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A PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA
O QUE É SOCIOLOGIA?
O QUE É TEORIA SOCIOLÓGICA?
O DESENVOLVIMENTO DA SOCIOLOGIA
AS PRINCIPAIS PERSPECTIVAS TEÓRICAS
O QUE É O MÉTODO CIENTÍFICO?
AS PRINCIPAIS ESTRATÉGIAS
DE PESQUISA
ÉTICA NA PESQUISA
A SOCIOLOGIA APLICADA E CLÍNICA
A cena repete-se várias vezes por semana nos campi universitários do país inteiro. Um
aluno de graduação conduz um grupo de possíveis estudantes em uma excursão pelo
que poderia vir a ser a nova casa deles. O grupo visita a biblioteca, o centro acadêmico,
os equipamentos de lazer da escola. Mesmo seguindo um roteiro bem ensaiado que visa
destacar os pontos fortes da escola, o guia esclarece perguntas sobre acomodações resi-
denciais e lavanderias.
Como os sociólogos veriam este acontecimento corriqueiro? Em primeiro lugar, tal-
vez pensem em quem não está ali presente: os inúmeros jovens que não irão concluir o
ensino médio ou que não têm planos de cursar uma faculdade, nem mesmo em tempo
parcial. Em segundo lugar, talvez notem a preocupação de alguns estudantes e pais com
a questão financeira. Alguns poucos felizardos, aparentemente despreocupados com o
custo anual dos estudos, mostram-se mais interessados nos programas de aprimoramen-
to acadêmico, como viagens de estudo ou temporadas de estudo no exterior.
Os sociólogos talvez se interessem, também, pela composição demográfica des-
se grupo de potenciais estudantes. Há mais mulheres que homens, como na maioria dos
campi universitários? Qual o grau de diversidade do grupo, em termos de idade, raça e et-
nia? Há, entre esses jovens, algum sinal de apreensão quanto à capacidade da escola de
lidar com deficiências físicas ou de aprendizagem? Por último, os sociólogos talvez quei-
ram deter-se em aspectos da organização da escola. Como é o relacionamento entre o
corpo docente e a administração? E as relações entre as pessoas comuns e a comunidade
acadêmica? São cordiais ou são tensas? Como é o entorno da universidade? Um aglome-
rado de repúblicas estudantis e pizzarias mambembes? Ou bairros residenciais fora das
possibilidades financeiras dos estudantes? Ou uma mescla de ambos?
Não importa o tópico, os sociólogos estudam padrões sociais compartilhados por
um grande número de pessoas. O foco no grupo é um traço distintivo da sociologia.
Como escreveu há mais de meio século o sociólogo C. Wright Mills, se uma pessoa está
desempregada e passando por dificuldades, isso é um problema pessoal dela, mas se mi-
lhares de pessoas estão desempregadas e passando por dificuldades, isso passa a ser
um problema social. Os sociólogos buscam as causas originais desses padrões sociais no
modo como a sociedade se organiza e é governada (Mills [1959] 2000a).
A sociologia é um campo de estudo extremamente amplo. Você irá deparar-se
ao longo deste livro com a imensa gama de tópicos investigados pelos sociólogos – da
tatuagem à “tuitagem”, das turmas de rua aos padrões econômicos globais, da pressão
exercida pelos pares à consciência de classe. Os sociólogos observam como o seu com-
portamento é afetado pelos outros; como você é afetado pelo governo, pela religião e
pela economia; e como você afeta os outros. Não são questões meramente acadêmicas.
A sociologia é importante pois ilumina a sua vida e o seu mundo, quer você estude, tra-
balhe para ganhar dinheiro ou esteja criando uma família.
Este primeiro capítulo apresenta a sociologia como uma ciência social, caracteriza-
da por uma competência especial conhecida como imaginação sociológica. Iremos conhe-
cer quatro pensadores pioneiros – Émile Durkheim, Max Weber, Karl Marx e W. E. B. Du Bois
– e discutir os conceitos e as perspectivas teóricas que surgiram a partir de suas obras. Vere-
mos como os sociólogos usam o método científico para investigar as muitas interrogações
que suscitam. Os sociólogos pesquisam por meio de surveys, estudos etnográficos, experi-
mentos e consultas às fontes disponíveis; não raro, debatem-se com questões éticas que
surgem no decorrer de seus estudos. Examinaremos, no fim do capítulo, alguns usos práti-
cos das suas pesquisas.
O QUE É SOCIOLOGIA?
Sociologia é o estudo científico do comportamento social e dos grupos humanos.
Seu foco primordial é a influência dos relacionamentos sociais nos comportamen-
tos e atitudes das pessoas e na forma como as sociedades se estabelecem e se trans-
formam. Este livro aborda uma variedade de tópicos, como família, local de traba-
lho, gangues de rua, empresas, partidos políticos, engenharia genética, escolas, reli-
giões e sindicatos; e também lida com assuntos como amor, pobreza, conformidade,
discriminação, doença, tecnologia e comunidade.
A imaginação sociológica
rona solidária e mais gente voltou a usar o próprio carro para ir trabalhar (El Nas-
ser e Overberg, 2011).
Os sociólogos acionam a imaginação sociológica em diversos tópicos, como
gênero, família, ecologia humana e religião. Ao longo de todo este livro, você verá
como os sociólogos desenvolvem teorias e pesquisas para estudar e entender me-
lhor as sociedades e se sentirá estimulado a usar a sua própria imaginação socioló-
gica para examinar os Estados Unidos (e outras sociedades) pela perspectiva de um
observador respeitoso, mas questionador.
Por que as pessoas cometem suicídio? Uma resposta clássica do senso comum é que
o desejo de se matar é hereditário. Outra resposta é que as manchas solares indu-
zem as pessoas a pôr fim à própria vida. Explicações talvez não muito convincentes
para os pesquisadores contemporâneos, mas que representam crenças vigentes até
pelo menos o ano de 1900.
O interesse dos sociólogos não está exatamente no motivo que leva alguém
a cometer suicídio, mas, sobretudo, na identificação das forças sociais sistemáticas
que levam algumas pessoas a tirarem a própria vida. Para realizar essa pesquisa, os
sociólogos desenvolvem uma teoria que propõe uma explicação geral para o com-
portamento suicida.
As teorias podem ser concebidas como tentativas de oferecer uma explica-
ção abrangente para acontecimentos, forças, materiais, ideias ou comportamentos.
Uma teoria eficaz pode ter, simultaneamente, o poder de explicar e o poder de pre-
ver. Ou seja, ela pode ajudar-nos a enxergar as relações entre fenômenos aparente-
mente isolados, e a perceber de que modo um tipo de mudança no contexto pode
acarretar outras mudanças.
A Organização Mundial da Saúde (2010) calcula que quase 1 milhão de pes-
soas comete suicídio a cada ano. Há mais de cem anos, um sociólogo tentou olhar,
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a O DESENVOLVIMENTO DA SOCIOLOGIA
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O século XIX foi turbulento para a França. A revolução de 1789 havia deposto a
monarquia francesa, seguindo-se a derrota de Napoleão no seu ímpeto de conquis-
ta da Europa. Em meio ao caos, os filósofos pensavam em como seria possível me-
lhorar a sociedade. Auguste Comte (1798-1857), considerado o mais influente dos
filósofos do início do século XIX, acreditava que era preciso uma ciência teórica da
sociedade e uma investigação sistemática do comportamento para melhorar a so-
ciedade francesa. Foi ele quem cunhou o termo sociologia para designar a ciência do
comportamento humano.
Escrevendo no século XIX, Comte temia que os excessos da Revolução Fran-
cesa tivessem causado dano permanente à estabilidade da França. Esperava, porém,
que o estudo sistemático do comportamento social acabasse infundindo mais ra-
cionalidade às interações humanas. Para Comte, a sociologia ocupava o topo da
hierarquia das ciências. Na sua nomenclatura, a sociologia era a “rainha” e os seus
praticantes, “clérigos-cientistas”. O teórico francês, além de dar nome à sociologia,
ainda lançou um desafio assaz ambicioso para a incipiente disciplina.
Os especialistas tomaram conhecimento das obras de Comte por meio, so-
bretudo, das traduções da socióloga inglesa Harriet Martineau (1802-1876). Como
socióloga, Martineau foi uma desbravadora. Deixou observações perspicazes sobre
*N. de R.T.: Harriet Martineau (1802-1876): jornalista e ativista britânica considerada, nos
Estados Unidos, uma das fundadoras da sociologia.
os costumes e as práticas sociais tanto na sua Inglaterra natal, quanto nos Estados
Unidos. O seu livro Society in America (A sociedade na América) [(1837) 1962] exa-
mina a religião, a política, a criação dos filhos e a imigração na jovem nação. Esse li-
vro revolucionário dá atenção especial a distinções de classe social e a fatores como
gênero e raça. Martineau ([1838] 1989) também escreveu o primeiro livro sobre
métodos sociológicos.
Os escritos de Martineau ressaltaram o potencial impacto da economia, da
lei, do comércio, da saúde e da população sobre os problemas sociais. Ela defen-
deu abertamente os direitos das mulheres, a emancipação dos escravos e a tolerân-
cia religiosa. Mais para o fim da vida, a surdez não inibiu o seu ativismo. Na visão
de Martineau ([1837] 1962), pensadores e especialistas não deveriam contentar-se
com a mera observação das condições sociais; deveriam agir de acordo com suas
convicções para o bem da sociedade. Foi o que a levou a pesquisar a natureza do
emprego feminino e a sinalizar a necessidade de investigar a questão mais a fundo
(Deegan, 2003; Hill e Hoecker-Drysdale, 2001).
Outra contribuição importante à sociologia foi a de Herbert Spencer
(1820-1903). Inglês, vitoriano, relativamente próspero, Spencer (ao contrário de
Martineau) não era movido pelo ímpeto de corrigir ou de melhorar a sociedade;
queria apenas entendê-la melhor. Inspirando-se no estudo A origem das espécies, de
Charles Darwin, aplicou o conceito de evolução das espécies às sociedades, com o
propósito de explicar suas mudanças, ou evoluções, ao longo do tempo. Do mesmo
modo, adaptou a visão evolucionista darwiniana da “sobrevivência do mais apto”
sob o argumento de que é “natural” que alguns sejam ricos e outros sejam pobres.
Spencer pôde testemunhar em vida a imensa popularidade alcançada por sua
abordagem sobre mudança social. Ao contrário de Comte, Spencer dava a enten-
der que, perante a inevitabilidade das mudanças sociais, é inútil adotar uma postu-
ra radicalmente crítica frente às disposições sociais vigentes ou trabalhar ativamen-
te pela mudança social. Esse ponto de vista agradou muita gente influente na In-
glaterra e nos Estados Unidos interessada em manter o status quo e ressabiada com
pensadores sociais que apoiavam a mudança.
Émile Durkheim
grupo ao definir o que entendemos como religião. Concluiu que a religião, assim
como outras formas de comportamento grupal, reforça a solidariedade do grupo.
Durkheim, como muitos sociólogos, não confinou seus interesses a um único
aspecto do comportamento social. Ao longo deste livro, examinaremos o seu pensa-
mento sobre crime e punição, sobre religião e sobre o local de trabalho. Poucos soció
logos tiveram um impacto tão poderoso sobre tantas áreas diferentes da disciplina.
Max Weber
Outra figura de destaque entre os primeiros teóricos foi Max Weber. Nascido na Ale-
manha, em 1864, Weber estudou história jurídica e econômica, mas pouco a pouco
foi despertando para a sociologia. Mais tarde, tornou-se professor de várias univer-
sidades alemãs. Weber ensinava a seus alunos a necessidade de usar a Verstehen, ter-
mo alemão que significa “compreender”. Ressaltava a impossibilidade de se analisar
boa parte do nosso comportamento social pelos mesmos critérios que medem o peso
ou a temperatura. Para entender plenamente o comportamento, precisamos conhe-
cer os significados subjetivos que as pessoas associam às suas próprias ações, ou seja,
o modo como elas enxergam e explicam o seu próprio comportamento.
Devemos ainda a Weber uma ferramenta-chave conceitual: o tipo ideal. O tipo
ideal é um construto, um modelo imaginário que funciona como parâmetro de
avaliação de casos reais. Nas suas obras, Weber identifica diversas características da
burocracia como do tipo ideal (ver Cap. 3 para uma discussão mais detalhada). Na
sua apresentação desse modelo da burocracia, Weber não retratou uma organização
específica, tampouco empregou o termo “ideal” no sentido de uma avaliação posi-
tiva. Buscou apenas propor um padrão útil para medir o grau de burocratização de
uma organização real (Gerth e Mills, 1958). Mais adiante, nos deteremos no concei-
to de tipo ideal aplicado à análise da burocracia e ao estudo da família, da religião,
da autoridade e dos sistemas econômicos.
Karl Marx
(chamadas por eles de proletariado) deveriam se unir na luta para derrubar as so-
ciedades capitalistas.
Na análise de Marx, a sociedade dividia-se, fundamentalmente, em classes que
colidem na defesa dos seus próprios interesses. Ao analisar as sociedades industriais
da época, como Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos, Marx avaliou que a fábrica
era o centro do conflito entre os exploradores (donos dos meios de produção) e os
explorados (os trabalhadores). Marx via esses relacionamentos como sistemáticos;
em outras palavras, acreditava que havia todo um sistema de relacionamentos eco-
nômicos, sociais e políticos que mantinha o poder e o domínio dos proprietários
sobre os trabalhadores. Por isso, argumentavam Marx e Engels, a classe trabalhado-
ra precisava derrubar o sistema de classes vigente. A influência de Marx no pensa-
mento da época foi colossal. Seus escritos inspirariam as lideranças das futuras re-
voluções comunistas na Rússia, China, Cuba, Vietnã, entre outras.
A importância de Marx, mesmo que dissociada das revoluções políticas fo-
mentadas por sua obra, foi profunda. Ele enfatizou as associações e identificações
de grupo que afetam a posição do indivíduo na sociedade, o que vem a ser o prin-
cipal foco da sociologia contemporânea. Ao longo deste livro, veremos como a filia-
ção a determinada classificação de gênero, faixa etária, grupo racial ou classe econô-
mica afeta as atitudes e o comportamento de uma pessoa. Com a devida importân-
cia, podemos acompanhar os desdobramentos desse modo de entender a sociedade
a partir da obra pioneira de Karl Marx.
W. E. B. Du Bois*
A obra de Marx estimulou os sociólogos a ver a sociedade pela ótica dos segmentos
da população que raramente influem na tomada de decisões. Nos Estados Unidos,
alguns dos primeiros sociólogos negros, como W. E. B. Du Bois (1868-1963), em-
preenderam pesquisas na esperança de contribuir na luta por uma sociedade racial-
mente igualitária. Du Bois acreditava que o conhecimento era essencial para com-
bater o preconceito e para obter tolerância e justiça. Insistia que os sociólogos pre-
cisavam aplicar os princípios científicos ao estudo de problemas sociais como os
vivenciados pelos negros nos Estados Unidos. Para distinguir a opinião do fato, de-
fendia que a vida dos negros fosse objeto de uma pesquisa básica. Deixou uma im-
portantíssima contribuição à sociologia com seus estudos sobre a vida urbana, tanto
dos brancos quanto dos negros, em cidades como Filadélfia e Atlanta ([1899] 1995).
Assim como Durkheim e Weber, Du Bois percebeu a importância da religião
para a sociedade. No entanto, tendeu a focar a religião pelo viés da comunidade e do
papel da igreja na vida dos fiéis ([1903] 2003). Du Bois tinha pouca paciência para
teóricos como Herbert Spencer, aparentemente satisfeito com o status quo. Acredi-
tava que a concessão de plenos direitos políticos aos negros era essencial para o pro-
gresso social e econômico.
Como boa parte das suas ideias questionava o status quo, Du Bois não teve re-
ceptividade nem na esfera do governo, nem no mundo acadêmico. Isso o levou a
um crescente envolvimento com organizações que questionavam a ordem social es-
tabelecida. Em 1909, ajudou a fundar a National Association for the Advancement
of Colored People (Associação Nacional pelo Progresso das Pessoas de Cor), hoje
mais conhecida pela sigla em inglês NAACP (Wortham, 2008).
Os insights de Du Bois revelaram-se duradouros. Em 1897, ele cunhou a ex-
pressão dupla consciência para referir-se à cisão da identidade de um indivíduo en-
tre duas ou mais realidades sociais. Usou o termo para descrever a experiência de
ser negro em uma América de brancos. Hoje, os pais afro-americanos podem di-
zer a seus filhos que nada os impede de se tornar presidente dos Estados Unidos, a
pessoa mais poderosa do país. Mas, para milhões de afro-americanos, ser negro nos
Estados Unidos não configura uma realidade típica de poder ([1903] 1961).
Desdobramentos modernos
O atual desenvolvimento da sociologia nos Estados Unidos apoia-se nas sólidas raízes
estabelecidas por Émile Durkheim, Max Weber, Karl Marx e W. E. B. Du Bois, mas isso
não significa que, nestes últimos cem anos, a disciplina tenha permanecido estagnada.
A despeito das continuadas contribuições europeias, sociólogos do mundo inteiro,
principalmente dos Estados Unidos, fizeram a teoria e a pesquisa sociológica avançarem.
Com seus novos insights, nos ajudaram a entender melhor o funcionamento da sociedade.
Charles Horton Cooley. Charles Horton Cooley (1864-1929) é um representante
típico dos sociólogos que se destacaram no início do século XX. Nascido em Ann
Arbor, Estado de Michigan, Cooley formou-se em Economia antes de se tornar pro-
fessor de sociologia da University of Michigan. Como ocorreu com outros repre-
sentantes dos primórdios da sociologia, o seu interesse pela “nova” disciplina des-
pertou quando cursava uma área afim.
Cooley compartilhava com Durkheim, Weber, W. E. B. Du Bois e Marx o dese-
jo de ampliar os seus conhecimentos sobre a sociedade. Mas, a bem da eficácia, op-
tou por aplicar a perspectiva sociológica à análise preliminar de unidades mais res-
tritas, ou seja, de grupos mais pessoais e íntimos, como famílias, gangues e redes de
amizades. Ali estavam as sementeiras da sociedade, que moldavam ideais, crenças,
valores e a índole social das pessoas. A obra de Cooley ampliou a nossa compreen-
são sobre grupos de porte relativamente pequeno.
Jane Addams. No início do século XX, muitos dos principais sociólogos dos Esta-
dos Unidos eram reformistas sociais voltados para o estudo sistemático e o subse-
quente aperfeiçoamento de uma sociedade corrupta. Nutriam uma preocupação
genuína com a vida dos imigrantes nos centros urbanos em crescimento dos Esta-
dos Unidos – quer aqueles chegados da Europa, quer aqueles do Sul agrário do país.
As primeiras sociólogas costumavam militar nas áreas urbanas pobres à frente de
centros comunitários conhecidos como settlement houses (residências sociais). Foi o
sos escassos. Para outros, ainda, os aspectos mais fascinantes do mundo social são
as interações individuais cotidianas, que tantas vezes nos soam banais. Essas são as
três visões mais correntes na sociologia e correspondem às perspectivas funciona-
lista, do conflito e interacionista. Em conjunto, elas representam um panorama in-
trodutório da disciplina.
A perspectiva funcionalista
naram a sociologia dos Estados Unidos. Na sua visão, qualquer sociedade era uma
vasta rede de peças interligadas, cada uma delas contribuindo para manter o siste-
ma como um todo. Segundo a abordagem funcionalista, se um aspecto da vida so-
cial não contribuir para a estabilidade ou para a sobrevivência de uma sociedade –
se não cumprir alguma função de utilidade identificável ou não promover consen-
so de valor entre os membros de uma sociedade –, ele não será repassado de gera-
ção em geração (Joas e Knobl, 2009; Knudsen, 2010).
Disfunções. Os funcionalistas admitem que nem todas as peças da sociedade con-
tribuem o tempo todo para a sua estabilidade. Por disfunção, entende-se um ele-
mento ou um processo da sociedade efetivamente capaz de abalar o sistema social
ou minar a sua estabilidade.
Muitos padrões de comportamento disfuncionais, como o homicídio, são ti-
dos como indesejáveis. Contudo, não convém aplicar essa interpretação de manei-
ra automática. A avaliação de uma disfunção depende dos valores de cada pessoa,
ou, como se diz, “da cadeira que cada um ocupa”. Por exemplo: a visão existente nas
prisões americanas é que seria mais prático acabar com as gangues de detentos, pois
elas são disfuncionais para a tranquilidade operacional. Mas, na verdade, alguns
guardas passaram a encarar as gangues de detentos como um componente funcio-
nal de seu cargo. O perigo que elas representam cria uma “ameaça à segurança” que
exige reforço na vigilância e um maior número de horas extras dos carcereiros, além
de demandar quadros especiais para cuidar dos problemas ocasionados pelas gan-
gues (G. Scott, 2001).
Função manifesta e função latente. O catálogo de uma universidade costuma enu-
merar as diversas funções da instituição. Ele talvez informe, por exemplo, que a uni-
versidade pretende “proporcionar a cada aluno uma formação abrangente no pen-
samento clássico e contemporâneo, nas humanidades, nas ciências e nas artes”. Mas
seria quase um escândalo deparar-se com um catálogo que declarasse: “Esta univer-
sidade foi fundada em 1895 para ajudar as pessoas a acharem um bom partido”. Ca-
tálogo algum fará afirmação semelhante. No entanto, as instituições sociais cum-
prem múltiplas funções – algumas delas bastante sutis. A universidade, de fato, fa-
cilita a escolha de um companheiro.
Robert Merton (1968) estabeleceu uma importante distinção entre função
manifesta e função latente. As funções manifestas das instituições são conscientes,
declaradas, explícitas. Elas envolvem as consequências intencionais e reconhecidas
de um aspecto da sociedade, como o papel da universidade em atestar a competên-
cia e a excelência acadêmica. As funções latentes, pelo contrário, são inconscien-
tes ou não intencionais, e talvez reflitam propósitos ocultos da instituição. Uma das
funções latentes das universidades é servir de ponto de encontro para quem está in-
teressado em arranjar um parceiro.
A perspectiva do conflito
Contrariando a ênfase dos funcionalistas na estabilidade e no consenso, os soció-
logos do conflito veem o mundo social como um embate contínuo. Os proponen-
tes da perspectiva do conflito postulam que o melhor entendimento do compor-
tamento social se faz da tensão entre grupos pelo poder ou pela distribuição de re-
cursos, como habitação, dinheiro, acesso aos serviços e representação política. Esse
conflito não é necessariamente violento, podendo assumir configurações como ne-
gociações trabalhistas, política partidária, disputa de grupos religiosos pelos fiéis ou
competição pelo orçamento federal.
A partir dessa concepção acerca da ordem social, os teóricos do conflito abor-
dariam o vazamento do Golfo do México privilegiando a coerção e a exploração
subjacentes às relações entre a indústria petrolífera e as comunidades do Golfo.
A indústria petrolífera, salientariam, enquadra-se no ramo dos altos negócios, em
que os lucros têm primazia sobre a saúde e a segurança dos trabalhadores. Os teó
ricos do conflito também destacariam o efeito – tão comumente negligenciado –
do vazamento sobre as minorias que vivem em comunidades do interior, inclusi-
ve norte-americanos de origem vietnamita, norte-americanos de origem indígena e
afro-americanos. Esses grupos, que viviam uma existência marginal antes do vaza-
mento, enfrentaram dificuldades econômicas relevantes após o vazamento. Por fim,
os teóricos do conflito observariam que, apesar da tendência dos noticiários a dar
maior destaque a vazamentos de óleo que afetam países industriais ricos, os pio-
res vazamentos muitas vezes atingem comunidades de países em desenvolvimento,
e, portanto, menos favorecidos, como a Nigéria. Durante a maior parte do século
XX, os defensores da perspectiva funcionalista levaram a melhor entre os sociólo-
gos norte-americanos. Porém, o poder de convencimento dos proponentes da abor-
dagem do conflito vem crescendo desde o fim da década de 1960. A agitação social
generalizada resultante dos confrontos em torno dos direitos civis, das acirradas di-
vergências acerca da guerra do Vietnã, da ascensão do movimento feminista e do
movimento em prol das liberdades dos gays, do escândalo de Watergate, dos que-
bra-quebras urbanos, dos tumultos em clínicas de aborto e das minguantes pers-
pectivas econômicas da classe média tem dado sustentação à abordagem do confli-
to – a visão de que o nosso mundo social caracteriza-se pelo embate contínuo en-
tre grupos rivais. Atualmente, os sociólogos aceitam a teoria do conflito como um
meio válido de sondar as entranhas da sociedade.
A visão marxista. Como observamos anteriormente, Karl Marx via a luta das clas-
ses sociais como inevitável face à exploração dos trabalhadores no capitalismo. Pro-
blematizando as concepções de Marx, sociólogos e outros cientistas sociais passa-
ram a ver no conflito não apenas um mero fenômeno de classes, mas um compo-
nente da existência cotidiana em todas as sociedades. Ao estudar qualquer cultura,
organização ou grupo social, os sociólogos querem saber quem ganha, quem sofre e
quem domina à custa dos outros. Interessam-se pelos conflitos entre homens e mu-
lheres, pais e filhos, cidades e periferias, brancos e negros, entre inúmeros outros.
Os teóricos do conflito interessam-se pela forma como as instituições da sociedade
– inclusive a família, o governo, a religião, a educação e os meios de comunicação –
contribuem para preservar os privilégios de alguns grupos e manter outros em po-
sição subalterna. A ênfase na mudança social e na redistribuição dos recursos con-
fere aos teóricos do conflito um perfil mais “radical” e “ativista” quando compara-
dos aos funcionalistas (Dahrendorf, 1959).
A perspectiva feminista. A despeito da sua longa tradição em várias outras disci-
plinas, a perspectiva feminista começou a ser adotada pelos sociólogos na década
de 1970. Os proponentes da perspectiva feminista veem a desigualdade baseada no
gênero como eixo de todo comportamento e de toda organização. Por enfocar um
único aspecto da desigualdade, essa perspectiva é associada à perspectiva do con-
flito. Mas, ao contrário dos teóricos do conflito e dos interacionistas, os adeptos da
perspectiva feminista tendem a privilegiar as relações do dia a dia. Bebendo na obra
de Marx e Engels, muitas teóricas feministas veem a subordinação das mulheres
como inerente às sociedades capitalistas. Algumas teóricas, porém, consideram que
a opressão das mulheres é inevitável em toda sociedade dominada pelos homens,
seja ela capitalista, socialista ou comunista.
Um dos primeiros exemplos da perspectiva feminista (muitíssimo anterior
à adoção deste rótulo pelos sociólogos) está na vida e nos escritos de Ida Wells-
-Barnett (1862-1931). Seguindo suas revolucionárias publicações na década de 1890
sobre a prática de linchamento de norte-americanos negros, Wells-Barnett aderiu
à campanha pelos direitos das mulheres, especialmente à luta pelo direito ao voto
feminino. Assim como os teóricos feministas que a sucederam, usou a sua análise
da sociedade como ferramenta de resistência à opressão. Pesquisou o que signifi-
cava ser mulher e negra nos Estados Unidos (Giddings, 2008; Wells-Barnett, 1970).
A produção intelectual feminista expandiu o nosso entendimento sobre o
comportamento social ao extrapolar a análise para além do ponto de vista masculi-
no. Vejamos, por exemplo, os esportes. As teóricas feministas estudam como assistir
a esportes ou participar de esportes reforça os papéis desempenhados por homens
e por mulheres no contexto mais amplo da sociedade:
• Embora normalmente promovam a boa forma física e a saúde, os esportes tam-
bém podem ter consequências nocivas para os praticantes. Os homens são mais
propensos a recorrer ao uso de esteroides ilegais (p. ex., fisiculturistas e joga-
dores de beisebol); as mulheres, a dietas exageradas (p. ex., ginastas e patina-
doras artísticas).
• As expectativas de gênero estimulam as atletas a serem passivas e delicadas, qua-
lidades incompatíveis com a competitividade inerente aos esportes. Consequen-
temente, é difícil para as mulheres competir em esportes tradicionalmente domi-
nados por homens, como a Fórmula Indy ou a Nascar.
ua
i m a g in aç
A interação com colegas no local de trabalho, os encontros
em lugares públicos, como pontos de ônibus e parques, o o a
s o c io l ó g i c
ã
comportamento em pequenos grupos, todos esses são aspec-
tos da microssociologia que capturam a atenção dos intera- Você é um(a)
cionistas. Ao contrário dos funcionalistas e dos teóricos do sociólogo(a) que
conflito, que analisam padrões de comportamento de toda usa a perspectiva
uma sociedade, os proponentes da perspectiva interacionis- do conflito para
estudar diversos
ta generalizam formas corriqueiras de interação social bus- aspectos da nossa
cando um entendimento da sociedade como um todo. Peran- sociedade. Como
te a crescente apreensão frente ao custo e à disponibilidade você interpretaria
a prática da
da gasolina, os interacionistas começaram a investigar uma prostituição?
nova forma de comportamento dos commuters (“migrantes Contraponha essa
diários”, em tradução livre), conhecida como “slugging” (de visão à perspectiva
slug, ou “lesma”, em português). Trata-se de um tipo de ca- funcionalista. Você
acha que os seus
rona solidária em que, para poder dispensar o carro na ida comentários seriam
ao trabalho, os commuters reúnem-se em locais predetermi- outros se você
nados para pegarem carona com pessoas totalmente estra- adotasse a visão
nhas. Quando um carro encosta em um estacionamento ou feminista? sentido?
Em que
versity of Chicago de 1893 até sua morte. Sua análise sociológica, assim como a de
Charles Horton Cooley, focava as interações humanas em situações de contato in-
dividual e em pequenos grupos. Mead queria observar as formas de comunicação
mais ínfimas – como sorrir, franzir o cenho, balançar de leve a cabeça em sinal de
assentimento – e entender como esse comportamento individual era afetado pelo
contexto mais amplo de um grupo ou de uma sociedade. A despeito das suas vi-
sões inovadoras, Mead raramente escrevia artigos e jamais escreveu um livro. Era
um professor extremamente popular; a maioria de seus insights chegou até nós por
meio de palestras suas editadas e publicadas pelos seus alunos após a sua morte.
O interacionismo é um enquadramento sociológico em que os seres huma-
nos são vistos habitando um mundo de objetos investidos de significado. Tais
“objetos” incluem coisas materiais, ações, outras pessoas, relacionamentos, e até
mesmo símbolos. A perspectiva interacionista é também chamada de perspectiva
interacionista simbólica, pois nela os símbolos são vistos como uma peça extrema-
mente importante da comunicação humana. Os símbolos carregam significados
sociais compartilhados, normalmente reconhecidos por to-
Us e a dos os membros de uma sociedade. Por exemplo, um aceno
s é um sinal de respeito, ao passo que um punho cerrado é um
ua
símbolo de desafio.
i m a g in aç
A abordagem sociológica
Ideias
para futuras
pesquisas
Definir o problema
“Compensa” fazer uma faculdade? Há quem faça grandes sacrifícios e trabalhe duro
para conseguir cursar o ensino superior. Pais fazem empréstimos para pagar a anui-
dade dos filhos. Estudantes arrumam empregos de meio período ou até de período
integral e estudam à noite ou nos fins de semana. Compensa? Ser formado implica
retornos monetários? O primeiro passo, em qualquer projeto de pesquisa, é formu-
lar com a maior clareza possível o que se pretende investigar – em outras palavras,
definir o problema. No caso, estamos interessados em verificar a relação entre grau
de escolaridade e renda. Precisamos descobrir qual é a renda de pessoas com dife-
rentes graus de escolaridade.
Como etapa preliminar, todo pesquisador em ciências sociais precisa elabo-
rar uma definição operacional de cada conceito que está sendo estudado. Definição
operacional é uma explicação de um conceito abstrato com especificidade suficien-
te para permitir ao pesquisador avaliá-lo. Por exemplo, um sociólogo interessado
no status pode usar como definição operacional de status o fato de a pessoa perten-
cer ao quadro social de clubes exclusivos. Alguém que estuda o preconceito poderia
estabelecer como definição operacional de preconceito a má vontade de alguém em
contratar ou em trabalhar com pessoas de grupos minoritários. No nosso exemplo,
devemos elaborar duas definições operacionais – uma para escolaridade, outra para
renda – a fim de averiguar se a formação superior compensa.
A princípio, adotaremos uma perspectiva funcionalista (mas nada impe-
de que venhamos a incorporar outras abordagens). A nossa tese pressupõe que as
oportunidades de aumentar a capacidade de renda estão relacionadas ao grau de
escolaridade e que as faculdades preparam os alunos para o mercado de trabalho.
Rever a bibliografia
Formular a hipótese
estudo. A variável pode ser definida como um traço ou uma característica mensu-
rável e sujeita a mudar conforme as circunstâncias.
Os pesquisadores, ao formularem uma hipótese, normalmente precisam si
nalizar como um aspecto do comportamento humano influenciaria ou afetaria ou-
tro aspecto. A variável que por hipótese irá redundar ou influir em outra é chamada
de variável independente. A segunda variável é chamada variável dependente, já
que sua ação “depende” da influência da variável independente. A nossa hipótese é
que quanto mais elevado o grau de instrução da pessoa, mais dinheiro ela ganhará.
A variável independente a ser medida é o grau de escolaridade. Também é preciso
medir a variável que presumivelmente “depende” dela.
Identificar as variáveis independentes e dependentes é fundamental para es-
clarecer relações de causa e efeito. A lógica causal envolve a relação entre uma con-
dição, ou variável, e uma determinada consequência, em que um acontecimento
leva ao outro. Segundo a lógica causal, estar menos integrado à sociedade (variá-
vel independente) pode relacionar-se diretamente com a probabilidade de suicídio
(variável dependente). Analogamente, a faixa de renda dos pais (variável indepen-
dente) pode influir na probabilidade de os filhos cursarem a universidade (variá-
vel dependente). Em uma etapa posterior da vida, o grau de escolaridade alcança-
do pelos filhos (variável independente) pode relacionar-se diretamente com o ní-
vel de renda dos filhos (variável dependente). Vale notar que o nível de renda pode
ser tanto uma variável independente quanto dependente, conforme a relação cau-
sal estabelecida.
A correlação ocorre quando uma mudança em uma variável coincide com
uma mudança em outra variável. As correlações sinalizam a possível presença de
causalidade, sem necessariamente implicar causação. Por exemplo, os dados indicam
que pessoas que preferem assistir o noticiário pela televisão são menos informadas
do que as que leem jornais e revistas de atualidades. Essa correlação entre o conhe-
cimento relativo da pessoa e a respectiva opção pelos veículos de notícias parece ter
alguma lógica, pois é compatível com a crença comum de que a televisão veicula in-
formações mastigadas. Mas a correlação entre as duas variáveis é, na verdade, cau-
sada por uma terceira variável – a capacidade relativa de se assimilar grandes volu-
mes de informação. Pessoas com alguma deficiência de leitura são mais propensas a
acompanhar as notícias pela televisão, ao passo que as mais instruídas ou mais qua-
lificadas costumam preferir a imprensa escrita. O hábito de assistir televisão apresen-
ta uma correlação, porém não de causalidade, com a menor capacidade de entender
as notícias. Os sociólogos buscam identificar o vínculo causal entre as variáveis; nor-
malmente, o suposto vínculo causal é descrito na hipótese (Neuman, 2009).
Como testar uma hipótese para determinar se ela tem ou não fundamento? É pre-
ciso coletar informações, valendo-se de uma das estratégias experimentais descritas
mais adiante neste capítulo. A estratégia experimental norteia o pesquisador na co-
leta e na análise dos dados.
Elaborar a conclusão
Os estudos científicos, inclusive aqueles realizados por sociólogos, não buscam res-
ponder todas as indagações existentes acerca de um determinado tema. Por conse-
guinte, a conclusão de um estudo de pesquisa representa simultaneamente um fim
e um começo. Ao concluir uma fase específica da investigação, deve-se gerar ideias
para estudos futuros.
Corroborando as hipóteses No nosso exemplo, constatamos que os dados corro-
boram a nossa hipótese. Pessoas com maior instrução formal de fato ganham mais
dinheiro. Como demonstra a Figura 1.2, os detentores de um diploma de ensino
médio ganham mais do que quem não concluiu o ensino médio, mas quem con-
cluiu um curso técnico de nível superior ganha mais do que quem não foi além do
ensino médio. A relação se mantém nos graus de escolaridade mais avançados; os
que ganham mais são os que têm diplomas de pós-graduação.
11% 39%
30% 20% 46%
Figura 1.2 O impacto do ensino superior na renda. Níveis mais elevados de escolaridade relacionam-se
com um aumento significativo da renda, benefício que se acumula ao longo da vida do trabalhador.
Nota: Dados de renda informados unanimemente por trabalhadores com 25 anos de idade ou mais.
O ensino médio inclui o supletivo.
Fonte: Análise do autor com base em DeNavas-Walt, 2012, Detailed Table (Tabela Detalhada) PINC-03.
Pense nisto
Que tipos de conhecimentos e de competências possui alguém com formação de nível superior, no
mínimo curso técnico, comparado com alguém que concluiu apenas o ensino médio, ou nem isso?
Por que motivo esses conhecimentos e competências devem ser valorizados pelos empregadores?
de pesquisa usadas com mais regularidade pelos sociólogos incluem surveys, estu-
dos etnográficos, experimentos e fontes disponíveis.
Surveys
Quase todos nós já respondemos a algum tipo de survey. Talvez tenhamos sido in-
quiridos sobre que detergente usamos, em que candidato à presidência cogitamos
votar, qual o nosso programa de televisão preferido. Um survey é um estudo, em ge-
ral sob a forma de entrevista ou de questionário, que fornece aos pesquisadores in-
formações sobre como as pessoas pensam e agem. Entre os surveys de opinião mais
conhecidos nos Estados Unidos estão a pesquisa Gallup e a Harris. Como é do co-
nhecimento de qualquer pessoa que acompanha os noticiários, essas pesquisas tor-
naram-se o feijão com arroz da vida política.
Ao se preparar para conduzir um survey, os sociólogos, além de estabelece-
rem uma amostra representativa, precisam formular bem as perguntas. Uma boa
pergunta precisa ser simples e clara o suficiente para ser entendida pelo público.
Também precisa ser específica o bastante para não complicar a interpretação dos
resultados. Perguntas abertas (“Qual a sua opinião sobre a programação da TV
educativa?”) precisam ser enunciadas com muita atenção para suscitar o tipo de
informação desejada. Os surveys podem ser indispensáveis como fonte de infor-
mação, mas é essencial que a amostragem seja feita de modo adequado e que as
perguntas sejam enunciadas com precisão, não sendo capciosas.
Há duas formas principais de survey: a entrevista, em que um pesquisador
obtém informações mediante perguntas feitas pessoalmente ou por telefone, e o
questionário, um formulário impresso ou manuscrito usado para obter informa-
ções do respondente. Cada uma delas tem as suas vantagens. O entrevistador conse-
gue obter um índice elevado de respostas, pois é mais difícil para as pessoas descar-
tar um pedido pessoal de entrevista do que um questionário por escrito. Além disso,
um entrevistador hábil pode extrapolar as perguntas escritas e sondar sentimentos
e motivos subjacentes do entrevistado. Os questionários, por outro lado, têm a van-
tagem de ser mais baratos, especialmente no caso de grandes amostras.
Os surveys são exemplos de pesquisa quantitativa, em que os cientistas cole-
tam e apresentam os dados em formato majoritariamente numérico. A maior parte
dos surveys que discutimos até agora foram quantitativos. Mesmo sendo um tipo de
pesquisa adequado para amostras grandes, o survey não proporciona grande pro-
fundidade ou riqueza de detalhes sobre um tópico. É por isso que os pesquisadores
também recorrem à pesquisa qualitativa, que repousa sobre o que os cientistas ob-
servam em campo e no contexto natural. A pesquisa qualitativa é mais usada com
pequenos grupos e comunidades do que com grupos extensos ou países inteiros.
No Brasil, a forma mais comum de pesquisa qualitativa é a entrevista.
Etnografia
Os investigadores normalmente coletam informações ou testam hipóteses por meio
de estudos “em primeira mão”. A etnografia é o estudo de todo um contexto social
mediante um trabalho de campo sistemático. A observação, ou participação direta
no exame pormenorizado de um grupo ou de uma organização, é a técnica básica
da etnografia. Mas a pesquisa etnográfica também envolve a coleta de informações
históricas e a condução de entrevistas pessoalmente. Embora a etnografia possa pa-
recer um método relativamente informal se comparado aos surveys ou aos experi-
mentos, os pesquisadores etnográficos esmeram-se para fazer anotações detalhadas
enquanto observam os seus sujeitos.
Em alguns casos, o sociólogo efetivamente se agrega a um grupo durante cer-
to tempo, para ter uma noção exata de como ele opera. A esta abordagem dá-se o
nome de observação participante. É o caso do livro Nickel and dimed: on (not) getting
by in America (Miséria à americana), de Barbara Ehrenreich, campeão de leitura, em
que a autora foi uma observadora participante. Disfarçada como uma dona de casa
de meia-idade divorciada e sem nível superior, Ehrenreich partiu para ver como vi-
viam os trabalhadores assalariados de baixa renda. O livro conta as experiências dela
e de outras pessoas tentando sobreviver com um salário mínimo (Ehrenreich, 2001).
Em fins da década de 1930, em um exemplo clássico da pesquisa de observa-
ção participante, William F. Whyte mudou-se para um bairro italiano de baixa ren-
da em Boston. Durante quase quatro anos, agregou-se ao círculo social dos “rapa-
zes de esquina” descrito por ele em Street corner society (Sociedade de esquina: a es-
trutura social de uma área urbana pobre e degradada). Whyte revelou sua identida-
de a esses homens e participava de suas conversas, do jogo de boliche e de outras
atividades de lazer. Seu objetivo era entender melhor a comunidade criada por eles.
Conversando com Doc, o líder do grupo, Whyte (1981, p. 303) obteve “as respostas
a perguntas que nem me teriam ocorrido se eu tivesse baseado minhas informações
exclusivamente em entrevistas”. O trabalho de Whyte foi especialmente importan-
te, pois, na época, o mundo acadêmico possuía pouco conhecimento a respeito dos
pobres e tendia a se limitar aos registros de agências de assistência social, hospitais
e tribunais como fontes de informação (P. Adler et al., 1992).
O primeiro desafio enfrentado por Whyte – e por qualquer observador parti-
cipante – foi ser aceito em um grupo estranho. Não é fácil para um sociólogo for-
mado conquistar a confiança de uma seita religiosa, de uma gangue de jovens, de
uma comunidade pobre dos apalaches, de um grupo de moradores de uma vizi-
nhança decrépita. Isso exige muita paciência, muita indulgência e muita serenida-
de por parte do observador.
A pesquisa etnográfica impõe outros desafios complexos ao investigador.
É preciso que os sociólogos sejam capazes de entender plenamente aquilo que ob-
servam. Em um certo sentido, portanto, é preciso que os pesquisadores aprendam
a ver o mundo pela ótica do grupo para compreender em toda a plenitude o que se
passa ao seu redor.
Experimentos
Quando querem estudar uma possível relação de causa e efeito, os sociólogos po-
dem montar experimentos. Um experimento é uma situação criada artificialmente
que permite ao pesquisador manipular as variáveis.
No método clássico de experimentação, selecionam-se dois grupos de pes
soas com algumas características em comum, como idade ou escolaridade. Os pes-
quisadores, então, designam um dos grupos como o grupo experimental e o ou-
tro como o grupo-controle. O grupo experimental é exposto a uma variável in-
dependente; o grupo-controle, não. Assim, caso os cientistas estejam testando um
novo tipo de antibiótico, este é administrado ao grupo experimental, mas não ao
grupo-controle.
Em alguns experimentos, como na pesquisa etnográfica, a presença de um
cientista social ou de algum outro observador pode afetar o comportamento
dos sujeitos do estudo. O fenômeno foi reconhecido a partir de um experimen-
to realizado nas décadas de 1920 e 1930 na usina Hawthorne, da Western Electric
Company. Um grupo de pesquisadores propôs-se a determinar como melhorar a
produtividade dos trabalhadores da usina. Os investigadores
Us e a manipularam variáveis do tipo iluminação e horário de tra-
s
balho para observar seu eventual impacto na produtividade.
ua
i m a g in aç