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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA

CENTRO DE ARTES – CEART


LICENCIATURA E BACHARELADO EM TEATRO

LUCAS HEYMANNS MOHR

ENTRE A TÉCNICA E O DESCONHECIDO:


REFLEXÕES SOBRE PESQUISAS EM ATUAÇÃO A PARTIR DA IDEIA DE
ESTRANHAMENTO

FLORIANÓPOLIS, SC
2015
LUCAS HEYMANNS MOHR

ENTRE A TÉCNICA E O DESCONHECIDO:


REFLEXÕES SOBRE PESQUISAS EM ATUAÇÃO A PARTIR DA IDEIA DE
ESTRANHAMENTO

Trabalho de Conclusão apresentado ao


Curso de Licenciatura e Bacharelado em
Teatro do Centro de Artes, da
Universidade do Estado de Santa Catarina,
como requisito parcial para a obtenção do
grau de licenciado e bacharel em Teatro.

Orientador: Prof. Dr. André Luiz Antunes


Netto Carreira

FLORIANÓPOLIS, SC
2015
LUCAS HEYMANNS MOHR

ENTRE A TÉCNICA E O DESCONHECIDO:


REFLEXÕES SOBRE PESQUISAS EM ATUAÇÃO A PARTIR DA IDEIA DE
ESTRANHAMENTO

Trabalho de Conclusão apresentado ao Curso de Licenciatura e Bacharelado em Teatro


do Centro de Artes, da Universidade do Estado de Santa Catarina, como requisito parcial para
a obtenção do grau de licenciado e bacharel em Teatro.

BANCA EXAMINADORA

Orientador: _________________________________________________________
Prof. Dr. André Luiz Antunes Netto Carreira
Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC

Membro: __________________________________________________________
Profa. Dra. Sandra Meyer Nunes
Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC

Membro: __________________________________________________________
Prof. Dr. Stephan Arnulf Baumgärtel
Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC

FLORIANÓPOLIS, SC (09/12/2015)
AGRADECIMENTOS

A André Carreira, professor, orientador, colega e amigo, pelas oportunidades,


conversas, orientações e pesquisas ao longo de toda minha trajetória acadêmica.
A todos colegas e professores que compartilharam estes anos de aulas, trabalhos,
discussões e apresentações, em especial a Stephan Baumgärtel e Sandra Nunes que marcaram
meus estudos e minhas inquietações e aceitaram integrar a banca deste trabalho.
Aos parceiros de arte e amigos: Grupo E.T.C., Grupo (E)xperiência Subterrânea,
Coletivo Transtorno, ÁQIS, Carolina Figner, Vanessa Civiero e muitos outros que me enchem
de orgulho e me ensinam muito.
Ao Daniel, pelo companheirismo, suporte e amor.
A Elizabeth, minha vó, pela inspiração, elegância e sabedoria que ainda permeia todos
que a conheceram.
A Claudia, minha mãe, por me mostrar a vida, por ser esta mulher incrível e por me
ensinar a ser livre.
RESUMO

MOHR, Lucas Heymanns. Entre a técnica e o desconhecido: reflexões sobre pesquisas em


atuação a partir da ideia de estranhamento. Trabalho de Conclusão de Curso, Licenciatura e
Bacharelado em Teatro. Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2015.

Este trabalho parte da ideia de estranhamento, proposta pelo linguista russo Viktor
Chklovski, para refletir sobre pesquisas em atuação. O estranho é aqui explorado enquanto
imagem que nos ajuda a investigar espaços liminares entre “representações” e “realidade” na
prática teatral. A partir da noção de crise da representação no teatro, busca-se mostrar como
diferentes pesquisas em atuação lidaram com oposições como real-ficcional, ator-
personagem, interno-externo, corpo-mente. Tais oposições são investigadas através de uma
breve análise de procedimentos de criação em atuação no trabalho de Constantin Stanislavski,
Vsevelod Meyerhold e Jerzy Grotowski, propondo uma relação destas práticas com a noção
de estranhamento. Além destas, é descrita a pesquisa do ÁQIS – Núcleo de Pesquisas sobre
Processos de Criação Artística, sobre atuação por estados. Estas experiências são utilizadas
para pensar procedimentos de estranhamento no próprio processo de criação do ator, como
forma de colocar em atrito a técnica (entendida aqui como a estrutural formal e os elementos
pré-concebidos, ensaiados e previstos do acontecimento cênico) e o desconhecido (o
imprevisto, o risco, o que é relativo ao aqui-e-agora da apresentação).

Palavras-chave: Estranhamento. Atuação. Crise da representação.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO …................................................................................................................6

2 O ESTRANHO, A REALIDADE, AS REPRESENTAÇÕES .......................................10

2.1 ESTRANHAMENTO .......................................................................................................10

2.2 DA LITERATURA À AÇÃO REAL: MUDANÇAS DE PARADIGMA NO TEATRO DO

SÉCULO XX ..........................................................................................................................14

2.3 PROBLEMÁTICAS DA OPOSIÇÃO ENTRE REPRESENTAÇÃO E AÇÃO REAL...19

2.4 PROCEDIMENTOS PARA UMA ARTE NÃO-ILUSTRATIVA? ..................................26

3 O ESTRANHO NAS PESQUISAS EM ATUAÇÃO ......................................................31

3.1 STANISLAVSKI: INTERNO E EXTERNO, ATOR E PERSONAGEM .......................31

3.2 MEYERHOLD: O GROTESCO E A CONVENÇÃO CONSCIENTE ..........................35

3.3 GROTOWSKI: DISCIPLINA, ESPONTANEIDADE E VIA NEGATIVA ...................40

3.4 ÁQIS: ATUAÇÃO POR ESTADOS ...............................................................................45

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................49
6

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como foco refletir sobre o desenvolvimento de técnicas de atuação a
partir da ideia de estranhamento. Como ator-pesquisador interessado na investigação de
procedimentos de atuação, busquei pensar em como podemos conciliar a ideia de treinamento
e preparação do ator com o entendimento contemporâneo de tensões entre realidade e ficção,
ator e personagem, real e representação. Meu processo de pesquisa como bolsista de
Iniciação Científica no Núcleo de Pesquisa Sobre Processos de Criação Artística (ÁQIS), no
qual atuo desde 2011, me fez refletir sobre como desenvolver uma práxis em atuação que leve
em conta as complexas relações entre experienciar e comunicar, sentir e expressar, ser e
contar. Minha experiência laboratorial dentro do ÁQIS e minha concorrência às aulas no
curso de licenciatura e bacharelado em Teatro me levaram a questionar o lugar do trabalho do
ator na contemporaneidade, assim como a correspondência entre uma investigação técnica e
um posicionamento a respeito da função que a arte do ator pode ocupar no mundo de hoje.
Diante da crescente virtualização das relações interpessoais, diante dos espetáculos
midiáticos, diante do volume crescente de consumo de informações, para que podem servir as
pesquisas em atuação? Ao relacionar essas diferentes inquietações cheguei às premissas deste
trabalho de conclusão de curso que reflete minha trajetória como estudante, pesquisador e
artista.
Ao realizar este TCC decidi por uma forma de ensaio, porque desta maneira considero
que contemplo de modo mais consistente a relação entre meu processo laboratorial como ator
e o processo de escritura deste trabalho. O desafio de organizar um trabalho que aproxima o
meu material criativo, minha experiência pessoal e meu percurso dentro da universidade, me
impulsionou a escrever seguindo princípios semelhantes. A escrita pode ser vista como uma
tentativa de representação de uma vivência, e principalmente no caso de um trabalho
acadêmico, está relacionada com transformar uma experiência e uma pesquisa individual em
um objeto compartilhável, que tenha algum tipo de valor para a coletividade. Considero que
narrar e refletir sobre as vivências, associações e questionamentos que me produziram as
experiências acima citadas seja a forma mais intensa e sincera de contribuir com o campo de
pesquisa com o qual escolhi trabalhar. Por esse motivo, ao invés de tentar um aprofundamento
em conceitos já muitas vezes investigados isoladamente, decidi compor um panorama de
maneira a expor como minhas leituras e práticas se organizaram no decorrer da minha
trajetória na universidade.
7

Podemos começar com uma pergunta traiçoeira: é possível definir o que é uma “boa”
atuação?
Toda investigação acerca da arte do ator pressupõe a busca por uma atuação que seja
potente, ou verdadeira, eficaz, real, interessante, intensa, imprevisível: os termos variam de
acordo com as referências adotadas. Esta multiplicidade de adjetivos faz eco à
impossibilidade de exprimir, em caráter definitivo, em que consiste uma “boa” ou “má”
atuação, ou ainda, à impossibilidade de definir qual procedimento deve ser utilizado para que
uma atuação afete o outro, produza algo no público. Por outro lado, toda tentativa de
valoração dessa arte passa obrigatoriamente – conscientemente ou não – por um
questionamento sobre a função do ator na arte e no meio social, de forma que uma
investigação técnica em atuação é também uma investigação acerca do lugar que essa arte
ocupa no mundo.
É difícil falar de forma objetiva da qualidade de objetos artísticos. Nossa percepção do
que chamamos de arte é altamente subjetiva (por questões de “gosto”, preferências estéticas,
experiências artístico/culturais prévias, contexto social, etc), e é sempre permeada pelo
entendimento que temos da função da arte (ou de uma determinada forma de arte). Nosso
vínculo com um objeto de arte depende totalmente das expectativas em relação ao papel que
esta forma de arte tem no mundo: entreter, questionar, inspirar bons costumes, ensinar,
provocar catarse, chocar, fazer rir, embelezar? Da mesma maneira, a criação de objetos
artísticos é feita através de técnicas e procedimentos que são indissociáveis da ideia, ainda que
vaga ou inconsciente, que determinado artista ou grupo de artistas têm da função desta obra
no contexto social.
É certamente impossível definirmos uma única função para a arte, nem a mais
“correta” ou “elevada”. No entanto, existem algumas noções que podem servir como norte em
uma investigação a respeito de técnicas, procedimentos e objetivos no campo da arte teatral.
Neste trabalho proponho uma reflexão sobre formas de arte que se estruturam a partir da
fricção entre “técnica” e “espontaneidade” e entre “ficção” e “realidade”. Interessa-me
pesquisar como relacionam-se os procedimentos técnicos de criação em atuação com a busca
por uma arte que possa problematizar e refletir sobre as imbricações entre realidade e
representações – uma arte que seja em alguma medida incerta de seus resultados e que nos
ajude a desconfiar de hábitos e re-organizar convenções. Sendo assim, apoiarei-me na ideia de
estranhamento, proposta pelo escritor, teórico e linguista russo Viktor Chklovski, para pensar
8

o desenvolvimento de técnicas e práticas em atuação que exploram territórios liminares entre


elementos estruturantes do acontecimento cênico (texto, marcações, ensaios, treinamento) e a
experiência concreta do ator no momento da cena.
Chklovski propõe que é função da arte deslocar os objetos de seu significado habitual,
torná-los estranhos, quer dizer, fazer com que sejam percebidos da maneira como estes se
apresentam no momento presente e em sua materialidade, ao invés de reconhecê-los e atribuí-
los automaticamente a uma categoria conhecida. Tornar estranho pode ser entendido como
estimular um olhar que experimenta objetos conhecidos como se fossem desconhecidos, ou
que sugere possibilidades não-habituais de percepção deste objeto. A linguagem poética
(artística), para Chklovski, age prolongando a duração da percepção e “dificultando” seu
reconhecimento, inversamente à linguagem prosaica (cotidiana), da comunicação objetiva ou
pragmática, que busca uma economia perceptiva através do reconhecimento de representações
e signos já conhecidos. Desta forma, a arte não teria como objetivo comunicar significados
prontos e fixados, já estabelecidos de antemão, mas sim criar objetos que desencadeiem
sensações e associações (imagens sensoriais, pensamentos, memórias, afetos) no sujeito (o
leitor, o espectador de teatro, o ouvinte de música, etc). O objeto artístico exigiria então um
esforço do sujeito que interage com ele para a criação de um sentido – um sentido construído
entre a materialidade do objeto artístico e a percepção e vivência do sujeito. Tomando o
exemplo da obra teatral, podemos dizer que esse pensamento implica uma relação ativa do
espectador com aquilo que é apresentado, ao contrário da acepção de que o espectador
assimila passivamente as informações representadas, transmitidas pelos atores.
Tal conceito me parece relevante pois permite uma relação direta com algumas das
mais importantes experimentações em atuação no séc. XX. De acordo com De Marinis
(2005), a relação entre ator e espectador foi o principal eixo pelo qual a arte teatral se
transformou e se re-orientou a partir do início do século passado. Buscando libertar-se de
certa submissão a outras artes, em especial à literatura, artistas passaram a reivindicar o teatro
como forma de arte autônoma e explorá-la em suas especificidades: a presencialidade, a
relação real (concreta, corporal) entre atores, espectadores e demais elementos cênicos em um
mesmo tempo e espaço, e, consequentemente, a irrepetibilidade do evento teatral. Esse
entendimento produziu uma linha de investigação em teatro que passou a se interessar cada
vez menos pela representação de um material dramatúrgico (literário) e mais pelos aspectos
ditos performáticos, referentes ao teatro como acontecimento concreto entre corpos presentes
9

em um mesmo espaço e tempo. Tal mudança nos paradigmas teatrais acontece em


consonância com outras áreas do conhecimento artístico e científico, dentro de um amplo
espectro teórico que lida com a ideia de “crise da representação” e com a crítica ao
logocentrismo.
O questionamento da representação reverberou de maneira intensa no campo das
investigações em atuação, talvez por ser este um campo onde não é difícil perceber o atrito e
as sobreposições entre representação e afetos, entre ficção e realidade. O ator encontra-se
sempre em um território liminar entre a ficção que está representando e a realidade do seu
corpo (em interação com o ambiente, outros atores, público, etc). Este duplo lugar provoca
perguntas que se relacionam diretamente com os procedimentos técnicos da arte do ator: é
preciso sentir, vivenciar em seu próprio corpo os sentimentos e situações que se encena ou o
importante é comunicar, exteriorizar esse sentimento, fazer com que o público o sinta? Essa
antiga discussão foi explorada pelo filósofo iluminista Denis Diderot em sua obra “O
Paradoxo do Comediante”, escrita no final do século XVIII. Nessa obra, que tornou-se um
marco para os estudos em atuação, Diderot reflete sobre o papel da emoção e da razão no
trabalho do ator: um bom ator é aquele que sente as dores da personagem ou o que se
distancia dela e administra racionalmente suas ações? As técnicas e poéticas em atuação
partem de perguntas irrespondíveis como esta para tentar dar conta das complexas relações
entre sentir e comunicar.
Para tratar desses dois polos, inseparáveis, nos quais baseia-se a arte do ator, grandes
investigadores da atuação criaram conceitos e metáforas que ajudam a lidar com tais
processos. Os binômios interno – externo, sentir – expressar, ator – personagem, percepção –
ação, espontaneidade – disciplina, real – ficcional, são exemplos de oposições que, de
diferentes formas, propõem formas de lidar com esse duplo lugar da atuação.
Neste trabalho proponho uma relação entre pesquisas em atuação e a ideia de
estranhamento. Na primeira parte será abordada a noção de estranhamento e suas
aproximações à ideia de crise da representação na arte e no teatro, tentando problematizar a
oposição entre realidade e representação. Na segunda parte reflito sobre pesquisas em
atuação que lidam com as ideias apresentadas até aqui, tomando como referência principal os
trabalhos de Constantin Stanislavski (1863 – 1938), Vsevelod Meyerhold (1874 - 1940), Jerzy
Grotowski (1933 – 1999) e as pesquisas sobre atuação por estados desenvolvidas pelo ÁQIS.
10

2 O ESTRANHO, A REALIDADE, AS REPRESENTAÇÕES

2.1 ESTRANHAMENTO

Viktor Chklovski foi crítico e teórico literário, escritor e cenógrafo, considerado um


dos principais expoentes do formalismo russo. A ideia de estranhamento é exposta por ele no
texto A Arte como Procedimento, publicado em 1917. A palavra ostranenie, no original em
russo, é um neologismo criado pelo autor e, por esse motivo, existem diferentes traduções do
conceito: singularização, desfamiliarização, estranhamento. Opta-se aqui pelo uso de
estranhamento por ser a alternativa que mais se acerca da raiz do termo em russo 1 e por
melhor adequar-se a uma tentativa de transposição deste conceito para o campo das
investigações em procedimentos de atuação.
Partindo da suposição de que a arte é uma forma de pensamento através de imagens,
Chklovski diferencia a função que as imagens exercem na língua prosaica (da comunicação
cotidiana) e na língua poética (não só da poesia, mas da arte em geral). Define a imagem
prosaica “como um meio prático de pensar, meio de agrupar os objetos, e a imagem poética,
[como um] meio de reforçar a impressão” 2.
O primeiro tipo, a que ele chama de “imagem-fábula”, “imagem-pensamento”, opera
pela funcionalidade e pela eficiência comunicativa – a máxima economia de energia para
passar uma mensagem. É este tipo de imagem que nos permite uma comunicação rápida a
partir do reconhecimento de determinados símbolos que representam um objeto ou uma ideia
específica. Nossa comunicação cotidiana é baseada nessa economia perceptiva onde os
objetos são substituídos por símbolos em procedimento análogo à álgebra: “os objetos são
considerados no seu número e volume, eles não são vistos, eles são reconhecidos após os
primeiros traços.”3 Desta forma, em nossa comunicação oral, por exemplo, utilizamos frases
inacabadas e palavras pronunciadas velozmente ou pela metade, sem que isso prejudique
nosso entendimento de seus significados – “são apenas os primeiros sons do nome que
aparecem à consciência”. Reconhecemos de imediato essa imagem e a associamos a objetos
ou ideias já conhecidos, a conceitos pré-estabelecidos oriundos de nossa experiência empírica

1 Cf. SHER, Benjamin, Translator's Introduction: Shklovsky and the Revolution. in CHKLOVSKY, Viktor.
Theory of Prose. Champaign & London: Dalkey Archive Press, 1990.
2 CHKLOVSKI, Viktor. A Arte como Procedimento. In.: EIKHENBAUM, B. Teoria da Literatura: Formalistas
Russos. 4. ed. Porto Alegre: Globo, 1978. p. 42
3 Ibid. p. 44
11

e determinados pelo nosso contexto histórico-social. Esse tipo de imagem nos poupa de
examinar demoradamente cada objeto em sua materialidade e singularidade: a partir de seus
primeiros traços já se pode atribuí-lo a uma categoria ou ideia que nos é familiar.
A economia perceptiva decorre de um processo de automatização, descrito por
Chklovski como consequência da repetição de ações até o ponto que de tão habituais tornam-
se automáticas (ou automatizadas). Não é difícil encontrar exemplos para isso. Ao iniciarmos
o aprendizado de algo, tal como ler, andar ou dirigir, é necessário extrema concentração e
consciência; com a prática e a repetição essas ações requerem cada vez menos energia e
atenção para sua execução. Desta forma, não lemos um texto letra por letra mas sim por
blocos de letras e palavras; não temos que, para caminhar, pensar em empurrar o chão e
colocar um pé a frente do outro.
O processo de economia perceptiva é de fundamental importância não só para nossa
capacidade comunicativa mas para a manutenção da vida em geral – seria impossível
desempenhar inúmeras tarefas se tivéssemos que nos concentrar e decidir cada vez que
inspiramos ou pronunciamos um fonema. No entanto, o processo de automatização pode
também reduzir a consciência de nossas ações e percepções e estabelecer ciclos de repetição
mecanizada; “a automatização engole os objetos, os hábitos, os móveis, a mulher e o medo à
guerra”.4 5A função da imagem poética seria justamente resistir ao automatismo perceptivo,
deslocando o foco da identificação de algo conhecido para a percepção da materialidade do
objeto em sua apresentação hic et nunc. Chklovski resume sua concepção do objetivo da arte
neste que é um dos mais citados trechos de sua obra:

E eis que para devolver a sensação de vida, para sentir os objetos, para provar
que pedra é pedra, existe o que se chama arte. O objetivo da arte é dar a
sensação do objeto como visão e não como reconhecimento; o procedimento
da arte é o procedimento de singularização 6 dos objetos e o procedimento que
consiste em obscurecer a forma, aumentar a dificuldade e a duração da
percepção. O ato de percepção em arte é um fim em si mesmo e deve ser

4 Ibid. p. 44
5 É interessante notar as influências de estudos em psicologia nos escritos de Chklovski. William James,
importante psicólogo do final do século XIX, havia publicado em 1890 um estudo chamado Hábito, onde
versa sobre as relações entre hábitos no mundo físico e hábitos comportamentais e perceptivos. Em seu livro,
por exemplo, James cita como os hábitos “simplificam os movimentos requeridos para alcançar um dado
resultado, tornam-os mais precisos e diminuem o cansaço” (“simplifies the movements required to achieve a
given result, makes them more accurate and diminishes fatigue”), e “diminuem a atenção consciente com a
qual nossos atos são performados” (“diminishes the conscious attention with which our acts are
performed”). in. JAMES, William. Habit. New York: Henry Holt and Company, 1914.
6 Aqui opta-se por manter o termo escolhido pelo tradutor da edição de onde foi retirada a citação; no entanto,
no texto original Chklovski usa a palavra ostranenie, que no decorrer desse trabalho será sempre traduzido
enquanto estranhamento.
12

prolongado; a arte é um meio de experimentar o devir do objeto, o que é já


“passado" não importa para a arte.7

Chklovski propõe uma arte que questione nossas percepções habituais e nos coloque
diante de uma imagem desconhecida, estranha, que convoque nossa consciência a decifrá-la, a
percebê-la em sua materialidade e não como ilustração de um objeto real: o objeto poético não
é menos real do que aquilo que ele supostamente representa.
O autor é consciente de que perceber um objeto como prosaico ou poético não
depende somente das características desse objeto, mas, também da nossa maneira de percebê-
lo, nosso contexto social, nossas memórias – o que é habitual para um pode ser estranho para
outro; situações ou acontecimentos cotidianos podem ser percebidos como poéticos e vice-
versa8. No entanto, só faz sentido uma discussão técnica a respeito da arte e, nesse caso, da
atuação, se supormos que existem procedimentos que podem intensificar a percepção de um
objeto enquanto poético, quer dizer, dificultar seu reconhecimento automático e deslocar o
objeto de um significado conhecido: torná-lo estranho.
No âmbito dos estudos em teatro, não podemos nos referir ao efeito de estranhamento
sem aludir a Bertolt Brecht. O termo efeito de estranhamento (Verfrendungseffekt, no original
em alemão) aparece em suas obras a partir de 1936 e foi traduzido, no Brasil, principalmente
por efeito de distanciamento. No entanto, assim como o termo ostranenie de Chklovski,
recebeu diversas outras traduções como efeito de afastamento, singularização,
desfamiliarização e desalienação. Comum entre todos esses termos, permeia a ideia de tornar
insólito o cotidiano, de provocar um olhar que percebe o habitual enquanto transitório, não-
natural e passível de transformação. No caso de Brecht, o conceito foi utilizado diretamente
relacionado à prática teatral, resultando em procedimentos concretos a nível de encenação e
atuação. Opondo-se ao teatro naturalista, acusado por Brecht de basear-se na ilusão da
realidade e na identificação passiva do espectador com as personagens, o autor e diretor
alemão propôs procedimentos de atuação que tinham como objetivo distanciar o ator da
personagem (para que o público pudesse também distanciar-se do efeito de ilusão provocado
pela ficção):

Em momento algum deve o ator transformar-se completamente na sua


personagem. Para ele, deve ser desanimador um juízo como o que se segue:

7 CHKLOVSKI, op. cit., p. 45


8 “Assim, o objeto pode ser: 1) criado como prosaico e percebido como poético, 2) criado como poético e
percebido como prosaico. Isto indica que o caráter estético de um objeto, o direito de relacioná-lo com a
poesia, é o resultado de nossa maneira de perceber; (...)”. CHKLOVSKI, op. cit., p. 41
13

“Não, não desempenhava o papel de Lear, era o próprio Lear, em pessoa.” O


ator deve mostrar apenas a sua personagem, ou melhor, não deve vivê-la; o
que não significa que, ao representar pessoas apaixonadas, precise mostrar-se
frio. Somente os sentimentos pessoais do ator é que não devem ser, em
princípio, os mesmos que os da personagem respectiva, para que os do
público não se tornem também, em princípio, os da personagem. O público
deve gozar, neste campo, de completa liberdade. 9

Esse é um dos exemplos onde o efeito de estranhamento é relacionado diretamente à


arte do ator. Contudo, uma investigação acerca do Verfrendungseffeckt na trajetória artística
de Brecht, ou do desenvolvimento de procedimentos de encenação e atuação que partiram
dessa ideia, geraria um estudo à parte. Ainda que com diferentes nuances, o estranhamento
em Brecht e em Chklovski apresenta o cerne comum de propor efeitos que impeçam ou
dificultem o reconhecimento automático de formas já conhecidas pelos espectadores. 10 Opta-
se aqui por trabalhar a partir de Chklovski por ser um viés menos explorado na teoria da
atuação e por propor uma oposição mais clara entre formas de transmitir uma informação e
formas de dificultar ou confundir a comunicação, ideias que nos servem para pensar o espaço
liminar entre a experiência e a representação no trabalho do ator. Também porque a ideia de
estranhamento em Chklovski, apesar de ser exemplificada a partir da literatura, refere-se mais
especificamente ao procedimento de criação em arte, enquanto que em Brecht este conceito
foi desenvolvido estreitamente conectado à sua proposta de teatro e de relação entre a obra
teatral e o espectador. Considerou-se, principalmente neste caso, um elemento de linguagem
da encenação.
A proposição de uma arte que torne estranhas nossas percepções habituais pode ser
relacionada a um processo de questionamento do lugar das representações no pensamento
contemporâneo. Tornar o habitual insólito e singular significa tomar consciência de que a
ideia que tínhamos de um objeto, quer dizer, sua representação, é apenas uma das
representações possíveis desse objeto, e que portanto, existem outras formas de percebê-lo,
emoldurá-lo: outras formas de atribuir-lhe sentido, outras formas de representá-lo. As

9 BRECHT, Bertolt. Pequeno Organon para o teatro. in Teatro dialético. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1967. p. 118
10 Na obra A estratégia dos signos, a pesquisadora Lucrécia Ferrara difere a ideia de estranhamento em
Chklovski e Brecht: “De Chklovski para Brecht temos a constante da visão singular, insólita da realidade,
visão capaz de desarticular os automatismos, porém, enquanto o primeiro fazia gerar, do insólito, a
especificidade do discurso artístico, Brecht utilizava do insólito para despertar o público do êxtase hipnótico
em que estava submerso pelo drama clássico. A diferença entre Chklovski e Brecht é a mesma que vai do
nível sintático para o nível semântico da linguagem, a mesma que vai do texto para o receptor; num
recrudescimento da arte enquanto ação na tentativa de escapar do seu estatuto de iguaria destinada à fruição e
ao divertimento inconsequentes”. FERRARA, Lucrécia. A estratégia dos signos. São Paulo: Perspectiva,
1986, p. 39.
14

representações passam a ser vista com desconfiança ao nos perguntarmos sobre a


(im)possibilidade de expressar de maneira completa nossa experiência real. Do mesmo modo,
a compreensão da representação como uma conceituação imprecisa e particular dos
fenômenos reais levaria a uma crítica às representações enquanto estratégia de poder e de
manutenção da ordem hegemônica. Esse pensamento constituiria o cerne de novas correntes
nas Humanidades, a exemplo da filosofia estética de Adorno, das investigações da Escola de
Frankfurt e do Pós-Estruturalismo11, que viriam a questionar os papeis das representações nas
dinâmicas sociais e os procedimentos de condicionamento perceptivo que elas engendram.
No teatro, o questionamento da representação apresenta-se indissociável de uma
reformulação da relação mimética da obra artística com o real. Recusando a visão de obra de
arte como tentativa de imitação do real, pensadores e artistas do século XX buscaram criar
um teatro “vivo”, permeável ao presente e tão real quanto este, ao contrário de um
pensamento que toma a “arte como uma versão de segunda mão de uma realidade mais
primária”.12 Criticando as convenções cristalizadas e os clichês de atuação de sua época, os
“reformadores do teatro do século XX”, para usar o termo de De Marinis, investigaram
formas de reconectar o teatro à realidade de seu tempo, buscando criar um teatro que
apresentasse ações reais e vivências concretas entre indivíduos em um mesmo tempo e
espaço. As investigações em atuação foram parte fundamental da mudança de paradigma nos
cânones teatrais, um paulatino deslocamento da encenação de textos dramáticos para a
criação de acontecimentos concretos entre atores e público, realidade e estruturas ficcionais.

2.2 DA LITERATURA À AÇÃO REAL: MUDANÇAS DE PARADIGMA NO TEATRO DO


SÉCULO XX

As grandes transformações pela quais passou o teatro no Século XX não foram


exclusivamente nem principalmente estéticas: foram transformações na própria finalidade do
teatro enquanto arte e em sua relação com a sociedade e o real de forma geral. Para De
Marinis, a grande revolução teatral no século XX “consiste no fato que pela primeira vez
(desde sua reinvenção no século XVI), o teatro deixa o horizonte tradicional da diversão, da

11 CORNAGO, Óscar. Teatro y Poder: estrategias de representación em la escena contemporánea. Revista


Iberoamericana, vol. 6, n. 21, 2006. Disponível em: https://journals.iai.spk-
berlin.de/index.php/iberoamericana/article/view/951. Acesso em: 20 nov. 2015.
12 SCHECHNER, Richard. The Natural/Artificial Controversy Renewed. in SCHECHNER, R. The End of
Humanism: Writings on Performance. New York: Performing Arts Journal Publications, 1982. p.80. (tradução
nossa)
15

evasão, da recreação”13, e passa a ser visto como meio de investigar e satisfazer necessidades
éticas, pedagógicas, espirituais. Este teatro a qual refere-se De Marinis é marcado pela
tradição dos “diretores-pedagogos” e pela busca de re-inventar o teatro a partir de seus
princípios essenciais. Stanislavski, Meyerhold, Eisenstein, Artaud, Brecht, Decroux e
Grotowski são alguns dos nomes que, por diversos caminhos, contribuíram para a
reformulação de paradigmas e para o desenvolvimento de práticas e técnicas no teatro do
século passado.
Nas bases deste movimento podemos identificar uma abertura do pensar teatral a
outras disciplinas e campos de conhecimento, ao mesmo tempo que uma busca pela
legitimação do teatro enquanto arte autônoma. De distintas maneiras, grandes encenadores,
atores e pesquisadores tentaram libertar o teatro de sua submissão a outras formas de arte, em
especial à literatura; criar um teatro pensado através de sua linguagem própria, levando em
consideração sua materialidade e suas especificidades enquanto arte presencial. Os
desdobramentos desta linha de pensamento levaria a um teatro onde a fábula e o texto
dramático correspondem a apenas um dos possíveis elementos do acontecimento teatral e não
mais o eixo organizativo dominante.
De Marinis descreve esse processo de questionamento do teatro tradicional da época
como movido por uma busca do que havia de essencial no teatro. Ele usa o termo volta às
origens para caracterizar esse movimento que envolvia a busca por formas originais e a
investigação de princípios originários na arte do teatro. Haveria então uma procura pelo
original no teatro no sentido do novo (a novidade, a vanguarda, a originalidade), assim como
uma volta ao originário, ao que é primário, essencial, e “como tal, pode servir para re-fundar
ou simplesmente re-orientar desde as bases o trabalho teatral sem ter que, por isso, renegar
totalmente o passado”14. Segundo De Marinis, a resposta quase unânime dos grandes mestres
do teatro do século XX à pergunta “o que é primário, essencial, no teatro?” refere-se ao ator
enquanto presença e ação física e à relação ator-espectador, e resume:

Creio que tal unidade de fundo pode ser ressaltada imediatamente em toda
sua evidência se reformularmos e definirmos o tema desta investigação do
século XX em uma pergunta: como (o quê) fazer para que a ação na cena
seja real (quer dizer, obviamente não realística senão eficaz, crível, sincera,
segundo os distintos léxicos que encontraremos). 15

13 DE MARINIS, MARCO. En busca del actor y del espectador. Comprender el teatro II. Buenos Aires:
Galerna, 2005. p. 189
14 Ibid, p.44
15 Ibid, p. 47
16

A ação real, eficaz, seria aquela que age diretamente, fisicamente sobre os
espectadores: não só sobre sua mente, mas sobre seus nervos, suas sensações, sua pele. O
espetáculo teatral deveria ser pensado enquanto ação, concreta e presente, e não enquanto
representação de uma ação. Sob essa visão, o teatro seria a arte da manipulação e da
estimulação perceptiva, sinestésica e cinestésica do espectador. Em consonância à proposição
de Chklovski apresentada acima, os “reformadores do teatro do século XX” buscaram
priorizar o evento teatral como forma de produzir sensações – ao invés de focar-se na
comunicação de uma história (entendida aqui na lógica do drama clássico), procurar maneiras
de afetar corporalmente o público.
Por um lado, podemos relativizar esta ideia de afetar corporalmente o público se
pensarmos que toda e qualquer percepção que temos nos afeta corporalmente: não existe uma
forma de percebermos o mundo que não passe obrigatoriamente pelo nosso aparato sensório-
motor. Se tudo nos afeta corporalmente, como podemos separar o que é representação e o que
é ação real? Voltarei a esse tema mais adiante. No entanto, esta ideia é importante, dentro do
contexto das renovações teatrais do século passado, pois ainda que suponha-se que não há
como separar representação e percepção corporal, ela ilustra um deslocamento de prioridades
nos meios de criar essas sensações.
O teatro tradicional da época baseava-se majoritariamente no instrumento organizador
do texto dramático e em uma encenação preocupada principalmente em representar o contexto
do drama. Os elementos da encenação serviam diretamente ao texto dramático e era a partir
dele que se buscava afetar o público. É evidente que também este teatro era permeado pelo
real em diversas estâncias, desde a escolha de suas temáticas, de seus autores, até a apreciação
dos atores e do desempenho de seus papéis pelo público; no entanto, o que orientava o
trabalho teatral tinha muito mais a ver com transpor uma história do papel para os palcos do
que criar um acontecimento que afetasse a percepção dos espectadores.
Assim, em oposição à primazia da palavra e à dominância do texto dramático, buscou-
se novas formas de afetar o público – através de outras configurações espaciais, de efeitos
sinestésicos envolvendo a música e as novas possibilidades de iluminação, e principalmente
através da cinestesia (“conjunto dos efeitos, das reações determinadas pela sensação e pela
percepção do movimento de um ser humano” 16).
O foco sobre a ação real em cena viria a colocar o corpo em posição-chave na busca
16 Ibid. p. 69
17

por este novo teatro. Poderíamos citar ao menos dois fatores para tal: o primeiro deles seria o
fato de que o corpo, do ator e do espectador, constitui um elemento claramente real.
Independente do texto dito, dos ensaios, das convenções de comportamento de um espectador,
um corpo é um organismo vivo onde atuam simultaneamente inúmeros impulsos de ordem
fisiológica, afetiva, racional. O corpo é por natureza um lugar instável, um lugar de risco,
passível de surtos, de descontroles e de incertezas.
Outro motivo seria a transformação da ideia de corpo ao longo dos últimos séculos. O
corpo passa a ocupar um lugar proeminente, tanto nas pesquisas em atuação quanto nos
estudos de recepção, a partir do entendimento de corpo-mente como um continuum
indissociável, como mostra Sandra Nunes em seu livro As Metáforas do Corpo em Cena
(2009). Citando as pesquisas de Joseph Roach, Nunes aponta pelo menos três questões
centrais surgidas no século XIX e que teriam influenciado o desenvolvimento de práticas em
atuação à época: a teoria evolucionista de Darwin, a teoria do inconsciente e o monismo.
Através da teoria evolucionista e dos estudos de etologia, o movimento expressivo
passa a ser visto como “algo inerente, a exemplo de outras espécies animais. De algo
conduzido pelos espíritos animais cartesianos 17, a emoção passa a ser entendida como uma
manifestação vinculada, de fato, à natureza animal” 18. Isso implica em um entendimento da
emoção e do movimento expressivo em suas bases biológicas, corporais (na acepção de um
corpo-mente indissociável). A proposta da seleção natural darwiniana também põe em cheque
uma definição ontológica e imutável do homem ao colocar o ambiente como fator
indissociável do desenvolvimento humano: “A teoria darwiniana tornou evidente a ideia de
uma ação contínua e co-evolutiva entre organismos e meio” 19. Para o campo das pesquisas
sobre o ator, essa afirmação reforça a ideia de atuação enquanto ação relacional, onde o ator
age sobre o meio assim como o meio age sobre o ator.
Por sua vez, as teorias do inconsciente levantavam questionamentos sobre o controle
que de fato temos sobre nossos processos mentais e emocionais, aumentando a desconfiança
em relação a infalibilidade de nossos processos racionais e relativos à memória: “O homem
não deixou somente de ser o centro do universo e da criação, como Copérnico e Darwin

17 Para Descartes, os movimentos do corpo e as paixões eram influenciados por substâncias produzidas pelo
corpo e presentes em nossa corrente sanguínea as quais ele denominava “espíritos animais”. Este tema é
desenvolvido em seu tratado As Paixões da Alma (1649). DESCARTES, René. As Paixões da Alma. Trad. J.
Guinsburg & B. Prado Jr., in Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1979.
18 NUNES, Sandra Meyer. As metáforas do corpo em cena. São Paulo: Annablume/UDESC, 2009. p. 197
19 Ibid. p. 197
18

comprovaram. Freud fez ver ao homem que ele não é o centro de si mesmo” 20. Aceitar que
não nos conhecemos por completo e que existem desejos, associações e sensações que não
são rastreáveis nem controláveis tem estreita relação com a busca por uma atuação complexa,
por procedimentos permeados por contradições, oposições e motivações ocultas, como forma
de tornar a atuação mais real e verossímil à complexa experiência humana.
Junto a isso ganharam força as correntes monistas. O monismo opõem-se ao dualismo
cartesiano, que compreende o pensamento e a consciência como substâncias imateriais,
separadas do corpo e da matéria e de alguma forma alheios ou superiores ao mundo concreto.
O monismo, compreendendo o pensamento como processo encarnado, viria a se desenvolver
em um entendimento do corpo-mente como um continuum interdependente e indissociável,
implicando em ser possível não só transformar o corpo/matéria através da mente/alma mas
também transformar e conformar o pensamento e a consciência através de práticas corporais.
As influências das filosofias e práticas orientais foram também determinantes nesse
entendimento de corpo-mente indissociáveis e no desenvolvimento de técnicas de trabalho
sobre si mesmo, a exemplo do yoga e de práticas meditativas no trabalho de Stanislavski, das
técnicas do teatro balinês que inspiraram Artaud e mais claramente as pesquisas posteriores
de Grotowski, Barba e Schechner em Antropologia Teatral.
Simultaneamente, várias linhas dentro da psicologia e da neurociência, como a
reflexologia e os estudos comportamentais, investigavam as estreitas relações entre estímulos
externos, emoções e reflexos físicos. William James, psicólogo do século XIX, foi um dos
pioneiros a pesquisar como os fatores físicos influenciam na criação dos estados emocionais,
usando-se do dictum “Eu vi o urso, eu corri, eu fiquei assustado” (estímulo externo – resposta
física – correspondência emocional). Essa mesma linha de investigação relaciona-se ao
desenvolvimento da ideia de cinestesia, quer dizer, a ideia de que as ações executadas por um
corpo, e neste caso os atores, seriam percebidas corporalmente pelos espectadores através de
uma espécie de “contágio mímico”. Eisenstein escreveu um artigo intitulado O Movimento
Expressivo, em que explora a noção de cinestesia aplicada à atuação, afirmando que as ações
orgânicas, quer dizer, ações executadas pelo ator com todo o corpo e que “involucram a
totalidade do organismo humano”, possuem a dupla propriedade de suscitar certo estado de
ânimo em quem as executa e de provocar no espectador reações e estados de ânimo análogos
ao qual experiencia o ator.21 Tais teorias tem profunda relação com o deslocamento das

20 Ibid. p. 199
21 DE MARINIS, op. cit. p. 68
19

investigações em atuação da representação de sentimentos e emoções para a busca por uma


ação resultante do total engajamento psicofísico do ator, o que sustentaria muitas das
investigações em atuação até os dias de hoje.
Fiz referências até aqui a como uma importante parte do teatro do século XX
debruçou-se sobre sua característica presencial e corporal para afirmar-se como arte
autônoma. Opondo presença real à representação, buscou procedimentos e ações reais, que
afetassem corporalmente o público e rompessem a ilusão da representação do drama e das
personagens. Apoiado pelo entendimento da indissociabilidade entre processos físicos e
mentais, este teatro tenta afetar o público através de sensações, afetos e associações, buscando
uma comunicação que não seja só racional, logocêntrica e representativa, mas que involucre o
corpo em sua integridade psicofísica. Os procedimentos técnicos de atuação tornaram-se um
dos principais eixos dessa investigação, ao serem exploradas as relações cinestésicas entre
atores e público e as possibilidades de uma atuação que fosse mais real e permeável ao
presente do que as convenções gestuais e declamativas caras ao teatro do XIX. Essas linhas de
investigação relacionam-se à ideia de estranhamento de Chklovski a medida que tiram o foco
da representação de conceitos prontos e reconhecíveis pelo público (os tipos, os gestos
representativos de emoções, o texto dramático e suas personagens) e privilegiam a percepção
do objeto artístico em sua imediatidade e materialidade através das sensações e associações
que este encontro desencadeia.

2.3 PROBLEMÁTICAS DA OPOSIÇÃO ENTRE REPRESENTAÇÃO E AÇÃO REAL

Proponho aqui uma breve digressão: a presença física é de fato mais real do que as
convenções, as palavras, os cenários com telas pintadas? Se por um lado a crítica ao
espetáculo e às representações (entendidas como ideias contrárias à presença e ao real)
tornou-se um campo fértil para a reinvenção de alguns paradigmas no teatro, por outro lado
ela pode nos levar a um terreno perigoso. A romantização da presença e a visão do teatro
enquanto comunidade viva corre o risco de resultar em um didatismo e em uma possível
super-valoração do teatro como o caminho privilegiado para alguma forma de revolução
(social, estética). O filósofo francês Jacques Rancière escreveu sobre a crítica ao espetáculo
no teatro em seu célebre artigo O Espectador Emancipado, onde problematiza o que ele
chama de uma visão romântica da presença, quer dizer, uma visão segundo a qual a presença,
por ser essencialmente real, seria automaticamente um meio potente e eficaz de afetar
20

espectadores nas artes presenciais.


Segundo Rancière, a crítica ao espetáculo passa pela ideia de tirar o espectador de uma
posição de passividade, tirá-lo do papel de receptor inerte de representações. Uma forma de
fazer isso seria distanciar o espectador da ficção apresentada, torná-lo um observador-
cientista, um espectador que observe o “espetáculo de algo estranho, que se dá como um
enigma e demanda que ele investigue a razão deste estranhamento” 22, procure suas causas,
desvende seus procedimentos. Isso significa distanciar-se do objeto artístico, observá-lo com
desconfiança, alterar a maneira de enxergar o espetáculo e assumir um olhar crítico,
construtivo, prospectivo. Rancière associa esse caminho com o teatro de Bertolt Brecht e com
o objetivo dos efeitos de estranhamento, distanciamento, desalienação.
Outra forma de superação do espetáculo seguiria por uma ideia quase oposta ao
distanciamento, ou seja, a abolição da distância entre espetáculo e espectador. O espectador
deveria deixar totalmente sua função de observador, ser “trazido para o poder mágico da ação
teatral, onde trocará o privilégio de fazer às vezes de observador racional pela experiência de
possuir as verdadeiras energias vitais do teatro”23. Este caminho estaria mais evidente nas
proposições de Antonin Artaud e relaciona-se com uma ideia de teatro ritual, de cerimônia
coletiva, onde atores e espectadores são partes conjuntas de uma mesma ação e energia.
Relaciona-se também com a ideia de ação real já exposta, onde atores executam ações
resultantes de seu total engajamento psicofísico e desta forma afetam corporalmente,
cinesteticamente os espectadores que vivenciam e compartilham destes afetos e destes
estados.
Estes dois caminhos, aparentemente opostos, confundem-se e misturam-se nas práticas
teatrais que tentaram transcender o espetáculo e re-afirmar o valor do teatro como
manifestação coletiva, como encontro político, como acontecimento onde as energias
coletivas entrecruzam-se. Mas onde exatamente apoia-se a crítica ao espetáculo? Por que a
condição de espetáculo deve ser questionada, combatida, ou superada, transposta? Segundo
Rancière, esta crítica tem como base a oposição platônica entre realidade e mímesis:

A reforma do teatro significou, deste modo, a restauração da sua autenticidade


como uma assembléia ou uma cerimônia da comunidade. O teatro é uma
assembléia onde as pessoas adquirem consciência da sua condição e discutem
os seus próprios interesses, diria Brecht depois de Piscator. O teatro é uma

22 RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. in.: Urdimento - Revista de Estudos em Artes Cênicas. Vol.
1, n.15. Florianópolis: UDESC/CEART, 2010. p.109
23 Ibid. p. 110
21

cerimônia onde se dá à comunidade a posse das suas próprias energias,


afirmaria Artaud. Se o teatro é defendido como o equivalente da verdadeira
comunidade, como o corpo vivo da comunidade em oposição à ilusão da
mimesis, não é de se surpreender que a tentativa de restaurar o teatro à sua
verdadeira essência tenha tido como pano de fundo teórico a crítica do
espetáculo.24

Platão tece sua conhecida crítica ao teatro e às artes representativas por condenar a
mímesis e o processo representativo como procedimentos falsificadores, ilusórios, inferiores à
realidade. De acordo com sua Teoria das Ideias, o mundo sensível, empiricamente perceptível,
já seria uma cópia imprecisa da ideia, imaterial, divina e perfeita, da realidade em si. As artes
representativas seriam então como uma cópia da cópia da ideia perfeita, quer dizer, uma
representação imperfeita do mundo sensível, que por sua vez já é mera aparência,
representação imperfeita do real/ideal. Porém, as aparências e representações são visíveis, são
experienciáveis, nos afetam também corporalmente. Pode-se dizer que são de alguma forma
menos reais do que a realidade de fato? Em sua História da Filosofia Ocidental, Bertrand
Russel evidencia esse ponto fraco na filosofia de Platão:

Se a aparência realmente aparece, ela não é o mesmo que 'nada', e é portanto


parte da realidade. (…) Platão não sonharia em negar que parecem existir
várias camas, ainda que haja apenas uma cama verdadeira, aquela feita por
Deus. Mas ele não parece ter enfrentado as implicações do fato que existem
várias aparências, e essa variedade é parte da realidade. Qualquer tentativa de
dividir o mundo em partes, entre as quais uma é mais 'real' que a outra, está
condenada ao fracasso. 25

Desta forma, a oposição platônica entre representação e realidade – que teria sido para
Platão a base da condenação do teatro – reaparece nas teorias dos reformadores do século XX,
que por sua vez tentam reinventar um teatro que superaria a condição de espetáculo ao
privilegiar a condição presencial de atores e público que partilham uma mesma experiência.
Para Rancière, a crítica ao espetáculo está baseada em uma série de equivalências e oposições
que ao invés de questionarem o idealismo platônico acabam por reproduzi-lo. A suposição de
que o teatro é essencialmente o lugar da comunidade viva, de que observar é sinônimo de
passividade, de que a imagem é oposta à realidade viva, devem ser revistas, despolarizadas:

24 Ibid. p. 111
25 RUSSEL, Bertrand. History of Western Philosophy. Oxon: Routledge, 2004. p. 129. (Tradução do Autor) No
original: “If appearance really appears, it is not nothing, and is therefore part of reality (…) Plato would not
dream of denying that there appear to be many beds, although there is only one real bed, namely the one
made by God. But he does not seem to have faced the implications of the fact that there are many
appearances, and this manyness is part of reality. Any attempt to divide the world into portions, of which one
is more 'real' than the other, is doomed to failure”.
22

Este conjunto de equivalências e oposições endossa uma dramaturgia muito


complicada de culpa e redenção. O teatro é acusado de fazer com que seus
espectadores sejam passivos, contrariando a sua própria essência, o que
consiste, segundo se alega, na auto-atividade da comunidade. Como
consequência, ele se propõe a tarefa de reverter seu próprio efeito e
compensar sua própria culpa devolvendo aos espectadores sua
autoconsciência e auto-atividade. O palco do teatro e a cena teatral tornam-se
então a mediação evanescente entre o mal do espetáculo e a virtude do teatro
verdadeiro.26

O problema de se pressupor que o teatro deve transformar a passividade do espectador


em uma consciência ou uma atividade coletiva está na forma como isso pode se dar. A lacuna
que se estabelece entre a atividade dos que fazem teatro e a passividade dos espectadores é
comparada por Rancière à lacuna que se estabelece entre um professor e um aluno no
processo de ensino-aprendizagem. É como se os diretores, dramaturgos, atores, acreditassem
que sabem algo que deve ser transmitido aos espectadores, como se eles pudessem oferecer a
eles o real no lugar da representação, como se pudessem ensinar o espectador a tornar-se um
indivíduo ativo, seja no meio social ou a nível corporal-energético: “esta é a noção de
transmissão do mestre: existe algo de um lado, em uma mente ou em um corpo - um
conhecimento, uma capacidade, uma energia - que deve ser transferido para o outro lado, para
outro corpo ou mente”.27
Rancière reconhece que os diretores e dramaturgos de hoje tratam este assunto com
muita cautela – não querem mais “ensinar” nada, “eles apenas querem proporcionar um
estado de atenção ou uma força de sentimento ou ação. Mas, eles ainda supõem que aquilo
que vai ser sentido ou entendido será o que eles colocaram no próprio roteiro ou performance”
28
. Esta última afirmação pode ser facilmente refutada. Nas investigações em teatro e em
atuação contemporâneas existem inúmeras práticas que não partem do princípio nem tem
como pretensão a transmissão inalterada de ensinamentos, estados, sentimentos (citarei alguns
exemplos mais adiante). No entanto, acredito que tal reflexão é pertinente a este trabalho por
tratarmos de investigações que colocam representação e ação real como oposições. Se
clamamos por um teatro vivo, de ações reais que afetam corporalmente os espectadores, ao
contrário de um teatro morto e de representações vazias, significa que acreditamos conhecer a
distância entre o real e a representação, entre o vivo e o inerte, e que de certa forma
acreditamos que é a nossa noção de real que será compartilhada com o público. Deste ponto
26 RANCIÈRE, op.cit. p.112
27 Ibid. p. 116
28 Ibid, p. 116
23

de vista, clamar por uma ação real pode transformar-se em uma reformulação do idealismo
platônico que opõe aparência à realidade pura.
Questionar a posição do teatro como uma arte essencialmente viva, interativa e
comunitária é muito pertinente no contexto contemporâneo. Nosso mundo é cada vez mais
povoado de imagens e de virtualidades, temos smartphones nos bolsos durante o dia inteiro e
os checamos sabe-se lá quantas vezes, nos comunicamos cada vez mais via representações e
mediações. Talvez também por isso seja tentador atribuir ao teatro este lugar privilegiado de
troca real entre um coletivo. Supõe-se que existe “algo” que acontece no teatro que é
diferente, mais vivo, mais interativo do que o que acontece entre espectadores que assistem
juntos a um mesmo filme ou programa de televisão, ou entre indivíduos que apreciam
quadros, esculturas e instalações em um museu, entre indivíduos que contemplam o mundo
enquanto esperam em uma fila de banco. Mas existe de fato esse “algo”? Rancière escreve:

Acho que esse “algo” não é nada além do pressuposto de que o teatro é
comunitário em si e por si mesmo. A pressuposição do que o “teatro” significa
sempre corre na frente da cena e prediz seus efeitos reais. Mas, num teatro, ou
diante de um espetáculo, assim como num museu, numa escola, ou na rua,
existem apenas indivíduos, abrindo seu próprio caminho através da floresta de
palavras e coisas que se colocam diante deles ou em volta deles. O poder
coletivo comum a estes espectadores não é o status de membro de um corpo
coletivo. E também não é um tipo peculiar de interatividade. É o poder de
traduzir do seu próprio modo aquilo que eles estão vendo. É o poder de
conectar o que vêem com a aventura intelectual que faz com que qualquer um
seja parecido com qualquer outro, desde que o caminho dele ou dela não se
pareça com o de mais ninguém. O poder comum é o poder da igualdade de
inteligências.29

De fato, nada garante uma “realidade maior” no teatro do que em outras artes ou
circunstâncias, nem que este seja um meio essencialmente privilegiado de transformação
social. As associações provocadas por um filme, uma fotografia, uma poesia, podem afetar
intensamente um indivíduo e provocar um sentimento de pertencimento social imenso. Um
retrato exposto em um museu (ou mesmo na casa de alguém) pode provocar memórias e
sensações corpóreas muito intensas e reais em um indivíduo. Poderíamos replicar: ainda
assim, com o teatro é diferente, pois a obra é construída no mesmo momento e no mesmo
lugar onde estão os artistas e os espectadores, e estes se afetam mutuamente, diferentemente
de um filme que não se altera de acordo com a recepção e reação de seus espectadores.
Porém, se por um lado a co-presença de atores e público é uma característica decisiva da arte

29 Ibid. p. 120
24

teatral, por outro não quer dizer que essa presencialidade garanta o compartilhamento de uma
mesma experiência em grupo, nem que ela constitua o meio privilegiado para despertar
sensações de realidade ou de consciência social. Rancière afirma que o teatro contemporâneo
deveria “questionar o privilégio da presença viva e trazer o palco novamente para um nível de
igualdade com o ato de contar uma história ou de escrever e ler um livro”. 30 Isto não quer
dizer que o teatro deve se aceitar como mero lugar da representação. Isto é dizer que não
precisamos (e que de fato não é possível) estabelecer hierarquias ou mesmo distinções
definitivas entre representações e realidade.
Anteriormente chamei a atenção para a forma como as transformações no
entendimento do corpo teriam levado a uma valorização da condição presencial no teatro e à
busca por procedimentos que evidenciassem o caráter vivo, “ao vivo” e corporal do
acontecimento teatral. Compreender o corpo como uma complexa teia de relações entre
pensamentos, memórias, percepções, hábitos, sensações, levou uma parte do teatro a se
interessar pelo potencial do corpo para produzir intensidades, para afetar o público através de
uma comunicação menos clara, menos lógica, mais afetiva e sensorial. No entanto, o mesmo
entendimento de corpo e mente indissociáveis é o que nos permite afirmar que não existe
oposição completa e taxativa entre representação e realidade, e de certa forma, entre
linguagem e corpo. Não existe um canal comunicativo exclusivamente mental, racional ou
representacional, que não passe pelo nosso aparato sensório-motor; também não existe uma
interação exclusivamente física, cinestésica, “puramente real”, uma conexão estritamente
energética que não possua relação alguma com nossas faculdades intelectuais. Palavras
escritas, palavras decoradas e declamadas são reais e nos afetam corporalmente. Gestos
codificados, cenários pintados e maquiagens nos afetam corporalmente.
Trago a reflexão de Rancière a este trabalho para evidenciar as potências e os perigos
de se aceitar de forma simples uma oposição completa entre representação e realidade. O
autor de O espectador emancipado não levanta essa questão como crítica a diretores, atores
ou encenadores específicos, mas tenta mostrar que a questão central não deveria ser substituir
representação por presença, ou substituir a ilusão da ficção pela ação real. O ímpeto de tirar o
espectador de sua passividade perante as representações acarreta no risco de um teatro com
pretensões didáticas, que julga conhecer a realidade por trás das representações e que tenta
fazer com que o espectador compartilhe dessa realidade. O público deve ser visto não como
uma massa que precisa redescobrir seus laços comunitários e partilhar uma energia comum, e
30 Ibid. p. 122
25

sim como indivíduos buscando criar relações e sentidos frente à floresta de signos que os
rodeia, tal qual nos acontece na vida. Não se pode prever como estes signos afetarão cada
indivíduo, não há como antecipar suas associações. Rancière conclui assim seu ensaio:

Em todos estes espetáculos, na verdade, a questão deveria ser ligar o que uma
pessoa sabe com o que ela não sabe; deveria se tratar, ao mesmo tempo, de
atores que apresentam suas habilidades e espectadores que estão tentando
encontrar o que aquelas habilidades poderiam produzir em um novo contexto,
entre pessoas desconhecidas. Artistas, como pesquisadores, constroem o palco
onde a manifestação e o efeito das suas habilidades se tornam dúbios na
medida em que eles moldam a história de uma nova aventura em um novo
idioma. O efeito do idioma não pode ser antecipado. Ele demanda
espectadores que são interpretadores ativos, que oferecem suas próprias
traduções, que se apropriam da história para eles mesmos e que, finalmente,
fazem a sua própria história a partir daquela. Uma comunidade emancipada é,
na verdade, uma comunidade de contadores de história e tradutores. 31

A crítica ao teatro pensado como “cerimônia da comunidade” pode soar um pouco


frustrante ou excessivamente sóbria para os que veem no teatro um lugar de resistência à
logica da extrema individualização que se configura na contemporaneidade. A crítica de
Rancière ao que ele chama de “romantização da presença” também pode soar injusta para os
que veem na presença e no encontro entre atores e espectadores uma potência cara e
necessária aos dias de hoje, frente à crescente virtualidade das relações e à falta de contato
com aqueles que nos cercam no ambiente das grandes cidades e dos rápidos fluxos. Mas, a
reflexão proposta por Rancière não quer dizer que não devemos esperar que o teatro seja um
meio de investigação e transformação de nossas questões sociais, existenciais, espirituais. O
que o autor nos diz é que nas práticas teatrais que se opõem à noção de espetáculo podem
estar escondidas as ideias de que o espectador é inconsciente e suscetível às representações
ilusórias do espetáculo, e que é função nossa, dos trabalhadores do teatro, despertá-los e fazê-
los enxergar ativamente o mundo, ou ainda, trazê-los para o meio de nossa “atividade”,
transformá-los em atores. Ao criticar o espetáculo desta maneira reproduz-se a ideia que o
espectador é um ser passivo que absorve sem filtro tudo aquilo que lhe é apresentado – como
se este, estando de frente a um teatro de pretensões naturalistas, por exemplo, não fosse capaz
de separar a realidade das representações, ou de perceber criticamente o que se apresenta.
Rancière aponta essa atitude como subestimação da inteligência dos espectadores e insiste que
devemos levar em conta que não existe transmissão direta de conhecimentos, de histórias, de
energias, de sensações.

31 Ibid. p. 122
26

Esta conclusão, aparentemente óbvia, desloca a problemática da oposição entre


representação e realidade e possibilita um questionamento daqueles pontos de vista que
tomam o espetáculo como algo essencialmente falso, condenável. Observar um espetáculo
não é sinônimo de resignação e passividade. Cabe recordar que Marco De Marinis no seu
texto "Ter experiência na arte"32 afirma que há três formas de se fazer teatro: criando o
espetáculo, criticando e estudando o espetáculo, e assistindo o espetáculo. Assistir é uma
forma essencial do fazer dado que o teatro é um ato entre pessoas. O observador é ativo a
medida que está constantemente criando relações entre aquilo que ele observa e experiencia e
aquilo que ele já conhece e já experienciou. Não é necessário que o artista propicie, ensine ou
demonstre o que é a atividade, o que é ser ativo. O problema não está na condição do
espectador, no fato de que há pessoas assistindo o que outras estão fazendo. Ao invés de nos
preocuparmos em libertar o público de sua passividade, podemos nos perguntar sobre como
criar objetos artísticos levando em consideração o papel criativo presente no ato de assistir.
Talvez o desafio da arte seja exatamente este de construir objetos e experiências que não estão
prontos, que não são certos de si, que não tem como função comunicar; objetos que só
constituem um sentido no espaço liminar entre objeto e sujeito.

2.4 PROCEDIMENTOS PARA UMA ARTE NÃO-ILUSTRATIVA?

Esta ideia de uma arte que não tem por objetivo comunicar sentidos prontos, já
estabelecidos de antemão, nos permite retomar o conceito de estranhamento de Chklovski e
explorar técnicas e procedimentos para uma atuação que apoia-se nesse lugar entre o
conhecido e o desconhecido, entre a comunicação e a percepção do novo.
Rancière sugere uma crítica ao efeito de estranhamento, citando o teatro épico de
Brecht, pois entende que é um procedimento que tem como objetivo alterar a forma de
enxergar do espectador, libertá-lo da passividade e estimular um olhar investigativo-científico
das representações e convenções sociais. Visto desta forma, é um procedimento que pode dar
a entender que o artista conhece de antemão a realidade por trás das aparências, e que assim
construiria um objeto artístico evidenciando o caráter ilusório deste, propondo e ensinando
uma maneira “melhor”, “mais crítica”, “mais profunda”, “mais justa” de enxergá-lo. Não
entrarei no debate acerca das intenções e utilizações do efeito de estranhamento na obra de

32 DE MARINIS, Marco. In PELLETIERI, Osvaldo e HOVNER, Eduardo. La Puesta en Escena en Latino


América: teoría y practiva teatral. Editorial Galerna, Buenos Aires, 1995.
27

Brecht. No entanto, o efeito de estranhamento em Chklovski pode ser visto de uma maneira
que não implica de forma alguma na imposição de um novo olhar específico sobre a realidade
– pelo contrário: como já citado, Chklovski é consciente que “o caráter estético de um objeto,
o direito de relacioná-lo com a poesia, é o resultado de nossa maneira de perceber” 33, e não
característica do objeto em si. Ou ainda: “o objetivo da imagem não é tornar mais próxima de
nossa compreensão a significação que ela traz, mas criar uma percepção particular do objeto,
criar uma visão e não o seu reconhecimento". 34 A ideia de construir uma arte “estranha” não
quer dizer que o artista saiba de antemão a maneira como ela será percebida. O que me
interessa na proposição de Chklovski é a criação de objetos que não são automaticamente
reconhecíveis, e que, portanto, prolongam a duração da percepção necessária para atribuir-lhe
um sentido possível. É este momento, entre a percepção do novo e a sua organização em
relação ao já conhecido, que deve ser estendido.
Ainda que a noção de estranho dependa da percepção e contexto, as técnicas e
pesquisas em procedimentos de criação apoiam-se na possibilidade de que existem estratégias
que intensificam a percepção de um objeto em sua estranheza, em sua tensão não resolvida
entre conteúdo e forma, significado e símbolo. Chklovski cita por exemplo as figuras de
linguagem na literatura: a metáfora, a hipérbole, a metonímia, a aliteração, constituem formas
que não tem por prioridade comunicar um sentido unívoco, mas sim criar uma imagem
poética que desencadeie sensações e associações no leitor, que exija do leitor um grau de
atenção maior do que exige a linguagem cotidiana. A linguagem poética é cheia dessas
pequenas estranhezas, dessas maneiras diferentes de comunicar ideias e fatos e lançar um
outro olhar sobre coisas que já estão “naturalizadas” pelo nosso cotidiano e nossos
automatismos perceptivos:

Examinando a língua poética tanto nas suas constituintes fonéticas e léxicas


como na disposição das palavras e nas construções semânticas constituídas
por estas palavras, percebemos que o caráter estético se revela sempre pelos
mesmos signos: é criado conscientemente para libertar a percepção do
automatismo; sua visão representa o objetivo do criador e ela é construída
artificialmente de maneira que a percepção se detenha nela e chegue ao
máximo de sua força e duração. O objeto é percebido não como uma parte do
espaço, mas por sua continuidade. A língua poética satisfaz estas condições.
Segundo Aristóteles, a língua poética deve ter um caráter estranho,
surpreendente; na prática, é freqüentemente uma língua estrangeira: o
sumeriano para os assírios, o latim na Europa medieval, os arabismos entre os
persas, o velho búlgaro como base do russo literário; ou uma língua elevada

33 CHLOVSKI, op. cit. p. 42


34 CHKLOVSKI, op. cit. p. 50
28

como a língua das canções populares próximas da língua literária. (…)


Assim, a língua da poesia é uma língua difícil, obscura, cheia de obstáculos. 35

Podemos entender esse caráter estranho do qual fala Chklovski como formas não-
cotidianas de construção de imagens e sentidos através da reprodução ou profanação de
artifícios e convenções. O uso das rimas, das métricas e das repetições, por exemplo, são
artifícios literários, recursos formais que lidam com padrões, ritmos e a quebra deles. A arte
sempre lida com estas estruturas rítmicas e com a constante construção e quebra de
expectativas, e é fácil encontrar exemplos disto não só na literatura como na música, na
dança, nas artes visuais, etc. Porém, não é possível sistematizarmos técnicas definitivas de
como jogar com os ritmos e suas violações, de como jogar com as tensões entre o
reconhecimento de signos familiares e a reorganização da percepção perante o estranho:

Na arte, há uma "ordem"; entretanto, não há uma só coluna do templo grego


que a siga exatamente, e o ritmo estético consiste num ritmo prosaico violado.
Houve tentativas para sistematizar estas violações. Elas representam a tarefa
atual da teoria do ritmo. Podemos pensar que esta sistematização não terá
sucesso. Com efeito, não se trata de um ritmo complexo, mas de uma violação
do ritmo, de uma violação tal que não podemos prever; se esta violação
tornar-se regra, perderá a força que tinha como procedimento de obstáculo. 36

Se convencionamos maneiras de romper com o reconhecimento automático, de como


romper com o ritmo prosaico, estas formas rapidamente esvaziam-se e tornam-se o novo
padrão: perdem a força que tinham como procedimento de obstáculo. Um exemplo disto é a
conhecida trajetória que percorrem algumas inovações formais que surgem como
vanguardismo e são paulatinamente assimiladas pela indústria cultural e o mainstream. Pelo
fato do caráter de estranhamento de uma obra ser totalmente variável e contextual, não há
como criar fórmulas e técnicas fechadas que funcionem universalmente ou atemporalmente.
Assim, a técnica artística deve construir-se em uma constante dialética entre experimentações
e método, entre inovação e sistematização de procedimentos, entre vanguarda e tradição. Isto
quer dizer que o estranhamento deve ser pensado não somente na percepção de um objeto
artístico finalizado: ele deve fazer parte do próprio processo de criação. Para fugir de uma arte
ilustrativa seria preciso então operar através de procedimentos que funcionem como
obstáculos, que coloquem em tensão a tradição e a inovação, a convenção e seus
rompimentos. Em entrevista concedida a David Sylvester, o pintor Francis Bacon comenta

35 CHKLOVSKI, op. cit. p. 54


36 CHKLOVSKI, op. cit. p. 56
29

sobre essa relação entre a arte não-ilustrativa e seu procedimento de criação:

DS: É uma questão de conciliar os opostos, suponho – de fazer que uma


coisa seja ao mesmo tempo coisas contraditórias.
FB: Não é isso que se deseja? Que uma coisa seja tão factual quanto
possível e ao mesmo tempo tão sugestiva ou reveladora às áreas da sensação,
em vez de parecer simples ilustração do objeto que se pretendeu fazer? Não é
em torno disso que gira toda a arte?
DS: Você poderia dizer qual a diferença entre uma forma ilustrativa e
uma forma não-ilustrativa?
FB : Bem, acho que a diferença é que a forma ilustrativa imediatamente
lhe diz, através da inteligência, aquilo que ela expressa, enquanto no caso da
não-ilustrativa, ela primeiro atua nas emoções e depois faz revelações sobre o
fato. Agora, por que isso é assim, eu não sei. Talvez tenha a ver com a
ambiguidade dos próprios fatos, com a ambiguidade das aparências, e,
portanto, esta maneira de registrar a forma se aproximaria mais do fato por
ela ser também ambígua no seu procedimento. 37

Pensar o estranhamento no processo de criação pode ser visto como uma busca por
obstáculos que dificultem e transformem o resultado a partir do processo, é dizer,
procedimentos que façam com que o processo leve à criação de resultados não imaginados
previamente. Aqui talvez exista um ponto importante na definição de um processo ilustrativo
ou não-ilustrativo: a ideia de não saber ao certo o que resultará no fim. Ilustrar é ter uma ideia
pronta e usar-se de técnicas para representá-la e torná-la reconhecível. Uma arte que é
ambígua no seu procedimento nos leva a um outro lugar que, ao contrário da ilustração,
constrói-se a partir do seu processo e não em referência absoluta a um objeto que será
representado. No caso de Francis Bacon, a ambiguidade no processo de criação de seus
retratos consiste principalmente no trabalho com o aleatório: pinceladas e manchas de tinta
feitas ao acaso e o processo de diálogo entre essas interferências e o objeto que serve de
modelo ao retrato.
Na arte do ator essa questão torna-se ainda mais proeminente por ser esta uma arte
onde não há distância entre o processo criativo do ator em cena e a percepção de sua atuação
pelos espectadores. Apesar de existirem ensaios e treinamentos, o ator deve recriar a cada
sessão sua arte. Para isso, as pesquisas em atuação exploraram e exploram formas de manter
certa intensidade ou “vivacidade” em cada apresentação, não deixando que a repetição torne a
atuação mecânica, carente de vida. Para fazer com que apresentações que seriam muitas vezes
repetidas conseguissem manter sua intensidade, alguns pesquisadores apostaram no
treinamento e em procedimentos que mesclassem rigor técnico com uma capacidade de
37 SYLVESTER, David. Entrevistas com Francis Bacon: David Sylvester. 2a. edição, São Paulo: Cosac Naify,
2007. (p. 56)
30

presença, de escuta e reação ao momento presente. Essa característica presencial pode ser
vista já como um obstáculo inerente ao acontecimento teatral: a relação entre atores, público e
ambiente é diferente em cada sessão, constitui esse elemento “aleatório” tal qual as manchas
de tinta no processo do pintor. Ao invés de tentar evitar os acidentes e imprevistos, os atores
podem tentar incluir essa dimensão do acaso como componente essencial de sua arte, e assim
desenvolver procedimentos de atuação que apostam no jogo entre tudo o que foi planejado e o
que surge no momento da apresentação.
A seguir serão exploradas possíveis relações da ideia de estranhamento com o
desenvolvimento de procedimentos de criação em atuação por três artistas que desenvolveram
trabalhos de grande importância para a pesquisa da arte do ator no século XX: Constantin
Stanislavski, Vsevelod Meyerhold e Jerzy Grotowski. Além destas, será relatada a pesquisa do
ÁQIS com um procedimento de atuação a partir de estados, tentando traçar paralelos entre
alguns aspectos destas diferentes abordagens e a ideia de estranhamento, com ênfase na
dialética entre a técnica e o imprevisto.
31

3 O ESTRANHO NAS PESQUISAS EM ATUAÇÃO

3.1 STANISLAVSKI: INTERNO E EXTERNO, ATOR E PERSONAGEM

Constantin Stanislavski foi ator, diretor, pedagogo e pesquisador do teatro e das


técnicas de atuação, trabalhando no Teatro de Arte de Moscou até a década de 1930. Suas
pesquisas foram extensamente sistematizadas e estão reunidas em escritos que influenciaram
toda a tradição teatral subsequente em diversas leituras e adaptações de seu trabalho. Ainda
que o Sistema de Stanislavski não seja comumente associado à ideia de estranhamento,
algumas técnicas e metáforas desenvolvidas por ele podem ser vistas como ferramentas para
lidar com este duplo lugar entre realidade e representação no trabalho do ator. Para fugir de
uma atuação caricata e falsa, o ator deveria não só expressar exteriormente as ações de uma
personagem, mas vivê-las intimamente, em seu interior. Também faz-se necessária a retomada
às estratégias de Stanislavski de lidar com o duplo na atuação pois estas serviriam de base
praticamente inescapável a todas as investigações subsequentes em atuação – sejam os
desdobramentos e aprofundamentos de suas práticas ou as refutações e críticas aos seus
procedimentos.
Para Stanislavski, a atuação só seria verdadeira, orgânica, quando houvesse uma
correspondência entre dimensão interior – seus pensamentos, sensações, intenções – e sua
dimensão exterior – gestos, o texto falado, caracterização. Ao mesmo tempo, o ator deveria
fundir-se ao seu papel, criando uma “'nova entidade', resultante final da 'fusão' de 'elementos
do ator' e de 'elementos da personagem', cujas linhas de ação respectivas deixam de existir
sozinhas e separadas 'para converterem-se na linha de tendência do ator-personagem'” 38. O
diretor russo experimentou com diferentes estratégias para alcançar esta união entre corpo,
mente e espírito, ator e personagem.
Podemos dizer que em um primeiro momento de suas investigações, Stanislavski
apostou principalmente em procedimentos que partissem de estudos sobre a dramaturgia e
exercícios imaginativos, pautados pelo texto dramático, como forma de buscar organicidade
na atuação e na representação dos personagens do drama. Seus conceitos amplamente
conhecidos como o pensamento em ação, o se mágico, a memória emotiva, são exemplos de
procedimentos técnicos que tem como partida a imaginação e a relação empática do ator com
a personagem e a fábula. O diretor parte do princípio que tal trabalho interno tornaria-se
38 STANISLAVSKI apud DE MARINIS, op. cit. p.25. Tradução do autor.
32

visível na ação externa, da mesma forma que na vida cotidiana nossos diálogos e ações são
entrelaçados por nossos pensamentos, nossa história, nossos segredos e nossa condição física,
criando texturas e construindo a “realidade” de nossas ações. Stanislavski escreve:

Há que compreender que a imaginação, que não tem substância corpórea,


pode afetar de modo similar a nossa natureza física e fazê-la atuar. Esta
faculdade é de grande importância em nossa psicotécnica. Por tanto: Todos e
cada um dos movimentos que se realize em cena, e cada palavra que se diga,
deve ser resultado direto da vida normal da imaginação. Se você dá o texto
ou executa algo mecanicamente, sem saber a ciência certa de quem se é, de
onde vem, por quê, o quê quer, pra onde vai e o que fará quando o conseguir,
você estará atuando sem imaginação. E durante esse tempo, curto ou longo,
você terá atuado sem realidade, e não será nada mais que máquinas as quais
deram corda, autômatas.39

A imaginação aparece aqui como fator imprescindível para preencher as ações e o


“texto dado”, sem a qual a atuação torna-se mecânica. Porém, esta imaginação da qual fala
Stanislavski serve para responder essas perguntas – quem se é, de onde vem, por quê, o quê
quer, pra onde vai, o que fará quando conseguir – tendo como referência principal o
personagem dramático, sua trajetória no decorrer do drama e sua localização no contexto da
peça. Por tal motivo os “trabalhos de mesa” foram uma parte importante neste primeiro
momento das pesquisas do diretor russo. Antes de iniciarem os ensaios propriamente ditos, os
atores participavam em encontros onde estudavam a obra dramática que iriam representar, às
vezes inclusive com a presença do autor e até historiadores ou especialistas em
conhecimentos relativos ao conteúdo da peça. Assim, destrinchavam o texto em busca de
informações para compor o imaginário da peça: as motivações dos personagens, suas
intenções não explícitas, os modos e comportamentos referentes a cada época, inúmeros
detalhes que poderiam ajudar os atores a aproximarem-se do universo da obra representada.
As ações e falas indicadas pelo texto seriam preenchidas por todo esse material imaginário,
criando profundidade e complexidade na representação dos personagens: tal qual nos
acontece na vida, onde nossas ações estão sempre permeadas por inúmeras variáveis relativas
à nossa história, nossos desejos e sensações. Através destes procedimentos imaginativos,
39 STANISLAVSKI, Konstantin. El trabajo del actor sobre sí mismo: El trabajo sobre sí mismo en el proceso
creador de las vivencias. La Habana: Ediciones Alarcos, 2011. p. 142. Tradução do autor. No original: “Hay que
comprender que la imaginación que no tiene sustancia corpórea puede afectar de modo reflejo a nuestra
naturaleza física y hacerla actuar. Esta facultad es de la mayor importancia en nuestra psicotécnica. Por lo tanto:
Todos y cada uno de los movimientos que realizáis en la escena, y cada palabra que decís, debe ser resultado
directo de la vida normal de la imaginación. Si decís líneas o ejecutáis algo mecánicamente, sin saber a ciencia
cierta de quiénes son, de dónde han venido, por qué, que quieren, a dónde van y que harán cuando lo consigan,
estaréis actuando sin imaginación. Y durante este tiempo, corto o largo, os hallaréis faltos de realidad, y no seréis
nada más que máquinas a las que se les ha dado cuerda, autómatas”.
33

internos, buscava-se a organicidade na representação das ações e das falas do personagem: os


aspectos mais externos do papel.
No entanto, no decorrer de seu trabalho, Stanislavski passou a apostar cada vez mais
em processos de criação partindo de ações físicas e improvisações sem texto antes de iniciar o
estudo específico com a dramaturgia. Ele desconfiou da potência dos procedimentos
imaginativos na tarefa de criar uma atuação orgânica, e, mais que isso, repeti-la e mantê-la
durante as várias sessões e temporadas de uma peça. Seu trabalho com as ações físicas,
desenvolvido na década de 1930, não negou todas as técnicas empáticas e imaginativas
cunhadas no início de seu trabalho no Teatro de Arte de Moscou, mas, as completou
colocando ênfase nas ações criadas pelo ator. Através de um intenso treinamento do corpo e
de improvisações em cima das circunstâncias da personagem, o ator construiria a base de seu
papel para, aliado às técnicas imaginativas, alcançar uma atuação orgânica: corpo, mente e
alma fundidos em um mesmo momento e para um mesmo fim. Nota-se que o objetivo do ator
permanecia o mesmo: a unidade entre corpo e mente, entre dimensão externa e interna do
papel. O que mudava era a ênfase nas ações como forma de acionar mais facilmente este
estado de organicidade, já que “o material psíquico não possui propriedades de constância, se
fixa dificultosamente”.40 Ao invés de iniciar o processo de criação a partir dos trabalhos de
mesa e dos detalhados estudos sobre os personagens e seus contextos, Stanislavski passou a
propor improvisações de cenas da peça sem texto ou com texto improvisado pelo ator,
baseados em ações e argumentos simples da peça.
Stanislavski não chegou a concluir seus escritos sobre as ações físicas, porém existem
alguns textos soltos de sua autoria e relatos de seus alunos e colaboradores que contribuem
para imaginarmos as aplicações práticas destas ideias ao fim de sua vida. Em um texto de
Vladimir Toporkov, aluno de Stanislavski, está descrito o processo de ensaios da peça
Tartufo, de Molière, onde o diretor ressaltou as ações físicas como eixo principal da
construção do personagem41. Através de improvisações com cenas soltas da peça, sem usar o
texto decorado, o diretor buscava pôr a atenção nas pequenas ações que constituem diferentes
estados de ânimo, diferentes ritmos e temperamentos. Na descrição deste processo fica
evidente a ênfase dada por Stanislavski nas ações e nos aspectos formais da atuação como
40 STANISLAVSKI, C. S. El metodo de acciones fisicas. In: JIMENEZ, Sergio. (Org.) El evangelio de
Stanislavski según sus apóstoles : los apócrifos, la reforma, los falsos profetas y Judas Iscariote. México:
Gaceta, 1990.
41 TOPORKOV, Vladimir. Las acciones fisicas como metodologia. In: JIMENEZ, Sergio. (Org.) El evangelio
de Stanislavski según sus apóstoles: los apócrifos, la reforma, los falsos profetas y Judas Iscariote. México:
Gaceta, 1990.
34

forma de criar “realidade” e organicidade na atuação. Ao invés de focar-se em sentir os


sentimentos da personagem, fica claro um enfoque na técnica desenvolvida por cada ator para
criar ações e trabalhar com diferentes ritmos e diversos recursos formais que só estariam
disponíveis ao ator mediante uma intensa prática e um constante treinamento. Tal mudança de
enfoque pode ser visto como um deslocamento da “verdade” do personagem para a verdade
do ator e viria a se desdobrar em outras pesquisas que perdem o interesse nos personagens
enquanto “entes reais” (ainda que dentro da ficção), e passam a vê-los mais como materiais a
serem trabalhados pela arte do ator.
À grosso modo, o ponto de partida passa dos processos imaginativos/internos para os
exercícios com ações/externos. A escolha dessas ações seria tarefa de criação de cada ator,
que buscaria em sua experiência, técnica, emoções e ideias, maneiras de aproximar-se da
personagem representada:

(…) O artista deve viver somente suas próprias emoções. (…) Você pode
entender e sentir o papel, colocar-se no lugar da personagem que é descrita, e
então atuará como o faria esta. A ação criadora despertará em você
sentimentos análogos aos que o papel requere. Porém estes sentimentos
pertencerão não ao personagem criado pelo poeta, mas ao próprio ator. Sejam
quais forem seus sonhos ou suas vivências na realidade e na imaginação,
nunca deixe de ser você mesmo. Nunca se perca na cena. Atue sempre em sua
própria pessoa, como humano e como artista. Você nunca poderá fugir de si
mesmo.42

Esse e outros trechos da obra de Stanislavski deixam claro a ideia de uma separação
entre o ator e a ficção que ele representa, não tentando encarnar de fato os sentimentos de um
ente ficcional mas de trabalhar com as próprias emoções e vivências do ator para compor seu
papel. Essa coexistência entre a vivência do ator e a perspectiva da personagem é um
processo que pode ser relacionado à ideia de estranho tal qual exposta nesse trabalho, já que
estabelece conscientemente um jogo entre as memórias, sentimentos e pensamentos do ator e
as circunstâncias do papel e contexto da obra dramática. A identificação entre ator e
personagem, em Stanislavski, é sempre parcial “porque não pode e não deve produzir a
anulação do ator na personagem: (…) junto à perspectiva da personagem, deve permanecer

42 STANISLAVSKI, 2011. p.285. Tradução do autor. No original: “(…) El artista debe vivir solo sus propias
emociones. (…) Usted puede entender y sentir el papel, colocarse en el lugar del personaje que se describe, y
entonces actuará como lo haría este. La acción creadora despertará en usted sentimientos análogos a los que
requiere el papel. Pero esos sentimientos pertenecerán, no al personaje creado por el poeta, sino al actor mismo.
Sean cuales fueren sus sueños o sus vivencias en la realidad o la imaginación, nunca deje de ser usted mismo.
Nunca se pierda en la escena. Actúe siempre en su propia persona, como hombre y como artista. Nunca podrá
huir de si mismo.”
35

sempre ativa, vigilante, a perspectiva do ator, que conhece o passado e sobretudo o futuro da
personagem (o que acontecerá a ela durante o drama) e, precisamente por isso, pode e deve
conferir à própria ação o alcance, a perfeita coerência e a gradação necessárias” 43. De um lado
o material ficcional e os elementos do papel, de outro o ator criador que administra e
compõem com eles a partir de seus conhecimentos e suas experiências.
No entanto, é evidente como a experiência do ator é utilizada com o fim claro de
compor personagens fechadas, reconhecíveis, em acordo lógico com a personagem criada
pelo autor da dramaturgia. Quanto a isso, Stanislavski é pontual: “A tarefa do ator e de sua
técnica consiste em transformar a ficção da obra no acontecimento artístico da cena” 44. Aqui,
a ficção dramatúrgica é considerada como a principal referência na criação da cena: a ficção
é, paradoxalmente, a realidade a ser representada, materializada no palco. É esse objetivo que
separa o trabalho de Stanislavski de outras experimentações em atuação que visam explorar a
noção de personagem não mais como uma figura que devesse ser representada, mas sim jogar
com ela, comentá-la, dotá-la de contradições, desvendar sua ilusão voltando o foco para o
ator e o momento presente do acontecimento teatral.

2.2 MEYERHOLD: O GROTESCO E A CONVENÇÃO CONSCIENTE

Meyerhold, ator, diretor, e que foi também aluno e companheiro de trabalho de


Stanislavski, desenvolveu conceitos importantes que ilustram bem a diferença entre a ideia de
personagem clássica e um novo ator que encara o texto dramático como mais um dos
elementos de seu trabalho. Ao invés da tentativa naturalista de reencarnar a personagem em
toda sua complexidade psicológica, Meyerhold “elabora a teatralidade em torno do próprio
ator, ou, mais precisamente, do ator trabalhando, do ator como criador – produtor, segundo a
terminologia dos anos 1920 – de uma nova realidade”. 45 Para ele, o texto literário deveria
servir como um trampolim para a arte do ator, este por sua vez criando novos vetores de
significação através de jogos corporais, olhares, pausas, ritmo e movimentos. Através de sua
técnica, o ator deveria dominar os meios de suscitar questionamentos, sensações e
associações no público, considerado como um dos criadores do acontecimento teatral. Este

43 DE MARINIS, op. cit. p.24. Tradução do autor.


44 STANISLAVSKI, 2011. p.117. Tradução do autor. No original: “La tarea del actor y de su técnica consiste en
transformar la ficción de la obra en el acontecimiento artístico de la escena”.
45 PICON-VALLIN, Beatrice. A arte do teatro: entre tradição e vanguarda – Meyerhold e a cena
contemporânea. Teatro do Pequeno Gesto/Folhetins Ensaios, 2013. p. 36
36

ator comporia sua arte a partir da coabitação de três espaços-tempos imbricados: a tradição
teatral (a técnica, as convenções, o conhecimento da arte), o presente de sua época (em todas
suas implicações políticas) e a obra que ele interpreta 46.
Suas reflexões partem de uma concepção de teatro a qual ele chama de teatro linear,
onde o encontro entre ator e espectador é entendido como o eixo principal do acontecimento
cênico. Tal concepção opõe-se a um teatro onde o espectador percebe a criação do autor e dos
atores por meio da visão e criação do diretor. O teatro linear presume outra forma de relação
entre diretor e ator, onde “o ator mostra ao espectador sua alma, fazendo sua a criação do
diretor assim como esse faz sua a criação do autor” 47. Desta maneira, não só garante liberdade
criativa ao ator, tendo este que compor sua própria visão de seu papel e do espetáculo, como
libera “também o espectador, obrigando-o a criar (a princípio somente na esfera da fantasia)
em vez de limitar-se a contemplar” 48. Meyerhold desenvolve sua ideia de teatro indo contra
qualquer pretensão de reproduzir a realidade, trabalhando com a estilização e a convenção
como formas de quebrar com a ilusão do real no teatro:

Nós dizemos abertamente ao espectador que já é hora de acabar com a ilusão


da realidade. (…) O espectador que vem ao teatro sabe que não se pretende
uma cópia da realidade, senão que ele mesmo deve, durante todo o tempo do
espetáculo, tratar de reconstruir o mundo com ajuda de sua própria
capacidade associativa, partindo do esboço que se lhe oferece sobre a cena.
Em vez de uma casa completa, verá um pedaço de madeira ou uma janela.
Porém o espectador conhece este mundo especial da arte, e saberá por si
mesmo acrescentar os elementos que faltam ao quadro, saberá completar a
ideia.49

Este mundo especial da arte de que fala Meyerhold é justamente o mundo da


convenção poética do qual falava Chklovski, das formas estranhas, estilizadas, que desafiam
nossas percepções automáticas e evidenciam sua materialidade, mostram uma visão particular

46 PICON-VALLIN, op.cit. p.45


47 MEYERHOLD, Vsevelod. Los primeros intentos del teatro de la convención. in. HORMIGON, Juan
Antonio. Meyerhold: textos teóricos. Madrid: Publicaciones de la Asociación de Directores de Escena de España,
1992. p. 164. Tradução do autor. No original: “El actor ha mostrado al espectador su alma, haciendo suya la
creación del director como éste ha hecho suya la creación del autor”.
48 Ibid. p. 163.
49 MEYERHOLD, Vsevelod. Ideología y tecnología en el teatro. in. HORMIGON, op. cit. p.290. Tradução do
autor. No original: “Nosotros decimos abiertamente al espectador que ya es hora de acabar con la ilusión de
la realidad. (…) El espectador que viene al teatro sabe que no se pretende una copia de la realidad, sino que
él mismo debe, durante todo el tiempo del espectáculo, tratar de reconstruir el mundo con ayuda de su propia
capacidad asociativa, partiendo del boceto que se le ofrece sobre la escena. En vez de una casa completa,
verá un trozo de estufa o una ventana. Pero el espectador conoce este mundo especial del arte, y sabrá por si
mismo añadir los elementos que faltan al cuadro, sabrá completar la idea.”
37

da realidade. A convenção consciente: convenções entendidas não como tipos específicos,


caricaturas, clichês estabelecidos por repetições vazias, mas convenções racionalmente,
conscientemente elaboradas para dar a ver os traços essenciais das coisas, sua expressividade
contida na materialidade de suas formas artísticas. Se por um lado o naturalismo de
Stanislavski buscava a organicidade na atuação, uma atuação que de tão natural nos chamasse
atenção não pela sua forma mas por sua verdade interna, Meyerhold apostava na explicitação
das convenções e do trabalho com as leis fundamentais da arte (como o ritmo, os contrastes, o
movimento expressivo) como forma de tornar visível outros aspectos da realidade que não se
apresentam em nossas percepções cotidianas. Ao invés da tentativa de reproduzir o real, seu
teatro buscaria através de estilizações e artifícios criar contradições, comentários e
ambiguidades na obra de maneira que os espectadores não se identificassem com as
personagens ou a fábula de modo automático, mas que fossem obrigados a completar a ideia,
atribuir um sentido a obra a partir destes traços fundamentais, esboços e sugestões junto com
suas próprias vivências e capacidades.
Meyerhold falava em grotesco – conceito que permeou toda sua trajetória artística, e
era utilizado por ele para designar tal procedimento de impacto sobre o público, este “modo
constante pelo qual ele arranca o espectador de um plano de percepção que ele mal havia
acabado de adivinhar, levando-o para um outro, que ele não esperava”. 50 Para ele, a arte do
grotesco fundava-se na luta entre forma e conteúdo, onde a primeira deveria sair vencedora
para que pudéssemos experienciar percepções não habituais:

O grotesco não conhece só o alto ou só o baixo, pelo contrário, mescla o


contraste, criando conscientemente contradições agudas e jogando tão
somente com sua originalidade. (…) Ao grotesco está permitido aproximar-se
de modo insólito da vida cotidiana. O grotesco permite precisamente a vida
cotidiana cessando de representar-se só aquilo que é habitual. Na vida, além
do que vemos, há também um vastíssimo setor inexplorado. O grotesco,
buscando o sobrenatural, junta em síntese a essência dos contrários, cria um
quadro do fenômeno e induz o espectador à tentativa de resolver o enigma do
incompreensível”.51

50 MEYERHOLD, apud PICON-VALLIN, op.cit. p. 45


51 MEYERHOLD, Vsevelod. El grotesco como forma escénica. in. HORMIGON, op. cit. p. 195. Tradução do
autor. No original:“El grotesco no conoce sólo lo alto o sólo lo bajo, sino que mezcla el contraste, creando
conscientemente agudas contradicciones y jugando tan sólo con su originalidad. (…) Al grotesco le está
permitido aproximarse de modo insólito a la vida cotidiana. El grotesco permite precisamente la vida cotidiana
cesando de representarse sólo lo que es habitual. En la vida, además de lo que vemos, hay también un vastísimo
sector inexplorado. El grotesco, buscando lo sobrenatural, junta en síntesis la esencia de los contrarios, crea un
cuadro del fenómeno e induce al espectador a la tentativa de resolver el enigma de lo incompresible”.
38

Este procedimento acaba por explodir a personagem clássica: ao invés de tentar


representar uma personagem complexa pertencente a um universo ficcional através de um
procedimento naturalista, a ideia de grotesco presume uma atuação que dificulte o
reconhecimento de personagens pois exige uma constante re-organização perceptiva por parte
do espectador. O grotesco dá-se através de um “jogo de contradições, oposições, coerções,
que articula simultaneamente a expressividade corporal do ator e seu projeto significante”.52
Isso não quer dizer que o grotesco levaria a atuação necessariamente ao exagero, à caricatura,
mas antes a uma constante tensão entre dualidades contrastantes: “trata-se de um corpo em
movimento, que jamais está pronto ou acabado, mas encontra-se eternamente em processo de
construção”.53
O grotesco nos leva de volta ao estranho. A ideia de ir contra o reconhecimento e a
empatia completa do público com a personagem é essencialmente a ideia contida no
procedimento de estranhamento de Chklovski, com o qual Meyerhold era certamente familiar.
Chklovski, apesar de usar exemplos quase que unicamente da literatura, é bem claro em sua
visão do procedimento de estranhamento: dificultar o reconhecimento de signos conhecidos e
trazer a atenção para a materialidade do discurso e para a forma como se apresentam os
signos. É dizer, no campo da arte do ator, que o estranhamento pode servir para dificultar o
reconhecimento de personagens pertencentes a um universo ficcional e trazer a atenção para a
condição do ator e a materialidade de seu corpo, para a maneira como ele apresenta e joga
com o material ficcional. Ao invés de ilustrar uma personagem ou comunicar uma fábula, esta
ideia levaria a procedimentos de atuação que partem da criação de contradições e de
múltiplos vetores significantes para pôr em cheque as certezas do público e o fazer tomar
parte na criação de um sentido para a obra.
Para isso, o ator deveria ser dotado de uma técnica sólida que o permitisse total
controle sobre seu corpo e seus meios expressivos. Sobre esses princípios Meyerhold
desenvolve uma visão de intensa preparação do ator a partir do conhecimento de noções
fundamentais da arte, das tradições teatrais e do trabalho com o corpo, como mostra a lista
das aulas ministradas em seu Teatro Estúdio, que funcionou de 1913 a 1917:

I) Estudo da técnica dos movimentos cênicos: dança, música, atletismo,


esgrima, esportes recomendados: tênias, lançamento de disco, vela.
52 PICON-VALLIN, op.cit. p.45
53 NASPOLINI, Marisa. O grotesco em Meyerhold: princípios para a criação de uma nova teatralidade. in
CARREIRA, Andre; NASPOLINI, Marisa. (org.) Meyerhold: experimentalismo e vanguarda. Rio de Janeiro:
E-papers, 2007. p. 85
39

II) Estudo prático dos elementos materiais do espetáculo: implantação,


decoração, iluminação do cenário; o figurino do ator e os acessórios que
maneja.
III) Princípios fundamentais da comédia italiana improvisada.
IV) Aplicação ao teatro moderno dos procedimentos tradicionais do
espetáculo dos séculos XVI-XVII (estudos sem academicismo dogmático nem
espírito de imitação).
V) Recitação musical no drama.54

Mais tarde em seu trabalho, a partir de 1922, Meyerhold falaria de um ator


biomecânico como o ator do futuro – este deveria ter conhecimento sobre as leis da
movimentação cênica e os princípios expressivos do corpo aliado a uma capacidade racional
de combinar e administrar sua técnica de forma a expressar com eficácia qualquer papel.
Influenciado pelos ideais da revolução russa, do construtivismo e do taylorismo, ele propõe
que este ator biomecânico tenha total controle sobre seu corpo e precisão de movimentos,
realizando de maneira eficiente seu trabalho a partir da perfeita operação de seu instrumento:
seu próprio corpo. Desta forma, Meyerhold trata do ator como a soma destas duas instâncias:
o ator como criador, “construtor, que formula mentalmente e transmite as ordens para a
realização da tarefa” e “o corpo do ator, o executor que realiza a ideia do construtor”. 55 Este
estranho lugar entre criador e matéria-prima é similar à discussão sobre a linha do ator e a do
personagem no trabalho de Stanislavski, quando este fala da necessidade de estar
constantemente presente a perspectiva do ator, ativo, vigilante, conferindo a perfeita
coerência ao papel. Porém, Meyerhold aborda esse problema não através da tentativa de
alinhar a vivência do ator ao material que seria representado, mas sim de dotar este ator de
uma técnica, de uma capacidade de direção que o permitisse compor qualquer papel através
do domínio do corpo e de seus princípios expressivos, a partir do seu entendimento como ator
e cidadão do papel que representa e em constante relação com o público, o ambiente, os
outros atores:

As dificuldades principais da interpretação se devem ao fato de que o ator


deve ser o diretor, o incitador, o organizador do material e, ao mesmo tempo,
o material que deve ser organizado. (…) Este constante desdobramento traz
consigo graves dificuldades. (…) A biomecânica mostra ao ator a forma de
dirigir sua própria atuação, para coordená-la tanto com o público como com
seus companheiros, e assim sucessivamente. 56

As proposições de Meyerhold para a arte do ator transformam o texto, a fábula e as

54 Programa do Studio Meyerhold in. HORMIGON, op. cit. p.61


55 MEYERHOLD, Vsevelod. El actor del futuro y la biomecánica. in. HORMIGON, op. cit. p.230
56 MEYERHOLD, Vsevelod. Ideología y tecnología en el teatro. in. HORMIGON, op. cit. p.293
40

personagens em material a ser moldado e trabalhado pelo ator, tiram estas de seu lugar como
centro referencial da verdade no teatro. A realidade que deve prevalecer aqui não é mais o
texto a ser representado, mas sim a própria realidade do acontecimento cênico: sua realidade
material, construída através de suas próprias leis, convenções e princípios. Para lidar com o
duplo lugar de criador e material, de ator e personagem, Meyerhold acentua a importância do
primeiro termo priorizando um conhecimento técnico rigoroso que permitiria ao ator ter
domínio sobre as leis teatrais e saber lidar com o “desconhecido” no teatro: reagir
prontamente ao presente e às coisas que o rodeiam. A vida no teatro brotaria através da
perfeita administração das leis da arte e de suas convenções.

3.3 GROTOWSKI: DISCIPLINA, ESPONTANEIDADE E VIA NEGATIVA

Podemos pensar que nas investigações de Stanislavski o trabalho com o duplo lugar do
ator acontecia no sentido de alcançar a verdade da personagem através das vivências e da
técnica do ator. Em Meyerhold já não há mais a pretensão de representar a verdade de um
mundo ficcional (o texto dramático): o ator, através de sua técnica e conhecimento, joga com
o material ficcional a partir da estilização, da contradição de seus elementos, posiciona-se em
relação à ficção e a expõe como tal para que o público a perceba, a complete, decifre a
verdade ao seu próprio modo. Já nas investigações de Grotowski, é possível notarmos ainda
um outro movimento, que de certa forma mescla estes dois anteriores: a personagem e o texto
dramático tornam-se aqui ferramentas para alcançar a verdade do ator diante do público.
Grotowski foi diretor e pesquisador de técnicas em atuação nascido na Polônia da
década de 1930. Seus trabalhos com o Teatro Laboratório o lançariam rapidamente para a
cena teatral internacional a partir de suas encenações como Akropolis, Dr. Faustus e O
Príncipe Constante. A primeira parte de sua trajetória artística, chamada por ele de arte como
apresentação, consistiu em investigações com a ideia de um Teatro Pobre, focado no encontro
entre ator e espectador e em um intenso trabalho de preparação dos atores na criação de seus
espetáculos. O Teatro Pobre seria um teatro despido de tudo que lhe é supérfluo, acessório:
maquiagens, figurinos, efeitos de luz, som etc. O que resta é a essência do teatro, sem a qual
ele não pode existir: a relação ao vivo entre ator e espectador.
A partir do final da década de 1960, Grotowski seguiria suas pesquisas sobre técnicas
de atuação e ação eficaz sem no entanto direcionar o trabalho para a montagem de
41

espetáculos. Nesta fase, a qual deu o nome de arte como veículo, ele interessou-se pelas
possibilidades de vivência que tais técnicas permitiam aos próprios atuantes, e não em direção
a espectadores.
Grotowski foi diretamente influenciado pelas pesquisas de Stanislavski – o qual ele
definiu como seu “ideal pessoal” – principalmente no que refere-se a suas últimas
investigações sobre a ação-física e o engajamento psicofísico do ator em cena; também teve
como uma de suas principais referências o treinamento biomecânico de Meyerhold 57. Em
comum a estes três mestres, há a busca pela eliminação da distância entre corpo e mente
através de uma dialética constante entre disciplina técnica rigorosa e espontaneidade e
porosidade ao presente. No entanto, o diretor polonês não via a técnica do ator como um
conjunto de habilidades a serem acumuladas e manuseadas racionalmente para a
representação de papeis: para ele o treinamento deveria servir para desautomatizar suas
reações habituais, liberar o ator de seu comportamento “natural” condicionado:

No nosso teatro a formação de atores não é uma questão de ensinar algo, mas
de tentar eliminar do seu organismo a resistência a esse processo psíquico,
acabando, assim, com o lapso de tempo entre impulso interior e reação
exterior de tal modo que o impulso já se transforma numa reação exterior. O
impulso e a ação acontecem simultaneamente: o corpo desaparece, arde, e o
espectador assiste apenas a uma série de impulsos visíveis. Nossa formação
torna-se então uma via negativa – não um agrupamento de habilidades, mas
uma erradicação de bloqueios. 58

Através de um intenso treinamento físico, plástico e vocal, os atores deveriam buscar


libertarem-se de seus hábitos expressivos e perceptivos, como reforça este outro trecho:

Acreditamos que, para satisfazer a individualidade, não se trata de aprender


coisas novas, mas de se livrar de velhos hábitos. Retiramos do ator aquilo que
o bloqueia, mas não ensinamos a ele como criar – como, por exemplo,
representar Hamlet, em que consiste o gesto trágico, como atuar numa farsa –
pois é precisamente nesse 'como' que estão plantadas as sementes da
banalidade e dos clichês que desafiam a criação. 59

Despindo-se de todos estes clichês, de todos seus hábitos, o ator estaria apto à revelar-
se em seu íntimo, por baixo das máscaras superficiais cotidianas. A ideia de via negativa pode
ser vista como uma espécie de estranhamento, não mais baseado na percepção do espectador,
mas no próprio processo de preparação e criação do ator. O vocabulário é o mesmo:
57 GROTOWSKI, J. Para um teatro pobre. Brasília: Teatro Caleidoscópio & Editora Dulcina, 2011. p. 12.
58 Ibid. p. 13
59 Ibid. p. 92
42

desautomatização das percepções cotidianas, desconstrução dos hábitos. No entanto,


diferentemente de Meyerhold, Grotowski não está focado nos artifícios e convenções como
forma de produzir uma percepção estranhante e anti-ilusionista no público, mas sim em
possibilitar uma entrega total do ator diante dos espectadores.
Se Stanislavski propunha que os atores buscassem em suas memórias, experiências,
em sua intimidade, vivências que o aproximassem da verdade da personagem, Grotowski
propõe que aconteça o contrário. A estrutura do papel, as partituras de movimento e o rigor
técnico serviriam para criar uma linha sólida dentro da qual o ator poderia trazer suas
associações mais íntimas e seus impulsos mais pessoais à tona, expondo-os diante do público
através de sua articulação formal. Para não resultar em um caos disforme, a verdade do ator
deveria estar estruturada através de signos ritmicamente articulados:

Acreditamos que um processo pessoal que não seja apoiado e expresso por
uma articulação formal, por uma disciplina que estruture o papel, não
acontece de fato e redunda em algo disforme. Descobrimos que a composição
artificial, além de não limitar o espiritual, na verdade nos leva a ele. (A tensão
tropística entre o processo interior e a forma fortalece a ambos. A forma é
como uma isca, a qual o processo espiritual responde espontaneamente e
contra a qual ele se debate.) As formas do comportamento 'natural' comum
obscurecem a verdade. 60

Para Grotowski, quanto maior a entrega e o desnudamento do ator, maior seria a


necessidade de uma estrutura formal e rítmica, uma disciplina externa. Em seus
desenvolvimentos mais radicais, esta ideia levaria a investigação da arte do ator para cada vez
mais distante da noção de espetáculo e mais perto de um trabalho sobre si mesmo onde, a
montagem realizaria-se não mais no espectador, senão no corpo-mente do próprio atuante.
Assim, os últimos trabalhos do diretor polonês com a arte como veículo focariam seus
procedimentos na vivência dos performers, na atuação como uma forma de
(auto-)conhecimento e de experimentação com outras qualidades de energia pouco
experimentadas em nossa experiência cotidiana.
Neste período, a partir de 1986, Grotowski trabalhou com experimentos chamados
Action, junto a Thomas Richards no Workcenter Pontedera, na Itália. Os Action consistiam
em criações rítmicas que envolviam canto e movimento, e apesar de serem voltados para a
experiência dos atuantes, foram realizadas diversas sessões deste trabalho ao redor do mundo
para um número restrito de espectadores. A partir destas apresentações, De Marinis reflete

60 Ibid. p. 14
43

sobre como o foco na vivência do ator não impede que o trabalho seja apreciado por
espectadores e que estes tenham uma resposta psicofísica à prática dos performers. Assim
como Stanislavski acreditava que se o ator estivesse engajado com seu corpo e mente na
representação de seu papel, o público seria capaz de sentir a verdade na sua atuação, este fato
nos permite retornar a uma ideia de indução:

O mecanismo é uma vez mais o da indução, que funciona seja entre atuante e
atuante, seja entre atuante e espectador. Por indução é necessário entender,
também neste caso, a capacidade de que um processo orgânico bem
preparado e corretamente conduzido estimule por via cinestésica um análogo,
e requisite, de todo modo, uma resposta psicofísica determinada em quem o
assiste.61

Estas reflexões nos permitem retomar a discussão a respeito do estranhamento no


processo criativo. Se por um lado podemos pensar no estranhamento como um procedimento
arquitetado para influir diretamente na percepção do espectador, por outro podemos pensar
em processos de criação artística que visam o estranhamento em seus próprios procedimentos.
Através da dialética entre a forma externa e o conteúdo interno, entre a técnica e o
desconhecido, é possível explorarmos práticas artísticas que tem como foco a transformação e
a desautomatização das percepções e das certezas do próprio criador. Desta forma o processo
criativo afasta-se da ilustração e da tentativa de materialização de uma ideia pronta: passa a
habitar o terreno da pergunta, do confronto, do desconhecido, e ao que se sugere, não perde
por isso sua potência enquanto espetáculo.
O que é passado não importa para a arte, nas palavras de Chklovski. “Eu não monto
uma peça com o intuito de ensinar aos outros o que eu já sei. É depois de completar a
montagem, e não antes, que me sinto mais sábio. Qualquer método que não alcança o
desconhecido é um método ruim”62, nas de Grotowski. Ou ainda: “As produções não surgem
de postulados estéticos; pelo contrário, como dizia Sartre: 'Cada técnica conduz a sua
metafísica'”.63 Apesar destes trechos referirem-se não a arte como veículo, mas a fase de
trabalho com os espetáculos, ele evidencia sua concepção de arte como forma de
conhecimento, e não como expressão de técnicas ou saberes. Estas afirmações nos levam a
uma visão onde

61 DE MARINIS, op. cit. p. 77


62 GROTOWSKI, op. cit. 94.
63 GROTOWSKI, op. cit. p.14
44

a arte teatral não é somente arte da representação, senão também arte como
veículo de conhecimento, no sentido em que consiste em uma disciplina do
fazer que equivale ao conhecer; ainda mais, que pode corresponder a uma
autêntica forma de conhecimento somente o que o homem realiza 'com' e 'no'
próprio corpo:64

A acepção da arte do ator como pesquisa e forma de conhecimento viria a tornar-se um


importante legado não só no campo do teatro como também em outras disciplinas. A ideia de
trabalho sobre si mesmo – como desautomatização de hábitos, refinamento da consciência
corporal-mental-afetiva e a exploração de espaços liminares entre realidade-ficção e ação-
percepção – permite imaginarmos aplicações destas pesquisas em âmbitos fora da arte, como
a educação somática, a psicologia, as ciências sociais. As habilidades e o estado de atenção e
escuta desenvolvidos através destas práticas podem ser úteis para inventarmos e re-
inventarmos formas de atuação na arte assim como na vida. Pesquisas na área da antropologia
teatral e dos performance studies, como os de Victor Turner e Richard Schechner, propõem
uma ponte entre o trabalho do ator e as variadas formas de rito, representações e
performatividades presentes na vida social. Para Schechner:

A consciência de que papeis sociais e papeis dramáticos são de fato


intimamente relacionados uns aos outros, e a localização de seus pontos de
convergência na mise-en-scène [na forma] e não na mente de um dramaturgo
[no conteúdo], foi um dos maiores desenvolvimentos na prática e teoria
teatral contemporânea.65

Estes cruzamentos já são tema para uma próxima investigação. No entanto, é


interessante notar como as investigações das zonas limítrofes entre a experiência subjetiva e a
linguagem no trabalho do ator pode servir para buscarmos estranhamentos e problematizações
das ideias de “realidade objetiva” e “ficção” na constituição de nossas práticas culturais e
nossas formas de comunicação e organização social.
No trabalho destes três grandes artistas do teatro podemos observar um tratamento
rigoroso e uma profunda investigação da arte teatral não como mera forma de divertimento ou
de ilustração de fábulas e ideais, mas de fato como uma forma artística que nos permite pensar
sobre nós mesmos e as relações entre nós e o mundo, no âmbito psicológico, político,
espiritual. Ainda que influenciados por contextos históricos e artísticos muito diversos, as
64 GIACCHÈ apud DE MARINIS, op. cit. p.198
65 SCHECHNER, Richard. Performance Theory. New York: Routledge Classics, 2003. p. 122. Tradução do
autor. No original: “An awareness that social and dramatic roles are indeed closely related to each other, and
locating their points of convergence in the mise-en-scène rather than in the mind of a playwright, has been one of
the major developments in its contemporary theater theory and practice”.
45

investigações de Stanislavski, Meyerhold e Grotowski apoiam-se sobretudo no espaço entre


ator e espectador como cerne da arte teatral, levando-os a uma sistemática investigação da
atuação como forma de potencializar este encontro. O problema central nestas abordagens
passa por investigar as complexas relações e infiltrações entre o caos das sensações subjetivas
e a ordem da linguagem externa, o desconhecido e o conhecido. De modo geral, estes três
mestres buscaram alcançar o desconhecido através de um intenso rigor técnico, acreditando
que a verdade, a eficácia ou a entrega do ator só pode dar-se por meio de uma estrutura
concreta e de um constante treinamento que involucre o ator enquanto corpo, mente, espírito;
trabalhador da arte, da sociedade e de si mesmo.

3.4 ÁQIS: ATUAÇÃO POR ESTADOS

O ÁQIS – Núcleo de Pesquisas sobre Processos de Criação Artística é um grupo


coordenado por André Carreira na UDESC – Universidade do Estado de Santa Catarina, que
investiga procedimentos de atuação a partir da ideia de estados. A atual pesquisa desenvolve-
se desde 2007, e teve no conceito meyerholdiano de grotesco um dos seus pontos de partida.
O grotesco impulsionou o grupo a investigar procedimentos de sobreposição e empilhamento
entre elementos diversos da cena, apostando no atrito entre estes para a criação de materiais
que não tivessem como finalidade a ilustração ou representação de uma determinada ideia.
Desta forma, passamos a investigar formas de construir uma condição corporal no ator – o
que chamamos de estado – que partisse de sua própria experimentação pessoal, e então
trabalhar com a fricção e o contraste entre esta condição e outros materiais da cena. A ideia é
pensar a atuação não a partir de um texto dramático, mas sim de produzir/perceber estes
estados e através deles relacionar-se não só com o texto mas com os demais elementos do
acontecimento teatral: espaço, figurino, relação entre atores, relação com o público. Assim,
desloca-se o foco da representação de uma ficção para o trabalho do ator como forma de criar
rupturas e sobreposições ao texto da cena, dotando-o de outras possibilidades de significação.
Em um primeiro momento da pesquisa investigamos os estados como a criação de
uma determinada condição no corpo, que era então mapeada no sentido de identificar
sensações, pontos de tensão e qualidades de movimento surgidos dessas modificações
corporais que compunham o estado. Cada ator-pesquisador experimenta com os estados de
maneira bastante pessoal: pode-se iniciar a pesquisa através de alterações físicas específicas,
como o tensionamento de músculos, alterações no ritmo respiratório ou mesmo através de
46

imagens, associações e memórias.66 A partir destes estímulos, o ator buscava mapear as


alterações e sensações surgidas e familiarizar-se com este estado. Para isso, realizávamos
exercícios de longa duração onde essa condição era modulada, levada ao extremo e em
seguida de volta a uma neutralidade formal, e assim repetidamente. O próximo passo era
sobrepor ao estado o texto dramático e a relação com o ambiente, buscando manter a
intensidade produzida antes da inserção do texto e experimentando os contrastes gerados pela
condição corporal e os elementos posteriormente agregados. Esta é uma forma de pensar os
estados de maneira matricial, ou seja, utilizando uma matriz corporal como base
constantemente retomada para a “manutenção” da intensidade da experiência em cena.
Com o tempo e através das reflexões dos atores-pesquisadores, o interesse da pesquisa
passou a ser menos a criação e retomada de estados específicos e já trabalhados, e sim a
criação de uma condição de jogo entre as matrizes propostas e as informações do meio. Esse
novo foco refletiu um interesse de investigar um procedimento de atuação permeável ao acaso
e à afetação constante dos estados pelo ambiente. Usamos o termo ambiente no sentido dado
por Richard Schechner em sua proposta de Teatro Ambiental67, onde o ambiente é composto
por todos os elementos da performance, incluindo o público e o espaço que ele ocupa, os
performers, os sons, o próprio espaço da performance seja ele interno ou externo, etc. Assim,
passamos a explorar os estados como um território liminar entre o que é conscientemente
proposto (ação) e as informações recebidas, tanto do próprio corpo quanto do ambiente
(percepção):

Descobrir como induzir o corpo a produzir as sensações próprias do estado


foi a condição inicial da tarefa. Perceber como essa experimentação conduz
para uma situação onde o controle racional do processo é minimizado – ainda
que não evitado completamente – permite deixar fluir as sensações pessoais
que darão forma e sentido final ao jogo. O trabalho com o estado pede que o
ator visite a fronteira entre o controle racional e o deixar-se levar, entre o
conduzir e o ser conduzido pelo próprio estado. 68

Aqui podemos estabelecer um paralelo com as pesquisas citadas anteriormente de


Stanislavski, Meyerhold e Grotowski em torno da ação voluntária, “artificial, como forma de

66 Sobre os processos pessoais de exploração e criação dos estados, Adriana Santos escreveu um artigo
intitulado Processo e jogo individual na interpretação por estados, onde por meio de entrevistas relata os
diferentes procedimentos de cada ator-pesquisador na investigação dos estados. in. CARREIRA, André;
FORTES, Ana Luiza (Org.). Estados: relatos de uma experiência de pesquisa sobre atuação. Florianópolis:
Editora da UDESC, 2011.
67 SCHECHNER, Richard. Environmental Theater: An Expanded New Edition including “Six Axioms for
Environmental Theater.” New York: Applause, 1994.
68 CARREIRA; FORTES, op. cit. p. 12
47

investigar espaços desconhecidos. Ainda que estes dois últimos trabalhassem com uma noção
mais fechada de partitura física, podemos entender como nas explorações entre as ações
físicas e as sensações produzidas no ator e no público o que está em jogo é a dialética entre
ação voluntária e as associações involuntárias desencadeadas pela ação. Como aponta Nunes:

O método das ações físicas induziria as forças criativas da natureza agirem


por si só. Sendo autocriação e autotransformação, a ação voluntária e
teleológica do ator parece atuar muito mais como atividade desencadeadora
do que conclusiva. Deve-se ao próprio processo de constituição da ação
humana, com os estados do corpomente em permanente transformação, a
abertura para a imprevisibilidade. 69

Dessa forma, os estados não devem servir como forma externa ou como ponto de
chegada, mas sim como ações e alterações físicas voluntárias que desencadeiem associações
no ator e que o coloquem em uma condição de jogo entre o que é proposto conscientemente e
o que emerge dessas proposições na relação com o ambiente.

Importante neste trabalho é o fato do acionamento destes estados não ser definido ou
orientado pelo conteúdo do texto dramático. Nas experimentações do grupo, a investigação
dos estados é independente da dramaturgia – esta entra como sobreposição da condição
corporal instalada. Desta forma, procura-se criar um atrito entre o estado do ator e o texto,
propondo a criação de significados não determinados pelo material dramatúrgico. Mais que
isso, esse procedimento funciona como obstáculo para dificultar a representação ilustrativa do
texto por parte dos atores, propondo um ponto de partida para a condição corporal que não
esteja fundada na dramaturgia, lidando com combinações aleatórias entre diferentes
elementos.

Nos últimos anos, o ÁQIS realizou alguns experimentos cênicos, os quais chamamos
de espetáculos-laboratório. Esta é uma forma de experimentar a pesquisa laboratorial
diretamente em contato com o público, possibilitando novas reflexões acerca das potências de
nossas investigações na criação cênica. No espetáculo-laboratório Os Pequenos Burgueses
(2011), adaptação da obra de Gorki, escolhemos trabalhar com um texto naturalista e
experimentar os estados como forma de subversão da lógica dramática. Para isso, os atores
aprenderam o texto de memória e entravam em cena sem ensaios ou marcações. Nosso
objetivo era utilizar a sequência do texto como estrutura-partitura, que orientava o
desencadeamento da cena sem porém definir as ações e relações que surgem das

69 NUNES, op. cit. p. 124


48

sobreposições entre estados e texto. Desta forma, cada ator trabalhava com os estados
experimentados na prática laboratorial e jogavam entre si sem saber que relações seriam
estabelecidas, já que a cada apresentação os atores escolhiam trabalhar com diferentes estados
para cada momento da peça. Este procedimento, além de criar resultados interessantes pela
sobreposição de estados, textos e ações que a princípio não possuíam nada em comum, obriga
aos atores estarem em constante reorganização do seu material criativo, já que nunca sabem se
seu companheiro se dirigirá a ele aos gritos ou se o acariciará, se estará perto ou longe,
deitado em um sofá ou dançando.
Essa tem sido a forma encontrada pela equipe do ÁQIS para experimentar uma
atuação que fuja da tendência a ilustrar de forma simplificadora uma ficção reduzindo-a a
representação de um material pré-concebido. Na pesquisa do grupo, a prática com os estados
é uma forma de investigar uma atuação que se crie justamente no diálogo e no conflito entre
estes elementos ordenadores, combinados de antemão em um tempo passado, e os elementos
do acaso, que emergem no presente do acontecimento teatral. Se não existe uma atualização
deste material pré-estabelecido à luz do presente, a atuação serviria apenas para ilustrar algo
referente a outro tempo-espaço. Desta forma, buscamos um procedimento que colocasse em
pé de igualdade o texto, as marcações, a técnica dos atores, o ambiente, o aqui-e-agora
inerente ao teatro – parece que a arte do ator mora justo nesse espaço estranho entre o
ensaiado e o inesperado.
49

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao propor o conceito de estranhamento como uma imagem que nos ajuda a refletir
sobre distintas estratégias pelas quais artistas de teatro tentaram lidar com a tensão entre
forma e conteúdo, artifício e natureza, arte e vida, focalizei diferentes pesquisas em atuação.
Estas conformaram um campo de investigações que têm como centro a relação direta entre
atores e espectadores como característica fundamental do teatro. Desta maneira, pude
identificar um rico conjunto de práticas e reflexões que misturam conhecimentos das mais
diversas áreas científicas e artísticas e as aplicam não apenas conceitualmente, mas através de
experimentações com o próprio corpo em relação ao mundo. O corpo de que falo aqui não é
mais o corpo-máquina, adestrado e servil à razão controladora, mas o corpo como complexa
teia entre fenômenos biológicos, mentais, sociais e espirituais.
No campo da criação artística, o estranho propõe uma arte que não está interessada no
que já se sabe, e sim que habite zonas liminares entre as coisas que reconhecemos e tudo
aquilo que desconhecemos. Assim como as ações físicas e as partituras no trabalho de
Grotowski, o objeto artístico deve ser um elemento desencadeador, e não conclusivo: um
objeto que não esteja pronto e certo de si, mas que funcione como gatilho, como isca para
criar um novo sentido a partir da interação entre obra e os que se relacionam com ela.
Isto de maneira alguma quer dizer que os artistas devem propor objetos aleatórios, sem
dar muita importância a sua elaboração, e confiar totalmente ao público a tarefa da criação de
um sentido próprio para a obra. As investigações sobre criação artística só fazem sentido se
acreditarmos que existem formas de proceder que resultarão em obras mais potentes e em
experiências mais intensas, perturbadoras ou prazerosas do que outras, dentro de um contexto
específico. Colocar um urinol em uma sala de exposições foi em algum momento uma
maneira de criticar as instituições artísticas e mostrar que o contexto e nosso olhar dizem
muito mais sobre a arte do que os objetos em si. Hoje, este mesmo urinol no museu
dificilmente terá o poder de contestar nossas concepções sobre onde começa a vida e termina
a arte, e vice-versa. O estranho precisa ser constantemente reinventado, e nessas eternas
reformulações, a técnica, o artifício, a arte, são de grande utilidade.
Não à toa, os artistas e suas investigações aqui citados apostaram em uma intensa
preparação técnica, na disciplina, no autodomínio, como forma de aumentar a tensão entre
forma e conteúdo e possibilitar novas formas de nos aproximarmos do desconhecido, aquilo
50

de impalpável que de vez em quando nos arranca de nossa experiência ordinária e nos
arremata: devolver a sensação de vida (Chklovski), a realidade por debaixo das máscaras do
cotidiano (Grotowski), o enigma do incompreensível (Meyerhold), a verdade da natureza
humana (Stanislavski). Para chegar a este lugar, outros artistas embarcaram em uma leitura
pouco crítica da condição pós-moderna e apostaram na recusa à representação, a tudo que era
falso, artificial, exterior, mera aparência, contrário ao real. Mas, como aponta Rancière e
Russel em sua crítica ao platonismo, as representações são também reais: se as aparências
aparecem, é porque de fato elas existem, e elas nos afetam corporalmente. Elas realmente nos
afetam. Portanto, a crítica às representações e ao espetáculo não deveria consistir na abolição
dos artificialismos nem na supressão da condição de espectador, mas sim na busca por novas
estratégias para colocar ficções e realidades em choque, sensações e símbolos em atrito, e
percebermos o quão indissociáveis são estas duas instâncias.
Para isso é preciso que todo esse acúmulo de saberes e técnicas seja utilizado para a
criação de resultados imprevisíveis, porém de alguma forma direcionados pelos seus próprios
procedimentos. Assim, o estranhamento que me interessa é aquele pensado não em direção à
percepção do espectador, mas, principalmente em relação ao próprio artista e seu processo
criativo. Grotowski de certa maneira levou isso ao extremo dedicando-se cada vez mais ao
desenvolvimento de uma metodologia, ao procedimento e à vivência do próprio
criador/atuante. Tais procedimentos não preocupam-se com um resultado e respectivas
maneiras para alcançá-lo, senão em como elaborar um processo que coloque arte, vida, forma
e conteúdo em tensão e assim possibilite a emergência de novas formas, novos entendimentos
deste movimento dialético.
No trabalho do ator, o estranhamento sugere uma atitude de confrontação constante
entre todos estes duplos lugares repetidamente mencionados ao longo deste trabalho. Não é
questão de ir contra a representação, e sim de explorar as contradições e os espaços liminares
entre representação e apresentação, entre técnica e capacidade de afetar-se, entre ator,
personagem, corpo, linguagem, natureza e cultura. Não existe fórmula para como proceder.
Cada contexto, cada indivíduo, cada época e lugar exigirão diferentes maneiras de violar o
ritmo prosaico, como apontava Chklovski.
A escrita deste trabalho e a articulação das referências utilizadas apontam ao menos
dois caminhos para o aprofundamento destas reflexões. Um deles seria o desenvolvimento de
práticas e estratégias de criação de atritos entre estruturas rígidas e abertura ao aqui-e-agora
51

da apresentação. Assim como Stanislavski tinha nas circunstâncias dadas e na verdade do


personagem balizas para a experimentação do ator, ou as partituras de movimento e os gestos
simbólicos no trabalho de Meyerhold e Grotowski, seria interessante explorar outros
elementos que funcionem como obstáculo e ferramenta de limitação. No espetáculo-
laboratório Os Pequenos Burgueses, do ÁQIS, a sequência do texto e o trabalho com os
estados previamente explorados constituíam a estrutura ordenadora da peça, enquanto que as
ações, os deslocamentos e as interações com o espaço eram frutos do jogo no momento da
cena. Caberia pensarmos ainda muitos outros elementos que possam servir de trilhos para a
cena, e colocá-los em relação e em conflito com elementos que só se concretizam no presente
da cena, buscando formas de estabelecer interdependências entre o material planejado e o
imprevisto do acontecimento teatral.
O outro caminho seria um aprofundamento das relações entre as pesquisas em atuação
e possibilidades de aplicação dos seus princípios fora do âmbito artístico. Um aspecto
fascinante destas investigações é que elas exploraram a dialética entre “ser” e “contar” a partir
de experiências concretas com os corpos, memórias e sensações de indivíduos em relação a
outros indivíduos. A psicologia, a neurociência, a antropologia, a filosofia, trataram também
destas dualidades e foram de fundamental importância para o pensamento em atuação, mas
talvez nos caiba agora pensar como o contrário pode ser um passo importante para a
reformulação de nossos paradigmas logocêntricos, causais e binários. O trabalho sobre si
mesmo, nos termos de Stanislavski, não deixa de ser “experiência de alteridade”, e o
constante aprendizado em direção à desautomatização de hábitos e eliminação de bloqueios
não serviria somente à arte.
Este lugar formativo do teatro é para onde dirigiu-se Grotowski em sua proposta de
arte como veículo, e que não necessariamente implica no fim da existência espetacular do
teatro. As duas dimensões – espetacular e terapêutica – não são excludentes, senão inclusive
complementares, já que o trabalho com o teatro implica em formação também de
espectadores. O trabalho sobre si mesmo, as explorações entre técnica e subjetividade, entre o
sujeito, suas sensações, a linguagem e as teatralidades não dizem respeito só a arte. Entender
que o artificial e o natural são conceitos indissociáveis, que representação e realidade não são
oposições mas sim complexas misturas entre ações voluntárias e involuntárias, consciente e
inconsciente, não servem só a criação de objetos artísticos senão a toda nossa existência
enquanto sujeitos, cidadãos, filhos, mortais.
52

Estes temas são de fundamental importância em um mundo cada vez mais povoado
por representações, imagens, simulacros, telas, algoritmos, nano-robótica, transgênicos, redes
sociais, órgãos humanos feitos por impressoras 3-D. Onde estão os limites entre o natural e o
artificial? Com as mídias e sistemas de comunicação cada vez mais globalizados, com uma
indústria cultural que fagocita vanguardas e mainstreams em velocidades nunca vistas, quem
está dizendo a verdade? Explorar como este lugar estranho permeia nosso self e nossos papéis
sociais é um passo fundamental para pensarmos novas estratégias para a educação, a terapia e
dinâmicas sociais que problematizem convenções que só permanecem inalteradas pelo hábito
e pela manutenção de privilégios de uma minoria. Neste sentido, o estranhamento dos pares
natureza-cultura e realidade-ficção é indispensável para a reformulação de paradigmas
fundados sobre a soberania da razão e sobre a separação entre matéria e ideia, corpo e mente,
forma e conteúdo. Este estranhamento é também indispensável para a identificação de
mecanismos – culturais, narrativos, teatrais, ritualísticos, performáticos, publicitários – que ao
se impor como naturais, verdadeiros ou tradicionais, tentam mostrar-se como o único caminho
e esconder seus aspectos imparciais, contextuais, transitórios, e portanto, passíveis de
mudanças e reinvenções.
Há realidade na representação; há representação na realidade. No teatro e na vida, o
que há são indivíduos, abrindo seu próprio caminho através da floresta de palavras e coisas
que se colocam diante deles ou em volta deles, segundo a bela e já citada metáfora de
Rancière. Talvez um dos mais urgentes desafios do teatro seja este de não só expor o estranho
mundo que nos cerca, mas de trabalhar para que cada vez mais atores se encontrem como
cidadãos e mais cidadãos encontrem-se como atores.
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