b
Rodrigues
Problema 3
1. Fisiopatologia e etiologia
A SOP não apresenta etiologia única conhecida. Ao que parece, há múltiplas alterações em vários níveis (central,
gonadal e periférico) que levariam ao quadro sindrômico característico. Atualmente, é considerada, acima de tudo, uma
desordem da biossíntese, utilização e/ou metabolismo de androgênios em mulheres.
A exata fisiopatologia da SOP não está totalmente esclarecida. Uns acreditam na origem extragonadal da SOP. Outros
incriminam as gônadas como prováveis responsáveis pela endocrinopatia. Entretanto, a base da fisiopatologia da SOP é o
hiperandrogenismo. Atualmente, acredita-se que os ovários policísticos sejam a consequência, e não a causa do quadro de
anovulação.
A SOP representa o clássico exemplo da perda da ciclicidade funcional por retroalimentação anômala. A produção
excessiva de androgênios e sua subsequente conversão em estrogênios constituem o substrato fisiopatológico da
anovulação crônica. Haveria uma retroalimentação acíclica, com secreção inadequada de LH e FSH pelo sistema
hipotálamo-hipofisário, formando um ciclo vicioso em que a disfunção central condiciona alterações morfológicas e
funcionais nos ovários. Associa-se em graus variados à obesidade e a quadro de infertilidade. Pacientes com SOP
apresentam, ainda, risco aumentado para o desenvolvimento de câncer de endométrio e doenças cardiovasculares, bem
como alterações no metabolismo de glicose e risco para desenvolvimento precoce de diabetes mellitus.
A insulina é considerada um fator fundamental na fisiopatologia da doença. Grande parte das pacientes (obesas e não-
obesas) apresenta resistência periférica a insulina, o que leva a um quadro de hiperinsulinismo relativo. O mecanismo
exato da resistência à insulina ainda é desconhecido, porém parece se tratar de defeito pós-receptor de insulina. A insulina
age diretamente e, também, através de ação sinérgica com o LH, na produção androgênica das células da teca interna do
ovário. Além disso, diminui a produção hepática da globulina carreadora de esteróides sexuais (SHBG), permitindo que
maior fração de androgênios circule em sua forma ativa.
Hiperandrogenismo
Causas Efeitos
Desregulação da enzima formadora de androgênios nas adrenais
Maior produção ovariana de androgênios (principal).
e nos ovários (citocromo P450c17 ou CYP 17).
Alterações periféricas na sensibilidade, disponibilidade e no
Maior produção adrenal de androgênios.
clearance de androgênios.
Inibição da secreção e pulsatilidade do FSH. Aumento da relação LH:FSH.
Alteração nos pulsos de GnRH com aumento dos níveis de LH. Aumento da testosterona livre e total.
Alterações na atividade da aromatase (diminuição da atividade
Aumento das frações livres de androgênios e estrogênios
da aromatase ovariana e aumento da atividade da aromatase
circulantes.
periférica).
Alterações na atividade da 5 alfa-redutase. Aumento da atividade androgênica.
Redução da produção de SHBG. Inibição da maturação folicular.
Manifestações clínicas
Grande parte da dificuldade do entendimento da SOP se deve à diversidade de manifestações clínicas. A SOP é uma
síndrome com manifestações muito heterogêneas, que pode se apresentar com várias combinações de sinais, sintomas e
marcadores laboratoriais. Classicamente, os sinais e sintomas se tornam evidentes alguns anos após a puberdade.
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Irregularidade menstrual: a disfunção menstrual em mulheres com SOP varia de amenorreia (ausência de fluxo
menstrual por pelo menos três meses) a oligomenorreia (ciclos com intervalos longos) até sangramento uterino
disfuncional episódico (menometrorragia), que pode cursar com anemia.
Hirsutismo não é o mesmo que
Hiperandrogenismo: o hirsutismo é a manifestação clínica mais comum do hipertricose!
hiperandrogenismo. Outros sinais incluem a presença de acne vulgar, seborreia e
Hirsutismo: presença de pelos
alopecia androgênica. Sinais de masculinização, como timbre de voz grave, terminais escuros e ásperos (grossos)
clitoromegalia ou hipertrofia muscular, caracterizam o quadro de virilização e em locais tipicamente masculinos.
indicam uma grave alteração na síntese androgênica.
Hipertricose: presença de pelos finos
Obesidade (IMC >30): ocorre em mais de 50% das pacientes com SOP. A sem padrão de localização definido.
deposição de gordura é tipicamente central e, por esta razão, a obesidade
abdominal é mais característica. Essa proporção indica padrão androide ou central
de obesidade, FR independente para DCV e DM.
Resistência à Insulina: embora a obesidade seja um dos fatores que agravam a resistência insulínica, evidências
científicas mostraram que tanto mulheres magras como obesas com SOP apresentam taxas elevadas de RI e DM tipo 2,
em comparação com controles de mesmo peso sem SOP.
Intolerância à Glicose e DM 2: mulheres com SOP apresentam maior risco para ambas condições. Estudos
demonstram disfunção das células beta pancreáticas, independente da presença de obesidade, em pacientes com SOP.
Dislipidemia: a prevalência nos casos de SOP se aproxima de 70%. O perfil lipoproteico aterogênico clássico na SOP
se caracteriza por níveis ↑ de LDL, níveis ↑ de triglicerídeos, níveis ↓ de HDL e ↑ na razão entre colesterol total e HDL.
Hipertensão Arterial Sistêmica: há um aumento da incidência de HAS que chega a ~40% na perimenopausa.
Síndrome Metabólica: caracteriza-se por resistência à insulina, obesidade, dislipidemia aterogênica e hipertensão
arterial. Se associa a um aumento no risco de DCV e DM tipo 2. A prevalência é de ~45% em mulheres com SOP.
Infertilidade: é uma das queixas mais frequentes das pacientes com SOP e resulta de ciclos anovulatórios.
Abortamento Precoce: mulheres com SOP que engravidam apresentam taxa de 30 a 50% de abortamento precoce, em
comparação com a taxa média de aproximadamente 15% para a população geral. A etiologia não é muito clara. Alguns
autores sugerem que a insuficiência lútea é responsável por estes quadros. Outros sugeriram que a resistência insulínica
esteja relacionada aos abortamentos nessas mulheres.
Complicações gestacionais: mulheres com SOP apresentam risco duas ou três vezes maior de diabetes gestacional,
DHEG, parto prematuro e mortalidade perinatal, sem relação com gestações multifetais.
Apneia obstrutiva do sono (AOS): comum em mulheres com SOP e, provavelmente, está relacionada com obesidade
central e resistência à insulina.
Distúrbios Psicológicos: Mulheres com SOP podem se apresentar com diversos problemas psicossociais como
ansiedade, depressão, baixa autoestima, redução da qualidade de vida e imagem corporal negativa.
2. Epidemiologia
A SOP é considerada a endocrinopatia mais frequente em mulheres em idade reprodutiva, acometendo cerca de 6-
19% dessa população, dependendo do critério diagnóstico. É encontrada em aproximadamente 80% dos casos de
hiperandrogenismo em mulheres. Afeta 5 a 10% das mulheres em idade reprodutiva. Pode ser identificada em cerca de 30
a 40% das pacientes com infertilidade. Pode ser identificada em aproximadamente 90% das pacientes com ciclos
irregulares.
3. Fatores de risco
A medicina ainda não descobriu o que causa a síndrome dos ovários policísticos. No entanto, alguns fatores são
frequentemente associados com a doença:
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Excesso de insulina
Resistência à insulina
Histórico familiar
Baixo peso ao nascer
Pubarca precoce (aparecimento dos pelos pubianos no início da puberdade).
4. Diagnóstico diferencial
Considerando que a SOP é uma doença funcional, aonde uma série de disfunções nos sistemas endócrino, metabólico
e reprodutivo ocorrem, o diagnóstico diferencial com doenças orgânicas que também cursam com hiperandrogenismo
torna-se obrigatório, uma vez que a abordagem terapêutica nestes casos é completamente distinta. Assim, para o
diagnóstico diferencial, são necessárias dosagens de testosterona total ou livre ou cálculo do índice de testosterona livre,
17- hidroxiprogesterona, S-DHEA, além da dosagem de prolactina e TSH.
Nos casos em que o fenótipo não é claramente hiperandrogênico, deve-se realizar o diagnóstico diferencial com
outras causas de anovulação crônica, sendo as principais a hiperprolactinemia, as anovulações de origem hipotalâmica e a
insuficiência ovariana prematura.
Dentre as doenças mais prevalentes e que justificam pesquisa ativa de rotina para diagnóstico diferencial estão: os
tumores produtores de androgênios (ovariano e adrenal), hiperprolactinemia, disfunções tireoidianas e a hiperplasia
adrenal congênita, mais especificamente a forma não clássica, já que a forma clássica se manifesta com a presença de
genitália ambígua por virilização intrauterina e provavelmente será diagnosticada antes da puberdade.
5. Diagnóstico: critérios
O Consenso de Rotterdam foi publicado em conjunto pelas Sociedades Americana de Medicina Reprodutiva – ASRM
e Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia – ESHRE é o mais amplamente usado na prática clínica,
apresentando critérios mais flexíveis, incluindo inclusive mulheres sem manifestações claras de hiperandrogenismo.
Outros consensos mais conservadores, como do NIH (National Institute of Health) e da Sociedade de Excessos de
Androgênios (AES) foram publicados na tentativa de evitar o excesso de diagnósticos aonde não estivessem presentes
todos os sinais clássicos da síndrome. Critérios Diagnósticos de SOP:
O que é mais amplamente utilizado e que abrangerá maior número de pacientes é o critério de Rotterdam. Devendo
haver a presença de ao menos dois dos três critérios diagnósticos: oligo-amenorreia, hiperandrogenismo clínico e/ou
laboratorial e morfologia ultrassonográfica de policistose ovariana. Além disso, a exclusão de outras doenças que também
cursam com hiperandrogenismo constitui-se no quarto, e obrigatório, critério diagnóstico.
2. Hiperandrogenismo clínico: presença de um ou mais dos seguintes achados (acne, hirsutismo e alopecia de padrão
androgênico) e/ou Hiperandrogenismo laboratorial: elevação de pelo menos um androgênio (testosterona total,
androstenediona, sulfato de desidroepiandrosterona sérica (SDHEA)), de acordo com os VR do kit utilizado.
3. Morfologia ovariana policística à ultrassonografia: presença de mais de 12 folículos antrais (entre 2 ou 9 mm)
*depende da resolução do aparelho utilizado* em pelo menos um dos ovários ou volume ovariano de ≥ 10 cm 3.
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É possível se deparar com pacientes sem sinais clássicos de hiperandrogenismo mesmo que as manifestações clínicas
mais características da doença são quase todas decorrentes do excesso de androgênios circulantes. Se pode definir que o
diagnóstico da SOP é quase sempre clínico, principalmente levando-se em consideração que grande parte das portadoras
de SOP apresentará irregularidade menstrual e hiperandrogenismo clínico.
O histórico menstrual de oligo-amenorreia será caracterizado como a ausência de menstruação por 90 dias ou mais,
ou a ocorrência de menos de 9 ciclos menstruais em um ano. O diagnóstico dos sinais e sintomas de hiperandrogenismo é
mais subjetivo e alguns parâmetros podem nortear esta avaliação como, por exemplo, o Índice de Ferriman-Galleway,
uma escala para quantificação de pêlos em áreas androgênios dependentes.
O efeito direto dos androgênios sobre os folículos pilosos e sebáceos leva aos sinais e sintomas clínicos do
hiperandrogenismo, como hirsutismo, acne, pele oleosa, queda de cabelo e nos casos mais graves, sinais de virilização
com clitoromegalia e alopecia androgênica.
Avaliação hormonal:
Exames para exclusão de outras causas de hiperandrogenismo ou rastrear a presença de risco metabólico:
Testosterona total; 17-hidroxiprogesterona; Prolactina sérica; Glicemia de jejum; Glicemia após sobrecarga de 75 g de
glicose (para mulheres obesas ou com história familiar de diabetes melito); Sulfato de deidroepiandrostestoterona
(DHEA-S) (em caso de suspeita de tumor adrenal); TSH; Colesterol total, HDL-colesterol, triglicerídeos (para pacientes
com suspeita de síndrome metabólica).
6. Tratamento
Modificação do estilo de vida: A SOP é caracterizada por um ciclo vicioso onde o excesso de androgênios favorece a
deposição de gordura abdominal, que agrava a resistência insulínica e a hiperinsulinemia compensatória, aumentando a
secreção de androgênios ovarianos. Estratégias como dieta e exercícios físicos podem diminuir a adiposidade central e o
excesso de peso, melhorando não somente as comorbidades metabólicas da SOP, mas também o excesso de androgênios e
alterações reprodutivas.
Contraceptivos orais e progestágenos: é a primeira linha de tratamento para mulheres com SOP que não desejam gestar
e que apresentem irregularidade menstrual com ou sem hirsutismo. Importantes no manuseio dos distúrbios menstruais e
excesso de androgênios. O mais prescrito contém Etinilestradiol (EE) 20 – 35mcg e um progestágeno (antiandrogênico:
ciproterona; drospirenona), contudo, devemos considerar os riscos ao prescrever ACOs.
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Anti-androgênicos: Devem sempre ser usados em concomitância com contraceptivos para evitar pseudohermafrodistismo
fetal em uma eventual gravidez não planejada. As drogas mais usadas são a ciproterona e a drospirenona. A Ciproterona
é o antiandrogênico esteróide mais usado (25-50 mg/dia/20 dias), de uso combinado ao Etinilestradiol 35mcg. Estudos
mostram que o tratamento por seis meses é efetivo na melhora do hirsutismo, além do efeito positivo na perda de peso em
mulheres com SOP. Existem ainda: espironolactona, um antagonista da aldosterona e bloqueador dos receptores
androgênicos (dose 50-200mg/dia); e finasterida (dose 5mg/dia) é um inibidor da conversão local de testosterona em
dihidrotestosterona.
Sensibilizadores da insulina: Metformina (500 a 1500mg/dia) é a droga mais amplamente usada, demonstrando um
pequeno benefício para redução de peso, diminuição dos andrógenos séricos (sem melhora no hirsutismo) e restauração
dos ciclos menstruais. Além disso, a metformina melhora a sensibilidade insulínica no fígado e tecidos periféricos, com
efeitos locais diretos sobre a esteroidogênese ovariana.
Se o uso de citrato de clomifeno ou letrozole não resultar em gravidez, a intervenção de segunda linha recomendada é
o uso exógeno de gonadotrofinas ou cirurgia laparoscópica para drilling ovariano.
7. Complicações
A SOP é atualmente considerada fator de risco para várias doenças, tais como DM, carcinoma de endométrio,
dislipidemias, síndrome metabólica, doença cardiovascular, entre outras. As pacientes com SOP possuem múltiplos
fatores que contribuem para o risco aumentado para diabetes: resistência à insulina, intolerância à glicose, disfunção de
células pancreáticas beta, obesidade (principalmente central) e história familiar de diabetes.
Consequências em curto prazo: obesidade, infertilidade, menstruação irregular, dislipidemia, hirsutismo, acne,
alopecia androgênica, intolerância a glicose e acantose nigricans.
Consequências em longo prazo: diabetes mellitus, câncer endometrial, doença cardiovascular.
Referências
Passos, Eduardo Pandolfi. Rotinas em ginecologia. 7 ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. Cap. 28 - Hiperandrogenismo.
BRASIL. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Síndrome dos Ovários Policísticos. Ministério da Saúde.
Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS.
Brasília: CONITEC, 2019.
FEBRASGO. Síndrome dos ovários policísticos. Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia.
Série Orientações e Recomendações FEBRASGO. Comissão Nacional Especializada em Ginecologia Endócrina. São
Paulo: FEBRASGO, 2018.
USP. Clínica médica. vol. 1. Medicina USP/HC-FMUSP. São Paulo: Editora Manole, 2009. Cap. 3 - SOP.