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Será possível a existência do livre arbítrio e a presciência

divina?
Renata Santiago Peres*

Introdução

Neste ensaio pretendo defender a posição que diz ser a presciência divina compatível
com o livre arbítrio. Posso dizer que essa é uma questão desafiadora para cristãos, pois leva
a contradições, a outros problemas e à quebra de preceitos básicos que fundamentam as
religiões monoteístas. Por esse motivo enxergo esse problema com tamanha importância.
Começarei esclarecendo o que é a presciência divina, mas para isso, primeiro irei falar
sobre a ideia de Deus. O Deus sobre o qual vou dissertar é o do teísmo, que tem como
característica ser sumamente bom (moralmente perfeito), onipotente (todo poderoso),
onisciente (que sabe tudo) e criador, e não uma força da natureza. Partirei do princípio que
Deus existe.
Preciso definir o livre arbítrio, como a possibilidade que todo ser humano tem de
decisão, e de fazer escolhas em função da própria vontade. Claramente dentro de alguns
limites, ninguém acha que vai adquirir superpoderes, só porque assim deseja.
A presciência divina encaixa-se na onisciência, a presciência é o conhecimento do
futuro, conhecer de antemão, mesmo os atos livres. Então, o problema se instala quando
contrapomos as características de Deus, que fazem Deus ser Deus, e o livre arbítrio.

Como podemos ser livres se Deus é onisciente?

Determinismo é a postura que assume ser todas as ações causadas, sendo o efeito das
causas necessário. E que todos advêm de uma causa primeira. Deste modo, o livre arbítrio
seria falso. A partir desse conceito que surge a ideia de um determinismo moderado, em que
as ações, mesmo causadas, são compatíveis com o livre arbítrio.
Imaginemos uma situação em que uma pessoa escolha ir ao parque passear,
aparentemente sem motivo algum para tomar tal decisão. Porém mesmo uma ação como

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Ex-aluna do Colégio Pedro II – Campus Niterói. Graduanda em Engenharia Civil pela UNESA.
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essa, que em primeira impressão pareça não ter causas, seria causada. Pois um efeito tem
mais de uma causa em seu passado, como cadeias causais. Então a ação de ir ao parque foi
livre, visto que nada a coagiu para que fizesse essa escolha, e é causada, pela progressão de
eventos.
Ter livre arbítrio não significa que você vá praticar uma ação completamente
injustificada. Mesmo as ações que pareçam não ter causas, possuem causas.
Deus é um ser atemporal, ou seja, para Ele não existe passado, presente nem futuro.
Ele transcende a categoria do tempo. Para Ele o presente é infinito. Com isso podemos
afirmar que Ele não prevê o futuro, e sim que Ele sabe do eterno presente. Desta forma
podemos conciliar o livre arbítrio e a onisciência.
Esta afirmação é também apoiada por Boécio. Ele compatibiliza o livre arbítrio e
presciência divina, tem um bom argumento. Só não explica como é possível se Deus também
for criador e a causa primeira, a causa de todas as coisas.

Deus é um espectador?

Não. Podemos perceber pelo costume que as pessoas têm de suplicar a Deus em seus
pensamentos. As vezes, buscando pedir algo que necessitam e acham que para Deus seja
possível. Ou para agradecer um acontecimento que julguem Ele ter ajudado no ocorrido. Ele
por ser sumamente bom, não teria problema em ajudá-los. Pois seria absurdo tal ato se Deus
fosse um espectador.

Como Deus pode nos ajudar sem interferir no nosso livre arbítrio?

Deus poderá nos ajudar, pois Ele não nos obrigará a seguir nenhum caminho. Só nos
aconselhará, quando for chamado. Desta forma, Deus não interromperá no nosso livre
arbítrio, pois a ajuda não foi uma imposição Dele, mas um pedido nosso.
Supondo agora que o livre arbítrio não exista. O argumento seria o seguinte:

Premissa 1: As pessoas não são responsáveis por ações causadas por fatores fora do seu
controle.
Premissa 2: Qualquer ação que uma pessoa pratique é causada por fatores sobre os quais a
pessoa não tem controle.
Conclusão: Logo, não há ações livres.

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Esse é um argumento determinista radical, que defende alguns princípios: que tudo
que acontece tem uma causa; que se uma ação é determinada, então não é livre; e que a pessoa
só é moralmente responsável por ações livres.
Porém assumindo que justiça seja a capacidade de algo ou alguém julgar se uma ação
é certa ou errada de acordo com a moral, as leis e etc. A justiça não teria porque existir. Nem
a do homem nem a de Deus. A sociedade ter um sistema para condenar pessoas pelos crimes
cometidos não faria sentido. Como culparíamos uma pessoa pelas ações que ela não tem
controle?
No entanto, a justiça de Deus é mais abrangente que a dos homens. Deus julga de
acordo com o que é considerado pecado e o que não é considerado. Mas caímos nesse
mesmo problema. Como Deus salvaria ou condenaria alguém?
Se o homem não possuísse o livre arbítrio ele não poderia ser considerado justo ou
injusto, nem culpado pelos seus atos, quiçá condenado por algo que tenha feito. Pois ele não
estaria agindo livremente, não poderia escolher entre o bem e o mal, estaria agindo pelas
causas da falta de possibilidades. Nessa linha de raciocínio não seria plausível dizer que existe
pecado, contudo não escolheríamos entre praticar atos bons ou ruins.

Como Deus pode ser nosso criador, ao mesmo tempo a causa de tudo e
ainda termos livre arbítrio?

Deus pode ser nosso criador, e ao mesmo tempo causa de tudo. Pois para que
tenhamos o livre arbítrio, não podemos ser coagidas, a tomar alguma decisão, portanto se
não fomos coagidos, logo temos o livre arbítrio. Então para nós, Deus ser criador e causa de
tudo não interfere no nosso livre arbítrio.

Conclusão

Em suma, após a análise das possíveis saídas que a filosofia da religião oferece para
o problema de coexistência entre o livre arbítrio e a presciência divina, concluo que o
compatibilismo seja a teoria mais plausível.

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