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Acta da aula de 8 de Outubro de 2018

MIGUEL CABEDO E VASCONCELOS


Faculdade de Teologia, UCP

A aula do seminário sobre Rahner, Moltmann e Raztinger teve início com a leitura da
acta da aula anterior e respectivas correcções. O professor Jacinto Farias prosseguiu a aula
referindo a noção de “experiência vivencial base” da Teologia e demarcando a Teologia do
grupo das ciências ditas regionais, por via do seu carácter metafísico.

O aluno Tiago Esteves apresentou então as conclusões da sua leitura do segundo passo
do Curso Fundamental sobe a Fé de Karl Rahner «O homem perante o Mistério Absoluto».
Neste texto, o teólogo alemão começa por fazer referência ao termo “Deus” afirmando que
é este termo que define a humanidade enquanto tal: quer se aceite a sua existência, quer se a
rejeite, o termo “Deus” é a auto-expressão de uma humanidade que se sabe mais do que um
animal hábil, ou seja, é a terminologia que dá conta de que o homem se sabe diante do
mistério absoluto e que expressa, por isso, o seu carácter transcendental. Debruçamo-nos
aqui sobre a noção rahneriana do existencial sobrenatural, conceito fundamental para poder
penetrar no método antropológico-transcendental rahneriano. Rahner, com efeito, procura
genericamente apresentar o evangelho em categorias mentais perceptíveis ao homem
moderno e legitima o seu método por meio do mistério da Incarnação, momento
fundamental da autcomunicação divina. Neste sentido, defende que o homem, como único
ser capaz de se tornar interlocutor desta autocomunicação divina é, em si mesmo, abertura
possível à transcendência. E que o homem seja absolutamente essa abertura tal é-lhe
concedido pela graça, de um modo apriorístico. A graça, deste modo, é esse existencial
sobrenatural que garante ao ser humano a possibilidade de se encontrar com Deus e de com
Ele manter um relacionamento dialogal. É certo que diante da auto-oferta de Deus, o
homem nunca pode abarcar a totalidade dessa experiência transcendental pela própria
reflexão humana, mas pode abrir-se a essa mesma experiência, isto é, posicionar-se
inteiramente diante do mistério absoluto, para se encontrar com Deus, que surge como um
Tu eterno. Com efeito, Rahner defende que o conhecimento transcendental de Deus,
surgindo como experiência do mistério, acontece no seio da antropologia: é a pergunta
pelas questões existenciais que se torna em si mesma dialogante com Deus. O “espaço”
metafísico dessa relação é dado pela graça e define-se como existencial sobrenatural.

O mesmo aluno continuou a sua apresentação explicando que Rahner, no texto em


análise, defende que, na tradição judaico-cirstã, a experiência de ser criatura se torna
experiência de dessacralização do mundo, na medida em que um Deus criador pressupõe
uma criação separada de si mesmo e, por isso, não divina, dessacralizada, desmitologizada.
Deste modo, continua o teólogo jesuíta, a possibilidade de encontrar Deus no mundo está
sujeita à tensão entre religião histórica e experiência transcendental. Para Rahner, todos
(incluindo os ateus) podem ser piedosos, uma vez que a todos é possível venerar o mistério
absoluto num silêncio solene.

A exposição terminou com o aluno Tiago Esteves a apontar que, em Karl Rahner, todas
as teologias metafísicas parecem ser deixadas para trás, ficando apenas o existencial
sobrenatural como “prova” última do acesso a Deus, que assim existe como mistério
absoluto. Os restantes alunos iniciaram a discussão do texto lembrando que Rahner procura
superar a necessidade de uma teologia metafísica depois da pesada crítica que o filósofo
Kant realizara na sua Crítica da Razão Pura. Na verdade, reduzindo Deus à categoria de
númeno, Kant colocara as provas metafisicas da existência de Deus (desde as provas a
priori de Anselmo e Descartes às cinco vias de São Tomás) fora dos limites possíveis da
razão, defendendo que Deus só pode ser pensado em termos de um postulado ético, como
algo necessário para a razão prática.

O professor acrescentou ainda o pano de fundo que Kant tem em Heidegger e na


hermenêutica trasncendental do Dasein. No sistema heideggeriano, o Dasein surge como
um modo de ser temporal, sendo que a temporalidade e a historicidade são as condições de

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possibilidade da história e precedem-na em termos lógicos. Assim, Rahner, na esteira de
Heidegger, afirma que o carácter transcendental do ser humano – a antropologia
transcendental – é a condição a priori que lhe permite saber-se criatura na história e
compreender as experiências a posteriori de Deus como experiências categoriais de
salvação. No entanto, de acordo com Rahner, a história não pode ser interpretada como
salvífica sem o a priori do existencial sobrenatural salvífico.

Em suma, diante de todas estas considerações, uma crítica pertinente deve ser feita à
teologia de Karl Rahner: se tudo se resume à graça pré-concedida do existencial
sobrenatural, onde está a novidade do cristianismo? Se a revelação, como autocomunicação
de Deus, apenas confirma a experiência transcendental pré-concedida pela graça, o que é
que a Incarnação, a Paixão e a Ressurreição trazem de novo à antropologia? Em Rahner
parece nem sempre haver resposta, e corre-se o risco de o Evangelho não ter sentido a não
ser quando, à maneira de Bultmann, ele é lido a partir de uma situação existencial concreta.
Assim, o Evangelho deixa de ser norma da história e passa a história a ser a única intérprete
legítima do Evangelho.

O professor concluiu afirmando que há algo de obscuro em Rahner, porventura cultivado


pelo próprio.

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