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A PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA

O QUE É SOCIOLOGIA?
O QUE É TEORIA SOCIOLÓGICA?
O DESENVOLVIMENTO DA SOCIOLOGIA
AS PRINCIPAIS PERSPECTIVAS TEÓRICAS
O QUE É O MÉTODO CIENTÍFICO?
AS PRINCIPAIS ESTRATÉGIAS
DE PESQUISA
ÉTICA NA PESQUISA
A SOCIOLOGIA APLICADA E CLÍNICA

A cena repete-se várias vezes por semana nos campi universitários do país inteiro. Um
aluno de graduação conduz um grupo de possíveis estudantes em uma excursão pelo
que poderia vir a ser a nova casa deles. O grupo visita a biblioteca, o centro acadêmico,
os equipamentos de lazer da escola. Mesmo seguindo um roteiro bem ensaiado que visa
destacar os pontos fortes da escola, o guia esclarece perguntas sobre acomodações resi-
denciais e lavanderias.
Como os sociólogos veriam este acontecimento corriqueiro? Em primeiro lugar, tal-
vez pensem em quem não está ali presente: os inúmeros jovens que não irão concluir o
ensino médio ou que não têm planos de cursar uma faculdade, nem mesmo em tempo
parcial. Em segundo lugar, talvez notem a preocupação de alguns estudantes e pais com
a questão financeira. Alguns poucos felizardos, aparentemente despreocupados com o
custo anual dos estudos, mostram-se mais interessados nos programas de aprimoramen-
to acadêmico, como viagens de estudo ou temporadas de estudo no exterior.
Os sociólogos talvez se interessem, também, pela composição demográfica des-
se grupo de potenciais estudantes. Há mais mulheres que homens, como na maioria dos
campi universitários? Qual o grau de diversidade do grupo, em termos de idade, raça e et-
nia? Há, entre esses jovens, algum sinal de apreensão quanto à capacidade da escola de
lidar com deficiências físicas ou de aprendizagem? Por último, os sociólogos talvez quei-
ram deter-se em aspectos da organização da escola. Como é o relacionamento entre o
corpo docente e a administração? E as relações entre as pessoas comuns e a comunidade
acadêmica? São cordiais ou são tensas? Como é o entorno da universidade? Um aglome-
rado de repúblicas estudantis e pizzarias mambembes? Ou bairros residenciais fora das
possibilidades financeiras dos estudantes? Ou uma mescla de ambos?
Não importa o tópico, os sociólogos estudam padrões sociais compartilhados por
um grande número de pessoas. O foco no grupo é um traço distintivo da sociologia.
Como escreveu há mais de meio século o sociólogo C. Wright Mills, se uma pessoa está

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desempregada e passando por dificuldades, isso é um problema pessoal dela, mas se mi-
lhares de pessoas estão desempregadas e passando por dificuldades, isso passa a ser
um problema social. Os sociólogos buscam as causas originais desses padrões sociais no
modo como a sociedade se organiza e é governada (Mills [1959] 2000a).
A sociologia é um campo de estudo extremamente amplo. Você irá deparar-se
ao longo deste livro com a imensa gama de tópicos investigados pelos sociólogos – da
tatua­gem à “tuitagem”, das turmas de rua aos padrões econômicos globais, da pressão
exercida pelos pares à consciência de classe. Os sociólogos observam como o seu com-
portamento é afetado pelos outros; como você é afetado pelo governo, pela religião e
pela economia; e como você afeta os outros. Não são questões meramente acadêmicas.
A sociologia é importante pois ilumina a sua vida e o seu mundo, quer você estude, tra-
balhe para ganhar dinheiro ou esteja criando uma família.
Este primeiro capítulo apresenta a sociologia como uma ciência social, caracteriza-
da por uma competência especial conhecida como imaginação sociológica. Iremos conhe-
cer quatro pensadores pioneiros – Émile Durkheim, Max Weber, Karl Marx e W. E. B. Du Bois
– e discutir os conceitos e as perspectivas teóricas que surgiram a partir de suas obras. Vere-
mos como os sociólogos usam o método científico para investigar as muitas interrogações
que suscitam. Os sociólogos pesquisam por meio de surveys, estudos etnográficos, experi-
mentos e consultas às fontes disponíveis; não raro, debatem-se com questões éticas que
surgem no decorrer de seus estudos. Examinaremos, no fim do capítulo, alguns usos práti-
cos das suas pesquisas.

O QUE É SOCIOLOGIA?
Sociologia é o estudo científico do comportamento social e dos grupos humanos.
Seu foco primordial é a influência dos relacionamentos sociais nos comportamen-
tos e atitudes das pessoas e na forma como as sociedades se estabelecem e se trans-
formam. Este livro aborda uma variedade de tópicos, como família, local de traba-
lho, gangues de rua, empresas, partidos políticos, engenharia genética, escolas, reli-
giões e sindicatos; e também lida com assuntos como amor, pobreza, conformidade,
discriminação, doença, tecnologia e comunidade.

A imaginação sociológica

Na tentativa de entender o comportamento social, os sociólogos recorrem a um


tipo singular de pensamento criativo. C. Wright Mills descreveu esse pensamento
como imaginação sociológica – uma ideia de como o indivíduo se relaciona com a
sociedade, tanto no presente quanto no passado. Tal ideia permite que cada um de
nós (e não apenas os sociólogos) entenda os vínculos entre o nosso contexto social
imediato e pessoal e o mundo social remoto e impessoal que nos cerca e ajuda a nos
moldar (Mills, [1959] 2000a).
Um elemento-chave da imaginação sociológica é a capacidade de olhar a nos-
sa sociedade de fora, como um estranho, em vez de olhá-la somente pelo prisma
das experiências pessoais e dos vieses culturais. Vejamos algo simples, como o há-
bito de comer em movimento. Nos Estados Unidos, as pessoas acham perfeitamen-

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te normal caminhar pela rua bebericando um café ou um chocolate. Os sociólo-


gos veriam aqui um padrão de comportamento aceitável, já que os outros o con-
sideram aceitável. Mas os sociólogos precisam extrapolar uma cultura e colocar a
prática­em perspectiva. Esse comportamento “normal” é assaz inaceitável em outras
partes­do mundo. No Japão, por exemplo, as pessoas não comem em movimento.
Há, por todo lado, ambulantes e máquinas que vendem comida e bebida, mas os ja-
poneses param para comer ou para beber aquilo que compraram antes de seguir ca-
minho. Para eles, comer e fazer outra atividade ao mesmo tempo é um desrespeito
com quem preparou a comida, mesmo quando ela é comprada em uma máquina.
A imaginação sociológica permite a extrapolação em cima de observações e
experiências pessoais a fim de entender questões públicas e de alcance mais geral.
O divórcio, por exemplo, é sem sombra de dúvida um drama pessoal para o casal
que se separa. No entanto, C. Wright Mills recomendava o uso da imaginação so-
ciológica para olhar o divórcio não como um simples problema pessoal de um ho-
mem ou de uma mulher, mas como uma questão social. Desse ponto de vista, a ele-
vação na taxa de divórcios serve para redefinir uma das principais instituições so-
ciais, a família. Nas famílias de hoje, é comum haver pais ou mães afins e meias-ir-
mãs ou meios-irmãos com pais que se divorciaram e casaram novamente. Por meio
das complexidades da família reconstituída, o drama privado torna-se uma ques-
tão pública que afeta escolas, empresas e instituições governamentais e religiosas.
A imaginação sociológica é uma ferramenta capacitadora. Ela nos permite su-
perar um entendimento restrito das coisas e olhar o mundo e as pessoas por uma
lente nova e mais poderosa do que a que usaríamos normalmente. Seja em algo
simples como o porquê de um companheiro de quarto preferir música country a
hip-hop, seja descortinando um modo inteiramente diferente de entender popula-
ções inteiras. Por exemplo, após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001,
nos Estados Unidos, muitos cidadãos buscaram entender como o país era percebido
pelos muçulmanos mundo afora, e o porquê de tais percepções. Aqui e ali, este livro
proporcionará a você a oportunidade de exercitar a sua imaginação sociológica nas
mais variadas situações. A começar por uma bem próxima a você.

A sociologia e as ciências sociais

Será a sociologia uma ciência? O termo ciência refere-se ao corpo de conhecimen-


tos obtido por métodos baseados na observação sistemática. Assim como fazem os
pesquisadores de outras disciplinas científicas, os sociólogos dedicam-se ao estudo
sistemático e organizado dos fenômenos (no caso, o comportamento humano) vi-
sando ao seu melhor entendimento. Todo cientista, esteja ele estudando cogume-
los ou facínoras, tenta reunir informações precisas, recorrendo a métodos de estu-
do objetivos. Ele o faz mediante o registro meticuloso das observações e da acumu-
lação de dados.
Naturalmente, há uma grande diferença entre a sociologia e a física, entre a psi-
cologia e a astronomia. Por isso, costuma-se dividir as ciências entre ciências naturais
e ciências sociais. Ciência natural é o estudo das características físicas da natureza e

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Us e a de suas interações e mudanças. Astronomia, biologia, quími-


s
ca, geologia e física são ciências naturais. Ciência social é o
ua
estudo dos variados aspectos da sociedade humana. Entre as
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ciên­cias sociais estão a sociologia, a antropologia, a economia,


a história, a psicologia e a ciência política.
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Todas essas disciplinas das ciências sociais têm um mes-


mo foco – o comportamento social das pessoas –, mas cada
Você desce a pé
uma rua da sua uma delas tem a sua orientação específica. Os economistas in-
cidade natal ou vestigam as formas pelas quais as pessoas produzem e trocam
da cidade onde bens e serviços e, paralelamente a isso, o dinheiro e outros
mora. Olha em
volta e não tem
recursos. Os historiadores se interessam pelos povos e acon-
como não notar tecimentos do passado e sua importância para a atualidade.
que pelo menos Os cientistas políticos estudam as relações internacionais, o
metade das pessoas funcionamento interno de governos e o exercício do poder e
ali está acima do
peso. Como você da autoridade. Os psicólogos investigam a personalidade e o
explica essa sua comportamento individuais. Qual é, então, o foco da sociolo-
observação? gia? A sociologia privilegia a influência da sociedade sobre as
Se você fosse
C. Wright Mills,
atitudes e o comportamento das pessoas e o modo com que as
que explicação pessoas moldam a sociedade. Os seres humanos são animais
você acha que sociais; os sociólogos fazem, portanto, o estudo científico dos
ele daria? nossos relacionamentos sociais.
Vejamos como os diferentes cientistas sociais estudariam o impacto da reces-
são global iniciada em 2008. Os historiadores sublinhariam o padrão de flutuações
prolongadas nos mercados mundiais. Os economistas discutiriam os papéis desem-
penhados pelo governo, pelo setor privado e pelo sistema monetário mundial.
Os psicólogos estudariam casos individuais de estresse emocional entre trabalha-
dores, investidores e empresários. Já os cientistas políticos estudariam o grau de co-
operação – ou de falta de cooperação – entre os países na busca de soluções eco-
nômicas. E qual seria a abordagem dos sociólogos? Eles talvez percebessem alguma
mudança dos padrões matrimoniais nos Estados Unidos. Desde o início da reces-
são, a idade média do primeiro casamento subiu para 28,7 anos entre os homens e
26,7 anos entre as mulheres. Os sociólogos talvez notassem também que o número
de pessoas subindo ao altar caiu em relação ao passado. Se a taxa de casamentos dos
Estados Unidos permanecesse igual à de 2006, cerca de 4 milhões a mais de norte-
-americanos teriam se casado até 2010.
De modo semelhante, os sociólogos poderiam avaliar o impacto da recessão
sobre a educação. Nos Estados Unidos, as matrículas da pré-escola à última série
do ensino médio em escolas privadas recuaram de 13,6% em 2006 para 12,8% em
2010, reflexo dos cortes nos gastos familiares considerados não essenciais. Os so-
ciólogos poderiam até levar em conta o efeito da recessão sobre ações ambientais,
como a carona solidária. Em todas as 50 maiores áreas metropolitanas dos Estados
Unidos, com exceção de uma (Nova Orleans), o percen­tual de pessoas economica-
mente ativas na faixa dos 16 aos 64 anos caiu significativamente durante a reces-
são. A demissão de amigos e de colegas de trabalho provocou uma retração da ca-

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rona solidária e mais gente voltou a usar o próprio carro para ir trabalhar (El Nas-
ser e Overberg, 2011).
Os sociólogos acionam a imaginação sociológica em diversos tópicos, como
gênero, família, ecologia humana e religião. Ao longo de todo este livro, você verá
como os sociólogos desenvolvem teorias e pesquisas para estudar e entender me-
lhor as sociedades e se sentirá estimulado a usar a sua própria imaginação socioló-
gica para examinar os Estados Unidos (e outras sociedades) pela perspectiva de um
observador respeitoso, mas questionador.

Sociologia e senso comum

A sociologia foca o estudo do comportamento humano. Ocorre, porém, que todos


temos experiência com o comportamento humano e pelo menos algum conheci-
mento a respeito do assunto. Todos nós poderíamos ter teorias sobre o que leva as
pessoas a comprar bilhetes de loteria, ou a morar na rua, por exemplo. As nossas te-
orias e opiniões são típicas emanações do “senso comum” – ou seja, das nossas ex-
periências e conversas, das nossas leituras, do que assistimos na televisão, e assim
por diante.
Recorremos diariamente ao senso comum para enfrentar muitas situações
com que não temos familiaridade. No entanto, este conhecimento derivado do
­senso comum, embora às vezes preciso, nem sempre é confiável, pois repousa so-
bre crenças comuns e não sobre a análise sistemática dos fatos. Já foi “senso co-
mum” aceitar a ideia de que a Terra era plana – visão devidamente questionada
por ­Pitágoras e Aristóteles. As noções incorretas atreladas ao senso comum não são
coisas de um passado remoto; elas nos acompanham até hoje.
Contrariando a máxima “O amor ao dinheiro é a raiz de todos os males”, os
sociólogos constataram que, na verdade, a riqueza propicia não só carros melhores
e férias prolongadas, mas também melhores condições de saúde e a redução da ex-
posição a todo tipo de poluição. “O amor é cego” é mais uma crença do senso co-
mum que não resiste a uma pesquisa sociológica sobre namoro e casamento. A es-
colha de um companheiro para a vida é normalmente limitada pelas expectativas
da sociedade e confinada a fronteiras definidas em decorrência da idade, do di-
nheiro, da educação, da etnia, da religião, até mesmo da estatura física. A flecha de
­Cupido dispara apenas em certas direções (Ruane e Cerulo, 2004).
Contrariando também a noção corriqueira de que as mulheres tendem a ser
mais falantes do que os homens, os pesquisadores constataram que há pouca di-
ferença entre os sexos no que tange à tagarelice. Depois de monitorar, ao longo de
cinco anos, 396 universitários de diversas áreas em campi tanto do México quanto
dos Estados Unidos mediante a instalação de microfones escondidos, a conclusão
foi de que tanto as mulheres quanto os homens falam cerca de 16 mil palavras por
dia (Mehl et al., 2007).
Nessa mesma linha, o senso comum alega que a violência criminal mantém
em sobressalto permanente as comunidades da fronteira entre Estados Unidos e
México, gerando um clima que faz lembrar o velho faroeste sem lei. A crer nas re-

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portagens dos noticiários televisivos e nas preocupações manifestadas por auto­


ridades eleitas em todo o Sudoeste dos Estados Unidos, parece uma alegação ra­
zoável; porém, não é verdadeira. Embora algumas comunidades do México tenham
sucumbido ao controle dos cartéis de drogas, a história no lado norte-americano
da fronteira é outra. Todos os dados disponíveis sobre criminalidade – inclusive
as ­taxas de assassinato, extorsão, roubo e sequestro, quer denunciados, quer docu-
mentados em levantamentos com vítimas – demonstram que, na zona fronteiriça
de mais de 1,5 quilômetro de largura que vai de San Diego, no sul da Califórnia, a
­Brownsville, no Texas, as taxas de criminalidade são significativamente inferiores às
de cidades norte-americanas de porte equivalente fora dessa área. Além disso, a taxa
de criminalidade vem caindo de modo mais acentuado junto à fronteira do que em
outras comunidades norte-americanas de porte semelhante, pelo menos nesses úl-
timos 15 anos (Gillum, 2011; Gomez et al., 2011).
Tal como os demais cientistas sociais, os sociólogos não reconhecem uma coi-
sa como fato pela mera razão de que “todo mundo sabe disso”. Muito pelo contrá-
rio, cada informação precisa ser testada e registrada e, depois, analisada em relação
a outros dados. Os sociólogos necessitam de estudos científicos para descrever e en-
tender um contexto social. Por vezes, suas constatações podem confundir-se com
o senso comum, pois dizem respeito a facetas conhecidas da vida cotidiana. A dife-
rença está no fato de serem constatações comprovadas por pesquisas. Hoje, o senso
comum afirma que a Terra é redonda. Contudo, este postulado específico do senso
comum está fundamentado em séculos de trabalho científico iniciado com as con-
tribuições seminais de Pitágoras e Aristóteles.

O QUE É TEORIA SOCIOLÓGICA?

Por que as pessoas cometem suicídio? Uma resposta clássica do senso comum é que
o desejo de se matar é hereditário. Outra resposta é que as manchas solares indu-
zem as pessoas a pôr fim à própria vida. Explicações talvez não muito convincentes
para os pesquisadores contemporâneos, mas que representam crenças vigentes até
pelo menos o ano de 1900.
O interesse dos sociólogos não está exatamente no motivo que leva alguém
a cometer suicídio, mas, sobretudo, na identificação das forças sociais sistemáticas
que levam algumas pessoas a tirarem a própria vida. Para realizar essa pesquisa, os
sociólogos desenvolvem uma teoria que propõe uma explicação geral para o com-
portamento suicida.
As teorias podem ser concebidas como tentativas de oferecer uma explica-
ção abrangente para acontecimentos, forças, materiais, ideias ou comportamentos.
Uma teoria eficaz pode ter, simultaneamente, o poder de explicar e o poder de pre-
ver. Ou seja, ela pode ajudar-nos a enxergar as relações entre fenômenos aparente-
mente isolados, e a perceber de que modo um tipo de mudança no contexto pode
acarretar outras mudanças.
A Organização Mundial da Saúde (2010) calcula que quase 1 milhão de pes-
soas comete suicídio a cada ano. Há mais de cem anos, um sociólogo tentou olhar,

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de forma científica, as estatísticas de suicídio. Émile Durkheim ([1897] 1951) elabo-


rou uma teoria extremamente original sobre a relação entre o suicídio e os fatores
sociais. Seu interesse primordial não era a personalidade do suicida, mas as taxas de
suicídio e a sua variação de um país para outro. Ele então comparou os números de
suicídios registrados na França, na Inglaterra e na Dinamarca, em 1869, com a po-
pulação total de cada país a fim de determinar a taxa de suicídios em cada um dos
três países. Constatou que, contra apenas 67 registros de suicídio por milhão de ha-
bitantes na Inglaterra, a França tinha 135 registros e a Dinamarca, 277. Cabia então
perguntar: “O que leva a Dinamarca a apresentar esta taxa comparativamente ele-
vada de registros de suicídios?”.
Durkheim investigou a fundo as taxas de suicídio, o que redundou na publica-
ção, em 1897, da sua obra seminal O suicídio. Rejeitando a aceitação automática de
quaisquer explicações não comprovadas para o suicídio, como as supostas relações
com forças cósmicas ou com a hereditariedade, Durkheim concentrou-se em proble-
mas como a coesão ou a falta de coesão de grupos religiosos, sociais e ocupacionais.
A pesquisa de Durkheim sugeria que o suicídio, a despeito de ser um ato so-
litário, está ligado à vida em grupo. As taxas de suicídio eram muito mais elevadas
entre os protestantes do que entre os católicos; entre os solteiros do que entre os ca-
sados; entre os soldados do que entre os civis. Pareciam também ser mais elevadas
em tempos de paz do que durante guerras e revoluções, e em épocas de instabilida-
de econômica e de recessão do que na prosperidade. Durkheim concluiu que a taxa
de suicídio de uma sociedade refletia até que ponto as pessoas estavam ou não inte-
gradas à vida em grupo da sociedade.
Émile Durkheim, assim como muitos outros cientistas sociais, formulou uma
teoria para explicar como o comportamento individual pode ser entendido no âm-
bito de um contexto social. Ele destacou a influência dos grupos e das forças sociais
no que sempre fora visto como um ato extremamente pessoal. Era óbvio que a ex-
plicação de Durkheim para as causas do suicídio era mais científica do que a das
manchas solares ou da hereditariedade. A teoria dele tem força preditiva, pois suge-
re que as taxas de suicídio vão subir e vão recuar em consonância com determina-
das mudanças sociais e econômicas.
Naturalmente, uma teoria – mesmo a melhor delas – não é uma afirmação
definitiva sobre o comportamento humano. A teoria do suicídio de Durkheim não
foge à regra. Os sociólogos seguem examinando fatores que contribuem tanto para
as discrepâncias entre as taxas de suicídio pelo mundo afora quanto para a taxa de
suicídio de uma determinada sociedade. Em Las Vegas, por exemplo, observou-se
que as probabilidades de morte por suicídio são extraordinariamente elevadas – o
dobro das taxas norte-americanas como um todo. Atentos ao relevo conferido por
Durkheim à correlação entre suicídio e isolamento social, os pesquisadores aventa-
ram que o rápido crescimento e o constante influxo turístico de Las Vegas minaram
a sensação de permanência da comunidade, até mesmo entre os antigos morado-
res. Muito embora o jogo – ou, mais precisamente, as perdas no jogo – possa pare-
cer um fator que propicia os suicídios na cidade, o estudo criterioso dos dados per-
mitiu aos pesquisadores descartar tal explicação. É possível que o que acontece em

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Us e a Las Vegas permaneça em Las Vegas, mas talvez esteja faltando


s
à cidade o senso de coesão comunitária desfrutado no restan-
ua
te do país (Wray et al., 2008, 2011).
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a O DESENVOLVIMENTO DA SOCIOLOGIA
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Digamos que você As questões sociológicas sempre despertaram curiosidade –


dê continuidade nossas relações com outras pessoas, como provemos nosso
à pesquisa de sustento, quem escolhemos como nossas lideranças. Os filó-
Durkheim sobre
o suicídio. Como sofos e as autoridades religiosas das sociedades da Antigui-
você investigaria dade e da Idade Média fizeram incontáveis observações so-
os fatores que bre o comportamento humano. Nem testaram, nem com-
poderiam explicar
o presente
provaram cientificamente as suas observações; mesmo assim,
aumento das taxas não raro, elas se tornaram os sustentáculos dos códigos mo-
de suicídio entre rais. Alguns dos primeiros filósofos sociais previram o even-
os jovens norte- tual surgi­mento de um estudo sistemático do comportamen-
americanos?
to humano. A partir do século XIX, teóricos europeus fizeram
contribuições pioneiras para o desenvolvimento de uma ciência do comportamen-
to humano.

Os primeiros pensadores: Comte, Martineau* e Spencer

O século XIX foi turbulento para a França. A revolução de 1789 havia deposto a
monarquia francesa, seguindo-se a derrota de Napoleão no seu ímpeto de conquis-
ta da Europa. Em meio ao caos, os filósofos pensavam em como seria possível me-
lhorar a sociedade. Auguste Comte (1798-1857), considerado o mais influente dos
filósofos do início do século XIX, acreditava que era preciso uma ciência teórica da
sociedade e uma investigação sistemática do comportamento para melhorar a so-
ciedade francesa. Foi ele quem cunhou o termo sociologia para designar a ciência do
comportamento humano.
Escrevendo no século XIX, Comte temia que os excessos da Revolução Fran-
cesa tivessem causado dano permanente à estabilidade da França. Esperava, porém,
que o estudo sistemático do comportamento social acabasse infundindo mais ra-
cionalidade às interações humanas. Para Comte, a sociologia ocupava o topo da
hierarquia das ciências. Na sua nomenclatura, a sociologia era a “rainha” e os seus
praticantes, “clérigos-cientistas”. O teórico francês, além de dar nome à sociologia,
ainda lançou um desafio assaz ambicioso para a incipiente disciplina.
Os especialistas tomaram conhecimento das obras de Comte por meio, so-
bretudo, das traduções da socióloga inglesa Harriet Martineau (1802-1876). Como
socióloga, Martineau foi uma desbravadora. Deixou observações perspicazes sobre

*N. de R.T.: Harriet Martineau (1802-1876): jornalista e ativista britânica considerada, nos
Estados Unidos, uma das fundadoras da sociologia.

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os costumes e as práticas sociais tanto na sua Inglaterra natal, quanto nos Estados
­Unidos. O seu livro Society in America (A sociedade na América) [(1837) 1962] exa-
mina a religião, a política, a criação dos filhos e a imigração na jovem nação. Esse li-
vro revolucionário dá atenção especial a distinções de classe social e a fatores como
gênero e raça. Martineau ([1838] 1989) também escreveu o primeiro livro sobre
métodos sociológicos.
Os escritos de Martineau ressaltaram o potencial impacto da economia, da
lei, do comércio, da saúde e da população sobre os problemas sociais. Ela defen-
deu abertamente os direitos das mulheres, a emancipação dos escravos e a tolerân-
cia religiosa. Mais para o fim da vida, a surdez não inibiu o seu ativismo. Na visão
de Martineau ([1837] 1962), pensadores e especialistas não deveriam contentar-se
com a mera observação das condições sociais; deveriam agir de acordo com suas
convicções para o bem da sociedade. Foi o que a levou a pesquisar a natureza do
emprego feminino e a sinalizar a necessidade de investigar a questão mais a fundo
(Deegan, 2003; Hill e Hoecker-Drysdale, 2001).
Outra contribuição importante à sociologia foi a de Herbert Spencer
­(1820-1903). Inglês, vitoriano, relativamente próspero, Spencer (ao contrário de
Martineau) não era movido pelo ímpeto de corrigir ou de melhorar a sociedade;
queria apenas entendê-la melhor. Inspirando-se no estudo A origem das espécies, de
Charles Darwin, aplicou o conceito de evolução das espécies às sociedades, com o
propósito de explicar suas mudanças, ou evoluções, ao longo do tempo. Do mesmo
modo, adaptou a visão evolucionista darwiniana da “sobrevivência do mais apto”
sob o argumento de que é “natural” que alguns sejam ricos e outros sejam pobres.
Spencer pôde testemunhar em vida a imensa popularidade alcançada por sua
abordagem sobre mudança social. Ao contrário de Comte, Spencer dava a enten-
der que, perante a inevitabilidade das mudanças sociais, é inútil adotar uma postu-
ra radicalmente crítica frente às disposições sociais vigentes ou trabalhar ativamen-
te pela mudança social. Esse ponto de vista agradou muita gente influente na In-
glaterra e nos Estados Unidos interessada em manter o status quo e ressabiada com
pensadores sociais que apoiavam a mudança.

Émile Durkheim

Já fizemos menção às múltiplas contribuições pioneiras de Émile Durkheim


­(1858-1917) à sociologia, incluindo a sua importante obra teórica sobre o suicídio.
Filho de um rabino, foi educado entre a França e a Alemanha. Construiu notável
reputação acadêmica e ocupou uma das primeiras cátedras de sociologia na Fran-
ça. Mais do que tudo, Durkheim será lembrado pela sua ênfase de que só é possível
entender o comportamento enquadrando-o em um contexto social mais amplo, e
não em termos meramente individualistas.
Vejamos um exemplo simples que ilustra essa ênfase. Durkheim ([1912] 2001)
desenvolveu uma tese fundamental que ajuda a entender todas as formas de socie-
dade. Investigando a fundo a tribo australiana dos Arunta, concentrou-se nas fun-
ções desempenhadas pela religião e sublinhou o papel determinante da vida em

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grupo ao definir o que entendemos como religião. Concluiu que a religião, assim
como outras formas de comportamento grupal, reforça a solidariedade do grupo.
Durkheim, como muitos sociólogos, não confinou seus interesses a um único
aspecto do comportamento social. Ao longo deste livro, examinaremos o seu pensa-
mento sobre crime e punição, sobre religião e sobre o local de trabalho. Poucos soció­
logos tiveram um impacto tão poderoso sobre tantas áreas diferentes da disciplina.

Max Weber

Outra figura de destaque entre os primeiros teóricos foi Max Weber. Nascido na Ale-
manha, em 1864, Weber estudou história jurídica e econômica, mas pouco a pouco
foi despertando para a sociologia. Mais tarde, tornou-se professor de várias univer-
sidades alemãs. Weber ensinava a seus alunos a necessidade de usar a Verstehen, ter-
mo alemão que significa “compreender”. Ressaltava a impossibili­dade de se analisar
boa parte do nosso comportamento social pelos mesmos critérios que medem o peso
ou a temperatura. Para entender plenamente o comportamento, precisamos conhe-
cer os significados subjetivos que as pessoas associam às suas próprias ações, ou seja,
o modo como elas enxergam e explicam o seu próprio comportamento.
Devemos ainda a Weber uma ferramenta-chave conceitual: o tipo ideal. O tipo
ideal é um construto, um modelo imaginário que funciona como parâmetro de
avaliação de casos reais. Nas suas obras, Weber identifica diversas características da
burocracia como do tipo ideal (ver Cap. 3 para uma discussão mais detalhada). Na
sua apresentação desse modelo da burocracia, Weber não retratou uma organização
específica, tampouco empregou o termo “ideal” no sentido de uma avaliação posi-
tiva. Buscou apenas propor um padrão útil para medir o grau de burocratização de
uma organização real (Gerth e Mills, 1958). Mais adiante, nos deteremos no concei-
to de tipo ideal aplicado à análise da burocracia e ao estudo da família, da religião,
da autoridade e dos sistemas econômicos.

Karl Marx

Karl Marx (1818-1883) compartilhou com Durkheim e Weber o duplo interesse


pelas questões filosóficas abstratas e pela realidade da vida cotidiana. Ao contrário
dos outros, Marx era tão crítico das instituições existentes que uma carreira acadê-
mica convencional lhe era inviável. Passou a maior parte da vida no exílio, longe da
sua Alemanha natal.
Sua vida pessoal foi difícil. Após ter um artigo seu censurado, foi para a França.­
Em Paris, conheceu Friedrich Engels (1820-1895), com quem teve uma amizade
para a vida inteira. Ambos viveram em uma época em que a vida econômica euro-
peia e norte-americana era cada vez mais dominada pela atividade industrial em
detrimento da agricultura.
Em 1847, em Londres, Marx e Engels participaram de reuniões secretas de
uma coalizão de sindicatos conhecida como Liga Comunista. No ano seguinte, re-
digiram uma plataforma intitulada “O manifesto comunista”, no qual argumentava
que as massas de pessoas destituídas de outros recursos que não o próprio trabalho

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Fundamentos de sociologia 11

(chamadas por eles de proletariado) deveriam se unir na luta para derrubar as so-
ciedades capitalistas.
Na análise de Marx, a sociedade dividia-se, fundamentalmente, em classes que
colidem na defesa dos seus próprios interesses. Ao analisar as sociedades industriais
da época, como Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos, Marx avaliou que a fábrica
era o centro do conflito entre os exploradores (donos dos meios de produção) e os
explorados (os trabalhadores). Marx via esses relacionamentos como sistemáticos;
em outras palavras, acreditava que havia todo um sistema de relacionamentos eco-
nômicos, sociais e políticos que mantinha o poder e o domínio dos proprietários
sobre os trabalhadores. Por isso, argumentavam Marx e Engels, a classe trabalhado-
ra precisava derrubar o sistema de classes vigente. A influência de Marx no pensa-
mento da época foi colossal. Seus escritos inspirariam as lideranças das futuras re-
voluções comunistas na Rússia, China, Cuba, Vietnã, entre outras.
A importância de Marx, mesmo que dissociada das revoluções políticas fo-
mentadas por sua obra, foi profunda. Ele enfatizou as associações e identificações
de grupo que afetam a posição do indivíduo na sociedade, o que vem a ser o prin-
cipal foco da sociologia contemporânea. Ao longo deste livro, veremos como a filia-
ção a determinada classificação de gênero, faixa etária, grupo racial ou classe econô-
mica afeta as atitudes e o comportamento de uma pessoa. Com a devida importân-
cia, podemos acompanhar os desdobramentos desse modo de entender a sociedade
a partir da obra pioneira de Karl Marx.

W. E. B. Du Bois*

A obra de Marx estimulou os sociólogos a ver a sociedade pela ótica dos segmentos
da população que raramente influem na tomada de decisões. Nos Estados Unidos,
alguns dos primeiros sociólogos negros, como W. E. B. Du Bois (1868-1963), em-
preenderam pesquisas na esperança de contribuir na luta por uma sociedade racial-
mente igualitária. Du Bois acreditava que o conhecimento era essencial para com-
bater o preconceito e para obter tolerância e justiça. Insistia que os sociólogos pre-
cisavam aplicar os princípios científicos ao estudo de problemas sociais como os
vivenciados pelos negros nos Estados Unidos. Para distinguir a opinião do fato, de-
fendia que a vida dos negros fosse objeto de uma pesquisa básica. Deixou uma im-
portantíssima contribuição à sociologia com seus estudos sobre a vida urbana, tanto
dos brancos quanto dos negros, em cidades como Filadélfia e Atlanta ([1899] 1995).
Assim como Durkheim e Weber, Du Bois percebeu a importância da religião
para a sociedade. No entanto, tendeu a focar a religião pelo viés da comunidade e do
papel da igreja na vida dos fiéis ([1903] 2003). Du Bois tinha pouca paciência para
teóricos como Herbert Spencer, aparentemente satisfeito com o status quo. Acredi-
tava que a concessão de plenos direitos políticos aos negros era essencial para o pro-
gresso social e econômico.

*N. de R.T.: W. E. B. Du Bois (1868-1963): ativista social e sociólogo norte-americano que


conduziu importantes investigações empíricas sobre a condição dos negros nos Estados Unidos.

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12 Richard T. Schaefer

Como boa parte das suas ideias questionava o status quo, Du Bois não teve re-
ceptividade nem na esfera do governo, nem no mundo acadêmico. Isso o levou a
um crescente envolvimento com organizações que questionavam a ordem social es-
tabelecida. Em 1909, ajudou a fundar a National Association for the Advancement
of Colored People (Associação Nacional pelo Progresso das Pessoas de Cor), hoje
mais conhecida pela sigla em inglês NAACP (Wortham, 2008).
Os insights de Du Bois revelaram-se duradouros. Em 1897, ele cunhou a ex-
pressão dupla consciência para referir-se à cisão da identidade de um indivíduo en-
tre duas ou mais realidades sociais. Usou o termo para descrever a experiência de
ser negro em uma América de brancos. Hoje, os pais afro-americanos podem di-
zer a seus filhos que nada os impede de se tornar presidente dos Estados Unidos, a
pessoa mais poderosa do país. Mas, para milhões de afro-americanos, ser negro nos
­Estados Unidos não configura uma realidade típica de poder ([1903] 1961).

Desdobramentos modernos

O atual desenvolvimento da sociologia nos Estados Unidos apoia-se nas sólidas raízes
estabelecidas por Émile Durkheim, Max Weber, Karl Marx e W. E. B. Du Bois, mas isso
não significa que, nestes últimos cem anos, a disciplina tenha permanecido estagnada.­
A despeito das continuadas contribuições europeias, sociólogos do mundo inteiro,
principalmente dos Estados Unidos, fizeram a teoria e a pesquisa sociológica avançarem.
Com seus novos insights, nos ajudaram a entender melhor o funcionamento da sociedade.
Charles Horton Cooley. Charles Horton Cooley (1864-1929) é um representante
típico dos sociólogos que se destacaram no início do século XX. Nascido em Ann
Arbor, Estado de Michigan, Cooley formou-se em Economia antes de se tornar pro-
fessor de sociologia da University of Michigan. Como ocorreu com outros repre-
sentantes dos primórdios da sociologia, o seu interesse pela “nova” disciplina des-
pertou quando cursava uma área afim.
Cooley compartilhava com Durkheim, Weber, W. E. B. Du Bois e Marx o dese-
jo de ampliar os seus conhecimentos sobre a sociedade. Mas, a bem da eficácia, op-
tou por aplicar a perspectiva sociológica à análise preliminar de unidades mais res-
tritas, ou seja, de grupos mais pessoais e íntimos, como famílias, gangues e redes de
amizades. Ali estavam as sementeiras da sociedade, que moldavam ideais, crenças,
valores e a índole social das pessoas. A obra de Cooley ampliou a nossa compreen-
são sobre grupos de porte relativamente pequeno.
Jane Addams. No início do século XX, muitos dos principais sociólogos dos Esta-
dos Unidos eram reformistas sociais voltados para o estudo sistemático e o subse-
quente aperfeiçoamento de uma sociedade corrupta. Nutriam uma preocupação
genuína com a vida dos imigrantes nos centros urbanos em crescimento dos Esta-
dos Unidos – quer aqueles chegados da Europa, quer aqueles do Sul agrário do país.
As primeiras sociólogas costumavam militar nas áreas urbanas pobres à frente de
centros comunitários conhecidos como settlement houses (residências sociais). Foi o

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Fundamentos de sociologia 13

caso de Jane Addams (1860-1935), filiada à American Sociological Society e cofun-


dadora da célebre Hull House, em Chicago.
Addams e outras sociólogas pioneiras costumavam alinhar a investigação in-
telectual, a assistência social e o ativismo político, buscando apoiar os desprivilegia-
dos e criar uma sociedade mais igualitária. Em colaboração com a jornalista e edu-
cadora negra Ida Wells-Barnett, Addams conseguiu, por exemplo, barrar a segre­
gação racial nas escolas públicas de Chicago. Seu empenho para instituir um siste-
ma judicial juvenil e um sindicato de mulheres também sinaliza o foco pragmáti-
co de seu trabalho (Addams, 1910, 1930; Deegan, 1991; Lengermann e Niebrugge-
-Brantley, 1998).
Em meados do século XX, porém, o eixo da disciplina já havia mudado de di-
reção. A maioria dos sociólogos limitava-se a teorizar e a reunir informações; o ob-
jetivo de transformar a sociedade cabia agora aos assistentes sociais, entre outros.
O progressivo descaso com a reforma social foi acompanhado da crescente adesão a
métodos de pesquisa científicos que pregavam a neutralidade na interpretação dos
dados. Nem todos os sociólogos gostaram desse viés. Em 1950, criou-se uma nova
organização, a Society for the Study of Social Problems, no intuito de lidar, de for-
ma mais direta, com a desigualdade social, entre outras mazelas sociais.
Robert Merton. O sociólogo Robert Merton (1910-2003), nascido na Filadélfia e fi-
lho de um casal de imigrantes eslavos, contribuiu com a sua bem-sucedida conju-
gação da teoria com a pesquisa. Beneficiado com uma bolsa de estudos da Temple
University, deu continuidade a seus estudos em Harvard, onde desenvolveu um in-
teresse pela sociologia que perduraria pelo resto de sua vida. Merton construiu sua
carreira docente vinculado à Columbia University.
Ele elaborou uma teoria que está entre as explicações mais citadas para o
comportamento desviante, ao observar as diferentes formas com que as pessoas
tentam obter sucesso na vida. Na visão de Merton, algumas pessoas podem desviar-
-se ou da meta socialmente pactuada de acúmulo de bens materiais, ou do modo
socialmente aceito para se alcançar essa meta. Por exemplo, no esquema classifica-
tório de Merton, os “inovadores” são pessoas que aceitam a meta de buscar riqueza
material, mas o fazem por meios ilegais, por meio do roubo, do furto e da extorsão.
Ele baseou a sua explicação para o crime no comportamento individual, influencia-
do por metas e meios aceitos pela sociedade. Mas tal explicação tem aplicações mais
amplas: ela ajuda a esclarecer as altas taxas de criminalidade em bolsões de pobreza
do país, visto que os pobres talvez não alimentem esperanças de que possam subir
na vida por meio das vias tradicionais. O Capítulo 4 traz uma discussão mais deta-
lhada da teoria de Merton.
Ele também salientou que os sociólogos deveriam esforçar-se para articular
as abordagens “macro” e “micro” do estudo sociológico. A macrossociologia privi-
legia fenômenos de larga escala ou civilizações inteiras – o estudo transcultural do
suicídio, elaborado por Durkheim, é um exemplo de análise macro. Já a microsso-
ciologia privilegia pequenos grupos e faz uso frequente de meios experimentais.
As investigações no nível micro são especialmente úteis para sociólogos que estu-

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14 Richard T. Schaefer

dam formas cotidianas de interação social, como os contatos de rotina no empre-


go e em lugares públicos.
Pierre Bourdieu. Os pensadores dos Estados Unidos inspiram-se cada vez mais
nos insights de sociólogos de outros países. As ideias do sociólogo francês Pierre
Bourdieu (1930-2002) atraíram incontáveis adeptos na América do Norte e em ou-
tros lugares do mundo. Quando era jovem, Bourdieu fez trabalho de campo na Ar-
gélia durante a guerra de independência contra a França. Os atuais pensadores de-
bruçam-se sobre as técnicas experimentais e sobre as conclusões de Bourdieu.
Bourdieu escreveu sobre a maneira como o capital, nas suas múltiplas for-
mas, contribui para a reprodução social, pois, além de englobar os bens mate-
riais, engloba também os ativos culturais e sociais. Por capital cultural, entende-
-se bens não econômicos, como “berço” e educação, que se refletem nos conheci-
mentos linguístico e artístico. O capital cultural, que não necessariamente está as-
sociado ao conhecimento luvisco, diz respeito ao tipo de educação que a elite so-
cial preza. Por exemplo, o conhecimento da culinária chinesa é cultura, mas não
do tipo valorizado pela elite. Nos Estados Unidos, os imigrantes – especialmente
os que chegaram em grandes levas e radicaram-se em enclaves étnicos – levaram,
em geral, duas ou três gerações para atingir o nível de capital cultural desfruta-
do por grupos mais estabelecidos. Em termos comparativos, o capital social su-
bentende o benefício coletivo das redes sociais, construídas com base na confian-
ça mútua. Há uma extensa bibliografia sobre a importância das redes familiares
e das redes de amizades na criação de oportunidades de progresso para as pesso-
as. Com a sua ênfase sobre o capital social e cultural, o trabalho de Bourdieu ex-
pande os insights de pensadores sociais seminais como Durkheim, Marx e Weber
(Bourdieu e Passerson, 1990; Field, 2008).
Hoje, a sociologia reflete a diversidade das contribuições dos teóricos do pas-
sado. Ao abordar tópicos como divórcio, vício em drogas ou cultos religiosos, os
sociólogos podem buscar subsídios nos insights teó­ricos dos pioneiros da discipli-
na. Um leitor atento pode perceber as vozes de Comte, Durkheim, Weber, Marx,
­DuBois, Cooley, Addams, entre muitos outros, nas páginas das pesquisas em cur-
so atual­mente. A sociologia extrapolou também as fronteiras intelectuais da Améri-
ca do Norte e da Europa, contando agora com contribuições de sociólogos que es-
tudam e pesquisam o comportamento humano em outras partes do mundo. Para
descrever o trabalho dos atuais sociólogos, vale a pena examinarmos uma série de
abordagens (também ditas perspectivas) teóricas influentes.

AS PRINCIPAIS PERSPECTIVAS TEÓRICAS

Os sociólogos têm visões diferentes da sociedade. Alguns veem o mundo social


como uma entidade fundamentalmente estável e contínua. Deslumbram-se com a
resiliência da família, com a religião organizada e com outras instituições sociais.
Outros veem a sociedade como uma série de grupos em conflito disputando recur-

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Fundamentos de sociologia 15

sos escassos. Para outros, ainda, os aspectos mais fascinantes do mundo social são
as interações individuais cotidianas, que tantas vezes nos soam banais. Essas são as
três visões mais correntes na sociologia e correspondem às perspectivas funciona-
lista, do conflito e interacionista. Em conjunto, elas representam um panorama in-
trodutório da disciplina.

A perspectiva funcionalista

Imaginemos a sociedade como um organismo vivo cuja sobrevivência depende da


contribuição de cada uma de suas partes. Esta é a visão da perspectiva funcionalista
(também chamada de abordagem estrutural funcionalista). A perspectiva funcionalis-
ta privilegia o modo como as partes da sociedade estruturam-se para manter a esta-
bilidade social. Ao examinar qualquer aspecto da sociedade, pois, os funcionalistas
enfatizavam a contribuição desse aspecto para a estabilidade social como um todo.
Vejamos como os funcionalistas avaliariam os efeitos de uma catástrofe am-
biental como o vazamento de óleo no Golfo do México. A calamidade teve início
em abril de 2010 com uma monumental explosão em uma plataforma de perfu-
ração da British Petrolium Deepwater Horizon (BP), seguida de um incêndio de-
vastador. Onze trabalhadores morreram na explosão. Moradores do litoral sul dos
­Estados Unidos assistiram impotentes às repetidas e frustradas tentativas da BP de
vedar o poço danificado. Embora a plataforma estivesse localizada em águas extre-
mamente profundas e muito longe da costa, o vazamento de óleo não tardou a atin-
gir as praias dos estados do Alabama, Louisiana, Mississipi, Flórida e Texas. Com
as fotos de aves encharcadas de óleo e de praias imundas divulgadas maciçamen-
te nos noticiários, os setores de turismo e de frutos do mar entraram em colapso e
milhares de pessoas ficaram desempregadas da noite para o dia. Os Estados Unidos
não enfrentavam um vazamento de óleo tão devastador desde o episódio do Exxon
­Valdez, encalhado na costa do Alasca duas décadas antes.
Na avaliação dos efeitos do vazamento, os funcionalistas destacariam a fun-
ção de apoio solidário da sociedade. Sublinhariam a assistência material e espiritu-
al prestada por igrejas e instituições filantrópicas às pessoas afetadas pela catástro-
fe. Talvez ressaltassem ainda o pleno emprego em determinadas ocupações, como
a fabricação de barreiras de contenção, a despeito da escassez de empregos em ou-
tros setores. Mesmo apreensivos quanto à segurança da perfuração de poços de pe-
tróleo em alto mar, eles não se espantariam com a forte oposição do governador de
Louisiana à moratória para o setor – que, afinal, fazia parte da economia do Golfo
do México –, e talvez previssem que o movimento ambiental se revitalizaria, como
acontecera na década de 1990 após os incêndios que devastaram o Parque Nacional
de Everglades, na Flórida.
O sociólogo Talcott Parsons (1902-1979), da universidade de Harvard, foi
figura-chave no desenvolvimento da teoria funcionalista. Parsons sofrera forte in-
fluência da obra de Émile Durkheim, de Max Weber e de outros sociólogos euro-
peus. Por mais de quatro décadas, Parsons e a sua defesa do funcionalismo domi-

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16 Richard T. Schaefer

naram a sociologia dos Estados Unidos. Na sua visão, qualquer sociedade era uma
vasta rede de peças interligadas, cada uma delas contribuindo para manter o siste-
ma como um todo. Segundo a abordagem funcionalista, se um aspecto da vida so-
cial não contribuir para a estabilidade ou para a sobrevivência de uma sociedade –
se não cumprir alguma função de utilidade identificável ou não promover consen-
so de valor entre os membros de uma sociedade –, ele não será repassado de gera-
ção em geração (Joas e Knobl, 2009; Knudsen, 2010).
Disfunções. Os funcionalistas admitem que nem todas as peças da sociedade con-
tribuem o tempo todo para a sua estabilidade. Por disfunção, entende-se um ele-
mento ou um processo da sociedade efetivamente capaz de abalar o sistema social
ou minar a sua estabilidade.
Muitos padrões de comportamento disfuncionais, como o homicídio, são ti-
dos como indesejáveis. Contudo, não convém aplicar essa interpretação de manei-
ra automática. A avaliação de uma disfunção depende dos valores de cada pessoa,
ou, como se diz, “da cadeira que cada um ocupa”. Por exemplo: a visão existente nas
prisões americanas é que seria mais prático acabar com as gangues de detentos, pois
elas são disfuncionais para a tranquilidade operacional. Mas, na verdade, alguns
guardas passaram a encarar as gangues de detentos como um componente funcio-
nal de seu cargo. O perigo que elas representam cria uma “ameaça à segurança” que
exige reforço na vigilância e um maior número de horas extras dos carcereiros, além
de demandar quadros especiais para cuidar dos problemas ocasionados pelas gan-
gues (G. Scott, 2001).
Função manifesta e função latente. O catálogo de uma universidade costuma enu-
merar as diversas funções da instituição. Ele talvez informe, por exemplo, que a uni-
versidade pretende “proporcionar a cada aluno uma formação abrangente no pen-
samento clássico e contemporâneo, nas humanidades, nas ciências e nas artes”. Mas
seria quase um escândalo deparar-se com um catálogo que declarasse: “Esta univer-
sidade foi fundada em 1895 para ajudar as pessoas a acharem um bom partido”. Ca-
tálogo algum fará afirmação semelhante. No entanto, as instituições sociais cum-
prem múltiplas funções – algumas delas bastante sutis. A universidade, de fato, fa-
cilita a escolha de um companheiro.
Robert Merton (1968) estabeleceu uma importante distinção entre função
manifesta e função latente. As funções manifestas das instituições são conscientes,
declaradas, explícitas. Elas envolvem as consequências intencionais e reconhecidas
de um aspecto da sociedade, como o papel da universidade em atestar a competên-
cia e a excelência acadêmica. As funções latentes, pelo contrário, são inconscien-
tes ou não intencionais, e talvez reflitam propósitos ocultos da instituição. Uma das
funções latentes das universidades é servir de ponto de encontro para quem está in-
teressado em arranjar um parceiro.

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Fundamentos de sociologia 17

A perspectiva do conflito
Contrariando a ênfase dos funcionalistas na estabilidade e no consenso, os soció-
logos do conflito veem o mundo social como um embate contínuo. Os proponen-
tes da perspectiva do conflito postulam que o melhor entendimento do compor-
tamento social se faz da tensão entre grupos pelo poder ou pela distribuição de re-
cursos, como habitação, dinheiro, acesso aos serviços e representação política. Esse
conflito não é necessariamente violento, podendo assumir configurações como ne-
gociações trabalhistas, política partidária, disputa de grupos religiosos pelos fiéis ou
competição pelo orçamento federal.
A partir dessa concepção acerca da ordem social, os teóricos do conflito abor-
dariam o vazamento do Golfo do México privilegiando a coerção e a exploração
subjacentes às relações entre a indústria petrolífera e as comunidades do Golfo.
A indústria petrolífera, salientariam, enquadra-se no ramo dos altos negócios, em
que os lucros têm primazia sobre a saúde e a segurança dos trabalhadores. Os teó­
ricos do conflito também destacariam o efeito – tão comumente negligenciado –
do vazamento sobre as minorias que vivem em comunidades do interior, inclusi-
ve norte-americanos de origem vietnamita, norte-americanos de origem indígena e
afro-americanos. Esses grupos, que viviam uma existência marginal antes do vaza-
mento, enfrentaram dificuldades econômicas relevantes após o vazamento. Por fim,
os teóricos do conflito observariam que, apesar da tendência dos noticiários a dar
maior destaque a vazamentos de óleo que afetam países industriais ricos, os pio-
res vazamentos muitas vezes atingem comunidades de países em desenvolvimento,
e, portanto, menos favorecidos, como a Nigéria. Durante a maior parte do século
XX, os defensores da perspectiva funcionalista levaram a melhor entre os sociólo-
gos norte-americanos. Porém, o poder de convencimento dos proponentes da abor-
dagem do conflito vem crescendo desde o fim da década de 1960. A agitação social
generalizada resultante dos confrontos em torno dos direitos civis, das acirradas di-
vergências acerca da guerra do Vietnã, da ascensão do movimento feminista e do
movimento em prol das liberdades dos gays, do escândalo de Watergate, dos que-
bra-quebras urbanos, dos tumultos em clínicas de aborto e das minguantes pers-
pectivas econômicas da classe média tem dado sustentação à abordagem do confli-
to – a visão de que o nosso mundo social caracteriza-se pelo embate contínuo en-
tre grupos rivais. Atualmente, os sociólogos aceitam a teoria do conflito como um
meio válido de sondar as entranhas da sociedade.
A visão marxista. Como observamos anteriormente, Karl Marx via a luta das clas-
ses sociais como inevitável face à exploração dos trabalhadores no capitalismo. Pro-
blematizando as concepções de Marx, sociólogos e outros cientistas sociais passa-
ram a ver no conflito não apenas um mero fenômeno de classes, mas um compo-
nente da existência cotidiana em todas as sociedades. Ao estudar qualquer cultura,

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18 Richard T. Schaefer

organização ou grupo social, os sociólogos querem saber quem ganha, quem sofre e
quem domina à custa dos outros. Interessam-se pelos conflitos entre homens e mu-
lheres, pais e filhos, cidades e periferias, brancos e negros, entre inúmeros outros.
Os teóricos do conflito interessam-se pela forma como as instituições da sociedade
– inclusive a família, o governo, a religião, a educação e os meios de comunicação –
contribuem para preservar os privilégios de alguns grupos e manter outros em po-
sição subalterna. A ênfase na mudança social e na redistribuição dos recursos con-
fere aos teóricos do conflito um perfil mais “radical” e “ativista” quando compara-
dos aos funcionalistas (Dahrendorf, 1959).
A perspectiva feminista. A despeito da sua longa tradição em várias outras disci-
plinas, a perspectiva feminista começou a ser adotada pelos sociólogos na década
de 1970. Os proponentes da perspectiva feminista veem a desigualdade baseada no
gênero como eixo de todo comportamento e de toda organização. Por enfocar um
único aspecto da desigualdade, essa perspectiva é associada à perspectiva do con-
flito. Mas, ao contrário dos teóricos do conflito e dos interacionistas, os adeptos da
perspectiva feminista tendem a privilegiar as relações do dia a dia. Bebendo na obra
de Marx e Engels, muitas teóricas feministas veem a subordinação das mulheres
como inerente às sociedades capitalistas. Algumas teóricas, porém, consideram que
a opressão das mulheres é inevitável em toda sociedade dominada pelos homens,
seja ela capitalista, socialista ou comunista.
Um dos primeiros exemplos da perspectiva feminista (muitíssimo anterior
à adoção deste rótulo pelos sociólogos) está na vida e nos escritos de Ida Wells-­
-Barnett (1862-1931). Seguindo suas revolucionárias publicações na década de 1890
sobre a prática de linchamento de norte-americanos negros, Wells-Barnett aderiu
à campanha pelos direitos das mulheres, especialmente à luta pelo direito ao voto
feminino. Assim como os teóricos feministas que a sucederam, usou a sua análise
da sociedade como ferramenta de resistência à opressão. Pesquisou o que signifi-
cava ser mulher e negra nos Estados Unidos (Giddings, 2008; Wells-Barnett, 1970).
A produção intelectual feminista expandiu o nosso entendimento sobre o
comportamento social ao extrapolar a análise para além do ponto de vista masculi-
no. Vejamos, por exemplo, os esportes. As teóricas feministas estudam como assistir
a esportes ou participar de esportes reforça os papéis desempenhados por homens
e por mulheres no contexto mais amplo da sociedade:
• Embora normalmente promovam a boa forma física e a saúde, os esportes tam-
bém podem ter consequências nocivas para os praticantes. Os homens são mais
propensos a recorrer ao uso de esteroides ilegais (p. ex., fisiculturistas e joga-
dores de beisebol); as mulheres, a dietas exageradas (p. ex., ginastas e patina-
doras artísticas).
• As expectativas de gênero estimulam as atletas a serem passivas e delicadas, qua-
lidades incompatíveis com a competitividade inerente aos esportes. Consequen-
temente, é difícil para as mulheres competir em esportes tradicionalmente domi-
nados por homens, como a Fórmula Indy ou a Nascar.

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Fundamentos de sociologia 19

• A despeito do aumento dos valores pagos às atletas profissionais, eles normal-


mente não se equiparam aos valores pagos aos atletas homens.
Us e a
s
A perspectiva interacionista

ua
i m a g in aç
A interação com colegas no local de trabalho, os encontros
em lugares públicos, como pontos de ônibus e parques, o o a
s o c io l ó g i c

ã
comportamento em pequenos grupos, todos esses são aspec-
tos da microssociologia que capturam a atenção dos intera- Você é um(a)
cionistas. Ao contrário dos funcionalistas e dos teóricos do sociólogo(a) que
conflito, que analisam padrões de comportamento de toda usa a perspectiva
uma sociedade, os proponentes da perspectiva interacionis- do conflito para
estudar diversos
ta generalizam formas corriqueiras de interação social bus- aspectos da nossa
cando um entendimento da sociedade como um todo. Peran- sociedade. Como
te a crescente apreensão frente ao custo e à disponibilidade você interpretaria
a prática da
da gasolina, os interacionistas começaram a investigar uma prostituição?
nova forma de comportamento dos commuters (“migrantes Contraponha essa
diários”, em tradução livre), conhecida como “slugging” (de visão à perspectiva
slug, ou “lesma”, em português). Trata-se de um tipo de ca- funcionalista. Você
acha que os seus
rona solidária em que, para poder dispensar o carro na ida comentários seriam
ao trabalho, os commuters reúnem-se em locais predetermi- outros se você
nados para pegarem carona com pessoas totalmente estra- adotasse a visão
nhas. Quando um carro encosta em um estacionamento ou feminista? sentido?
Em que

em um terreno baldio e o motorista anuncia seu destino, o


primeiro da fila de caronas que está indo para a mesma direção entra no carro.
­Regras de etiqueta foram criadas para facilitar a interação entre motorista e ca-
rona: nem um nem o outro pode comer ou fumar; o carona não pode ajustar as
janelas ou o rádio, tampouco falar ao celular. Levando os caronas, que viajam de
graça, o motorista pode ter direito a trafegar pelas faixas seletivas reservadas ao
transporte coletivo (Slug-Lines.com, 2011).
Em seus estudos sobre a ordem social, os interacionistas dão especial relevo às
percepções compartilhadas do comportamento cotidiano. Uma análise interacio-
nista do vazamento de óleo no Golfo do México focalizaria o nível micro, ou seja, a
forma como o vazamento moldou os relacionamentos pessoais e o comportamen-
to social cotidiano. As horas difíceis, por exemplo, costumam estreitar os vínculos
entre vizinhos e familiares, que dependem do apoio recíproco. Mas, por outro lado,
os acontecimentos estressantes podem propiciar rupturas sociais, como o divórcio
ou o suicídio. Observações nessa linha foram feitas duas décadas atrás, após o vaza-
mento de óleo do Exxon Valdez.
A abordagem funcionalista e a abordagem do conflito surgiram na Europa,
mas o interacionismo nasceu nos Estados Unidos. George Herbert Mead (1863-1931)
é considerado o fundador da perspectiva interacionista. Mead lecionou na Uni-

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20 Richard T. Schaefer

versity of Chicago de 1893 até sua morte. Sua análise sociológica, assim como a de
Charles Horton Cooley, focava as interações humanas em situações de contato in-
dividual e em pequenos grupos. Mead queria observar as formas de comunicação
mais ínfimas – como sorrir, franzir o cenho, balançar de leve a cabeça em sinal de
assentimento – e entender como esse comportamento individual era afetado pelo
contexto mais amplo de um grupo ou de uma sociedade. A despeito das suas vi-
sões inovadoras, Mead raramente escrevia artigos e jamais escreveu um livro. Era
um professor extremamente popular; a maioria de seus insights chegou até nós por
meio de palestras suas editadas e publicadas pelos seus alunos após a sua morte.
O interacionismo é um enquadramento sociológico em que os seres huma-
nos são vistos habitando um mundo de objetos investidos de significado. Tais
“objetos” incluem coisas materiais, ações, outras pessoas, relacionamentos, e até
mesmo símbolos. A perspectiva interacionista é também chamada de perspectiva
interacionista simbólica, pois nela os símbolos são vistos como uma peça extrema-
mente importante da comunicação humana. Os símbolos carregam significados
sociais compartilhados, normalmente reconhecidos por to-
Us e a dos os membros de uma sociedade. Por exemplo, um aceno
s é um sinal de respeito, ao passo que um punho cerrado é um
ua

símbolo de desafio.
i m a g in aç

Diferentes culturas podem usar símbolos diferentes para


transmitir uma mesma ideia. Vejamos, por exemplo, as diferen-
o a
s o c io l ó g i c tes mímicas com que diferentes sociedades denotam o suicí-
ã

dio sem recorrer a palavras: nos Estados Unidos, aponta-se um


Quais símbolos,
em sua faculdade
dedo para a cabeça (tiro); no Japão urbano, leva-se o punho
ou universidade, fechado ao estômago (apunhalamento); e na tribo dos South
têm um significado Fore, de Papua Nova Guiné, aperta-se a garganta com a mão
especial para os (enforcamento). Essas interações simbólicas são classificadas
estudantes?
como formas de comunicação não verbal, ao lado de vários ou-
tros gestos, expressões faciais e posturas (Masuda et al., 2008).

A abordagem sociológica

Que perspectiva deveria um sociólogo aplicar ao estudar o comportamento hu-


mano – a funcionalista, a do conflito, a interacionista ou a feminista? A despeito
das suas diferenças, os proponentes desses pontos de vista têm muito em comum.
­Todos concordariam, por exemplo, que as catástrofes são temas dignos de investi-
gação. Todos admitiriam que há muito mais coisas a desvendar a respeito do vaza-
mento de óleo no Golfo do México do que uma única perspectiva teórica é capaz de
abordar. Na verdade, os sociólogos recorrem a todas as perspectivas apresentadas na
Tabela 1.1, pois cada uma delas propicia diferentes insights sobre uma mesma ques-
tão. A compreensão mais abrangente possível da nossa sociedade pode, pois, mes-

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Fundamentos de sociologia 21

Tabela 1.1  Comparação entre as principais perspectivas teóricas


Mapeando as perspectivas

Funcionalista Conflito Interacionista Feminista


Visão É estável e Caracteriza-se Atua no sentido de Caracteriza-se pela
sobre a integrada pela tensão e influenciar e de afetar desigualdade de
sociedade disputa entre a interação social gênero, que tem
os grupos cotidiana causas e soluções
variadas
Sobre o As pessoas são As pessoas são As pessoas As pessoas diferem
indivíduo socializadas moldadas pelo manipulam símbolos conforme a sua
para desem- poder, pela e criam o seu mundo classe social, raça,
penhar funções coerção e pela social por meio da etnia, idade,
na sociedade autoridade interação orientação sexual
e capacidade física.
Sobre a É mantida pela É mantida pela É mantida pelo É mantida por
ordem cooperação e força e pela entendimento visões que excluem
social pelo consenso coerção compartilhado do a mulher
comportamento
cotidiano
Sobre a A mudança é A mudança é Tem reflexos na É essencial para
mudança previsível e ininterrupta posição social das promover a
social fortalecedora e pode ter pessoas e na sua igualdade
consequências comunicação com
positivas os outros
Exemplo As punições As leis fortalecem As pessoas respeitam É preciso acabar
públicas a posição dos ou desrespeitam as com a violência
fortalecem a ocupantes do leis com base na doméstica, o estupro
ordem social poder sua experiência e a desigualdade
pregressa econômica

clar subsídios extraídos de todas as principais abordagens, observando-se atenta-


mente os pontos em que elas se superpõem e os pontos em que divergem.
Embora não exista uma abordagem “correta”, e os sociólogos bebam em to-
das elas para fins variados, muitos deles tendem a privilegiar uma determinada
­perspectiva em relação às demais. A orientação teórica de um sociólogo influen-
cia a sua abordagem de modo importante. A escolha do que estudar, como fazê-
-lo e que questões levantar (ou não levantar) pode ser afetada pela orientação te-
órica do p­ esquisador. No próximo item deste capítulo, veremos como os sociólo-
gos adaptaram o método à sua disciplina e como esse método é aplicado em sur-
veys, estudos de caso e experimentos, sem esquecer que, mesmo obedecendo com
todo rigor o passo a passo completo do método científico, o trabalho do pesquisa-
dor sempre será norteado pelo seu ponto de vista teórico. Os resultados de pesqui-
sas, assim como as teorias, iluminam certos pontos do palco, deixando outros em
relativa penumbra.

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22 Richard T. Schaefer

O QUE É O MÉTODO CIENTÍFICO?

Os sociólogos interessam-se pelas questões cruciais da nossa época. A família está


em colapso? Por que tanta criminalidade? O mundo tem condições de alimentar
uma população cada vez maior? São questões que preocupam muita gente, com ou
sem formação acadêmica. No entanto, ao contrário do cidadão comum, o sociólogo
tem o compromisso de aplicar o método científico ao estudo da sociedade. O mé-
todo científico é uma série sistemática e organizada de passos que assegura máxima
objetividade e consistência na investigação de um problema.
Muitos de nós jamais participaremos de fato de uma pesquisa científica. Por
que, então, é tão importante entendermos o método científico? Porque ele desem-
penha um papel importantíssimo no funcionamento de nossa sociedade. Quem
mora nos Estados Unidos é constantemente bombardeado por “fatos” ou por “da-
dos”. Um repórter de televisão informa que “um em cada dois casamentos no país
acaba em divórcio”. Um anunciante cita estudos supostamente científicos para
comprovar a superioridade de determinado produto. Tais afirmações podem ser
precisas ou podem ser exageradas. Podemos avaliá-las melhor – e, consequente-
mente, não seremos enganados com tanta facilidade – se estivermos familiarizados
com os padrões da pesquisa científica.
Esses padrões são assaz rigorosos e exigem estrita adesão a eles. O método
científico requer a preparação meticulosa da pesquisa em curso. Do contrário, os
dados de pesquisa coletados talvez não se comprovem precisos. O método cientí­fico
usado pelos sociólogos e pelos demais pesquisadores consta de cinco passos bási-
cos: (1) definir o problema, (2) rever a bibliografia, (3) formular a hipótese, (4) se-
lecionar a estratégia experimental antes de coletar e analisar os dados e (5) elaborar
a conclusão (ver Fig. 1.1). Usaremos um exemplo real para mostrar como o méto-
do científico funciona.

Ideias
para futuras
pesquisas

Formular uma Escolher a estratégia


Definir o Rever a experimental Elaborar a
hipótese
problema bibliografia Coletar e analisar conclusão
testável
os dados

Survey Etnografia Experimento Fontes


disponíveis
Figura 1.1 O método científico.

Definir o problema

“Compensa” fazer uma faculdade? Há quem faça grandes sacrifícios e trabalhe duro
para conseguir cursar o ensino superior. Pais fazem empréstimos para pagar a anui-

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Fundamentos de sociologia 23

dade dos filhos. Estudantes arrumam empregos de meio período ou até de período
integral e estudam à noite ou nos fins de semana. Compensa? Ser formado implica
retornos monetários? O primeiro passo, em qualquer projeto de pesquisa, é formu-
lar com a maior clareza possível o que se pretende investigar – em outras palavras,
definir o problema. No caso, estamos interessados em verificar a relação entre grau
de escolaridade e renda. Precisamos descobrir qual é a renda de pessoas com dife-
rentes graus de escolaridade.
Como etapa preliminar, todo pesquisador em ciências sociais precisa elabo-
rar uma definição operacional de cada conceito que está sendo estudado. Definição
operacional é uma explicação de um conceito abstrato com especificidade suficien-
te para permitir ao pesquisador avaliá-lo. Por exemplo, um sociólogo interessado
no status pode usar como definição operacional de status o fato de a pessoa perten-
cer ao quadro social de clubes exclusivos. Alguém que estuda o preconceito poderia
estabelecer como definição operacional de preconceito a má vontade de alguém em
contratar ou em trabalhar com pessoas de grupos minoritários. No nosso exemplo,
devemos elaborar duas definições operacionais – uma para escolaridade, outra para
renda – a fim de averiguar se a formação superior compensa.
A princípio, adotaremos uma perspectiva funcionalista (mas nada impe-
de que venhamos a incorporar outras abordagens). A nossa tese pressupõe que as
oportunidades de aumentar a capacidade de renda estão relacionadas ao grau de
escolaridade e que as faculdades preparam os alunos para o mercado de trabalho.

Rever a bibliografia

Ao rever a bibliografia – o acervo de estudos e informações relevantes na área de es-


pecialidade –, os pesquisadores depuram o problema em tela, esclarecem possíveis
técnicas a serem usadas na coleta de dados e eliminam ou reduzem os erros evitá-
veis. No nosso exemplo, faríamos uma análise das informações salariais de diferen-
tes ocupações. Verificaríamos se os empregos que exigem formação acadêmica mais
extensa são mais bem remunerados. Seria também conveniente rever outros estu-
dos sobre a correlação entre educação e renda.
A revisão bibliográfica não tardaria a mostrar-nos que muitos outros fatores
além dos anos de escolaridade, influem no potencial de renda. Descobriríamos, por
exemplo, que os filhos de pais mais abastados têm uma maior probabilidade de fa-
zer uma faculdade do que os filhos de famílias mais modestas. Como corolário, po-
deríamos aventar a possibilidade de os pais mais abastados também ajudarem os fi-
lhos a conseguir empregos mais bem remunerados depois de formados.

Formular a hipótese

Depois de rever as pesquisas anteriores e de assimilar as contribuições dos teóricos


da sociologia, os pesquisadores podem então formular a hipótese, que é uma afir-
mação especulativa sobre a relação entre dois ou mais fatores conhecidos como va-
riáveis. Renda, religião, ocupação e gênero podem igualmente ser variáveis em um

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24 Richard T. Schaefer

estudo. A variável pode ser definida como um traço ou uma característica mensu-
rável e sujeita a mudar conforme as circunstâncias.
Os pesquisadores, ao formularem uma hipótese, normalmente precisam si­
nalizar como um aspecto do comportamento humano influenciaria ou afetaria ou-
tro aspecto. A variável que por hipótese irá redundar ou influir em outra é chamada
de variável independente. A segunda variável é chamada variável dependente, já
que sua ação “depende” da influência da variável independente. A nossa hipótese é
que quanto mais elevado o grau de instrução da pessoa, mais dinheiro ela ganhará.­
A variável independente a ser medida é o grau de escolaridade. Também é preciso
medir a variável que presumivelmente “depende” dela.
Identificar as variáveis independentes e dependentes é fundamental para es-
clarecer relações de causa e efeito. A lógica causal envolve a relação entre uma con-
dição, ou variável, e uma determinada consequência, em que um acontecimento
leva ao outro. Segundo a lógica causal, estar menos integrado à sociedade (variá-
vel independente) pode relacionar-se diretamente com a probabilidade de suicídio
(variável dependente). Analogamente, a faixa de renda dos pais (variável indepen-
dente) pode influir na probabilidade de os filhos cursarem a universidade (variá-
vel dependente). Em uma etapa posterior da vida, o grau de escolaridade alcança-
do pelos filhos (variável independente) pode relacionar-se diretamente com o ní-
vel de renda dos filhos (variável dependente). Vale notar que o nível de renda pode
ser tanto uma variável independente quanto dependente, conforme a relação cau-
sal estabelecida.
A correlação ocorre quando uma mudança em uma variável coincide com
uma mudança em outra variável. As correlações sinalizam a possível presença de
causalidade, sem necessariamente implicar causação. Por exemplo, os dados indicam
que pessoas que preferem assistir o noticiário pela televisão são menos informadas
do que as que leem jornais e revistas de atualidades. Essa correlação entre o conhe-
cimento relativo da pessoa e a respectiva opção pelos veículos de notícias parece ter
alguma lógica, pois é compatível com a crença comum de que a televisão veicula in-
formações mastigadas. Mas a correlação entre as duas variáveis é, na verdade, cau-
sada por uma terceira variável – a capacidade relativa de se assimilar grandes volu-
mes de informação. Pessoas com alguma deficiência de leitura são mais propensas a
acompanhar as notícias pela televisão, ao passo que as mais instruídas ou mais qua-
lificadas costumam preferir a imprensa escrita. O hábito de assistir televisão apresen-
ta uma correlação, porém não de causalidade, com a menor capacidade de entender
as notícias. Os sociólogos buscam identificar o vínculo causal entre as variáveis; nor-
malmente, o suposto vínculo causal é descrito na hipótese (Neuman, 2009).

Coletar e analisar os dados

Como testar uma hipótese para determinar se ela tem ou não fundamento? É pre-
ciso coletar informações, valendo-se de uma das estratégias experimentais descritas
mais adiante neste capítulo. A estratégia experimental norteia o pesquisador na co-
leta e na análise dos dados.

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Fundamentos de sociologia 25

Selecionar a amostra Na maioria dos estudos, os cientistas sociais precisam selecio-


nar cuidadosamente o que é conhecido como amostra. Amostra é uma seleção efe-
tuada no âmbito de uma população mais abrangente que seja estatisticamente repre-
sentativa. Há muitos tipos de amostras, mas a de uso mais comum entre os cientistas
sociais é a amostra aleatória, em que, cada um dos membros da população em estu-
do tem igual chance de ser selecionado. Assim, se os pesquisadores querem examinar
as opiniões de pessoas listadas em um cadastro da cidade (um catálogo que, diferente-
mente do telefônico, lista todos os domicílios), eles podem, com a ajuda de um com-
putador, pinçar nomes deste cadastro aleatoriamente. Tal seleção seria a amostra alea­
tória. A vantagem de usar técnicas especializadas de amostragem é eximir os sociólo-
gos da necessidade de consultar a totalidade dos membros da população (Igo, 2007).
É muito fácil confundir as criteriosas técnicas científicas utilizadas em uma
amostragem representativa com as múltiplas pesquisas de opinião não científicas a
que os meios de comunicação dedicam muito mais atenção. Por exemplo, telespec-
tadores e ouvintes de rádio são estimulados a enviar mensagens eletrônicas opinan-
do sobre as manchetes do dia ou sobre as disputas políticas. Tais pesquisas de opi-
nião nada refletem além das opiniões dos que, por acaso, assistiam ao programa na
televisão (ou escutavam no rádio) e se deram ao trabalho, nem sempre tão simples,
de registrar suas opiniões. Esses dados não refletem necessariamente (e até mes-
mo podem distorcer) as opiniões da população como um todo. Nem todo mun-
do tem acesso à televisão ou ao rádio, tempo para assistir ou ouvir um programa,
ou meios e disposição para mandar um e-mail. Problemas parecidos são suscita-
dos ­pelos questionários, comuns em muitas revistas, e pelas entrevistas relâmpago­
em shoppings, em que os compradores são inquiridos sobre algum tópico. Mesmo
quando essas técnicas suscitam respostas de dezenas de milhares de pessoas, sua
precisão será muitíssimo inferior à de uma amostra representativa e criteriosamen-
te selecionada de 1,5 mil respondentes.
Para prosseguir com o nosso exemplo de pesquisa, usaremos informações co-
letadas no Current Population Survey norte-americano feito pelo Bureau of the
Census. Todo ano, o Bureau realiza um survey em aproximadamente 77 mil domi-
cílios, cobrindo todo o território dos Estados Unidos. A partir desses dados, técni-
cos do Bureau estimam a população total do país.

Assegurar a validade e a confiabilidade O método científico exige que os resulta-


dos da pesquisa sejam, ao mesmo tempo, válidos e confiáveis. A validade diz res-
peito a até que ponto uma medida ou uma escala reflete o fenômeno em estudo.
A validade de uma medida de renda depende do rigor dos dados coletados. Estudos
variados demonstram que as pessoas costumam informar com razoável precisão
quanto dinheiro ganharam no último ano. Uma redação dúbia da pergunta, porém,
pode comprometer a precisão dos dados resultantes. Por exemplo, os respondentes
a uma pergunta dúbia sobre renda talvez informem a renda dos pais ou do cônjuge
em vez da sua própria renda. A confiabilidade diz respeito a até que ponto uma me-
dida gera resultados consistentes. Um problema que afeta a confiabilidade é o fato
de algumas pessoas não divulgarem informações exatas, embora a maioria o faça.

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26 Richard T. Schaefer

Elaborar a conclusão

Os estudos científicos, inclusive aqueles realizados por sociólogos, não buscam res-
ponder todas as indagações existentes acerca de um determinado tema. Por conse-
guinte, a conclusão de um estudo de pesquisa representa simultaneamente um fim
e um começo. Ao concluir uma fase específica da investigação, deve-se gerar ideias
para estudos futuros.
Corroborando as hipóteses No nosso exemplo, constatamos que os dados corro-
boram a nossa hipótese. Pessoas com maior instrução formal de fato ganham mais
dinheiro. Como demonstra a Figura 1.2, os detentores de um diploma de ensino
médio ganham mais do que quem não concluiu o ensino médio, mas quem con-
cluiu um curso técnico de nível superior ganha mais do que quem não foi além do
ensino médio. A relação se mantém nos graus de escolaridade mais avançados; os
que ganham mais são os que têm diplomas de pós-graduação.

Formado no Formado em curso técnico Formado no


ensino médio de nível superior ensino superior

26% 26% 13%


35%
33% 15% 6%

11% 39%
30% 20% 46%

Abaixo de US$ 25 mil US$ 40 mil – US$ 69.999


US$ 25 mil – US$ 39.999 US$ 70 mil ou mais

Figura 1.2 O impacto do ensino superior na renda. Níveis mais elevados de escolaridade relacionam-se
com um aumento significativo da renda, benefício que se acumula ao longo da vida do trabalhador.
Nota: Dados de renda informados unanimemente por trabalhadores com 25 anos de idade ou mais.
O ensino médio inclui o supletivo.
Fonte: Análise do autor com base em DeNavas-Walt, 2012, Detailed Table (Tabela Detalhada) PINC-03.

Pense nisto
Que tipos de conhecimentos e de competências possui alguém com formação de nível superior, no
mínimo curso técnico, comparado com alguém que concluiu apenas o ensino médio, ou nem isso?
Por que motivo esses conhecimentos e competências devem ser valorizados pelos empregadores?

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Fundamentos de sociologia 27

Os estudos sociológicos nem sempre geram dados que corroboram a hipótese


original. Em muitos casos, a hipótese é refutada, e os pesquisadores são obrigados a
reformular suas conclusões. Resultados inesperados também podem levar à revisão
da metodologia e à alteração da estratégia experimental.
Controlando outros fatores Uma variável de controle é um fator que é constante-
mente mantido para testar o impacto relativo da variável independente. Por exem-
plo, se quisessem saber como se sentem os adultos perante as restrições ao fumo em
locais públicos nos Estados Unidos, os pesquisadores provavelmente tentariam usar
o comportamento de um respondente fumante como variável de controle. Em ou-
tras palavras, como se sentem os fumantes e os não fumantes quanto a fumar em lo-
cais públicos? Os pesquisadores compilariam estatísticas em separado sobre como
se sentem fumantes e não fumantes perante as normas de repressão ao fumo.
O nosso estudo sobre a influência da educação na renda sugere que nem todos
desfrutam das mesmas oportunidades educacionais, disparidade que é considerada
uma das causas da desigualdade social. Visto que a educação afeta a renda da pes-
soa, talvez queiramos recorrer à perspectiva do conflito para ir mais fundo neste tó-
pico. Qual o impacto da raça ou do gênero da pessoa? Qual a probabilidade de uma
mulher com diploma de graduação ganhar a mesma coisa que um homem com es-
colaridade equivalente? Mais adiante neste livro, iremos nos deter sobre esses outros
fatores e variáveis. Veremos o impacto da educação na renda enquanto controlamos
variáveis como gênero e raça, por exemplo.

Recapitulando: o método científico

Vamos resumir o processo do método científico recapitulando o nosso exemplo.


Definimos um problema (compensa ou não obter um diploma universitário?), fize-
mos a revisão da bibliografia (outros estudos sobre a relação entre educação e renda)
e formulamos uma hipótese (quanto mais avançado o grau de escolaridade da pes-
soa, maior a sua remuneração). Coletamos e analisamos os da-
dos, resguardando a representatividade da amostra e a valida- Us e a
s
de e a confiabilidade dos dados. Por fim, elaboramos a conclu-
ua
i m a g in aç

são. Os dados corroboram a nossa hipótese sobre a in­fluência


da educação na renda.
o a
s o c io l ó g i c
ã

AS PRINCIPAIS ESTRATÉGIAS DE PESQUISA


Que efeitos uma
Um aspecto importante da pesquisa sociológica é decidir como formação de nível
superior poderia
proceder à coleta de dados. A estratégia de pesquisa é um mé- ter na sociedade
todo ou um plano detalhado para a obtenção científica dos da- como um todo?
dos. Sua escolha requer criatividade e engenhosidade e terá in- Imagine alguns dos
fluência direta sobre o custo do projeto e sobre o tempo ne- potenciais efeitos
sobre a família,
cessário para colher os resultados da pesquisa. As estratégias o governo e a
economia.

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28 Richard T. Schaefer

de pesquisa usadas com mais regularidade pelos sociólogos incluem surveys, estu-
dos etnográficos, experimentos e fontes disponíveis.

Surveys

Quase todos nós já respondemos a algum tipo de survey. Talvez tenhamos sido in-
quiridos sobre que detergente usamos, em que candidato à presidência cogitamos
votar, qual o nosso programa de televisão preferido. Um survey é um estudo, em ge-
ral sob a forma de entrevista ou de questionário, que fornece aos pesquisadores in-
formações sobre como as pessoas pensam e agem. Entre os surveys de opinião mais
conhecidos nos Estados Unidos estão a pesquisa Gallup e a Harris. Como é do co-
nhecimento de qualquer pessoa que acompanha os noticiários, essas pesquisas tor-
naram-se o feijão com arroz da vida política.
Ao se preparar para conduzir um survey, os sociólogos, além de estabelece-
rem uma amostra representativa, precisam formular bem as perguntas. Uma boa
pergunta precisa ser simples e clara o suficiente para ser entendida pelo público.
Também precisa ser específica o bastante para não complicar a interpretação dos
resultados. Perguntas abertas (“Qual a sua opinião sobre a programação da TV
educativa?”) precisam ser enunciadas com muita atenção para suscitar o tipo de
informação desejada. Os surveys podem ser indispensáveis como fonte de infor-
mação, mas é essencial que a amostragem seja feita de modo adequado e que as
perguntas sejam enunciadas com precisão, não sendo capciosas.
Há duas formas principais de survey: a entrevista, em que um pesquisador
obtém informações mediante perguntas feitas pessoalmente ou por telefone, e o
questionário, um formulário impresso ou manuscrito usado para obter informa-
ções do respondente. Cada uma delas tem as suas vantagens. O entrevistador conse-
gue obter um índice elevado de respostas, pois é mais difícil para as pessoas descar-
tar um pedido pessoal de entrevista do que um questionário por escrito. Além disso,
um entrevistador hábil pode extrapolar as perguntas escritas e sondar sentimentos
e motivos subjacentes do entrevistado. Os questionários, por outro lado, têm a van-
tagem de ser mais baratos, especialmente no caso de grandes amostras.
Os surveys são exemplos de pesquisa quantitativa, em que os cientistas cole-
tam e apresentam os dados em formato majoritariamente numérico. A maior parte
dos surveys que discutimos até agora foram quantitativos. Mesmo sendo um tipo de
pesquisa adequado para amostras grandes, o survey não proporciona grande pro-
fundidade ou riqueza de detalhes sobre um tópico. É por isso que os pesquisadores
também recorrem à pesquisa qualitativa, que repousa sobre o que os cientistas ob-
servam em campo e no contexto natural. A pesquisa qualitativa é mais usada com
pequenos grupos e comunidades do que com grupos extensos ou países inteiros.
No Brasil, a forma mais comum de pesquisa qualitativa é a entrevista.

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Fundamentos de sociologia 29

Etnografia
Os investigadores normalmente coletam informações ou testam hipóteses por meio
de estudos “em primeira mão”. A etnografia é o estudo de todo um contexto social
mediante um trabalho de campo sistemático. A observação, ou participação direta
no exame pormenorizado de um grupo ou de uma organização, é a técnica básica
da etnografia. Mas a pesquisa etnográfica também envolve a coleta de informações
históricas e a condução de entrevistas pessoalmente. Embora a etnografia possa pa-
recer um método relativamente informal se comparado aos surveys ou aos experi-
mentos, os pesquisadores etnográficos esmeram-se para fazer anotações detalhadas
enquanto observam os seus sujeitos.
Em alguns casos, o sociólogo efetivamente se agrega a um grupo durante cer-
to tempo, para ter uma noção exata de como ele opera. A esta abordagem dá-se o
nome de observação participante. É o caso do livro Nickel and dimed: on (not) getting
by in America (Miséria à americana), de Barbara Ehrenreich, campeão de leitura, em
que a autora foi uma observadora participante. Disfarçada como uma dona de casa
de meia-idade divorciada e sem nível superior, Ehrenreich partiu para ver como vi-
viam os trabalhadores assalariados de baixa renda. O livro conta as experiências dela
e de outras pessoas tentando sobreviver com um salário mínimo (Ehrenreich, 2001).
Em fins da década de 1930, em um exemplo clássico da pesquisa de observa-
ção participante, William F. Whyte mudou-se para um bairro italiano de baixa ren-
da em Boston. Durante quase quatro anos, agregou-se ao círculo social dos “rapa-
zes de esquina” descrito por ele em Street corner society (Sociedade de esquina: a es-
trutura social de uma área urbana pobre e degradada). Whyte revelou sua identida-
de a esses homens e participava de suas conversas, do jogo de boliche e de outras
atividades de lazer. Seu objetivo era entender melhor a comunidade criada por eles.
Conversando com Doc, o líder do grupo, Whyte (1981, p. 303) obteve “as respostas
a perguntas que nem me teriam ocorrido se eu tivesse baseado minhas informações
exclusivamente em entrevistas”. O trabalho de Whyte foi especialmente importan-
te, pois, na época, o mundo acadêmico possuía pouco conhecimento a respeito dos
pobres e tendia a se limitar aos registros de agências de assistência social, hospitais
e tribunais como fontes de informação (P. Adler et al., 1992).
O primeiro desafio enfrentado por Whyte – e por qualquer observador parti-
cipante – foi ser aceito em um grupo estranho. Não é fácil para um sociólogo for-
mado conquistar a confiança de uma seita religiosa, de uma gangue de jovens, de
uma comunidade pobre dos apalaches, de um grupo de moradores de uma vizi-
nhança decrépita. Isso exige muita paciência, muita indulgência e muita serenida-
de por parte do observador.
A pesquisa etnográfica impõe outros desafios complexos ao investigador.
É preciso que os sociólogos sejam capazes de entender plenamente aquilo que ob-
servam. Em um certo sentido, portanto, é preciso que os pesquisadores aprendam
a ver o mundo pela ótica do grupo para compreender em toda a plenitude o que se
passa ao seu redor.

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30 Richard T. Schaefer

Experimentos

Quando querem estudar uma possível relação de causa e efeito, os sociólogos po-
dem montar experimentos. Um experimento é uma situação criada artificialmente
que permite ao pesquisador manipular as variáveis.
No método clássico de experimentação, selecionam-se dois grupos de pes­
soas com algumas características em comum, como idade ou escolaridade. Os pes-
quisadores, então, designam um dos grupos como o grupo experimental e o ou-
tro como o grupo-controle. O grupo experimental é exposto a uma variável in-
dependente; o grupo-controle, não. Assim, caso os cientistas estejam testando um
novo tipo de antibiótico, este é administrado ao grupo experimental, mas não ao
grupo-controle.
Em alguns experimentos, como na pesquisa etnográfica, a presença de um
cientista social ou de algum outro observador pode afetar o comportamento
dos sujeitos do estudo. O fenômeno foi reconhecido a partir de um experimen-
to realiza­do nas décadas de 1920 e 1930 na usina Hawthorne, da Western Electric
Company. Um grupo de pesquisadores propôs-se a determinar como melhorar a
produtividade dos trabalhadores da usina. Os investigadores
Us e a manipularam variáveis do tipo iluminação e horário de tra-
s
balho para observar seu eventual impacto na produtividade.
ua
i m a g in aç

Para sua surpresa, constataram que, a cada passo que davam,


a produtividade parecia aumentar. Até medidas que presumi-
o a velmente surtiriam o efeito inverso, como reduzir a quantida-
s o c io l ó g i c
ã

de de luz na usina, faziam a produtividade aumentar.


Você é um(a) Por que motivo os funcionários da usina se empenha-
pesquisador(a) riam mais no trabalho, mesmo em condições menos favorá-
interessado(a) veis? Aparentemente, o comportamento deles foi influencia-
em como ver
televisão influi no do pela maior atenção recebida durante a pesquisa e pela no-
rendimento escolar vidade de estarem sujeitos a um experimento. Desde então,
das crianças. Como os sociólogos usam a expressão efeito Hawthorne para referi-
você procederia rem-se à influência não intencional dos observadores ou dos
para montar um
experimento experimentos sobre os sujeitos da pesquisa, que se desviam
capaz de medir tal de seu comportamento típico ao perceberem que estão sendo
influência? observados (Franke e Kaul, 1978).

Uso das fontes disponíveis

Os sociólogos não precisam necessariamente coletar dados novos para desenvolver


uma pesquisa e testar suas hipóteses. O termo análise secundária designa uma va-
riedade de técnicas experimentais que fazem uso de dados e informações previa-
mente coletados e de domínio público. Em geral, ao empregar a análise secundária,
os pesquisadores usam os dados de maneiras não previstas por quem originalmen-
te coletou as informações. Por exemplo, os dados do censo compilados pelo gover-

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