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CRISTINA PRATES
1. O gênero lírico
Como enfatizaremos, nesse período, o projeto lírico da poesia brasileira, convém mencionarmos a questão do
gênero e do discurso lírico.
De Platão à contemporaneidade, a problemática dos gêneros reflete o desejo do homem de classificar, de filiar
cada obra literária a uma classe ou espécie, o que fica claro se associarmos a palavra à sua origem (do latim genei-eris),
que significa tempo de nascimento, origem, classe, geração.
Em Platão (Atenas, cerca de 428 a.c – cerca de 347 a.c), filósofo grego, discípulo de Sócrates e mestre de
Aristóteles, encontramos a divisão tripartida dos gêneros, considerando-se se o grau de imitação (mímesis) que cada um
estabelece com a realidade, a partir do conceito sobre o ―mundo das ideias‖, onde estaria a essência.
A realidade humana é, para Platão, basicamente imitativa e distante da essência do ser – mundo das ideias –.
Nesse mundo imitativo, em primeiro lugar, estaria o artesão e só depois, de modo degradado, a imitação artística. Por sua
função menor, Platão expulsa os poetas da República.
Para Aristóteles (384-322 a.c), a mímesis recebe um novo sentido: ―imitar, representar, criar imagens é natural ao
ser humano, e, sendo a forma imanente ao objeto, a obra de arte é uma realidade própria, podendo ser mais importante
que a própria história‖ 1.
Ao relacionar a poesia como o mundo do possível e do impossível, o texto aristotélico continua sendo o texto
básico para o enfoque dos gêneros. Realizado a partir de um inventário de modelos com características precisas – ordem,
harmonia, lógica, equilíbrio, curiosamente, no entanto, sua obra Retórica e Poética, tratou, sobretudo da tragédia e
alguma coisa do poema épico, não fazendo referência explícita à poesia lírica, pelo menos no que tange ao que dela
restou.
Não nos cabe, nesse momento, traçar um estudo cronológico a propósito das diversas interpretações críticas sobre
os gêneros, mas vale ressaltar a necessidade de não reduzirmos ―uma obra literária a um mero catálogo de regras
apriorísticas‖, como nos alerta a professora Maria Lúcia Aragão2: (grifos nossos)
È de capital importância frisar que a obra literária, sendo um organismo formado por
múltiplos aspectos, onde se articulam elementos morfológicos, sintáticos, semânticos,
imagísticos, simbólicos, fônicos, rítmicos, etc., que articulados a outros aspectos particulares
aos gêneros dos quais participa mais intimamente, não pode ser reduzido a um mero catálogo
de regras apriorísticas.
No mesmo ensaio, a autora adverte-nos ainda a possibilidade de uma mesma obra conter elementos característicos
de vários gêneros, o que será melhor elucidado pela crítica do século XX, mais liberta no seu enfoque de análise, pois que
mais voltada para o conhecimento intrínseco da obra literária.
Da vasta apresentação sobre os diversos conceitos historiográficos sobre os gêneros, destacamos aqui a posição
do estudioso Emil Staiger que, em seus Conceitos fundamentais da poética3 propõe o estudo dos gêneros – lírico, épico,
dramático – acrescentando, porém, a diferença entre a conceituação substantiva e adjetiva, o que pode ser elucidado na
excelente apresentação do autor pela Professora Helena Parente Cunha, em seu ensaio ―Gêneros literários‖ 4:
Dessa forma, a conceituação dos gêneros expande-se de maneira mais democrática, podendo a obra literária
participar de um gênero, mas também partilhar da essência dos demais: uma balada dialogada, por exemplo, coloca-se sob
o rótulo da Lírica, embora lhe possa ser acrescentado o adjetivo dramático, de cuja essência participe.
Associando a essência do homem nos domínios da criação poética, Staiger identifica o lírico com o passado
(recordação), o épico com o presente (apresentação) e o dramático com o futuro (tensão), e, ampliando essa
interpretação, relaciona os gêneros à trajetória existencial.
1
CARA, Salete de A. A poesia lírica. São Paulo, Ática, 1985, (Série Princípios), p.10.
2
ARAGÃO, Maria Lucia. ―Gêneros Literários‖. In: SAMUEL, R. (org.). Manual de teoria literária. Petrópolis: Vozes, 1984, p.65.
3
STAIGER, Emil. Conceitos fundamentais da poética. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975.
4
CUNHA, Helena Parente. In: PORTELLA, Eduardo. (Org.,) Teoria literária. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975, p.. 93-130.
3
Vale aqui transcrever as palavras do autor , no sentido de ressaltar a possibilidade de encontrarmos o lírico, o
épico e o dramático fora da literatura como também o fato de, dificilmente, encontrarem-se isolados5:
Quando chamo um drama de lírico, ou um romance de dramático (...) é porque sei o que quer
dizer lírico e dramático. Não passo a saber isso ao me recordar de todas as poesias líricas e de
todos os dramas que existem. Essa profusão enorme de obras viria apenas confundir-me. Antes
tenho em mim uma ideia do que seja lírico, épico e dramático. Ideia essa que me ocorreu a
partir de algum exemplo. O exemplo terá sido, provavelmente, uma obra literária. Mas nem
mesmo isso é imprescindível. Posso ter vindo a conhecer a significação ideal do lírico por meio
de uma paisagem, e do épico, talvez, por uma leva de imigrantes; uma discussão pode ter-me
incutido o sentido do dramático (...).
(...) Mas não vamos de antemão concluir que possa existir em parte alguma uma obra que seja
puramente lírica, épica ou dramática. Nossos estudos, ao contrário, levam-nos à conclusão de
qualquer obra autêntica participa em diferentes graus e modos dos três gêneros literários (...).
A essência lírica:
Menor extensão; a voz de um EU, estado de alma;
Subjetivismo;
Afetividade, sentimento;
Fluidez entre o sujeito e o objeto: ausência de distância entre o Eu e o Mundo;
Fusão de sujeito e objeto; fusão dos tempos;
Recordação: um-no-outro > integração.
Repetição:
Verso: retorno, volta;
Paralelismo Ritmo, metro, estrofação, recursos sonoros, refrão;
Homofonia: semelhança de sons. Ex.: hora e agora;
Fusão de todas as coisas; sintoma do não distanciamento do eu lírico.
Desvio da norma:
Repetição: contrária ao uso corrente;
Antinorma; obscurecimento e o equívoco;
Ambiguidade;
Hipérbato Exigências do ritmo, metro e rima;
Mudanças de classe gramatical;
Linguagem lírica: desestrutura linguística.
Antidiscursividade:
Discursividade: ideais enfileiradas;
Significação não linear;
Reação contra a sintaxe lógico-gramatical;
Poética atual: abolir o discursivo;
Supressão dos conectivos; eliminação da frase. (Ex.: Poesia Concreta);
Associação fono-semântica.
Alogicidade:
Ruptura com a razão;
Oximoros, paradoxos;
Transbordamento do sentimento.
5
STAIGER, E, opus cit., p.. 14-15.
4
Construção paratática:
Coordenação Diferente de subordinação (elaboração mental, raciocínio lógico);
Corresponde ao fluxo da disposição afetiva.
Conclusão:
Recordação: fusão do mundo interior e do mundo exterior Essência lírica;
Não distanciamento;
Dissolve-se o contorno do eu e do mundo e a estrutura da língua.
TEXTO COMPLEMENTAR
A essência lírica se manifesta nos fenômenos estilísticos próprios. Quando a obra apresenta predomínio desses
traços sobre os demais, se situa no ramo da Lírica. Assim se pronuncia Rosenfeld:7 Pertencerá à Lírica todo poema de
extensão menor, na medida em que nele não se cristalizarem personagens nítidos e em que, ao contrário, uma voz central
— quase sempre um ―Eu‖ — nele exprimir seu próprio estado de alma.
De fato, no poema lírico há sempre um eu que se expressa, advindo daí o subjetivismo atribuído a este tipo de
composição. Não devemos, entretanto, confundir o eu lírico com o eu autobiográfico, já que o fato literário possui um
universo fictício, onde os elementos da realidade concreta entram em tensão com o imaginário, para criar uma nova
realidade, atrás da qual o autor desaparece. Portanto, o apregoado subjetivismo lírico independe do eu biográfico.
É indiscutível a afetividade e a emotividade do clima lírico, sempre ligado ao íntimo e ao sentimento, tornando
fluida e inconsistente a relação entre o sujeito e o objeto, isto é, entre o eu e o mundo. A emoção e o sentimento impedem
a configuração mais nítida das coisas e dos seres que não se fixam, mas fluem sem contornos definidos na torrente
poética. Quanto mais lírico o poema, menor será a distância entre o eu e o mundo, que se fundem e confundem. Quando
aparecem descrições, análises, diálogos ou reflexões no poema, instaura-se um distanciamento entre o sujeito e o objeto e
o clima lírico desvanece com a acentuação dos traços épicos ou dramáticos.
A atitude fundamental lírica é o não distanciamento, a fusão do sujeito e do objeto, pois o estado anímico envolve
tudo, mundo interior e exterior, passado, presente e futuro. Por isso Staiger denomina recordação a essência lírica,
levando em conta a etimologia da palavra, do latim cor-cordis. Recordação quer dizer ―de novo ao coração‖, isto é, aquele
um-no-outro, em que o eu está nas coisas e as coisas estão no eu. Tal integração só se admite numa obra lírica idealmente
pura, o que é inconcebível em termos rigorosos. O poema tende para esta fusão, que será maior ou menor em função do
estado afetivo.
Musicalidade — O termo lírico originalmente liga-se a uma espécie de composição poética que os gregos
cantavam ao som da lira. Grande parte do que hoje se denomina composição lírica era musicada; conforme ainda atesta a
poesia trovadoresca medieval. Mesmo depois, quando se destinou apenas à leitura, conservou o remanescente dos seus
primórdios, bastando lembrar que uma das características do Simbolismo era a aproximação da música e da poesia.
Verlaine começa o poema intitulado ―Art poétique‖ com um verso que ficou famoso: ―De la musique avant toute chose‖
(música antes de tudo). Não é sem razão que tantas vezes se usa a palavra canto como sinônimo de poema.
Um dos fenômenos estilísticos mais típicos da composição lírica é a musicalidade da linguagem obtida através de
uma elaboração especial do ritmo e dos meios sonoros da língua, a rima, a assonância ou a aliteração. A urdidura da
camada fônica propicia uma tendência geral para a identidade entre o sentido das palavras e sua sonoridade, que podemos
constatar na ―Canção do vento e da minha vida‖, de Manuel Bandeira:
6
CUNHA, Helena Parente. ―Os gêneros literários‖. In: PORTELLA, Eduardo. (Org.). Gêneros Literários. Editora Tempo Brasileiro,
Rio de Janeiro, 1979. p. 93-106
7
ROSENDELD, Anatol. O teatro épico. S.P. Buriti, 1965, p.5.
5
A insistência dos fonemas fricativos /v/e /f/ induz a uma aproximação do som dos versos ao sentido de voragem
do vento varrendo as coisas num ímpeto destruidor. O significado metafórico do vento na imagem da devastação
desencadeada pelo tempo, amplia-se na recorrência aliterativa dos fonemas congêneres.
O acúmulo do fonema fricativo sibilante /s/ imprime aos versos, graças à sua fluidez, a suavidade de um vento
brando, na melancolia da paisagem outonal que a rede de fonemas nasais sombreia. A sensação difere do outro poema,
onde os fonemas labiais são as próprias chicotadas violentas do vento, que agora se faz apenas um sussurro de brisa.
O ritmo martelado dos primeiros versos de Bandeira reforça a impetuosidade da destruição, enquanto em Cecília
a lentidão rítmica se adapta ao estado de alma diluído molemente numa tristeza cansada.
Esta aproximação dos elementos sonoros e significativos provém da disposição afetiva lírica que envolve tudo na
ausência de distanciamento da recordação.
Todo o campo semântico da cantiga é uma repetição do refrão das três estrofes, que se resume na equação amor =
mal, definição da atitude trovadoresca medieval:
6
Formas Verbais Substantivos Elementos Intensificadores
Adj. e Pron.adj. Adv. e loc.adv.
Os significados das formas verbais e dos substantivos giram em torno de sofrimento e amor, intensificados pelos
adjetivos, pronomes adjetivos, advérbios e locuções adverbiais.
Quanto ao paralelismo do ponto de vista da rima, notamos que a concordância de sons se repete nas três estrofes,
cumprindo assinalar que senhora se encontra no primeiro e último verso. De cada unidade.
Em geral, o poema explora os recursos da homofonia. Segundo Saussure, o mecanismo linguístico repousa sobre
identidades e diferenças (ou oposições) a fim de realizar um máximo de diferenciação. Por ser a tendência natural
aproximar pelo sentido as palavras de som igual ou semelhante, a linguagem corrente evita a indiferenciação, da qual a
linguagem poética tira partido nos efeitos que pretende.
Na cantiga de D. Dinis, hora e agora se embutem sonoramente em senhora, avizinhando seus sentidos. É como se
a senhora se fundisse nas horas do amante: amar a senhora = mal a toda hora. O tratamento fônico reitera o sentimento
fulcral da cantiga.
A inclusão da senhora no tempo se confirma na construção sintática, onde se repetem as orações temporais, que,
ao lado das causais, permitem uma variação da equação do refrão: tempo do amo r = causa do amor.
O recurso da repetição é sintomático do não distanciamento lírico, na medida em que intensifica a fusão de todas
as coisas no estado afetivo.
Desvio da norma gramatical — A repetição, contrária ao uso linguístico corrente, demonstra que a linguagem
poética provoca um desvio da norma gramatical. Jean Cohen afirma que a norma do discurso poético é a antinorma, e que
o poeta busca intencionalmente o obscurecimento e o equívoco, levando a língua a perder a firmeza. A ambiguidade,
característica inerente a toda obra poética, decorre muitas vezes da violação da norma.
O hipérbato, proveniente da inversão na ordem natural das palavras, é uma das infrações mais frequentes,
cometida para satisfazer às exigências do ritmo, do metro ou da rima, em prejuízo da clareza. Estes versos de ―O navio
negreiro‖ de Castro Alves ilustram o caso:
..................................................
A língua perde a consistência, a consistência e faz as palavras deslizarem de uma classe para outra, assumindo
funções inusitadas. Fernando Pessoa usou esse recurso em várias passagens:
Entre os exemplos de desvio na regência verbal, citamos alguns versos esparsos de Mário de Sá-Carneiro:
Cantan. Cantan.
¿ Dónde cantan los pájaros que cantan?
Ha llovido. Aún las ramas
están sin hojas nuevas. Cantan. Cantan
los pájaros. ¿ En onde cantan
los pájaros que cantan?
No tengo pájaros en jaulas.
No hay niños que los vendan. Cantan.
El valle está muy lejos. Nada...
Yo no sé onde cantan
los pájaros — cantan, cantan —,
los pájaros que cantan.
A repetição de cantan 13 vezes e pájaros 6 vezes comprova que o discurso, ao invés de se desenvolver
linearmente, retorna sempre ao mes-mo ponto. Na perspectiva lógica, ou a repetição esclarece a mensagem ou é
redundante, sem acrescentar informação nem originalidade. No contexto poético, dá-se um aumento de informação
porque o discurso não prossegue: recua e se obscurece, resultando imprevisível, original e ambíguo.
Sob o azul
sobre o azul
subazul
subsol
subsolo
O breve poema opera um desdobramento fono-semântico do sob e azul (metáfora de terra), na medida em que
estes dois termos se diluem nas demais variações e combinações. O conteúdo significativo espacial da preposição sob
ecoa no prefixo sub- que compõe as três últimas palavras. As duas preposições antitéticas indicam as ―posições do
corpo‖, abaixo da terra (enterrado), em cima (na superfície) ou acima (na estratosfera), resumindo a parábola do homem
no seu irrecorrível destino.
Mesmo sem atingir tais extremos compositivos, as vivências anímicas rejeitam a rigidez das construções
sintáticas, e repelem o discursivo, que instala o distanciamento reflexivo, incompatível com a essência lírica.
Alogicidade — A alogicidade caracteriza a poesia lírica, numa interrelação com os demais aspectos típicos, desde
que estrutura lógica do discurso expressa as formas da cogitação racional que não se concilia com a linguagem lírica.
Naturalmente esta propriedade diz respeito ao componente do imaginário que integra toda criação artística, entretanto, o
poema lírico parece romper com mais veemência os estatutos da realidade controlada pela razão. É o que verificamos na
definição do amor, através da série de oximoros no soneto de Camões, numa das mais belas manifestações do
petrarquismo renascentista:
8
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;
O oximoro e o paradoxo constituem um dos traços estilísticos mais notórios do Cancioneiro de Fernando Pessoa,
perfeitamente de acordo com o tema do conflito entre o ser e o não ser, eixo da obra. No mundo do não ser que, para
Pessoa, é o das aparências vãs, se insinuam as mais desconcertantes afirmações, que veremos em alguns versos, colhidos
da coletânea:
Todas essas contradições corroboram a impossibilidade de se captar o poema lírico através do raciocínio, pois o
transbordamento de sentimento ultrapassa a jurisdição da lógica, aprofundando outras camadas alheias ao regulamento
codificado.
Construção paratática — Nas composições mais líricas, predomina o uso da construção paratática (orações
coordenadas) sobre a hipotática (orações subordinadas). Uma vez que o período composto por subordinação requer maior
elaboração mental, as relações causais, condicionais, finais, concessivas pressupõem o raciocínio lógico e conectante.
Justamente onde comparecem tais conjunções, o clima lírico se desmancha. Na hipotaxe, a subordinação a uma oração
principal estabelece um nexo lógico de dependência, em oposição à liberdade da expansão das emoções.
As orações independentes e as coordenadas da parataxe correspondem melhor ao fluxo da disposição afetiva. As
orações valem por si, justapondo-se sem prioridade, como acontece na emoção lírica, em que fatos distantes no tempo e
no espaço se aproximam e se fundem nas vivências da alma. Em Meus oito anos de Casimiro de Abreu, a recordação da
infância une o passado e presente num reviver repleto de ternura. As breves orações coordenadas da estrofe que
transcrevemos refletem a justaposição dos fatos, arrastados pela torrente lírica:
Conclusão — Todos os fenômenos estilísticos examinados decorrem da essência lírica, a recordação, que funde
mundo interior e mundo exterior. Este não-distanciamento impossibilita a observação e a compreensão e cria um contexto
impreciso em que a expressão linguística deixa de ser construída logicamente, fazendo tudo dissolver-se: o contorno do
9
eu e do mundo e a estrutura da língua. Assim se justificam a musicalidade, as repetições, o desvio da norma gramatical,
a Antidiscursividade, a alogicidade, a construção paratática.
Esses fenômenos estilísticos podem apresentar-se em qualquer obra, no entanto, somente quando predominam,
esta se enquadrará no ramo da Lírica.
2. Níveis do poema
Sabemos que não há ―receitas‖ para analisar e interpretar textos, sendo necessárias muitas leituras teóricas e
trabalhos práticos para atingirmos um grau razoável de compreensão.
Mas, pensando o poema através dos seus elementos intrínsecos, poderíamos propor uma análise pautada no nível
rítmico, lexical, sintático e semântico e na composição gráfica.
Por nível rítmico, compreende-se a observação da camada sonora: métrica, rima, ritmo, as repetições e paralelismos,
as figuras de sonoridade (aliteração, assonância, paronomásia, etc.).
Quanto ao nível lexical, cumpre observar o léxico do texto: o nível da linguagem (culto ou coloquial), as classes
gramaticais predominantes, os verbos (de ação, indicando dinamismo; de estado, paralisia, estaticidade; os modos
verbais), os substantivos (abstratos, indicando generalização; os concretos, particularidade), etc.
Em relação ao nível sintático, torna-se relevante o tipo de períodos do texto (curtos ou longos), a pontuação, as
combinações das palavras, os paralelismos, a ordem direta ou inversa (hipérbatos, anástrofes).
Implícito em todos os níveis, o nível semântico implica a atenção às figuras relevantes que trazem importantes efeitos
de significação, como as figuras de pensamento (antítese, ironia, eufemismo, hipérbole, apóstrofe, oximoro, paradoxo,
gradação), as figuras de palavras (comparação, metáfora, metonímia, perífrase) e as figuras de construção (repetição,
anástrofe, elipse, zeugma, pleonasmo, hipérbato, polissíndeto, assíndeto, anáfora, anacoluto, anástrofe).
A esses níveis, podemos, ainda, acrescentar a composição gráfica, ou seja, a apresentação o espaço que o poema ocupa
no espaço em branco da página.
8
―Conheces o país onde florescem as laranjeiras?/Ardem na escura fronde os frutos de ouro.../ Conhecê-lo? Para lá, para
lá quisera eu ir!‖
(Tradução: Manuel Bandeira)
10
Rimas oxitonas em ―a‖: ―sabor de vogal indígena (Cassiano Ricardo)‖;
Técnica da repetição;
Versos brancos, número de versos diferentes nas estrofes: liberdade formal.
Cá Lá
Antítese
Espaço da realidade
Espaço idealizado
(Natureza) Centro de significação
Exílio, saudade. X do poema.
Marcado pelo: ―mais‖
Ausência, desequilíbrio
Equilíbrio, harmonia dos
elementos da natureza
Lusofobia
Nacionalismo Ufanista
Relação entre a camada fônica e o nível de significado do poema: à redondilha maior, corresponde a
linguagem simples, com estrutura sintática na ordem direta Ideal de simplicidade do Romantismo.
Temática romântica: O nacionalismo, a valorização da natureza, o sentimento de melancolia, presença
de Deus, isolamento, presença da morte, anseio por algo melhor do que se está vivendo.
11
INTERTERTEXTUALIDADE
Elementos formais retomados: o metro (redondilha maior), a utilização de quadras, nas estrofes finais, alguns
versos integralmente recuperados (11,12 e 13).
Oswald: Modernismo, Movimento Pau-Brasil.
Palmeiras/Palmares > Paronomásia > efeito linguístico causado pelo choque de palavras cujos sons são
semelhantes, mas os sentidos diferentes.
Modernismo
TEXTO COMPLEMENTAR
VERSOS, SONS E RITMOS, NORMA GOLDSTEIN.9
CAPITULO 10: NÍVEIS DO POEMA
As partes do todo
Os capítulos anteriores tratam essencialmente do aspecto rítmico do poema, ou seja: construção métrica, tipo de
estrofes e de versos, acentuação dos versos, rimas, repetições. Além deste, devem ser analisados outros níveis ou aspectos
estruturais do poema, sempre tendo em vista que cada um -deles deve ser relacionado -aos demais a fim de se chegar à
Interpretação do poema em sua unidade.
Já ficou dito que não há "receitas" para analisar e interpretar textos, dado o caráter específico de cada obra
literária. Também já se comentou que certas técnicas podem ser úteis para a leitura mais aprofundada de textos. É nesse
sentido que segue um comentário sobre os outros aspectos do poema, isto é: como sugestão cuja utilização fica a critério
da sensibilidade de cada leitor.
Acho importante acrescentar que esta é só uma abordagem inicial. Será fundamental que outras leituras teóricas,
além do trabalho prático com textos poéticos, ampliem a bagagem do interessado em poesia.
Nível lexical
Trata-se de analisar o léxico do texto, verificando de quais palavras ele se compõe. O vocabulário do texto revela
um de nível de linguagem: culto ou coloquial, por exemplo. De modo geral, a linguagem coloquial é mais frequente nos
poemas modernos. Mas também há poemas modernos em linguagem culta, assim como poemas tradicionais compostos
em linguagem simples.
Em seguida, deve-se procurar quais as categorias gramaticais presentes no poema, qual delas predomina e como
são empregadas no texto. O predomínio de verbos de ação, conforme o sentido do texto, pode indicar dinamismo; o de
verbos de estado, também dependendo do sentido do poema, sugeriria estaticidade. Os substantivos, abstratos indicariam,
generalização; os concretos, particularização. Procede-se a um levantamento dos adjetivos, locuções adjetivas e orações
adjetivas, ou seja, dos caracterizadores em geral. Deve-se sempre relacionar o substantivo ao adjetivo que o acompanha.
Além do levantamento das categorias gramaticais, deve-se verificar como o autor as utiliza: é o emprego usual? é um
emprego novo? o que sugere cada termo isoladamente? e em conjunto? Quanto aos verbos, pesquisa-se tempo e modo
verbal. Conforme a significação dos versos, o tempo verbal pode apontar proximidade (presente) ou distanciamento
(passado/futuro); o modo representaria a realidade, (indicativo) ou a possibilidade, o desejo (subjuntivo).
Ao concluir sobre a escolha das palavras que compõem o poema, constata-se como elas contribuem para
interpretar o texto.
Retomo um poema que já apareceu ilustrando o verso de uma sílaba: "Serenata sintética" de Cassiano Ricardo:
9
GOLDSTEIN, Norma. Versos, Sons, Ritmos. Editora Ática: São Paulo, 1991, p. 59-67.
13
Rua
torta.
Lua morta.
Tua porta.
Neste poema, não há verbo nenhum. Como efeito, a hipótese de estaticidade que a análise do poema pode contar
ou não. Em cada estrofe, dois versos e duas palavras: um substantivo e um caracterizador: adjetivo ("torta", "morta") ou
pronome ("tua"). Numa primeira leitura, "rua torta" seria rua sinuosa. Num plano conotativo, pensa-se em "rua" como via,
caminho, passagem, destino; e em "torta" como difícil, sinuosa, misteriosa, duvidosa. No verso três, a "lua" não é apenas
o satélite da Terra, mas também o complemento romântico de uma serenata; no quatro, "morta" significa sem vida. O
conjunto "lua morta" refere-se à ausência de lua, noite sem luar, sem luz. Se a noite é escura, a obscuridade a torna
misteriosa. A estrofe final indica o destino da serenata: "tua porta". Tanto a porta da casa, quanto a do coração. Porta que
não se sabe se será aberta, ou não, para o "seresteiro", o poeta. No conjunto, o clima de expectativa e incerteza, resultante
tanto do sentido do texto, como da ausência verbal, percorre todo o texto.
Nível sintático
O leitor pode "ler" a organização sintática do texto; começando pela pontuação, isto é, o levantamento do tipo de
períodos do texto: curtos ou longos; frases ou orações isoladas. Às vezes aparece o paralelismo, ou seja, a mesma
construção sintática (mesmo tipo de verbo com mesmo tipo de complemento; combinação semelhante de substantivo e
adjetivo; locuções introduzidas pelo mesmo termo etc.), em versos diferentes. O relacionamento dos paralelismos é um
dos componentes que concorrem para o sentido do texto. Por vezes, certos termos são omitidos, podendo-se perceber
quais seriam e interpretar essa ausência. Interrogações, reticências, inversões sintáticas, podem apontar um caminho para
interpretar o poema.
Volto a uma estrofe do poema "José" de Carlos Drummond de Andrade, que já apareceu anteriormente. Observe
os paralelismos e as interrogações:
Nos três primeiros versos, há um tipo de paralelismo sintático ou repetição. Varia o sujeito, permanece o mesmo
predicado: "não veio". No quarto verso, a construção é a mesma, mas o efeito de impacto decorre, agora, não do
paralelismo, e, sim, da inversão, colocando em destaque a palavra "utopia". Na variação dos sujeitos, uma gradação: ―o
dia" (passar do tempo), "o bonde" (locomoção no espaço), a emoção contida no "riso", e, enfim, o projeto impossível da
"utopia". Nos versos seguintes, repete-se o sujeito, modifica-se o verbo que, paralelisticamente, está sempre no passado:
"acabou" (ideia de fim), "fugiu" (evasão, fuga) e "mofou" (estragou, tornando-se impróprio para o uso). Os verbos no
passado - constatação referente ao nível lexical - marcam o distanciamento entre o texto - ou suas enumerações - e o
presente. Após a negação e o fim de tudo, o efeito de perplexidade da interrogação dirigida ao José que pode ser cada um
de nós.
Encadeamento ou "enjambement"
Encadeamento, cavalgamento, ou, usando um termo francês, enjambement, é a construção sintática especial que
liga um verso ao seguinte, para completar o seu sentido. Explicando melhor ele é incompleto quanto ao sentido e quanto à
construção sintática apenas. Metricamente, ritmicamente, ele tem todas as sílabas poéticas, e, se for verso regular, poderá
ter rima. Surge, portanto, uma espécie de choque entre o som (completo), a organização sintática e o sentido (ambos
incompletos). Ou seja: tensão. Geralmente, o encadeamento produz uma relação bastante complexa entre esses níveis,
resultando em ambiguidade de sentido. Atente para os encadeamentos na estrofe inicial de "O aspecto mais lindo da
cidade", de Olegário Mariano:
Nível semântico
Ao tratar dos demais níveis do poema, o aspecto semântico nunca deixou de estar presente. As figuras sonoras, a
organização sintática, o vocabulário, o emprego das categorias gramaticais só podem ser analisados tendo-se em vista o
sentido global do texto.
Ao isolar, para fins didáticos, o "nível semântico", este trabalho visa apenas a comentar algumas figuras cuja
presença no poema pode implicar importantes efeitos semânticos.
Figuras de similaridade
Comparação: também chamada de símile, é uma figura que aproxima dois termos, através da locução conjuntiva
"como", "assim como", "tal", "qual", e outras do mesmo tipo. Como exemplo, dois versos do Canto 1 do "Poema do
Frade" de Álvares de Azevedo:
Metáfora: há muitos estudos sobre esta figura de grande efeito poético. De maneira simplificada, pode-se
compreender a metáfora como uma comparação abreviada, ou seja, da qual se retirou a expressão "como" ou similar.
Conforme o tipo de construção da metáfora, varia seu efeito poético. Um exemplo de Camões: "Amor é fogo que arde
sem se ver".
Alegoria: geralmente, é conceituada como uma sequência de metáforas, associando e aproximando elementos,
que, normalmente, não teriam nenhum parentesco. A "Dama Branca", que percorre o poema homônimo de Manuel
Bandeira, sorrindo-lhe nos "desenganos" e acompanhando-o por anos a fio, é a alegoria da morte, como esclarecem os
versos finais:
Ocorre ocultação de sentido apenas provisoriamente. Ao terminar a leitura do poema, o enigma se desfaz, a
alegoria ou metáfora continuada se esclarece e o leitor percebe qual é a identidade da "Dama Branca". *(Este exemplo de
alegoria foi retomado das anotações do curso ministrado pelo professor Antonio Candido, em 1963).
Sinestesia: é o recurso que sugere associação de diferentes impressões sensoriais, ou seja, sugestões ligadas aos
cinco sentidos: visão, tato, audição, olfato, paladar. O verso de "Anoitecer", de Cecília Meireles, associa impressões
visuais e tácteis: "As crianças fecham os olhos sedosos".
15
Figuras de contiguidade
Metonímia: é o emprego de um termo por outro, numa relação de ordem: causa pelo efeito; sinal pela coisa
significada; continente pelo conteúdo; possuidor pela coisa possuída. No poema "O espelho" Manuel Bandeira diz: "Tu
refletes as minhas rugas". As rugas seriam sinal da figura global do velho refletido no espelho.
Sinédoque: emprego de uma palavra por outra, numa relação de compreensão: parte pelo todo; singular pelo
plural; gênero pela espécie; abstrato pelo concreto. "Bilhete perdido", de Guilherme de Almeida, começa assim: "Duas
palavras só para dizer... o quê?" Não se trata de duas palavras, mas de um bilhete completo, como indica o título.
Figuras de oposição
Antítese: consiste na aproximação de ideias contrárias. Retomando o exemplo de Camões, a primeira parte do
verso "Amor é um fogo que arde" opõe-se à segunda: "sem se ver". É a principal figura de oposição, ao lado do oximoro,
da ironia e do paradoxo.
Paralelos
Ao empregar figuras na construção do poema, o poeta cria sugestões múltiplas de significação, tanto no plano
denotativo como no conotativo. A análise do nível semântico deve sempre ser associada à dos outros níveis. É importante
relacionar termos, em função de sua semelhança e de sua divergência. Podem-se aproximar termos, em um poema, pelas
mais diversas razões:
3. Poética do Nacionalismo
Para melhor compreendermos o processo de construção da literatura brasileira, torna-se fundamental termos em
mente o fato de ser o Brasil um país colonizado: através do olhar europeu, principalmente de Portugal, aprendemos a ver
e sentir o mundo à nossa volta.
Não foi a Carta de Caminha a D. Manuel a nossa autêntica certidão de nascimento? Para além das descrições
deslumbradas, das visões do paraíso, da percepção ingênua com a qual descreveu nossos índios, sobressai-se, na verdade,
―a transparente ideologia mercantilista batizada pelo zelo missionário de uma cristandade ainda medieval‖ 10, como
podemos conferir nessa ―conclusão edificante‖ do missivista de Cabral:
De ponta a ponta é toda praia...muito chã é muito fremosa. (...) Nela até agora não pudemos
saber que haja ouro nem prata...porém a terra em si é de muitos bons ares assim frios e
temperados como os de Entre-Doiro-e-Minho. Águas são muitas e infindas. E em tal maneira é
graciosa que querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo por bem das águas que tem, porém o
melhor fruto que nela se pode fazer me parece que será salvar esta gente e esta deve ser a
principal semente que vossa alteza em ela deve lançar.
Explorar a terra, catequizar os nativos – eis o Brasil-colônia, o ―outro‖ em relação à metrópole: ―a terra a ser
ocupada, o pau-brasil a ser explorado, o ouro a ser extraído; numa palavra, a matéria prima a ser carreada para o mercado
externo‖11.
No século XX, os modernistas, numa revisão crítica de nossa história, irão negar essa falsa certidão de
nascimento: agora é o olhar do colonizado que satiriza o poder do colonizador e proclama a verdadeira alma brasileira,
antropófaga como queria Oswald ou macunaímica, como sonhava Mário.
Vale a pena, nesse sentido, revermos alguns tópicos do Manifesto oswaldiano12:
Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo. Fizemos Cristo nascer
na Bahia. Ou em Belém do Pará.
____________________
Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de senador do Império. (...)
Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos.
____________________
Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós. Contra o Padre Vieira. Autor do nosso
primeiro empréstimo, para ganhar comissão. O rei analfabeto dissera-lhe: ponha isso no papel
mas sem muita lábia. Fez-se o empréstimo. Gravou-se o açúcar brasileiro. Vieira deixou o
dinheiro em Portugal e nos trouxe a lábia.
Eis, pois, a diretriz que permeia o projeto chamado de literatura brasileira: trata-se do binômio
ruptura/integração – ruptura como a rejeição dos valores de importação, integração, como busca da autenticidade, ou seja,
de uma base original brasileira, como bem define o Professor Anazildo Vasconcelos da Silva·:
10
Bosi, A. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1975, p.17.
11
Bosi, A, op.cit., p.13.
12
Andrade, O. ―O Manifesto antropofágico‖. In: Vanguarda europeia e modernismo no Brasil. Gilberto Mendonça Teles, 1982. p.
226-232.
17
Articulada pelo processo de ruptura/integração, a poética do nacionalismo define duas
posições básicas: de um lado a rejeição da tradição transplantada; de outro, a busca de uma
linguagem e duma realidade literárias brasileiras, que identifiquem a nossa literatura como
expressão da nacionalidade e da cultura de um povo, distinguindo-a de toda e qualquer outra
literatura. Essa busca se processa na linguagem pela criação de uma dicção própria, mediante
a estilização da fala brasileira, aproximando a expressão literária da expressão oral, e na
realidade pela fixação da natureza na articulação da relação do homem com o meio. (grifos
nossos)13
A partir dessa perspectiva, ou seja, do reconhecimento de ser a poética do nacionalismo o fio condutor do
processo de formação da literatura brasileira, cabe-nos agora refletir de que forma se estabeleceu o vínculo entre essa
poética e a realidade nacional e, para isso, alguns pontos devem ser esclarecidos14:
● Embora aspire à universalidade, a literatura nasce no seio de uma cultura e é moldada por ela. Assim sendo,
descrever a formação e a evolução de uma literatura será acompanhar o curso instaurador do projeto nacionalista que a
realiza e nela se configura.
● Como não tivemos uma literatura nativa, foi a partir da literatura transplantada que construímos a nossa. Nesse
sentido, a brasilidade deve ser caracterizada em sua dupla condição: de elemento diferenciador, gerado pelo processo
de ruptura, e de elemento transformador, gerado pelo processo de integração.
● A brasilidade não pode ser, portanto, definida como fator excludente, mas sim como elemento diferenciador
que transforma a matriz europeia importada em matriz nacional, naturalizada brasileira.
13
Silva, Anazildo de Vasconcelos. A lírica brasileira do século XX. Rio de Janeiro: OPVS Editorial, 2002, p.16.
14
Pressupostos teóricos apresentados pelo Professor Anazildo Vasconcelos da Silva, no capítulo ―Percurso literário brasileiro‖, In: A
lírica brasileira do século XX. Rio de Janeiro: OPVS, 2002, p13-17.
18
4. A historiografia literária brasileira
Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio verdadeiro e da natureza; retorno às concepções de beleza do
Gonzaga (poesia lírica). Renascimento; poesia objetiva e descritiva; aurea
mediocritas: o objetivo arcádico de uma vida serena e
Basílio da Gama e Santa Rita Durão bucólica; pastoralismo; valorização da mitologia; técnica da
(poesia épica). simplicidade. Literatura linear e regrada: inutilia truncat
(cortar o inútil).
1ª Geração: nacionalismo, ufanismo, natureza, religião,
Gonçalves de Magalhães. Publicação de indianismo e medievalismo;
Suspiros Poéticos e Saudades. 2ª Geração: mal do século, evasão, solidão, profundo
pessimismo e anseio da morte.
Poesia: Gonçalves Dias, Álvares de 3ª Geração: condoreirismo, liberdade, oratória
Azevedo, Casimiro de Abreu, Castro reivindicatória, fase de transição para o Parnasianismo,
ROMANTISMO
Missal (prosa poética) e mística, respeito pela música, cor, luz. Procura das possibilidades do
SIMBOLISMO
Almeida, Menotti del Picchia. Prosa: poetas concretistas). Na prosa, o domínio do conto e da
Antônio de Alcântara Machado, Mário de crônica, voltando-se para a análise e a observação do
Andrade e Oswald de Andrade. cotidiano; repassando as linhas do fantástico,
apresentando análise das diferentes formas do
2º Momento: Poesia: Carlos Drummond de comportamento humano sob o signo da literatura
Andrade, Murilo Mendes, Jorge de Lima, psicológica (exposição do fluxo da consciência); ou,
Cecília Meireles, Augusto Frederico Schmidt, ainda, análise de crises de caráter existencial com
Vinícius de Moraes. Prosa: Graciliano tendências a reflexões metafísicas. No campo regional,
Ramos, Jorge Amado, José Lins do Rego, investigação de novas possibilidades linguísticas e
Raquel de Queirós, Érico Veríssimo, Cyro preocupações de ordem filosófica tradicional, que se
dos Anjos, Dionélio Machado, Lúcio misturam com o meio retratado, permitindo abertura
Cardoso, Cornélio Pena. (universalidade). Desenvolvimento de novas técnicas
narrativas. Importante o desenvolvimento do teatro
3º Momento: Poesia: A Geração 45 (João psicológico e social.
Cabral de Melo Neto; Thiago de Mello, José
Paulo Paes, Manuel de Barros, etc.). Prosa:
João Guimarães Rosa, Clarice Lispector,
Lygia Fagundes Teles, José J. Veiga, Dalton
Trevisan, Fernando Sabino, Paulo Mendes
Campos, Rubem Braga, etc. Teatro: Nelson
Rodrigues, Jorge Andrade, Guarnieri, etc.
1956 até o momento atual; Pop Arte: desestatização e desdefinição da arte;
1956 - Lançamento da Revista Noigrandres; Pastiche, paródia;
1960 - Movimento Tropicalista. Simulacro, hiper-realismo;
Poesia: Concretismo, poesia práxis, poesia de O cotidiano, a violência urbana;
resistência, poesia marginal. Haroldo de Desreferencialização;
PÓS-MODERNISMO
Como todo estilo de época, o Barroco não se esgota no século XVII, como podemos comprovar no poema
contemporâneo que nos serve de epígrafe, expressão do conflito manifestado através da anteposição de imagens e
sentimentos antagônicos, já tão marcante na arte dualista referente às imposições da Contrarreforma.
15
COUTINHO, Afrânio (dir.). A literatura no Brasil. Vol.1. RJ, 1968: Ed. Sul Americana, p.132.
16
BASTOS, ALCMENO. Poesia brasileira & estilos de época. Rio de Janeiro: UFRJ, 1998.
17
PROENÇA FILHO, DOMÍCIO. Estilos de época na literatura. São Paulo: Ática, 2002.
22
Cosmovisão marcada pelo conflito entre pensamento cristão e pensamento secular;
Culto do contraste;
Oposição entre o homem voltado para o céu e o homem voltado para a terra;
Humanização do sobrenatural. Céu e Terra misturam-se na visão do mundo;
Preferência por aspectos dolorosos, cruéis, sangrentos e até repugnantes;
Pessimismo;
Fusionismo;
Intensidade;
Acumulação de elementos;
Impulso pessoal;
Niilismo temático;
Tendência para a descrição;
Culto da solidão;
Linguagem trabalhada, adornada, cheia de figuras antíteses, hipérbatos, hipérboles, metáforas;
Uso marcante de repetições e técnica do paralelismo;
Preocupação com a linguagem culta;
Cultismo;
Conceptismo.
3. A linguagem barroca
A linguagem barroca contrasta fortemente com o equilíbrio, a clareza e a linearidade da linguagem
clássica. O rebuscamento barroco é uma tentativa de expressar a angústia e a incerteza do período. A
desarmonia e o desequilíbrio resultam num estilo exagerado, repleto de figuras de linguagem e de outros
recursos de expressão. Veja os principais:
Metáforas e comparações:
Para expressar sua percepção subjetiva da realidade difusa, os barrocos valeram-se de metáforas e
comparações, ora requintadas ora evidentes, como no exemplo a seguir:
As palavras são as estrelas, os sermões são a composição, a ordem, a harmonia e o curso delas. [...] Um e
outro é semear; a terra semeada de trigo, o céu semeado de estrelas. O pregar há de ser como quem semeia,
e não como quem ladrilha ou azuleja.
Padre Antonio Vieira
Antíteses e paradoxos:
A contradição em que vive o homem barroco é expressa, sobretudo por antíteses e paradoxos. Cabe
lembrar que a antítese é uma oposição simples de ideias e o paradoxo, uma oposição que gera um
contrassenso, um absurdo, como ocorre abaixo:
Hipérbatos - Emprego da ordem inversa das palavras, o hipérbato reflete o labirinto do raciocínio barroco:
A minha bela ingrata
Cabelo de ouro tem, fronte de prata,
De bronze o coração, de aço o peito;
(Jerônimo Baía)
(Ordem direta: ―A minha bela ingrata / tem cabelo de ouro, fronte de prata / o coração de bronze / o peito
de aço‖).
23
Frases interrogativas - O escritor barroco expressa claramente as incertezas que vivencia; questiona
constantemente a efemeridade do mundo material e as dúvidas quanto ao mundo espiritual, recorrendo
constantemente a frases interrogativas:
Existem dois estilos barrocos: o cultismo e o conceptismo. É importante lembrar que raramente se vê um
texto em que haja exclusividade de um desses estilos, especialmente do cultista. O que ocorre, em geral, é a
predominância de um deles. Observe as diferenças a seguir:
Cultismo ou gongorismo:
Consiste na valorização da forma por meio de jogo de palavras - trocadilhos, abuso de comparações,
metáforas e hipérboles; de adjetivação excessiva e de apelo sensorial, centrado sobretudo no cromatismo
(uso de cores). Esse estilo, comum na poesia barroca, aproxima-se da descrição.
[...]
Não sei, quando caís precipitada,
Às flores que regais tão parecida,
Se sois neves por rosa derretida,
Ou se rosa por neve desfolhada.
(Gregório de Matos)
Conceptismo ou quevedismo:
Consiste na valorização do conteúdo por meio do jogo de ideias, de conceitos, do raciocínio lógico e
da argumentação com base antitética ou paradoxal. Esse estilo ocorre, sobretudo na prosa, visando apresentar
determinadas ideias a fim de convencer o leitor ou ouvinte da validade delas. Apresenta forte apelo racional
e aproxima-se da dissertação, forma que objetiva a defesa de um ponto de vista sobre determinado assunto.
Veja um exemplo:
O que se desedifica peixes de vós é que comei-vos uns aos outros. Grande escândalo é
esse. Mas a circunstância o faz ainda maior: não apenas comei-vos uns aos outros,
senão que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário era menos mal, se os
pequenos comeram os grandes, bastava um só grande para muitos pequenos; mas como
os grandes comem os pequenos, não bastam nem cem nem mil pequenos para um só
grande.
(Padre Antônio Vieira)
18
PROENÇA, Graça. História da Arte. Rio de Janeiro, Ed. Ática, 2004. p.102-121.
24
► Na Itália:
▪ Michelangelo: ―O juízo final‖, Capela Sistina;
▪ Tintoretto: Vênus e Vulcano, Cristo em casa de Marta e Maria;
▪ Caravaggio: Amor vencedor;
▪ Bernini: Êxtase da Santa Tereza.
► Na Espanha:
▪ El Greco: O enterro do Conde de Orgaz;
▪ Velázquez: As meninas.
► No Brasil:
▪ Aleijadinho: Portada e interior da Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto;
▪ Manuel da Costa Ataíde: Pintura para a igreja da Ordem Terceira de São Francisco, em Ouro Preto.
5. O Barroco na música:
Música instrumental, em que o cravo e o violino ocupam o papel principal; música de câmara,
destinada a publico seleto e restrito; novas formas vocais, dentre elas a ópera, peça teatral inteiramente
cantada com acompanhamento de orquestra. Destacavam-se os compositores Bach, Häendel, Vivaldi e
Albinoni.
7. O Barroco no Brasil:
● Quadro histórico de Portugal e do Brasil
▪ Economia mercantilista do Brasil colônia, com a produção voltada para a metrópole;
▪ Cana-de-açúcar no Nordeste (engenho em crise) e extração de minérios em Minas Gerais;
▪ Expulsão definitiva dos franceses (1615), invasões holandesas (1624 e 1630);
▪ Portugal da Restauração:
- mentalidade jesuítica; Contrarreforma.
- decadência do reino português: fracasso do comércio oriental, insuficiência do escravismo africano.
▪ Sociedade brasileira: surgimento de uma rica burguesia de negociantes que compete com a aristocracia rural e
que aspira à nobreza, dos mulatos ―metediços‖ aos olhos dos brancos, da sensualidade à solta relatada
copiosamente pelas Visitações do Santo Ofício.
25
● A lírica barroca brasileira:
Como nos adverte o Professor Afrânio Coutinho19, a literatura no Brasil é literatura barroca, e não
clássica, tendo nascido pela mão barroca dos jesuítas e foi pelo gênio plástico do Barroco que se deveu a
implantação do longo processo de mestiçagem, que constitui a principal característica da cultura brasileira,
adaptando as formas europeias ao novo ambiente, à custa da ―transculturação‖, conciliando dois mundos –
europeu e autóctone.
Com o Padre Antônio Vieira, a estética barroca atinge o seu ponto alto em prosa no Brasil: seus
sermões são exemplos incomparáveis do artifício retórico posto a serviço do pensamento crítico, como
podemos confirmar, neste passo do Sermão da Sexagésima, comentado por José Guilherme Merquior20:
Apesar de sua pequena extensão, esse trecho nos revela perfeitamente as linhas básicas da arte
compositiva do sermionário de Vieira: a "decolagem" do texto bíblico; a ‗guirlanda‘ de metáforas,
desfraldadas em amplo movimento alegórico; o amor à antítese; a frase de ritmo rápido, sincopado, enérgico;
enfim, a indicação teatral do paradoxo (se o verbo de Deus frutifica com tanta fecundidade, como se vê tão
pouco fruto da palavra do Senhor, plataforma, por sua vez, de novas salvas metafóricas, e de novos arabescos
de figuras de pensamento e de dicção.).
Usando as sutilezas da argumentação escolástica e os recursos da retórica clássica, o sermão
vieiriano, constantemente alimentado por temas em conexão direta com a realidade brasileira (expulsão dos
holandeses, abusos dos colonos, costumes das capitanias), ligou indissoluvelmente ao Brasil uma das
construções mais perfeitas e mais complexas da prosa barroca.
Com o luso-baiano Vieira, o Brasil se insere no temário da alta literatura ocidental. E em seu estilo, a
magia transfiguratória do barroco obteve um dos maiores êxitos de sua propensão a sintetizar contrários: pois
o sermão de Vieira, cheio de jogos verbais e agudezas de ideia, converteu a meditação sobre o sentido
atemporal da mensagem cristã em focalização crítica de circunstâncias históricas.
19
COUTINHO, Afrânio. Opus cit., p.151-157.
20
MERQUIOR, José Guilherme. De Anchieta a Euclides. Rio de Janeiro, José Olympio. 1979. p. 18-19.
26
8. Autores barrocos brasileiros:
Na obra enorme de Gregório de Matos, desfigurada em parte pela sua má preservação, com
todos os seus desvãos, suas lacunas e seus descompassos, fica certamente um saldo de
problemas e de possibilidades que ultrapassa em muito os limites dos demais poetas do
Brasil colonial, e que o fazem, seguramente, um dos poetas mais instigantes da nossa
literatura. Pelo tipo de problemas com que se enfrentou, acabou criando novos registros
poéticos, "plectros" de convergência erudito-popular que ainda estão para ser devidamente
avaliados. Além disso, o seu itinerário desloca efetivamente os eixos da poesia acadêmica,
auto-satisfeita na sua própria retórica. E se essa auto-satisfação acadêmica tem hoje (como
não poderia deixar de ser) os seus exemplos de sempre, e chega a rondar ou instalar-se nas
próprias vanguardas, a mobilidade insatisfeita da poesia de Gregório de Matos acaba sendo
um sinal do seu melhor inconformismo22.
─ De família de posses, Gregório de Matos e Guerra foi o terceiro filho de um "fidalgo da série dos
escudeiros em Ponte de Lima, natural dos Arcos de Valdevez", estabelecido no Recôncavo baiano como
senhor de canavial, onde mantinha cerca de 130 "escravos de serviço" e dois engenhos;
─ 14 anos: seguiu para a metrópole com a ideia de estudar leis;
─ 16 anos: Universidade de Coimbra;
─ Formado em 1661: casou-se com Dona Michaella de Andrade;
─ Foi juiz no Atentejo e em Lisboa, atuando como juiz do Cível, de Crime e de órfãos, segundo as diversas
informações. Aí se enfronhou nas poéticas do tempo: o maneirismo camoniano que vinha do século anterior,
desembocando no barroco então vigente, matriculado em Gôngora e Quevedo;
─ 1678: fica viúvo;
─ 1681: volta ao Brasil para exercer um cargo na arquidiocese baiana, a convite do Arcebispo da Bahia,
aceitando os cargos de vigário-geral e tesoureiro-mor (que fazia questão de exercer sem pleno uso das
roupagens eclesiásticas, fato que começa a trazer-lhe problemas). "Aborrecido de uns, temido de outros",
"estes fingiam amizades, aqueles lhe maquinavam ódio", Gregório foi desligado de suas funções por ordem
do Arcebispo Frei João da Madre de Deus;
─ Casou-se com Maria dos Povos ―honesta, formosa e pobre‖, a quem dedicou famoso soneto, tradução livre
de dois sonetos de Gôngora ("Discreta, e formosíssima Maria"). Vendeu terras que recebera como dote,
jogando o dinheiro em um saco no canto da casa, e gastando-o ao acaso e fartamente;
─ Na Bahia, vida boêmia e indisciplinada;
─ A certa altura abandona, no entanto, casa e encargos e sai pelo Recôncavo "povoado de pessoas
generosas‖ como cantador itinerante, convivendo com todas as camadas da população, metendo-se no meio
das festas populares, banqueteando-se sempre que convidado. "Do gênio que já tinha, tirou a máscara para
manusear obscenas e petulantes obras", diz o licenciado Manuel Pereira Rabelo: nessa fase engrossa o
volume da sua poesia satírica, o barroco popular oposto ao acadêmico, e a poesia erótico-irônica oposta ao
lirismo cortês.
─ A virulência da sátira do "Boca do Inferno", motivada seja pela crítica da corrupção, dos desmandos
administrativos, dos arremedos da fidalguia local ou pelo puro e cortante prazer sádico, lhe valeu a
deportação para Angola. De lá, pôde retornar sob condições: desde que não à Bahia, mas a Pernambuco, e
calando a sátira num rigoroso "ponto em boca" (sempre a ponto de ser transgredido, no entanto);
─ 1694: banido para Angola;
─ 1695: volta para Recife, onde morre um ano depois;
─ Há quem insista em fixar alguns gestos como imagem da sua exorbitância: uma cabeleira postiça, um
colete de pelica, uma vontade de ficar em um escritório adornado com bananas.
a) Poesia Lírica;
b) Poesia Satírica;
c) Poesia Religiosa;
21
RAMALHO, Christina. Apostila de Literatura Brasileira I. 1º Semestre de 2006, mimeo. P.69-73.
22
WISNIK, José Miguel [org]. Poemas escolhidos de Gregório de Matos. São Paulo: Cultrix, 1989.
27
d) Poemas graciosos e pornográficos;
e) A linguagem na poesia gregoriana:
─ Gregório põe em jogo a maquinaria das trocas poéticas, afiadas também nos seus truques, trocadilhos,
jogos paronomásticos, em suma, numa série de deslocamentos de significante e significado, além dos
recursos dos pares antitéticos (―Estás e estou do nosso antigo estado‖) das aliterações modulantes (ta / to / ti /
ta), correlações rítmicas e morfológicas, assonâncias (― A mim foi-me trocando, e tem trocado, / tanto
negócio e tanto negociante‖), a realização de uma antropofagia linguística parodística (usando toponímicos
tupis), etc... Num trabalho de confronto e fusão dos opostos, Gregório mostra-se hábil na espécie de alquimia
dos contrários com que Gerard Genette caracterizou a ―fórmula da ordem barroca‖, sua ―dialética
fulminante‖ 23.
─ É revelar falta de senso de perspectiva transferir os atuais padrões de julgamento criados à sombra de
diferente doutrina estética, para o estudo e aferição da literatura de uma época informada pela norma da
imitação, base da pedagogia literária ortodoxa. Nenhum gênio literário do Renascimento, do Barroco e do
Neoclassicismo, escapa ao tributo: Shakespeare, Montaigne, Cervantes, Gôngora, Quevedo. Há páginas
inteiras de Sêneca em Montaigne, e seria tempo perdido pretender rastrear os passos de Sêneca e Plutarco em
Shakespeare. (...) Por não se colocarem dentro da doutrina vigente na época, por não a relacionarem com a
teoria crítica do tempo, que é diversa, no particular, da que vigora depois do Romantismo, certas
interpretações da literatura seiscentista e setecentista têm incorrido em falha de julgamento. Naquele tempo
era motivo de superioridade e não de inferioridade artística (como se pensa hoje, após a supervalorização da
originalidade e do gênio individual que o romantismo infundiu na mentalidade literária ocidental) um
escritor mostrar que imitava um modelo da Antiguidade. E, nessa imitação, havia toda uma gama de tons,
desde a simples inspiração até a glosa, até mesmo a tradução24.
─ Vítima desse erro de perspectiva é Gregório Matos, acusado por uma linha de críticos brasileiros como um
simples copista de Gôngora e Quevedo, esquecendo-se do que estes dois mesmos gênios devem, através da
imitação, aos modelos antigos25.
Selecionamos uma análise26 que pode servir de modelo para futuros trabalhos sobre a obra do poeta baiano.
E, no final desse capítulo, você encontrará um banco de poemas para realizar suas próprias análises.
23
WISNIK, José Miguel. Opus cit
24
COUTINHO, Afrânio. [org] A literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Editorial Sul-Americano, 1972.
25
COUTINHO, Afrânio. Opus cit.
26
PLATÃO SAVIOLI, Francisco e FIORIM, José Luiz. Lições de texto: leitura e redação. São Paulo: Ed. Ática,
1998.
28
Desenganos da vida humana metaforicamente
É a vaidade, Fábio, nesta vida,
Rosa, que da manhã lisonjeada,
Púrpuras mil, com ambição dourada,
Airosa27 rompe, arrasta presumida.
No primeiro quarteto, afirma que ela é rosa; no segundo, que é planta; no primeiro terceto, que é nau. Essas três
palavras significam, no soneto, vaidade. Para que o leitor entenda porque rosa, planta e nau
têm esse sentido no texto, o poeta vai explicar a relação que estabelece entre o significado de cada um desses
termos e o do vocábulo vaidade.
No primeiro quarteto, diz que a vaidade é rosa, mas não qualquer uma. É aquela lisonjeada pela manhã, ou seja, a
rosa recém-aberta e que, portanto, está em todo seu esplendor. O que o poeta quer dizer, então, é que a vaidade é a beleza
aparente, que se exibe, brilha e seduz (Púrpuras mil, com ambição dourada / Airosa rompe, arrasta presumida). No
segundo quarteto, o poeta afirma que a vaidade é planta, mas em pleno esplendor da primavera, já que é de abril
favorecida (abril é o mês em que, no hemisfério norte, a primavera está em seu apogeu). A vaidade é, então, esplendor
(planta de abril favorecida) e ornamentos (florida galeota empavesada) que se exibem pela vida (por mares de soberba
desatada) com orgulho (sulca ufana) e arrojo (navega destemida).
No primeiro terceto, ao dizer que a vaidade é nau, o poeta mostra que o ser humano vaidoso é aquele que, apesar
de ter a presunção da perpetuidade (Fênix é a ave que renascia das próprias cinzas), valoriza os brilhos exteriores
(galhardias apresta) e momentâneos (alentos preza). Podem-se perceber, agora, traços comuns de sentido entre as
palavras rosa, planta, nau e o termo vaidade. Existe uma relação de intersecção entre seus significados: o homem vaidoso
exibe suas belezas, como a rosa recém-aberta; mostra apenas seus esplendores, como a planta na primavera; valoriza o
que é exterior e passageiro, como a nau, embora tenha a presunção de perpetuidade.
No último terceto, utilizando o processo de disseminação e recolha, o termo penha significa o naufrágio do
navio. Como penha pode ter esse sentido? O penhasco é a causa do naufrágio, que é seu efeito. Dá-se à causa o
significado do efeito. Entre esses dois sentidos há uma relação de contiguidade (de união, proximidade, adjacência,
vizinhança e, por conseguinte, de coexistência, de interdependência, de implicação), isto é, um efeito aparece unido,
relacionado a uma causa. O vocábulo ferro significa o corte da planta. Aqui a alteração do significado se faz em duas
etapas. Ferro é o material de que é feito o machado; ferro quer, pois, dizer "machado". No caso, o material de que um
objeto é feito está designando o próprio objeto. Entre os dois significados há uma relação de contiguidade. Em seguida,
machado passa a significar corte: utiliza-se, portanto, o instrumento com que uma ação é feita para designar a ação. Entre
a ação e o instrumento, há também uma relação de contiguidade, pois o segundo está proximamente relacionado à
27
Glossário:
Airoso: esbelto, gracioso;
Soberba: orgulho, altivez;
Galeota: pequena embarcação a remo usada para o transporte do rei;
Empavesado: enfeitado, adornado, guarnecido de paveses (= proteção nas embarcações);
Ufano: que se orgulha de algo; vaidoso;
Galhardia: garbo, elegância;
Aprestar: preparar com prontidão;
Alento: sopro, bafejo;
Penha: penhasco, rochedo.
29
primeira. A palavra tarde significa o fenecer, o murchar da rosa. Usa-se, pois, o momento pelo evento que nele ocorre.
Entre os dois significados, há uma relação de contiguidade, pois o evento está intrinsecamente unido a um dado momento.
No entanto, como nau, planta e rosa não estão no soneto usadas no seu sentido próprio, mas significam o "homem
vaidoso", os significados "naufrágio", "corte" e "fenecimento", contaminados pelo valor semântico das três palavras
contíguas, ficam acrescidos do significado "morte‖: Entre os significados "naufrágio", "corte" e "fenecimento", de um
lado, e "morte", de outro, há uma relação de semelhança, ou de intersecção, já que todos contêm o traço semântico
/acabamento/, /fim/. O que o poeta pergunta, pois, no segundo terceto, é: de que vale ser vaidoso, se a morte é inexorável
(se aguarda sem defesa / Penha a nau, ferro a planta, tarde a rosa)? O soneto trata, então, de temas muito caros ao
barroco: o caráter passageiro da vida e a inevitabilidade da morte.
1. A POESIA LÍRICA
1.1. Na POESIA LÍRICO-AMOROSA, a dualidade barroca evidencia-se em dois planos: na ideia de amor,
que tanto pode ser uma fonte de prazer e elevação, como de dor e sofrimento; e na concepção da figura
feminina, que ora é elevada ao plano do idealismo neoplatônico ora é tida como um agente da perdição
espiritual, porque inspira o pecado, a licenciosidade, os pensamentos luxuriosos.
Interpretação:
28
Utilizaremos a seleção organizada e comentada de José Miguel Wisnik, em obra já citada anteriormente.
30
ROMPE O POETA COM A PRIMEYRA IMPACIENCIA QUERENDO DECLARAR-SE E TEMENDO PERDER
POR OUZADO.
Interpretação:
Há um engenhoso trocadilho já a partir do nome da mulher a quem o poeta se dirige. Angélica pode
ser um adjetivo, um substantivo próprio (o nome dela era Ângela, cujo diminutivo era Angélica) e é
também o nome de uma flor que inspira sensualidade. Angélica deriva de angelus (anjo) do latim.
Na primeira estrofe o poeta procura fazer uma síntese entre flor (algo material, terreno e mesmo
sensual) e anjo (etéreo, divino, espiritual), que tomariam uma só forma (uniformara). O eu lírico vê na
amada a síntese do que há de belo e puro (positivo), mas também de tentador (negativo). Ou seja, na verdade
essa síntese parte da antítese existente entre o plano material (flor) e o espiritual (anjo). Tal antítese
acaba se tornando um paradoxo, explícito no final do poema, pois a mulher-anjo em vez de inspirar
aspirações espirituais acaba inspirando sentimentos pecaminosos.
A segunda estrofe ilustra o desejo que do poeta: quem, vendo uma flor tão bela, não tem ímpeto de
tê-la para si, arrancá-la, desfrutá-la? Quem não idolatraria um anjo tão reluzente, iluminado, em nome de
Deus?
No primeiro terceto o eu lírico já prenuncia o paradoxo que ele explicará no final do poema. Como
a sua amada representa a figura de um anjo, a quem ele constantemente adora (―Anjo sois dos meus altares‖)
o natural seria de guardá-lo das tentações, auxiliá-lo, livrá-lo de ―diabólicos azares‖.
A última estrofe começa com uma conjunção adversativa (Mas) continuando o raciocínio da
estrofe anterior deixando clara a contradição que há na condição da sua amada: Por ser tão formosa,
―galharda‖ (elegante), ela acaba sendo fonte de tentação para o eu lírico. A beleza dela o arrasta para o
precipício, por inspirar sentimentos pecaminosos, impuros.
Interpretação:
Podemos incluir o soneto de Gregório de Matos na tendência conceptista do Barroco graças ao engenhoso
desenvolvimento de uma única imagem, a da mariposa atraída pela chama que deverá matá-la. O sujeito
lírico desdobra a comparação entre a sua situação e a da mariposa, explorando as semelhanças, para, na
última estrofe, ponto culminante do soneto, estabelecer grande diferença: seu sacrifício é mais terrível do que
o dela, porque inútil.
1.2. Na POESIA LÍRICO-RELIGIOSA Gregório mostra-se dividido entre o pecado e a virtude, entre a
culpa pelo pecado e a esperança de salvação. Mas nem sempre há submissão a Deus: frequentemente o eu
lírico olha com algum orgulho para Deus, e mesmo com certa prepotência, como se Ele tivesse a obrigação
de perdoar os homens por tê-los feito pecadores.
32
BUSCANDO A CRISTO
Interpretação:
O soneto é construído a partir de um sistema de metonímias que vão relacionando as partes de Cristo
("braços", "olhos", "pés", "sangue", "cabeça", "cravos"), substituindo todo o Cristo crucificado.
Os versos 5, 9, 10, 11, 12 e 13 constroem-se com a omissão do verbo, que aparecera no 1º verso - "correndo
vou‖. Em todos eles ocorre o procedimento estilístico denominado zeugma (= elipse de uma palavra ou
expressão próxima no contexto). Assim, nos versos mencionados, deve-se ler:
Outro recurso empregado são as anáforas (repetição de palavra(s) no início de dois ou mais versos). Observe
a repetição de ―a vós‖ (v. 5, 9, 10, 11, 12, 13), e de "e por não" (v. 4 e 8). O aspecto cultista se evidencia
através do trabalho com as palavras, por meio das figuras de linguagem.
Notável desventura
de um povo néscio, e sandeu,
que não sabe, que o perdeu
Negócio, Ambição, Usura.
Quais são os seus doces objetos?...................................Pretos
Tem outros bens mais maciços?..................................Mestiços
Quais destes lhe são mais gratos? ..............................Mulatos.
(...)
E que justiça a resguarda? ....................................Bastarda
É grátis distribuída?...............................................Vendida
Quem tem, que a todos assusta?.............................Injusta.
(...)
E nos Frades há manqueiras?...................................Freiras
Em que ocupam os serões?......................................Sermões
Não se ocupam em disputas?....................................Putas.
(...)
34
A Câmara não acode?.............................................Não pode
Pois não tem todo o poder?....................................Não quer
É que o governo convence?...................................Não vence.
Emprego do processo de disseminação e recolha para ressaltar os problemas da Bahia: a crise do açúcar, a
debilitação das Câmaras, o crítica ao clero.
Neste poema, há uma crítica óbvia à promiscuidade, à incompetência e à desonestidade. Por meio de falsas
perguntas, para as quais o poeta oferece respostas, Gregório vai decompondo o interior da organização social. Neste tema,
o mundo presente é insatisfatório, corroído pela inversão de valores. O honesto é pobre; o ocioso triunfa; o incompetente
manda. Essa atitude idealiza o passado, tido como perfeito e harmônico, e recusa as contradições do presente. É uma
perspectiva conservadora. O racismo e a libertinagem são representados de maneira inversa; o racismo pela ascensão do
negro; e a libertinagem pelo declínio do clero. Na sátira de Gregório, os termos ―negros‖, ―mulata‖, ―puta‖ ―mestiços‖
etc., aplicam-se também como metáforas estereotipadas, como caracterização pejorativa e insulto.
Neste seu famoso soneto ―Descreve o que era realmente naquele tempo a cidade da Bahia‖, observa-se que a
escritura dá conta de traduzir a insatisfação com a desordem e o abuso de poder. Os maus costumes, desde os mais
comuns citadinos, já propiciam a experiência malograda, pois espreitando ―a vida do vizinho e da vizinha‖, instaura-se a
lógica do vigiar e punir oprimindo qualquer impulso de liberdade.
Na primeira estrofe, o poeta constata esse desconcerto do mundo, a sociedade absurda. Baiano, filho da
aristocracia latifundiária, formado em Direito por Coimbra, a figura de Gregório de Matos pode ser tomado como o
pioneiro perfil, tenso e dividido do intelectual brasileiro: filho da terra, mas culturalmente seduzido pela Metrópole, sua
obra reitera esse ambivalente convívio entre formação cosmopolita e circunstância brasileira: o filho do senhor de
engenho encontra o engenho em plena crise e o que ele vê são falsos e pretensos nobres, ─ os comerciantes portugueses e
o poeta culto se vê completamente deslocado num meio iletrado.
Enfim, parece-lhe que o mundo está condenado a ficar em poder dos homens errados, inclusive os mulatos,
como aproveitadores, que subjugam com esperteza os verdadeiros nobres. O que percebemos é esse profundo
ressentimento diante dessa sociedade absurda, feita de valores contrários: o homem correto é substituído pelo usurpador
que ganha prestígio e fortuna: os governadores, os comerciante, os mulatos, mas tudo isso visto, pelo olhar de nobreza
que o poeta reserva para si, ou seja, se, por um lado, ocorre, de fato, uma visão crítica dos desmandos portugueses e da
exploração, por outro lado, o poeta conserva uma postura tradicionalista e preconceituosa em relação àquela sociedade
―misturada‖ que se formava.
35
II. A lírica arcádica / neoclássica (século XVIII)
Vento no Litoral
(Renato Russo)
[...]
A natureza serve aqui de refúgio para o eu lírico, é o locus amoenus, onde ele se evade, procurando
símbolos que auxiliem o compreender a força de suas emoções: da mesma forma como o vento leva tudo embora,
também carregará a dor do amor não realizado, ajudando-o a esquecê-lo.
No século XVIII, como no Renascimento, o poeta retorna à Antiguidade Clássica, identificando-se com a
filosofia aristotélica, que vê a natureza como modelo de equilíbrio e harmonia a ser imitado. Trata-se, aqui, do
Neoclassicismo, que, tanto na Europa quanto no Brasil, caracterizou-se, em princípio, como uma declarada reação
contra os exageros do Cultismo e do Conceptismo.
A palavra arcádia (do grego arkadia), tem origem no nome de uma província grega liderada pelo deus Pan, onde
seres eleitos se dedicavam à poesia. Durante o século XVIII, Arcádia passou a designar os saraus literários, academias ou
associações de escritores, criadas para combater o estilo barroco.
3. Características estilísticas
Os poetas árcades reagiram contra o Barroco por uma nova retórica, pois ansiavam evadir-se de seu tempo para
um mundo visionário, como se fosse possível transformarem-se em pastores. Daí o Arcadismo apresentar uma faceta de
artificialismo, de postiço, cujas obras são fruto mais do intelecto do que da sensibilidade, voltadas para o racional, para o
claro, o regular e o verossímil.
A poesia pastoral como tema vinculasse ao desenvolvimento da cultura urbana, que, por oposição, transforma o
campo num bem perdido, encarnando facilmente os sentimentos de frustração.
A partir do século XVIII, o binômio campo-cidade carrega-se de conotações ideológicas e afetivas, reforçadas
pelo mito do homem natural, cuja força extrema é a figura do bom selvagem, defendida pelo pré-romântico Rousseau, em
oposição às ideias do iluminista Voltaire. Entretanto, ambos negam a hierarquia do absolutismo na nobreza e no clero,
recorrendo à liberdade que a natureza e a razão teriam dado ao homem.
Fugere urbem ("fugir da cidade") - O "mito do bom selvagem", de Rousseau, aliado à expansão do meio urbano,
provocou o bucolismo - a evocação nostálgica do campo e da natureza. A cidade é vista como fonte de tormentos. Assim,
o cenário campestre é constantemente o pano de fundo; criou-se um "universo artificial" de caráter bucólico e pastoril. O
eu lírico integra-se ao campo, menosprezando os valores da cidade.
Inutilia truncat ("cortar o inútil") - Este clichê é uma reação aos excessos formais barrocos. Ao contrário do
rebuscamento da escola anterior, os árcades preferiram a clareza, a simplicidade e a ordem direta na linguagem.
36
Carpe diem ("aproveitar o dia") - Os árcades, da mesma forma que os barrocos, tinham consciência da
fugacidade do mundo material, mas utilizaram essa máxima por razões diferentes. Enquanto os barrocos procuravam
viver intensamente em função da angustiante certeza da morte, os árcades - por serem materialistas e racionais –
consideravam: se a vida é fugaz, melhor aproveitá-la; vale a pena.
Locus amoenus ("lugar ameno") - Os árcades viam a natureza como um lugar ameno, aprazível, onde o homem
poderia encontrar equilíbrio e paz interior - pregavam ainda um ideal de vida simples, sem miséria, nem riqueza, sempre
junto à natureza, que proporcionasse ao homem tempo para exercer a virtude e a arte.
Aurea mediocritas - A tradução literal dessa expressão não conduz à ideia que busca expressar. Seria algo como
"equilíbrio de ouro", baseado na máxima latina in media est virtus, ou seja, "a virtude está no meio". Os árcades pregavam
o ideal de vida simples, sem miséria, nem riqueza, em que a posse do essencial à manutenção física do homem
proporcionasse tempo para a virtude e a arte.
5. O Rococó
▪ Origina-se da palavra francesa rocaille (concha) cujas linhas associam-se aos elementos decorativos desse
estilo;
▪ Pode-se considerar o Rococó um desenvolvimento geral do Barroco, no sentido de abandonar os excessos de
linhas retorcidas e buscar formas mais leves e delicadas;
▪ Trata-se de uma arte que explora cenas graciosas e o encontro agradável com a natureza, como o quadro ―O
balanço‖, de Fragonard, enfatizando as ―festas campestres‖ e anunciando o Neoclassicismo, o que também pode ser visto
na arte de Watteau, no ―Embarque para Citera‖ (centro de um culto pagão a Vênus, deusa do amor);
▪ Época do minueto, do namoro, do prazer voluptuoso; emprego das máscaras e disfarces.
7. Neoclassicismo na música
Mozart: ―A flauta mágica‖ e Beethoven.
8. Neoclassicismo na literatura
Francesa: Rousseau, Montesquieu, Diderot, Beaumarchais, Voltaire.
Portuguesa: Bocage, Tolentino, Antônio José da Silva.
Alemã: Goethe, Schiller, Herder.
Inglesa: Pope, Macpherson, William Blake, Richardson, Swift, Sterne.
Hispano-americana: Olmedo, Heredia.
Brasileira: Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga, Silva Alvarenga, Basílio da Gama.
29
MERQUIOR, José Guilherme. Opus cit. P.24.
30
RAMALHO, Christina. Apostila de Literatura Brasileira I. 1º Semestre de 2006, mimeo.
37
d) valorização do nativismo e fundação de uma literatura brasileira.
─ O grande feito dos poetas arcádicos, maiores e menores, foi o esforço de trazer à pátria os temas e as técnicas
mentais e artísticas do Ocidente europeu, dando à nossa literatura um alcance potencialmente universal, antes mesmo que
ela tomasse consciência da sua individualidade nacional. Nesse sentido, foram civilizadores por excelência; daí a peculiar
importância do Arcadismo, que entre nós não foi apenas, como em Portugal, um renovador de técnicas e teorias literárias
ou um preparador de movimentos novos, mas contribuiu decisivamente para instituir a literatura brasileira. Ela se vinha
formando desde o primeiro século da colonização, e vimos que no período barroco produzira grandes escritores, dando
também início a uma articulação orgânica do movimento literário. Durante o Arcadismo, assistimos ao desenvolvimento
apreciável dessa tendência; à constituição de uma consciência literária como não havia antes; ao sentimento de que os
produtos intelectuais da Colônia representavam uma espécie de advento à civilização, de promoção do país à esfera
virtual dos centros inspiradores da nova vida mental e artística. Além disso, é então que se alarga a nossa geografia
literária, com o deslocamento do eixo político para o Sul, em virtude da descoberta das minas de ouro e diamantes, que,
ao lado de outros fatores, acarretou a transferência da Capital, da Bahia para o Rio de Janeiro. A Academia dos
Renascidos, fundada naquela cidade em 1759, já procura superar o âmbito local e congregar escritores de todo o pais,
numa primeira demonstração de solidariedade geral. Esta tendência aumentou difusamente a partir de então, e por isso o
legado dos árcades foi mais atuante que o dos cultistas, o principal dos quais, Gregório de Matos, ficou esquecido nos
seus manuscritos inéditos até o século XIX. Embora homens como Rocha Pita e Manuel Botelho de Oliveira hajam
lançado temas, maneiras de escrever e de ver o país que se incorporaram ao legado da tradição, pode-se dizer que os
árcades pouco receberam dos antecessores e que não os reputaram predecessores, modelos ou antepassados intelectuais.
(Antônio Soares Amora)
─ A articulação virtual dos escritores, a sua consciência intelectual e nacional, o esboço de uma vida cultural
regular foram favorecidos por várias circunstâncias. É o caso, antes de mais nada, do progresso geral do pais durante o
século XVIII; e mais ainda: a voga das teorias de missão da inteligência, o incremento do nativismo, o aparecimento de
condições um pouco melhores para a divulgação das obras, o prestígio crescente dos brasileiros no mundo português. Não
se esqueça, com efeito, que eles se foram tornando, cada vez mais, na Metrópole, cientistas, administradores,
funcionários, técnicos, dando aos seus patrícios um exemplo de eminência intelectual que por certo incrementou a
consciência dos escritores. Por tudo isso, quando o Romantismo se constituiu e os homens de letras procuraram
antecessores, foram, sobretudo, os poetas arcádicos, os intelectuais "ilustrados", os pregadores patrióticos que invocaram,
considerando-se seus herdeiros, vendo neles os fundadores duma literatura pátria, depois de esboços anteriores. E, apesar
das profundas divergências de concepção estética, tornaram-se, historicamente, os seus herdeiros diretos.
Nasceu na cidade de Ribeirão do Carmo (hoje Mariana), em Minas Gerais, no ano de 1729. Aos vinte anos foi a Portugal
para estudar Direito na faculdade de Coimbra, dividindo as obrigações do curso com a produção literária. Depois de
terminada a faculdade, retorna ao Brasil onde exerce a função de advogado na então cidade de Vila Rica (hoje Ouro
Preto).
Em Minas Gerais ajudou a fundar a Arcádia Ultramarina com os poetas com Manuel Inácio da Silva, Silva Alvarenga e
Tomás Antônio Gonzaga entre outros poetas e intelectuais. Adotou, no ano de 1773, o pseudônimo de Glauceste Satúrnio,
sob o qual escreveu a maioria de suas poesias.
Inspirados pelo pensamento iluminista, os integrantes da Arcádia desenvolveram uma conspiração política contra o
governador da capitania, culminando na Conjuração Mineira. Por essa época, sua poesia adquire um tom político e o
poeta se mostra preocupado com diversas questões políticas e sociais. O movimento levou seus membros à prisão, sob
acusação de lesa-majestade, isto é, de traição ao rei de Portugal.
Por seu envolvimento na Conjuração Mineira, o poeta foi encontrado morto em sua cela no ano de 1789. A causa da sua
morte ainda não foi esclarecida e alguns historiadores acreditam que ele tenha sido morto a mando do Governador, outros,
que ele haveria cometido suicídio.
Anos mais tarde, ao final do século XIX, como homenagem, Claudio Manoel da Costa foi escolhido o Patrono da cadeira
de número oito da Academia Brasileira de Letras.
38
Obras
Claudio Manoel da Costa é considerado o primeiro poeta do movimento árcade brasileiro, embora ainda apresente
características barrocas em toda a sua obra, principalmente no que diz respeito ao estilo cultista e conceptista utilizados,
compondo poemas perfeitos na forma e na linguagem. Por isso, costuma-se dizer que Claudio Manoel da Costa é um
poeta de transição entre o barroco e o arcadismo. Além disso, seus poemas têm influência dos versos camonianos.
O início do movimento árcade na literatura brasileira tem como marco a publicação de sua coletânea de poemas intitulada
Obras (1768). Diferentemente da produção poética anterior, Claudio Manoel da Costa prioriza o retrato da natureza como
um local de refúgio dos problemas da vida urbana, onde o poeta/pastor pode desfrutar da vida rural.
Seus temas giram em torno de reflexões morais e das contradições da vida, além de ter escrito um poema épico, Vila
Rica, no qual exalta o bandeirantes, exploradores do interior do país além, é claro, da fundação da cidade de mesmo
nome.
─ Lira: poema leve, por concepção, onde o "eu" está sempre na boca do personagem.
─ Na primeira parte das liras, encontram-se muitos poemas de expressão rococó; isto é, com uma estrutura
bem delineada e harmônica em que se movem e se entrelaçam detalhes (imagens) naturais desenhados em
arabesco. ─Menos do que sofisticação, é um tom açucarado que domina esses poemas. É a parte mais débil
do lirismo de Gonzaga; mas não deve ser recusada em bloco: um leitor atento irá encontrar boa música
verbal em várias estrofes ou versos. (Duda Machado)
─ A ênfase em aspectos de sua própria individualidade e a inclusão do detalhe preciso, realista, do vocábulo
concreto, constituem os elementos inovadores da obra de Gonzaga. (Duda Machado)
─ Os elementos de inovação poética acentuam-se ainda mais na segunda fase de sua poesia, determinada
pela experiência da prisão. O contraste dramático entre sua aspiração amorosa e a ausência de Marília marca
e enriquece a sua lírica.
─ Erguida a tema dominante, a exposição da desgraça pessoal rompe e transgride temas e valores básicos do
Arcadismo: o bucolismo, a harmonia idílica de sentimentos, a impessoalidade. Mas, ao mesmo tempo, a
revelação dos tormentos mantém-se dentro dos padrões clássicos de composição, e o autorretrato desenhado
pelos poemas, em que pesem alguns momentos patéticos, está em completo acordo – como se proclama
unanimemente – com os ideais burgueses e domésticos do período iluminista. Esses aspectos inovadores da
poesia de Gonzaga têm sido frequentemente vistos como uma antecipação do Romantismo. Mas há muito
mais diferenças do que semelhanças prefiguradoras; as caracterizações individuais dão-se dentro de limites e
valores da tradição clássica – como o estoicismo31, por exemplo – e nada pressupõem daquela hegemonia da
interioridade descoberta pelos românticos.
Cartas chilenas
─ Compostas em decassílabos brancos (sem rimas). Circularam por Vila Rica entre 1788 e 1789.
─ Uniu seu talento à indignação em relação aos atos do governador Cunha Meneses (que decretava medidas
ilegais, vendia cargos, desrespeitava sistematicamente as decisões da justiça sobre concessões de negócios e
questões administrativas, militarizou o governo e usou a força militar para a cobrança da taxa dos dízimos –
ano 1873) e escreveu um poema satírico, as Cartas chilenas, e, sem correr riscos desnecessários, fez com que
o poema ―anônimo‖ circulasse clandestinamente. Atribuiu o poema a um autor chileno também escondido
sob o pseudônimo de Critilo. Pode-se imaginar o escândalo provocado pelas Cartas, que, tudo indica,
começaram a ser divulgadas depois da notícia de substituição de Cunha Menezes – o ―Fanfarrão Minésio‖ do
poema –, mas com este ainda no poder. (Duda Machado)
31
1. Filos. Designação comum às doutrinas dos filósofos gregos Zenão de Cício (340-264) e seus seguidores Cleanto
(séc. III a.C.), Crisipo (280-208) e os romanos Epicteto (?-125) e Marco Aurélio (121-180), caracterizadas sobretudo
pela consideração do problema moral, constituindo a ataraxia o ideal do sábio.
2. Austeridade de caráter; rigidez moral.
3. Impassibilidade em face da dor ou do infortúnio.
39
─ Nada há nas Cartas que corresponda a um sentimento de nacionalismo e rebeldia contra o domínio português
ou contra o sistema de poder. Sua crítica dirige-se à violação da justiça constituída, ao abuso do poder, à
corrupção palaciana e aos desmandos apoiados na militarização do governo. (Duda Machado)
Essa proeza, Cláudio, muito mais artista que os árcades portugueses seus contemporâneos, a realizou num
admirável diálogo com a tradição lírica do idioma. Como os outros neoclássicos, ele procurou reviver a pureza da poesia
renascentista, dando as costas às gratuitas acrobacias de palavra e pensamento em que degenerara o cultismo. Não
obstante, sua atitude em relação ao legado barroco não foi de repulsa, e sim de criteriosa seletividade; abandonado o
cultismo teatral, Cláudio guardou a técnica barroca no que ela possuía de plena funcionalidade estética. O pastor Fido, por
exemplo, tomado à pastoral italiana, ressurge, em seus sonetos, em postura antitética e paradoxal, ao gosto do melhor
seiscentismo:
32
MERQIOR, José Guilherme (Opus cit.), p.28-36.
40
Abalava-se a penha comovida;
Fido, estátua da dor, se congelava.
Vê-se como o conceito, a imagem rebuscada do barroco, em vez de espocar espalhafatosamente, amplia a
ressonância lírica do tema do pranto, musicalmente introduzido pela consumada repartição, de timbres e consonâncias do
quarteto: a variação das vogais tônicas nos quatro versos (i-õ-ê-u; é-ã-u-ê; a-ô-ô-ê; a-i-u-u), os efeitos de aliteração
apoiados nas consoantes que sublinhamos. Submetendo esses recursos linguísticos a um novo regime expressivo,
indiferente ao verso de ostentação, Cláudio soube preservar o poder da metáfora desenvolvida:
Seu amor ao soneto é, aliás, um dos índices dessa intimidade com a herança poética enriquecida por renascentistas e
barrocos. No campo fechado dos quatorze versos, o árcade mineiro deu asas à sua "imaginação da pedra" (A. Cândido):
utilizou a rocha como nota peculiar à paisagem nativa (e tanto mais original quanto geralmente ausente do cenário do
bucolismo europeu), e, ao mesmo tempo, a investiu de função poética, na sua qualidade de elemento duro, negação da
ternura da voz lírica:
No soneto brasileiro, Cláudio não é um continuador das fecundas incursões realistas que encontramos em
Gregório de Matos; a esse rumo, que o decoro neoclássico lhe proibia, ele prefere, com tanto ou maior êxito, o do soneto
psicológico, na boa linha camoniana, às vezes, repassado de um belo frenesi passional, desfechado num metro de ritmos
obsessivos:
Outras vezes mais carregado de conotações secretas e sinistras, mais "noturno", num registro emotivo que supera
a psicologia superficial do poema neoclássico, e só confere maior intensidade à flama do pastor enamorado:
Cláudio não foi só um grande sonetista. Praticou eficazmente alguns outros gêneros líricos: a écloga, a epístola, o
epicédio. A poesia sentenciosa de pelo menos um dos seus epicédios em dísticos rimados - aquele dedicado a chorar a
morte do Vice-Rei Gomes Freire de Andrada, Conde de Bobadela, administrador "esclarecido" e amigo do Brasil, não
carece de nobre eloquência. A dicção enérgica é um veículo adequado para o altivo ideal iluminista do amor à justiça em
luta com o conformismo cortesão.
O verso moral deste quilate, resgatando a poesia didática, aproxima alguns momentos do nosso neoclassicismo
dos couplets ágeis e concisos de Dryden, Pope ou Voltaire. Mas no poema épico de Cláudio, o Vila Rica, ditado pelo
desejo de rivalizar com o Uraguai de Basílio da Gama, esse mesmo metro se toma irremediavelmente prosaico. Foi um
erro, entretanto, mais do que desculpável: pois o poeta de meia-idade que o compôs, fora do seu leito natural de
expressão, já nos havia dado, com seus peregrinos sonetos, à primeira realização unitária e consciente da literatura
nacional, e um dos mais altos cimos do lirismo em língua portuguesa.
A contribuição de Inácio José de Alvarenga PEIXOTO (1744-93) é muito mais modesta. Carioca de
nascimento, diplomado em Coimbra, foi juiz em Portugal e ouvidor em São João del Rei, largando, porém, essas funções
para devotar-se à lavoura e à mineração no vale do Sapucaí, no sul de Minas, onde se instalou com sua mulher Bárbara
Heliodora da Silveira, em cujo louvor compôs, na prisão em que o malogro da Inconfidência o jogara, um soneto célebre.
Alvarenga Peixoto foi bacharel de muitas ideias, um homem de negócios imaginoso mas sem sorte, e o único árcade
realmente comprometido com o movimento de Tiradentes (o que, aliás, não o impediu de, como Cláudio, proceder mal
para com os companheiros durante o inquérito). Morreu, em seu desterro em Angola, sem deixar nenhum volume dos
quase trinta poemas que nos chegaram dele, praticamente todos são panegíricos, composições de elogio a figurões e
amigos. Nessas peças, em que o poeta se vale de comemorações ocasionais para versar, meio de contrabando, a crítica
moral e social, Alvarenga se mostra nativista convicto, além de adepto avançado do despotismo esclarecido ("Ode a
Pombal"), prestes a adotar o progressismo liberal que proliferaria entre vários neoclássicos do segundo período (1800-
1836).
Frente a Cláudio e Durão, nascidos na terceira década, Basílio da Gama, Alvarenga Peixoto, Gonzaga e Silva
Alvarenga formam uma quase geração mais moça, cuja figura central é, sem dúvida, o portuense-mineiro TOMÁS
ANTÔNIO GONZAGA (1744-1810).
Gonzaga, filho do ouvidor-geral de Pernambuco, veio para o Brasil bem pequeno, estudando com os jesuítas na
Bahia até o fechamento de seu colégio, em consequência da expulsão da Ordem, determinada por Pombal. Formado em
Coimbra, exerceu a magistratura no Reino e, a partir de 1782, o cargo de ouvidor de Vila Rica, onde se tomaria amigo e
discípulo de Cláudio, voltaria a conviver com Alvarenga Peixoto, seu primo e contemporâneo de universidade, e se
enamoraria, quarentão de uma rica adolescente, Joaquina Dorotéia de Seixas - a Marília do árcade Dirceu. Gonzaga
sofreu a oposição da família de Dorotéia, que certamente divergia dos valores existenciais do magistrado:
E teve sua ouvidoria agitada por conflitos com o Governador Luís da Cunha Meneses, alvo de sua sátira nas
Cartas Chilenas (vide mais abaixo). Implicado na Inconfidência, embora provavelmente sem ter conspirado para valer,
acabou degredado em Moçambique, onde, casado com uma próspera viúva, gozou de vasto prestígio até a morte.
Em confronto com os poetas de transição como Cláudio, a geração de 1740 se caracteriza, por sua formação já
completamente neoclássica. A educação literária de Gonzaga atesta a influência, da Arcádia Lusitana e de Cláudio.
Todavia, sua imagem mais popular antes o dá como pré-romântico; a Marília de Dirceu (em três partes, publicadas de
1792 a 1812) virou um dos best-sellers do lirismo em português, tido pelo romantismo como protótipo da poesia
sentimental e do mito do amante infeliz e desgraçado. A circunstância de essas liras resumirem a produção metrificada do
autor (que terá inclusive adaptado poemas anteriores. Submetendo-os ao signo de Marília) confirma essa aparência. Vista
de perto, contudo, a lírica amorosa de Dirceu se mostra bem diversa do passionalismo romântico.
42
Principalmente na primeira parte do livro, abundam as convenções arcádicas. No verso anacreôntico, de medida curta,
Gonzaga entoa a graciosidade anedótica do rococó:
Marília é, aí, uma pastora impessoal, uma figurinha cujo encanto não nos deve fazer esquecer que o poeta a pinta com
cores - superiormente aplicadas - da paleta habitual do arcadismo ligeiro:
Tanto assim que, não poucas vezes, as odes se contentam em justapor um breve final sobre a amada a várias
estrofes puramente sentenciosas, didático bem neoclássico onde Marília prima pela ausência, a não ser na condição de
abstrato vocativo. É o caso da bela lira "Alexandre, Marília, qual o rio...‖, com seu preceito anti-heroico advogando
aquela reta e pacata existência inaventurosa que o iluminismo, ideologia burguesa, não se cansou de abençoar:
O apego à felicidade do "lar, doce lar" - às beatitudes burguesas - conduzirá a lírica erótica de Gonzaga a um
realismo mitigado, minando de forma bastante reveladora o código da idealização petrarquista da mulher eleita. Como
petrarquista, Dirceu comete muitas inconveniências. Menciona a Marília os seus ―casos‖ passados; dá sinais de
atrevimentos lascivos; faz alusões demasiadas veristas à condição do amante:
E se compraz sistematicamente com a sua pessoa e dignidade, em algumas de suas linhas mais felizes:
Em conjunto, essas liberdades com o objeto de sua paixão equivalem a uma dessacralização do preito amoroso do
ponto de vista do petrarquismo ortodoxo, constituem traços iconoc1ásticos, que fazem de Marília uma Beatriz menos
excelsa e mais burguesa, menos cantada em função da dor do amante (como na maioria dos poemas na tradição do amor
cortês) do que evocada na qualidade de pivô das serenas alegrias do casamento e do lar. A motivação desse
aburguesamento ao petrarquismo é, sem dúvida, a tendência de
Gonzaga a concentrar-se no eu, em detrimento (ressalvadas as aparências pelo louvor ritual da bela) da sua musa
titular. Dois terços das liras da segunda parte da Marília têm por centro temático o próprio Dirceu. Graças a esse
deslocamento do enfoque poético, o verso gonzaguiano se abriu à "filmagem" da paisagem cotidiana da sociedade
mineira. A suave e flexível sucessão dos decassílabos e do metro curto, em parte rimados, sintetiza admiravelmente as
atividades essenciais do ciclo do ouro, que o juiz contrasta benevolamente com o seu próprio trabalho de gabinete:
Nem sempre, é sabido, a poesia de Tomás Antônio deflui desse ânimo sossegado, convertida em anelo iluminista
de felicidade caseira; as liras da segunda parte se celebrizam justamente pela pungência do amor contrariado pelo destino.
O Gonzaga prisioneiro é a primeira voz "romântica" da nossa literatura, o seu primeiro acento individualizado de
desgraça e patético.
Simplificando a linguagem lírica de Cláudio, mas evitando igualmente a diluição dos valores poéticos no
sentimentalismo, as liras mais densas de Dirceu ampliaram e modernizaram consideravelmente o registro poético
brasileiro, já consciente de sua personalidade; essa dupla distância faz de Gonzaga a figura central do nosso arcadismo.
Manuel Inácio da SILVA ALVARENGA (1749-1814) já se situa mais perto do estilo oitocentista. Mulato, filho de um
pobre músico de Vila Rica, Silva Alvarenga conseguiu ainda assim estudar no Rio e formar-se em Coimbra. No Reino,
tornou-se amigo de Basílio da Gama, que o introduziu nos meios partidários das reformas de Pombal. Voltando ao Brasil,
não demorou a ser nomeado lente de retórica e poética na capital da colônia, onde, paralelamente ao magistério e à
advocacia, animou uma "sociedade literária" em sentido bem progressista. Suas ideias avançadas o fizeram vítima da
devassa determinada pelo vice-rei, Conde de Resende, em 1794. Indultado três anos mais tarde, editou logo depois a
Glaura (1799).
Silva Alvarenga (na Arcádia, Alcindo Palmireno) praticou a princípio muita poesia didática, de acordo com o
espírito neoclássico; inclusive, satírica, conforme veremos. A reforma pombalina da universidade lhe mereceu uma ode
característica. No Brasil, contudo, dedicou-se à musa amorosa. Extremando a graça melódica dos versos de Basílio da
Gama, cuja obra o impressionou bastante, Alvarenga fez verdadeiras profissões de fé pré-românticas, instalando na nossa
lírica o elogio da sentimentalidade inefável.
Afirma ele numa epístola a Termindo Sipilio, que outro não era senão Basílio. A Glaura é uma coleção de cerca
de sessenta rondós e outros tantos madrigais. Os rondós têm uma forma métrica e estrófica fixa, calcada em Metastásio. A
musicalidade, aliás, prevalece nitidamente nesses versos curtos, de ritmo idêntico; destinados a suscitar um deleite
auditivo capaz de negligenciar o conteúdo intelectual:
A rima interna, reforçada nos estribilhos, sublinha o valor encantatório do ritmo, sempre veículo de imagens
sensuais, de paisagens lânguidas:
Em seu todo, a música dos rondós, conquanto semeada de pérolas líricas, pende para a monotonia, resgatável só
pelo canto. Sem serem menos cantabili, os madrigais em onze versos oferecem maior variedade rítmica e imagística:
45
No ramo da mangueira venturosa
Triste emblema de amor gravei um dia,
E às Dríades saudoso oferecia
Os brandos lírios e a purpúrea rosa.
Mas mesmo nesse contrapeso dado ao melodismo hipnótico dos seus rondós, Alvarenga perpetra um certo
emagrecimento da substância espiritual e humana da poesia, nisso mesmo prenunciando os românticos. Gonzaga
aburguesara o petrarquismo; Alvarenga desintelectualizou o lirismo amoroso. Com a Glaura se completa a curva que vai
do soneto psicológico e do arcadismo tardo-barroco de Cláudio à melopeia da canção romântica.
Soneto II
Soneto XCVIII
MARÍLIA DE DIRCEU
Lira I, parte 1 (fragmento)
MARÍLIA DE DIRCEU
Lira XII, parte 2 (fragmento)
MARÍLIA DE DIRCEU
Lira XV, parte 2 (fragmento)
3. Alvarenga Peixoto
―Casar assim o pensamento com o sentimento, a idéia com a paixão, colorir tudo isto com a imaginação, fundir
tudo isto com o sentimento da religião e da divindade, eis a Poesia – A Poesia grande e santa – a Poesia como
eu a compreendo sem a poder definir, como eu a sinto sem poder traduzir‖
Gonçalves Dias
Um esclarecimento
Cumpre, desde logo, estabelecer uma diferença entre estado de alma romântico, que pode existir em qualquer
época, e o movimento literário chamado Romantismo, estilo de época, que configura um estilo de vida e de arte que
dominou a civilização ocidental durante o período compreendido entre a segunda metade do século XVII e a primeira
metade do século XIX.
Momento Histórico:
Na Europa:
No Brasil:
Foi o estilo que prevaleceu, nas letras nacionais, do final da Regência até os primeiros anos subsequentes
à Guerra do Paraguai; logo, a configuração estilística que cobre o início e o apogeu do Segundo
Reinado, período em que a velha sociedade senhorial conhece o seu último grande surto de
desenvolvimento.
Além de ser uma reação à tradição clássica, assume, em nossa literatura, a conotação de movimento
anticolionialista e antilusitanista, ou seja, de rejeição à literatura produzida na época colonial, em virtude,
do apego dessa produção aos modelos culturais portugueses.
Poética do nacionalismo: indianismo, regionalismo, pesquisa histórica, linguística e folclórica, além de
crítica aos problemas nacionais ─ posturas comprometidas com o projeto de construção de uma identidade
brasileira.
Marco inicial: Suspiros poéticos e saudade (1836), de Gonçalves de Magalhães: novidades teóricas do
prólogo em que anuncia a revolução literária romântica.
33
PROENÇA FILHO, Domício. Estilos de época na literatura. Rio de Janeiro: Ediex, 1967, p. 129.
49
Características gerais da linguagem romântica
Maior liberdade formal: o Arcadismo havia sido uma arte revolucionária, do ponto de vista ideológico,
porque expressava os interesses da burguesia, classe social que iria promover a Revolução Francesa.
Porém, o mesmo não se pode dizer quanto ao aspecto estético, uma vez que o Arcadismo se limitou a
eliminar os exageros do Barroco e a retomar os modelos do classicismo renascentista. Coube ao
Romantismo criar uma linguagem nova, mais simples e direta, identificada com os padrões de vida da
classe média e da burguesia. O vocabulário e a sintaxe são mais simples e há um gosto pela irregularidade
estrófica.
Imaginação criadora: os escritores românticos revelam no artista uma capacidade de criar mundos
imaginários e acreditar na realidade dos mesmos. Do choque do seu Eu com o mundo, o escritor romântico
se evade na aspiração por este outro mundo distinto; no passado ou no futuro, onde ele não encontra as
dificuldades que enfrenta na realidade imediata. Leia esses versos de ―A noite‖, de Gonçalves Dias:
Subjetivismo: o artista romântico trata dos assuntos de uma forma pessoal, de acordo com o
que sente. Dizemos que, nesse caso, ele é subjetivo, porque retrata a realidade parcialmente. No
poema de Gonçalves Dias, ―Canção do exílio‖, por exemplo, por melhor que fosse o Brasil do século
XIX, certamente nem tudo era perfeito. O poeta não fala dos problemas políticos vividos pelo país
naquele momento, poucos anos depois da Independência; não fala da escravidão nem de outros
problemas sociais. Portanto, faz um recorte subjetivo e idealizado da realidade brasileira.
Egocentrismo: a maior parte dos poetas românticos é voltada predominantemente para o próprio eu,
numa atitude tipicamente narcisista. Estes versos de Álvares de Azevedo ilustram essa atitude:
Evasão (escapismo, solidão): fuga para um mundo idealizado à base do sonho, das emoções pessoais. A
solução para o choque entre o mundo sonhado e o mundo real é evadir-se para o passado, para a solidão,
para o desespero e para a evasão das evasões: a morte, um dos temas preferidos dos românticos. Leia estes
versos de Junqueira Freire:
Culto da natureza: na sua evasão, o poeta romântico encontra na natureza o lugar de tranquilidade, onde o
seu espírito pode encontrar a paz. A natureza é capaz de inspirá-lo, de cuidar dele. O mito do ―bom
selvagem‖ de Rousseau é uma das marcas do espírito romântico: o homem em estado de natureza, que
ainda não foi contaminado pela civilização. Cf. indianismo.
Medievalismo: verifica-se o interesse dos românticos pelas origens de seu próprio país, de seu povo e de
sua língua. Na Europa, há uma busca do mundo medieval e de seus valores; no Brasil, o índio cumpre o
papel de nosso passado medieval vivo.
Indianismo: o interesse pelo índio e sua idealização na literatura brasileira estão relacionados com o
projeto nacionalista do Romantismo. O índio, contrapondo-se ao português colonizador e à sua
cultura, representa o elemento nativo, as próprias origens do país. Ao mesmo tempo, encarna o
ideal do "bom selvagem" de Rousseau, que exerceu grande influência sobre o Romantismo brasileiro. O
indianismo teve sua maior expressão em nossa literatura entre os primeiros românticos, como
Gonçalves Dias e José de Alencar:
As gerações do Romantismo
• CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL
O Romantismo brasileiro nasce das possibilidades que surgem com a Independência política e suas
consequências socioculturais: o novo público leitor, as instituições universitárias e, acima de tudo, o
nacionalismo ufanista que varre o país, após 1822, e do qual os escritores são os principais intérpretes.
Contribuir para a grandeza da nação através de uma literatura que fosse o espelho do novo mundo e de sua
paisagem física e humana, eis o projeto ideológico da primeira geração romântica. Há um sentimento de
missão: revelar todo o Brasil, criando uma literatura autônoma que nos expressasse.
O Romantismo se opunha à arte clássica, e o Classicismo aqui significava dominação portuguesa. O
Romantismo voltava-se para a natureza, para o exótico; e aqui havia uma natureza exuberante. Tudo se
ajustando para o desenvolvimento de uma literatura nacionalista.
O Condoreirismo foi um momento da literatura romântica em que os poetas passaram a se preocupar com
questões sociais, abolicionistas e republicanas. Foi uma poesia mais engajada e que propunha uma boa dose de
espírito libertário, Por isso, o símbolo do condor para a geração. Esta geração também pode ser chamada de
hugoana, devido à influência estética do escritor francês Victor Hugo.
Por que tardas, Jatir, que tanto a custo Sejam vales ou montes, lago ou terra,
À voz do meu amor moves teus passos? Onde quer que tu vás, ou dia ou noite,
Da noite a viração, movendo as folhas, Vai seguindo após ti meu pensamento;
Já nos cimos do bosque rumoreja. Outro amor nunca tive: és meu, sou tua!
Eu sob a copa da mangueira altiva Meus olhos outros olhos nunca viram,
Nosso leito gentil cobri zelosa Não sentiram meus lábios outros lábios,
Com mimoso tapiz de folhas brandas, Nem outras mãos, Jatir, que não as tuas
Onde o frouxo luar brinca entre flores. A arazóia na cinta me apertaram.
Brilha a lua no céu, brilham estrelas, Não me escutas, Jatir! nem tardo acodes
Correm perfumes no correr da brisa, À voz do meu amor, que em vão te chama!
A cujo influxo mágico respira-se Tupã! lá rompe o sol! do leito inútil
Um quebranto de amor, melhor que a vida A brisa da manhã sacuda as folhas!
● Repetições:
3ª = aroma da
Bogari: expectativa.
8ª = aroma inútil.
Inversões Anástrofes: Loc. Adjetiva antes ―Da noite a viração movendo as folhas‖
do substantivo 1ª estrofe
Hipérbato: Desarticulação
da ordem direta da frase ―Eu sob a copa da mangueira altiva‖
2ª estrofe
Ruptura da concordância verbal ―Eu sou aquela flor que espero ainda‖
espera
• Paralelismo: entre os dois primeiros versos da 3ª estrofes Apelo amoroso da natureza. | Os dois primeiros
versos da 8ª estrofe Frustração: Jatir não chega.
Enjamberment: ligação sintática de dois versos diferentes acentua a dramaticidade do eu lírico.
A composição gráfica, o ritmo e a construção lexical sintática trazem pistas para ampliar o significado
do texto, enriquecendo o aspecto semântico.
Metáfora: ―Eu sou aquela flor que espero ainda‖ (5ª estrofe). As
quatro primeiras estrofes preparam o clímax da metáfora: a
Figuras
identificação do eu lírico com a natureza, destacando a sensualidade
sutil da figura feminina, ao retomar a imagem das flores que exalam
perfumes na 3ª estrofe.
Personificação: ―Onde o frouxo luar brinca entre flores‖ (2ª
estrofe).
● Técnica de composição: obedece a um duplo movimento que justapõe detalhes da natureza como
elementos da expressão psicológica do eu lírico e, por outro lado, a frustração do encanto amoroso. (projeção
do eu lírico na natureza).
55
Divisão do poema em movimentos:
Desnível temporal e psíquico Tudo se move, menos o eu lírico > a angústia da espera;
Temática do Romantismo brasileiro: o poeta utiliza conscientemente uma forma medieval para realçar a
idealização do índio e da natureza do Brasil;
Temática do Romantismo Universal: subjetividade; sentimentalismo; comunhão com a natureza; amor não
realizado; liberdade formal; musicalidade; exotismo.
II - Poetas da 2ª Geração
1) Casimiro de Abreu: Amor associado à vida e sensualidade (abordada de forma mais natural), ligada ao
medo de amar, forma disfarçada, fruto de insinuações e do jogo de mostrar e esconder. Variações métricas e
rítmicas, forte musicalidade e emprego da ―língua brasileira‖.
- Atração e medo, desejo e culpa.
- Idealização da mulher (anjo, virgem, santa, criança), receio de macular a virgem, de ferir sua pureza.
c) Face irônica
- Quebra a noção de ordem e abala as convenções do mundo burguês;
- Ironiza a vida burguesa (repetitiva e sem emoções);
- Ironiza a pieguice amorosa, a idealização do amor e da mulher o cotidiano acaba com a idealização;
- ―Tudo é romântico, desde que transportado para longe‖ Novalis.
d) Face Metalinguística
- Utiliza o poema para falar de suas convicções artísticas; defesa da liberdade formal e críticas às regras
clássicas; ironiza a si próprio, por sua pieguice amorosa, sua melancolia;
―Frouxo o verso talvez, pálida a rima‖ liberdade formal.
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Análise de poemas
Soneto
Era a virgem do mar, na escuma fria Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Pela maré das águas embalada! Por ti — as noites eu velei chorando,
Era um anjo entre nuvens d'alvorada Por ti — nos sonhos morrerei
Que em sonhos se banhava e se esquecia! sorrindo
Comentários:
• Palavras e ideias antitéticas: escuridão e claridade; a noite e o amanhecer; o ambiente onírico e o real; a
virgem pálida e distante e a mulher corporificada e sensual; o amor e a morte;
• Da primeira para a última estrofe, há um processo de materialização da mulher amada: no início, ela é a
―virgem do mar‖ ou um ―anjo‖; depois, torna-se uma mulher sensual e nua na cama. Essa gradação ocorre
paralelamente à gradação da luz, conforme o dia amanhece;
• O eu lírico, como um voyeur, observa a mulher amada de longe: trata-se do ―medo de amar‖, ligado à
insegurança e ao prazer reprimido, e cuja saída é a sublimação para a morte.
a) Face de Caliban:
Vagabundo
Eat, drink, and love; what can the rest avail us?
Byron
Eu durmo e vivo ao sol como um cigano,
Fumando meu cigarro vaporoso,
Nas noites de verão namoro estrelas,
Sou pobre, sou mendigo e sou ditoso...
Ando roto, sem bolsos nem dinheiro;
Mas tenho na viola uma riqueza:
Canto à lua de noite serenatas...
E quem vive de amor não tem pobreza.
Comentário:
Ênfase nas transgressões (cigarro, irresponsabilidade do ócio) e crítica à moral burguesa e materialista;
valorização da natureza e da literatura.
b) Face irônica:
"É ela! É ela! – murmurei tremendo, Esta noite eu ousei mais atrevido
E o eco ao longe murmurou – é ela! Nas telhas que estalavam nos meus passos
Eu a vi – minha fada aérea e pura – Ir espiar seu venturoso sono,
A minha lavadeira na janela! Vê-la mais bela de Morfeu nos braços!
c) Face metalinguística:
Comentário:
Consoante com o ideal libertário do romantismo, o poeta defende a liberdade formal e o dom da inspiração,
contrapondo-se à ―camisa de força‖ da estética clássica, com suas regras, que limitam a criatividade do fazer
artístico.
Segredos (Fragmento)
Comentário:
Popular poeta brasileiro, Casimiro criou uma poesia mais leve, em que o amor já aparece mais associado à
vida e mais sensual, apesar de ainda ser uma sensualidade que se conserva ligada ao medo de amar, sempre
disfarçada, fruto de insinuações e do jogo do mostrar e esconder, como vimos no refrão “Não quero, não
posso, não devo contar!‖
Contemporâneo da crise do Brasil rural, do crescimento da cultura urbana e dos ideais democráticos;
Cantor do negro, dos escravos, dos oprimidos;
Representante da burguesia liberal: preocupação com o destino do homem em relação aos desajustamentos
sociais;
Divisão da obra: lírica amorosa, lírica social, poesia abolicionista, poesia negra e poesia existencial;
Deu ao escravo não só o brado da revolta, mas também uma atmosfera de dignidade lírica;
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Lírica amorosa: o amor como desejo e paixão, encantamento da alma e do corpo;
Poeta dos amplos espaços: a natureza como imensidão, espaços abertos (os astros, o oceano, os Andes);
Poética do dinamismo: movimento, cenários, diálogos;
Captação plástica do ambiente;
Poesia condoreira: oratória emocionada, dicção dramática, uso de apóstrofes, exclamações, excessiva
pontuação.
Recursos estilísticos
- Metáforas, Antítese, Hipérboles, Comparações, Enumerações, Gradações, Aliterações, Sinestesias,
Personificação;
Preferência pela ordem inversa.
- Hipérbatos, Anástrofes, Quiasmos, Hipálages.
Poesia Lírico-Amorosa
1. Texto I: Adormecida
Uma noite, eu me lembro... ela dormia
Numa rede encostada molemente... Dir-se-ia que naquele doce instante
Quase aberto o roupão... solto o cabelo Brincavam duas cândidas crianças...
E o pé descalço do tapete rente. A brisa, que agitava as folhas verdes,
Fazia-lhe ondear as negras tranças!
‗Stava aberta a janela. Um cheiro agreste
Exalavam as silvas da campina... E o ramo ora chegava, ora afastava-se...
E o longe, num pedaço de horizonte, Mas quando a via despertada a meio,
Via-se a noite plácida e divina. Pra não zangá-la... sacudia alegre
Uma chuva de pétalas no seio...
De um jasmineiro os galhos encurvados,
Indiscretos entravam pela sala, Eu, fitando esta cena, repetia
E, de leve oscilando ao tom das auras, Naquela noite lânguida e sentida:
Iam na face trêmulos – beijá-la. ―Ó flor! – tu és a virgem das campinas!
―Virgem! – tu és a flor da minha vida!...‖
Era um quadro celeste!... A cada afago
Mesmo em sonhos a moça estremecia...
Quando ela serenava... a flor beijava-a...
Quando ela ia beijá-la... a flor fugia...
Comentário:
1º Movimento: 1ª e 2ª estrofes.
O eu lírico apresenta os elementos ainda dissociados em seus contextos mediante o afastamento espacial
referenciado pela janela: o interior – a mulher; o exterior – o jasmineiro.
Contraste entre o espaço interior como campo visualizado (desvelamento) e o espaço exterior velado pela
noite.
Observações:
a) Sentimentalização da natureza: projeção do eu lírico na natureza: ―galhos indiscretos.‖, ―trêmulos‖.
b) O desvelamento da natureza pode ser tomado como processo de sublimação do desejo do eu lírico: ―Naquela
noite lânguida e sentida‖ A noite como expressão subjetiva do Espaço Lírico.