica),
in: http://www.cebela.org.br/txtpolit/socio/2/B_intro1.html.
49
Maria Orlanda PINASSI, Três Devotos, uma Fé, nenhum Milagre: Nitheroy, Revista
Brasiliense de Ciências, Aetras e Artes; São Paulo : Fundação Editora da UNESP, (Prismas),
1998.
31

Rio de Janeiro; na época ainda era um jornalista panfletário), publica, ainda sob o

impacto do esmagamento da Revolução Praieira em Pernambuco (1848-1849) 50,

utilizando o pseudônimo de Timandro, o panfleto c F$c c  , no qual ataca a

corrupção e a monarquia de maneira violenta51. Isso não o impediu, em 1858, de ser

membro do Gabinete conservador do Visconde de Abaeté, como Ministro da Fazenda.

Fato que a imprensa liberal não poupou e que, mesmo entre os conservadores, causou

constrangimento. Foi nomeado, ainda, Senador vitalício em 1870 e ³visconde com

grandeza´ em 1872: Visconde de Inhomirim, nome originário da fazenda de Inhomirim

da qual passou a ser proprietário quando se casou52. O Visconde, durante muito tempo,

foi alvo da ironia de caricaturistas e folhetinistas, e da sátira dos jornais liberais. O

jornal +c  , do poeta, dramaturgo e jornalista maranhense Joaquim Serra,

publicou uma sátira em versos alusiva à ascensão de Torres Homem à ³nobreza´ da

época, referindo-se ao passado de liberal radical do novo Visconde, que assim

terminava:

Inho,
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EccInho... mirim! 53

Torres Homem traçaria uma carreira política que, num período de dez anos,

passaria por três fases: revolucionária, coalicionista (apoiando a formação do Gabinete

de Conciliação, chefiado pelo Marquês de Paraná, em 1853) e conservadora, quando

apareceria como Ministro da Fazenda do gabinete conservador de Abaeté (1858).

50
Ver as razões para a Revolução em TAUNAY, op. Cit. pp. 141 e 142. Ver, também, Nelson
Werneck SODRÉ, Panorama do Segundo Império, SP, RJ, Recife e Porto Alegre, Companhia
Editora Nacional (Brasiliana Série 5ª, vol. 170), 1939, pp. 94 e 95, e Moacyr FLORES,
Dicionário de História do Brasil (Coleção História ± vol. 8), 2ª edição, revista e ampliada, Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2001, pp. 489 e 490.
51
Ver Raimundo MAGALHÃES JÚNIOR, Três Panfletários do Segundo Reinado, São Paulo :
Companhia Editora Nacional, Série 5ª - Brasiliana ± Vol. 286, Biblioteca Pedagógica Brasileira,
1956, pp. 3-126.
52
Ibidem, p. 40.
53
Ibidem, pp. 40 e 41.
32

Outro exemplo: o mesmo José de Alencar, que polemizava, por ocasião do

lançamento da obra +c7 cc* , de Gonçalves de Magalhães (1856),

patrocinada por D. Pedro II, atacando-a violentamente em sua coluna no jornal Ec

c c c I , o que lhe valeu a desconfiança e reservas por parte do Imperador,

defendeu a liberdade de imprensa, postulado típico do ideário liberal, em um de seus

folhetins publicados na série +c c  c  (1855). Posteriormente (1868-1870),

será Ministro da Justiça do Gabinete Conservador presidido por Rodrigues Torres.54

c
() Tempo virá em que do obscuro gabinete do escritor a pena governará o
mundo, como a espada de Napoleão da sua barraca de campanha. Uma palavra
que cair do bico da pena, daí a uma hora correrá o universo por uma rede (sic!)
imensa de caminhos de ferro e de barcos a vapor, falando por milhões de bocas,
reproduzindo-se infinitamente como as folhas de uma grande árvore.cEsta árvore
é a liberdade; a liberdade de imprensa, que há de existir sempre, porque é a
liberdade do pensamento e da consciência, sem a qual o homem não existe;
porque é o direito de queixa e de defesa, que não se pode recusar a ninguém. (...)
³LL

França Júnior pode ser considerado um autor que não só analisa criticamente o

Brasil, mas também pensa a necessidade de uma sociedade diferente daquela que

descreve em seus folhetins e peças. Também nesta direção, Eça de Èueiroz, em

Portugal, autor, ao lado de Ramalho Ortigão, de +c:   (inspiradas em FcG

de Alphonse Karr, a quem França Júnior rende homenagens em seus folhetins56),

54
Ver Raimundo de MENESES -  osé de Alencar: Aiterato e Político, Rio de Janeiro : Livros
Técnicos e Científicos Editora S. A., 1977.
55
Folhetim publicado no Diário do Rio de  aneiro, em 27 de maio de 1855; ver José de
ALENCAR, Crônicas Escolhidas, editadas por Fernando Paixão, São Paulo : Folha de S. Paulo
e Editora Ática S. A., 1995, p. 109.
56
Joaquim José da FRANÇA JÚNIOR± Folhetim publicado em 29 de abril de 1867, no jornal
Correio Mercantil; ver: FRANÇA JÚNIOR, Política e Costumes, Folhetins Esquecidos (1867-
1868), organização, introdução e notas de Raimundo Magalhães Júnior, Rio de Janeiro, São
Paulo, Bahia : Editora Civilização Brasileira, Coleção Vera Cruz (Literatura Brasileira), Volume
6, 1957, pp. [1]; ver, ainda, na mesma obra, os folhetins do jornal Correio Mercantil de 7 de
julho de 1867 [p. 61], de 27 de outubro de 1867 [p.125], 5 de janeiro de 1868 [p.151] e 12 de
janeiro de 1868 [p.155]. O folhetim de 29 de abril de 1867, com modificações, seria publicado
na série ³Notas de um vadio´, no jornal O Globo Illustrado (1881-1882), ver: FRANÇA JÚNIOR,
Folhetins , pp. 317 a 320. Jean Baptiste Alphonse Karr, jornalista panfletário francês (1808-
33

fazendo troça da sociedade portuguesa do século XIX com intuitos moralistas e de

saneamento do regime político português, visando a sua regeneração57, era de uma

ironia semelhante à de Machado de Assis, escritor em que o espírito cômico se associa à

herança dos ³filhos de La Mancha´, como disse Carlos Fuentes58. Èuixotescos

sonhadores de um novo país, de um novo continente, de um novo mundo, Eça de

Èueiroz, Machado de Assis, França Júnior são pensadores, criadores e inventores do

que Lezama Lima chamou de ³eras imaginárias, pois uma cultura que não consiga criar

uma imaginação será historicamente indecifrável´ 59.

Encerramos aqui este capítulo, em que apresentamos a geração literária de

França Júnior, suas críticas e propostas em relação ao Brasil que conhecia, procuramos

mostrar que havia uma constelação de autores entre aqueles escritores, poetas,

jornalistas e políticos com uma identidade de objetivos, mesmo que não

necessariamente de princípios e idéias políticas ou estéticas. Apresentamos o Rio de

Janeiro, cidade e espaço político, social e cultural que serviu de inspiração para as

comédias e forneceu material para a crônica e a crítica dos folhetins de França Júnior,

cuja biografia analítica e obras de comediógrafo e folhetinista apresentamos em linhas

gerais.

1890) exerceu forte influência em Portugal e no Brasil. Era lido e admirado por D. Pedro II,
citado por Machado de Assis e imitado por Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão. Publicou vários
livros e foi colaborador do jornal Ae Figaro. No fim da vida, em Saint-Raphael, próximo a Nice,
entregou-se à paixão pelas rosas e outras flores, cultivadas ao redor de sua casa. Chegou a
escrever uma Voyage autour de mon jardin, quem sabe ainda fazendo uso da sátira,
parodiando Xavier de Maistre (1763-1852), autor de Voyage autour de ma chambre, de quem
também Machado de Assis é devedor.
57
Ver entrevista de Maria Filomena Mónica, biógrafa de Eça de Queiroz, à revista BRAVO! -
ano 4, nº 40, janeiro 2001, pp. 86 a 91.
58
Ver, de Carlos FUENTES, o artigo ³O milagre de Machado de Assis´, in: jornal Folha de São
Paulo, 1º de outubro de 2000, caderno Mais!, pp. 4 a 11.
59
Lezama LIMA, citado por Carlos FUENTES, op. cit., p. 11.
34

No segundo capítulo, apresentaremos o folhetim, gênero híbrido de jornalismo e

literatura, antecessor da crônica atual. Analisaremos separadamente folhetins de França

Júnior, levando em conta as categorias ³Cidade(s)´, ³Costumes´ e ³Política´. A

utilização destas categorias, entretanto, não se dará de forma rígida, pois em muitos

momentos, tanto nos folhetins como nas peças de França Júnior, a descrição e a crítica

dos costumes e da política, aparecerão misturadas, pois a visão do autor era a de um

grande observador da vida social em suas múltiplas manifestações.

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35

 º capítulo ±

Folhetins: a   ficção

O folhetim de que trata este capítulo não se confunde com o romance ± folhetim,

nem com o romance cfolhetim já estudado por autores como José Ramos Tinhorão60 e

Marlyse Meyer61. Tania Rebelo Costa Serra expôs a diferença básica entre o romance ±

folhetim e o romance  folhetim no trecho abaixo:

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Recurso de donos de jornais interessados em aumentar as vendas e assinaturas,

parente literário do melodrama popular, resultado do casamento da imprensa com a

literatura, não é pela  $ -D trajetória e persistente história do folhetim, como

veículo ou suporte do romance, que nos aventuraremos aqui.

O que nos interessa, sobremaneira, é o gênero híbrido de jornalismo e literatura

de ficção, que serviu de espaço tanto para devaneios, entretenimento, crítica teatral,

exercícios de estilo, como para, no caso de França Júnior, José de Alencar, Machado de

Assis e outros, falar de política, sociedade e costumes.

60
José Ramos TINHORÃO, Os Romances em Folhetim no Brasil (1830 à atualidade), São
Paulo : Livraria Duas Cidades, 1994.
61
Marlyse MEYER, Folhetim: uma história; São Paulo : Companhia das Letras, 1996.
62
Tania Rebelo COSTA SERRA Antologia do romance ± folhetim (1839 a 1870), Brasília :
Editora da Universidade de Brasília, 1997, p. 21; ver também, da mesma autora:  oaquim
Manuel de Macedo, ou, Os Dois Macedos: A Auneta Mágica do IIº Reinado; Rio de Janeiro :
Fundação Biblioteca Nacional, Departamento Nacional do Livro, 1994.
63
Ver Marlyse MEYER - Folhetim: uma história; São Paulo : Companhia das Letras, 1996, e
³As mil faces de um herói-canalha´, in: Marlyse MEYER - As mil faces de um herói canalha e
outros ensaios, Rio de Janeiro : Editora UFRJ, 1998, pp. 197 a 236.
36

Originário da França, o 


 designa o espaço vazio do jornal destinado ao

entretenimento, geralmente localizado na primeira página. A França do início do século

XIX, submetida à forte censura napoleônica, é atraída para a leitura leve, nesse espaço

também chamado de  ,,    (rés-do-chão ou rodapé), de vocação recreativa e,

em certo sentido, de domesticação dos sentidos. Diversificando-se em diferentes tipos,

os temas tratados nesses textos variam, sempre com seus autores atentos à novidade,

mais não seja pela própria natureza do veículo a que se destinam: o jornal.

No Brasil do jovem Machado de Assis, tanto o autor (o folhetinista) como sua

criação (o folhetim) assim são retratados com a ironia machadiana:

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Entre a dificuldade de definir ou como classificar o folhetim de que estamos

tratando, em oposição à persistência do gênero literário nas análises de Marlyse Meyer,

e o encanto que transpira de sua análise de tão arredio objeto de estudo65, ficamos com a

concisão de Antonio Candido, para quem o folhetim ³...corresponde sobretudo a uma

64
MACHADO DE ASSIS ± ³Miscelânea, Aquarelas, IV, O Espelho: revista de literatura, modas,
indústria e arte´, 30 de outubro de 1859, in: Obra completa, vol. 3, Rio de Janeiro : Editora
Nova Aguilar S. A., 1992, p. 959.
65
Ver, da autora, o ensaio ³Voláteis e versáteis: de variedades e folhetins se fez a chronica´, in:
As mil faces de um herói canalha e outros ensaios, Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1998, pp.
109 a 196.
37

localização na página do jornal (o rodapé), mas acabou esposando tantos significados

quantos foram os gêneros ali tratados desde a crônica noticiosa até o ensaio crítico e a

narrativa ficcional ou em série´.66

Isto posto, passemos a tratar dos Folhetins de França Júnior. Como dissemos na

apresentação desta dissertação, seria preciso separar e analisar alguns textos, levando

em conta categorias como Cidade, Costumes e Política.

A produção do autor organizada em livro67 tem vários folhetins que poderiam

ilustrar uma ou mais de uma destas categorias. Procuramos escolher alguns exemplares

representativos, para que a análise traga à luz o pensamento do autor.

No entanto, notamos a dificuldade de aplicar estritamente a classificação em

categorias, recurso utilizado para separar e analisar o material pesquisado, os folhetins

do autor, pois França Júnior, misturando os assuntos no processo de criação de suas

obras, opta, em sua crítica de costumes, por metáforas, pelo riso, pela ironia e pela sátira

como elementos formais de seu estilo literário. Em muitos textos dos folhetins, o

público e o privado, a intimidade e a vida pública e preocupações com a cidade

aparecem imbricados na descrição, crítica e análise do ambiente político, social e

cultural brasileiro da época. Desse material anotado e apresentado nos folhetins, o autor

fará uso em seu teatro, em especial nas comédias analisadas no capítulo seguinte.

66
Citado por Marlyse MEYER± Folhetim: uma história, Nota Prévia, São Paulo : Companhia
das Letras, 1996, p. 15. O mesmo texto é reproduzido na contra capa da obra citada na nota
anterior.
67
FRANÇA JÚNIOR, Folhetins, (prefácio e coordenação de Alfredo Mariano de Oliveira, da
Associação Ciências e Letras de Petrópolis), 4ª edição, aumentada, com os folhetins
publicados nos jornais O Globo Illustrado, O Paiz e o Correio Mercantil, Rio de Janeiro,
Jacintho Ribeiro dos Santos Editor, 1926, e Política e Costumes, Folhetins Esquecidos (1867-
1868), organização, introdução e notas de Raimundo Magalhães Júnior, Rio de Janeiro, São
Paulo, Bahia, Editora Civilização Brasileira, Coleção Vera Cruz (Literatura Brasileira), Volume
6, 1957.
38

G· A E(S)

O Rio de Janeiro, a Corte Imperial mais precisamente, cidade onde nasceu e

viveu boa parte de seus 52 anos, foi retratado e criticado em diversos aspectos pelo

folhetinista França Júnior:

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É para essa cidade que volta os olhos o comediógrafo e folhetinista França

Júnior, numa produção jornalística que se inicia na década de 1860 e vai até o fim de

sua vida, em 1890. Da intimidade de um jantar ao comportamento nas ruas e lugares

públicos, nada escapa ao seu olhar arguto, à sua ironia.

A Rua do Ouvidor, no centro do Rio de Janeiro, recebeu esse nome por ter

recebido, em 1746, o Dr. Manuel Amaro Pena de Mesquita Pinto, que teve ampla

moradia montada por conta da Câmara, como acontecia com os ouvidores mandados

para o Brasil pela Metrópole, Lisboa. Rua inexpressiva, como tantas outras numa cidade

ainda sem vida social e com pequenas atividades comerciais, como eram as cidades na

época colonial, passou, após a abertura dos portos ao comércio internacional, a receber

ingleses e franceses, que ali se instalaram como importadores ou atacadistas (ingleses)

ou com lojas de varejo especializadas em tecidos, chapelaria, perfumes, modas,

68
Arthur MOTTA, ³Perfil Acadêmico: noticia biographica e subsidios para um estudo crítico´, in:
Revista da Academia Brasileira de Aetras, anno XIX, volume XXVIII, Rio de Janeiro : Edição do
Annuário do Brasil, novembro ± 1928, p. 325.
39

fantasias, jóias, alfaias de luxo e livros. Lá se instalaram modistas, cabelereiros,

sorveteiros, doceiros etc. Nomes como 8cSaisset, Desmarais, Wallerstein, 8 Vannet.,

8c Carceler são representativos das nacionalidades presentes no comércio da rua, em

franca expansão. Sorvetes já eram servidos na Deroche, em 1834, e na Castelões, em

1870, Carlos Gomes queixava-se das dificuldades em que vivia a seu compadre Chico

Castelões, e fazia planos para voltar à Itália, enquanto comia saborosas empadas.69

O Carceler (também chamado de Confeitaria Canceler), outrora pertencente ao

italiano Antonio Franzione e instalado na rua Direita com o nome de Hotel do Norte,

teve em 8cCarceler, pasteleiro e confeiteiro, e, depois de sua morte, na Viúva Carceler

e Filhos, atentos comerciantes que atraíam uma clientela ávida por seus sorvetes e

refrigerantes, com destaque para o refrigerante de pitanga. Franzione chegou a mandar

suspender, na fachada do estabelecimento, uma tabuleta onde se lia: ³Antônio

Franzione, sorveteiro de S.S.M.M.I.I.´.

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Nas mesas do Carceler sentavam-se, além do Imperador e da Imperatriz,

personalidades da política, da literatura, do incipiente empresariado, da magistratura, ou

como disse Luiz Edmundo, ³...a fina-flôr da sociedade nossa, pela época´71 Mauá,

Sales Tôrres Homem, Pereira da Silva, José de Alencar, Maciel Monteiro, Zacarias de

69
Brasil GERSON - ³Rua do Ouvidor´, in: História das ruas do Rio: e da sua liderança na
história política do Brasil; notas, introdução, fixação do texto, Alexei Bueno; 5ª edição, Rio de
Janeiro : Lacerda Ed., 2000, pp. 42 a 51.
70
Luiz EDMUNDO - ³O Carceler´, in: Recordações do Rio Antigo, 2ª Edição (Popular), Rio de
Janeiro : Ed. Conquista, 1956, p. 146.
71
Ibidem.
40

Góes Vasconcelos, Cotegipe, Sousa Leão, Barões do Catete e de Penedo, Viscondes de

Camaragibe, de Jequitinhonha, do Rio Branco, Nabuco de Araújo, Suaçuna, Marquês do

Paraná eram vistos freqüentemente no estabelecimento. Provavelmente os mesmos que

se vestiam com costumes, camisas e casacas confeccionados nas alfaiatarias Raunier &

Cabral ou na loja de Almeida Rabelo.72

De 1827 em diante, surgem na Rua do Ouvidor tipografias, jornais, revistas,

como o I cc7  (de Pierre Plancher), +c1  (do então jovem deputado

conservador José Maria da Silva Paranhos, futuro Barão do Rio Branco), c  % (de

Èuintino Bocaiúva), a G 
c c 1
%   (que contou com nomes como Ferreira de

Araújo, Joaquim Nabuco e Eduardo Salamonde), +c  (de Joaquim Serra) e

outros. Livrarias-Editoras ali se estabeleceram, como a dos F 


, que haviam

chegado da França antes de 1850 e em tipografia montada na Rua do Ouvidor

imprimiram revistas como +cü c8 , de Artur Azevedo e Luís Murat, cM$,

de Artur Azevedo, e *$  , de Colatino Barroso, que publicava textos e poemas dos

simbolistas. O movimento simbolista surgiria na redação da : c , onde Cruz

e Souza teve seu primeiro emprego no Rio de Janeiro, contratado por Emiliano Perneta,

redator-chefe do jornal. G c e Francisco Alves são outras livrarias e editoras que

surgiram na Rua do Ouvidor. A própria Academia Brasileira de Letras seria  da

Rua do Ouvidor, pois na rua estava instalada a  


c6  , em cuja terceira fase,

depois de 1890, colaboraram Machado de Assis (freguês assíduo da Casa Crashley, que

72
Brasil GERSON ± Op. cit. Para conhecer a biografia das personalidades citadas, ver :
Augusto Vitorino Alves SACRAMENTO BLAKE - Dicionário bibliográfico brazileiro, Rio de
Janeiro : Imprensa Nacional, 1883-1902; ver também: S. A . SISSON (editor) Galeria dos
brasileiros ilustres, Brasília : Senado Federal, 1999, 2 vls.
41

recebia livros e revistas de países estrangeiros), Sílvio Romero, José Veríssimo,

Joaquim Nabuco, Lúcio Mendonça e outros.73

Charutos de Havana eram vendidos na loja do Bernardo, que tinha entre seus

fregueses o impecável Duque de Caxias. Europa, Ravot e Frères Provenceaux eram

nomes de hotéis onde se servia à francesa, e aonde artistas vindas de Paris recebiam

ricos fazendeiros de café do Estado do Rio. Na loja Passos, cujo café era o mais

saboroso, via-se o Visconde de Mauá e Francisco Sales Torres Homem, já mencionado

no capítulo anterior. O Visconde de Abaeté, boateiro contumaz, por ali passava todos os

dias.74

Por noventa anos, a Rua do Ouvidor foi tida como  c% da cidade do Rio de

Janeiro. Èuando é aberta a Avenida Rio Branco, no começo do século XX, a Rua do

Ouvidor perde a condição de líder e conhece a decadência que pudemos constatar, num

dos momentos da pesquisa, quando visitamos a Biblioteca Nacional e a Academia

Brasileira de Letras, em busca da obra e de informações sobre França Júnior. No que

talvez tenha sido a


  de uma das famosas confeitarias citadas, instalava-se

soberano o insípido logotipo de uma rede de  


 americana... Assim referiu-se

Brasil Gerson à  c %, citando Coelho Neto ao final do capítulo sobre a Rua do

Ouvidor:

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73
Brasil GERSON ± Op. cit.
74
Brasil GERSON, Op. Cit., p. 45. Na biografia de S.A. SISSON (op. Cit. pp. 57 a 63) nada
autoriza esta afirmação de Brasil Gerson. O Visconde de Abaeté foi chefe de Gabinete
Conservador (dezembro de 1858 a agosto de 1859).
42

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A França Júnior não poderiam escapar tantos aspectos da vida cultural,

política e social da cidade de seu tempo, contidos num espaço tão diminuto e

privilegiado. Como grande observador da vida social em suas múltiplas manifestações,

escreveu para a G 
cc1
%  , em 1878, o folhetim ³A Rua do Ouvidor´. O texto

tem início com uma alusão aos jardins da Academia de Atenas:

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Sem pretender os ³foros d¶ Atenas para a cidade, onde o autor teve a ventura de

ver a luz´, França Júnior diz que a ³vida fluminense está na rua do Ouvidor´. Ao

percorrer o trajeto entre as duas extremidades da rua, ³largo de S. Francisco de Paula até

à rua Direita´, os seus leitores teriam ³apalpado o pulso do Rio de Janeiro´. Propõe,

então, o folhetinista, que se estude ac?nossa capital pela rua do Ouvidor´.

O 
 inicia com a identificação dos tipos que freqüentam uma charutaria,

(onde) ³discutem-se questões de praça e diversos pormenores da vida social´. Ali estão

corretores e capitalistas:

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75
FRANÇA JÚNIOR - Folhetins, 1926, op. Cit., p. 13.
43

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O pôr do sol era o momento de encontro dos tais c c 


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Recolhiam-se, ou melhor, como disse o folhetinista, levantavam acampamento, antes do

toque do Aragão:

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c c %  (intendente geral da polícia da Corte e Estado do
Brasil, cargo criado por D. João VI, em 10 de maio de 1808, a quem
competia a governança da cidade; função semelhante a de um prefeito
atual, do ponto de vista administrativo)c
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Do outro lado da rua, em frente à charutaria, encontra-se uma loja de papel

freqüentada por funcionários públicos, ³empregados da polícia e da câmara municipal´

A liberdade com que transitavam pela rua do Ouvidor, em pleno horário de trabalho,

assim foi ironizada por França Júnior:

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 c!$ cc c$, cc
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 c cc  04c

Forma-se uma espécie de assembléia, ³às vezes presidida por algum vereador´,

que cumpre uma c c  c na qual se discute aposentadorias de funcionários,

76
Ibidem, p. 14.
77
Adolfo Morales de los RIOS FILHO, O Rio de  aneiro Imperial, 2ª edição, Rio de Janeiro :
Topbooks Univercidade Editora, 2000, p. 131.
78
FRANÇA JÚNIOR ± Op. Cit. p. 14.
44

questões municipais, limpeza pública, abusos comentados pelos jornais e, ³sobretudo,

eleições, terreno onde cada um tem uma prosa a contar´. Depois das três da tarde, o

grupo se amplia com um ou outro empregado do Tesouro Imperial, e ³discutem

calorosamente reformas a fazer no funcionalismo´

Caminhando ainda com França Júnior pela rua do Ouvidor, encontramos o Hotel

Ravot, onde se hospedam os fazendeiros ³ricos da província´. Símbolo da riqueza

fluminense da segunda metade do século XIX, o café, o Hotel Ravot foi poupado pelo

discreto folhetinista, que talvez não concordasse com o preconceito que já se estabelecia

em relação às artistas de teatro e canto lírico que vinham de Paris para se apresentar na

capital do Império:

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Em outra loja, mais adiante, a , encontramos os  ; vestidos com

extravagância, ³alvo do mulherio que passa´. Discutem assuntos 



 como o

último baile, a partida de Fulano, o jantar de Sicrano, uma nova cantora que estréia no

Alcazar (teatro lírico). Acompanham a moda, ³em todas as suas evoluções e caprichos´.

Passando o ponto dos $ de Botafogo, atinge-se a marca de quatro esquinas e

uma charutaria (onde se reúnem os estudantes). No entanto, quem por ali passava, era

³visto por todo o Rio de Janeiro´. O movimento da rua acentua-se a partir da uma hora

da tarde, e às três é ³quase impossível o trânsito naquela área´.

79
GERSON, Brasil ± Op. Cit. p. 45
45

O pandemônio de carroças, tilburis, campainhas, pregões de ambulantes e os

gritos dos jornaleiros anunciando a G 


c c 1
%   (em que eram publicados os

folhetins do autor), I cc7  cG$ce !$ , retratado por França Júnior

neste folhetim, é reproduzido nas primeiras cenas de 7 cc8


9, peça que será

analisada no capítulo seguinte desta dissertação. Por ora, podemos adiantar que a

descrição feita pelo autor da movimentação de pessoas, do tipo de freqüentador da

famosa rua, resulta de uma arguta observação do cotidiano, pontuada de ironia.

Na Rua do Ouvidor, como veremos na comédia 7 c c 8


9 (1882), o

espaço público torna-se palco da representação da expectativa de uma sociedade que

quer ver seus interesses privados satisfeitos pela definição da situação política. Os

boatos circulam pelas lojas, charutarias e confeitarias. A imprensa alimenta a

curiosidade dos freqüentadores da rua pelos acontecimentos políticos e as conversas,

nas esquinas e nas mesas das sorveterias, giram em torno da sucessão de gabinetes

(ministérios): a cada manchete estampada nos diversos jornais que anunciam a queda do

ministério anterior e as especulações sobre a composição do novo, pretendentes a cargos

e empregos públicos, privilégios para obras e casamentos de conveniência sondam

possibilidades, fazem planos para o futuro. Os interesses públicos e privados, a vida

pública e a vida íntima surgem imbricados, indistintos, dependendo da definição e do

rumo dos acontecimentos políticos. É também com certo moralismo zeloso dos bons

costumes que França Júnior lança a seguinte observação: ³As pragas que os pais de

família rogam contra a rua do Ouvidor têm por causa aquela zona´.80

80
FRANÇA JÚNIOR, op. cit. p. 16.
46

c
Na loja de 8 Lambert, localizada um pouco antes da perigosa ³zona´,

entramos no ³domínio do belo sexo, isto é, onde ele reina, governa e administra´ Ali,

fica-se sabendo sobre os últimos bailes, sobre os divertimentos do Rio de Janeiro e a

qualidade das companhias líricas que se apresentam.

Um local de grande movimento se avizinha: a Confeitaria do Castelões. Ali,

reúnem-se literatos, jornalistas, poetas, romancistas, músicos, deputados, ³que

comentam os acontecimentos do dia, entre um homérico queijo suiço e latas de doce. É

ali onde se armam os cavaleiros das letras, política e artes. É a imprensa no meio da rua;

o cérebro do Rio de Janeiro´.cArticulações políticas, quedas de ministérios e boatos são

semeados com ³a mesma facilidade com que uma mãe-benta se desmancha na boca dos

freguezes´. Èuem sabe se pelo Castelões, também citado em 7 c c 8


9, não

passava (antes ou após o café na loja Passos) o Visconde de Abaeté?

Seguem-se lojas onde se reúnem médicos, engenheiros e professores

aposentados (Albernaz & Fronteiro, alfaiataria), a loja do Bernardo (onde eram

encontrados os melhores charutos de Havana), freqüentada por vários ³pretendentes a

juizados de direito, funcionários reformados, oficiais generais, desembargadores e gente

provecta das duas câmaras´. Na ourivesaria do Souza, iam expor-se ³os médicos

elegantes, recém chegados da Europa´

No armarinho do Godinho, chegamos ³>c 


c  c  c  % c

 # @, vindas de bairros mais afastados do centro da cidade ou de suas

adjacências. As filhas dessas famílias compravam ali tecidos e aviamentos para seus
47

vestidos de festa81. O folhetinista não lhes perdoa a origem social e o gosto duvidoso

para formas e cores dos ³vestidos encarnados, amarelos, verdes e azuis com enfeites os

mais extravagantes, e que davam à nossa cidade um aspecto carnavalesco´ Reproduz

no folhetim o diálogo entre duas dessas moças:

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Na parte final do folhetim, não havendo nada ³mais digno de menção´ para seu

c 
, ainda fala o folhetinista da confeitaria do Guimarães, onde ³se reúnem

apenas alguns comedores de empadas, e um ou outro deputado inofensivo, que ali vai

tomar sorvetes em horas de sessão´ Como se vê, a atividade parlamentar não era já

muito prestigiada pelos nobres deputados.

A intuição e a observação do cotidiano pelo folhetinista, construindo o que

poderíamos chamar de ³protosociologia´, através de seus  c  & ,

mesmo sem superar o senso comum, pode ser entrevista na conclusão de seu texto:

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Na série de folhetins ³Ecos Fluminenses´ publicada no jornal c   c de 1885

em diante, tratou França Júnior de diversos assuntos relativos aos hábitos urbanos,

desde conversas e comportamentos presenciados nos bondes à implacável

81
É nesse armarinho que as personagens Dona Bárbara e a filha Mariquinhas, da comédia
Caiu o Ministério! (1882), fazem suas compras.
82
FRANÇA JÚNIOR ± Op. cit. pp. 13 a 19.
48

ridicularização dos indivíduos que cometiam deslizes gramaticais, como este

presenciado num baile:

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Em pouco tempo, a indigitada donzela era coberta de ridículo, primeiro pelos

freqüentadores do baile, pois o ³desastrado condicional ± se meu pai querer ± passava

de boca em boca com uma longa cauda de gargalhadas´ À meia noite, todos os

presentes ao salão apontavam a pobre moça. No dia seguinte, duplicava-se o número

dos que já sabiam do fato. E França Júnior aponta como se dava tal milagre da

duplicação: ³O processo é simples: basta ir à rua do Ouvidor, entrar numa confeitaria e

contar o caso@4Kc

Para mostrar como os fluminenses de nomeada fugiam do abrasador verão do

Rio de Janeiro, França Júnior nos dá, no folhetim ³Friburgo e Petrópolis´85, outro

exemplo de sua técnica de analista social amador, sempre no estilo humorístico que o

distinguia, não poupando nem a sua   de folhetinista:

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83
Idem ± folhetim ³O ridículo´, p. 625.
84
FRANÇA JÚNIOR ± op. cit. p.626
85
FRANÇA JÚNIOR ± op. cit. pp.193 a 202.
49

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As diferenças entre as cidades são apontadas por França Júnior, como ³pontos de

contato e traços salientes de separação´. Se para Petrópolis, deslocavam-se a família

imperial e a corte, quase sempre por moda, para desespero das donzelas à procura de um

bom partido, ou de assuntos para suas intermináveis conversas, a maior parte dos que

iam a Friburgo o fazia por recomendação médica. A água das duas cidades possui ³a

virtude dos grandes remédios americanos; - cura todas as moléstias, desde a prosaica

espinhela caída até a poética neurose, originária por amores infelizes´ Médicos a

indicavam, como ainda indicam, para males do fígado, estômago etc. Um médico, em

particular, é citado por França Júnior, mais por ironia do que pela competência: Sales

Torres Homem, mencionado no capítulo anterior. Como dissemos, os folhetinistas não

pouparam sua atitude de  ,  , passando de liberal radical que atacava até o

Imperador a ministro de um gabinete conservador e Visconde de Inhomirim, título

recebido do mesmo Imperador. França Júnior alista-se entre os conservadores que

repudiavam o adesista e, nos diálogos que escreveu neste folhetim, abaixo reproduzidos,

atira ao político (e médico) farpas certeiras:

86
Ibidem ± p. 193.
50

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-   cc   c c ccB c
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As comparações denotam a postura crítica em relação à administração local e à

vida social, e a preferência do folhetinista por uma ou outra cidade. Assim, se em

Petrópolis os chalés e as casas de campo são construídas

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87
FRANÇA JÚNIOR ± Op. cit. pp. 196 e 197.
88
ibidem, p. 201.
51

GOSTUMES

O mesmo França Júnior que chega ao lirismo em seus folhetins mais amenos, ao

falar de crianças, sem perder a verve que constata, que os ³anjinhos do céu´, após

alguns minutos de convivência, ³são mais espirituosos e malignos que todos os diabos

da terra´, é o folhetinista bucólico que censura os ³brasileiros degenerados´ que na

Corte cantam ao piano árias de Rossini e Verdi, recomendando irem ³à Bahia´

perguntar ³ao capadócio´ (espécie de trovador enamorado) ³como se canta´c

Antecipando a paixão musical de um Mário de Andrade, cita lundús, cateretês e

sambas.89

O campo, na época nomeado como c  , tem aparentemente, para França

Júnior ³encantos intraduzíveis´. Simulando ter recebido uma carta de um ³amigo

íntimo´, publicada no folhetim ³A Roça´, o autor apresenta prós e contras a respeito da

vida na natureza, pelas mãos do pretenso missivista. Viver numa choupana no ³meio da

mata virgem, rodeada de flores silvestres, (...) felizes eu e ela´, respirando ³ar puro,

puríssimo, tão puro que se o Rio de Janeiro pudesse recebe-lo encaixotado, fechar-se-

iam logo todos os consultórios médicos´. Não transpirar, ter o fígado em perfeito

funcionamento, dormir ³como um justo´ e ter o bom humor correndo ³parelhas com o

de um recém casado sem sogra no período da lua de mel´. Todas estas vantagens da

 , no entanto, perdem para a vida da corte pelo predomínio dos hábitos urbanos e o

choque que representa para o ³amigo íntimo´ a falta do pão entregue duas vezes por dia

pelo padeiro, o horror a ter apenas a carne de porco e, graças à proverbial preguiça da

89
Idem, folhetins ³Crianças´ (pp. 83 a 91) e ³O cantor de serenatas´ (pp. 203 a 208).
52

gente da  (antecipando o Jeca Tatú de Monteiro Lobato...), ter apenas como legume

o chuchu para comer:

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Após reclamar que seu espírito ³começa a enferrujar´ pela falta de opções de

leitura, pois o livro ³mais interessante que por acaso caiu-me nas mãos foi uma folhinha

de 1871´, o missivista fictício relata um pedido feito a um vizinho, para que lhe

emprestasse algum romance ³digno de ler-se´c recebendo então dois volumes de um

dicionário antigo, ³romance´ apresentado pelo vizinho como   


 que ele lia

quando não tinha o que   Concluindo a ³carta´, assim podemos ver o predomínio

da cidade sobre o campo (a  ..) na crítica do cosmopolita França Júnior:

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No folhetim ³Maçantes´cFrança Júnior ataca uma  c  cc, os

maçantes, também conhecidos, então, como amoladores, sequistas (termo ainda

90
FRANÇA JÚNIOR, op. Cit. p. 609.
91
Ibidem, p. 610.
53

encontrado nos dicionários atuais) ou ! c c 


, apelido dado pelos que, na

época, detestavam a música de Richard Wagner. Reclama o advogado, pela pena do

folhetinista França Júnior, contra a inexistência, no código criminal, de artigos que

qualifiquem como crime os atos praticados ³por semelhantes homens´ Èualquer ínfimo

atentado contra a propriedade é levado ³aos tribunais com grande aparato´. No entanto,

o Juiz...

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Cria França Júnior, para classificar os tipos de maçantes ( 
cna gíria atual),

dez tipos de categorias: 1) os que contam histórias ³a propósito de tudo´, e na narrativa

de um ³caso, esquecem sempre os nomes dos personagens que nele figuram´; 2) os

retóricos, ³que escolhem termos quando falam, e que gostam de se ouvir´. São

indivíduos que ³não conversam, discutem´/c 3)c os que falam e não deixam os outros

falarem, verdadeiros ³déspotas da palavra´; 4) maçantes que não falam: os mais

perigosos, pois limitam-se a ouvir o que dizem os demais participantes de uma conversa

e, quando ela parece extinguir-se, fazem de tudo para que ela continue, inclusive falar

algo como: ³-- É o que lhe digo. O senhor é quem pode. Este mundo é uma bóia. A vida

é para o senhor. O que há de novo? O que se diz por aí? Isto vai mal, etc, etc.´; 5) o

maçante lírico, ³que adora em excesso a música´, e procura por todos os meios levar a

conversa para o canto lírico, as novidades na área etc.; 6) os maçantes que não gostam

de música,  ³no entretanto obrigam as filhas a cantar e a tocar, para ... obsequiar as

visitas´/c7) os que ³se julgam atacados de todas as moléstias´; 8) maçantes valentões,

92
Ibidem, p. 22.
54

que implicam e ameaçam brigar por qualquer motivo, mas não passam das ameaças; 9)

as solteironas, que o folhetinista, irônico, apenas menciona, sem defini-las... e, por

último, os que ³consomem o tempo a indagar da vida alheia, que perguntam aos

conhecidos e desconhecidos: Onde compraste esta corrente? Estás empregado? Èuanto

ganhas? O que faz tua mulher todo o dia à janela? O que jantaste hoje? etc, etc´.

Com sarcasmo, França Júnior relata a criação, ³há cinco ou seis anos (...) no Rio

de Janeiro´, de uma sociedade a que chamou ³Resgate dos Cativos, com o fim

altamente filantrópico de livrar os sócios das garras dos maçantes´ Chega a descrever

como se realiza o resgate: o indivíduo incomodado por um dos vários tipos de maçantes

coloca a mão no peito. Um membro da    que esteja passando pelo local ou

presencie a cena aproxima-se, ³afetando sofreguidão´, e diz que estava procurando a

vítima do maçante ³há mais de duas horas´, que (a vítima) era esperado por outras

pessoas para tratar de um negócio imaginário. O membro da    pede licença ao

maçante, leva o ³resgatado´ pelo braço, e ³vão à primeira confeitaria tomar um refresco,

ou à próxima esquina, onde cada um segue seu rumo´.

Como acontecem aos bons escritores satíricos, e bem humorados, nosso

folhetinista não poupa nem sua  , ao final do folhetim:

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 PDc

93
FRANÇA JÚNIOR ± op. cit. pp. 21 a 30.
55

POLÍT·GA

O arcabouço institucional do regime monárquico estava expresso na

Constituição de 1824, que vigorou até o final do Império (1889) com pequenas

modificações. O sistema político era monárquico, hereditário e constitucional. Havia

uma nobreza, mas não uma aristocracia: os títulos concedidos pelo Imperador não eram

hereditários, não havendo, assim, uma 


   c c   no Brasil. A religião

católica era a oficial, permitido o culto particular de outras religiões. Escravos e

mulheres não possuíam direitos políticos, sendo que os escravos estavam excluídos dos

demais dispositivos constitucionais. Uma curiosidade: até 1882 admitia-se o voto de

analfabetos, nas condições censitárias abaixo discriminadas. Formalmente, a

Constituição de 1824 organizava os poderes constituídos, definia atribuições,

assegurava os direitos individuais, a igualdade perante a lei, a liberdade de pensamento

e de manifestação. Estruturalmente uma sociedade de tradição autoritária, entretanto, no

Brasil a aplicação de tais direitos era (como é) relativa, pois a população livre das áreas

urbanas, a chamada 


c
  dependia dos grandes proprietários rurais.

No parlamentarismo monárquico que funcionou no Segundo Reinado, durante

quase cinqüenta anos, em regime bicameral, era escolhido, por voto indireto e censitário

(votavam os cidadãos brasileiros que possuíam renda anual de pelo menos cem mil réis,

os 

), em eleições primárias, um corpo eleitoral (composto de brasileiros que

possuíssem renda de duzentos mil réis anuais e não fossem libertos, os 
). Esse

corpo eleitoral elegia os deputados (compunham a Câmara), que além das exigências

feitas aos 


ce aos 

, deveriam possuir renda anual de quatrocentos mil réis

e professar a religião católica. Pelo mesmo processo eram eleitos os Senadores. A

diferença substancial entre as duas casas legislativas estava no fato de que a eleição para
56

a Câmara era temporária e, para o Senado, vitalícia. Para o Senado, cada província

elegia, pelo sistema eleitoral em que o poder econômico decidia explicitamente o

resultado das eleições, uma lista tríplice que era encaminhada ao Imperador, para a

escolha de um dos três indicados. Na prática, o Senado vitalício era a caixa de

ressonância, no Poder Legislativo, da vontade interventora do Rei (detentor também do

Poder Moderador ± instituição inspirada nas idéias de Benjamin Constant, escritor

francês que previa a separação entre o Poder Executivo, a ser exercido pelos ministros

do Rei e o poder propriamente Imperial, neutro ou moderador; no Brasil, tais idéias não

foram seguidas à risca...):

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Havia, ainda, a figura institucional do Conselho de Estado, cujos conselheiros

vitalícios, nomeados pelo Imperador dentre os brasileiros com idade mínima de

quarenta anos (então considerada uma idade avançada para a época), renda não inferior

a oitocentos mil réis anuais, que fossem pessoas de  $c   c c 


. Tal

Conselho era ouvido em momentos de crise e de tomadas de decisões importantes, pelo

Imperador, como declarações de guerra, negociações diplomáticas, ajustes de

pagamento etc. Ou seja, nos momentos em que o ³Imperador se propusesse exercer

atribuições próprias do Poder Moderador´.95

94
Nelson Werneck SODRÉ, ³A sucessão dos gabinetes´, in: Panorama do Segundo Império,
São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre : Companhia Editora Nacional, 1939,
Brasiliana (Biblioteca Pedagógica Brasileira), série 5ª, vol. 170, p. 91.
95
Boris FAUSTO, ³O Brasil Monárquico (1822-1889)´, in: História Concisa do Brasil, São Paulo,
Imprensa Oficial/Edusp, 2001, p. 81.
57

A aparente estabilidade do Império, principalmente no Segundo Reinado, além

de ser desmentida por diversos momentos de crise institucional originada por sucessivas

quedas de gabinetes ministeriais (foram trinta e quatro os gabinetes ministeriais no

período de 1840 a 1889), eleições decididas pela força do poder lo cal e falta de

caracterizações política e ideológica claras dos partidos políticos (Conservador e

Liberal), era prejudicada pela excessiva centralização administrativa, que ditava

remodelações gerais na máquina governamental a cada mudança de partido no poder.

Se algo houve de estável e vivo politicamente, esse algo foi o exercício do poder

imperial, aparentemente ausente:

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Sobre a composição social e a ambigüidade e inconsistência das posições

políticas e ideológicas dos partidos imperiais (Liberal, cujos militantes eram apelidados

de    ± numa referência à Vila Santa Luzia, em Minas Gerais, onde os liberais

sofreram sua maior derrota, na Revolução de 1842; Conservador, cujos membros eram

chamados de    , com referência ao município fluminense de Saquarema, onde

os principais chefes do partido possuíam terras e notoriamente exerciam desmandos

eleitorais), principalmente durante o segundo reinado do Império, assim se manifestou

José Murilo de Carvalho:

96
Nelson Werneck SODRÉ, ³Retrato do Império - O parlamentarismo fraudulento´, in: A
República (uma revisão histórica), Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1989, p. 20.
58

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Se, no plano da política externa, as atenções estavam voltadas para a Èuestão

Christie (1861-1865), o conflito com o Uruguai (1864-1865) e, principalmente, a Guerra

do Paraguai (1864-1870), no plano da política interna, a predominância de cinco a seis

anos de hegemonia liberal na Câmara e nos Ministérios imperiais exasperava o Partido

Conservador. Caxias (Luis Alves de Lima e Silva, político conservador que presidira o

gabinete de seu partido entre março de 1861 e maio de 1862, militar e aristocrata), havia

sido nomeado, em outubro de 1866 - por pressão dos oposicionistas do Partido

Conservador, que culpava os Liberais pelas incertezas da Guerra, para comandar as

tropas brasileiras no Paraguai, pelo gabinete liberal de Zacarias Góes de Vasconcelos.

O acirramento da Guerra reflete-se na política interna, pois a proximidade de

uma vitória de Caxias no 


poderia trazer prejuízos políticos para a situação política

(Liberal) e, mesmo entre os membros da oposição (Partido Conservador), é causa de

receios o aumento do prestígio de um militar como Caxias e o que ele representava

97
José Murilo de CARVALHO, ³Federalismo e centralização no Império brasileiro: história e
argumento´, in: Pontos e bordados: escritos de história e política, Belo Horizonte: Editora
UFMG, 1998, pp. 155 a 188 (especialmente pp. 180 e 181).
59

frente à oficialidade e às tropas, principalmente do Exército, que combatiam em

situação de extremas dificuldades materiais.

Zacarias Góes de Vasconcelos, apresentado por uns como um orgulhoso,

autoritário, intransigente e inacessível, vivendo apenas para seu partido, alimentando

ressentimentos com velhos desafetos (Torres Homem, entre eles), e, por outros, como

estadista comparável ao Imperador D. Pedro II98, ao longo da crise que se desenrola e

chega ao ápice no ano de 1868, procura submeter Caxias à sua vontade.

Temperamentais, nenhum dos dois cede em suas posições. O conflito se estabelece,

atiçado pela pena dos folhetinistas e articulistas dos jornais da oposição conservadora,

José de Alencar e França Júnior (7c8 


) e Ferreira Viana (Ecc )cPP.

A questão do impasse entre o chefe militar e o chefe político de seu governo chega ao

Imperador, que consulta o Conselho de Estado. Resolve optar pelo  c : em

julho, cai o ministério Zacarias e sobem ao poder os conservadores. O 16 de julho de

1868 marca o fim da hegemonia liberal e dá início a um período de dez anos de

Gabinetes Conservadores.

Falando de política e costumes nessa conjuntura, nos folhetins publicados no

jornal 7c8 
, dos quais Raimundo Magalhães Júnior nos apresenta 45 deles

(29 de abril de 1867 a 26 de julho de 1868) 100, França Júnior revela, além de sua face de

analista social, o caráter conservador do comentarista político que desenvolve intensa

98
ver Raimundo de MENESES - ³O Escritor-Ministro´, in:  osé de Alencar: literato e político, 2ª
edição., Rio de Janeiro : Livros Técnicos e Científicos, 1977, pp. 225 a 231; ver, também,
Pandiá CALÓGERA - Formação Histórica do Brasil, 2ª edição, São Paulo : Companhia Editora
Nacional, Brasiliana, Biblioteca Pedagógica Brasileira, Série V, Vol. XLII, 1935, p. 297.
99
ver Raimundo de MENESES, op. cit., p. 225.
100
FRANÇA JÚNIOR - Política e Costumes: Folhetins Esquecidos (1867-1868), organização,
introdução e notas de Raimundo Magalhães Júnior, Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia : Editora
Civilização Brasileira, Coleção Vera Cruz (Literatura Brasileira), Volume 6, 1957.
60

campanha pela volta do Partido Conservador ao poder, depois de quase 6 anos de

hegemonia liberal nos Gabinetes do Império (1862 a 1868).

O 7c 8 
 (jornal de idéias liberais no período de 1853 a 1865,

quando foi dirigido por Francisco Otaviano) já tinha, no passado, publicado os folhetins

de José de Alencar (03 de setembro de 1854 a 8 de julho de 1855), que levavam a

epígrafe +c7c c cManuel Antônio de Macedo publicara, na seção  


 ,

no período de 1852 a 1853, o seu 8& ccc. 


cc8%  ce Machado de

Assis trabalhara no jornal, no período de 1858 a 1860, como revisor. Francisco

Otaviano, jornalista e deputado, casara-se em 1854 com Eponina Barreto, graciosa filha

do proprietário do jornal e na residência do casal, na rua Evaristo da Veiga (São

Cristóvão), saraus e serões eram freqüentados por José de Alencar, Joaquim Manoel de

Macedo, Tavares Bastos, Machado de Assis, Bernardo Guimarães, Joaquim Nabuco,

Joaquim Serra, José Bonifácio e França Júnior, entre outros.101

Escrevendo no período mais acirrado da Guerra do Paraguai (1864-1870), nos

dois anos (1867-1868) em que atacou o 3º Gabinete Liberal de Zacarias Góes de

Vasconcelos (que durou de 1866 a 1868; os dois primeiros duraram uma semana, de 24

a 31 de maio de 1862 e sete meses, de 15 de janeiro a 31 de agosto de 1864), França

Júnior usou de metáforas, nomeação direta de seus adversários, comparações, anedotas

e ditos espirituosos para ridicularizar a situação liberal de várias maneiras. A crítica ou

comentário político eram recheados de tiradas filosóficas, máximas literárias, alusões às

campanhas de Napoleão na Europa do início do século XIX, citações em latim,

mencionando várias vezes o autor Alphonse Karr como sua principal inspiração

101
Raimundo de MENESES - Op. cit., pp. 67 a 83.
61

satírica102. O alvo predileto e quase exclusivo de seus folhetins era o Ministério

(Gabinete) e os políticos da situação liberal.

Chama atenção, também, a utilização do pseudônimo  com que assinava os

folhetins dessa época. Uma forma de preservar a figura pública do autor, bacharel e

magistrado - que seria afetada por sua produção de páginas de amenidades nos jornais,

disfarçando-se sob a máscara do deus egípcio; uma maneira de dar liberdade ao escritor

para atacar os adversários liberais, ou um simples expediente para valorizar seu texto?

Èualquer destas possibilidades podia ser verdadeira. Era comum escrever-se sob

pseudônimos ou apenas por iniciais:

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   103c

Torres Homem foi ³Timandro´. Justiniano José da Rocha, o primeiro crítico

teatral brasileiro, jornalista político a serviço do Partido Conservador, publicou +c

102
Outra influência literária sobre França Júnior, citada por R. Magalhães Júnior (FRANÇA
JÚNIOR ± op. Cit., 1957, p. XIII), e que nos causou surpresa, tratando-se de um escritor
conservador, como França Júnior, foi a de Henrich Heine, que era considerado por Karl Marx
seu escritor preferido. Pelo estilo, satírico, e pela ironia mordaz, no entanto, compreendemos
tal influência, pelo menos no campo literário... Ver o prefácio de Marcelo Backes para a edição
do fragmento (ou novela) Das Memórias do Senhor de Schnabelewopski, de Henrich Heine,
São Paulo : Boitempo Editorial, maio de 2001, pp. 7 a 15.
103
MAGALHÃES JÚNIOR, R. ± Artur Azevedo e sua época, 4ª edição, São Paulo: LISA (Livros
Irradiantes S. A. ± ), 1971, p. 20.
62

%
 c $  c  c !$ c 
c c J , assinando apenas ³Um

Brasileiro´104.

Joaquim Serra, que como poucos e de maneira quase surrealista se encaixa na

categoria dos escritores que   c


 5L, dirigia o jornal +c  cPoeta, jornalista

e precursor do Teatro de Revista no Brasil, usou, em seu próprio jornal, ironicamente, o

pseudônimo de ³Ignotus´.

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  9()106 c

Artur Azevedo foi ³Dopante´, personagem de Molière no jornal Ec c c

cI , ³Elóy, o herói´, no Ecc1


%  /c³Gavroche´, ³Frivolino´, ³Cósimo´,

³Cratchit´, ³Petrônio´, ³X.Y.Z.´ e ³Juvenal´, no jornal c  %cMachado de Assis foi

³Dr. Semana´, ³João das Regras´, ³Lélio´, ³Malvólio´, ³Eleazar´ ou ³Job´. Joaquim

Nabuco, autor do clássico Jc "



c c B , foi ³Garrison´ e ³Freischütz´ e

José do Patrocínio, político e jornalista combativo, paladino da Abolição, foi ³Justino

104
MAGALHÃES JÚNIOR, R. ± Três Panfletários do Segundo Reinado, São Paulo :
Companhia Editora Nacional, Série 5ª - Brasiliana ± Vol. 286, Biblioteca Pedagógica Brasileira,
1956 p. 143; sobre a atividade de crítico teatral de Justiniano José da Rocha, ver, também
Décio de Almeida PRADO ± O Advento do Romantismo, in: Teatro de Anchieta a Alencar, São
Paulo: Editora Perspectiva S. A., 1993, pp. 121 a 140, e João Roberto de FARIA ± O
Romantismo, Ensaios sobre a Tragédia e Excertos Críticos, in: Idéias teatrais: o século XIX no
Brasil, São Paulo : Ed. Perspectiva / FAPESP, 2001, coleção Textos : 15, pp. 20 a 30, 268 a
316 e 317 a 323.
105
Ver Nelson Werneck SODRÉ, História da Aiteratura Brasileira, Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1999, p. 212.
106
R. MAGALHÃES JÚNIOR - Artur Azevedo e sua época, 4ª edição, São Paulo : LISA (Livros
Irradiantes S. A.), 1971, p. 16.
63

Monteiro´ em +c 1
%  c e ³Proudhome´ na G 
c c 1
%  50 E até D. Pedro II,

polemizando com José de Alencar - ³Ig´, para defender Gonçalves de Magalhães dos

ataques que o escritor proferiu contra o poema +c 7 c c * , foi aos

jornais como 
c +c c 
, em 1856 108. Não por acaso, durante a ditadura

militar (1964 a 1985), no período mais agudo de censura aos jornais e meios de

comunicação, alguns jornalistas e escritores também escreveram sob pseudônimos e até

cantores (como Chico Buarque) gravaram músicas sob nomes fictícios. Foi nesse

período, também, que um jornal de São Paulo publicou um suplemento chamado

³Folhetim´.

França Júnior ±  revela-se, nos folhetins do período acima citado, um

crítico contundente e, por vezes, até violento. No que a violência pode se manifestar em

forma de sátira. Ou seja, as armas das metáforas, da ambigüidade, das anedotas e do

sarcasmo foram postas em uso, no combate político intelectual.

No folhetim de 26 de maio de 1867, França Júnior utiliza a pintura como

metáfora para sua crítica ao Gabinete liberal de Zacarias Góes de Vasconcelos. Após

descrever o quadro +c   c c  c % , do pintor Rafael, o folhetinista afia sua

arma (o lápis...) e ataca:

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()+ c cc c  c $ c c c  c  c   c c  c  % c
 c ccroquisc  c   c c c  c* c c c  c
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 c (alusão ao Gabinete Ministerial, composto de 7 pastas ministeriais) c
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c
 
c cc c
 cc c"c
 c c$  c c c
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107
R. MAGALHÃES JÚNIOR - Artur Azevedo e sua época, 4ª edição, São Paulo : LISA (Livros
Irradiantes S. A. ± ), 1971, p. 20.
108
Ver Raimundo de MENEZES ± ³Primeira Rusga com o Imperador´, in:  osé de Alencar:
literato e político, 2ª edição, Rio de Janeiro ± São Paulo: Livros Científicos e Técnicos, 1977,
p. 91
64

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A crítica do folhetinista não perdoa nem a indumentária dos Ministros:

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 c (alude ao Deputado Manoel Pinto de Sousa Dantas)c Hc c
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As   a que se refere a metáfora de França Júnior eram as pastas do

ministério, na época: Império, Justiça, Estrangeiros, Fazenda, Marinha, Guerra, e

Agricultura, Comércio e Obras Públicas. A metáfora é uma constante nos diversos

folhetins políticos escritos pelo autor, que recorre à comparação dos sete ministros e do

Gabinete Ministerial com objetos, partes do corpo humano, aposentos de uma casa etc.

Como neste texto, em que França Júnior compara o ministério a um gabinete

(aposento):

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109
FRANÇA JÚNIOR - Política e Costumes: Folhetins Esquecidos (1867-1868), organização,
Introdução e Notas de R. Magalhães Júnior, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira S.A.,
Coleção Vera Cruz (Literatura Brasileira) volume 6, p. 27.
110
Ibidem, p. 28.
65


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A metáfora dos móveis é ampliada, com a imagem de uma casa, no folhetim de

06 de julho de 1868, em que, além da atacar o Presidente do Conselho Zacarias Góes de

Vasconcelos, França Júnior elogia Francisco Gonçalves Martins, o Barão de São

Lourenço, ³um dos mais conspícuos vultos, da oposição´. Com a queda dos liberais, o

oposicionista conservador seria nomeado Presidente da Província da Bahia, e levaria

França Júnior, o folhetinista de oposição aos liberais, como secretário de governo:

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111
ibidem, folhetim de 17 de maio de 1867, pp. 19 a 23.
112
ibidem, pp. 267 e 268.
66

Outra forma de ataque utilizada por França Júnior foi a comparação entre o

ministério e os gatos, no folhetim de 12 de janeiro de 1868. Inicia o folhetim

lamentando-se da falta de assunto e atacando o ³governo progressista´:

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Em seguida, França Júnior cita um pensamento de Rousseau, que seguiu sempre

à risca na elaboração de seus textos: ³A verdadeira filosofia (...) consiste em observar os

fatos que se passam ao redor de nós.´ A citação aparece em outros textos do folhetinista

e marca uma característica de seu método de trabalho: a observação. O autor pede a seus

leitores que não levem a mal que ele ³... diga que tenha feitos sérios e profundos estudos

sobre os gatos e os cães´. O 


 mostra as diferenças entre cães e gatos, em termos

de comportamento e temperamento. O cão é ³devotado em excesso a seu senhor´, o

gato, porém, ³é essencialmente egoísta´: ³O cão coça-se para fora; o gato coça-se para

dentro, a fim de que a voluptuosidade do gozo reverta toda para si e só para si!´114

A metáfora do estudo sobre cães e gatos tem uma  . Servirá para um

ataque ao progressismo e à Liga Progressista, que em sua composição em 1862,

motivou a ida de vários políticos conservadores para o campo liberal.115 França Júnior

não perdoa o progressismo, e os ³gatos progressistas´ na metáfora:

113
Ibidem, p. 154.
114
Ibidem, p. 156.
115
³Forma-se, logo em 1862, a Aiga Progressista, gerada no governo do Gabinete Caxias
(1861 a 1862), sob o fundamento que os partidos estavam extintos e, segundo um dos seus
artífices, µnão consoem no presente¶, cabendo aos µhomens prudentes¶ µantes conjurar a
67

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O final do folhetim reserva a crítica mais contundente de França Júnior,

escrevendo sob a máscara do pseudônimo ( ), para seus adversários progressistas:

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7  c (posteriormente Duque de Caxias, militar e político do partido
conservador, indicado pelo gabinete liberal de Zacarias Góes de Vasconcelos
para comandar as tropas brasileiras no período mais difícil da Guerra do
Paraguai)c  c c c c c  'c c  c 2c % c
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Os ataques pessoais também fizeram parte da galeria de instrumentos utilizados

pelo folhetinista de oposição aos gabinetes liberais. Em dois deles (publicados em 3 de

novembro de 1867 e 22 de março de 1868), o alvo foi o médico e político Gustavo

tempestade que provocá-la¶ (a citação é de Joaquim Nabuco, em Um Estadista do Império).


Com essa ponte passam do campo conservador para o liberal, chefes de expressão de
Zacarias de Góes e Vasconcelos, Nabuco, Sinimbu, Saraiva e Paranaguá, entre outros. (...) De
imediato, a Liga Progressista logra tomar o poder, para um desfrute de seis anos (1862-1868).
(...) A Aiga empenha-se em fixar a responsabilidade dos ministros pelos atos do Poder
Moderador, luta pelo dogma do rei que reina e não governa, adota a bandeira das franquias
provinciais e locais,quer a pureza do sistema representativo e eleitoral. (...) toma colorido o
debate da liberdade econômica e agita-se, pela primeira vez, o problema abolicionista.´
Raimundo FAORO - ³O Renascimento Liberal e a República´, in: Os Donos do Poder: formação
do patronato político brasileiro, Porto Alegre: 4ª edição, Ed. Globo, v. 2, p.444.
116
FRANÇA JÚNIOR - Política e Costumes: Folhetins Esquecidos (1867-1868), organização,
Introdução e Notas de R. Magalhães Júnior, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira S.A.,
Coleção Vera Cruz (Literatura Brasileira) volume 6, pp. 156 e 157.
117
Ibidem, p. 159.
68

Adolfo de Sá, liberal progressista, que governava a província do Rio Grande do Norte.

Nos dois textos, o ataque é dirigido ao político pela via literária. França Júnior

ridiculariza no primeiro folhetim a falsa cultura do autor do ³primoroso relatório´, o

³Dr. Gustavo´, que abriu ³a assembléia provincial do Rio Grande do Norte em 3 de

maio´ de 1867 com a leitura do documento:

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No folhetim de 22 de março de 1868, intitulado ³A propósito de uma tese´, o

objetivo do folhetinista é analisar a tese de graduação em medicina do Dr. Gustavo

Adolfo de Sá, pela Faculdade de Medicina da Bahia. Nos trechos seguintes, procuramos

dar uma idéia do julgamento de França Júnior sobre a tese do Dr. Gustavo, que

aproveita novamente a oportunidade para atacar os progressistas:

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118
Ibidem, p. 132.
69

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As comparações entre progressistas e conservadores também são objeto da pena

do folhetinista. No folhetim de 17 de maio de 1868, o analista político França Júnior

marca as diferenças entre as duas correntes de pensamento e, indiretamente, expõe seus

valores e idéias políticas, através das comparações entre as duas correntes de

pensamento, convidando o leitor a estudar as tendências de ambas, sempre através da

mediação das metáforas:

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Ao terminar este folhetim, França Júnior justifica-se por ter excluído da lista de

partidos ³que hoje se batem´ o partido liberal, que aproveita para atacar:

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119
Ibidem, pp. 202 a 209.
120
Ibidem, pp. 245 a 249.
70

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Num hipotético diálogo entre o jornalista/literato e o político liberal, a resposta

aos ataques de França Júnior poderia vir de Joaquim Nabuco, neste texto de 1886, em

que o político e escritor analisa as eleições liberais e conservadoras:

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(grifos do autor)c

Em diversos momentos, França Júnior elabora, nos folhetins, o material que será

utilizado em suas comédias de costumes sociais e políticos. Pequenos diálogos,

descrições, expressões que utiliza, são transpostos para situações, caracterizações e falas

dos tipos criados nas comédias. O texto do folhetim é transcrito para a linguagem

dramatúrgica e, com a encenação, torna-se passível de atualizações e concretizações que

possibilitarão a materialização, no teatro, do pensamento do autor.

121
Ibidem, p. 250.
122
Joaquim NABUCO, ³Eleições Liberais e Eleições Conservadoras´, in: A Abolição e a
República, organizado e apresentado por Manuel Correia de Andrade, Recife: Editora
Universitária da UFPE,1999, pp. 54 e 55.
71

Esta característica do processo criativo de França Júnior faz com que as

metáforas, descrições e imagens dos  c & AD, da crítica de costumes,

da sátira políticacapresentados nos textos híbridos de jornalismo e literatura que são os

folhetins, estejam presentes na representação satirizada, nas comédias, dos costumes da

Corte Imperial e da política partidária, das questões de conotação política do Segundo

Reinado, como veremos no capítulo seguinte.

Como exemplos desse procedimento, podemos citar: a descrição do ambiente do

turfe e imagens das corridas de cavalos no folhetim do 7c8 


cde 2 de junho

de 1867, que tem a sua correspondência na comédia "


c   c c7$c I , de

1877; a ironia do folhetinista, no folhetim ³Carnaval´, de 27 de fevereiro de 1868,

contra o ³estrangeirismo´ de uma sociedade carnavalesca que se apresentara num

festejo levando dois ³camelos d¶África´ no seu cortejo, pois ³temos camelos, podemos

dizer com orgulho, não há necessidade de ir mendigá-los ao estrangeiro´, é retomada

pela personagem Henrique, em c *c 6 Ã comédia de costumes de 1872; a

123
A expressão utilizada pelo próprio França Júnior situa o folhetim como gênero literário, mas
não lhe tira o valor de registro histórico e análise social, de documento para a pesquisa
sociológica, histórica, estética, literária. Anatol ROSENFELD (³Literatura e Sociedade´ ± in:
Estrutura e Problemas da Obra Aiterária, São Paulo : Editora Perspectiva, 1976, Coleção Elos
nº 1, pp. 57/58), ao analisar as relações entre arte e sociedade, nos ajuda a compreender os
devaneios sociológicos que França Júnior constrói em sua obra literária (folhetins), e as
distorções, exageros, ampliações e idealizações que o jornalista e teatrólogo utiliza para
empreender sua reconstrução teatral do Brasil: ³(...) ...é preciso realçar que a relação entre a
obra de arte literária e a sociedade é extremamente mediada. Qualquer simplificação neste
terreno desvirtua os fenômenos. De modo algum a obra de arte literária pode ser reduzida a
condicionamentos sociais. Não pode ser explicada, como um todo estético valioso a partir
deles, por mais que estes fatores tenham influído nela e se manifestem nos vários planos. No
processo de criação interferem intensamente elaborações imaginativas e obsessões pessoais
que particularizam radicalmente os momentos socioculturais. A própria obra impõe
imperativos estéticos que não podem ser derivados, sem mais nada, do momento
histórico-social, visto decorrerem, ao menos parcialmente, da tradição autônoma de
cada gênero. Esta, embora tenha por sua vez raízes sociais, não pode ser reduzida a elas
e é reelaborada de um modo complexo e pessoal, embora sob a influência de novas
situações histórico-sociais.´ (grifos nossos)
72

frustração no casamento, com a mudança de humores da namorada convertida em

esposa (de meiga a megera), apresentada no folhetim ³Platonismo´, de 17 de junho de

1867, é o assunto da peça E


ccF c*
, de 1870; os dois folhetins da série

³Ecos Fluminenses´ (1885), intitulados ³O futuro da mulher´ trazem a temática

antifeminista desenvolvida em +cE


 , comédia de 1889. 124

Mas é com os folhetins ´Pretendentes´ e ³Organizações Ministeriais´,

publicados no jornal G 
cc1
%  AL, em 1878, que o procedimento de aproveitar

pequenos diálogos, descrições e expressões dos folhetins, transpostos para situações,

caracterizações e falas dos tipos criados nas comédias de costumes, vai ser mais e

melhor utilizado. A peça 7 c c 8


9, de 1882, que será analisada no capítulo

seguinte, recebe diálogos inteiros tirados destes folhetins. A comparação, pela leitura

dos textos, entretanto, permite-nos aferir a riqueza das idéias, descrições e pensamentos

do autor, contidos nos folhetins, que não poderiam ser transcritos para a comédia, por

seu caráter literário, jornalístico.

Entretanto, a comédia ao ser encenada, como veremos no terceiro capítulo desta

dissertação (Teatro: a real representação), sai do plano literário, dramatúrgico, pela ação

dos tipos caricaturados (políticos, seus familiares, a moça fútil e a mãe que procura um

casamento rico para a filha, os pretendentes a empregos públicos, o inglês aventureiro

atrás de um privilégio governamental, freqüentadores da Rua do Ouvidor etc),

permitindo ao espectador atualizar e concretizar, por atos de percepção e fruição

124
Para os folhetins de 2 e 17de junho de 1867, e 27 de fevereiro de 1868, ver FRANÇA
JÚNIOR, Política e Costumes, Folhetins Esquecidos (1867-1868); para os folhetins intitulados
³O futuro da mulher´, ver FRANÇA JÚNIOR, Folhetins; para as comédias de costumes, ver
Teatro de França  únior, 2 volumes.
125
FRANÇA JÚNIOR - Folhetins, 1926, pp. 93 a 101; 185 a 192.
73

estética, a ficção e a crítica social e política. A história torna-se  , sem que a obra de

arte perca sua unidade, seu caráter temporal.

Se, como veremos na comédia 7 cc8


9, uma personagem (Mr. James)

personifica a crítica à obsessão brasileira pela discussão política, no folhetim

³Organizações Ministeriais´ encontramos um 


 do analista político França Júnior

sobre os ³políticos da Rua do Ouvidor´. O escritor de folhetins informa o comediógrafo.

O cronista da cidade prepara o autor teatral. França Júnior dialoga com suas próprias

observações, traduzindo sua crítica social em ação teatral. A sátira, a caricatura e a

paródia, ampliam e exageram os defeitos morais, os (maus) costumes políticos, a moda,

a vacuidade dos tipos sociais.

A descrição detalhada, e paródica, do desespero e das humilhações dos

pretendentes a empregos públicos, esperando a boa vontade do ³protetor´ (o político

que forma sua clientela entre os pretendentes, alimentando a política do favor), no

folhetim, recebe um tratamento que torna a situação clara para o espectador, na

encenação da comédia. A peça mostra, e o folhetim nos descreve, o ridículo do

pretendente que implora o empenho do político para conseguir um ³lugar´ na máquina

burocrática do Estado:

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 c c c  cc" c(no folhetim:  c  c cEc8  ), c
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c c c c c  c   c
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 cc   ccc A- c
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126
FRANÇA JÚNIOR - Teatro de França  únior, vol. 2, 1980, p. 215; Folhetins, 1926, p. 97.
74

O exagero da sátira, porém, parece ter correspondência no texto do historiador

Raymundo Faoro, que utiliza o depoimento de outro folhetinista para ilustrar sua análise

do sistema político do Segundo Reinado:

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França Júnior aponta, com seus folhetins e peças teatrais, para uma idealização

da vida social, na qual a separação do público e do privado, a profissionalização da

política e da administração pública, a coerência entre doutrinas e práticas políticas, o

culto à intimidade, o bom gosto e o refinamento aristocrático, a cultura e a identidade

brasileiras substituiriam o provincianismo, o bacharelismo, o mau gosto burguês, a

subserviência à cultura estrangeira, o nepotismo e o clientelismo no recrutamento dos

quadros da administração do Estado, o casamento por interesse, a superficialidade nas

relações sociais e na cultura.

Portanto, nos folhetins é possível fazer a leitura do pensamento e da crítica

social de França Júnior, na apresentação da realidade, como um registro no nível da

descrição jornalística ou da crônica, como registro histórico e análise social, documento

127
Raymundo FAORO - ³O Sistema Político do Segundo Reinado´, in: Os Donos do Poder:
formação do patronato político brasileiro, vol. 1, Porto Alegre: 4ª edição, 1977, p. 390.
75

para a pesquisa sociológica, política, histórica, estética, literária. A ambigüidade do

estatuto literário do folhetim permite esse tipo de leitura.

Esta leitura dos folhetins, deve ser realizada levando em conta o caráter de obra

de arte, de ficção que esses textos possuem, lembrando-se que a realidade é apresentada

metaforicamente, propositalmente distorcida, exagerada, ampliada. A leitura estará

sujeita a atualizações e concretizações e estará informada pela cultura, pelos

conhecimentos históricos, por nossa qualidade de apreciadores de um objeto estético.

Isso não tira a realidade da obra como fato e documento histórico, análise social etc.

Desta forma, ao criar seus textos, fazendo uso da intuição e da observação do

cotidiano, o folhetinista de costumes (sociais, culturais, urbanos) França Júnior constrói

o que chamamos de ³protosociologia´. A proximidade entre a literatura e a sociologia,

por exemplo, está na análise do comportamento da sociedade carioca que acompanha a

família imperial a Petrópolis, nas críticas ao mau gosto estético da burguesia que

freqüentava os teatros, de uma sociedade que a tudo reagia levando em conta a moda

(ou criando, como ritual de representação, modelos de figuração ou de

interdependências128). A análise política, por sua vez, apesar do viés ideológico que

possui, traz elementos para o entendimento dos costumes, idéias e comportamentos dos

indivíduos e dos partidos, e do pensamento político de França Júnior.

Embora estejamos analisando separadamente folhetins e comédias de costumes,

estes dois gêneros estão vinculados em França Júnior - muitas vezes um reafirmando

idéias, observações e críticas do outro.

128
ver Norbert ELIAS - A Sociedade de Corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da
aristocracia de corte; Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
76

Neste momento, passaremos ao terceiro capítulo desta dissertação, ³Teatro: a

  representação´, no qual pretenderemos procurar apreender, no desenvolvimento das

situações teatrais, como o pensamento do autor se manifesta em termos de crítica e

idealização do real.
77

[ º capítulo

Teatro: a   representação

´O país real é bom, revela os melhores instintos;


mas o país oficial é caricato e burlesco.´
Machado de Assis, 1861

Nas obras de História do Teatro consultadas, constatamos que a intensificação

da atividade teatral, propriamente dita, no Brasil, acontece com a chegada da Família

Real e da corte portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808. No período colonial, o quadro

geral apresenta manifestações isoladas, com espetáculos em precárias 7  ccV ,

predominantemente musicais e eventos comemorativos, envolvendo famílias de

poderosos locais (casamentos, batizados, chegada de algum oficial ou burocrata da corte

portuguesa, etc.).

A construção de um teatro oficial, determinada por D. João VI (decretada em

1810; inaugurada em 1813), e a nova vida comercial, social e política originada da

presença da corte no Rio de Janeiro, determinaram uma rápida mudança na qualidade do

teatro e da música apresentados. O crescimento das cidades, proporcionado pela

abertura dos portos, e o contato com países europeus, criou as condições materiais e

intelectuais para que o teatro pudesse desenvolver-se. Nos primeiros tempos da

formação desse teatro, companhias portuguesas apresentavam um repertório de peças

originais ou traduzidas do francês (dramalhões de cunho histórico, tragédias


78

neoclássicas, pequenas comédias e entremezes portugueses), e muitos artistas

portugueses acabaram fixando residência e carreira no país.

O público nativo, ampliado com expatriados que haviam fugido das tropas de

Napoleão, que também acabaram radicando-se no Rio de Janeiro, comparecia às

apresentações e o teatro...

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Sob o impacto das idéias românticas, na década de 1830, seguiu-se uma fase

mais rica da produção dramatúrgica brasileira. O maior ator brasileiro do século XIX,

João Caetano (João Caetano dos Santos,1808-1863) inicia sua carreira de ator e

empresário. Seu nome estará ligado à história do teatro oficial inaugurado no Rio de

Janeiro, em 1813 (Teatro São João), que hoje recebe seu nome.

A produção cultural brasileira do século XIX teve como característica marcante

a dependência de modelos europeus, principalmente franceses.

Na literatura brasileira, e, particularmente, no teatro, tal dependência se faz

sentir na produção de autores como Gonçalves de Magalhães, Martins Pena e Gonçalves

Dias, da primeira geração de dramaturgos românticos.

129
Edwaldo CAFEZEIRO e Carmem GADELHA - História do Teatro Brasileiro: um percurso de
Anchieta a Nelson Rodrigues; Rio de Janeiro : Editora UFRJ, EDUERJ, FUNARTE, 1996, p.
113.
79

Essa geração de poetas românticos, que viveu a agitação política anterior e

posterior à Independência, consolidou o terreno para a criação de um teatro nacional.

Além dos três autores mencionados, João Caetano, ator e empresário, já citado, é outro

nome importante.

Gonçalves de Magalhães (Domingos José Gonçalves de Magalhães, 1811-1882),

com a tragédia +
c I cc c 
c  cB (1838), considerada um marco

histórico do teatro brasileiro por Sábato Magaldi130, teria inaugurado o drama

romântico. O texto dramático conta a história do dramaturgo brasileiro que morreu na

fogueira da inquisição, em Portugal (1739), por ³suposta prática de judaísmo´. Para

Sábato Magaldi, ³a tragédia é, no seu contexto, um protesto contra todas as formas de

injustiça´.

Segundo outros autores, no entanto, a primazia no movimento romântico deveria

ser atribuída ao professor franco-brasileiro Luis Antônio Burgain131, que teve os dramas

+c W
 c+$  c c7cF  e G& cc B
!c c +c 8
c c7 '

encenados, respectivamente, em maio e agosto de 1837, no teatro São Pedro Alcântara,

por João Caetano.

Martins Pena (Luis Carlos Martins Pena, 1815-1847) foi o ³formulador da

comédia brasileira de costumes´DA Seu teatro traz a linguagem popular, pela primeira

130
Ver ³O Encontro da Nacionalidade´, in: Sábato MAGALDI - Panorama do Teatro Brasileiro,
3ª edição, São Paulo : Global Editora, 1997, pp. 34-41.
131
Luis Antônio Burgain: 1812-1877, ³francês de nascença e brasileiro por adoção literária´; ver
Décio de Almeida PRADO - O Drama Romântico Brasileiro, São Paulo, Editora Perspectiva
S.A., 1996, p.54. Ver, também Nelson de ARAÚJO - História do Teatro, 2ª edição, ampliada,
Salvador: Ed. Empresa Gráfica da Bahia, 1991, p.198.
132
Nelson de ARAÚJO - História do Teatro, Editora Empresa Gráfica da Bahia, 1992, p. 198.
80

vez, para o palco. Até hoje suas comédias são representadas com sucesso, pois os tipos

retratados e a sátira política e social mostram um país que não se alterou tanto assim

desde sua época.

João Caetano foi ator, empresário, incentivador da dramaturgia brasileira.

Chegou a escrever um livro (F'cE 


 , 1862) abordando métodos de formação

do ator e problemas teóricos e estéticos do teatro.

Gonçalves Dias (1823-1864), contemporâneo de Álvares de Azevedo (1831-

1852) e Castro Alves (1847-1871), é autor da peça Fcc8 , inspirada ± em

parte ± no
, e de outras três peças que marcam, no conjunto, a sedução da época

pelos dramas de inspiração histórica.

A produção teatral de França Júnior inicia-se em 1861, quando cursava o

terceiro ano da Faculdade de Direito, em São Paulo com a peça 8 c cc ,

na qual o autor representava as brincadeiras e zombarias ( ) de uma república de

estudantes, envolvendo o pagamento de uma dívida. Aproveitando a vivência

estudantil, o autor já exercitava a crítica de costumes, marca do observador atento da

realidade à sua volta, característica que aprimorou, posteriormente, em cada peça

escrita. No mesmo ano (1861), além da peça já mencionada, foi representado também o

texto !$ c8, do qual se infere, pelo título, que tratava de assunto semelhante

(a vida estudantil nas repúblicas de estudantes de Direito, na São Paulo da época). O

folhetim ³A República´, publicado no jornal +cG 


cc1
%   em 1878, que trata da

vida numa ³república´ estudantil, tem diálogos que se assemelham aos da primeira peça
81

escrita por França Júnior, e poderiam ter feito parte do texto teatral !$ c8,

peça de que só se tem notícia de haver sido encenada, pois o texto perdeu-se.133

No anexo 1, apresentamos uma relação das obras de França Júnior, cujo

levantamento foi feito a partir da lista publicada por Arthur Motta na Revista da

Academia Brasileira de Letras, e por outras fontes a que tivemos acesso.

A vida literária e cultural girava, então, na corte imperial (o Rio de Janeiro), em

torno do confronto entre Romantismo e Realismo.

França Júnior, como fez Martins Pena, prestigiou o teatro de costumes, a sátira

política e social, indo buscar na atividade política e nos hábitos e costumes da sociedade

carioca de seu tempo, a da Corte do Império, farto material para suas comédias. Dentre

elas, destacam-se: *c  c +


   (1862), 7c c   c c 
c 7 c c

8
9c(ambas de 1882) e +cE
  (1889).

França Júnior freqüentou o Colégio D. Pedro II, onde obteve o grau de bacharel

em Letras. Como boa parte dos escritores e homens públicos do Império, seguiu depois

para São Paulo, onde se formou em Direito (1862). Com *c  c


   (1862),

comédia em 3 atos, fez sua verdadeira estréia de comediógrafo, logo após formar-se na

Faculdade de Direito de São Paulo. Além desta, e das já citadas 8 c cc  e

133
João Roberto FARIA, no capítulo ³França Júnior e a Comédia de Costumes´, de seu livro O
Teatro na Estante (Cotia, SP, Ateliê Editorial, 1998), escreveu: ³Embora esse texto (República
Modelo) esteja perdido, é de supor que se trate de uma variação sobre o mesmo tema da
comédia anterior (Meia hora de cinismo)´. A leitura do folhetim A República publicado na
Gazeta de Notícias (1878) e em livro (Folhetins, 1926, pp. 163 a 172) dá razão a João Roberto
Faria: França Júnior desenvolve diálogos no folhetim que caberiam perfeitamente no provável
enredo da peça. O autor que aproveitava o material publicado em folhetins numa peça como
Caiu o Ministério!, por exemplo, teria feito o caminho inverso, e aproveitado diálogos da
comédia de 1861 no folhetim de 1878?
82

!$ c8c(1861), podemos citar o texto teatral Bc c7


(1864), cujo

enredo novamente retoma as peripécias de estudantes para lidar com os credores,

fazendo uma alusão aos empréstimos ingleses e às questões políticas envolvendo Brasil

e Inglaterra.

A crítica de costumes e o comentário político estão presentes em outras peças de

França Júnior. Assim, em +c c c c   , de 1871, há um quiproquó

envolvendo dois casais (Miguel e Adelaide Carneio; Eduardo e Emília Coutinho), no

qual o autor satiriza os exageros do amor platônico dos românticos.

Na peça cE
cc: % (1870) um rude criado alemão atrapalha-se com a

língua e com os costumes, numa família comandada por uma espécie nativa de ³M.

Jourdain´, da comédia ³O Burguês Fidalgo´, de Molière. França Júnior ironiza a

superficialidade da filha de família (Josefina), obstinada em esconder do namorado

(Artur, bacharel recém-formado, apaixonado que desfia adjetivos à sua amada que bem

poderiam servir para classificá-lo como maçante retórico, conforme folhetim acima

analisado), um joanete.

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c   c c 7$c I  é um c &
c # c c c
c que França

Júnior ofereceu ao mesmo clube em 1877. Nele, o comediógrafo/folhetinista

homenageia o propulsor do Turfe no Rio de Janeiro, que já havia sido citado no

folhetim publicado em 2 de junho de 1867. Na comédia, o comediógrafo ironiza a febre

por corridas de cavalos que havia tomado conta do Rio de Janeiro, com o personagem

Julião da Cunha, pai de família, de 50 anos, vivendo única e exclusivamente para os

cavalos, a ponto de falar à filha, que procura um namorado, sobre lindos cavalos que viu
83

no referido Clube, e de não aceitar para genro moço que nunca houvesse montado um

cavalo na vida.

No folhetim, França Júnior descreve o ambiente e o comportamento social no

prado de corridas (na verdade, uma praça pública), compara a corrida às trapalhadas do

governo (Gabinete Liberal de Zacarias Góes de Vasconcelos, 1866-1868) e vai adiante

descrevendo as corridas e o desfecho da tarde de gala. Assim descreve o Sr. Jácome,

não sem aproveitar para alfinetar os progressistas:

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c c  c  cc6 cc c  cc c
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Uma característica do teatro de França Júnior, mantida desde seu primeiro texto

encenado, vai ser marcante ao longo de toda sua produção dramatúrgica (comédias) e

literária (folhetins): os costumes e a política se mesclam como foco de seu olhar agudo

sobre a realidade.

Procuramos criar uma classificação em categorias, utilizada no capítulo anterior,

como recurso do pesquisador para separar e analisar os folhetins do autor. Assim, os

textos foram apresentados utilizando-se categorias como ³Cidade(s)´, ³Costumes´ e

³Política´. No entanto, é preciso ressaltar que os costumes e a política, em muitos

momentos, tanto nos folhetins como nas peças de França Júnior, aparecem misturados,

134
FRANÇA JÚNIOR, op. cit., 1957, p.34.
84

pois sua visão era a de um observador crítico da vida social em suas múltiplas

manifestações.

O material anotado e analisado nos folhetins, era utilizado na elaboração das

comédias. No processo de criação de suas comédias, França Júnior elaborava

simultaneamente a crítica de costumes e a crítica política, mostrando-nos como o

público e o privado, a intimidade e a vida pública estavam de tal maneira imbricados no

tecido social e cultural brasileiro, compondo uma trama de hábitos, comportamentos,

ritos e aparências criticáveis. Tal trama é recortada pelo autor e recomposta, na forma

de    fartamente distribuídas, principalmente em suas comédias de costumes,

através do uso de situações em que a paródia, a caricatura e a sátira são elementos

utilizados para uma reconstrução teatral do Brasil.

Ao lado da futilidade das moças casadoiras e da simplicidade dos tipos

populares, aparecem a astúcia e a ingenuidade políticas de velhos chefes políticos e

novos bacharéis idealistas. Sátiras políticas se cruzam com sátiras domésticas, e


c c % são resolvidos por acordos políticos e eleições arranjadas. Èuando

não, um golpe do destino resolve a questão familiar (casamento) e a mudança dos

ventos políticos deixa clara a inapetência de um político pelas coisas... da política, como

em 7 cc8
9.

Edwaldo Cafezeiro assim descreveu o teatro do autor:

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c    c c c  c
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 cc:  cI()135c

Sábato Magaldi chamou-o de o verdadeiroc ³continuador de Martins Pena, na

preocupação precípua de fixar os costumes´ Comparado a Martins Pena, entretanto,

França Júnior é mais ³realista e elaborado´, deixando-se, por vezes, ³contaminar pela

vulgaridade que propagou nos espetáculos da segunda metade do século´ (XIX). Como

consolidador do teatro de costumes, França Júnior ³não poupa ninguém, satisfazendo-se

em cobrir de ridículo até os bem intencionados´c Magaldi reconhece no comediógrafo

³grande domínio da carpintaria teatral´ e o uso seguro de ³diálogos simultâneos e

elipses´, o que demonstra ambição em ³exprimir complexas arquiteturas cênicas´, mas

censura-lhe ³a graça pesada, o mau gosto claro, a presença dos menos exigentes padrões

cômicos´, constatando que, ao contrário de Martins Pena, França Júnior ³dificilmente se

apóia no meio termo", no uso dos recursos da farsa

Após passar em revista a obra do comediógrafo, com sinopses e comentários

críticos sobre as numerosas comédias de um ato do autor (metade de sua produção),

Magaldi detém-se sobre E


c c F c *
 (1871), 7c c :  c c

E
, 7 cc8
9c(ambas de 1882) e +cE
  (1889).

O exercício com os textos curtos, no entender do crítico, deve ³ter apurado a

linguagem cênica´, permitindo que França Júnior ³pisasse terreno firme nos textos mais

135
Edwaldo CAFEZEIRO e Carmem GADELHA ± ³Romantismo: a comédia da libertação´, in:
op. cit., p. 275 e 281.
86

longos´. As relações de casais, as transformações na vida conjugal, que a ida para a

Corte de uma família interiorana trazem nessas relações, são os assuntos da comédia

E
c c c

. Intriga sentimental envolvendo criados, disfarces, estratégias

para fazer ou refazer a ordem doméstica, alterada pela mudança de comportamento da

esposa (namorada e noiva submissa, depois esposa irascível e dominadora),

reconhecimentos e perdões, velhos recursos farsescos são utilizados para ironizar as

relações familiares e provocar o riso.

As ³melhores qualidades de França Júnior, que revela particular espírito na

sátira dos costumes políticos´, para Sábato Magaldi, estão na comédia 7cc :  c

c E
, de 1882, que teve o verbo do título alterado pelo autor (de : para

:  ), face à coincidência da promulgação de legislação eleitoral (Lei Saraiva136),

criada para inibir os abusos de candidatos e seus correligionários satirizados na peça.

Em 7 c c 8
9, por sua vez, a crítica aos ³costumes do filhotismo nacional´

satiriza a composição de um ministério que tem no seu interior um jovem bacharel de

22 anos, idealista, com ³a cabeça cheia de Spencer e Schopenhauer e sobretudo de

retórica´, além de retomar o tema da submissão ao estrangeiro (principalmente ao

inglês; mas não deve ser esquecida a influência francesa na cultura e nos costumes da

época) que se aproveita da ingenuidade nativa, para conquistar privilégios para seus

negócios.

De uma ³perspectiva retrógrada´ (para Sábato Magaldi), trata França Júnior, na

forma de sátira em +c E


  (1889) dos novos papéis que a mulher começava a

assumir na sociedade de fins do século XIX, também no Brasil. Duas amigas (uma

136
De autoria do Senador pela Bahia, José Antonio Saraiva (ver TAUNAY, op. Cit., p.. 161).
87

médica e uma advogada) formam-se, casam-se, e passam a ter com os maridos, também

médico e advogado, uma relação quase contratual, chegando uma delas (a médica

Carlota, que se formou incentivada pelo pai, Manuel Praxedes, progressista e defensor

da emancipação feminina) a preferir o debate científico com o marido (também médico)

a externar sentimentos. O comediógrafo satiriza, ainda, a pedanteria bacharelesca,

ironiza a crise conjugal dos casais  e reafirma a maternidade como função

primordial da mulher no casamento. O reacionarismo do autor, entretanto, é atribuído

pelo crítico ao gênero dramático no qual produziu sua peça:

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I!c c  c c c cAs Doutoras.c 1c   c $c  c
 cc  c+c   c$
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 c c  c() 137c

A feitura destas quatro obras atesta o domínio da técnica e a consolidação dos

temas pelo comediógrafo, e a conclusão da análise do crítico é afirmativa da qualidade

do autor estudado:

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c c c
  
cc  cComo se fazia um Deputado, Caiu o Ministério! c

137
Sábato MAGALDI - ´Fixação de Costumes´, in: Panorama do teatro brasileiro, 3ª ed. ± São
Paulo : Global Editora, 1997, pp. 140 a 151. Obs.: as citações em itálico no corpo desta
dissertação reportam-se ao capítulo ³Fixação de Costumes´.
88

As Doutorasc
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c c  c  c:  cI!c
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ccc & cc6 ()D4c

Outros estudiosos, historiadores e pesquisadores de teatro analisaram a obra de

França Júnior, e o exagero de Sábato Magaldi pode ser constatado pelo estudo de alguns

autores. Décio de Almeida Prado, ao escrever sobre a evolução da comédia brasileira,

situa duas das principais obras de França Júnior numa perspectiva crítica em relação à

literatura e do teatro do século XIX, e aponta, em sua análise, os temas presentes na

obra do comediógrafo e que nos interessaram sobremaneira para nosso estudo. Fica

clara a postura do historiador e crítico nos trechos abaixo citados:

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  c
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  c c  c(refere-se a 7c c :  c c E
), c 
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c 
3c c  c c
 c 
  c c  c (refere-se ao casamento por conveniência,
tratado pelos parentes do casal de jovens da peça, Henrique e Rosinha)c1cc


c c educação sentimentalc c c 

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 c8 c c c cc  c c  c
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& c 
 
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 c  c  c >c  c
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É uma tradição quase unânime, como vimos em Sábato Magaldi e em outros

autores consultados, citar Martins Pena, França Jr. e Artur Azevedo, respectivamente,

como criador, consolidador e detentor do posto    de responsável pelo

138
Ibidem, pp. 149 e 151.
139
Décio de Almeida PRADO - ³A Evolução da Comédia´, in: História Concisa do Teatro
Brasileiro: 1570-1908, São Paulo : Editora da Universidade de São Paulo, 1999, pp. 127, 131 e
133.
89

estabelecimento da Comédia de Costumes como gênero dramatúrgico que se

desenvolveu entre nós, com tempero tipicamente brasileiro. Artur Azevedo é para Décio

de Almeida Prado, o detentor do  c $


 no posto   c de comediógrafo

brasileiro.140 Joaquim Manuel de Macedo, autor de comédias políticas ou sátiras de

costumes nacionais (entre elas ³A Torre em Concurso´ de 1857, publicada em 1863),

cujo enredo também aborda a questão política que França Júnior critica em 7c c

:  c c E
, também freqüenta a lista dos escritores de comédias de costumes

do século XIX. Machado de Assis também tentou a sátira política em 2 c 8


(encenada em 1863). José de Alencar faz comédia de costumes em ³O Rio de Janeiro ±

Verso e Reverso´ (encenada em 1857, publicada, em segunda edição revista pelo autor,

em 1864). João Roberto Faria141, Lothar Hessel e Georges Raeders142, em certo sentido

também Nelson de Araújo143, Hermilo Borba Filho144 e Flávio Aguiar145 reforçam essa

tradição.

O estudo de Iná Camargo Costa146c por sua vez, aponta o caráter do

comprometimento ideológico da obra de França Júnior e se contrapõe à idéia de que o

autor tenha sido o consolidador da comédia de costumes no Brasil. Para Iná Camargo

Costa, o mais correto seria dizer que França Júnior, ao contrário de Martins Pena,

dedicou-se à 
c   , e não à comédia de costumes. Para comprovar seu

140
Décio de Almeida PRADO, Décio de ± Op. cit., p. 126.
141
João Roberto FARIA - ³França Júnior e a Comédia de Costumes´, in: O Teatro na Estante,
São Paulo, São Paulo : Ateliê Editorial, 1998, pp.55 a 65
142
Lothar HESSEL e Georges RAEDERS - O teatro no Brasil sob D. Pedro II, 2ª parte, Porto
Alegre : Ed. da Universidade, UFRGS, 1986, pp. 83 a 90.
143
Nelson de ARAÚJO - História do Teatro, Salvador : Empresa Gráfica da Bahia, 1991, p. 201.
144
± Hermilo BORBA FILHO - História do Teatro, Rio de Janeiro : Livraria Editora da Casa do
Estudante do Brasil, s/d (prefácio do autor, de novembro de 1950), pp. 417-418.
145
Flávio AGUIAR (org.) - Antologia do teatro brasileiro / A aventura realista e o teatro
musicado, São Paulo : Editora SENAC São Paulo, 1998, pp. 7 a 9.
146
Iná Camargo COSTA ³A classe da comédia de França Júnior´, in: Sinta o drama, Petrópolis,
RJ : Ed. Vozes, 1998, pp. 157 a 175.
90

argumento, a pesquisadora aponta deficiências formais, o tratamento dado ao assunto

predominante na obra do comediógrafo, ³heróis provenientes da classe dominante e

suas tribulações´, seu conservadorismo que ³vai muito além da mera desqualificação de

tudo o que aponte para a modernização e democratização do país´, e indica que uma das

peças de um ato de França Júniorc(+c


cc$, de 1885) teria sido condenada

pelo próprio autor ³à mera condição de peça ideológica, de categoria duvidosa´, pelos

próprios recursos dramatúrgicos empregados para evitar o confronto entre os

antagonistas que representavam, por um lado, os abolicionistas e a postura

antiabolicionista.

A autora comenta, ainda, E


c c F c *
, (1870). Não é nosso

objetivo neste estudo defender o caráter político ou ideológico do autor que escolhemos

para analisar. Apenas poderíamos mencionar, a título de colaboração para uma reflexão

a respeito do teatro e da obra jornalística de França Júnior, que muitos autores reputados

como conservadores, na verdade, pelo uso de um instrumento particularmente difícil de

ser classificado politicamente, como a sátira e o comentário irônico, na verdade faziam

um retrato cruel da hipocrisia e da superficialidade da sociedade de seu tempo. A

história política brasileira, mesmo sem relevarmos o caráter de enfrentamento de classes

de muitos episódios, particularmente os do período do Segundo Reinado, é rica em

exemplos de contradições nos atos e comportamentos dos supostos representantes de

posições progressistas. E uma das ironias da História estaria no fato de que, por

exemplo, boa parte da legislação mais 


(o termo tem que ser relativizado em

relação ao quadro político do Segundo Reinado...) com relação à abolição da

escravatura, e a própria Lei Áurea, foi proposta, votada e aprovada em momentos de

hegemonia conservadora no cenário político da época.


91

Antes de analisarmos as peças escolhidas, lembremos que, ao fixarmos algumas

linhas de pesquisa para nosso estudo, procuramos definir França Júnior como um crítico

mordaz da política e dos costumes brasileiros da época em que viveu. Ao negar ou

rejeitar comportamentos, hábitos e atitudes de seus contemporâneos, o autor expressa

seu pensamento sobre a sociedade brasileira e o desejo de um país diferente daquele por

ele criticado. Influenciado, em boa parte, pelo repertório de peças realistas francesas e

brasileiras apresentadas no Teatro Ginásio147 no período iniciado em 1855 e encerrado

em 1865, França Júnior teve em *c  c


   (1862) sua primeira peça

representada naquele Teatro, na Corte. Iniciou, com esta peça, sua produção

dramatúrgica influenciado por aquele repertório, mas, em suas obras posteriores, a

comicidade predominaria em detrimento dos temas ³sérios´ típicos da comédia realista.

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147
Ver João Roberto FARIA, O Teatro Realista no Brasil:1855-1865, São Paulo : Perspectiva :
Editora da Universidade de São Paulo, 1993.
148
Ibidem , pp. 268 e 269.
92

A análise interna das peças, fundamentada na compreensão do enredo, seleção

de assuntos e temas, apreensão do significado das cenas e reconstrução das ações e falas

das personagens, revela um autor que nos mostra como o público e o privado, a

intimidade e a vida pública na Corte Imperial, estavam imbricados no tecido social e

cultural brasileiro, compondo uma trama de hábitos, comportamentos, ritos e aparências

criticáveis. Esta trama é recortada e costurada pelo autor, na forma de   

fartamente distribuídas às platéias das comédias de costumes, através da paródia,

caricatura e sátira utilizadas para uma reconstrução teatral do Brasil.

O uso da palavra   , feito extensivamente ao longo desta dissertação,

precisa ser esclarecido. Além de remeter-nos ao processo de seleção dos assuntos e

criação das comédias de França Júnior, a imagem das    possui uma referência

situada na história.

A caricatura reproduzida no final da apresentação desta dissertação, remete-nos

à figura do Padre Lopes Gama (Miguel do Sacramento Lopes Gama, 1793-1852),

jornalista e político que publicou artigos de crítica social e política no jornal c

7   c que fundou em Pernambuco. c 7    circulou com interrupções

durante catorze anos (1832-1846). Lopes Gama assumiu a cadeira de deputado geral em

1840 e, nessa época, divulgou c 7    na Corte, pelas páginas de c

E
. Também no Rio de Janeiro publicou ³Lições de Eloqüência Nacional´c

(1846). Até pouco antes de morrer, colaborava no jornal 8 


c : (1852).

A edição completa de c 7   , em ³fac-símile´, foi feita por iniciativa de

Leonardo Dantas Silva, em Pernambuco.


93

O historiador Evaldo Cabral de Mello selecionou e editou 48 crônicas de c

7   c ³escolhidas exclusivamente entre os artigos de crítica social´, e, na

introdução da antologia, qualifica o Padre Lopes Gama como ³costumbrista´. Ao falar

sobre o gênero literário no qual o padre jornalista apresentava sua crítica social, Evaldo

Cabral de Mello apresenta uma definição do ³humor costumbrista´ e do ³costumbrista´

que, a nosso ver, não é descabida para o ³carapuceiro fluminense´ França Júnior:

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*c c
   (1862) foi a primeira peça de França Júnior representada na

Corte. Segundo a apresentação da edição estudada, a comédia em três atos era

representada ³sempre com extraordinário sucesso nos teatros do Rio de Janeiro e nos

Estados do Brasil com o título: c6 c c7


 .150 Nela o autor critica o casamento

por dinheiro, num texto híbrido que mistura a comédia de costumes a intenções

moralizantes, em que a personagem Barão da Cutia é a representação do caipira

paulista, simplório, rico, que desconhece o ritual e as armadilhas da Corte.

149
Padre Lopes GAMA, O Carapuceiro: Crônicas de costumes; organização Evaldo Cabral de
Mello. ± São Paulo : Companhia das Letras, Retratos do Brasil, 1996, pp. 9-10.
150
FRANÇA JÚNIOR - Teatro de França  únior II, Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Teatro,
Fundação de Arte, 1980, p. 17.
94

Na construção das personagens e no desenvolvimento da ação teatral, as

características sociais e culturais são evidenciadas para marcar a incompatibilidade do

homem do campo com o falso refinamento e a afetação da sociedade da Corte Imperial

em acelerado processo de urbanização. Tais elementos (características sociais e

culturais do homem do campo, falso refinamento e afetação da Corte) constituem o

material trabalhado na crítica feita por França Júnior à sociedade apegada às aparências,

que valorizava o dinheiro em detrimento da moral, tratando com desdém a simplicidade

e a franqueza do homem da província.

Ainda não temos, do ponto de vista formal, o domínio da ³carpintaria´ teatral,

nem o pleno desenvolvimento da vocação cômica que caracterizaram algumas

produções posteriores de França Júnior. Mas fica patente, na escolha do tema e pelo

desenvolvimento do entrecho da comédia, a intenção de mostrar à sociedade e aos

indivíduos, através da caricatura, o rumo tomado nas escolhas morais, nos

comportamentos e na fixação de hábitos e ritos sociais, pela visão do autor,

condenáveis. Poderíamos dizer que as caracterizações dos personagens, através de suas

ações, constituem os recortes do tecido social com que França Júnior costura já algumas

de suas diversas   .

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Logo na cena III do primeiro ato da comédia, o Barão é apresentado, por

intermédio de uma carta enviada da capital paulista, como ³um dos mais ricos

fazendeiros de São Paulo´. Isso provoca o interesse de Dona Ana de Lemos - viúva de

um comerciante português, personagem-tipo que representa o interesse prático,

financeiro, que regia as relações familiares, a preparação das filhas de família para

casamentos de conveniência. É a mãe de Mariquinhas, jovem de 17 anos apaixonada

por Carlos de Brito, recém-formado em Medicina cujo único patrimônio é o diploma de

³doutor´.

Dona Ana quer dar a filha como esposa a um ³negociante honrado´, ou a ³algum

homem sisudo´, a quem o dinheiro conquistasse prestígio, posição social, ³consideração

e importância´, como ocorrera a seu falecido marido. Na perseguição desse objetivo, é

secundada por Gasparino de Mendonça, alcoviteiro cortesão, Oficial de Secretaria,

freqüentador ³de todas essas sociedades onde se reúne o  c´, ele mesmo um

caça dotes que casa com ³uma velha muito rica´ (Ato II, cena I), para ostentar (a

aparência de) uma posição social mantida artificialmente por uma longa ³experiência

(...) adquirida nos salões da Corte´ (Ato I, cena IV). Torna-se viúvo de Porfíria (uma

³velha rica´), ³mandando-a para outro mundo da maneira a mais fácil possível´, após

submetê-la a uma verdadeira maratona de festas, bailes, jantares, sessões líricas e peças

de teatro, ³um meio pronto e eficaz´ que recomenda ³a todos aqueles que casarem com

velhas ricas´ (Ato III, cena III).

151
Edvaldo CAFEZEIRO e Carmem GADELHA , ³Romantismo: a comédia de libertação´, in:
História do Teatro Brasileiro: um percurso de Anchieta a Nelson Rodrigues, Rio de Janeiro:
Editora UFRJ / UERJ / FUNARTE, 1996, p. 278.
96

A contraposição desse primeiro par de personagens (Dona Ana de Lemos e

Gasparino de Mendonça), construído para caracterizar os costumes a serem criticados

na comédia (casamento por interesse e superficialidade cortesã), com o par  

romântico formado por Mariquinhas e Carlos de Brito é flagrante. Mariquinhas é a

jovem enamorada por Carlos, criada pela família para um casamento de conveniência,

educada no ambiente dos salões da corte, ocupando seus dias com bordados, músicas

que toca no piano e desenhos, além de suspiros apaixonados na ausência do amado, a

quem tenta convencer a pedir sua mão em casamento, antes que a mãe a destine ao

Barão da Cutia; afinal, como lembra ao objeto de seu amor a também prática

Mariquinhas, apesar de pobre e idealista, o médico foi criado e educado por um tio rico

(Ato II, cena I). Carlos, jovem médico idealista, tem sentimentos nobres e convicções

morais que o levam a concluir que ³o mundo só olha para os fins e não atende aos

meios´ (Ato I, cena VIII). É crítico ao culto das aparências e aos casamentos por

interesse, a que chama de ³casamentos da época´ (Ato II, cena I). Desdenha da

superficialidade de Gasparino, um ³homem da época´ (Ato III, cena VIII), contesta os

valores de Dona Ana de Lemos, que especula com a mão da filha e procura um

casamento rentável para Mariquinhas. Carlos diverte-se com as gafes e a ingenuidade

do Barão, a quem acaba dando razão quando este ataca Dona Ana de Lemos, ³mulher

falsa e fingida que põe preço à mão de sua filha e que não duvida comprometer a sua

palavra só por causa do dinheiro´ (Ato III, cena XI).

A intriga é simples: Mariquinhas ama Carlos, apesar de este ainda não ter

alcançado uma ³posição social´. Carlos, apesar de idealista e de possuir apenas um

diploma de ³doutor´ como patrimônio, tem um tio rico. Dona Ana de Lemos, vigilante
97

dos interesses econômicos da família, tolera as visitas de Carlos, mas lembra a filha que

um casamento rico é a sua função na casa. Gasparino de Mendonça, símbolo da

futilidade e superficialidade de certo tipo comum na Corte, um ³homem da época´, faz a

linha de apoio às pretensões de Dona Ana e procura dar cabo de suas dívidas, mantendo

sua aparente ³posição social´ também com um casamento vantajoso.

O Barão da Cutia é alvo das intenções de Dona Ana de Lemos, do aproveitador

Gasparino e vítima da própria ingenuidade. Apaixonado por Mariquinhas pede a mão da

moça à mãe, que vislumbra no casamento a realização de seu ³sonho dourado´ (Ato II,

cena VII). Sofre a humilhação de ser preterido na disputa pela noiva, quando um golpe

de teatro faz uma herança tornar Carlos duas vezes mais rico que ele: a morte do tio

deixa ao médico uma fortuna de mil contos de réis.

Carlos passa a ser tratado com cortesia pela futura sogra e admiração por

Gasparino, que recebe de Dona Ana a missão de enxotar da casa o Barão da Cutia,

agora considerado pela viúva ³um toleirão, um malcriado que vem todos os dias

aborrecer a menina e maçar-me a paciência contando-me histórias da sua burra branca,

falando-me das vantagens da garapa de Santo Amaro, da farinha de milho, de sua

fazenda e de tudo que lhe vem à boca´ (Ato III, cena IV).

A frieza com que passa a ser tratado na casa da família, as desculpas e oscilações

de comportamento da pretensa noiva e os achaques de que é objeto por parte de

Gasparino atormentam o provinciano Barão, que cai em si e lamenta ter deixado a

pacata Cutia para ir ao Rio de Janeiro, à Corte, uma ³terra endiabrada cheia de carros,
98

de lama e de calor, para deixar-me apaixonar nesta idade por uma menina que é um

demônio de saia balão!´ (Ato III, cena IX).

O desfecho moralizante traz a crítica acerba de França Júnior ao comportamento

das personagens Dona Ana de Lemos e Gasparino de Mendonça pelas palavras do

desenganado e desprezado Barão, que classifica a viúva como uma ³mulher falsa e

fingida que põe preço à mão de sua filha e que não duvida comprometer a sua palavra

só por causa do dinheiro (...) capaz de saltar por cima das considerações da honra e da

dignidade.´ Na sua indignação, repele ameaças porque se sua ³linguagem é de um

homem estúpido´, sem possuir isso que Dona Ana ³chama educação´ e que ele chama

³antes a máscara que oculta uma alma corrompida´, alega possuir ao menos ³a

franqueza e a lealdade que caracteriza um homem de província´ (Ato III, cena XI).

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Lembrado pela viúva que ³está no seio de uma família´, o Barão responde que

está ³é no seio da corrupção e da miséria!´. Convidado por Gasparino a retirar-se da

casa, ³para não dar escândalos´, repele o convite com um ataque fulminante a quem

³especulou também com este negócio, servindo de correio de meus amores, para exigir

depois o pagamento de algumas dívidas que sua mulher não quis pagar!´, chamando

ainda o elegante caça dotes de ³vil, ordinário e infame!´ (Ato III, cena XI).

152
Sérgio Buarque de HOLANDA, ³Herança Rural´, in: Raízes do Brasil, 8ª edição, Rio de
Janeiro: Livraria José Olympio Editora, Coleção Documentos Brasileiros, volume 1, 1975, p. 46.
99

O Barão vai embora para sua Cutia, onde deseja entrar ³tão puro e tão limpo´

como de lá saiu (Ato III, cena XI), mas antes sente-se vingado ao saber que Dona Ana

vai casar com Gasparino. Este enxerga no novo casamento outra oportunidade de ouro,

afinal ³Dona Ana de Lemos tem alguma coisa... julga-me sem dúvida senhor de uma

boa fortuna com a morte da velha... a menina casa-se com mil contos... fica este bolo em

casa...´ (Ato III, cena III).

Carlos e Mariquinhas vão se casar e é o noivo quem lembra à futura sogra as

condições em que cedeu, afinal, à cooptação do meio social e foi aceito na família, pois

não foi ³o interesse, nem uma especulação de lucros´ que o ligou a Mariquinhas, um

³protótipo de virtudes´, e sim ³um sentimento que Vossa Excelência desconhece e que

na época atual desafia o epigrama. Como simples doutor em medicina sei que a mão de

sua filha me seria negada; Vossa Excelência queria um título ainda mais nobre; esse

título a fortuna mo deparou. Não é o Doutor Carlos de Brito que hoje vem fazer parte

de sua família; é um milionário, um capitalista que vem realizar as ambições de Vossa

Excelência´ (Ato III, cena XII).

Dona Ana pede que o futuro genro não ³faça injustiça´ aos seus sentimentos,

pois ³pode avaliar-se os efeitos de uma paixão quando a sentimos também no peito´, e

apresenta-lhe o ³Senhor Gasparino de Mendonça, que de hoje em diante fará parte da

nossa família com o doce nome de meu esposo.´ Ao apelo de Mariquinhas para que

evitem o casamento da mãe com ³semelhante homem´, Carlos responde, encerrando a

comédia com a seguinte sentença: ³--- É ainda uma ambição fatal que a cega: cumpra-se

o seu destino na terra.´ (Ato III, Cena XII).


100

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Comportamentos, hábitos e atitudes de seus contemporâneos são rejeitados e

satirizados por França Júnior nesta comédia de certo sabor realista154, revelando o

crítico social no bacharel recém saído da Academia. Convém lembrar que França

Júnior, estudante de humanidades e bacharel em Letras no Colégio Pedro II, concluiu a

Faculdade de Direito de São Paulo em 1862, ano em que escreveu *c c


  c

c c 6 c  c 7
 . Iniciando a vida literária nos bancos da Academia, foi

influenciado pelo modelo realista francês adaptado ao Brasil (leia-se, a Corte Imperial

do Rio de Janeiro) da segunda metade do século XIX, que experimentava franco

desenvolvimento econômico e urbano graças ao redirecionamento de capitais que eram

empregados no comércio de escravos, a partir da interrupção do tráfico em 1850.

Já aparecem no texto do jovem autor traços do que se poderia qualificar como a

sua contribuição para um pensamento sobre a sociedade brasileira, que foram

aprofundados nos folhetins e nas últimas comédias: o olhar irônico do autor sobre os

costumes da época, sua verve crítica, estavam direcionados para uma sociedade

burguesa, moderna, civilizada, em que as relações familiares não fossem submetidas ao

puro interesse financeiro, nem tão pouco ao ideal de vida simples (melhor seria dizer

³simplória´) da província.

153
Texto sobre França Júnior no ³site´ da Academia Brasileira de Letras, da qual França Júnior
é patrono da cadeira nº 12. ver: www.academia.org.br/imortais.htm
154
Ver a análise de João Roberto FARIA sobre a peça em O Teatro Realista no Brasil: 1855-
1865, São Paulo : Perspectiva : Editora da Universidade de São Paulo, 1993. ± Estudos; 136,
pp. 249
101

A seguir, apresentaremos textos que abordam questões de costumes, de política

partidária e de conotações políticas gerais.

O amplo quadro social abarcado nas comédias de costumes de França Júnior,

com a utilização do material anotado sobre tipos e costumes originado dos folhetins que

o autor publicava em diversos jornais, deram ao crítico social diversas opções de

assuntos, situações e comportamentos a serem abordados nos enredos das peças.

Com a linguagem cênica apurada nas comédias de um ato, e o exercício

constante da seleção e crítica de costumes desenvolvido tanto naquelas obras quanto na

escrita dos folhetins, nota-se que, nos textos de maior fôlego, como as comédias E
c

c c

 (1870), 7cc  cc
 (1882), 7 cc
9 (1882)

e +cE
 c(1889), a temática política predomina, principalmente nas peças de 1882.

Mesmo ao abordar as relações de casais e ao elaborar uma sátira ao feminismo,

respectivamente, nas comédias de costumes E


c c  c

 e +c 
 ,

França Júnior não deixa de introduzir as relações de poder no desenvolvimento da

trama. No nível da intimidade doméstica e das idéias sobre o papel da mulher na

sociedade, não deixa o crítico social de pincelar, mesmo que em registro paródico,

questões políticas, como a Guerra do Paraguai ou os direitos políticos da mulher:

6 cOc  cccc$ 


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 @c(Direito por linhas tortas, Ato III, cena I)
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cHc c c(As Doutoras, Ato II, Cena XVI).

Na comédia em um ato c *c 6  (1872), temos um tema que o autor

retoma, parcialmente, em 7 cc8


9 (1882) e no folhetim ³Parece estrangeiro!´

(da série ³Ecos Fluminenses´, publicada no jornal c   , em 1885) o costume

brasileiro de valorizar o que é estrangeiro, inclusive no que diz respeito à aparência

física e ao modo de vestir. Em breves movimentos e em falas expressivas, com a ação

em ato único, temos a caracterização do assunto da comédia e o retrato das

personagens-tipo, a exemplo do que acontecerá em "


c  cc7$cI  (1877):

* c c   c 


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  c  c c Qc 6c   c c
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 c "c  c c c 
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c c $ c $ c c

c c $ c $ c ,c c  c  c c  c c
   ccc cc

cc c
 LLc

Henrique é apaixonado por Henriqueta, filha de Teodoro Paixão, criticado por

Henrique por sua mania pelo ³estrangeirismo´ (Ato Único, Cena I). Henriqueta também

ama Henrique, mas o casal tem sobre suas cabeças a ameaça de um rival poderoso para

Henrique: Mr. John Read, empreendedor inglês a quem a mão da moça está prometida

155
João Roberto FARIA - ³França Júnior e a Comédia de Costumes´, in: O Teatro na Estante:
estudos sobre dramaturgia brasileira e estrangeira, São Paulo : Ateliê Editorial, 1998, p. 60.
103

em casamento por Teodoro Paixão, que irá finalmente unir o nome brasileiro da família

a um nome estrangeiro:

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*c,,,c()c"
 cc ccc 
 ,
c c  ccc cc
cccc9c8cQ
c c  9c2c9c*cc $c
c cc  
,c c  c
  c cccc
c
,c(Cena IV.)

O empreendimento que fascina Teodoro Paixão é uma ³idéia de alta

conveniência pública, de que os tais senhores brasileiros ainda não se lembraram" e que

só poderia ³germinar num cérebro maravilhosamente organizado: Mr. John Read

pretende obter do governo um privilégio para encanar cajuadas em toda a cidade.´

(Cena II).

No embate entre Teodoro Paixão e sua obsessiva preferência por tudo que é

estrangeiro, com a defesa da cultura e da sociedade brasileiras feita pela personagem

Henrique, o nacionalista França Júnior apresenta, pela crítica ao ³estrangeirismo´, um

verdadeiro projeto político, cultural e moral para o Brasil:

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104

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 c  c c % (Cena II ± grifos nossos)
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No trecho citado, há claras referências à Guerra do Paraguai (1865-1870) e ao

papel do Duque de Caxias, do Partido Conservador, nomeado comandante das tropas

brasileiras no Paraguai por um Gabinete Ministerial liberal (presidido por Zacarias Góes

de Vasconcelos). Caxias, após várias vitórias militares, passou a ser atacado pela

imprensa e pela situação liberal. Vale lembrar que França Júnior era simpático às teses

do Partido Conservador. A Rua do Ouvidor era uma ³praça de guerra´ de partidários

das tendências políticas do Império.

França Júnior já havia ironizado, num folhetim publicado em fevereiro de 1868,

o luxo de uma sociedade carnavalesca, o ³Club X´, que havia utilizado dois camelos e

vestuários luxuosos num festejo carnavalesco. Na comédia, o autor aproveita o material

de suas observações que havia registrado no folhetim. Tal como naquele texto, percebe-

se a ironia do autor, até sobre o bem intencionado Henrique:

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/cc cc6 cccc c c(Cena II).
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105

No momento em que Henrique desfila suas queixas nacionalistas, Teodoro

Paixão ironiza o entusiasmo do jovem brasileiro, chamando de ³Discursos!´ a sua

pregação nacionalista, dizendo que ele é ³... um brasileiro às direitas; tem discursado

maravilhosamente. Estamos fartos de discursos, queremos a realidade.´ (Cena II).

Desfere um golpe certeiro no apaixonado por Henriqueta, ao comunicar-lhe que a moça

irá casar com Mr. John Read.

Determinado a não abrir mão de sua paixão e a dar uma lição ao pai de

Henriqueta, Henrique disfarça-se de françês chegado ³diretamente de Lisbonne pour

arranje um negocio com o governo´, que tem ³idéia de montar aqui um grande fabrique

de pomade.´, alimentando ac³esperance de fazer beaucoup d¶argent neste país´.cO falso

francês compromete-se, sozinho, a dar ³pomade a tout le monde. (...) Se eu consegue

arranjar ser pomadiste universal avec garantie du gouvernement, acaba de uma vez com

pomade falsificade que se consume em tudo o Brésil.´(Cena VII).

O despropósito e o exagero dos empreendimentos ³estrangeiros´ - o

encanamento de cajuada pelo inglês e o monopólio da pomada, pelo francês, só tem

paralelo, na sátira de França Júnior, no fato de que há um brasileiro, Teodoro Paixão,

que porá a sua ³humilde proteção´ ao ³serviço de todos os estrangeiros inteligentes e

laboriosos que aportam a este país.´ (Cena VII). O servilismo aos estrangeiros é

impiedosamente retratado em Teodoro Paixão.

Após uma sucessão de cenas em que Henrique, Teodoro Paixão e Mr. Read

alternam-se em situações ridículas, e Henriqueta torna-se objeto de disputa entre os dois

³estrangeiros´, o inglês é desmascarado pelo falso francês e revela-se um aproveitador,


106

que está atrás do dote de Henriqueta e do privilégio governamental para apurar dinheiro

e pagar dívidas contraídas em Paris. Teodoro Paixão presencia o momento em que o

inglês é desmascarado e passa a repudiar os estrangeiros.

Na cena final, Henrique, ainda como o falso francês, pede a mão de Henriqueta.

Teodoro nega, dizendo que ³nesta casa não há de entrar mais tratante algum´ e que

consente no casamento da filha ³com o Senhor Henrique´. Este revela-se e obtém a mão

de Henriqueta e assim termina a comédia:

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QcOc8 c8c*c c(Cena XIII)

Na peça *c  c
   (1862), França Júnior compõe seu material de

trabalho, traçando o perfil de uma sociedade apegada às aparências, que valoriza o

dinheiro em detrimento da moral, que trata com desdém a simplicidade e a franqueza do

homem da província. Suas    são distribuídas aos esnobes e à instituição do

casamento e os interesses que em torno dela gravitavam na sociedade do Segundo

Reinado. Em c *c 6  (1872), temos a credulidade do cortesão que valoriza

tudo que é estrangeiro, comicamente representada no caráter rígido da personagem

Teodoro Paixão. A   aqui tem endereço certo: a mania de só atribuir valor à

cultura, às idéias, aos produtos estrangeiros, já então amplamente disseminada na


107

sociedade brasileira, revelando o ³desamor pelo  brasileiro, o desrespeito pela

dignidade própria´ 156.

A política brasileira do Império está referenciada na obra dramatúrgica de

França Júnior desde a primeira obra teatral escrita e encenada. Em seus textos, surgem

referências a temas como a Èuestão Anglo-Brasileira, a decadência do Império, a

Abolição da Escravatura, a Guerra do Paraguai, a República, a Conciliação (gabinetes

parlamentares entre 1853-1857), os empréstimos ingleses que inauguraram a

dependência externa brasileira das finanças internacionais etc157. João Roberto Faria

considerou que trazer o assunto político à comédia de costumes foi a contribuição de

França Júnior para o teatro brasileiro que, neste sentido, teria ido um pouco além de

Martins Pena.158

No entanto, não apenas questões especificamente políticas foram alvo da crítica

e da sátira de França Júnior. Os costumes sociais, a intimidade, a vida privada aparecem

ao lado da temática especificamente política, como as articulações para a composição de

um ministério ou a maneira como se processa a eleição de um deputado. Esses costumes

sociais e práticas políticas são alvo da denúncia, da paródia, das caricaturas e da sátira

do autor.

A política é o fio condutor do enredo e permeia as relações que as personagens

estabelecem entre si, nas peçasc7cc  cc


 e 7 cc8
9c(ambas

156
Folhetim ³Parece estrangeiro!´, in: FRANÇA JÚNIOR - op. cit. p. 652.
157
Edwaldo CAFEZEIRO e Carmem GADELHA , op. cit. pp. 275 a 285.
158
Resposta à pergunta que fizemos ao palestrante, dia 16 de outubro de 2001, durante o
debate sobre o tema de sua palestra ³Teatros Nacionais e Sociedade Burguesa´, no ciclo O
TEATRO E A CIDADE ± São Paulo, 08 a 31 de outubro de 2001, Centro Cultural São Paulo,
Secretaria do Municipal da Cultura.
108

de 1882). A primeira peça, como já o dissemos, teve o verbo do título alterado pelo

autor (de  para   ), face à coincidência da promulgação de legislação eleitoral

criada para inibir os abusos de candidatos e seus correligionários satirizados na peça. O

c 

c  da sátirac pode ser percebido, involuntariamente, já desde este

episódio. Os costumes políticos não mudaram por força de lei. Nem na época em que a

comédia foi escrita, nem posteriormente.

Duas lideranças locais, oficiais da Guarda Nacional159, uma do Partido

Conservador (Tenente-Coronel Chico Bento), outra do Partido Liberal (Major

Limoeiro) disputam o poder na Freguesia de Santo Antônio do Barro Vermelho. A

província vai eleger um Deputado e os dois líderes ensaiam uma discussão sobre

princípios, mas acabam arquitetando planos para a manutenção do poder, através da

eleição de Henrique, sobrinho e herdeiro do Major Limoeiro, bacharel em Direito

recém-formado. Para selar a aliança, um casamento de conveniência. A noiva será

Rosinha, moça simples, da ³roça´, filha do Tenente-Coronel Chico Bento.

A estratégia política, que compreende o casamento por interesse, é expressa em

rápidos diálogos entre os dois ³oficiais´:

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159
³Era a milícia cidadã criada em 1831, inspirada na Revolução Francesa, para manter a
ordem e policiar o município. A lei de 18.8.1831 extinguiu as milícias e criou a Guarda Nacional.
O alistamento era só entre os cidadãos que possuíam condições econômicas estáveis. Graças
à Guarda Nacional, surgiam grupos locais que obrigaram o governo a fazer acordos para
manter a centralização do Estado. Os comandantes locais passaram a ser os coronéis, que
também dirigiam a política. Esta instituição prestou serviços na Revolução Farroupilha e na
Guerra do Paraguai. No final do II Reinado a força se abastardou pela corrupção da venda de
cargos aos novos ricos. Foi extinta em 1918.´ Moacyr FLORES, Dicionário de História do Brasil,
2ª edição, revista e ampliada, Porto Alegre : EDIPUCRS, 2001, Coleção História; 8, pp. 292.
109

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FcOc)  c c    c(Ato I, Cena VI ± grifos nossos).

O processo de convencimento e formação do candidato é conduzido pelo tio,

com o senso prático e realista dos velhos líderes políticos. Limoeiro tira da frente dos

olhos do jovem idealista as ilusões românticas dos tempos da Academia, pois ³isto de

poesia não dá para o prato´. É preciso ocupar-se ³com alguma coisa séria´. Èuestionado

sobre que carreira pretende seguir, Henrique vê o tio desqualificar uma por uma as que

o recente bacharel enumera: a magistratura, a advocacia, a diplomacia, a carreira

administrativa e o jornalismo. A política é a carreira ideal, pois para ³... deputado não é

preciso ter prática de coisa alguma. Começas logo legislando para o juiz municipal, para

o juiz de direito, para o desembargador, para o Supremo Tribunal de Justiça, para mim,

que sou quase teu pai, para o Brasil inteiro em suma.´ (Ato I, Cena VII).

160
Liga Progressista. ³Grupo político organizado pelo Marquês de Caxias, quando presidia o
Conselho de Ministros. A liga se dissolveu em 1865 com a queda do gabinete do marquês de
Olinda´. Moacyr FLORES - op. cit., pp.358/359. O Marquês de Caxias, futuro Duque de Caxias,
político e militar, pertencia ao Partido Conservador, o mesmo do Tenente-Coronel Chico Bento.
110

A resposta à pergunta do Major Limoeiro sobre as opiniões políticas de

Henrique, que nunca havia pensado no assunto, satisfaz o Major, pois o não ter idéias

políticas revela que Henrique é ³... mais político do que eu pensava.´ A escolha de um

partido, qualquer um, é necessária ao futuro candidato, e o jovem bacharel concorda em

ser do partido do tio (Liberal). Este questiona se ele pode ser conservador e Henrique

concorda também. Limoeiro decide que Henrique servirá aos dois partidos. Henrique

protesta que ³isto é uma indignidade´ e recebe do tio uma prática lição de realismo

político: ³Indignidade é ser uma coisa só!´ (Ato I, Cena VII).

Os dois coronéis comunicam aos jovens Henrique e Rosinha que eles vão se

casar. A perplexidade do sobrinho do Major não é menor do que a resistência da roceira

filha do Tenente. Rosinha diz não gostar de brincadeiras e diz que não quer casar.

Teimosa, a moça diz que ³... quando digo que não quero, é porque não quero mesmo.´
161

As dificuldades no convencimento dos noivos são superadas por um golpe de

teatro por parte de França Júnior: a simplicidade da roceira Rosinha agrada a Henrique

que tem diante de si uma bela moça: ³Cintura fina e delgada, cabelos castanhos...

Decididamente não é nenhuma asneira´. Casar com um moço que ³não é muito feio´,

doutor em Direito, de quem tem doces recordações de infância (Henrique havia

presenteado a menina com uma boneca) e com a perspectiva de ir morar no Rio de

Janeiro, não desagrada à moça simples.

161
Antecipando uma expressão que seria utilizada, no final do século XX, por um conhecido estadista da
República para desqualificar a oposição, Rosinha reitera a recusa: ³É à-toa, escusa de estar nhen-nhen-
nhen em cima da gente.´ (Ato I Cena IX ± grifos nossos).
111

Os arranjos domésticos e políticos caminham paralelamente, e bem. No segundo

ato da comédia, a eleição. Revela-se a trama urdida para eleger Henrique: capangas,

brigas, roubos de urnas, listas de eleitores fantasmas, voto de escravos, mortos e

estrangeiros, todos os recursos da fraude eleitoral então disponíveis são utilizados e o

atônito bacharel a tudo assiste, perplexo, chocado. Ao perceberem a manobra política,

levantam-se vozes de protestos, a primeira eleição é anulada e segue-se um segundo

pleito cujo resultado é previsível: é eleito Deputado Provincial o Doutor Henrique

Limoeiro.

No terceiro e último ato, Rosinha é preparada, sob protestos, para tornar-se

mulher de um deputado. É a mãe, Dona Perpétua que a lembra que deve ser uma ³...

moça educada, bem arranjadinha´ e que a mulher de um político ³... é uma senhora que

tem o dever de ser amável, de dar reuniões em sua casa, de lisonjear os outros, e de se

apresentar bem.´ (Ato III, Cena I). O Major Limoeiro sonha um ³futuro mais que

perfeito´ para o sobrinho: ³Moço, rico, talentoso, deputado provincial aos vinte e quatro

anos, futuro representante da nação aos vinte e cinco, futuro ministro aos vinte e seis,

futuro chefe de partido aos trinta e futuro senador do império aos quarenta!´ (Ato III,

Cena II) Aqui fica clara a intenção de França Júnior de denunciar o compadrio, aliado

político do filhotismo, como alavanca das carreiras políticas da época.

Major Limoeiro e Tenente-coronel Chico Bento, consumada a eleição do

protegido, tratam de promover Henrique a candidato à representação nacional (deputado

na Câmara Federal, no Rio de Janeiro). Articulam a indicação por um dos partidos. Ao

excesso de cuidados de Chico Bento sobre a apresentação de um programa eleitoral, em


112

que o candidato ³há de definir as suas idéias´, Limoeiro retruca perguntando o que tem

³... as idéias com o programa, e o programa com as idéias?´. Pede ao aliado que não

misture ³... alhos com bugalhos (...) e parta deste princípio: o programa é um amontoado

de palavras mais ou menos bem combinadas, que têm sempre por fim ocultar aquilo que

se pretende fazerî´ (Ato III, Cena IV).

O choque de Henrique com os acontecimentos das eleições ressuscita o

idealismo do recém-formado bacharel, que havia sido amortecido pela sedução política

do tio, e pela perspectiva do casamento com Rosinha, por quem se apaixona. Henrique

cai em si e pondera:

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  ´(Ato III, Cena V)

Este choque de realidade seria trágico, se não fosse cômico. Henrique, que tem

consciência de ser um mero joguete nas mãos dos velhos líderes políticos, nega-se a

apresentar-se à Câmara como deputado eleito, mas é chamado à coerência pelo tio:

³Mas, rapaz, como combinar esta série de disparates que estás dizendo agora, com o que

fizeste nas eleições?!´ (Ato III, Cena V).

França Júnior, folhetinista político de oposição entre 1867 e 1868, arremata um

diagnóstico da vida política brasileira, ainda válido, neste quase monólogo do novo

³deputado´:

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c   c
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 %c(Ato III, Cena V ± grifos nossos)

Rosinha é chamada pelo futuro sogro, Major Limoeiro, para convencer Henrique

a não ³abandonar a carreira que tão brilhantemente começa agora.´ A felicidade da

moça simples está em jogo. Limoeiro, hábil na sedução política, joga com os interesses

da futura esposa de um deputado, pois ³... a menina tem também o maior interesse nisto.

Irá para a corte, terá ricos vestidos, bonitas jóias, aparecerá nos grandes bailes,

freqüentará todos os teatros, divertir-se-á, enfim, como uma verdadeira princesa.´ O

major alimenta a curiosidade da moça da roça pelos ³encantos de uma grande capital´.

Rosinha finalmente capitula ao ver-se, nas palavras do hábil sedutor, casada e passeando

com o marido pela Rua do Ouvidor:

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c Fc Qc   c c
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Cc(Ato III, Cena VII)

Dizendo-se uma ³... pobre moça da roça´, sem educação, que não pode, como o

refinado homem da corte que é Henrique, ³... dizer tanta coisa bonita´, Rosinha

pergunta se ele é capaz de fazer ³uma coisa que vou lhe pedir?´ e arranca do futuro

marido a promessa de levá-la para a Corte. Rosinha, porém, impõe a condição de ir para

a Corte como a ³mulher do Senhor Deputado Limoeiro´, ao que Henrique, ciente da

armadilha armada pelo tio, responde:


114

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c+ (Ato III,
Cena VIII).
c

A cooptação social está consumada, com o casamento de conveniência dos

jovens representantes das famílias aliadas na política. Henrique partirá como Deputado

e envidará ³todos os esforços para bem cumprir´ seus deveres, levando, porém, ³a

convicção de que a descrença, mais tarde ou mais cedo, far-me-á tragar a taça dos

dissabores.´ (Ato III, Cena IX).

Na festa que comemora a eleição de Henrique, o liberal Major Limoeiro entrega

a carta de alforria a Domingos, um escravo que participou da fraude eleitoral, votando

mais de uma vez. França Júnior alfineta a ³filantropia´ interessada do líder político

liberal na província:

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 (Ato III, Cena XII ± grifos nossos)
c

Com a fidelidade do ex-escravo, o Major da Guarda Nacional conserva preso a

sí o cabo eleitoral, para continuar exercendo o poder autocrático na Freguesia. E assim

termina esta comédia.

Desta forma, em vinte anos de produção intermitente, a produção dramatúrgica

de França Júnior esteve voltada para a crítica social de costumes e da política de seu
115

tempo. Aproveitando o farto material que a observação do cotidiano, apresentado

metaforicamente ou em forma de descrição, nos folhetins que escreveu para vários

jornais, mostrando a vida no Brasil em suas múltiplas manifestações, tanto no ambiente

urbano do Rio de Janeiro Imperial da segunda metade do século XIX, quanto no entorno

rural, França Júnior trouxe para o teatro, para o plano da representação, essa mesma

sociedade.

A representação, em chave de paródia, caricatura e sátira, aponta e exagera os

defeitos da sociedade carioca das últimas décadas do século XIX, mostra-nos tipos

sociais que se enredam em tramas de hábitos, comportamentos, ritos e aparências

criticados pelo comediógrafo que não poupa ninguém, ³satisfazendo-se em cobrir de

ridículo até os bem-intencionados´162.

Da cultura à política, do ambiente doméstico à vida social, das questões de

Estado à vida urbana, em vários campos procura o analista de costumes França Júnior

material para suas    morais, estéticas, culturais e políticas. Nada parece

escapar ao olhar atento, à sua pena ágil, ao estilo cômico de representar a realidade que

tem à frente de seus olhos. O trabalho de elaborar a trama, recompondo a imagem da

sociedade, sob a forma de    devidamente endereçadas, é feito de modo a

recortar no tecido social, cultural e político brasileiro da época o que nos é mostrado,

em chave de comédia, propositalmente exagerado (caricatura), esgarçado, ampliado.

A escolha do material a ser trabalhado e a fatura dos folhetins, e principalmente

das comédias, ressalta, como vimos demonstrando ao longo deste trabalho, o que era

162
Sábado MAGALDI - ³Fixação de costumes´, in: Panorama do Teatro Brasileiro; 3ª edição,
revista e ampliada, São Paulo : Global Editora, 1997, p. 140.
116

mais evidente, o que mais agredia a sensibilidade estética, cultural, social do homem de

letras, do jornalista que passa a utilizar a máscara de autor teatral para mostrar ³à sua

época e geração sua forma e efígie´ (Hamlet, Ato III, Cena II). E a principal crítica,

parece-nos, é dirigida ao modo como essa sociedade, em seu cotidiano, na imprensa, nas

manifestações mais simples do cotidiano e na construção de suas instituições, não

distinguia o público do privado, a intimidade da vida pública.

Assim, na primeira peça analisada (*c c+


  , de 1862), temos o perfil

de uma sociedade apegada às aparências, que valoriza o dinheiro em detrimento da

moral, que trata com desdém a simplicidade e a franqueza do homem da província, e

França Júnior distribui suas    aos esnobes e à instituição do casamento, aos

interesses que em torno dela gravitavam na sociedade. Na segunda peça estudada ( c

*c 6 , de 1872), o alvo do comediógrafo é a credulidade do cortesão que

valoriza tudo que é estrangeiro, comicamente representada no caráter rígido da

personagem Teodoro Paixão. A   aqui tem endereço certo: a mania de só

atribuir valor à cultura, às idéias, aos produtos estrangeiros, já então amplamente

disseminada na sociedade brasileira. Na terceira peça estudada (7c c   c c

E
, de 1882), a sátira política castiga as oligarquias que dominam o país,

denuncia a corrupção do processo eleitoral, os vícios do bacharelismo e a ausência de

um projeto político para o país. A ampla   preparada por França Júnior nessa

comédia, a partir do recorte de aspectos capturados da realidade política do Segundo

Império, abarca ainda os arranjos domésticos e sua influência nos negócios do Estado.

Pontilhando o material trabalhado por França Júnior, ao longo de sua obra

dramatúrgica, anterior e posterior à peça que analisaremos em seguida, encontramos


117

diversos assuntos, comportamentos, hábitos, costumes e atitudes que foram abordados

no trabalho do crítico: as estrepolias ou ³estudantadas´ dos Acadêmicos da Faculdade

de Direito de S. Paulo, os exageros do amor platônico e a mania livresca ± romanesca ±

da mulher que se arrebata em aventuras imaginárias; o culto às aparências; a ostentação;

a moda feminina; as manias coletivas; as dívidas de estudantes; a pedanteria

bacharelesca; o costume de falar mal das pessoas pelas costas; as idéias políticas

progressistas; a valorização exagerada da cultura estrangeira; a vida fútil das moças

casadoiras; a astúcia dos velhos chefes políticos oligarcas; a conciliação política; os

tipos populares e ingênuos; o contraste entre a vida no Brasil agrário e no Brasil urbano;

o casamento por interesse; o feminismo incipiente; o papel da mulher numa sociedade

patriarcal; o desprestígio do ser brasileiro entre seus contemporâneos; a desvalorização

da História e do passado; a vergonha das tradições populares; o uso de expressões

estrangeiras na língua e na nomenclatura de produtos brasileiros; a conversão ou

cooptação dos jovens pelos mais velhos.

7 c c 8
9 é, sem dúvida, a peça mais conhecida do comediógrafo, e

talvez a mais citada nas análises e resenhas críticas de sua obra literária, encontradas na

teoria e na crítica teatral. Sendo assim, para adicionar mais uma às tantas descrições e

análises, nossa colaboração compreenderá também uma leitura do espetáculo teatral,

pois tivemos o privilégio de ir a campo e assistir a uma encenação da peça, quando

estávamos próximos à conclusão do texto da dissertação163.

163
Caiu o Ministério! esteve em cartaz de setembro a dezembro de 2001, e de 16 de março a
30 de junho de 2002 com temporada no Teatro João Caetano, dirigida por Ariela Goldmann,
dentro do Projeto ³Formação de Público´ (curadoria de Gianni Ratto e orientação de Maria
Sílvia Betti e Flávio Wolff Aguiar), da Secretaria Municipal de Cultura do Município de São
Paulo. O espetáculo teve temporada de 16 a 24 de fevereiro de 2002 no Teatro Municipal de
São Paulo. O Projeto Formação de Público, da Prefeitura do Município de São Paulo (2001-
2002), do qual a encenação de Caiu o Ministério! a que assistimos participou, ao lado de
espetáculos como Geração Trianon (Anamaria Nunes), Pedro Mico (Antonio Callado) e Nossa
vida em família (Vianinha), fez parte da política pública para o teatro paulistano, em que uma
118

Em 1973, no Teatro Popular do Sesi, houve também uma encenação da peça.

Osmar Rodrigues Cruz, diretor do espetáculo falando sobre sua encenação, disse que

escolheu 7 cc8
9...

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7 cc8
9 (1882), das peças a que tivemos acesso neste estudo, parece

ser a síntese dramatúrgica do pensamento de França Júnior sobre a sociedade, a cultura

e a política de seu tempo. Nela, o procedimento de aproveitar textos, idéias, diálogos e

das linhas mestras que regiam a Secretaria Municipal de Cultura era: ³Construção do
pensamento cultural na cidade que permite a constituição de cidadãos e cidadãs dotados de
capacidade de entendimento dos problemas que afetam a cidade, o Brasil e o mundo´. A
escolha das quatro peças citadas, representativas de algumas das facetas mais marcantes da
vida nacional, visava atingir o objetivo do programa que era: ³...o de difundir o teatro através
daquilo que ele produz de mais característico, ou seja, o prazer artístico, o entretenimento, e a
reflexão crítica sobre o mundo que o cerca´.
164
Osmar Rodrigues CRUZ e Eugênia Rodrigues CRUZ, Osmar Rodrigues Cruz: uma biografia
teatral, São Paulo: Hucitec, 2001, pp. 214, 216, 217 e 231.
119

situações, anteriormente criados nos folhetins, é amplamente utilizado, como apontou

Décio de Almeida Prado165.

A análise do espetáculo deve incorporar os elementos que a crítica teatral estuda

ao abordar o fenômeno teatral. Cenografia, indumentária, iluminação, marcações

cênicas, adereços, música, desempenho dos atores, proposta ou desenho cênico da

encenadora, são alguns dos elementos a serem estudados. Por outro lado, em se tratando

de um texto de época, e de uma sátira política, é preciso apreender que comportamentos

são criticados, quais instituições são caricaturadas, quais comportamentos e atitudes

individuais e coletivas são analisados e qual o entendimento da situação social, histórica

e política representada, do ponto de vista do pesquisador e espectador, num estudo que

se propõe aproximar campos de conhecimento como o Teatro e a Política.

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165
Décio de Almeida PRADO, ³A Evolução da Comédia´, in: História Concisa do Teatro
Brasileiro: 1570-1908, capítulo sétimo, São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
1999, p. 132.
120

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Para entrarmos nos fundamentos do espetáculo assistido, inicialmente

reproduzimos o texto introdutório contendo o enredo da peça elaborado para o

programa:

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c c4 (grifos nossos)
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A simplicidade do enredo e a direção de Ariela Goldmann para o espetáculo

apresentado no Teatro João Caetano, em São Paulo (2001/2002), permitem ao público a

plena compreensão da sátira de França Júnior. As caracterizações dos tipos sociais

166
Armando Sérgio da SILVA e J. GUINSBURG - ³A Linguagem Teatral do Oficina´, in:  .
Guinsburg : Diálogos sobre Teatro, Armando Sérgio da SILVA (organizador), São Paulo :
Editora da Universidade de São Paulo, 1992, pp. 97 e 98.
167
Programa do Projeto de Formação de Público, Secretaria Municipal da Cultura,
Departamento de Teatro, Prefeitura do Município de São Paulo, 2001.
121

criados pelo autor foram bem construídas pelos atores, que demonstram larga

experiência de palco e conhecimento da época e dos costumes satirizados na comédia. O

texto de época é bem dado nas falas e mesmo expressões hoje em desuso são

compreendidas, pois a expressão facial e o gestual dos atores auxiliam a leitura e o

entendimento do público. A ação flui rápida envolvendo a platéia, que acompanha

atenta a sucessão de situações em que a realidade social e política da última década do

Império é representada pelo viés cômico e crítico. Marcações cênicas bem definidas, o

palco vazio e o aproveitamento de todo o teatro (inclusive bastidores e platéia) como

espaço de atuação valorizaram o trabalho dos atores, conquistando a empatia e a atenção

do público. Figurinos simples e adereços de época situam a ação no século XIX, sem no

entanto tornar pesadas demais as caracterizações dos atores. Da mesma maneira, a

cenografia apenas localiza a ação no espaço, sem ocupar todo o palco, o que dá

agilidade à mudança de ambiente verificada entre o primeiro e o segundo atos.

O 168 com que foi executado o trabalho artístico, revela o cuidado que o

grupo de atores e a direção teve em trazer para a cena o texto de França Júnior. E esse

c artístico é responsável pelo perfeito entendimento que atores e público,

atualizando e concretizando as palavras da sátira política, revelam ter atingido a cada

apresentação. A história da cultura política brasileira do Segundo Reinado é atualizada

pela arte teatral.

Os atores mantêm a concentração e a presença no jogo cênico de modo a

garantir, ao longo do Primeiro Ato, a manutenção do clima imaginado por França Júnior

para a movimentação e o burburinho da Rua do Ouvidor, mesmo quando a ação e as

168
Hostinato rigore, divisa de Leonardo Da Vinci. Não se confunde com rigidez, bloqueio
criador. Ver Paul VALÉRY, Introdução ao Método de Aeonardo Da Vinci, tradução de Geraldo
Gérson de Souza, Ed. bilíngüe, São Paulo: Editora 34, 1998.
122

falas restringem-se aos atores que surgem em primeiro plano. Tal pano de fundo para as

especulações em torno da formação do Gabinete, para o encontro das mulheres e filhas

do Conselheiro Brito (Filomena e Beatriz), do Desembargador Francisco Coelho

(Bárbara e Mariquinhas) e Dona Felicianinha, para discutirem política, futilidades

domésticas, moda e pretendentes à mão de Beatriz, e para a apresentação destes e seus

interesses (emprego, privilégio governamental e uma paixão não correspondida),

reconstitui o painel descrito por França Júnior no folhetim ³A Rua do Ouvidor´.169

169
FRANÇA JÚNIOR, Folhetins, pp. 13 a 19.
123

A rua, como espaço público, vira palco da representação da expectativa de ver os

interesses privados satisfeitos pela definição da situação política. A imprensa encarrega-

se de alimentar a curiosidade e os boatos circulam pela Rua do Ouvidor: a cada

manchete estampada nos diversos jornais que anunciam a queda do ministério anterior e

as especulações sobre a composição do novo, pretendentes a cargos e empregos

públicos, privilégios para obras e casamentos de conveniência sondam possibilidades,

fazem planos para o futuro. Os interesses públicos e privados, a vida pública e a vida

íntima surgem imbricados, indistintos, porém ainda dependendo da definição e do rumo

dos acontecimentos políticos. Ao lado de uma possibilidade de emprego (Dr. Raul), a

possibilidade de um casamento para a moça fútil (Beatriz), também cortejada pelo

inglês que quer apoio político para seu projeto (Mr. James). Há espaço também para o

devaneio romântico de um caixeiro (Felipe Flecha), apaixonado pela filha do político

Brito, que a viu pela primeira vez na Confeitaria Castelões, ³comendo empada´. As

esperanças de Felipe, de ser correspondido no amor de Beatriz, são depositadas na

remota possibilidade de tirar a sorte grande na loteria.

O mesmo espaço da Rua do Ouvidor é ocupado por conversas ociosas, pela

ostentação consumista e pela falsa cordialidade feminina. É ali, ainda, que o inglês Mr.

James faz suas críticas à instabilidade política, à fragilidade dos partidos e ao excesso de

retórica dos brasileiros. Do folhetim ³Organizações Ministeriais´, França Júnior retirou

o material para a construção de alguns dos diálogos da peça, como as especulações

sobre a formação do Ministério e reproduziu literalmente, no texto da comédia, trechos

do folhetim nas seguintes falas da personagens D. Bárbara e do inglês Mr. James:

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 c(Ato I, Cena XIV)
124

No segundo ato, a situação se inverte: definida a situação política e indicado o

Conselheiro Felício de Brito para a Presidência do Conselho de Ministros (Gabinete),

sua casa, espaço íntimo, domínio do privado, passa a ser o foco dos interesses na disputa

de cargos, nas indicações para ocupação de cargos em concursos públicos (Ernesto e

demais pretendentes) e na concessão de privilégio para o projeto absurdo de Mr. James

(um trem para o Corcovado puxado a cachorros).

Novamente, França Júnior utiliza, num diálogo entre o Felipe Flecha e Ernesto,

o procedimento de aproveitar, no texto da comédia, material anteriormente publicado


170
num folhetim. Trata-se do folhetim ³Pretendentes´ , no qual França Júnior esboça o

perfil da clientela política e dos que perseguem o ³empenho´ (proteção) dos políticos

para seus interesses:

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Os assuntos domésticos, como a decoração da casa, o casamento da filha com

um dos agora mais interessados pretendentes (Dr Raul, por um emprego, e Mr. James

pelo privilégio ao seu projeto) e a ostentação de uma posição social pela família do

170
FRANÇA JÚNIOR, op. cit., pp. 93 a 101.
125

Presidente do Conselho (à custa do endividamento deste), misturam-se com a

articulação política, servindo a casa de local para uma reunião do Gabinete, que vai

discutir a ocupação de uma pasta ministerial vaga (Marinha).

O ³estrangeirismo´, a credulidade do cortesão que valoriza tudo que é

estrangeiro, só atribuindo valor à cultura, às idéias de ingleses ou franceses,

principalmente, foi criticado por França Júnior em c *c 6  (1872). Tal

comportamento submisso aos estrangeiros ressurge no diálogo de Mr. James, a mulher

do Conselheiro Brito, Filomena e sua filha Beatriz, que intercala palavras de várias

línguas em suas falas, numa clara demonstração de pedantismo. Mr. James, que já havia

constatado, com a concordância do Dr. Raul, que tudo ³que se faz neste terra (...) é para

inglês ver´ novamente exerce o seu ³direita de faz crítica do Brasil´ (Ato I, Cena XIV),

referindo-se à preguiça, à obsessão pela discussão política e ao bacharelismo nacionais,

aproveitando a conversa para tratar de seu interesse, o privilégio para a execução de seu

projeto ³ferroviário´:

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()c(Ato II, Cena IV).
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A visita abrupta à casa do Conselheiro Brito, feita pelo Desembargador

Francisco Coelho, que pleiteia o cargo da Marinha, e sua contrariada mulher, Dona

Bárbara, apresenta a crítica de França Júnior aos maus modos da ³classe média, em que

figura a nossa boa burguesia´. A mesma crítica era apresentada no folhetim ³Visitas´
171
, em que França Júnior já havia inserido a oração para ³mau olhado´ feita por Dona

Bárbara e ironizada por Filomena e Beatriz, mais uma vez marcando o tratamento

desdenhoso que as cortesãs dão à mulher do político provinciano. A negativa às

pretensões políticas do Desembargador, líder da maioria governista, faz com que este

passe para a oposição, e vá atacar violentamente o Gabinete em que foi rejeitado.

Chamam à atenção as cenas em que acontece a reunião ministerial e a indicação

pelo Conselheiro Felizardo de seu sobrinho, Dr. Monteirinho, bacharel recém-formado

de 22 anos, para a pasta da Marinha. A marcação cênica da entrada e a caracterização

dos Ministros reforçam a caricatura dos políticos proposta pela direção do espetáculo,

provavelmente inspirada em caricaturas de época ou na iconografia do próprio França

Júnior: todos os Ministros vestem-se da mesma maneira, com elegantes fraques, e

possuem bigodes, como o autor da comédia. O breve diálogo do Conselheiro Brito com

os colegas de Ministério mostra a instabilidade política criada por não ter sido atendido

o interesse do Desembargador Coelho: depois de apenas 15 dias de ter subido ao poder

o Gabinete presidido pelo Conselheiro Brito, muitos políticos haviam mudado de lado,

171
FRANÇA JÚNIOR, op. cit., pp. 49 a 56.
127

da situação para a oposição. Aqui fica clara a crítica do autor à inconsistência dos

partidos e à incoerência dos políticos da época, que privilegiavam os interesses pessoais

em sua conduta como homens públicos.

O filhotismo político é a tônica da cena em que Dr. Monteirinho é indicado para

o Ministério. O padrinho, seu tio Felizardo, é sondado para ingressar no Ministério, na

pasta da Marinha, mas indica o jovem bacharel, filho de sua irmã Maria José, que

³acaba de chegar da Europa, razão pela qual ainda não tomou assento na Câmara.´ Dr.

Monteirinho revela-se um prodígio de retórica, leitor de Spencer, Schopenhauer,

Bückner, Litré, ³todos esses grandes vultos, que constituem o apostolado das sociedades

modernas´, mas completamente inexperiente nos negócios do Estado. Felizardo, o

político experiente, tranquiliza o Conselheiro Brito quanto a esse fato: ³Fica sob as

minhas vistas: eu saberei guiá-lo.´ Aqui repete-se a situação já mostrada em 7cc

:  c c E
 (1882), quando um jovem bacharel (Henrique) é levado a

candidatar-se a Deputado por um tio oligarca do Partido Liberal. Lá o processo de

cooptação social levou o idealista Henrique a aceitar as imposições familiares e entrar

na carreira política. Em 7 c c 8


9 França Júnior apresenta um jovem que

apresenta como única credencial para ocupar um cargo público, além do diploma de

bacharel em Direito obtido em São Paulo, o apadrinhamento político.

Entre 1881 e 1882, mesma época em que 7 c c 8


9 foi escrita e

encenada pela primeira vez, França Júnior publicou uma série de folhetins no jornal c

G$c B
  intitulada ?1
c c c @0A. Èuando publicou a primeira das

172
FRANÇA JÚNIOR, Folhetins, pp. 295 a 328. A palavra ³vadio´ tem a conotação de boêmio,
um personagem típico da Rua do Ouvidor, que passava o dia em conversas com os ociosos e
dessas conversas tirava a sua ³ciência´ : ³Ser vadio é uma ciência que exige estudo e
tendências especiais de espírito. (...) Os vadios de hoje são uns sujeitos de bom gosto, que
estudam no grande livro da vida. Conhecem mais os homens que todos esses milhares de
128

notas, França Júnior advertia seus leitores que as notas em seu poder haviam sido

recebidas de um vadio ³daquele gênero´, e prometia que elas ³hão de ser impressas tais

quais as recebi´. Criava o folhetinista e teatrólogo mais uma máscara, que usou para

criticar os costumes e a política nacionais. Na nota VI, surge uma crítica do ³vadio´ à

retórica que pode perfeitamente ter inspirado a criação da personagem ³Dr.

Monteirinho´:

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c   c c  c c  c   c c  c  c
8 & c(refere-se à Câmara dos Deputados)c c c  c  c
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cmisericórdia!cc 
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filósofos que os séculos têm produzido. (...) O vadio de bom gosto veste-se bem, fala como um
Cícero, escreve artigos para os jornais, e não há assunto, por mais importante e difícil que seja,
a respeito do qual ele não possa dizer pelo menos meia dúzia de palavras. (...) Sempre
irrepreensivelmente barbeado, trajando no último apuro, enluvado quando a situação o exigia,
era um regalo vê-lo discutir com estadistas, diplomatas, literatos, jornalistas, comerciantes,
artistas, com toda aquela pleiade brilhante de moços e velhos que frequentavam a loja do
Paula Brito onde funcionava a dita Petalógica (sociedade de mentirosos ± ³peta´ quer dizer
mentira). (...) Logo que acordava lia as folhas diárias, que naquele tempo não eram tantas
como hoje. (...) Em seguida vestia-se, e ia almoçar café com leite no Braguinha, que era o
botequim da moda. (...) Ali conversava e ficava sabendo coisas de que os jornais não se tinham
ocupado, por não se ter ainda descoberto o reporter. Findo o almoço e a palestra, ia passear. E
era nesse passeio que ele bebia a sua melhor ciência. Aqui falava com um senador, ali ouvia
um advogado, acolá assistia a uma discussão literária; mais adiante fazia parte de um círculo,
em que se falava de artes, etc., etc.´ FRANÇA JÚNIOR - op. cit., pp. 297 e 298.
173
FRANÇA JÚNIOR, op. cit., pp. 319 e 320. Como costumava fazer com outros folhetins, o
autor aproveitou boa parte do texto publicado no folhetim do Correio Mercantil, de 29 de abril
de 1867. Tirou-lhes as referências à situação conjuntural daquele período, quando escrevia sob
129

o pseudônimo Osiris e atacava o Gabinete Liberal de Zacarias de Góes Vasconcelos, e


reproduziu-os como uma das ³Notas de um vadio´, no jornal O Globo Illustrado, em 1881-1882.
O diálogo do autor com suas referências e o material de suas observações parece ter sido
constante: o perfil do Dr. Monteirinho já estava pronto há mais de 15 anos! Para uma
comparação entre os textos dos folhetins, ver FRANÇA JÚNIOR, Política e Costumes:
Folhetins Esquecidos (1867-1868), organização, Introdução e Notas de R. Magalhães Júnior,
Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S.A., Coleção Vera Cruz (Literatura Brasileira)
volume 6, pp. 1 a 6.
130

Na cena seguinte, Mr. James vai à casa do Conselheiro Brito para apresentar ao

Gabinete o projeto de uma estrada de ferro para o Corcovado, com um trem movido a

cachorros. Os ministros discutem o absurdo projeto e entram em considerações sobre as

suas características técnicas. Dr. Monteirinho, para demonstrar seu conhecimento,

intervém e demonstra ser o mais interessado no assunto. Por não estar o cachorro

³classificado como motor´ na legislação decide levar o projeto para discussão no

legislativo. O segundo ato encerra-se, ainda, com a declaração de amor de Felipe Flecha

(agora repórter que cobre a pauta política) a Beatriz. A filha do conselheiro repele

Felipe, mas considera que este ³ao menos não me falou em emprego nem em privilégio´

(Ato II, Cena XVII).

No terceiro ato da comédia, precipita-se a crise política. Filomena, mulher do

Conselheiro Felício Brito, que quer ver a filha, Beatriz, casada com um dos pretendentes

à mão da moça, Mr. James, e não compreende porque o marido, sendo Presidente do

Conselho de Ministros, não concede o privilégio que fará com que o inglês execute seu

projeto. A discussão do projeto na Câmara levou à criação de dois ³partidos´, um a

favor e outro contra o projeto dos cachorros. A mulher passa em revista com o marido

os possíveis votos favoráveis ao projeto. Em jogo está o casamento da filha, e a mãe

incita o marido a usar de todos os meios para aprovar o projeto. A pressão da mulher

leva o Conselheiro a propor ³questão de gabinete´ para a discussão do projeto na

Câmara (no parlamentarismo monárquico, na votação de uma ³questão de gabinete´, a

derrota do governo implicaria na queda do Ministério e em novas eleições

parlamentares). Mais uma vez fica clara a indiferenciação entre interesses públicos e

privados, entre vida íntima e vida pública, e o quanto a discussão política estava presa à

satisfação de interesses particulares, familiares inclusive.


131

Dr. Monteirinho, decidido a utilizar seus dotes de orador para a defesa do projeto

no debate da Câmara, faz sua profissão de fé de futuro ³estadista´, alimentando o sonho

da elite letrada:

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III, Cena I)
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cc. cccc  c 
cc c  c
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 c c  c0Kc
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As esperanças de mãe e filha, sobre um bom casamento, ficam depositadas na

discussão do projeto do pretendente inglês. Caindo o projeto, cai o Ministério, e vão

embora os pretendentes.

É mais uma vez, aproveitando o material do folhetim ³Pretendentes´, acima

citado, que França Júnior constrói a cena em que Filomena e Beatriz comentam a sina

da clientela política de vários cantos do país, que manda presentes e cartas pedindo a

proteção do Conselheiro Brito, para que este promova seus interesses. Em seguida,

após mais uma visita indesejada de Dona Bárbara - desta vez para provocar a mulher do

político, com as manchetes apregoadas por jornaleiros e as conversas contrárias ao

projeto dos cachorros, que ouviu... ³passando por acaso na rua do Ouvidor...´, enche-se

a sala de pretendentes atrás do ³empenho´ (proteção) do Conselheiro para uma

indicação a ³um lugar´ na máquina burocrática do Estado.

174
Raymundo FAORO, ³O Sistema Político do Segundo Reinado´, in: Os donos do poder:
formação do patronato político brasileiro, 4ª edição, Porto Alegre: Ed. Globo, 1977, p. 390.
132

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A clientela é submetida a longas esperas (alguns atravessam ³seis ministérios´,

indo ³duas vezes por dia´ à casa do político) e submetem-se ao estado de espírito do

Conselheiro, para ver se seus pedidos são atendidos. A apresentação, no folhetim, e a

representação caricata, na comédia, dessa situação poderiam ilustrar a análise de

Roberto Schwarz sobre a política do favor:

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c  c c   ccc
c c c c0-c

³Muito se sofre´, é a expressão de desalento do pretendente Ernesto, que põe as

esperanças de ser chamado para ocupar um lugar ³na Secretaria´, para o qual tem

direito por ter sido aprovado em primeiro lugar em concurso público, numa carta de

indicação de um ³deputado mineiro governista´.

175
Ibidem, pp. 390-391.
176
Roberto SCHWARZ , ³As idéias fora do lugar´, in: Ao vencedor as batatas: forma literária e
processo social nos inícios do romance brasileiro, São Paulo: Editora Livraria Duas Cidades
Ltda, 4ª eição, 1992, p. 16.
133

A imprensa sensacionalista é invocada e surge o repórter Felipe Flecha para

atualizar as conversas dos pretendentes. As informações não são boas, o Ministério está

por um fio, e a discussão do ³projeto dos cachorros´ é a causa da instabilidade política.

O desânimo toma conta dos pretendentes, enquanto Felipe procura por sua Beatriz... O

³lugar´ na máquina do Estado, pleiteado por vários pretendentes, está ameaçado. O

vínculo com o protetor só se mantém com a permanência do político no poder. A queda

iminente do Ministério virá transtornar os planos da clientela e romperá o vínculo entre

o poder e os que dele dependem. A eles e ao apaixonado e pobre Felipe Flecha, só resta

a loteria, o acaso, como esperança de realizar seus sonhos de alcançar uma ³posição

social´ e o casamento com a mulher amada:

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 cpara Ernesto ± cc $cc
c c c  Cc
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 ctirando um bilhete de loteria do bolso ± +c
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$ c 8 c  9c .c c c c(má sorte)c c
+cc"
c(Olhando para todos os lados:) c
c Cc(Sai.) (Ato
III, Cena VIII).
c
c
Mr. James cai em si, e finaliza sua análise da política brasileira, lamentando ter

feito ³negócia´ com o Ministério em queda: na composição do Gabinete Ministerial não

³tem um só ministra de Bahia. E ministéria sem baiana ± estar defunta logo, senhor. (...)

Baiana estar gente muito poderosa. Não se pode esquece dela.´ (Ato III, Cena X). Além

da constatação da força política e da influência dos políticos da Bahia, tanto do partido

Liberal quanto do partido Conservador, principalmente no período em que escreveu a

comédia177, é possível que França Júnior estivesse homenageando o senador baiano

177
O liberal baiano José Antonio Saraiva chefiava o Gabinete no início de 1882, e voltaria a
chefiar outro Gabinete em 1885; outros nomes de senadores e chefes de Gabinete influentes,
baianos ou eleitos pela Baía, podem ser citados, como o liberal Zacarias de Gois Vasconcelos;
134

Francisco Gonçalves Martins, Visconde de São Lourenço, falecido em 1872, em cujo

governo provincial serviu como secretário de governo entre 1868 e 1871. Provável

dívida de gratidão?

É ainda através de Mr. James que o conservador França Júnior critica,

novamente, o despreparo dos afilhados políticos para o exercício do poder, a

intromissão dos assuntos de família na administração pública e a falta de compostura

dos estadistas brasileiros:

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c c /c8
 c c8  c
cOcEc8
Cc
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c c    c c   c  c c
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7  Cc
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c c   c
5 
c
c    c *  c
Ë  
 c 6   c c   c      (Ato III, Cena X ± grifos
nossos)

O desfecho da comédia mostra, com a já anunciada queda do ministério, a fuga

dos pretendentes ao casamento de conveniência com a filha do Conselheiro Brito que

estavam atrás não da mão da moça, mas sim de uma ³posição social´ (Dr. Raul) ou do

privilégio governamental para seus projetos (Mr. James). Acontece, também, a

debandada dos pretendentes ao ³empenho´ do Presidente do Conselho de Ministros por

seus interesses.

Manoel Vieira Tosta ± Marquês de Muritiba; o conservador João Maurício Wanderley ± Barão
de Cotegipe.
135

À contrariedade de Filomena, por ter perdido a chance de um casamento rico

para a filha, França Júnior opõe a alegria do político Brito por ter se livrado das

pressões e das suspeitas de ser ladrão, alimentadas pela imprensa, ele que saía ³... do

ministério mais pobre do que entrei, porque estou crivado de dívidas, e com a pecha de

ladrão.´ (Ato III, Cena XIV). Èuestionado pela mulher sobre o que pretende fazer a

respeito dos ataques que sofreu, Brito responde, conformado: ³Nada: infelizmente, esta

é a sorte de quase todos que descem do poder.´ (Ato III, Cena XIV).

A cena final vai mostrar o apaixonado Felipe Flecha realizando o sonho de sua

paixão: o bilhete que comprara estava premiado e ele vai receber duzentos contos. O

interesse da mãe e da filha muda em relação ao ³pobre do repórter´ e o  ;c  é

comentado com ironia por Mr. James: ³+c


9 Boa negócia´.

A comédia de França Júnior materializa, nas situações absurdas em que envolve

suas personagens, e nas    que o autor, no espetáculo, distribui à sociedade de

seu tempo, as críticas do escritor. Os diversos segmentos sociais, caracterizados nos

tipos cômicos, agem em situações e episódios em que a realidade é propositalmente

distorcida e ampliada. O ³realismo crítico´ do texto atinge a crítica dessa mesma

realidade, e cada cena constitui, nas palavras de Osmar Rodrigues Cruz acima citadas,

um ³flash crítico dessa mesma sociedade´.

Ao aproveitar no enredo da comédia 7 c c 8


9 idéias e textos

publicados anteriormente na forma híbrida de literatura e jornalismo que é o folhetim,

França Júnior traz para o nível da representação a realidade já apresentada em forma de

registro, no nível da descrição jornalística ou da crônica, como história e análise social.

Para nossa análise, que procura a aproximação entre arte e política, entre o teatro e a
136

política, a abordagem desses textos (folhetins e comédias de costumes) coloca

problemas de ordem metodológica que só podem ser superados adotando-se uma

postura que...

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 c
 c c  c 

 c c 
 c c

c 
c  c
 
c  cc cc  cc cc 
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 c c cc  c+ c
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cc c cc
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Os tipos marcantes de França Júnior, caracterizados pelos atores, fixam-se na

memória do público, assim como a sátira do escritor à sociedade e às instituições

políticas de sua época. No plano da realização teatral, o espetáculo assistido, a nosso

ver, traduz os tipos criados pelo autor e sua crítica, de maneira a propiciar ao público

um entendimento e uma atualização adequada à obra teatral.

Para encerrar este capítulo, um breve comentário.

Em 1880, França Júnior propôs a Artur Azevedo fazerem juntos uma  


179

³para ser representada na Phenix.´. A censura econômica, em par com a censura

propriamente dita, fez com que a  


perdesse a atualidade. A empresa teatral a

quem era destinado o texto, recuou frente aos gastos de encenação, e, para não

³molestar´ os autores, empenhou-se com a burocracia da censura, ³por portas

travessas´, para que a representação fosse proibida. O texto ficou preso na burocracia da

censura (polícia), que não o proibiu, mas, retendo o manuscrito em seu poder, impediu

que acontecesse a encenação, e a temática da revista-de-ano foi superada, dado o caráter

178
Nicolau SEVCENKO, Aiteratura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira
República, 2ª edição, São Paulo: Ed. Brasiliense, 1985, p. 20.
179
³Tal qual como lá´; ver quadro do Anexo 1.
137

efêmero de tal tipo de espetáculo180. Tempos depois, Artur Azevedo propôs que

colaborassem juntos numa comédia, mas França Júnior estava doente e morreu (27 de

setembro de 1890), sem que pudesse realizar o projeto. Artur Azevedo lamentou não ter

tido ³... a honra de assinar uma peça com França Júnior.´ 181

O que a História não registrou, o Teatro, com seu poder de invenção, atualizando

e concretizando a História no palco, realizou: a encenação de Ariela Goldman para 7 c

c 8
9 utilizou um trecho musicado da  
+c : 
 (1896) de Artur

Azevedo, com os atores cantando em meio ao público, na abertura do espetáculo. A Rua

do Ouvidor, centro político, social e cultural do Rio de Janeiro e do Brasil da época, e,

de certa forma, uma ³personagem´ da peça, surge inteira ali:

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1c c c c 9c
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2 c ccc
  cc ccc c
 c  cc  94Ac
c

Uma bela homenagem aos dois amigos e grandes comediógrafos brasileiros.

180
FRANÇA JÚNIOR, Folhetins, 4ª edição, aumentada, com os folhetins publicados nos
jornais O Globo Ilustrado, O Paiz e o Correio Mercantil; Jacintho Ribeiro dos Santos Editor, Rio
de Janeiro, 1926, pp 8 e 9.
181
Ver Joaquim José da FRANÇA JÚNIOR - Folhetins, 1926, p. 9.
182
Artur AZEVEDO, Teatro de Artur Azevedo ± Tomo IV ± Rio de Janeiro : INACEN, 1987
(Clássicos do Teatro Brasileiro, 8), p. 265.
138

GONGLUSÃO

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* c   c c
 cc c  cc 
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 cFcG  cc c7   c
c

A trajetória deste trabalho teve início há muito tempo atrás. Não a descoberta do

tema, mas a atitude de procurar, o interesse pela pesquisa em si. Razões de ordem

pessoal, em circunstâncias variadas, levaram-me a interromper e retomar um sem

número de vezes o caminho. Por vezes, a realidade da vida impõe ao pesquisador fatos

concretos contra os quais a mais firme convicção, a disciplina, o rigor, nada podem.

Outras vezes, abandonamo-nos no manancial dispersivo de acontecimentos, paixões e

apelos que o  nos traz ao abrirmos a porta da casa, numa bela manhã de sol.

Um pensamento ocupou minha reflexão, num momento em que a convicção, a

disciplina e o rigor brigavam, em minha mente, com o  (entre parenteses: tais

momentos foram freqüentes e fecundos neste percurso): ³--- Nada, nem a Arte, a

Religião, o Pensamento, a Cultura, nada pode nos livrar do que somos. Eu não posso

fugir do que sou. No entanto, inventamos a Arte e outros meios de adiar este encontro.

Criamos máscaras que ocultam o ator por trás da personagem, do papel. Até quando isso

é possível? Por que essas máscaras que usamos para representar tantos papéis?´.

Em instantes, vários pensamentos passaram por minha mente: talvez isso a que

chamamos realidade, nada mais seja do que pura representação, uma invenção teatral,
139

uma metáfora que nos ajuda a suportar tantos maus e mesmo bons momentos. Pensei

em nosso país, em que a imaginação e o sonho estão presentes desde o  


.

Afinal, a imaginação européia da época estava voltada para a cdescoberta do paraíso

na Terra. Os que aqui chegaram buscavam, também, uma Utopia. O sonho europeu do

"  não seria a manifestação desse desejo de ir além da realidade, a busca do

*  
 aqui na terra mesmo? Pensava em quanto a busca (para uns, a fuga) de

um novo modo de viver, de construir a vida, individual e coletivamente, é um ato de

sonho impregnado de desejo, poesia e teatralidade. O quanto há de dramático numa

mudança do modo de ser e estar, tanto de um indivíduo quanto de um povo, de uma

Nação. Pensava em quanto pode ser interessante descobrir essas características no

pensamento de um autor, na ação dos indivíduos e da coletividade, da sociedade.

A obra literária de França Júnior já era o objeto de pesquisa, e as preocupações,

em relação à política, anteriores à  $


c deste objeto, eram o que me intrigava,

despertava a minha curiosidade: o jogo, a encenação, as máscaras do poder. Unindo

ambos (objeto e preocupações iniciais), perguntei-me sobre que tipo de máscaras um

cavalheiro elegante, culto, sábio, irônico e crítico de sua época utilizava para,

demolindo ou ironizando atitudes, personalidades e comportamentos, mostrar - como

quer o Hamlet ao falar a atores sobre a representação, ³à sua época e geração sua forma

e efígie´ (Ato III, Cena II).

Além do pseudônimo ( , metáfora da dispersão e da fragmentação...) que

França Júnior utilizava nos folhetins, havia a construção, pela via da paródia, da

caricatura e da sátira, de tipos sociais característicos e a crítica às instituições, práticas e

costumes sociais e políticos nas personagens de suas comédias. Tais recursos


140

(pseudônimo e máscaras teatrais) ocultavam o analista arguto, o crítico mordaz, o

pensador que sonha uma sociedade diferente da que ironiza. Ao lado de tantos outros

artistas, pensadores e políticos de seu tempo, França Júnior viria somar mais uma

contribuição ao sonho de criação ou invenção de um novo país, uma Nação, o Brasil.

Neste estudo sobre a obra de França Júnior, percorremos as fronteiras entre as

áreas do teatro e da política, e nos detivemos sobre um pensamento cultural (político e

crítico) formulado por um artista e intelectual vinculado ao teatro e à crítica de

costumes. Sua produção dramatúrgica e literária expressa várias dimensões da

sociedade brasileira, mais especificamente da sociedade carioca ou da Corte Imperial,

da segunda metade do século XIX.

Na busca de 
 para decifrar a sociedade brasileira, circunscrevendo tal

tarefa às possibilidades abertas por França Júnior, deparamo-nos com um autor que tira

as máscaras à sociedade de seu tempo e veste-lhe as suas    críticas. É uma

sociedade que vai ao teatro e recebe alegremente tais críticas, ri de si mesma, e, talvez,

reflita sobre seus vícios e defeitos.

Na construção de uma categoria de análise, usamos a metáfora da   . As

  , que França Júnior distribui em sua obra dramatúrgica, são feitas a partir da

observação da realidade à sua volta, e da habilidade do autor de recortar no tecido

social, cultural e político brasileiro de sua época os aspectos que nos são mostrados,

³costurados´ em suas comédias, propositalmente exagerados e ampliados, como

caricatura, paródia e sátira.


141

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c   c  c  c c c 'c c 
c
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 c c  c c  c c c  c c c c c

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c c$ cc

c cc c  c c
c$ cc cc c
c $c c
 'c c
 
  cccc  c 
 
183c
c

Trabalhamos com informações, detalhes, descrições, situações, comportamentos,

atitudes, enredos, diálogos, cenas, caracterizações, instituições e questões políticas.

Descobrimos vários registros e documentos para a pesquisa sociológica, política,

estética, literária.

Tentamos empreender uma leitura do pensamento e da crítica social de França

Júnior, na apresentação metafórica da realidade184 presente nos folhetins. Esse

pensamento, em forma de sátira, expressa a negação ou rejeição de comportamentos,

hábitos e atitudes de seus contemporâneos, em especial, da pequena burguesia em

formação na segunda metade do século XIX. Nos textos que analisamos o público e o

privado, a intimidade e a vida pública, a casa e a rua, a cidade e o campo aparecem

imbricados na descrição, em pequenos diálogos, trechos de crítica social e análise do

ambiente político.

183
Raymundo FAORO ± ³O Espelho e a Lâmpada´, in: Machado de Assis: a pirâmide e o
trapézio, 4ª edição, revista, São Paulo: Editora Globo, 2001, p. 526.
184
Nos reportamos a Anatol Rosenfeld (³A Estrutura da Obra de Arte ± O ser do objeto´, in:
Estrutura e Problemas da Obra Aiterária, São Paulo : Editora Perspectiva, 1976, Coleção Elos,
nº 1, pp. 13/14.) para entender que ³realidade´ aqui é apenas uma das dimensões da obra de
arte analisada, sujeita a variados atos de atualização e concretização pelo pesquisador
enquanto apreciador e sujeito desses atos.
142

França Júnior é um autor que privilegia o diálogo, não apenas no estilo literário.

Ele dialoga com o leitor e com suas próprias fontes: reaproveita idéias, fatos,

acontecimentos, críticas anteriores ainda válidas no momento em que (re) escreve. Por

duas vezes, ao longo da dissertação, ao analisarmos os folhetins políticos, confrontamos

seu texto com o de outros autores, um político e jornalista (Joaquim Nabuco) e um

historiador (Raymundo Faoro) e pudemos perceber que, apesar da mordacidade das

críticas do conservador França Júnior, elas encontram ressonância, repercutem, são

passíveis de discussão, de debate.

Nos folhetins, é possível fazer a leitura do pensamento e da crítica social de

França Júnior, na apresentação metafórica da realidade, como um registro no nível da

descrição jornalística ou da crônica, como registro histórico e análise social (os

 c  &  feitos nos folhetins), documento para a pesquisa sociológica,

política, histórica, estética, literária.

No domínio da literatura dramática, estamos frente à representação que França

Júnior nos traz dessa sociedade, seus costumes e defeitos, criticados e apontados, agora,

em registro ficcional, literário. Nossa análise caminhou para um limiar, uma fronteira

entre gêneros, e o recurso à dramaturgia e à encenação se fez necessário. Se

acrescentarmos o domínio da encenação, do espetáculo teatral propriamente dito, todo o

material da observação, todas as idéias, comportamentos, hábitos, costumes, atitudes,

todos os ritos sociais e assuntos trabalhados e criticados por França Júnior em seu

processo de criação, materializam-se no palco, na cena, na ação da comédia. O texto

materializa-se, as personagens tomam forma. Finalmente, vemos as   

distribuídas pelo autor sobre cabeças reais, pensantes, vivas, concretas. Há atores dando
143

vida às criações do escritor, intenção às palavras, ao pensamento, à crítica de França

Júnior.

O aproveitamento nas comédias de costumes, do material anotado e apresentado

por França Júnior nos folhetins, é demonstrado em nossa análise. Trata-se não apenas de

um procedimento utilizado na criação artística, mas também de uma metodologia do

observador arguto, que envolve e alicia o leitor para o acompanhamento de seus 




e  c & .

Da mesma maneira, o espectador das comédias de costumes de França Júnior é

aliciado e envolvido pelos tipos e situações representadas. A crítica de costumes e a

crítica política aparecem juntas, e o autor mostra-nos como o público e privado, a

intimidade e a vida pública estavam já de tal maneira imbricados no tecido social e

cultural brasileiro, compondo uma trama de hábitos, relações, favores, comportamentos,

ritos e aparências condenáveis. Hábil na escrita com sua pena afiada, cortante como

uma tesoura, França Júnior seleciona e recorta desse tecido o material de suas comédias.

Com ele alinhava suas    morais, estéticas, políticas, costurando-as com as

linhas da paródia, da sátira, da caricatura.


144

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Na abordagem da encenação, nossa análise tomou o rumo da fronteira entre arte

e política, entre teatro e política. O texto e sua carga de críticas, idéias, comportamentos,

valores, atitudes, se materializa. As personagens tomaram forma. Há atores e um

público que, como o pesquisador espectador, vivenciam as criações do autor, notam

intenções, inflexões, interpretam palavras, compreendem o pensamento que elas

conduzem. É um texto de época que está sendo encenado; uma sátira política.

Identificamos instituições, atitudes individuais e coletivas, que analisamos ao par do

entendimento da situação social, histórica e política representada de diversos pontos-de-

vista: dos atores, da direção, do público, do pesquisador.

O trabalho do pesquisador foi informado pela crítica teatral: foi feita a leitura

crítica do espetáculo. Se antes havia a mediação do texto para o entendimento da obra e

a identificação de seus elementos internos e externos, passou a haver o fato, o

acontecimento teatral, que traz em si, indistintos, tais elementos.

O palco foi preenchido com ações concretas, que ora evidenciavam a

apropriação do espaço público pelo interesse privado, ora representavam a intimidade

do poder que se apropria desse espaço. A política do favor (7 c c 8


9), na

185
Armando Sérgio da SILVA e J. GUINSBURG - ³A Linguagem Teatral do Oficina´, in:  .
Guinsburg: Diálogos sobre Teatro, Armando Sérgio da SILVA (organizador), São Paulo: Editora
da Universidade de São Paulo, 1992, p. 98.
145

expressão de José de Souza Martins, base e fundamento do Estado brasileiro, não

permite nem comporta a distinção entre o público e o privado.186

A elaboração das   , por França Júnior, com recortes do tecido social,

cultural e político, elementos do mundo real, ³costurados´ com as técnicas e convenções

do teatro, da comédia de costumes, gera uma articulação de símbolos, no palco, que

(re)inventa o Brasil pela paródia, caricatura, sátira.

O grande esforço que percebemos na obra dramatúrgica e nos folhetins de

França Júnior é o de elaborar uma reconstrução do Brasil, mais pela pena da ³galhofa´,

com um viés social e político bem demarcado: sua crítica foi realizada tendo como

referência uma sociedade burguesa, moderna, civilizada, de inspiração européia, que ele

não vê ocorrer na sociedade da Corte Imperial. Sociedade da qual o folhetinista e

comediógrafo, de uma perspectiva conservadora, condena o apego às aparências, o

casamento por interesse, a subserviência aos padrões estéticos e culturais estrangeiros, e

os vícios que se estabeleciam (e ainda estabelecidos estão) na cultura política brasileira:

a inconsistência partidária, o patronato político, o nepotismo, o despreparo para o

exercício do poder. E a principal crítica, a nosso ver, é dirigida ao modo como essa

sociedade, em seu cotidiano, na imprensa, nas manifestações mais simples e nos

momentos de crise social e política não distinguia o público do privado, a intimidade da

vida pública.

Tem o comediógrafo na pena o instrumento cortante da sátira, critica os excessos

do progresso, mas sente o gosto amargo da realidade: sua época está sendo ou já foi

186
José de Souza MARTINS, ³Clientelismo e corrupção no Brasil contemporâneo´, in: O Poder
do Atraso: ensaios de Sociologia da História Aenta, São Paulo : Editora Hucitec, 1994, p. 20.
146

superada. Apega-se à forma, a princípios (ele que tanto os ironizou), fazendo apenas

com que seu teatro, nas palavras de Sábato Magaldi, exerça o papel moderador de

corrigir o entusiasmo quixotesco das místicas da novidade.

França Júnior viveu e morreu com o Império, o Segundo Reinado. As novas

idéias republicanas mudavam a cultura, a política e o pensamento do país:

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A Proclamação da República alijou do poder aquele que era o símbolo de uma

época, D. Pedro II. O comediógrafo era amigo da família real e sentiu o golpe, não tão

duro quanto a incompreensão da colônia portuguesa para com sua última comédia,


c >c 
 (1890). França Júnior morreria, desgostoso, quatro meses

depois da estréia malograda.

187
Euclides da CUNHA, ³Da Independência à República´, in: § Margem da História, Porto,
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Fotografia

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Programa de Teatro

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