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Direito Processual Penal II

TEÓRICAS
2009/2010
DIREITO PROCESSUAL PENAL II
(aulas teóricas)
E-mail:

Medina. seica@gmail.com
Bibliografia:

 Silva Sandra Oliveira e; A protecção de testemunhas no processo penal


 Seiça A. Medina de; Legalidade da prova e reconhecimentos atípicos em processo penal
 Andrade Manuel da Costa; Sobre as proibições de prova em processo penal. ISBN: 972-32-0613-7
 Seiça A. Medina de; O conhecimento probatório do co-arguido. ISBN: 972-32-0901-2
 Santos Manuel José Carrilho de Simas; Recursos em processo penal. ISBN: 972-51-1018-8
 Correia João Conde; Contributo para a análise da inexistência e das nulidades processuais penais. ISBN: 972-32-0917-9
 Seiça A. Medina de; A reforma dos recursos em matéria penal

(25/02/2010)
SUMÁRIO:
Apresentação. Considerações gerais sobre a disciplina, conteúdos programáticos e métodos.

PROGRAMA:
− ¾ do tempo: a prova em processo penal (pericial, testemunhas, buscas, revistas, escritas, etc)
− Problema das medidas de coacção
− Teoria dos actos processuais (vícios e irregularidades)
− Recursos

(26/02/2010)
SUMÁRIO:
I. Aproximação ao problema da prova em processo penal 1. Esboço de um léxico da prova: prova –
meios de prova; prova – resultado probatório; prova – actividade ou procedimento probatório. 2.
Tipologias: prova directa e prova indirecta ou circunstancial ou indícios; prova constituenda e prova
pré-constituída.

TÍTULO I
DA PROVA

CAP. I
Noções introdutórias.
Aproximação ao problema da prova em Direito.
Princípios gerais da prova em Processo Penal.

TEORIA DA PROVA

A prova como “vencer um obstáculo” já não é hoje muito utilizada em direito. É mais usada como um
instrumento de demonstração e sustentação. Constitui uma actividade central na vida humana em geral e
não apenas no processo. Basta pensar na ciência e no nosso quotidiano, no qual fazemos juízos
probatórios. Grande parte da actividade judiciária dirige-se a adquirir prova e é em face dela que se
estabelece a decisão: é a raiz e a fonte do acontecer judiciário.

PROVA – palavra polissémica; em geral, usa-se no sentido de fixação ou determinação dos factos
relevantes para formular um juízo (decisório, em regra).

Três sentidos fundamentais:

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2009/2010

 Prova como Meios de Prova: Refere-se a tudo aquilo que permita conhecer os factos
relevantes para a decisão; refere-se a todos os elementos de informação que permitam
formular ou verificar/controlar os enunciados assertivos (são as afirmações que se fazem) que
servem para reconstruir esses factos; refere-se aos elementos que servem para confirmar ou
infirmar/negar a atendibilidade de uma hipótese atinente a um facto; neste primeiro sentido,
prova significa então meios de prova, ou seja, os veículos e instrumentos de informação para
formular e/ou confirmar juízos. Referimo-nos a coisas, pessoas, comportamentos, etc, dos
quais se pode retirar informação.
 Prova como Resultado Probatório: Refere-se ao resultado alcançado por via dos meios de
prova, isto é, o conhecimento que se constrói quanto aos factos controvertidos; prova como
resultado no sentido de “factos provados”. A prova desempenha uma função justificativa,
pois o decisor recolhe elementos (racionalmente, pois os cânones da racionalidade são
mutáveis) válidos para sustentar a decisão.
 Prova como Procedimento Probatório: Refere-se a todas as actividades que se desenvolvem
no âmbito do processo cognitivo (não apenas judiciário) pelos diversos sujeitos que nele
intervêm, em ordem a formar os tais elementos que confirmem ou rejeitem as hipóteses que
estão em discussão relativamente ao caso. Neste terceiro sentido, entramos no sentido da
“produção da prova”.
o O terceiro sentido refere-se então ao contexto do procedimento probatório; para
passarmos do primeiro para o segundo sentido, temos que passar sempre pelo
terceiro, pois é este que faz a ligação entre eles. Desempenha uma função
cognoscitiva, isto é, permite “descobrir” os factos. Permite formular a prova
entendida no segundo sentido (enquanto resultado) a partir dos meios de prova
(primeiro sentido).

1. Esboço de um léxico da prova

LÉXICO DA PROVA – a terminologia da prova é muito inequívoca. As classificações da prova


introduzem muitas vezes mais confusão do que clarificação.

2. Tipologias: prova directa e prova indirecta ou circunstancial ou indícios; prova constituenda


e prova pré-constituída.

PROVA DIRECTA VS PROVA INDIRECTA


Para as distinguir devemos olhar ao tipo de relação que se estabelece entre o facto que é objecto da
actividade de prova (o conteúdo) e o facto que se deve provar, em ordem à verificação da hipótese
normativa. Diz-se então directa a prova quando se reporta ao facto que se deve provar.
Exemplo: A matou B; testemunha diz que viu A sacar da pistola e disparar vsobre B no crânio; este
facto reporta-se directamente ao facto (hipótese) que interessa provar; o seu conteúdo reporta-se entao ao
facto. No entanto, nem sempre há este tipo de informação. Exemplo: a testemunha diz que, estando em
casa contígua ouviu um disparo e viu A a sair de casa de B a correr.

INDÍCIO
Uma circunstância da qual se infere (juízo de inferência) uma conclusão atinente ao facto
controvertido. É o suporte, um “plus” de complexidade: leva à aplicação de leis de experiência ou
científicas. Em rigor, porém, devemos ter presente o universo judiciário. Toda a prova é indiciária, porque
a prova directa no sentido epistemológico é aquela que permite a reprodução do facto, a percepção
experimental do facto. Em processo, trabalhamos com factos passados ou futuros: significa isto que o
facto não se pode reproduzir. Toda a prova, em rigor será indiciária, mesmo que tenha por conteúdo o
próprio facto.

Luigi Ferrajoti – porque toda a prova é feita por inferências. O juiz infere que as testemunhas falam a
verdade e vêem bem. logo, quanto maior o numero de inferências, maior o risco. Factos passados não se
reconstituem. As ciências puras que permitem esta recriação são aquelas que podem dizer que têm prova
directa.

PROVAS PRÉ-CONSTITUÍDAS VS PROVAS CONSTITUENDAS


Não são os factos que se provam, mas os enunciados factuais. Em rigor, a prova processual não incide
sobre factos, ou seja, acontecimentos de um tempo que já não é ou ainda não é presente (passados ou

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futuros). Os factos “qua tale” não são susceptíveis de ser percebidos pelo julgador. Por isso, não são
susceptíveis de prova na sua empiricidade, materialidade ou realidade existencial, mas sim os enunciados,
que são entidades linguísticas que contêm a descrição dos factos. Só em enunciados se pode afirmar ou
negar a sua veracidade. Os factos, em si mesmos, não são verdadeiros ou falsos, pois ou existem ou não
existem.

O que são enunciados? São as descrições linguísticas.

Há uma descontinuidade: a norma dirige-se a um enésimo nº de casos e possibilidades; a prova, por


seu turno, reporta-se a um facto, a uma situação única. A norma já postula uma direcção na pesquisa:
descobrir os factos que são determinação da hipótese normativa.

Durante muito tempo acreditou-se que haveria continuidade: a norma dava uma premissa, depois
provava-se o facto e em seguida aplicava-se a norma. Mas o Silogismo Judiciário estava há muito tempo
ultrapassado. A construção do caso faz-se da interpretação da norma e do seu substrato:
- “Tat” = facto
- “Sachverhalt” = facto no sentido de facto construído
(por isso é que Castanheira Neves prefere o termo “caso”)
- “Engisch” – questão que se faz no ir e vir do olhar

(04/03/2010)
SUMÁRIO:
3. «Prova da verdade dos factos?» 3. 1. O problema do objecto da prova: enunciados declarativos
(enunciados sobre factos). a) a construção selectiva dos enunciados em função do contexto (linguístico,
cultural, social …) aa) a construção selectiva no contexto normativo-processual: a relevância jurídica
dos “factos” e a constituição do caso jurídico. A superação do modelo silogístico do juízo.

3. «Prova da verdade dos factos?»

3. 1. O problema do objecto da prova: enunciados declarativos (enunciados sobre factos).

A prova não é um problema especificamente jurídico, é um problema presente em todos os domínios


do saber.

PROVA é apresentada como a demonstração da verdade dos factos: estes dois elementos da noção são
ambos problemáticos. Vejamos.

PROVA DOS FACTOS


O objecto da prova em rigor são os enunciados descritivos, com conteúdo factual, pois os factos são
acontecimentos de um tempo que já não existe, ou em alguns casos, são acontecimentos que se espera que
venham a ocorrer. Portanto, os factos em si mesmos não são directamente perceptíveis pelo decisor que
os há-de comprovar e nesse sentido toda a prova é representativa (torna presente um acontecimento que
não é presente). A prova incide então sobre enunciados factuais, linguísticos, que descrevem um certo
segmento da realidade: aquilo a que se chama na Lógica de “enunciados apofânticos”, que são aqueles
passíveis de ser considerados verdadeiros ou falsos na sua descrição do mundo real. Contrapõem-se a
outro tipo de enunciados, os de tipo afectivo ou de tipo interrogativo, que exprimem desejo. Só os
primeiros é que são susceptíveis de prova, pois pertencem à Lógica (foi Aristóteles que profetizou sobre
isso).
O enunciado não é uma descrição asséptica da realidade: todo ele é um “constructum”, algo de
construir, e portanto requer um contexto em ordem à determinação do seu sentido. Esta consciência foi
adquirida pela Epistemologia do século XX, que rejeitou aquilo a que se chama “Mito do Dava”
(“Given”): todo o conhecimento é contextualizável, ou seja, depende de um contexto, das coordenadas
específicas em que são proferidos e nos quais devem valer.
Por exemplo, A matou B: é um enunciado, não é um dado; foi construído para aferir numa situação
concreta; isto vai-se avaliar num determinado contexto, que vai ser diferente de pessoa para pessoa.

a) a construção selectiva dos enunciados em função do contexto (linguístico, cultural, social …)


Assim, ocorre aquilo a que se chama uma Construção Selectiva: ao ser emitido o enunciado, o
declarante faz sempre uma selecção, deixando de fora muitas dimensões atinentes ao evento, pois essas

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não lhe interessam para o propósito que motivam o seu enunciado e não é possível fazer referência a
todos os aspectos.
Exemplo: quando o MP faz um enunciado, tem que lá constar o “como?”, o “porquê?”, o “quem?”, o
“quando?”, etc. Mas fica muita coisa de fora: pode não dizer como ia a vítima vestida, se não interessar
para o enunciado que ele pretende formular.
Um evento é então infinitamente decomponível: quando agregamos estamos a fazer uma selecção em
função de uma intenção agregadora. Quem descreve, selecciona e deixa muita coisa de fora.
Por isso, da infinita variedade de circunstâncias, o declarante escolhe algumas: o mesmo evento pode
ser alvo de múltiplas descrições, todas elas diferentes, mas todas elas verdadeiras.
Os epistemólogos em geral autonomizam vários planos de construção, mas a nos apenas nos interessa
o normativo. Vejamos os diversos planos:
 Plano da construção semântica – está aqui implicada a escolha dos termos linguísticos com
que se formula o enunciado, termos esses que podem ser mais “descritivos” ou mais
“valorativos” e que por isso possuem alcances diferentes:
Exemplo: “A subtraiu carteira a B” será igual a “A é ladrão”? o primeiro enunciado
pretende descrever um certo evento que terá acontecido, o segundo pode ser um mero juízo
de valor, que pode nem ser verdadeiro.
A linguagem é a única forma que nos permite interagir: os factos são sempre
individualizados por um meio de linguagem.
 Plano de construção cultural e social – os enunciados dependem do contexto cultural e social
em que estão inseridos. No contexto social importa atender aos factos inmstitucionais, que
são aqueles cuja determinação não se pode realizar por meio de uma referência empírica, mas
apenas em função do contexto social que nesse sentido cria o próprio facto.
Exemplo: moeda/nota ou o canudo da faculdade.

aa) a construção selectiva no contexto normativo-processual: a relevância jurídica dos “factos” e


a constituição do caso jurídico. A superação do modelo silogístico do juízo.
Num curso sobre a prova interessa então o plano de construção cultural e social. Mas mais importante
ainda é o plano de construção normativa, porque este contexto é o que define a relevância jurídica do
enunciado. A norma opera/realiza um recorte categorial abstracto: não descreve factos, mas formula
hipótese; não é uma descrição, é um imperativo. Temos então aqui uma descontinuidade na perspectiva
(dificuldade): temos uma norma, que se reporta a situações hipotéticas, ou seja, a um número
indeterminado de casos. Mas a demonstração probatória refere-se a um caso único, a um concreto caso.
Há então aqui uma contraposição do abstracto com o concreto. A norma selecciona então as conotações
do facto que considera relevantes. A norma quando desenha as hipóteses já conduz a um processo de
selecção, mas o procedimento probatório não se dirige a uma descoberta da verdade total/absoluta, mas
sim à verificação dos pressupostos que sustentam a aplicação da norma.
Os juristas estão muito vinculados a um concretíssimo modelo: o Silogismo. Entendemos que a norma
descreve hipóteses e que a realidade anda por aí. Este modelo tentou resolver aquele problema: é fruto da
concepção positivista do conhecimento, que acreditava que é possível o conhecimento objectivo dos
factos, porque eles ocorrem no mundo externo e podem ser então conhecidos pelo método científico
(método que observa, interpreta e tira conclusões). O jurista tinha então que ser um cientista, em duas
vertentes: primeiro, olhava a norma e lia-a, definindo o seu alcance (escola da exegese); depois, os factos
eram comprovados através da livre convicção (juiz ouvia as provas, formulando conclusões). Este modelo
é falsamente dedutivo e tem vindo a ser substituído por outros. A superação deste modelo silogístico é
fruto de muitos factores, onde assume papel principal a Hermenêutica Jurídica, que sublinha a conexão
estrutural entre a norma e o seu referendo (“factos”) e entre os “factos” e o seu referendo. E, por isso,
aquelas duas questões tradicionalmente separadas (questão de facto e questão de direito) estão
interpenetradas/interligadas. Já não são vistas como compartimentos estanques, mas sim interpenetráveis.
Assim, a interpretação dos enunciados normativos e a verificação dos enunciados fácticos são
inseparáveis e ocorrem num processo circular (daí que se fale no círculo hermenêutico) ou em espiral (ou
na espiral hermenêutica de Hassemer), com o qual se procede à construção do caso (que é esta realidade
nova que resulta da interactividade decorrente da norma e dos “factos”). A grande tarefa do intérprete é
então criar o Isomorfismo (“iso” = igual) entre a norma e a situação: aquilo a que Arthur Kauffman
chamava de Analogia Congruente.
A prova dos factos é então um processo jurídico para o qual concorrem diversos planos, sobre os
quais operam pré-juízos.

3.2. Prova e verdade

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a) O problema epistemológico da verdade

PROVA E VERDADE
Todos acreditamos que a função da prova é descobrir a verdade. No entanto, este é um postulado, hoje
em dia, que está em crise, pois é questionada e rejeitada em muitos sectores. Esta ideia de que no
processo se obtém a verdade é possível se obtivermos uma verdade estritamente jurídica, como aconteceu
por exemplo com o chamado Modelo ou Sistema da Prova Legal. Este sistema tinha regras
aparentemente dedutivas que impunham conclusões. A regra diz que sempre que duas testemunhas dizem
A, A é verdade: a conclusão impõe então que A seja verdade, pois da regra deduz-se com carácter
necessário uma conclusão. Mas fora de determinados contextos torna-se mais difícil aferir conclusões,
por causa de problemas que tem surgido de outras disciplinas. Daí que em alguns sectores do direito se
tenha decidido “andar para a frente”, afirmando que a verdade no processo é “sui generis”, surgindo as
contraposições entre Verdade Material e Verdade Formal e entre a Verdade Processual e a Verdade
Ôntica.
O problema da Verdade em geral (possibilidade de se formular juízos de veracidade em relação a
factos – é esta a definição de verdade em geral em todas as áreas) é a sua contestação com base em
diversos fundamentos:
 Correntes irracionalistas – conhecimento é feito com base em intuições;
 Correntes do idealismo extremo – não há conhecimento sobre objectos externos;
 Correntes do realismo extremo.
(05/03/2010)
SUMÁRIO:
3.2. Prova e verdade a) o problema epistemológico da verdade b) a verdade no processo: aa) a
desvalorização e a negação da verdade como finalidade processual; bb) a verdade processualmente
válida como pressuposto instrumental de realização da intenção de justiça no processo penal. Sugestões
de leitura Taruffo, Michele, «Consideraciones sobre prueba y verdad», Derechos y liberdades, 2002, pp.
99-124. Neves, A. Castanheira, «Matéria de facto - matéria de direito», in: Digesta, III, 2008, pp.321-
336.

b) a verdade no processo

O problema da verdade não se põe apenas no Direito, mas sim em todas as outras áreas do
conhecimento.

aa) a desvalorização e a negação da verdade como finalidade processual

CORRENTES QUE DEFENDEM A IMPOSSIBILIDADE TEÓRICA DE SE ALCANÇAR A


VERDADE: a questão da verdade é atacada logo no plano teorético. São correntes diversas, mas que
levam ao extremo o cepticismo filosófico, em relação às possibilidades de um conhecimento com carácter
de verdade, do qual se possa afirmar ou fazer um juízo de verdade. Na filosofia, estudámos a teoria do
conhecimento, elaborada e também criticada por diversos autores, como Platão, Descartes, Kant: todos
eles iam no sentido dos sentidos serem enganosos, porque todos nós sonhamos e quando o fazemos
vemos coisas que são iguais às outras; a questão que se coloca então é “será que quando eu estou a sonhar
estou acordado e quando estou acordado estou a sonhar?”. Vão então optar por negar tudo, para depois
descobrir o que é de facto verdadeiro, o que de facto existe – CEPTICISMO! Houve então várias
correntes que pegaram nesta ideia destes filósofos e a aplicaram a outras áreas do saber, nomeadamente
ao Direito:
− Surgiram correntes de carácter radicalista;
− Outras de carácter filosófico;
− Outras ainda de carácter idealista;
− Outras ligadas ao movimento da Filosofia Linguística (conhecidas como “linguistic turn”).
A verdade é vista como uma adequação entre aquilo que se diz e o que realmente é. Mas há outros
entendimentos sobre a verdade.
Uma das suas correntes rivais defende que a consciência é uma construção mental, linguisticamente
conformada, sem qualquer conexão necessária com os fenómenos da vida real. Quando muito a Verdade
pode referir-se a um princípio de coerência. E uma das concepções de Verdade mais importantes na
actualidade é a Teoria da Verdade como coerência (de Rortry). A Verdade está apenas na não contradição

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entre um conjunto de preposições. Não pode ser vista como uma correspondência entre o que é dito e o
Ser.
Há também quem defenda que a Verdade é uma narração (“adversary systems”), esperando que os
juízes escolham uma dessas histórias. Esta é o entendimento utilizado nos tribunais americanos, onde são
contadas historias. No entanto, uma narração pode ser coerente e ser falso ao mesmo tempo: tal como um
depoimento de uma testemunha também pode ser coerente e ser falso.
A verdade no processo também foi negada por correntes realistas extremas/radicais, sobretudo o
chamado Realismo Jurídico Norte-Americano, na configuração que lhe deu Jerome Franck e (nos tempos
mais recentes) Posner. Estes autores sustentam que as decisões judiciais não se fundam em conclusões
tidas como verdadeiras quanto aos factos, pois são fruto de intuições psicológicas de quem decide. Por
isso é que eles defendiam que primeiro os juízes deviam decidir e só depois então fundamentar.
Esta verdade é também posta em causa pelas ciências humanas, nomeadamente pela Psicologia,
quando se chama a atenção para a infalibilidade e limitação do conhecimento humano, e pela Sociologia,
quando se verifica que o conhecimento humano é uma mera produção e construção da realidade.

CORRENTES QUE DEFENDEM A IMPOSSIBILIDADE IDEOLÓGICA DE SE ALCANÇAR A


VERDADE: Há outros autores que se colocam noutro patamar, mas que dizem que há uma
impossibilidade ideológica. Não discutem o aspecto epistemológico, mas sim o facto de saber para que
serve o processo, qual a função/ideologia do processo.
Umas negam que a verdade seja cognoscível no processo, porque é ideologicamente impossível. Há
quem veja no processo não um modo de obtenção de decisões não dotadas de Justeza. Uma decisão justa
neste sentido é aquele que tem justeza objectiva (apoia-se na correcta interpretação da norma à situação
da vida). Neste sentido, o processo será então um instrumento de resolução de conflitos ou de
controvérsias: o que será então resolver um conflito? É encontrar a adequada (= útil, oportuna,
conveniente, etc) composição dos interesses em jogo; aquela que se revela como a mais satisfatória para
as partes e para o ambiente social em que a controvérsia emergiu. Assim, a descoberta da verdade não só
se revela como não necessária (não é obrigatório descobrir a verdade para resolver conflitos) como pode
ser até contraproducente, neste ponto de vista. Ela representa então um elemento estranho à ideologia e às
funções do processo. Esta teoria é particularmente importante nos EUA. Sem dúvida, esta visão das
coisas é mais actuante (mais aceite) quando nos focamos no processo civil (no entanto aqui tratamos
apenas do Processo Penal), pois aí o peso atribuído aos conflitos é muito maior e a determinação da
verdade não é prioritária, visto que o processo não é uma investigação científica e histórica nem tem
finalidades cognoscitivas, destinando-se apenas a resolver conflitos. O critério decisivo seria, neste
sentido, o da eficácia da decisão encontrada (e não o da Justeza): assim uma decisão baseada em dados
falsos pode ser eficaz, desde que resolva a controvérsia. Isto explica mecanismo jurídicos como as
Ficções Jurídicas, as Presunções Legais, o Ónus da Prova e a Confissão Ficta. Todos estes mecanismos
seriam explicáveis dentro desta ideologia, já que foram criados para superar os impasses e as dúvidas
insanáveis que surgem. E por isso são mecanismos indutores da não verdade: mesmo no campo do
Processo Penal, onde a Verdade assume um relevo principal, existem importantes limites, inerentes à
estrutura do processo, que apontam no sentido de a Verdade não constituir um “prius” lógico e mesmo
axiológico da decisão.
Isto é bem mais visível nos sistemas adversariais (“adversary systems”) anteriormente referido (que
entendiam a Verdade como uma narração), típico do espaço anglo-americano, porque o decisor do facto,
que no processo típico americano é o juiz, não tem uma actividade investigativa. Aqui o juiz tem uma
situação passiva, valorando resultados cuja investigação ele não controlou nem participou. O juiz aqui é
então um árbitro da disputa. A produção da prova é então da responsabilidade inteira das partes em
confronto: elas é que têm que construir e apresentar uma história. Como a finalidade das partes é
encontrar uma Verdade que lhe satisfaça os interesses, também aqui a Verdade é um “buy product” (algo
que aparece sem querer ao resolver um conflito).
A temporalidade do processo também é um grande obstáculo à procura da Verdade: o processo não se
compadece com uma investigação esgotante, por isso há mecanismos de prova. Por outro lado, uma
investigação esgotante tem custos económicos excessivos.

bb) a verdade processualmente válida como pressuposto instrumental de realização da intenção


de justiça no processo penal.

Existe ainda uma outra teoria, ligada a um dos maiores sociólogos do século XX, Niklas Luhmann.
Este autor também contestou o relevo que a Verdade assume no processo, embora ele tenha estudado os
procedimentos no geral. Há um livro bastante importante dele, de nome “Legitimação do conhecimento”,
em que ele procura aplicar os quadros de análise da teoria sistémica. Ele considera que o procedimento é

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um sistema, porque tudo para ele é um sistema. E como qualquer sistema, cumpre a função específica de
cada sistema: reduzir a complexidade (que é o conjunto de possibilidades que existe no mundo),
limitando as possibilidades de escolha e de acção. Os sistemas organizam-se por diferenciação com o
ambiente exterior, ao qual Luhmann chamou de “Umwelt” (meio ambiente): este é sempre
excessivamente complexo, logo o sistema realiza essa redução, limitando as possibilidades existentes. Faz
essa redução através da criação de estruturas, ou seja, mediante a generalização de expectativas de
comportamento que passam a valer de forma durável e para um elevado número de pessoas. Exemplo:
imaginemos que durante uma aula, entrava uma funcionária de limpeza que não estando no seu sistema
poderia ficar um pouco embaraçada ou até sentir-se bem, haveria inúmeras possibilidades de acção que
ela poderia tomar; face a cada uma delas, teríamos também inúmeras possibilidades de acção também:
podíamos pô-la lá fora, podíamos convidá-la a assistir à aula, etc.
O processo é então um sistema. Para Luhmann, a finalidade do processo é elaborar uma decisão
vinculante para as pessoas. Mas sendo assim, porque é que aceitamos tudo o que seja fora do nosso
sistema, por exemplo um 7 na pauta? Luhmann diz então que o processo tem uma função de legitimação
e que cada pessoa assume vários papéis, consoante o sistema em que se insere. Na faculdade, assumimos
o papel de estudante; nas eleições, assumimos um papel de cidadão eleitor; etc. Esta aceitação é fruto da
capacidade de absorver os conflitos de cada ser humano.
A Verdade tem então grandes obstáculos jurídicos, ideológicos, epistemológicos, no entanto o
processo também não serve para encontrar a Verdade ôntica. O processo deve tender para a descoberta da
Verdade como uma tentativa de aproximação daquilo que de facto pode ter acontecido.
Assim sendo, sem negar as dificuldades aqui expostas, devemos continuar a sustentar que a Verdade
seja um importante vector do Processo Penal, ou seja, que ele seja orientado à procura da Verdade
histórica, através de um plano de aproximação. E como tal importará cuidar/aperfeiçoar da dimensão
epistémica do processo, ou seja, cuidar dos aspectos que no processo potenciam a descoberta da verdade
tentando limitar aqueles que contrariam e ate impedem esta descoberta. No universo penal, há até quem
sustente que esta função é uma decorrência da própria CRP, designadamente do Princípio da Culpa (só
deve ser punido quem tem culpa, pois só tem culpa quem praticou os factos ilícitos). É obvio que existe
muitos limites à descoberta da Verdade no processo e neste sentido o processo tem condicionantes
epistémicas. É então um processo epistémico condicionado.

(11/03/2010)
SUMÁRIO:
4. A estrutura fundamental do procedimento probatório a) a prova processual como procedimento
ordenado b) a decomposição analítica do procedimento probatório aa) a admissibilidade da prova bb)
a formação /realização/ produção da prova cc) a valoração da prova c) os princípios gerais em matéria
probatória 5. Perspectiva preliminar do direito da prova no Código de Processo Penal

4. A estrutura fundamental do procedimento probatório

Este problema é também um problema central da prova jurídica. Há dois grandes horizontes de
compreensão nesta matéria: por um lado, um horizonte que defende a liberdade da prova (“free proof”),
onde importa trabalhar toda a informação epistémica que seja essencial para o processo, formulado por
Bentham; por outro lado, um horizonte de disciplina jurídica da prova (“law of evidence”).
O que significa liberdade da prova? Significa a desvinculação das normas condicionantes do ser.
Repercute-se no essencial em quatro grandes dimensões no fenómeno probatório:
1. Dimensão da Admissibilidade: liberdade aqui é entendida como a ausência de normas que
excluam a intervenção de prova no processo; assim, as entidades intervenientes (as partes
envolvidas no processo) na investigação podem utilizar todos os elementos de prova de que
dispõe. Exemplo: “testemunho de ouvi dizer” não pode ser utilizado.
2. Dimensão da Formação: liberdade aqui significa a ausência de normas que disciplinem os
modos pelos quais a informação probatória é introduzida (quando pré-constituída) ou
produzida (prova “constituenda”) no processo.
3. Dimensão da Investigação: liberdade aqui significa a ausência de limites para a entidade
decisora quanto à recolha do material útil para a decisão.
4. Dimensão da Valoração: liberdade aqui significa a ausência de normas que determinem o
valor ou a eficácia probatória a atribuir a cada meio probatório (“regras de prova”). Quem
estabelece o valor devia ser a entidade que valora.

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Vamos agora começar a estudar a prova no processo. Há uma relação de tensão no fenómeno
probatório, porque o processo tem também uma função epistémica, ou seja, é um processo cognitivo que
procura averiguar se certos enunciados factuais correspondem ou não à verdade. Mas este exercício da
função epistémica encontra-se condicionado pelo contexto jurídico, contexto esse que não se limita a
fixar as condições gerais de validade do método cognitivo. Mas no jurídico não condiciona apenas as
condições gerais de validade: ele limita de modo muito acentuado as possibilidades funcionais dessa
actividade probatória, mediante uma disciplina normativa que em muitos pontos se revela
epistemologicamente neutra ou mesmo contra-epistémica.
O princípio básico de qualquer sistema epistemológico é o de que toda a informação possível seja
disponibilizada, para que melhor se possa decidir.
Por exemplo: há uma pessoa que fala na polícia determinada coisa que presenciou, até há uma
gravação. Esta é tida como fonte de informação: se fossemos investigadores acharíamos correcto tê-la
como prova no processo, mas a lei proíbe a sua utilização.
Assim, releva aqui uma grande tensão entre as finalidades epistémicas e outro tipo de realidades que
têm que ser asseguradas. Podemos perspectivar esta relação de tensão pela contraposição entre o modelo
de liberdade da prova (“free proof”) e o modelo da legalidade da prova (“law of evidence”). Por um lado,
o modelo pretende expandir ao máximo as modalidades da prova, mas por outro diz que se deve reprimir
o que tem que ser reprimido.

a) a prova processual como procedimento ordenado

O procedimento probatório que se realiza no processo constitui apenas mais um procedimento


epistémico e, como tal, deve estar sujeito apenas aos princípios de validação cognitiva que valem em
geral para os processos epistémicos, no contexto respectivo, sobretudo os métodos da racionalidade
cientifica e os princípios gerais do raciocínio e do sendo comum. E este principio da liberdade da priva
teria repercussões nas varias dimensões do procedimento probatório, anteriormente referidas:
1. Dimensão da admissibilidade da prova;
2. Dimensão da formação da prova;
3. Dimensão da investigação;
4. Dimensão da valoração.

Este modelo corresponde, então, a uma maximização da dimensão epistémica do procedimento


probatório no processo judicial e tem sido defendida esta perspectiva por importantes sectores da doutrina
sobretudo no pensamento alemão (numa tradição que remonta a Bentham, seguiu-lhe Thayer, Wigmore e
Twinning) e no pensamento italiano (por Taruffo). Esta escola encarna um pensamento a que Twinning
chamou de Escola Racionalista da Prova: aqui defende-se a limitação ao máximo do impacto que a
disciplina normativa tem no fenómeno probatório, o qual se deveria pautar até onde fosse possível pelos
cânones da racionalidade comum. De modo particular, propugna-se a iluminação das normas e
condicionantes procedimentais que se revelem contra-epistémicas, excepto se a sua manutenção for
imposta pela salvaguarda de interesses extra-processuais, designadamente a tutela de direitos
fundamentais absolutos. Assim, a disciplina probatória (a “law of evidence”) deveria ocupar um lugar
marginal no fenómeno probatório. Twinning usa mesmo uma imagem para comparar o espaço da “free
proof” e da “law of evidence”: a relação entre elas deveria ser como o espaço do queijo gruniere(?), em
que os buracos são a “free proof” e o queijo é a “law of evidence” (queijo em que há mais buracos do que
queijo).
Embora não seja pensável uma absoluta normativização de todas as dimensões da prova judicial
(mesmo nos sistemas mais extremados da prova legal), a verdade é que nenhum ordenamento jurídico
renunciou por inteiro a disciplinar a matéria probatória. A averiguação probatória que se faz no processo
não é equiparável aos procedimentos epistémicos das ciências ou da história, porque a prova da verdade
dos factos é um pressuposto essencial de uma decisão conforma à ideia de justiça. Ora, em todas as
dimensões do processo penal é manifesta a tensão e o conflito de interesses que reclama
permanentemente equilíbrios (pois todos os equilíbrios do processo penal sal muito instáveis – em todo o
direito há equilíbrios instáveis, mas os do processo penal são bastante), e isto é particularmente visível em
matéria da prova. Deste modo, isto faz com que as condições de validade juridicamente impostas para a
prova penal se afastem em muitos pontos das condições que no geral enformam os procedimentos
normativos e que valham em geral para os procedimentos cognitivos extra-judiciais. Por exemplo, os
limites ao poder de investigação: no processo penal os limites não são muito visíveis, por causa do
principio da investigação, mas no processo civil existem diversos limites. Outro exemplo, como se
superam os impasses probatórios na história: “in dúbio pró reo”, ficções legais, presunções legais, etc (o
tribunal não pode ver um “non liquet”, tem sempre que decidir). Outro exemplo são os interesse que

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Direito Processual Penal II
TEÓRICAS
2009/2010
merecem segredo: a reserva da vida familiar, etc. o processo probatório está então sujeito a diversos
limites. Tudo isto consiste na legalidade da prova. Estes sistemas demonstram bastante bem que os
processos não podem renunciar a uma disciplina, que é a legalidade da prova e que vai incidir sobre as 4
dimensões anteriormente referidas. Vamos então estudar agora o nosso próprio modelo probatório: a “law
of evidence”.

“LAW OF EVIDENCE” – A DISCILPLINA JURÍDICA DA PROVA

Num certo sentido, todas as regras que condicionam o procedimento probatório constituem as regras
gerais da prova (não confundir com provas legais, que é um conceito técnico preciso). É obvio que o
campo de incidência e as consequências destas regras são muito diversos. São também diversas as razões
justificantes destas regras. No entanto, podemos encontrar dois tipos de fundamentos para as regras gerais
de prova:
1. As regras legais podem ter um fundamento político / substancial / axiológico (normas a que
os americanos chamam de “extrinsic policy”): as normas dirigem-se a salvaguardar direitos
e interesses determinados, sobretudo de ordem constitucional – segredo profissional,
confidencias, tutela do silencio, privilégios contra a autodeterminação, segredos fundados em
relações familiares, correspondência, etc.
2. As regras legais podem ter também um fundamento epistémico / processual (às quais os
americanos chamam de “intrinsic policy”): através destas normas confere-se dignidade
normativa a um conjunto de cânones de julgamento que o legislador entendeu que não devem
ser remetidos por inteiro para os cuidados deontológicos do juiz.

b) a decomposição analítica do procedimento probatório

Vamos então decompor o procedimento probatório em três fases:


1. Fase da Admissibilidade;
2. Fase da Formação;
3. Fase da Valoração e do Controlo.

1) FASE DA ADMISSIBILIDADE
Esta fase procura responder à questão “quais as provas admissíveis no procedimento em função do
tema probatório?”. Esta questão inicial subdivide-se em vários núcleos problemáticos, dos quais se
destacam alguns:
− Qual o âmbito do tema probatório e que tipo de implicação há-de interceder entre esse tema
probatório e as concretas provas a admitir?
− Quais as fontes de informação admissíveis? Pode-se utilizar a prova mediúnica (dos
“media”)?
− Podem existir outras fontes de informação admissíveis além das que estão previstas na lei?
Este é o problema das formas atípicas.
− A quem compete aduzir essas provas? Quem é que iniciativa probatória? Qual é o poder do
juiz sobre essa iniciativa?

2) FASE DA FORMAÇÃO
3) FASE DA VALORAÇÃO – quais os princípios jurídicos que segue a valoração. Problema da
fundamentação e do recurso.

5. Perspectiva preliminar do direito da prova no Código de Processo Penal

Antes de estudarmos analiticamente o procedimento probatório, faremos uma rápida incursão pelo
Código de Processo Penal. Sublinhemos dois aspectos importantes: por um lado, a circunstância de o
legislador ter criado na estrutura do Código um corpo normativo tendencialmente unitário, no qual se
congregam as disposições fundamentais sobre a prova penal (no código anterior, a matéria da prova
estava dispersa) e, por outro lado, recordar que das normas legais ressalta o propósito de se articular um
direito da prova ou uma doutrina geral do direito probatório, estruturada sobre um conjunto de
importantes preceitos falados em Direito Processual Penal I, que corporizam as opções de fundo do
legislador (sobretudo os princípios constantes dos artigos 124º a 127º, 327º, 340º, 355º, 374º - destas
normas infere-se as traves mestras do sistema, porque é aqui que estão presentes a definição do objecto da
prova, a legalidade dos meios de prova, a consagração das mais importantes proibições de prova, o

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Direito Processual Penal II
TEÓRICAS
2009/2010
regime da iniciativa probatória e as regras da admissibilidade, o método fundamental da realização
probatória, a regra do contraditório, os princípios da oralidade e da imediação e seus limites e o dever de
fundamentação em matéria probatória).

(12/03/2010)
SUMÁRIO:
II. Procedimento probatório 1. Admissibilidade da prova a) objecto da prova: sentido e âmbito
normativo; análise crítica do art. 124.º b) a relevância da prova como critério fundamental da
admissibilidade – o princípio de que toda a prova relevante é admissível, salvo proibição legal c) a
legalidade da prova (análise do art. 125.º) aa) liberdade versus taxatividade dos meios de prova: o
problema das «provas atípicas». Sugestão de leitura SEIÇA, Alberto Medina de, «Legalidade da prova e
reconhecimentos “atípicos” em processo penal: notas à margem de uma jurisprudência (quase)
constante», separata do Liber discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra: Coimbra Editora,
2003, (apenas as) pp. 1401-1413 (n.º 9-14) [BFUP: 343.1/SEI/leg]

CAP. II
A disciplina legal do procedimento probatório.
O princípio da legalidade da prova e as "proibições de prova".
O princípio da livre apreciação e a "teoria de prova legal".

1. Admissibilidade da prova
a) Objecto da prova: sentido e âmbito normativo; análise crítica do art. 124.º

Falemos do tema da prova ou objecto da prova, porque o procedimento probatório constitui uma
finalidade finalisticamente determinada e assim está conformada pela finalidade que a justifica e impõe (a
finalidade conforma assim a própria actividade): a finalidade é assim, a comprovação da verdade dos
enunciados fácticos que integram o caso jurídico em discussão no processo. O âmbito dessa actividade
está condicionado e vinculado a um tema ou a um objecto. Nesta linha, o artigo 124º do CPP não constitui
uma pura regra informativa. Essa norma ao enunciar, embora imperfeitamente, o objecto da prova
estabelece já importantes limites normativos à actividade investigadora.
Nos termos deste artigo, o objecto da prova é então constituído por três tipos de enunciados (a que a
lei chama de factos):
1. Enunciados fácticos atinentes à INFRACÇÃO: questão da culpabilidade;
2. Enunciados fácticos atinentes à REACÇÃO CRIMINAL: questão da determinação da
sanção;
3. Enunciados fácticos atinentes ao PEDIDO CÍVEL: questão da indemnização cível.
Esta questão evidencia que a investigação da verdade, embora seja tarefa indispensável e fundamental
no processo tal como resulta do artigo 340º do CPP, é realizável somente num quadro circunscrito e assim
eventuais alargamentos do tema probatório são possíveis apenas no respeito pelas regras processuais que
disciplinam o tema do objecto do processo, designadamente o problema da alteração das regras.
No entanto, o artigo 124º não esgota todo o objecto da prova (não define todos os possíveis objectos
de prova). É obvio que quando falamos em enunciados fácticos, estamos a referir-nos aqueles que
permitem conclusões directas ou indirectas sobre os factos.
4. O objecto da prova estende-se ainda a outros enunciados: enunciados factuais dos quais
dependa a APLICAÇÃO DE NORMAS PROCESSUAIS.
Por exemplo: para a aplicação de prisão preventiva tem que se fazer prova dos
pressupostos e alguns deles não tem que ver com a existência de um crime.
5. O objecto da prova estende-se ainda aos enunciados factuais subsidiários ou auxiliares, ou
seja, às circunstâncias destinadas a comprovar a FIABILIDADE OU CREDIBILIDADE de
uma fonte de prova.
Por exemplo: a perícia que se destine a fiscalizar a credibilidade de uma testemunha.

b) A relevância da prova como critério fundamental da admissibilidade – o princípio de que


toda a prova relevante é admissível, salvo proibição legal

A fixação do tema da prova constitui pois o primeiro limite conformador da admissibilidade da prova.
Esse tema é dado pelo concreto contexto em que a hipótese problemática se discute e em função das
específicas finalidades que justificam o procedimento. Nesta questão, a finalidade que nos importa é a
decisão de casos jurídico-penais. No entanto, não é apenas a norma que abstractamente fixa o objecto,
pois no processo não se trata de determinar o tipo legal do crime cometido, mas sim de determinar aquela

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Direito Processual Penal II
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2009/2010
concreta hipótese daquele tipo legal de crime, isto é, os casos problemáticos em que a aquele caso
específico se conforma. Isto implica um requisito, a que se dá o nome de Requisito da Verosimilhança:
o caso e a hipótese têm que se verosímeis para constituir tema de prova (hipotética verosimilhança da
hipótese no contexto epistemológico dominante). Assim, o objecto da prova não pode estar em contraste
com o acervo de conhecimentos científicos e lógicos dominantes no momento.
Este juízo de hipotética verificabilidade remete para a dimensão do acontecimento histórico, mas que
se explicita quando se atenta no conteúdo do provável (não no sentido de ser possível, mas sim aquilo que
pode ser objecto de prova, que pode ser provado, cuja verificação pode-se provar).
Também não constitui objecto da prova a pura conjectura, a opinião, as valorações em si mesmas
consideradas, na medida em que não se pode emitir um juízo quanto á sua verdade ou falsidade. Podem
ser objecto de prova apenas quanto à verificação da sua existência. Mas não podemos confundir isto com
os enunciados fácticos dos quais os tribunais poderão fazer uma prognose (isto não é uma conjectura, pois
tem que haver um suporte fáctico deste género).

CRITÉRIO DA RELEVÂNCIA (1º critério):


Nos quadros determinados pelo objecto da prova, importa determinar quais as provas admissíveis.
Através do Critério da Relevância, dá-se resposta ao tipo de implicação que há-de interceder entre a prova
que se pretende introduzir e o objecto. Esse elemento tem de se mostrar relevante para a prova do facto.
Significa isto que é relevante qualquer item de prova que tenha qualquer capacidade de tornar a existência
de qualquer facto mais provável ou menos provável do que seria sem aquele item de prova (tal como se
diz na regra 401/2 das “Federal Rules of Evidence”). A aferição da relevância é feita pois no plano
epistemológico (e não jurídico), ou seja, de acordo com as regras comuns no processo de verificação
factual. A barreira é então imposta pela temporalidade humana e pela escassez de recursos. Esta é então a
primeira barreira, a Relevância.
Em rigor, o elemento de prova ou é relevante ou é irrelevante: nesta linha não haveria provas com
maior quantidade ou grau de relevância. Basta que um elemento em causa torne mais ou menos provável
o enunciado, porque uma coisa é a relevância do elemento da prova, outra coisa (completamente
diferente) é a sua suficiência probatória, que é capacidade para atingir bum certo “standard”. Assim, o
critério da relevância assume uma dupla função:
1. Função de Exclusão: são inadmissíveis as provas que não forem relevantes (artigo 340º/4/a)
CPP);
2. Função de Inclusão: todas as provas relevantes devem ser admitidas, que obriga a que todo o
órgão de informação decida com base nas provas relevantes (artigo 125º CPP) – aqui é que
surge o problema, porque vai haver também limites Às provas relevantes que poderão ser
aceites no processo.
Como se intui, a aplicação do juízo de relevância do elemento de prova, que constitui a primeira
barreira da admissibilidade, implica uma valoração preliminar sobre a capacidade probatória do
elemento em causa. Esta operação traduz pois uma antecipação sobre a eficácia probatória (é um
mecanismo perigoso por isso), de modo a excluir “ex ante” todas as actividades probatórias que se viriam
a revelar inúteis ou até mesmo perniciosas. Este juízo sobre a relevância não é estático ao longo do
processo, no entanto ele assume uma delicadeza quando se faz em sede de audiência de julgamento: isto
deve-se ao facto de haver o risco de uma ilegítima (porque é feita antes do contraditório) valoração
antecipada da prova. O juiz corre o risco de ir para o julgamento com uma visão dos factos.
No entanto, o juízo de relevância antecipa de algum modo a valoração sobre o resultado da prova, mas
não coincide (nem deve) com a determinação do valor efectivo que a prova poderá ter “ex post”. Por duas
razões fundamentais: (1) por um lado, a consideração de uma prova como relevante tem sempre um
carácter provisório, apenas para estabelecer se adianta ou não introduzir aquela prova, mas sem com isso
pré-determinar o seu valor; (2) por outro lado, o juízo de relevância é provisório e hipotético, porque o
juiz formula uma hipótese de que o enunciado em causa teria ou não ligação ao objecto,concluindo por
isso a sua relevância ou irrelevância.

c) A legalidade da prova (análise do art. 125.º)

Mas a admissibilidade não resulta só do critério da relevância: ela depende ainda de critérios
normativos, designados por Legalidade da Prova em sentido estrito, que resulta claramente do artigo
125º. A regra é de que toda a prova relevante é admissível, excepto se a lei o proibir.
Vários problemas merecem a nossa atenção.
Um deles prende-se com as Proibições de Prova. Mas falaremos dele mais tarde.
Outro deles é o facto de se saber se, além dos meios de prova que a lei expressamente prevê, poderá
haver outros meios de informação probatória admissíveis.

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Direito Processual Penal II
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aa) Liberdade versus taxatividade dos meios de prova: o problema das «provas atípicas»
Para este problema interessa saber se as formas probatórias estão sujeitas a um princípio de
taxatividade ou não (se podem existir ou não provas atípicas) ou se se pode admitir outras provas que não
estejam disciplinadas na lei. Assim, a lei disciplina os meios como a prova se torna admissível no
processo, elas constituem consequências procedimentais, esquemas, dirigidos a introduzir prova no
contexto processual. Por exemplo: escutas telefónicas, prova testemunhal, prova pericial, etc. Mas qual
será a vinculatividade destas formas? Serão elas fungíveis (passíveis de ser substituídas por outras)? No
entender do professor Medina Seiça, estes esquemas previstos pelo legislador constituem as formas
probatórias que a sedimentação histórica consagrou como as mais adequadas para a aquisição da
informação probatória. Daí resulta que o seu recorte normativo, tanto no que diz respeito ao modo
positivo de realização (por exemplo, as exigências procedimentais dos meios de prova: os juramentos das
testemunhas, o reconhecimento das pessoas, etc, que diferem de lei para lei), bem como no que diz
respeito aos limites negativos da sua validade (por exemplo, a proibição de métodos, em que a
testemunha fala mas não se pode bater, etc), seja tão pormenorizado. Isto dito porém, não invalida que
além das formas probatórias previstas na lei não seja possível em casos excepcionais o recurso a meios
não constantes do catalogo, sobretudo por razoes de evolução científica.

(18/03/2010)
SUMÁRIO:
2. Limites à admissibilidade da prova a) a prova proibida (remissão para o ponto III, infra) b) a prova
supérflua (a notoriedade do enunciado factual), a prova de difícil obtenção, a prova com finalidade
dilatória (análise do art. 340.º, n.º 4). 3. Iniciativa probatória: o modelo processual acusatório
integrado pelo princípio da investigação

2. Limites à admissibilidade da prova

a) a prova proibida (remissão para o ponto III, infra)

De facto, há limites legais à admissibilidade das provas. Há então vários aspectos que merecem uma
análise. Um primeiro ponto é o das provas proibidas, que refere que nem todas as provas são admissíveis,
nos termos do artigo 340º/3 CPP. Este tema será estudado mais à frente. Um outro ponto que merece
referencia é o da taxatividade ou não taxatividade dos meio de prova: o problema de saber se as fontes de
informação probatórias estão confinadas a um núcleo fechado, taxativo ou se haverá outras formas não
previstas na lei.
A lei portuguesa refere no artigo 125º CPP (repetido no artigo 292º/1) que o sistema português não
está sujeito a um princípio da taxatividade, isto é, que não existe no nosso sistema uma norma de clausura
que restrinja o sistema probatório Às formas previstas na lei. Esta é a conclusão imediata deste artigo.
Não só na letra da lei aponta nesse sentido, mas também a sua interpretação é favorecida pelo elemento
histórico da interpretação e dos trabalhos preparatórios, como fontes inspiradoras da nossa lei: o projecto
do nosso código foi profundamente inspirado por um projecto italiano (de 1978). Neste projecto estava
consagrado o princípio da taxatividade, que no entanto depois não veio a ser consagrado em lei.
O artigo 125º não é assim tão absurdo, porque dele se infere que o procedimento probatório é uma
matéria legalmente disciplinada e ordenada. Assim, embora as formas legalmente previstas não esgotem
todos os sistemas probatórios possíveis, a verdade é que aquelas que a lei elencou são as que em abstracto
foram consideradas idóneas para o esclarecimento do objecto da prova. Por isso elas foram previstas e
minuciosamente regulamentadas na sua admissibilidade e realização.
Ora, em relação a eventuais provas atípicas, não existe este juízo normativo de abstracta idoneidade,
nem obviamente se encontra regulamentado o procedimento para a sua realização. Assim, a
admissibilidade desta prova atípica deve depender de um juízo “ex ante” sobre a sua abstracta
funcionalidade, juízo esse que tem por referência os princípios orientadores do modelo probatório, tanto
os atinentes à tutela dos direitos fundamentais da pessoa (os que são denominados de “extrinsic rules”
pelos americanos), como os que asseguram a validade epistemológica.
Tratando-se de facto de uma fonte probatória atípica, além deste juízo preliminar sobre a
admissibilidade, importa estabelecer com anterioridade o modo processualmente válido da sua realização,
isto é, os termos em que a produção ou a realização desse meio de prova se há-de processar. Neste ponto,
assume particular importância o princípio do contraditório, para que as partes discutam a realização desse
meio de prova não prevista.

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Direito Processual Penal II
TEÓRICAS
2009/2010
Uma coisa é a existência de provas atípicas, outra coisa diferente é o afastamento das formas
probatórias previstas na lei e a validação dos resultados assim obtidos, considerando-as provas atípicas
valoráveis por força do princípio da livre apreciação.
Nota: o legislador previu determinados esquemas e depois previu regras que ordenam a sua
realização; qual o valor destas regras? Serão elas taxativas? Poderão vir as partes dizer que em vez das
regras estabelecidas para aquele esquema usaram outras previstas para outro esquema? Não será isto fugir
ao procedimento determinado pelo legislador? Haverá possibilidade de estes esquemas serem substituídos
uns aos outros? Podem então as partes dizer que como estas regras não são taxativas, podem ser usadas
regras de outros esquemas. No entanto, não pode haver esta modificabilidade (fungibilidade) entre
esquemas. Esta é uma forma que embora não seja admitida, é muitas vezes confundida com a questão das
normas atípicas.
Exemplo: imaginemos que estamos numa situação em que se pretende confirmar a anomalia psíquica
de determinado indivíduo. Para este caso, seria necessária uma perícia psiquiátrica (prova pericial). Mas
imaginemos que o juiz diz que tem ali 4 pessoas que confirmam que aquela pessoa tem de facto uma
anomalia e apresentam diversas razoes para justificar essa posição (prova testemunhal). Isto não seria
admissível, porque não se pode descartar as regras estabelecidas pelo legislador para aquele esquema.

b) a prova supérflua (a notoriedade do enunciado factual), a prova de difícil obtenção, a prova


com finalidade dilatória (análise do art. 340.º, n.º 4).

Na lei, existem ainda outras situações que determinam a inadmissibilidade dos meios de prova.
Em primeiro lugar, a prova requerida deve ser rejeitada se se mostrar desnecessária ou, como refere a
lei no artigo 340º/4 CPP, “supérflua”. Este carácter supérfluo da prova pode decorrer da circunstância de
os enunciados factuais em causa serem notórios, isto é, não carecerem de demonstração probatória. A
notoriedade do facto dispensa a produção de facto quanto a ele. Por factos notórios, entendem-se aqueles
que as pessoas medianamente informadas podem ter conhecimento, como seja por exemplo a distância
entre locais, a existência de monumentos, certos acontecimentos históricos, etc.
O requerimento de prova pode ainda ser rejeitado se for difícil obter a prova, por exemplo se a
testemunha se encontra em local desconhecido ou inacessível ou então porque não existe ou não é
possível lançar mão no caso de um mecanismo de cooperação judiciária. Neste caso, a prova, uma vez
que não pode ser sujeita aos princípios fundamentais do contraditório, da oralidade e da imediação (artigo
345º CPP), não deve ser então admitida e o seu requerimento tem que ser rejeitado.
Deve também ser rejeitado o requerimento da prova com finalidade meramente dilatória (artigo
340º/4/c) CPP), quando o que se pretende é retardar ou prejudicar o regular andamento do processo
através da repetição de requerimentos infundados.

3. Iniciativa probatória: o modelo processual acusatório integrado pelo princípio da


investigação

A questão da iniciativa probatória é bastante importante na configuração da sistema probatório e do


modelo processual, pois depende de qual o modelo seguido em cada país. A este propósito, coloca-se a
contraposição entre o Modelo Adversarial (“adversarial system of litigation”) e o Processo Inquisitório
(processo com o Princípio da Investigação).
No primeiro modelo, quer a iniciativa, quer a realização probatória, incluem-se na esfera de
competência das partes. A elas cabe aduzir as partes que consideram necessárias e que suportarão a sua
posição, bem como depois o essencial da realização probatória. O juiz limita-se a controlar os critérios
básicos da legalidade, não tem iniciativa probatória, é um terceiro alheio. É um sistema típico do modelo
americano.
Pelo contrário, nos sistemas de Processo Inquisitório cabe ao juiz de facto amplos poderes em matéria
probatória, quer no controlo da admissibilidade, quer quanto à iniciativa e produção de prova.

FASES Admissibilidade Formação Valoração


A tarefa da formação Quem faz a valoração é
MODELO São as partes têm também cabe às partes, o júri, que não interfere
ADVERSARIAL iniciativa probatória. enquanto o juiz regula a nem pode fazer
veracidade (“farness”) perguntas. Limita-se a
dessa formação. apreciar.
Juiz tem também
MODELO iniciativa probatória Juiz tem poderes de É o juiz que valora.

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Direito Processual Penal II
TEÓRICAS
2009/2010
INQUISITÓRIO (além do poder introdução de prova
conferido às partes –
MP e arguido).

O âmbito da investigação judicial coincide com o âmbito do objecto da prova, como é obvio, mas
dentro dele deve ser o mais completo possível, sob pena de se verificar uma situação de nulidade
conforme ao artigo 120º/2/d) CPP. Este poder-dever de exercer o princípio da investigação deve ser feito
de forma eficaz e completa, pois o Princípio do “in dúbio pró reo” não deve ser usado para superar
dúvidas de investigações deficientes. Mas o princípio da investigação não é ilimitado: para ele, valem os
mesmos requisitos que o artigo 240º estabeleceu como critérios para a rejeição de requerimentos de
prova, bem como a importante exigência de celeridade processual constitucionalmente consagrada no
artigo 32º/2 CRP. Quando o tribunal ordena oficiosamente meios de prova (isto é, quando ele tem
iniciativa) deve informar os outros sujeitos processuais, conforme refere o artigo 340º/2 CPP.
A iniciativa probatória pertence então ao tribunal, ao MP, ao arguido, ao assistente a às partes civis.
Existem depois formas para os requerimentos e prazos que devem ser respeitados, mas serão
diligências que não serão aqui tratadas.

(19/03/2010)
SUMÁRIO:
III. Proibições de prova 1. Sentido, fundamento e âmbito normativo das proibições de prova. Referência
às experiências norte-americana (exclusionary rules) e do direito alemão (Beweisverbote). ANDRADE,
Manuel da Costa, Sobre as proibições de prova em processo penal, Coimbra: Coimbra Editora, 1992,
pp.117-127 [BFDUP: 343.1/AND/sob] 2. Proibições de produção de prova e proibições de valoração
da prova a) proibições de produção de prova (proibições de temas de prova; proibições de meios de
prova; proibições de métodos de prova) b) proibições de valoração da prova (dependentes e
independentes) 3. Proibições de valoração dependentes: a implicação entre proibições de produção e de
valoração (a corrente minoritária que afirma uma implicação necessária entre a produção proibida e a
proibição de valoração; o paradigma dominante: nem todas as proibições de produção impõem uma
proibição de valoração – referência exemplificativa às principais doutrinas: teoria da esfera jurídica,
teoria dos três graus, teoria da ponderação, teoria do fim de protecção da norma, teoria dos processos
hipotéticos de investigação). Bibliografia ANDRADE, Manuel da Costa, Sobre as proibições de prova
em processo penal, cit., pp. 90-100 (até n.º 4. a), 102 (n.º 5)-110.

CAP. III - Os meios de prova e os meios de obtenção de prova.


Análise do direito positivo.

Proibições de prova

Falamos há pouco que as provas não podem ser valoradas se forem proibidas e de facto as leis
estabelecem uma disciplina jurídica bastante exigente para essa valoração e desvios a essa disciplina.
As proibições de prova são normas que sancionam uma desconformidade em matéria probatória. Mas
nem sempre as normas são claras. Assim, a doutrina procurou arrumar esta multiplicidade de normas em
varias categorias.

1. Sentido, fundamento e âmbito normativo das proibições de prova. Referência às experiências


norte-americana (exclusionary rules) e do direito alemão (“Beweisverbote”).

Neste tema, entroncam dois modelos, duas tradições diferentes: por um lado, um modelo norte-
americano, conhecido como o Modelo de “exclusionary rules” (que têm uma natureza marcadamente
processual, cujas normas são dirigidas de forma exclusiva para as instâncias formais de controlo – polícia
– pois visam disciplinar a sua actividade, colocando um travão aos seus excessos) , e por outro lado, um
modelo alemão, conhecido como o Modelo de “Beweisverbote” (esta figura tem uma matriz de cunho
mais substantivo, isto é, as proibições de prova são meios processuais de tutela dos direitos substantivos
das pessoas).
Exemplo: tenhamos em conta um diário de determinada pessoa. Se o diário tivesse sido obtido pela
polícia sem mandato, não valia para os americanos. Se tivesse sido obtido por um qualquer particular, já
valia para eles. Para os alemães, teria que se ter em conta o conteúdo do diário, não interessando tanto o
modo como foi adquirida aquela prova, mas sim se a sua informação é ou não relevante para a
investigação.

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Direito Processual Penal II
TEÓRICAS
2009/2010
As proibições de prova constituem limitações relevantes à investigação da verdade, na medida em que
impõe a exclusão de informação epistemicamente relevante, pois há outros valores que o sistema pretende
acautelar e nesse sentido muitas dessas regras são contra-epistémicas, porque restringem a averiguação da
verdade.
O modelo mais consensual (embora não haja uma terminologia consensual), o “Beweisverbote”,
divide-se em duas categorias fundamentais: por um lado, as proibições de produção de prova, e por outro
lado, as proibições de valoração de prova. Dentro destas, costuma distinguir-se várias categorias, que
serão expostas a seguir.

2. Proibições de produção de prova e proibições de valoração da prova

a) Proibições de produção de prova (proibições de temas de prova; proibições de meios de


prova; proibições de métodos de prova)

Uma das proibições de produção de prova é a proibição de temas de prova. Há certas matérias que não
podem ser objecto de prova, que não devem ser trazidos como fonte de informação probatória. Mas
imaginemos que eles foram trazidos, embora não o podendo ser. Por exemplo: nas informações
protegidas, o tribunal não deve impor o dever de verdade, logo as provas não podem incidir sobre isso.
Outra proibição de prova é a proibição de métodos de prova, em que a forma pela qual se obtém a
informação é ela proibida. Por exemplo, a tortura, a hipnose e o engano não podem ser usados no
processo.
Alguns autores falam também em proibição de meios de prova. Por exemplo: um arguido não pode ser
interrogado como testemunha.

b) Proibições de valoração da prova (dependentes e independentes)

Certa informação de prova, embora adquirida e produzida, não deve ser valorado, ou seja, não deve
ser levada aos fundamentos da decisão (não deve ser considerado para decidir). Nesta categoria, a maior
parte da doutrina alemã distingue entre duas modalidades: as proibições de valoração dependentes e as
proibições de valoração independentes.
Quanto à primeira modalidade, são aquelas que têm como pressuposto uma proibição de produção,
isto é, que ocorrem com consequência dela.
Quanto à segunda modalidade, são aquelas que não pressupõem nenhuma proibição de produção
anterior, não estão vinculadas a ela; mas decorrem directamente da valoração axiológica constitucional,
fundando-se numa ideia de tutela de bens jurídicos constitucionalmente assegurados.
Por exemplo, na anterior questão do diário anteriormente usada, poderá ela ser usada ou não? Isto não
dependerá do modo de produção de prova, porque mesmo sendo legitimamente obtida, pode não ser
valorada.
A lei alemã, embora muito semelhante à lei portuguesa, tem diversas normas que não prevêem
sanções: não há lá nada que diga “é nulo”, “anulável”, etc, como acontece frequentemente na nossa lei
(artigos 126º, 129º, 134º, 140º, 147º, etc CPP). Passamos então para o próximo tema, em que se coloca
uma pergunta bastante oportuna.

3. Proibições de valoração dependentes: a implicação entre proibições de produção e de


valoração (a corrente minoritária que afirma uma implicação necessária entre a produção proibida
e a proibição de valoração; o paradigma dominante: nem todas as proibições de produção impõem
uma proibição de valoração – referência exemplificativa às principais doutrinas).

Que implicação há entre as proibições de produção e de valoração? As proibições de produção


implicam sempre uma proibição de valoração ou nem sempre? Vejamos que respostas deram.

Existe uma fracção minoritária de autores (como Schmidt, etc), sobretudo da doutrina mais antiga, que
responde à pergunta em sentido afirmativo, isto é, entendem que uma proibição de produção tem como
consequência necessária uma proibição de valoração. Justificam a sua posição com o facto de isto ser
imposto pela sua formalidade/conformidade à ideia de Justiça (a palavra usada por eles é “Förmlichkeit”,
que é dificilmente traduzida à letra). Atende às formalidades como formas processuais de garantia, porque
onde não há forma há o casuísmo, o livre arbítrio. As formas são protectoras, porque nos garantem um
tratamento igual.
Há aqui uma ideia importante: esta defesa veemente das formas deve-se ao facto de esta teoria ter
surgido no pós-guerra, onde o decisionismo terá sido muito utilizado, conduzindo a injustiças.

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Direito Processual Penal II
TEÓRICAS
2009/2010
Para estes autores, a justiça não está só na concreta aplicação do tipo legal de crime. A justiça também
está na necessidade de essa decisão ser obtida por um modo processualmente válido. Estes autores
defendem também que quando estas normas que estabelecem regras imperativas para a produção são
violadas, tem que haver uma compensação, uma anulação, a que eles dão então o nome de proibição de
valoração.
Mas esta tese é muito minoritária, por uma razão simples: de um lado, podemos aceitar esta teoria
como valor, tutela, no entanto, do outro lado, há um interesse de uma eficaz administração da Justiça.

Assim, a doutrina dominante diz que não há uma relação de implicação necessária entre a proibição de
produção e a proibição de valoração. Isto é, pode haver casos em que houve uma produção proibida, mas
que não teve como consequência uma proibição de valoração.
Os defensores desta tese defendem então que nem sempre as proibições de produção conduzem a
proibições de valoração. Mas daqui surgiram diversas teorias.

Teoria da esfera jurídica:


Esta teoria é uma criação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal Alemão (BGH). Havia casos
em que a prova tinha sido mal produzida, mas tinha sido valorada, então tinham que arranjar uma
solução, que ficou conhecida como a teoria da esfera jurídica. Este caso relacionava-se com o direito da
testemunha recusar o depoimento, se entender que esse depoimento o possa incriminar (artigo 132º/2
CPP). Neste caso, a testemunha tinha falado e o arguido pediu depois para que não considerassem o
depoimento da testemunha, porque o incriminava, aduzindo que esta era uma prova proibida que tinha
sido mal produzida. O Supremo disse que o arguido não tinha razão, porque ele só podia interpor recurso
para o Supremo nas hipóteses em que a norma reguladora da produção de prova se dirija à tutela da sua
esfera jurídica. A determinação dessa tutela só poderia então ser feita caso a caso, consoante cada norma,
e depende de saber no interesse de quem foi estabelecida aquela norma.
Por exemplo: A violação da norma do 134º ainda se inclui na esfera jurídica do arguido, porque a
norma se destina a proteger a relação familiar entre o arguido e a testemunha. Já o artigo 132º visa
proteger a testemunha, logo não se relaciona com a esfera jurídica do arguido. Era isto a que o tribunal se
referia.
Esta doutrina foi criticada por muitos autores, principalmente pelo facto de o arguido ter direito ao
cumprimento de todas as formalidades previstas, independentemente de terem ou não a ver com a sua
esfera jurídica.

Teoria dos três graus:


Esta teoria tem origem na jurisprudência do Tribunal Federal Alemão, que tratou dela a propósito de
certos meios de prova que contendiam com a área de intimidade, ou seja, a propósito de certas provas
produzidas através de informações probatórias atinentes a áreas de reserva (por exemplo, gravações,
diários, etc).
A jurisprudência tentou então traçar três âmbitos de tutela:
1. A esfera da intimidade – há uma reserva de intimidade que deve ser protegida contra todas as
intromissões, sem admitir sequer um juízo de ponderação entre o bem tutelado (intimidade) e
a eficácia da Justiça. Este era o último reduto do ser humano, em que ninguém poderia
intrometer-se;
2. A esfera da vida privada – é um bem tutelado, porque temos direito a ter uma vida privada.
Constitui um bem tutelado, embora tenha que ser confrontado com outros bens que com ele
conflituam (que até podem prevalecer sobre ele), nomeadamente com a boa administração da
Justiça. Aqui já há uma ponderação.
3. A esfera da interacção social – embora não tenha de pertencer ao âmbito da publicidade,
pode ser objecto de valoração.
Obviamente que esta teoria também sofreu criticas, nomeadamente quanto às sua dificuldade em
demarcar com alguma segurança estas zonas.

Teoria do fim de protecção da norma:


Para os defensores desta teoria, a valoração da prova que tinha sido incorrectamente produzida,
embora ainda assim valorada, (isto é, obtida através de uma proibição de prova) é possível em certos
casos, sobretudo em duas situações. Vejamos cada uma delas.

Um primeiro caso que é defendido pelos autores é o seguinte: nos casos em que o fim de protecção da
norma já foi definitivamente frustrado ou se encontra definitivamente impedido. Isto é, nos casos em que

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Direito Processual Penal II
TEÓRICAS
2009/2010
a produção ilegal de prova constitui ela mesma a lesão irreversível do seu fim de protecção. Nestes casos,
pode então valorar-se.
Se, pelo contrário, só com a valoração se consuma ou aprofunda a lesão no fim da tutela prevista na
norma, neste caso já não se podem valorar.
Por exemplo: um psiquiatra foi induzido e falou determinadas coisas que estavam no âmbito do
segredo. Ele tinha direito a recusar, mas não o fez, porque foi induzido em erro. Temos aqui uma
proibição de produção, mas teremos aqui uma proibição de valoração no sentido desta teoria? Neste caso,
poderia esta prova ser valorada, porque o interesse da norma é proteger a relação médico/paciente, logo o
fim de protecção da norma já foi violado e definitivamente destruído. O segredo já não existe, porque o
médico já contou tudo. Não valorar, não restitui à norma a sua eficácia tutelar.
Outro exemplo: um arguido é interrogado e não é esclarecido sobre o direito a estar calado. Há aqui
uma prova mal produzida, logo não pode ser valorada, porque tal ia reforçar a lesão. Ter-se-ia que o
constituir novamente o indivíduo como arguido, anular aquela produção de prova e valorar do início.

O segundo caso tem já um nome: Teoria dos processos hipotéticos de investigação. Segundo esta
teoria, uma violação de uma proibição de produção não implica a proibição de valoração, sempre que a
prova em causa se tivesse igualmente adquirido, caso as normas processuais que foram violadas tivessem
sido condicionadas.
Por exemplo: escutas mal autorizadas, que poderiam levar qualquer juiz a aceitá-las.
Há aqui uma crítica de fundo: estas teses têm o risco de puras operações mentais.

4. Provas consequenciais a uma prova proibida: o problema do «efeito-à-distância. Outros


problemas importantes colocados pela teoria das proibições de prova.

Além destas teorias já explicadas, existem outros problemas importantes colocados pela teoria das
proibições de prova.
Um dos problemas é o efeito-à-distância das proibições de prova, também conhecido como provas
sequenciais. O problema de produção de uma prova primária também se estende à prova secundária
obtida através da primeira? Por exemplo: se a confissão do cometimento de um crime de um criminoso
preso obtidas através de choques eléctricos inferidos no sujeito, der origem a outras informações além da
confissão do crime, poderão essas informações ser valoradas? Se a proibição de valoração inquina a prova
primária, isso repercute-se ou não nestas provas sequenciais?
. A proibição de valoração que afecta a prova primária repercute-se Trata-se de saber se o efeito da
proibição de uma prova se estende também a outros elementos probatórios que foram obtidos em virtude
da primeira prova, da prova proibida ou não e em que termos sobre as eventuais provas derivadas,
consequenciais ou secundárias. Por exemplo, imagine-se que a polícia obteve uma declaração do arguido
através de um meio enganoso: essa declaração está sujeita a uma proibição de valoração, logo não vai
poder ser utilizada. É este problema que é conhecido como efeito-à-distância.
Para responder a isto, há também inúmeras teorias. Vejamos.

(25/03/2010)
SUMÁRIO:
4. Provas consequenciais a uma prova proibida: o problema do «efeito-à-distância. Referência ao
modelo norte-americano da fruit of the poisonous tree doctrine e dos seus limites: a excepção da fonte
independente (independent source exception), a excepção da descoberta inevitável (inevitable discovery
limitation) e a doutrina da atenuação da mácula (purged taint limitation ou doctrine of attenuation"); o
quadro do direito germânico da Fernwirkung (os limites do fim de protecção da norma e dos processos
hipotéticos de investigação). ANDRADE, Manuel da Costa, Sobre as proibições de prova em processo
penal, cit. pp. 169-182. Acórdão TC n.º 198/2004 (Rel. Cons. Moura Ramos), disponível em:
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20040198.html (apenas os números 2. 2 ss) 5. O
direito português das proibições de prova a) aspectos essenciais do modelo aa) fundamento axiológico
bb) articulação e contraposição com o regime das nulidades processuais Bibliografia: ANDRADE,
Manuel da Costa, Sobre as proibições de prova em processo penal, cit., pp. 188-198. CONDE, João
Correia, Contributo para a análise da inexistência e das nulidades processuais penais, Coimbra:
Coimbra Editora: 1999, pp. 156-161 [BFDUP: 343.1/COR/con]

Teoria dos frutos da árvore envenenada (“fruit of the poisonous tree doctrine” ou “Taint
Doctrine“):

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TEÓRICAS
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a excepção da fonte independente (independent source exception),


a excepção da descoberta inevitável (inevitable discovery limitation) e a
doutrina da atenuação da mácula (purged taint limitation ou doctrine of attenuation");

Se nós não admitirmos o efeito-à-distância, tal é a única forma de travar a polícia, que é o que se visa
nos EUA. No quadro norte-americano, este problema é conhecido por uma metáfora, estabelecida numa
sentença e designada por Doutrina dos Frutos da Árvore Envenenada. Se a raiz está envenenada, ela não
pode ser utilizada e os seus frutos também não. Se a prova primária está envenenada também as provas
secundárias ou consequenciais não podem ser valoradas. Por isso é que também se chama a esta doutrina
de “Taint Doctrine” (ideia de mancha que vai contaminando).
A justificação que é dada nas decisões americanas (porque o direito norte-americano tem uma base
fundamentalmente jurisprudencial) prende-se com a necessidade de dar efectividade à dissuasão de
práticas ilegais por parte das instâncias formais de controlo. No sistema americano, o fundamento
primacial da existência das proibições de prova (chamadas de “exclusionary rules”) assenta nesta ideia de
dissuasão (“deterrence”): elas têm no fundo uma função disciplinadora das instâncias de controlo. Se não
houvesse estas proibições a polícia não teria estes limites. Por exemplo, a proibição de entrada em
propriedade privada sem mandado judicial.
Esta ideia de “deterrence” também explicaria esta teoria.
No entanto, o Supremo Norte-americano foi reconhecendo ao longo do tempo diversas importantes
excepções ao efeito-à-distância. Todas elas resultam da ponderação de interesses em conflito, que é
inevitável: por um lado, está a efectiva tutela dos direitos fundamentais dos indivíduos, por outro lado,
está a eficácia da boa administração da Justiça, a efectividade da Justiça. São elas:
1. “Independent Source Exception” – a prova secundária (obtida em consequência de uma
prova primária proibida) pode valorar-se sempre que, paralelamente à forma ilegal como foi
obtida, existia uma forma legítima e independente de a obter: o que eles chamam de “actual
clean path” (plano da REALIDADE).
2. “Inevitable Discovery Exception” – admitiram ainda a valoração de uma prova secundária
nos casos em que há uma descoberta inevitável da prova: quando se demonstre que existia no
caso uma alta probabilidade de que a polícia a obtivesse por vias lícitas (plano do
HIPOTÉTICO).
3. “Purged Taint Exception (Doctrine of Attenuation)” – a prova secundária pode valorar-se
quando a conexão com a prova inquinada for muito ténue, muito atenuada (há uma ligação
sim, mas essa é bastante ligeira).
São estas as mais importantes excepções ao efeito-à-distância.

Doutrina “Fernwirkung” (os limites do fim de protecção da norma e dos processos hipotéticos
de investigação).

No quadro do Direito Alemão, também não há doutrinas dominantes, há várias posições que reúnem
autores importantes.
Em primeiro lugar, há uma corrente que defende a negação, ou seja, nega o efeito-à-distância. Por
princípio, as proibições de prova não desencadeiam segundo esta doutrina um efeito-à-distância, pois o
efeito da prova cinge-se às provas primárias. Esta tese fundamenta-se em razoes político-criminais que se
prendem com a eficácia do sistema de justiça, da administração da justiça.
Também há autores pertencentes a esta corrente que dizem que não se pode admitir o efeito-à-
distância, também porque o Direito Penal tem uma função social muito importante: a função de absorver
os sentimentos mais atávicos de vingança que as comunidades sentem perante o crime. Ora, nos casos em
que não existisse quaisquer dúvidas sobre a culpabilidade do arguido, em virtude da abundante prova
secundária disponível, mas por força do efeito-à-distância tais provas tivessem de ser desconsideradas e
por conseguinte o arguido absolvido, o Direito Penal perderia essa capacidade de absorver os sentimentos
de vingança e poderia suscitar-se sentimentos de revolta.
Além do mais, invoca-se ainda que não se pode sustentar em todos os casos que a prova mediata
(secundária) não teria sido obtida por vias legais. É difícil provar que aquela prova não teria sido
conseguida se não fosse aquela prova proibida. Em segundo lugar, temos depois outra corrente que
defende o efeito-à-distância e fá-lo em nome dos princípios do Estado de Direito, que pretende assegurar
uma efectiva tutela aos arguidos, protegendo-os perante manobras ilegítimas da administração de Justiça.
Alias a não ser assim, a eficácia dos meios de prova seria muito reduzida e continuaria a ser proveitoso na
perspectiva da investigação o recurso a métodos proibidos de prova. Embora as provas primárias fossem

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invaloráveis, sempre se obteriam outras informações eventualmente relevantes das provas secundárias.
Assim, só o efeito-à-distância pode limpar a mancha da ilegalidade.
Temos ainda uma terceira corrente que sustenta uma tese intermédia, procurando fugir aos obstáculos
que qualquer uma das outras posições encontra. Esta teses defende que tem que haver uma orientação ao
caso concreto, ou seja, não se pode estabelecer um princípio de verdade universal. Essa orientação tem
que ser enformada de um critério de ponderação entre, por um lado, a gravidade do crime e os interesses
estaduais na sua perseguição e, por outro lado, o interesse dos direitos fundamentais dos indivíduos. Neste
problema existe uma necessidade de superar um conflito entre dois deveres estaduais: o dever de
estabilizar as garantias constitucionais (direito à privacidade, direito à palavra, dignidade humana, etc) e,
em contrapeso, o dever de estabilizar as normas jurídico-penais (normas que proíbem o roubo, a violação,
etc). Estes autores dão muito relevo, como critério operatório, aos processos hipotéticos de investigação
(além do princípio da ponderação), isto é, só pode pôr-se a questão do efeito-à-distância em relação a
provas secundárias que não teriam sido obtidas pelas autoridades sem a violação da lei.

5. O direito português das proibições de prova

a) Aspectos essenciais do modelo

aa) fundamento axiológico


As proibições de prova constituem um instituto autónomo no Direito Processual Português. É um
corpo de normas e princípios com autonomia, dentro do sistema. E isto foi de facto uma aquisição que se
tornou notória com o Código de 1987, pois na verdade anteriormente os problemas atinentes aos vícios da
prova eram quando muito referenciados no quadro da figura das invalidades dos actos (nulidades e
irregularidades).
Com o Código de 1988, as proibições de prova assumem uma autonomia normativa específica. Isto
aliás, é claramente expresso por uma norma do Código, o artigo 118º/3. Os vícios dos actos processuais
geram invalidades de vária ordem. Colocava-se então o problema de os vícios afectarem as provas.

bb) articulação e contraposição com o regime das nulidades processuais


Então, à primeira vista, as nulidades e as proibições de prova, configuram-se como sistemas
independentes. Porém, a situação normativa não é assim tão clara e existem várias interpenetrações entre
os dois sistemas. Com efeito, bastantes proibições de prova aparecem sancionadas com a nulidade, por
exemplo, os artigos 126º, 134º/2, 190º, etc.
Este era um dos temas que deveria ter merecido bastante atenção do legislador nesta última Reforma.
Nos tínhamos o sistema das Nulidades e enxertamos o sistema das Proibições sem termos especificado
bem o anterior. O regime das Proibições de Prova transcende o das Nulidades. Aliás, em matéria de
formulação de regime, a lei portuguesa não é das mais claras, na medida em que utiliza diferentes
conceitos normativos para exprimir realidades à primeira vista similares: por exemplo, o artigo 147º diz
“não tem valor”, o artigo 355º/7 diz “não valem”, o artigo 328º/4 diz “perde eficácia”, será que todas
estas expressões são equivalentes a dizer “são nulas” ou têm outro significado?
Este regime das Proibições tem então autonomia, mas tem que ser interpretado em conjunto com o
regime das Nulidades. Eles parecem independentes, mas não o são. O regime das Proibições transcende
como já foi dito o regime das Nulidades.
A lei portuguesa conferiu relevo à distinção entre a Proibição de Produção e a Proibição de Valoração.
Por exemplo, no artigo 126º/1. No que diz respeito ao fundamento axiológico das Proibições de Prova no
direito português, podemos dizer que, tal como acontece com o direito alemão, perfilha uma compreensão
material ou substantiva das Proibições de Prova, isto é, com instrumentos processuais que pretendem dar
efectividade a garantias e direitos fundamentais, e não, como no sistema americano, em que as Proibições
de Prova são mecanismos processuais dirigidos a disciplinarem a actividade das instâncias de controlo.
Com efeito, as Proibições de Prova não se cingem às provas obtidas pelas autoridades, pelas instâncias de
controlo, pois podem estender-se também às provas obtidas por particulares. Veja-se por exemplo o artigo
167º, relativo ao valor das fotografias e gravações.

b) Liberdade de declaração, reserva da intimidade, direito à palavra: o problema dos métodos


proibidos de prova.

aa) a matriz constitucional: análise do art. 32.º, n.º 8, da CRP


A norma constitucional mais importante a ter em conta é o artigo 32º/8 CRP. Esta norma é uma
concretização do 32º/1, que é a regra geral. Constitui o quadro normativo fundamental do regime das

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Proibições de Prova português, porque encerra os direitos dos indivíduos mais importantes que devem ser
salvaguardados e efectivamente tutelados.
Alem deste artigo constitucional, é também importante o artigo 126º CPP. Existem muitas proibições
de prova, mas não vamos falar todas, vamos apenas ver algumas.
A norma do artigo 126º assenta numa ideia de dignidade da pessoa humana e procura de algum modo
assegurar a integridade axiológica do Estado, a sua reputação, porque o Estado não pode ser um qualquer
malfeitor que lança mão de malfeitorias para caçar os criminosos.

(26/03/2010)
SUMÁRIO:
b) Liberdade de declaração, reserva da intimidade, direito à palavra: o problema dos métodos
proibidos de prova. aa) a matriz constitucional: análise do art. 32.º, n.º 8, da CRP bb) o catálogo
(exemplificativo) do art. 126.º do CPP (referência à proibição da tortura, maus tratos, hipnose,
administração de meios, ameaça e promessa de vantagem legalmente inadmissível; o sentido e alcance
de «meios enganosos»;a questão das «acções encobertas»; polígrafo; as proibições de prova relativas
constantes do art. 126º, n.º 3). c) proibições de valoração independentes: referência particular ao
problema da valoração probatória dos «diários íntimos». d) apreciação conclusiva sobre as proibições
de prova. Bibliografia: ANDRADE, Manuel da Costa, Sobre as proibições de prova em processo penal,
cit., pp. 188-198. CONDE, João Correia, «Questões práticas relativamente à utilização de diários
íntimos como meio de prova em processo penal», Revista do CEJ, VI, pp. 139-160. Acórdão TC n.º
607/2003 (Rel. Cons. Benjamim Rodrigues), disponível em:
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20030607.html?impressao=1 (apenas n.º 21 a 23)
Outras sugestões bibliográficas complentares sobre o tema das proibições de prova: SOUSA, Susana
Aires de, «Agent provocateur e meios enganosos de prova. Algumas reflexões», in: Liber discipulorum
para Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra: Coimbra Editora, 2003, pp. 1207-1235 [BDUP:
343.2/AND/lib]

O artigo 126º consagra os mais importantes métodos de prova. Não quer dizer que essa norma seja
taxativa; ela apresenta apenas os mais relevantes, aliás num ponto ou noutro com sobreposições e
repetições. Mas sem duvida que é uma norma decisiva no sistema das proibições de prova. Perante uma
norma análoga que existe no direito alemão, esta norma foi considerada como uma norma processual
fundamental, por estabelecer princípios fundamentais para a tutela dos direitos da pessoa humana.
A justificação usual que é dada para este artigo é que ele se dirige a proscrever formas de ataque e de
intromissão na dignidade da pessoa no contexto do processo penal. Os intervenientes no processo,
sobretudo os arguidos, são sujeitos de direito e não objectos a disposição do poder estadual. Por outro
lado, admitir como válidas esta forma de aquisição probatória, implicaria negar a integridade axiológica
do Estado, Estado este que para reprimir o crime não teria receio, nem sequer pudor, em lançar mão de
meios igualmente ilícitos. São estas fundamentalmente as grandes explicações que se dão para justificar a
função deste artigo: a tutela dos direitos da pessoa, consagrada pela tutela da dignidade da pessoa
humana, e a preservação da dignidade axiológica do Estado.
Há ainda autores que vem neste artigo uma outra finalidade: defendem que a função destas proibições
consiste em imunizar a produção de prova contra causas ou fontes de erro e, nesse sentido, estas dirigem-
se à potenciação da descoberta da verdade. Ainda assim, é uma posição minoritária.
No entanto, esta norma não regula todos os aspectos dos métodos de prova: há outros métodos não
directamente previstos, mas que possuem uma carga valiosa análoga aos previstos, daí serem também
proibidos. Esta é assim uma enumeração meramente exemplar e que apresenta algumas sobreposições.
Por exemplo, em relação à tortura, maus-tratos e ofensas: não são a mesma coisa, mas são sobreponíveis.
Isto é, uma mesma conduta pode ser aferida de diversos pontos de vista, mas o legislador com esta
enumeração exemplificativa e redundante pretendeu apresentar as principais modalidades de prova
proibida, por meio da lesão da liberdade.
Quais são então os destinatários destas proibições? A norma correspondente a esta no direito
alemão, e que de alguma maneira nos inspirou, é o artigo 136º-A CPP alemão e tem como destinatários as
instâncias formais de controlo. No entanto, o artigo 126º não se circunscreve às instâncias formais, mas
abrange igualmente os próprios particulares, pois o que se proíbe é a utilização destes métodos, seja por
quem for.
A doutrina processual vê nestas proibições uma intromissão na liberdade da vontade do declarante. A
matriz axiológica destas diversas proibições radica na ideia de liberdade de vontade: liberdade de decisão
e liberdade de agir segundo essa mesma decisão (ou liberdade quanto ao “se” e quanto ao “como” da
decisão). Portanto, a aquisição probatória há-de realizar-se no respeito pela liberdade de vontade do
declarante. Note-se no entanto que este horizonte anteriormente descrito é internamente válido quando o

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Direito Processual Penal II
TEÓRICAS
2009/2010
declarante é o arguido, mas vale também quando os declarantes são as testemunhas ou os peritos, embora
com outro sentido.
Este horizonte é expresso na expressão latina “nemo tenetur se ipsum accusare”. (ninguém pode ser
levado a empurrar/acusar contra si). Isto é, nestes métodos há uma intromissão na liberdade da vontade do
atingido. Isto acontece quando ele, por força da tal pressão, já não se encontra com capacidade para
decidir se declara ou não declara e como o fará.

bb) o catálogo (exemplificativo) do art. 126.º do CPP (referência à proibição da tortura, maus
tratos, hipnose, administração de meios, ameaça e promessa de vantagem legalmente inadmissível;
o sentido e alcance de «meios enganosos»;a questão das «acções encobertas»; polígrafo; as
proibições de prova relativas constantes do art. 126º, n.º 3).

O artigo 126º apresenta então uma lista dos métodos proibidos de prova. Podemos aqui separar dois
tipos de métodos:
(1) Métodos que são absolutamente proibidos, aqueles em que a proibição vale mesmo
quando o atingido consinta no método (o consentimento não afasta a proibição – 126º/2);
(2) Métodos que são relativamente proibidos, aqueles em que o consentimento do atingido é
relevante, no sentido de que ele afasta a proibição.

Artigo 126.º
Métodos proibidos de prova
1 - São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral,
ofensa da integridade física ou moral das pessoas.
2 - São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com
consentimento delas, mediante:
a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais,
administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos;
b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação;
c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei;
d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento
da obtenção de benefício legalmente previsto;
e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível.
3 - Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas
obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas
telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.
4 - Se o uso dos métodos de obtenção de provas previstos neste artigo constituir crime, podem
aquelas ser utilizadas com o fim exclusivo de proceder contra os agentes do mesmo.

Tortura:
Implica a administração continuada de maus-tratos: há uma ideia de prolongamento na duração
temporal. Além das formas decorrentes, pode também constituir tortura a sujeição do atingido a
conteúdos repugnantes, do ponto de vista visual por exemplo, e em casos muito especiais pode cair no
conceito de tortura a privação de contactos com familiares.

Maus-Tratos:
“Maus-tratos” é um conceito cujo conteúdo se pode preencher por remissão para o crime de ofensas
corporais; também aqui a lista é interminável, pois abrange todas as formas de causar lesões na
integridade física (pontapés, murros, etc), mas também se inclui aqui a sujeição do arguido a luz muito
intensa, a choques eléctricos, a temperatura muito alta ou muito baixa, a barulho excessivo, obrigar a
pessoa a estar de pé, etc. No entanto, os maus-tratos não ocorrem sempre por acção, pois podem ocorrer
por omissão, como acontece quando se priva a pessoa de água, alimentos ou medicamentos. Pode também
cair no conceito de maus-tratos as situações que levam à exaustão, ao cansaço, de tal forma notório e
grave que remove a capacidade de decidir livremente.

Duração dos Interrogatórios:


A lei na última revisão estabeleceu regras sobre a duração dos interrogatórios. Assim, no artigo 103º/3
estabelece-se que o interrogatório do arguido não deve ter lugar entre as 00h e as 07h, salvo em casos
muito contados, especificados no artigo; o nº 4 desse artigo diz que o interrogatório tem uma duração
máxima de 4 horas, com uma única repetição após o intervalo de 1 hora. Estas normas que estabelecem
regras sobre a duração dos interrogatórios estão sancionadas com uma proibição de prova, nos termos do

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2009/2010
artigo 103º/5 (proibição de valoração), que por analogia com o 126º /2 é uma proibição absoluta, no
sentido de que o consentimento não elimina a proibição.
O facto de haver um limite máximo de interrogação não quer dizer que esse interrogatório, mesmo
sendo feito dentro do limite temporal, não esteja sujeito a esta proibição, porque a pessoa pode estar já
numa situação de profunda exaustão quando se inicia o interrogatório, por exemplo.

Administração de meios:
A lei fala também na administração de meios de qualquer natureza, que prejudiquem a liberdade de
vontade, como por exemplo a introdução de materiais sólidos ou líquidos no corpo, através de comida,
inalação ou por outras aberturas corporais, administração de drogas, soporíferos ou desinibidores. Esta
administração de meios só é proibida quando a intromissão no estado físico ou psíquico do interrogado
tem reflexos na liberdade de vontade. Por exemplo, dar tabaco a uma pessoa não cabe nesta norma,
quanto ao álcool depende da quantidade, porque a partir de uma certa quantidade tem efeitos
desinibidores. Assim, a interrogação de uma pessoa drogada ou embriagada não é lícito, caso o
interrogado não tenha capacidade de avaliação. Trata-se aqui de administração de meios e não privação,
mas também há situações de privação. A privação desses meios poderá entrar por via dos maus-tratos ou
por via da aliena b), que respeita à perturbação da capacidade de avaliação: por exemplo, privar um
fumador compulsivo de cigarros ou prometer que lhe darão cigarros caso ele confesse.

Hipnose:
A lei também proíbe a hipnose, independentemente da questão de saber se esse é ou não um meio
eficaz para obter informações. Entende a lei portuguesa que a hipnose é uma intromissão nas camadas
psíquicas do indivíduo que escapam ao controlo racional do indivíduo e como tal essa radioscopia da
alma não é aceite.
É interessante que a lei portuguesa não tenha enunciado um método que normalmente vem associado
à hipnose: o polígrafo. É um aparelho que permite a leitura simultânea de um conjunto importante de
informações fisiológicas que não são controladas pela mente, designadamente a frequência cardíaca e
respiratória, a condutividade eléctrica da pele, etc. São depois espelhadas num registo gráfico.
No Direito Alemão, a doutrina dominante tem sido a de recusar a utilização do método do polígrafo,
ou seja, a de considerá-lo como um meio proibido de prova, e para este entendimento tem contribuído
dois factores: a primeira, tem a ver com a fiabilidade do próprio método; e depois, porque se entende que
este método é uma intromissão inadmissível na liberdade da própria pessoa, no sentido de que a aquisição
probatória é feita a partir de leituras corporais sobre as quais o declarante não tem domínio.
No entanto, tem vindo a ganhar algum eco a tese de que o polígrafo poderia ser admitido se o arguido
nisso tivesse interesse, isto é, com consentimento e a pedido do próprio arguido, como forma de
demonstrar a sua própria inocência.
Este é um método que não está mencionada no artigo como método proibido de prova, mas inclui-se
no artigo, por causa da taxatividade do artigo 126º.

O sentido e alcance de «meios enganosos» e a questão das «acções encobertas»; promessa de


vantagem legalmente inadmissível:
São também proibidas as provas obtidas através de Meios Enganosos; este é o problema mais
complexo, pois pode suscitar dúvidas de que as instâncias formais de controlo utilizem meios enganosos,
pois estes, em si mesmo considerados, não violam a dignidade da pessoa humana. Qual será então o
critério? Como estabelecer o critério entre a mentira clamorosa e a astúcia habilidosa?
Esta proibição de meios enganosos pretendem proibir métodos que atinjam a liberdade de decisão:
determinante é que a liberdade do arguido (o “se” e o “como” da decisão) seja atingida e isto acontece
quando o declarante, por força do engano, é determinado a prestar declarações que, embora voluntárias,
realizam na assumpção de pressupostos erróneos. Esta errónea representação pode incidir sobre questões
jurídicas (quando o arguido é levado a pensar que aquela é um conversa informal, que está a ser
interrogado como testemunha, que é obrigado a confessar, que ficar calado vai aumentar-lhe a pena, etc),
factos jurídicos (quando dizem ao declarante que o arguido já confessou, que o material condenatório foi
encontrado, que existem provas inequívocas embora só existam suspeitas, etc) ou até mesmo sobre a
intenção do órgão inquirente (quando quem faz a interrogação dá a entender que vai valorar em certa
direcção se o arguido confessar) ou até mesmo do interrogador. O engano tem que ser intencional ou por
actos concludentes.

(08/04/2010)
SUMÁRIO:
IV. Meios de prova 1. Aproximação ao problema – os meios de prova em sentido amplo: formas de

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transmissão de informação probatória. A sistematização do CPP. 2. Prova testemunhal a)
caracterização geral do testemunho em processo penal. b) objecto e limites do depoimento c) o
problema do «testemunho de ouvir dizer» (art. 129.º) d) capacidade para testemunhar e) impedimentos
(referência particular ao impedimento dos arguidos e dos co-arguidos)

CAP. IV
Os meios de prova

1. Aproximação ao problema – os meios de prova em sentido amplo: formas de transmissão de


informação probatória. A sistematização do CPP.

2. Prova testemunhal

a) Caracterização geral do testemunho em processo penal.


A prova testemunhal continua a ser, apesar dos manifestos progressos da prova pericial e da prova
científica, uma das mais importantes fontes de informação probatória. Isto apesar de as investigações
psicológica e criminológica há muito chamar a atenção para a fragilidade epistemológica inerente a esta
fonte de informação. Com efeito, o testemunho que se presta no processo é fruto de um complexo
processo cognitivo, no qual podemos autonomizar basicamente três estádios:
1. Estádio da aquisição da informação (quando a testemunha terá visto o acidente ou o
individuo a tirar a pistola do bolso, por exemplo);
2. Estádio da retenção, da memorização ou do armazenamento;
3. Estádio da reprodução (quando a testemunha reevoca aquele acontecimento).
Qualquer um destes momentos está sujeito a factores de distorção, de erro, quer na capacidade da
percepção, quer ao nível da memória (quanto mais tempo passa, mais a memória se esbate, por exemplo).
Por isso, embora a prova testemunhal seja a prova fundamentalmente usada, ela está exposta a
prementes factores de erro. Analisemos mais de perto esta fonte de prova.

b) Objecto e limites do depoimento:


Nos termos do artigo 128º/1, o objecto da prova testemunhal são os factos de que a testemunha possua
conhecimento directo e que se incluam/reportem ao objecto da prova. Tem então que haver uma ligação
entre o depoimento e o objecto da prova. O artigo que delimita o objecto da prova é o 124º, logo teremos
que fazer uma remissão para ele. Os factos tem que ter sido obtidos por conhecimento directo, isto é, a
testemunha tem que ter formado a sua percepção de forma directa e não por interposta pessoa (tem que
ser factos presenciados por ela e dos quais ela teve informação através de um dos sentidos dela própria).
Por fim, tem que ser factos, o que significa que do depoimento se devem excluir juízos de valor,
conjecturas, opiniões, juízos de prognose, etc. Este tipo de enunciados valorativos está, pois, por regra,
excluído do âmbito da prova testemunhal, sendo admissíveis apenas nos termos previstos pelo artigo
130º/2, no qual se diz quando é que deve haver manifestação de meras convicções pessoais sobre factos e
em que medida.
O artigo 128º/2 limita ainda o depoimento da testemunha num segundo aspecto. Com efeito, a prova
testemunhal sobre factos atinentes à personalidade e ao carácter do arguido não é possível antes do
momento da determinação da sanção. Isto dá concretização ao modelo da “césure”, estudada em Direito
Penal I e II. Excepto nos casos em que esse tipo de informação se mostre indispensável para a prova de
elementos constitutivos do crime (por exemplo, para a determinação do carácter fútil num homicídio),
bem como para efeitos de aplicação de medida de coacção ou de garantia patrimonial.

c) O problema do «testemunho de ouvir dizer» (art. 129.º):


Muitas vezes a informação de que a testemunha dispõe, advém-lhe de forma indirecta, porque assim
lhe foi contado por outra pessoa. Este problema remete-nos para uma questão importante: a questão do
depoimento indirecto, por vezes também chamado de testemunho de “ouvir dizer” ou de “outiva”,
particularmente importante no sistema anglo-americano (sistema de “hearsay”). A lei regulamentou este
problema no artigo 129º. Neste sistema, conflituam interesses contrastantes, por um lado, a potenciação
ao máximo da aquisição probatória, mas por outro lado, o interesse de os arguidos não serem atingidos
por provas com baixo nível de controlabilidade pelos meios processuais disponíveis. Neste problema,
também se manifesta a concepção sobre a estrutura do processo penal; não era em vão que os sistemas
inquisitórios admitissem sem dificuldades o depoimento indirecto, enquanto que os modelos de raiz
acusatória fossem adversos/contrários a esta prova; e talvez por isso é que esta norma surgiu neste código,
não existindo nos códigos anteriores a 88.

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Direito Processual Penal II
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Quais serão os mais importantes fundamentos contra o depoimento indirecto? O fundamento
primacial é o Princípio da Imediação, que implica que há-de existir uma relação directa (aquilo a que
Figueiredo Dias chama de uma relação de proximidade comunicante) entre a entidade que decide a fonte
probatória. E deste modo, se proíbem os chamados sucedâneos probatórios (provas secundárias). Além
disso, um outro fundamento também importante é o Princípio do Contraditório, porque no depoimento
indirecto não é possível submeter a fonte primária ao contraditório, que entre nos é uma exigência
constitucional (32º CRP). Além do mais, o artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem
consagra o direito do arguido a confrontar as testemunhas de acusação (as fontes primárias). São estas as
razoes nucleares.
Em suma, podemos dizer que as restrições à “hearsay evidence” têm, por um lado, fundamentos
epistemológicos, uma vez que a determinação da verdade é particularmente vulnerável, na medida em que
os riscos inerentes à prova testemunhal são potenciados no depoimento indirecto. Com efeito, em relação
ao declarante directo as suas capacidades cognitivas podem ser testadas e, nessa medida, pode reduzir-se
a margem de erro, mas isso já não é viável em relação ao declarante indirecto. Mas, por outro lado, há
também razões políticas, axiológicas, substanciais, que se prendem sobretudo com a justiça do
procedimento.
No entanto, também existem razões favoráveis à admissibilidade das “hearsay evidence”. É
defendido sobretudo pelos seguidores da “free proof”. Um dos postulados fundamentais da “free proof” é
de que toda a informação deve ser adquirida: por exemplo, B diz que não viu mas que lhe contaram isto,
isto, isto e aquilo; isto é o quê? Uma informação! Então deve ser adquirida, porque nenhuma informação
deve ser proibida. As dúvidas sobre a valência probatória da “hearsay evidence” deveriam ser remetidas
para a fase da valoração e não deviam ser incluídas nesta fase da admissibilidade.
A lei portuguesa procurou de algum modo alcançar o equilíbrio entre estes interesses contrastantes.
Assim, como regra, a “hearsay evidence” não é admitida. Há aqui, pois, uma proibição de prova nos
termos do artigo 129º, sempre que o depoimento resultar do que se ouviu dizer a certa pessoa
(indirectamente), o juiz pode (no sentido de poder-dever) chamar esta pessoa a depor. Se o não fizer, o
depoimento prestado não vale, ou seja, não pode servir naquela parte como meio de prova (proibição de
prova).
No entanto, a lei excepcionou a esta regra algumas situações. O testemunho de “ouvir dizer” é
admissível nos casos em que a fonte primária não possa ser inquirida, em virtude de morte, anomalia
psíquica superveniente ou impossibilidade em ser encontrada (129º/1).
O artigo 130º é uma extensão dos princípios subjacentes à proibição da “hearsay evidence”. Este
artigo proíbe as chamadas vozes públicas, isto é, depoimentos que se reportem a rumores e opiniões que
circulam na comunidade mas que não têm um autor determinável.

d) Capacidade para testemunhar: quem pode testemunhar, ou seja, quem tem capacidade para
ser testemunha?
No artigo 131º, estabelece-se que todas as pessoas, salvo os interditos por anomalia psíquica têm
capacidade para testemunhar. Assim, pessoas com anomalias psíquicas, desde que sejam capazes de
perceber e transmitir essa mesma percepção, podem ser testemunhas. Também os surdos e os mudos
podem ser testemunhas, fazendo-se o testemunho por outros meios de comunicação. Mesmo os menores,
inclusive as crianças de pouca idade, podem ser testemunhas. É obvio que esta será uma prova bastante
complexa, mas ainda assim admissível. E nela também estão em jogo interesses conflituantes, incluindo
os interesses do próprio depoente, da própria criança, particularmente vulnerável em face dos ritos do
interrogatório. Hoje em dia, há muitos estudos que comprovam que a atendibilidade/credibilidade do
depoimento do menor é particularmente vulnerável/frágil, sobretudo por razões que se prendem com
aquilo a que os psicólogos chamam de competência (que é o conjunto de capacidade emotivas, cognitivas
e sociais do declarante: memoria, continuidade do pensamento, capacidade de distinguir a realidade e a
utopia, etc). A ideia de que “as crianças não mentem” é de facto uma ilusão psicologicamente
comprovada: as crianças não mentem com a mesma intenção dos adultos, mas mentem por causa da sua
facilidade de distorção da realidade e da sua fértil imaginação. Dai que haja hoje em dia inúmeros
esforços para aumentar a condições de validade epistemológica desta fonte probatória, designadamente
através de perícias sobre a personalidade. Por exemplo, a lei portuguesa admite depoimentos de menores
de 18 anos, quando os processos forem por crimes de natureza sexual. Outro exemplo é a supressão do
interrogatório cruzado, previsto no artigo 349º. A tensão acrescida às perguntas sugestivas, por exemplo,
é outro exemplo que terá peso diferente consoante o interrogado seja uma criança ou um adulto (“é
impossível que não te lembres disso” – esta frase terá muito mais peso numa criança).

e) Impedimentos (referência particular ao impedimento dos arguidos e dos co-arguidos):

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Há pessoas que estão, no entanto, interditas de ser testemunhas, embora não por serem interditos, mas
sim porque deve assumir um outro papel processual. Os impedimentos resultam, pois, da
incompatibilidade do papel processual de testemunha com outros papéis processuais. Assim, estão
impedidos de serem testemunha os assistentes e as partes civis, bem como os peritos em relação às
perícias que tiverem realizado. Mais importante, porém, é o impedimento de ser testemunha que resulta
da qualidade de ser arguido. Ao contrário dos sistemas anglo-americanos, o arguido não pode ser
testemunha no nosso sistema. Também os co-arguidos estão impedidos de ser testemunha.
O que são co-arguidos, para este efeito? Há basicamente dois critérios:
(1) Um primeiro critério é o chamado conceito formal ou processual de co-arguido, em que a co-
arguição resulta do processamento conjunto, isto é, do nexo entre os processos;
(2) Um segundo critério é o chamado conceito material de co-arguido, em que a co-arguição resulta
do nexo entre as imputações.
Atendendo ao fundamento do impedimento, deve valer o conceito material de co-arguido. O
fundamento desta escolha é a tutela da liberdade de declaração e do direito ao silêncio por parte de quem
é objecto de uma imputação, mesmo para aspectos dessa mesma imputação que estejam a ser processados
num processo distinto.

(09/04/2010)
SUMÁRIO:
f) deveres processuais da testemunha g) direitos processuais da testemunha aa) o direito à não auto-
incriminação bb) o direito a assistência por advogado h) o direito de recusa do depoimento aa) por
razões familiares (art. 132.º) bb) por ser portador de segredo (religioso, profissional, de funcionário, de
Estado): análise dos artigos 135.º a 137.º.

Estamos a ver a prova testemunhal, nomeadamente a capacidade para ser testemunha, capacidade esta
que é geral, ou seja, toda a gente tem a capacidade genérica de ser testemunhas. No entanto, apesar disso,
podem estar impedidas num caso concreto de serem testemunhas por desempenharem papéis
incompatíveis com o papel de testemunha.
Dentro desses impedimentos, foi mencionado o impedimento que atinge o arguido: ele não pode ser
ao mesmo tempo arguido e testemunho, porque são funções incompatíveis, o que coloca desde logo o
problema de saber a partir de que momento e com que pressupostos se adquire a qualidade de arguido –
artigos 57º, 58º e 59º CPP. No contexto do funcionamento deste impedimento, assume uma importância
relevante o disposto no artigo 59º/1, na medida em que esse artigo consagra um caso de constituição de
arguido que ocorre no contexto do interrogatório: “Se, durante qualquer inquirição feita a pessoa que
não é arguido, surgir fundada suspeita de crime por ela cometido, a entidade que procede ao acto
suspende-o imediatamente e procede à comunicação e à indicação referidas no n.º 2 do artigo anterior”.
Isto é importante de tal modo que a lei prescreve uma proibição de valoração da prova, ou seja, a
imposição constante deste artigo é assegurada por uma proibição de valoração da prova.
O impedimento atinge também os co-arguidos (também já falamos nisto) e aqui o problema seria o de
saber o que se considerava co-arguido para este efeito. Assim, atendendo ao fundamento material
teleológico subjacente ao impedimento, isto é, o direito a não prestar declarações sobre factos que
contendam com a sua imputação, deve entender-se que vale aqui o chamado conceito material de co-
arguição: consideram-se então co-arguidos aqueles que estejam imputados pelo mesmo crime ou por um
crime conexo, ainda que não estejam a ser processados em conjunto, no mesmo processo.
Imaginemos que A e B estão a responder pela mesma imputação mas em processos diferentes. A
informação probatória que A dispõe em relação a B e B dispõe em relação a A como pode ser obtida, uma
vez que a lei afirma que estão impedidos de ser testemunhas? Isto será possível através do Modelo da
Testemunha Consentida, previsto no artigo 133º/2. Havendo separação de processos, a informação que
um poderia prestar em relação à imputação do outro, não pode ser obtida no mesmo processo. Por isso, o
arguido A só vai testemunhar no outro processo se B consentir, e vice-versa.

f) deveres processuais da testemunha:


As testemunhas têm enquanto tal, deveres e direitos, sendo que os mais importantes vêm plasmados
no artigo 132º:
(1) Dever de comparência, que pode ser assegurado coactivamente, mediante detenção.
(2) Dever de prestar juramento, nos casos em que a lei o impõe: esta exigência de juramento é
questionável, no plano da sua fundamentação. Na verdade, parece não se compreender bem que num
Estado Laico haja a imposição de prestar juramento, mesmo quando esse juramento não é acompanhado
de qualquer fórmula de cariz religioso. Nalguns casos, a obrigatoriedade de juramento pode constituir

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uma limitação à liberdade de consciência, designadamente em relação a pessoa pertencentes a
determinadas confissões religiosas para quem o julgamento é em todos os casos proibido. Mas tem-se
entendido que o juramento é um reforço da credibilidade do julgamento, uma vez que quando a
testemunha é convocada para o juramento toma uma consciência mais nítida da importância do seu
depoimento (Kant chamou por isso ao juramento a “tortura mental”) e dos deveres inerentes ao acto, que
são os deveres de veracidade e completude.
(3) Dever de responder com verdade e de completude (não suprimir informação relevante),
sancionado com o artigo 360º. No entanto, existem situações várias que permitem à testemunha não
responder.

g) Direitos processuais da testemunha:


Quanto aos direitos são os seguintes:
(1) Direito de recusar o depoimento, que se realiza no chamado Privilégio contra a auto-
incriminação (“nemo tenetur se ipsum accusare”): este privilégio é também actuante em relação ao
arguido, não é exclusivo das testemunhas. Este privilégio reconhecido às testemunhas não é igual ao
direito ao silencio dos arguidos, mas é mais restrito, desde logo porque a testemunha não pode recusar-se
a prestar depoimento antes de iniciado o interrogatório, mas sim apenas no decurso do mesmo. Por outro
lado, enquanto que o arguido goza de um direito ao silêncio total, o privilégio da testemunha restringe-se
em regra à recusa de perguntas particulares. O exercício deste direito por parte da testemunha está
limitado às perguntas ou temas das quais possa decorrer o perigo da responsabilização penal. A existência
do perigo, embora não se baste com uma mera suposição sobre a eventual instauração do processo, não
exige todavia uma certeza absoluta sobre essa mesma instauração, basta a suspeita suficiente. O direito a
não responder termina quando for evidente a inexistência do perigo ou se é patente que ao tempo dos
factos aquela testemunha era penalmente inimputável ou até se é patente que os factos em causa já estão
prescritos.
Quanto aos aspectos do regime português do artigo 132º/2, que nos merece algum reparo crítico,
nomeadamente por merecerem uma alteração legislativa:
1) A lei não impõe deveres de esclarecimento sobre este direito à entidade interrogante;
2) O privilégio do artigo 132º está limitado às perguntas das quais possa resultar a
responsabilização penal da própria testemunha: talvez se justificasse estender o privilégio às
situações em que o perigo não afecte o declarante, mas sim um seu familiar;
3) A lei portuguesa restringe o privilégio aos casos de responsabilidade penal, excluindo
portanto outros tipos de consequências desfavoráveis: mas talvez se justificasse alargar o
privilégio não só às situações de responsabilidade penal, mas também às situações de
responsabilidade contra-ordenacional e disciplinar.

h) O direito de recusa do depoimento:

aa) por razões familiares (art. 132.º):


Este direito previsto no artigo 134º. Os familiares do arguido podem recusar-se a depor e a lei neste
artigo refere quem se considera familiares para este efeito. O fundamento deste direito reside na tutela das
relações de confiança inerentes aos laços familiares. Há no entanto autores que dizem que, tal como
acontece no privilégio anterior, este artigo possui uma finalidade epistémica, visando impedir a entrada
no processo de declarações marcadas pelo conflito e, como tal, pouco credíveis no plano da veracidade.
Neste artigo prevê-se o dever de esclarecimento, ou seja, a entidade interrogante deve informar o familiar
do arguido que tem direito a não prestar depoimento. Esta omissão é sancionada com a nulidade (estamos
por isso perante uma proibição de prova).

bb) por ser portador de segredo (religioso, profissional, de funcionário, de Estado): análise dos
artigos 135.º a 137.º.
O artigo mais importante nesta matéria é o artigo 135º: a lei reconhece a certas pessoas, em virtude
das funções que desempenham, o direito a não prestar declarações sobre factos cujo conhecimento
adquiriram no contexto e por causa dessa mesma função.
Assim temos em primeiro lugar o Segredo Religioso ou Espiritual, que se fundamenta nos direitos
constitucionais da liberdade de consciência e da liberdade religiosa. Uma vez que se entende que em
nome desta liberdade de consciência e religiosa deve haver uma área reservada, os ministros que prestam
essa mesma assistência religiosa e espiritual têm o direito a recusar o depoimento quanto aos factos que
hajam conhecido no exercício dessa mesma assistência espiritual. Este é o Segredo mais tutelado, na
medida em que verificada a legitimidade da recusa o depoimento não pode ser obtido (tem que se

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verificar se aquele direito que se está a invocar está ou não abrangido na lei, se aquela testemunha é ou
não ministro de culto por exemplo, se o facto foi conhecido no âmbito de uma confissão ou não, etc).
Além deste temos outros casos a que podemos chamar de Segredo Profissional em sentido estrito,
para o qual a lei indicou logo as profissões mais emblemáticas: os médicos, os advogados, os jornalistas e
os membros de instituições bancárias. Mas existem outras. Este Segredo funciona em dois momentos. A
testemunha recusa-se a depor, alegando o Segredo. Então, em primeiro lugar, a entidade que está a
receber a recusa de depoimento verifica a legitimidade da Escusa, por exemplo ouvindo o organismo
profissional para saber se a pessoa está ou não a exercer as funções que alega exercer. Daqui pode resultar
que a Escusa seja ilegítima: se assim for, ordena o depoimento e a testemunha fica vinculada ao dever de
depoimento, penalmente sancionado. Mas o tribunal pode entender que a Escusa é legítima, logo
entramos num segundo momento: o processo de controlo da justificação da Escusa (pois uma Escusa
pode ser legítima e não ser justificada), que sobe ao tribunal superior aquele onde o incidente se tiver
suscitado. Este vai averiguar então o carácter justificado ou não da Escusa e pode decidir pela prestação
do testemunho com quebra do Segredo, mesmo que o Segredo seja legítimo, quando houver um interesse
que o justifique. A lei estabeleceu aqui como critério o Princípio da Prevalência do Interesse
Preponderante (135º/3). Este princípio é concretizado em critérios de densificação. A lei tentou dar uma
ajuda ao tentar estruturar alguns destes critérios:
a) A descoberta da verdade – quando o depoimento for imprescindível e não estejam
disponíveis outros meios alternativos para atingir aquela informação;
b) A gravidade do crime;
c) A necessidade de protecção de bens jurídicos.
Além do Segredo Profissional, existem outros tutelados pela lei penal: o Segredo de Estado (137º) e o
Segredo de Funcionário (136º).
A lei portuguesa em 2007 reconheceu ainda à testemunha o direito a ser assistido por um advogado
(132º/4). Impõe-se ainda o dever de a testemunha se sujeitar à acareação (colocar-se a arguido e a
testemunha cara a cara) – 146º e ss.

(15/04/2010)
SUMÁRIO:
i) testemunhas em perigo e testemunhas especialmente vulneráveis. Referência ao regime normativo de
protecção de testemunhas (L 93/99, de 14-07, e DL 190/2003, de 22 de Agosto). j) a produção da prova
testemunhal: as regras da inquirição (art. 138.º) e o método do «interrogatório cruzado» em audiência
(art. 348.º) Bibliografia: SILVA, Sandra Oliveira e, A protecção de testemunhas em processo penal,
Coimbra: Coimbra Editora, 2007, pp. 18-29, 110-112, 161-167, 227-243 (especialmente, 237-243).
SEIÇA, Alberto Medina de, O conhecimento probatório do co-arguido, Coimbra: Coimbra Editora,
1999, pp. 17-32, 46-49, 56-62, 64-66, 93-95.

i) Testemunhas em perigo e testemunhas especialmente vulneráveis. Referência ao regime


normativo de protecção de testemunhas (L 93/99, de 14-07, e DL 190/2003, de 22 de Agosto).
Há uma série de razões pelas quais se pode justificar que a prova testemunhal não siga os termos
normais que estão previstos em geral. Quando é feita em audiência de julgamento, a testemunha dá a cara
e assume a sua identificação. Mas há situações da vida que podem determinar o afastamento desta regra,
nomeadamente pela existência de ameaças àquela pessoa ou pela fragilidade da idade. O legislador
português foi sensível a isto e publicou a Lei 93/99, de 14 de Julho, dedicada à protecção de testemunhas
em sede de processo penal, na medida em que a prestação de testemunho possa trazer para o declarante
perigo para a sua integridade física, psicológica ou patrimonial. Esta lei protege também testemunhas
especialmente vulneráveis, que são aquelas testemunhas que, devido a condições especiais
designadamente a idade, requerem uma protecção acrescida, não por causa de este constituir um perigo
para a sua vida, mas devido à sua vulnerabilidade. Isto acontece sobretudo por causa de serem muitos
novos ou muito velhos, por estarem doentes, etc.
As medidas de protecção de testemunha, devido a situação de perigo, podem ser (entre outras):
(1) Ocultação da testemunha: ocultação de imagem e distorção da voz de modo a impedir o
reconhecimento da testemunha;
(2) A reserva do conhecimento da identidade da testemunha;
(3) Etc.
Como se calcula, estas medidas colocam delicados problemas de legitimação no quadro de um Estado
de Direito e de um Processo Penal acusatório, pois faz parte da estrutura acusatória do processo que todas
as provas apresentadas possam ser sujeitas a um efectivo contraditório. Ora, este efectivo contraditório
implica que se conheça o autor da declaração. Isto é particularmente sublinhado pela Jurisprudência do
Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, quando interpreta a norma do artigo 6º da Convenção, que

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TEÓRICAS
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consagra o direito do arguido confrontar as testemunhas que contra ele são apresentadas. O mesmo
acontece com a eficácia do princípio da imediação. Ora, a lei teve que fazer aqui uma opção: por um lado,
o interesse da administração da justiça, que reclama aquela informação; mas este interesse em obter
aquela informação gera também para o Estado um dever de protecção da fonte de informação, na medida
em que é um cumprimento da parte da testemunha do dever de colaboração com o Estado que a coloca na
situação de perigo; por outro lado, está o direito de defesa do arguido na vertente de confrontar as provas
que contra ele são apresentadas.
Assim, estas medidas têm natureza excepcional, tendo de respeitar o princípio da necessidade e da
adequação. A lei procura assegurar ao máximo o contraditório, de modo a garantir aquilo a que a lei
chama de “justo equilíbrio” entre as necessidades de defesa e as necessidades de combate ao crime. O
carácter excepcional da medida que se traduz na reserva do conhecimento da identidade da testemunha é
particularmente visível quando olhamos aos pressupostos de que depende a sua aplicação, que vêm
consignados no artigo 16º deste diploma.
A lei portuguesa, no seguimento da Jurisprudência do TEDH consagrou uma regra legal de valoração
probatória para estas declarações de testemunhas não identificadas. Esta regra consta do artigo 19º/2 desta
lei e traduz-se essencialmente numa exigência de corroboração, isto é, nos termos desta lei, uma decisão
condenatória não se pode fundar, exclusivamente ou de modo decisivo, nas declarações prestadas por
uma testemunha cuja identidade não foi revelada. Só valem então se forem corroboradas
(apoiadas/confirmadas) por outros elementos probatórios.

j) a produção da prova testemunhal: as regras da inquirição (art. 138.º) e o método do


«interrogatório cruzado» em audiência (art. 348.º)
As regras gerais do interrogatório das testemunhas constam do artigo 138º e, em sede de audiência de
julgamento, do artigo 348º, no qual se consagra um método particular de interrogatório ao qual se dá o
nome de Interrogatório Cruzado, com especificidades que expressam bem o modelo processual
português: uma estrutura basicamente acusatória (quem interroga é quem apresenta e quem contra-
interroga é a outra parte), integrada por um principio da investigação, quando permite que o juiz e os
jurados interroguem a testemunha.

(16/04/2010)
SUMÁRIO:
2. Prova por declarações do arguido, do assistente e das partes civis a) o arguido no contexto do direito
probatório: direito ao silêncio versus sujeição a diligências de prova. b) a confissão do arguido c) o
problema das declarações do co-arguido d) alusão à prova por declarações do assistente e das partes
civis Sugestão de leitura SEIÇA, Alberto Medina de, O conhecimento probatório do co-arguido,
Coimbra: Coimbra Editora, 1999, pp. 205-210, 218-228.

2. Prova por declarações do arguido, do assistente e das partes civis

a) O arguido no contexto do direito probatório: direito ao silêncio versus sujeição a diligências


de prova (arguido enquanto elemento de prova):
Como sabemos, a passagem dos modelos inquisitórios para um processo penal de um Estado de
Direito é particularmente visível no que diz respeito ao estatuto do arguido: este deixou de ser
considerado um puro objecto da prova para passar a ser um autêntico sujeito, titular de direitos de defesa
e de participação no processo. Por exemplo, nas situações de proibição de tortura, na possibilidade de
finalizar o juramento por parte do arguido, etc. O arguido goza por isso de um privilégio contra a auto-
incriminação, que se traduz entre outros aspectos no direito ao silêncio e no direito a não ser obrigado a
cooperar e a colaborar para a sua incriminação.
No entanto, o arguido, sendo embora sujeito de direitos, não deixa de ser relevante em termos
probatórios: ele é uma fonte de informação probatória. No seu estatuto, detecta-se então uma dupla
posição: por um lado, é titular de direitos, chamado de “status actiuus processualis”; por outro lado, é
objecto de prova e meio de prova, chamado de “status negatiuus processualis”, como resulta do artigo
61º/3/d).
O arguido pode fornecer informação probatória de diversos modos, desde logo prestando declarações.
Sabemos no entanto que o arguido tem direito ao silêncio total (recusar depor na totalidade sobre a
matéria) ou parcial (recusar responder a certas perguntas). Também o silêncio pode ser visto como uma
informação. A lei, de modo a dar efectividade a esse direito, estabeleceu uma proibição de valoração do
silêncio do arguido contra ele e a importância deste direito é de tal ordem que o código impõe o dever de
esclarecimento, previsto no artigo 345º/1.

28
Direito Processual Penal II
TEÓRICAS
2009/2010
b) A confissão do arguido:
Dentro das declarações do arguido assume particular relevo a confissão do arguido, regulada no artigo
344º. A confissão do arguido tem na lei portuguesa um valor probatório especial em certas situações.
Com efeito, no domínio da pequena e média criminalidade (criminalidade punível até 5 anos), a confissão
livre, integral e sem reservas possui um valor probatório pleno, conforma refere o 344º/2.
Mas o arguido não é fonte de informação apenas enquanto declarante; ele é fonte de informação
probatória também enquanto objecto de exames e perícias, como seja as análises de sangue e outros
vestígios biológicos, a perícia psiquiátrica, etc. é ainda fonte de informação na medida em que ele pode
ser objecto da prova por acareação ou por reconhecimento. É neste domínio do arguido como objecto de
exames que se colocam os maiores problemas em sede de legitimação e de recorte dogmático.

c) O problema das declarações do co-arguido:


Um problema interessante que se levanta diz também respeito às informações prestadas por co-
arguidos, para efeitos da condenação de outro co-arguido. Para este efeito, a lei portuguesa não tem
normas muito específicas, mas estabeleceu no artigo 345º/4 uma regra, segundo a qual não podem valer
como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido, quando o
declarante de recusar a responder às perguntas que lhe forem feitas sobre a sua própria imputação. Mas
tirando esta, a lei portuguesa não tem mais nenhum princípio orientador desta matéria. Já houve quem
defendesse entre nós (nomeadamente por Rodrigo Santiago) que as declarações do co-arguido não eram
valoráveis como meio de prova, contra o outro co-arguido. A valoração de prova prestada por co-arguido
deve ser feita com uma cautela acrescida: é uma prova admissível, mas com cautela. E neste sentido, o
professor Medina Seiça defende a exigência de corroboração, embora a lei não o imponha. E tem havido
decisões de tribunais neste sentido.

d) Alusão à prova por declarações do assistente e das partes civis


Artigos 346º e 347º

(22/04/2010)
SUMÁRIO:
3. Prova por reconhecimento a) os limites epistemológicos do reconhecimento b) o método da
realização probatória do reconhecimento Sugestão de leitura SEIÇA, Alberto Medina de, «Legalidade
da prova e reconhecimentos “atípicos” em processo penal: notas à margem de uma jurisprudência
(quase) constante», separata do Liber discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra: Coimbra
Editora, 2003, pp. 1413- 1421 [BFUP: 343.1/SEI/leg] 4. Prova por reconstituição do facto 5. Prova
pericial 6. Prova documental 7. Prova por acareação

3. Prova por reconhecimento

a) Os limites epistemológicos do reconhecimento e (b) o método da realização probatória do


reconhecimento:
Deve ser ordenada sempre que seja necessário reconhecer uma pessoa ou até um objecto. Esta prova
encontra-se entre as mais frágeis no plano epistémico, isto é, a informação obtida é uma informação
epistemologicamente débil, por diversas razões postas em lume pelas ciências psicológicas. A prova por
reconhecimento é feita através de um procedimento que contém várias etapas:
1ª FASE: Pede-se à pessoa que vai reconhecer que descreva como era a pessoa a ser identificada: aqui
surge logo a primeira dificuldade porque é extremamente difícil converter em linguagem verbal aquela
informação visual;
2ª FASE: Se não for possível chegar à identificação da pessoa, passa-se a uma segunda fase que é
reconhecimento propriamente dito; aqui a lei impõe um método descrito no artigo 347º: coloca-se a
pessoa que deve ser identificada juntamente com outras duas que com esta apresentem semelhanças,
designadamente até de vestuário e depois pergunta-se ao declarante se reconhece alguma delas e qual.
Este método está estabelecido para reforçar as garantias epistémicas da prova em causa, precisamente
porque é uma prova particularmente frágil. Está demonstrado que há vários factores de distorção visual,
entre eles o tempo que passou desde que aconteceu o facto até ao momento da identificação, o contexto
em que a pessoa foi vista, a maior dificuldade em reconhecer pessoas de etnia diferente, o chamado
“weapon effect” (num contexto de um crime em que se utilizaram armas, a atenção das pessoas que vêem
é concentrada na arma e perdem informação em relação a pessoa), etc. Nestes processos de
reconhecimento, há também um risco do chamado “yes effect” que é a tendência das pessoas em
colaborar com a polícia, respondendo sim sem ter a certeza.

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Direito Processual Penal II
TEÓRICAS
2009/2010
A lei portuguesa dá bastante importância este método e estabelece para ele uma importante proibição
de prova, estabelecida no artigo 147º/7. Numa reforma relativamente recente acrescentou-se-lhe “seja
qual for a fase do processo em que ocorreu”.

(ver artigo do prof)

4. Prova por reconstituição do facto:


Está prevista no artigo 150º e trata-se de uma representação cénica de uma versão provável dos factos,
por isso é que a lei diz que esta prova é a reprodução das condições em que se afirma que os factos
ocorreram. Claro que a lei impõe que nestes casos se deve evitar a publicidade externa, não só porque é
recondutor de crimes, mas também porque pode enformar uma opinião pública sobre quem será o
culpado.

5. Prova pericial:
Veiculada nos artigos 150º e seguintes, é um importante meio de prova, cada vez mais utilizado em
vários domínios da vida social. É uma prova que deve ter lugar quando a percepção (a aquisição de
informação) ou a sua apreciação (valoração) exija especiais conhecimentos técnicos, científicos ou
artísticos, ou seja, tem de haver necessidade da perícia. Assim, se houver já outros resultados probatórios
oriundos de outros meios de prova que forneçam informação com igual validade não deve ser ordenada a
perícia. No entanto, sempre que tais conhecimentos sejam necessários a perícia deve ser ordenada. Alias,
existem casos em que a lei impõe perícias, por exemplo as perícias médico-legais e as perícias por
invalidade ou anomalia psíquica.
A prova pericial tem na lei portuguesa um valor probatório reforçado, conforme decorre do artigo
163º: aí se diz que o juízo científico, técnico ou artístico se presume subtraído à livre apreciação do
julgador, embora se possa afastar a perícia quando haja elementos que permitam concluir que a base
factual sobre a qual a perícia incidiu não foi correctamente estabelecida, bem como nos casos em que se
verifique que o método ou os instrumentos utilizados não foram os correctos ou os adequados.

6. Prova documental:
Vem prevista no artigo 164º e ss. A lei adopta no artigo 164º uma noção ampla de documento:
“declaração, sinal ou notação corporizada em escrito ou qualquer outro meio técnico, nos termos da lei
penal”. O que importa é que veicule uma informação para ser um documento.
A lei não permite que se introduzam no processo documentos que introduzam declarações anónimas,
salvo se o documento for ele mesmo o objecto do crime: por exemplo, uma carta anónima que é injuriosa,
tendo que se descobrir quem é o autor da carta. No entanto, para que um documento não seja anónimo
não é necessário que esteja assinado: primeiro, porque há vários documentos que não podem ser
assinados (uma película cinematográfica), depois porque facilmente se pode assinar com um nome falso.
O que importa é que para ser um documento anónimo não se possa identificar o autor da informação.
Importam-nos também dois artigos: o artigo 167 e o artigo 169º. No artigo 167º diz-se que as
reproduções mecânicas só valem como meio de prova se não forem penalmente ilícitas. No artigo 169º
diz-se que se consideram provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado.
A noção de documento autêntico ou autenticado está nos artigos 362º e 363º CC. Quanto aos factos
materiais constituem aqueles factos provados que naquele documento se narram, enquanto o seu conteúdo
não for posto em causa (porque o documento pode ser falso): por exemplo, numa escritura em que A
declara ter dado €1000 a B, fica provado apenas que A declarou e não que deu. O artigo 170º permite que
o tribunal declare um documento como falso.

7. Prova por acareação:


A acareação traduz-se em por em confronto diversos declarantes para esclarecer contradições que
eventualmente existam entre as diversas declarações.

(23/04/2010)
SUMÁRIO:
V. Meios de obtenção de prova 1. Caracterização sumária dos meios de obtenção de prova. A sua
particular danosidade para os direitos fundamentais das pessoas. 2. Análise dos diversos meios de
obtenção de prova previstos no CPP 2. 1 Exames. Tipos de exames. O dever de se sujeitar a exames.
Sugestão de Leitura Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 155 / 2007 (Relator: Conselheiro Gil
Galvão), especialmente os números 1-6; 10; 12-12.1.5 [note-se que o quadro normativo foi entretanto
modificado; mantêm actual interesse, no entanto, as considerações apresentadas na fundamentação do
Acórdão}. http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20070155.html 2. 2 Revistas e buscas.

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2009/2010
Referência particular às buscas domiciliárias. 2. 3 Apreensões. Referência particular à apreensão de
correspondência. 2. 4 Escutas telefónicas. a) Condições objectivas de admissibilidade (art. 187.º, n.º 1)
– os «crimes do catálogo». b) Âmbito subjectivo das escutas (art. 187.º, n.º 4); a confidencialidade das
comunicações entre arguido e defensor (art. 187.º, n.º 5). c) Prazo das escutas. d) A realização da
escuta: as «formalidades das operações» (art. 188.º) e) O problema dos «conhecimentos fortuitos». f)
Extensão normativa do regime das escutas (art. 189.º): a intercepção de correio electrónico e outras
formas de transmissão telemática de dados, a obtenção de informações sobre localização celular,
facturação detalhada, dados de tráfego, a intercepção de comunicações entre presentes (microfones
ocultos). g) A invalidade das provas obtidas com violação dos artigos 187.º e 188.º Bibliografia:
ANDRADE, Manuel da Costa, «Sobre o regime processual penal das escutas telefónicas», Revista
Portuguesa de Ciência Criminal (RPCC) 1991, 369-408. Sugestões de leitura LEITE, André Lamas,
Entre Péricles e Sísifo: o novo regime legal das escutas telefónicas», RPCC 2007, 613-669. ALMEIDA,
Carlos Rodrigues de, «O registo de voz e imagem, RPCC 2004, 369-379. CUNHA, José Manuel Damião
da, «O regime legal das escutas telefónicas: algumas breves reflexões» Revista do CEJ n.º 9 (2008)

CAP. V
Meios de obtenção de prova

1. Caracterização sumária dos meios de obtenção de prova. A sua particular danosidade para os
direitos fundamentais das pessoas.

2. Análise dos diversos meios de obtenção de prova previstos no CPP

2.1. Exames. Tipos de exames. O dever de se sujeitar a exames.

O primeiro meio de obtenção de prova referido no código é os exames, que são um meio dirigido á
obtenção de vestígios que o crime possa ter produzido, bem como de outros indícios relativos ao crime ou
às pessoas que eventualmente o cometeram ou que dele foram vítimas. Importante nesta matéria é o
artigo 172º que permite a utilização de força para a realização do exame.
Os exames constituem restrições muito sérias dos Direitos Fundamentais das pessoas, o que torna esta
matéria muito sensível. Destinam-se a adquirir vestígios, sinais, marcas deixados pelo crime, bem como
indícios ligados ou à pessoa que eventualmente cometeu o crime ou à vítima.
Os exames podem ser de três tipos:
(1) Às pessoas (exame pessoal);
(2) Aos locais (exame local);
(3) Às coisas (exame real) – por exemplo, à arma do crime, animais ou cadáveres.
Estes vestígios podem ser de grande importância e decisivos para o escoamento do crime. Daí que a
lei tinha de prever medidas para acautelar estes vestígios e elementos, para o esclarecimento da verdade.
São aqui importantes os artigos 171º/2 e o 249º/1 e 2/a).
Assumem particular relevo os exames sobre as pessoas, por serem lesivos dos direitos fundamentais
das mesmas. Estes exames destinam-se a obter elementos e informações probatórias e podem ser
realizados pela mera observação da pessoa (as suas características físicas, marcas corporais, sinais,
cicatrizes, tatuagens, etc). Mas podem ainda estes exames dirigir-se a obter outros elementos, como por
exemplo outros vestígios biológicos.
O artigo 172º refere que é obrigatório a sujeição a exame, podendo a pessoa que se recusar ser
compelida, isto é, há a possibilidade de recurso à força. Na última reforma – a de 2007 – consagrou-se
que os exames neste caso (obrigatórios) devem ser ordenados por um juiz, por remissão do 172º/2 para o
154º/2, que diz que o exame de pessoa sem consentimento é da competência do juiz, que tem que fazer
uma ponderação da necessidade de realização da medida, tendo em conta o direito á integridade pessoal e
reserva de intimidade da pessoa visada.
Por outro lado, o artigo 172º/2 remete ainda para outras normas, nomeadamente para o artigo 156º/5 e
6, normas estas que impõem que certos tipos de exames sejam realizados por médico ou outra pessoa
legalmente autorizada.
Diz ainda a lei que os exames dirigidos à obtenção de sangue ou outros vestígios biológicos só podem
ser utilizados no processo em curso, devendo ser destruídos quando se mostrem já não ser necessários.
Assim, impõe-se no artigo 172º a seguinte ordenação:
1º Lei prevê certos tipos de exames;
2º Os exames podem ser ordenados com recurso à força;
3º Certos tipos de exames têm que ser ordenados por juiz e realizados por médicos.

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O artigo 172º/3 refere-se também que os exames sobre as pessoas devem respeitar a dignidade da
pessoa humana e o pudor de quem se submete ao exame. Noutros países esta norma é caracterizada
supondo que o exame seja feito por uma pessoa do mesmo sexo. A nossa lei não refere este aspecto,
embora se possa entender que tal é uma boa prática.

2.2. Revistas e buscas. Referência particular às buscas domiciliárias.

A lei fala também das Revistas e Buscas, que é um capítulo bastante genérico. É um meio de otençao
de prova dirigido também à aquisição de elementos probatórios que estejam ou na pessoa ou no local.
Assim, quando houver elementos que permitam concluir que alguém oculta na sua pessoa objectos
relacionados com um crime procede-se à Revista: é este o meio de obtenção de provas que incide sobre
pessoas para obter objectos ocultos.
A Busca é um meio de obtenção de prova que tem como finalidade descobrir objectos relacionados
com o crime que se encontrem em local reservado, isto é, local que não seja de livre acesso, bem como a
descobrir nesses locais não reservados o arguido ou outra pessoa que deva ser detida. Neste caso, a busca
não tem uma finalidade directamente probatória, mas coactiva.

Assim:

REVISTAS BUSCAS
Incidência: Incidência:
Sobre a pessoa Sobre locais reservados
Finalidade: Finalidade (mais do que uma):
Procurar objectos conexos com o crime Finalidade Probatória: Procurar objectos
relacionados com o crime
Finalidade Coactiva: Descobrir o arguido
ou outra pessoa

As Buscas e as Revistas dependem de pressupostos: dependem da existência de indícios, isto é, de


suspeita – pressuposto objectivo – e, atendendo à particular gravidade do meio, tem que ser autorizadas
por despacho das autoridades judiciárias (juiz, juiz de instrução criminal e MP) – pressuposto subjectivo.
No entanto, o artigo 174º/5 admite Revistas e Buscas realizadas pelos órgãos de polícia criminal, isto
é, sem serem precedidos de despacho autorizativo.
Isto acontece em relação a certo tipo de crimes particularmente graves (a lei diz quais são os casos na
alínea a)), bem como nos casos de detenção em flagrante delito, desde que o crime seja punido com
prisão (alínea c)), além naturalmente dos casos em que o visado pela revista/busca consinta.
No entanto, nestes casos a realização da medida deve ser comunicada imediatamente ao juiz de
instrução, em ordem à sua validação, sob pena de nulidade dessa mesma medida. Estamos aqui também
perante uma proibição de prova: as provas obtidas não podem ser aproveitadas.
A revista incide sobre a pessoa: sobre o seu corpo, bem como objectos que de algum modo se
conexionam com esta globalidade que é o corpo (vestuário, bolsa, documentos, etc). A revista deve
respeitar a dignidade pessoal e tal como há pouco dissemos para o exame deve respeitar o pudor do
visado.
Continuam a ser bastante controversos os limites da revista sobre o corpo da pessoa, designadamente
a questão de saber se a revista pode dirigir-se a objectos que se encontrem dentro do corpo, quer ocultos
nas aberturas corporais, quer mesmo noutros órgãos internos (principalmente importante nas situações de
tráfico de estupefacientes).
Tem sido muito discutido na Europa a utilização de Eméticos: são drogas/medicamentos que servem
para provocar o vómito. Isto tem provocado controvérsias, porque já resultaram mortes. Há também uma
grande discussão entre os médicos, porque há alguns que entendem que é uma medida perigosa para a
pessoa, mas outros entendem que esperar que essa substância seja expelida naturalmente pelo corpo é
ainda mais perigoso, por causa da fragilidade dos sacos que contém a substância (e se esse saco rebentar,
isso sim pode provocar a morte).
Quanto à busca, é feita sobre os locais. Algumas delas, pela particular danosidade que se revestem,
são regulamentadas de forma mais estrita: assim acontece com a busca domiciliária. A busca domiciliária
contende com um importante bem jurídico-constitucional, consagrado no artigo 34º: aí se diz que o
domicílio é inviolável, na medida em que permite o espaço em que a pessoa livremente se realiza na sua
esfera íntima e privada. Este direito constitucional admite restrições. Aliás, a CRP prevê essas mesmas
restrições no artigo 34º/2 e 3, que se reportam principalmente às intromissões do domicílio no âmbito do
Processo Penal. O CPP regula esta matéria no artigo 177º: aqui entende-se por domicílio, casa habitada

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2009/2010
ou sua dependência fechada. Note-se que por casa não tem que se entender um imóvel: também uma
roulotte ou uma tenda. O critério decisivo é que sirva de habitação. Também não se exige que esse local
constitua habitação exclusiva ou que nele se resida com carácter duradouro. Assim, também uma casa de
férias ou um quarto de hotel cabem na alçada da norma.
Parte da doutrina portuguesa exclui o domicílio profissional. Nalguns casos, o local de trabalho é
particularmente protegido, mas por razões diversas das que valem para a protecção do domicílio “tout
court”, por exemplo um consultório médico, um escritório de advogado, que se prendem com a tutela da
confiança (segredo medico ou do segredo jurídico). No entanto, devemos ter presente que hoje em dia
tem vindo a aumentar o número de casos em que o local de trabalho constitui também local de domicílio,
por exemplo no caso de imigrantes que trabalham em estaleiros da construção civil, nos quais muitas
vezes os locais de trabalho são transformados à noite em locais de repouso.
Assim, também é considerado domicílio as dependências da casa: tem que ser contígua à habitação
desde que se encontre fechada, por exemplo uma garagem.
A busca domiciliária está sujeita a limites de horário: só pode haver busca entre as 7h e as 21h e
mediante despacho de juiz. Em certos casos especiais, pode-se permitir uma busca nocturna (entre as 21h
e as 7h): são as situações que estão previstas no artigo 177º/2 e 3/b). As buscas não autorizadas ou
realizadas fora do período previsto ficam sujeitas a uma proibição de prova.

2.3. Apreensões. Referência particular à apreensão de correspondência.

Apreender, como o próprio nome indica, significa agarrar objectos. As apreensões são também um
meio de prova, que se dirige a assegurar os vestígios da prática do crime, mediante o acto material de
apreensão de objectos que tivessem servido ou se estivessem destinados a servir a prática de um crime (os
chamados instrumentos do crime), bem como os objectos que constituam o produto do crime ou uma
vantagem do crime e ainda os objectos que o agente do crime haja deixado no local do crime e aqueles
que possam de algum modo servir de prova – artigo 178º. É um núcleo bastante amplo, para abarcar um
grande número de hipóteses.
Normalmente as apreensões são da competência das autoridades judiciária (juiz, juiz de instrução
criminal e MP), mas os órgãos de polícia criminal (OPC), havendo urgência na apreensão ou perigo caso
a apreensão seja retardada, podem também efectuar apreensões, nos termos dos artigos 249º/2/c), bem
como as apreensões no decurso de uma revista ou de uma busca. Isto vem previsto no artigo 178º/4.
Mas estas apreensões têm de ser validadas pela autoridade judiciária num prazo máximo de 72 horas,
conforme diz o artigo 178º/5.
Dentro dos objectos sobre o qual incidem as apreensões mereceram da lei uma regulamentação mais
pormenorizada.

Apreensão de correspondência

É uma medida particularmente danosa, que contende com um bem jurídico e constitucionalmente
protegido: sigilo e inviolabilidade da correspondência – artigo 34º CRP. A intromissão na
correspondência é permitida apenas nos casos especialmente previstos na lei, no artigo 179º, que sujeita
esta apreensão a pressupostos bastante apertados. São eles:
(1) Crime tem que ser punível com pena de prisão superior no seu máximo a 3 anos – 179º/1/b);
(2) Que a correspondência seja expedida por suspeito ou dirigida a suspeito – 179º/1/a);
(3) É necessário que a medida apreensiva se mostre de grande interesse para a descoberta da verdade
ou para a prova, o que implica naturalmente um juízo de ponderação por parte da autoridade competente.
A apreensão da correspondência tem que ser ordenada e autorizada por despacho de juiz, doutro modo
apreensão será nula (proibição de prova).
Dada a importância do exercício do direito de defesa, a lei proíbe que se apreenda correspondência
trocada entre o arguido e o seu defensor, excepto quando houver razões fundadas para acreditar que tal
correspondência constitui objecto ou elemento de crime – isto vem previsto no artigo 179º/2. Assim, é o
juiz que ordenou ou autorizou a apreensão, quem deve em primeiro lugar tomar conhecimento do
conteúdo da correspondência. Só deve ser junta ao processo a correspondência que tenha relevância para
a prova: a que não tenha relevância deve ser naturalmente restituída, valendo aqui o dever de segredo
(nº3).
Além deste caso, existem ainda outros casos particulares de apreensões: apreensões em escritório de
advogado, em consultório médico e em estabelecimento bancário – artigos 180º e 181º.

2.4. Escutas telefónicas.

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Direito Processual Penal II
TEÓRICAS
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a) Condições objectivas de admissibilidade (art. 187.º, n.º 1) – os «crimes do catálogo»:
A primeira forma de comunicação foi a telefónica, daí o nome deste meio de obtenção. Mas hoje em
dia a lei abrange todas as formas de comunicação electrónica também.
As escutas telefónicas constituem um importante meio de obtenção da prova, mas um meio também
particularmente danoso para as pessoas, por ter uma capacidade devassa muito forte. Isto atinge desde
logo o direito à inviolabilidade das comunicações telefónicas, mas também o direito à palavra.
Este meio realiza-se mediante alguns pressupostos:

(1) Pressuposto Material: a diligência/medida só é admissível quando se mostre indispensável para a


descoberta da verdade ou então se mostre que a prova seria impossível ou muito difícil de obter de outra
forma. Não se exige, no entanto, que antes desse meio se tenha de lançar mão de outros meios; apenas se
exige que aquele meio seja o único capaz de responder às finalidades. Mas, se houver outros meio, ainda
que mais dispendiosos, a escuta é ilegal.

(2) A escuta tem de ser autorizada por um juiz, embora só depois de um requerimento pelo MP. Há
que ter em conta no entanto o regime especial previsto no artigo 11º/2/b), em que se reserva ao Presidente
do STJ a competência para autorizar as escutas em que intervenham o Presidente da República, o
Presidente da Assembleia da República e o Primeiro-Ministro. Assim, o juiz não pode ordenar escutas
quando não haja requerimento do MP, nem fora dos termos constantes desse requerimento, por exemplo
em relação à pessoa visada e ao prazo em que ela se deve efectuar. A decisão do juiz, que tem de ser
fundamentada e é susceptível de recurso, não pode ir além do disposto no requerimento, embora possa
ficar aquém do mesmo (por exemplo, não autorizando, autorizar por menos tempo, etc).
A lei portuguesa no artigo 187º disciplina as condições de admissibilidade de uma escuta telefónica. A
escuta só é admissível quando for indispensável para a descoberta da verdade. Ou então a escuta é
admissível quando a prova seria impossível ou muito difícil de obter de outro modo. Embora não seja
necessário que para aferir desta indispensabilidade da impossibilidade de obter a prova de outro modo
que primeiro se utilizem outros meios para depois então se recorrer a escuta: isto não é necessário. Mas
havendo outros meios disponíveis, menos gravosos e ainda que esses meios se mostrem mais onerosos,
não se deve lançar mão da escute pela sua particular danosidade.
Ao nível da competência, esta está reservada ao juiz, pois é um acto que contende directamente com
direitos fundamentais. Os actos restritivos de direitos fundamentais, por princípio, são reservados a juízes,
em concretização do artigo 32º/4 da CRP.
As escutas são realizáveis apenas durante o inquérito. Ora, a fase da investigação entre nós é dirigida
pelo MP, daí que se compreende esta questão: é o titular da investigação que está em condições de
determinar se naquele caso e atendendo as finalidades daquela investigação, se mostra necessária ou não e
em que termos a autorização de escutas. Os termos desse requerimento condicionam a decisão do juiz,
que não pode ir alem daqueles termos, embora possa ficar aquém.

(3) A lei, nas condições de admissibilidade, aponta como terceiro pressuposto o facto de se exigir que
ela tenha que se reportar a um crime constante de um “catálogo”. Não são, pois, admissíveis para toda a
criminalidade, mas apenas para certos tipos de crime que a lei enumera de forma taxativa. Esta lista é
apesar de tudo extensa e é construída, por um lado, atendendo à gravidade dos crimes (a escuta é pensada
para crimes de alguma gravidade, como decorre desde logo, por exemplo, da circunstância prevista no
nº1/a) – crimes puníveis com pena de prisão superior a 3 anos) e, por outro lado, atendendo a crimes cuja
execução se pode realizar por via telefónica (como é o caso do crime de injuria, de ameaça, de coação, da
perturbação da paz e sossego, que podem ser cometidos através de comunicações telefónicas – alínea e)
do nº1).
A última revisão suprimiu alguns crimes, mas introduziu outros. Entre eles, conta-se o agora previsto
na alínea g), o crime de evasão, desde que o crime pelo qual o evadido esteja a cumprir pena se inclua nas
alíneas anteriores do catálogo. Isto tem sido criticado na doutrina, porque neste caso a finalidade da
escuta já não parece ser a de obtenção de prova para uma investigação.

(4) Um quarto pressuposto é a existência de fundadas suspeitas da prática desses crimes.

b) Âmbito subjectivo das escutas (art. 187.º, n.º 4); a confidencialidade das comunicações entre
arguido e defensor (art. 187.º, n.º 5):
Um quinto pressuposto diz respeito aos visados: a escuta só pode ser dirigida a determinadas pessoas.
Assim, o artigo 187º/4 indica quem é que pode ser escutado. Pode então ser escutado: o arguido, o
suspeito, o intermediário do arguido ou do suspeito (aquele que recebe ou difunde a comunicação do ou
para o arguido ou suspeito – não se exige que este intermediário esteja de má fé, basta que ele transmita

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2009/2010
mensagens para um ou para o outro) e a vítima (desde que haja consentimento da mesma). Este tópico
constituiu uma das grandes discussões políticas, a propósito das escutas telefónicas, suscitadas por uma
série de casos que surgiram na sociedade envolvendo figuras pertencentes ao Estado. Isto porque a lei
anterior não indicava nenhum catálogo de pessoas que poderiam ser escutadas. Então a reforma veio
estabelecer este catálogo. Porém, apesar de ser salutar de certa forma esse esforço, os ganhos são escassos
ou ilusórios, porque o número dos escutados continua a ser indeterminado e a sua variabilidade é
incontrolável. A lei controla hoje os telefones que são postos hoje sob escuta, mas não consegue controlar
quem telefona para esse telefone. Portanto, esta solução é aparente, porque o esforço de contenção é
aparente.
Entre as pessoas que podem ser colocadas sob escuta, a lei excluiu o defensor: artigo 187º/5. Pretende-
se salvaguardar ao máximo a reserva ao exercício do direito de defesa. E assim, as conversações entre o
arguido e o defensor não podem ser objecto de escuta, por norma. Excepto nos casos em que haja
fundadas razões para concluir que essa comunicações constituem objecto ou elemento de crime. A prova
assim recolhida pode ser valorada também contra o defensor, supondo obviamente que é um crime do
catálogo.
Dentro deste âmbito de pessoas e matérias que não podem ser objecto de gravação, também ficam de
fora do alcance da escuta as comunicações que estejam abrangidas por segredo religioso, profissional, de
funcionário ou de Estado: artigo 188º/6/b).
Mas a lei já não ressalva as pessoas que podem recusar o depoimento como testemunhas, com
fundamento na relação familiar com o arguido.

c) Prazo das escutas:


O prazo das escutas funciona aqui como um sexto pressuposto. As escutas só podem ser autorizadas
durante o inquérito, mas cada autorização tem a duração máxima de 3 meses. Excedido o prazo, a escuta
é inválida e fuça coberta por uma proibição de prova.
Já houve quem defendesse que a realização da escuta se pode estender facticamente para além da
duração do inquérito desde que a autorização da escuta tenha ocorrido ainda dentro desse prazo. Mas
parece que não é essa a melhor interpretação da teleologia da norma, embora a lei não permita.

d) A realização da escuta: as «formalidades das operações» (art. 188.º):


A lei, além das condições de admissibilidade, estabeleceu também um procedimento bastante
rigoroso, a que chamou de “formalidades”: artigo 188º. São também pressupostos de validade muito
importantes, que são sancionados com a nulidade, nos termos do artigo 190º. A lei regula, pois, de forma
muito minuciosa o procedimento da escuta telefónica. Nesta ultima reforma, foi reforçado o
acompanhamento judicial de todo o procedimento. Na verdade, o juiz não se limita a autorizar a escuta,
mas exerce em todo o procedimento da escuta funções de vigilância e controlo muito importantes.
Vejamos o procedimento em pormenor.
Autorizada uma escuta, é elaborado um auto de início da escuta ou de intercepção pelo órgão de
polícia criminal competente. De 15 em 15 dias, a partir do início da escuta, é elaborado um auto intercalar
com o relatório das passagens relevantes para a prova, com indicação sucinta do respectivo conteúdo. E
esse relatório, bem como os suportes técnicos são presentes ao MP, que no prazo máximo de 48 horas
leva ao conhecimento do juiz todos esses elementos. Não é muito clara a razão de ser da norma do 188º/3,
isto é, para que servirá a apresentação da norma ao MP? Poderá ele exercer aqui algum controlo? Parece
que não. O MP tem aqui pouca margem de manobra; quando muito poderá ordenar que uma escuta que
esteja a violar grosseiramente os termos da lei seja interrompida. O juiz que recebeu então todo aquele
material é que vai decidir pela manutenção da escuta, pela redução do prazo de escuta ou até mesmo pela
sua cessação. Não podemos esquecer que os órgãos de polícia criminal não têm que transcrever
integralmente a escuta, mas sim de indicar as passagens que considerem relevantes com descrição do seu
conteúdo. Mas o controlo do juiz não é feito sobre este relatório, antes sobre os conteúdos das gravações.
Isto é, a transcrição não dispensa os suportes técnicos, mas serve de documentação, pelo que deve ser
junta ao processo.

e) O problema dos «conhecimentos fortuitos»:


Um aspecto importante nesta matéria diz respeito aos conhecimentos fortuitos, que são as informações
que são obtidas no âmbito de uma escuta telefónica, mas que não se prendem com o objecto da
investigação. Faz-se então uma distinção entre os conhecimentos da investigação e os conhecimentos
fortuitos. Constituiu desde sempre um problema saber se estes conhecimentos fortuitos podem ser
tomados em consideração pelos órgãos de investigação criminal. Naturalmente que são várias as
possibilidades avançadas. Desde aqueles que admitem o completo aproveitamento destas informações aos

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Direito Processual Penal II
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2009/2010
que só admitem a valoração quando os conhecimentos fortuitos se reportam a crimes do catálogo ou
àqueles que excluem o aproveitamento deste tipo de informação.
A lei portuguesa tem uma norma importante, o artigo 187º/7: a gravação de conversações ou
comunicações só pode ser utilizada em outro processo, desde que a escuta tenha como visado as pessoas
referidas no nº4 e desde que se reporte a crime previsto no nº1, isto é, a um crime de catálogo.

f) Extensão normativa do regime das escutas (art. 189.º): a intercepção de correio electrónico e
outras formas de transmissão telemática de dados, a obtenção de informações sobre localização
celular, facturação detalhada, dados de tráfego, a intercepção de comunicações entre presentes
(microfones ocultos).

g) A invalidade das provas obtidas com violação dos artigos 187.º e 188.º
(29/04/2010)
SUMÁRIO:
Título II Teoria das Medidas de Coacção I. Princípios estruturantes das medidas de coacção. II.
Requisitos gerais de aplicação das medidas de coacção.

TÍTULO II
TEORIA DAS MEDIDAS DE COACÇÃO

CAP. I
Princípios estruturantes das medidas de coacção.

As medidas de coacção consubstanciam restrições da liberdade, por razões de natureza cautelar. E


dado que se trate de medidas restritivas da liberdade, utilizadas num processo penal, só podem aplicar-se
quando ainda se mostrem comunitariamente suportáveis, em face da possibilidade de estarem a ser
determinadas a um inocente. Com efeito, as medidas de coacção não podem ser formas de se antecipar a
punição.
Estão sujeitas a um conjunto apertado de princípios, o primeiro dos quais é o princípio da legalidade:
as medidas de coacção têm que estar previstas na lei (embora não seja obrigatório estarem previstas no
CPP, têm que estar pelo menos previstas em lei extravagante).
Encontram-se também subordinadas a um conjunto de princípios, que dão garantia à chamada
proporcionalidade em sentido amplo (proibição do excesso):
∗ Princípio da necessidade (artigo 193º): só podem ser aplicadas em ordem à
indispensabilidade daquela medida;
∗ Princípio da adequação: não basta que ela seja necessária, é preciso também que se encontre
a medida mais adequada de realizar a finalidade pretendida;
∗ Princípio da proporcionalidade em sentido estrito: tem que haver uma relação de
equivalência normativa entre a medida de coação e a gravidade do crime e as sanções que
previsivelmente venham a ser aplicadas.
Estão também dependentes do princípio da precariedade, que significa que as condições da sua
manutenção têm que estar sempre presentes, doutro modo as medidas têm que ser modificadas.
Finalmente, subordinam-se ao princípio da subsidiariedade, consagrado no artigo 202º e pensado
especialmente para a prisão preventiva. No entanto, este princípio enforma todas as medidas de coacção:
só se deve aplicar uma medida mais gravosa sempre que uma medida menos gravosa não cumpra aquelas
necessidades.

CAP. II
Requisitos gerais de aplicação das medidas de coacção.

A lei exige que existam indícios da prática do crime para se aplicar a medida de coacção. E nalguns
casos a lei exige a qualificação dos indícios. Assim acontece, por exemplo, nos artigos 200º, 202º/a), etc,
em que a lei exige “fortes indícios”, isto é, que haja uma maior probabilidade de condenação do que de
absolvição. Assim, não se deve aplicar nenhuma medida de coacção quando houver razões para acreditar
que no caso existem causas de isenção da responsabilidade ou mesmo de extinção do procedimento
criminal, conforme diz o artigo 192º/2.
Além deste pressuposto genérico, existem outros pressupostos gerais, previstos no artigo 204º:

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1. “Fuga ou perigo de fuga”: note-se que não se deve presumir o perigo de fuga, por exemplo
se o arguido tiver um bilhete comprado para o estrangeiro ou até se ele for nacional de um
país estrangeiro;
2. “Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e,
nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova”: também
este deve ser uma perturbação concreta e não presumida. Por outro lado, a medida de
coacção concreta não deve servir para compelir o arguido a colaborar com a justiça.
3. “Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do
arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a
tranquilidade públicas”: esta alínea é a que levanta mais problemas no plano processual,
porque os outros dois fundamentos reportam-se a finalidades endoprocessuais. E nesse
sentido, esta medida aproxima-se de uma prevenção de perigo.
A lei impõe que se afira das circunstâncias do caso e da personalidade do agente.
Entre as condições gerais de aplicação, consta-se ainda a prévia constituição do arguido em todas as
medidas da coacção.
O MP promove a aplicação das Medidas de Coacção durante o inquérito, porque é ele o titular da
acção penal. No entanto, o artigo 268º/2 pode induzir à conclusão de que também as autoridades de
polícia criminal o podem fazer: mas deve-se entender que por força do artigo 194º, as Medidas de
Coacção são promovidas apenas pelo MP.
Depois do inquérito, as Medidas de Coacção são determinadas pelo juiz, embora o MP devesse ser
ouvido. Assim, quem promove é o MP e quem aplica é o juiz (artigos 268º e 194º CPP e 32º/4 CRP).
O artigo 194º/2 veio clarificar a questão discutida na doutrina e na jurisprudência: saber se o juiz de
instrução estava ou não vinculado ao requerimento do MP. O juiz não pode aplicar Medida de Coacção
mais grave do que a requerida, embora este seja um critério que não é de fácil determinação. A sanção
para esta situação é a nulidade.
O procedimento de aplicação de Medidas de Coacção foi objecto de regulamentação na última
reforma, dando maior espaço à defesa do arguido. Assim, é assegurado o direito de audiência do arguido
(artigo 194º/3).
O artigo 141º/4 regula a comunicação dos elementos probatórios que indiciam os factos imputados.
Antes da revisão de 2007, este dever não se encontrava expressamente sancionado e a fase de inquérito
era abrangida pelo segredo de Justiça externo e interno. Havia reservas quanto ao arguido e colocava-se a
questão de saber como é que o arguido se ia defender se não tinha acesso a todos os elementos. Haviam
três posições diferentes a este respeito:
1. O arguido não deveria ter acesso a esses elementos, não devendo ser autorizado a consultar
esse processo para verificar os meios de prova que suportavam os indícios – os direitos de
defesa ficavam comprimidos, mas não suprimidos, na medida em que se mantinha o
objectivo de comunicar os factos concretamente indicados;
2. O arguido deveria ter acesso aos elementos probatórios do processo que fundamentavam a
medida;
3. Era necessário proceder a uma análise em concreto (portanto, nem sempre, nem nunca): era
necessário decidir caso a caso para se verificar se podia ou não dar conhecimento ao arguido.
A Reforma de 2007 alinhou por esta última posição. Com efeito, o artigo 141º/4/d) e o 194º/4/b)
impõem que o arguido seja informado dos tais elementos probatórios do processo que indiciam os factos
imputados, mas estabelecem ressalvas. No entanto, a formulação das ressalvas nos artigos 141º/4/d) e
194º/4/b) não são inteiramente coincidentes, porque, segundo o primeiro artigo, no primeiro
interrogatório o juiz tem que informar o arguido dos elementos do processo que indiciam os factos
imputados, mas, de acordo com o segundo artigo, a informação só pode ser feita se “a sua comunicação
não puser gravemente em causa a investigação”.
Assim, o 194º exceptua o dever de comunicação em menos casos, pois o juiz não comunica quando
eles puserem gravemente em causa e impossibilitarem a investigação. Há até quem defenda aqui a
necessidade de uma interpretação correctiva do artigo 141º/4/d), lendo-o à luz dos termos do 194º/4/d).
No entanto, pode haver situações que não sejam completamente sobreponíveis: o artigo 194º refere-se
apenas às situações em que é aplicada uma Medida de Coacção, mas pode não ser aplicada nenhuma.
Para a pessoa em concreto, isto é importante e não é apenas um preciosismo, pois há efectivamente uma
diferença de grau.
No artigo 194º o arguido, no contexto da aplicação de uma Medida de Coacção deve ser informado e
tal é tão importante que a lei cominou sanções quando o procedimento não é observado. O número 5
deste artigo refere até alguns factos e elementos que não podem ser considerados para a aplicação da

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Medida de Coacção, os quais o juiz não pode levar à fundamentação: estamos perante uma proibição de
valoração.

CAP. III
As concretas medidas de coacção previstas no Código de processo penal.

(1) Termo de Identidade e Residência (artigo 196º):


A bem dizer não tem o carácter restritivo comparável com as restantes medidas (não é então uma
Medida de Coacção pura), sendo até a única medida que não tem de ser aplicada por um juiz, ou seja,
podendo ser aplicada por uma autoridade judicial ou órgão de polícia criminal.
Falemos dos seus pressupostos. Toda a pessoa que deva ser constituída arguido é sujeita a TIR. O
arguido é informado de alguns aspectos, como o facto de estar obrigado a manter-se à disposição das
autoridades judiciais, bem como a obrigação de não mudar de residência ou ausentar-se dela mais do que
5 dias sem comunicar. Do TIR consta ainda que o arguido foi informado de que caso não compareça nos
actos processuais pode ser julgado na sua ausência: julgamento à revelia, desde que advertido.

(2) Caução (artigo 197º):


É uma Medida de Coacção em sentido próprio. Também se refere como caução carcerária para
distinguir da caução económica (artigo 227º). A caução tem como pressuposto formal que o crime
imputado seja punível com prisão, embora não se indique nenhum mínimo. A caução é uma prestação de
valor pecuniário que pode ser feita de muitos modos de acordo com o artigo 206º. O valor é determinado
pelo juiz em função dos critérios previstos no artigo 197º/3, designadamente a gravidade do crime, o dano
causado e a condição socioeconómica do arguido. No entanto, no contexto do primeiro interrogatório não
é fácil para o juiz ter estes limites, sobretudo a situação socioeconómica do arguido, portanto a Caução
não é uma Medida de Coacção muito usada. A Caução destina-se a assegurar que o indivíduo cumprirá as
exigências processuais, pois é usado o dinheiro como garantia. Se o arguido cumprir as exigências
processuais, a Caução será devolvida. Mas se ele faltar injustificadamente ao acto processual dá-se a
quebra da Caução e o seu valor reverte para o Estado (confirmar artigo 208º).

(3) Obrigação de Apresentação Periódica (artigo 198º):


Esta medida é bastante aplicada entre nós. O seu carácter restritivo reside no dever imposto ao arguido
de se apresentar nos dias marcados a uma autoridade policial ou judiciária. Claro que nesta imposição o
juiz deve atender às exigências profissionais do arguido – artigo 198º.
Esta medida depende de um pressuposto formal: o crime tem que ser punível com pena de prisão de
máximo superior a 6 meses. Esta medida pode ser cumulada com outras medidas: a lei permite cumulação
para potenciar efeitos cautelares, salvo com a obrigação de permanência na habitação e na prisão
preventiva – artigo 198º/2.

(4) Suspensão do exercício de profissão, função, actividade e direitos (artigo 199º):


Esta medida é possível para crimes puníveis com prisão de máximo superior a 2 anos (pressuposto
formal) e traduz-se numa suspensão de certos direitos efectivos. A novidade da reforma foi que ela
estendeu esta suspensão a funções privadas. Esta medida é possível apenas nos casos em que a interdição
do exercício do direito em causa possa vir a ser decretada como efeito da responsabilidade do crime. Se o
funcionário abusa de funções ele pode ser interditado. Preventivamente, ele pode ser suspenso: isto visa
obstar ao perigo de continuação da actividade criminosa.

(5) Proibição e Imposição de Condutas (artigo 200º):


Esta medida traduz-se em restrições muito sérias. A pessoa fica proibida de se ausentar de certos
locais ou fica sujeita a certas obrigações, como por exemplo ter certas instruções ou proibições de
contactar com outros arguidos.
Esta medida, em relação ao dever de não contactar com certas pessoas, é cumulável com a obrigação
de permanência na habitação (artigo 201º/2), isto é, a medida prevista no artigo 200º/1/d) é cumulável
com esta obrigação.

(6) Prisão Domiciliária (artigo 201º):


Tem-se apostado bastante nesta medida para evitar a sujeição do indivíduo à prisão. Ela é aplicável
quando haja forte indícios de crime doloso punível com prisão máxima superior a 3 anos, desde que as
restantes medidas se mostrem inadequadas ou insuficientes (Princípio da Subsidiariedade).

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Quanto ao conteúdo da medida, estabelece-se a obrigação de permanecer no espaço físico da sua
habitação ou em estabelecimento que preste assistência social ou médico-hospitalar, não se podendo
ausentar salvo autorização.
Para fiscalizar esta medida, além da violência policial de proximidade, podem ser utilizados os meios
de vigilância à distância, previstos no artigo 201º/3. Um desses meios (o mais utilizado) é a pulseira
electrónica, regulada pela Lei 122/99, de 20 de Agosto.

(7) Prisão Preventiva (artigo 202º):


Esta medida é aplicável como “ultima ratio” e tem-se procurado limitar cada vez mais a sua aplicação
em Portugal. A reforma de 2007 procurou reduzir o seu âmbito de aplicação ao reforçar os pressupostos
formais da sua aplicação. Só quando o crime em causa for doloso, ou quando haja fortes indícios de o ser,
punível com prisão de máximo superior a 5 anos (antes da reforma era 3 anos).
Há no entanto situações excepcionais onde o crime é punível com menos 5 anos: situações previstas
no 202º/1/b) e a situação prevista no 203º/2 (casos em que o arguido não cumpriu a medida de obrigação
de permanência na habitação).

CAP. IV
Revisão e extinção das medidas.

As Medidas de Coacção estão sujeitas a um Princípio de Precariedade. Devem, então, ser revogadas
quando as suas condições de aplicação já não subsistem e, atendendo a uma ideia de subsidiariedade, as
Medidas de Coacção devem ser substituídas por outras menos gravosas que dêem respostas às exigências
cautelares. No artigo 212º estão então previstas a revogação e sua substituição por medida menos gravosa.
Para aferir disto, importa reapreciar, tal como é referido nos artigos 212º/4 e 213º (neste de forma
especial, pois este artigo refere as condições para o reexame dos pressupostos do obrigação de
permanência na habitação e da prisão preventiva).
As medidas também estão sujeitas a um prazo de duração: artigos 214º e 215º (este quanto à prisão
preventiva). Os prazos são variáveis consoante as fases processuais e os incidentes processuais (por
exemplo, a existência de recurso ou não). Nalguns casos mais complicados, a prisão preventiva chega aos
4 anos, sendo este um prazo bastante exagerado.

CAP. V
Impugnação das medidas. Particular análise da impugnação da prisão preventiva.

As Medidas de Coacção são impugnáveis, ou seja, a pessoa pode “lutar” contra as Medidas de
Coacção. O modo de impugnação normal é o recurso previsto no artigo 219º. Aqui a lei foi bastante
favorável ao arguido, na medida em que limitou o recurso ao arguido e ao MP, em benefício deste. Esta
restrição tem sido bastante criticada, havendo quem considere ser inconstitucional por limitar as funções
do MP, que deveria poder recorrer mesmo contra ele. Em Março de 2010, entrou uma proposta para
alteração do código, estando em fase de se aprovar que o MP também possa recorrer contra o arguido.
Além do recurso, há outro meio de impugnação: o “habeas corpus”.
O artigo 219º/2 resolveu uma questão anterior muito controvertida. Discutia-se na jurisprudência se
quando o arguido recorria ao “habeas corpus” ficava precludido ou não ao direito ao recurso e vice-versa.
Este artigo veio afirmar que não há litispendência (mesmo objecto é tratado em dois recursos), nem o
efeito do caso julgado: pode-se recorrer aos dois então. Porque o âmbito das duas medidas não é
sobreponível. Os fundamentos são diferentes:
- Recurso – vícios de natureza formal e material;
- “Habeas corpus” – concretos vícios de natureza formal.
A expressão “habeas corpus” significa “trazei-me o corpo”. É um direito constitucional consagrado no
artigo 31º da CRP e funciona como uma garantia contra o arbítrio das prisões. Funciona em duas
situações: (1) em virtude de detenção ilegal (artigo 220º) e (2) em virtude de prisão ilegal (artigo 222º). É
um mecanismo muito célere e procura obviar a prisões manifestamente ilegais, vícios formais
taxativamente indicados pela lei.

(30/04/2010)
SUMÁRIO:
III. As concretas medidas de coacção previstas no Código de processo penal. IV. Revisão e extinção das
medidas. V. Impugnação das medidas. Particular análise da impugnação da prisão preventiva.
Bibliografia Brandão, Nuno, Medidas de coacção : o procedimento de aplicação na revisão do código
de processo penal, Revista do CEJ, n.º 9 (2008), 71-92 Título III Teoria dos Actos Processuais I. Noções

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introdutórias. Conceptualização. II. A disciplina normativa dos actos processuais. 1. A forma dos actos
e a sua documentação. 2. O tempo dos actos. Prazos processuais e a sua classificação: prazos
peremptórios, prazos dilatórios e prazos ordenadores. O incidente da aceleração do processo 3. A
comunicação dos actos. Formas de notificação.

TÍTULO III
TEORIA DOS ACTOS PROCESSUAIS

CAP. I
Noções introdutórias. Conceptualização.

Os princípios gerais do processo actuam no plano da estruturação do processo penal. Exprimem as


ideias condutoras, as expressões de força e as opções políticas e axiológicas do sistema.
No sistema processual intervêm diversos agentes, alguns dos quais atendendo ao estatuto processual
que assumem e aos particulares poderes de conformação que dispõem, designamos de sujeitos
processuais.
Os actos processuais são então os impulsos que fazem com que o processo evolua e estes são emitidos
pelos sujeitos processuais.
Com efeito, o processo por sua natureza é uma dinâmica contínua que se desenvolve de situação
jurídica em situação jurídica (é uma sucessão de situações jurídicas) em direcção a um determinado fim,
nomeadamente à resolução do conflito jurídico-penal, por antonomásia, em direcção à sentença, e aqui é
determinada a dinâmica pela interacção de múltiplas pessoas. Daqui decorre que o progresso do processo
é determinado por uma pluralidade dos actos em concatenação, que se repercutem na conformidade do
processo e na sua resolução final.
Portanto, os actos processuais são compartimentos conformadores do processo (exemplo: despacho de
revogação) e são regulados pelo direito processual penal, tanto nos seus pressupostos, como nos seus
elementos.
Os actos têm de ter uma causante, normalmente é um sujeito processual – por exemplo: o MP, o
defensor, o assistente; mas pode também ser actos participantes, nalguns casos mesmo pessoas que não
estão na relação processual – por exemplo, o titular do direito de queixa.

CAP. II
A disciplina normativa dos actos processuais.

1. A forma dos actos e a sua documentação:


Os actos são feitos em língua portuguesa, mas por vezes pode ter que intervir no processo alguém que
não conhece a língua portuguesa; nesse caso tem que se nomear um intérprete, mesmo que a entidade
conheça a língua dessa pessoa de língua estrangeira (artigo 93º).
São actos escritos/orais: vigora assim o princípio da oralidade, embora muitos dos actos sejam
realizados oralmente. Mas também existe uma grande documentação escrita dos actos: artigo 94º.
Há actos que impõem uma forma especial, como é o caso do juramento, que tem uma fórmula
sacramental (91º).

2. O tempo dos actos. Prazos processuais e a sua classificação: prazos peremptórios, prazos
dilatórios e prazos ordenadores. O incidente da aceleração do processo

Tipos de actos:
Existem duas distinções importantes:
(A) Judiciais (praticados pelo juiz) e não judiciais (praticados por outras entidades);

(B) Decisórios e de mero expediente;


Os actos decisórios judiciais têm nomes técnicos conforme o artigo 97º - assim, temos sentenças
quando o acto conhece a final do âmbito do processo. Se quem tomar esta decisão for uma entidade
colegial, temos um acórdão. E ainda temos os despachos, que são os actos que conhecem decisões
interlocutórias. Os actos decisórios, por imperativo constitucional, são sempre fundamentados, já os actos
de mero expediente não.

Tempo dos actos (prazos):


O tempo em que um acto deve ser praticado vem regulado no artigo 103º e convoca a questão do
prazo (período de tempo em que o acto deve ser praticado ou a partir do qual ele deve ser praticado). Tem

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um inicio (dias a quo) e um termo (dias a quem). Há então um prazo de 15 dias, não se contabilizando
nem o dia em que começa nem o dia em que termina, consoante estejamos a falar de prazo de inicio ou de
termo.

Funções dos prazos:


Podem ser prazos dilatórios (período de tempo dentro do qual não se pode praticar um acto
processual, podendo apenas este decorrer findo o prazo) ou peremptórios (prazos que se dirigem a
acelerar o andamento do processo; é no período de tempo dentro do qual deve ser praticado um acto,
passado o prazo extingue-se o exercício do direito ou da pretensão).
O CPP tinha de regular com rigor o problema do tempo dos actos: artigos 103º e ss. Desta matéria foi
recentemente alterada, pois foi introduzido em 2008 o artigo 107º-A.
Regula também o instituto da aceleração do processo. Os processos por tendência são lentos e a
celeridade é um valor incluído até entre os direitos fundamentais dos arguidos (32º/2 CRP – direito de ser
julgado o mais rapidamente possível). Por isso, a lei processual criou mecanismos dirigidos a potenciar a
celeridade, como por exemplo o instituto da aceleração de processos atrasados, previsto no artigo 109º.

3. A comunicação dos actos. Formas de notificação.

A forma habitual de comunicação é a notificação: artigo 111º.


A apreciação dos actos pode ser feita numa dupla dimensão: a dimensão da admissibilidade e a
dimensão do mérito.
O acto admissível é aquele que se mostra idóneo para formular uma pretensão processual, logo o acto
pode ser inadmissível, ou seja, inapto ou disfuncional em relação ao fim a que se propõe. A
inadmissibilidade constitui pois um juízo sobre a ineptidão do acto. O juiz só passa para o mérito depois
de apreciar o crivo da admissibilidade.
Quais os pressupostos da admissibilidade? Esta depende então da vinculação do acto a outros actos
anteriores: os actos estão muitas vezes concatenados. Assim, a admissibilidade depende da conformidade
do acto a certos requisitos legais que o disciplinam, sem os quais o acto está viciado.
A apreciação sobre o mérito é um juízo sobre o fundamento do acto, sobre a correspondência dos
factos e do direito nele alegados com a realidade.

(13/05/2010)
SUMÁRIO:
III. O desvalor dos actos processuais 1. Aproximação ao problema das invalidades processuais. 2.
Notas definidoras do modelo processual actual. Sistema progressivo de invalidades processuais. Modelo
misto ou de semi-taxatividade. 3. A autonomia técnica ou dogmática das proibições de prova. 1. A
distinção entre as hipóteses de obtenção ou valoração de provas proibidas (proibição de prova) e
inobservância dos formalismos prescritos para a obtenção de provas (nulidades processuais). . 4.
Análise do sistema normativo de invalidades processuais. a) A inexistência jurídica. Origem histórica.
Âmbito de aplicação. b) As nulidades absolutas ou insanáveis. Elenco normativo. Regime jurídico. c) As
nulidades relativas ou sanáveis. Elenco normativo. Regime jurídico: em especial, o prazo de arguição e
as causas de sanação. d) As simples irregularidades processuais. Não taxatividade. Regime jurídico. e)
Efeitos da declaração de nulidade ou anulação. Sugestão bibliográfica: CORREIA, João Conde - «A
distinção entre prova proibida por violação dos direitos fundamentais e prova nula numa perspectiva
essencialmente jurisprudencial», Revista do CEJ, IV, 2006, 175-202. A título complementar, pode ver-
se, ainda, CORREIA, João Conde - Contributo para a análise da inexistência e das nulidades
processuais penais, Coimbra: Coimbra Editora: 1999, 87-196.

CAP. III
O desvalor dos actos processuais

Diz respeito à conformidade do acto com o esquema legal, embora a doutrina costume distinguir dois
planos:
(1) Plano da validade em sentido estrito: plano da conformidade entre o acto e a norma;
(2) Plano da validade em sentido amplo: efeitos produzidos pelo acto.
Estes planos não são sobreponíveis, pois há actos válidos que não produzem efeitos e há actos
inválidos que produzem efeitos (nomeadamente práticos). Vale então aqui o Principio de conservação
dos actos inválidos, para evitar os riscos profundos decorrentes da anulação de um acto, que se podem
repercutir em cadeia sobre todo o procedimento.

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Direito Processual Penal II
TEÓRICAS
2009/2010
1. Aproximação ao problema das invalidades processuais.

A lei começa por referir-se à figura das nulidades, apresentando duas formas: aquelas que
correspondem a vícios que só podem ser sanados pelo caso julgado e aquelas que correspondem a vícios
que podem ser sanados no decurso do processo. Além destas duas modalidades de nulidade, a lei
consagra ainda a figura da irregularidade. Assim, temos nulidades variáveis consoante a gravidade da
imperfeição e a tutela dos interesses subjacentes à norma violada.

2. Notas definidoras do modelo processual actual. Sistema progressivo de invalidades


processuais. Modelo misto ou de semi-taxatividade.

Esta matéria prende-se com o sistema normativo previsto para os vícios processuais e, desde logo,
convoca a questão de saber se o nosso sistema assenta num princípio da taxatividade ou não das
invalidades processuais. Se assentar num princípio de taxatividade potencia o primeiro interesse: a paz
jurídica. Quanto mais invalidades houver, mais se potencia a tutela dos direitos. Devemos então atentar
no artigo 118º, onde se consagra o princípio da legalidade das nulidades processuais.

3. A autonomia técnica ou dogmática das proibições de prova.

a) A distinção entre as hipóteses de obtenção ou valoração de provas proibidas (proibição de


prova) e inobservância dos formalismos prescritos para a obtenção de provas (nulidades
processuais).

4. Análise do sistema normativo de invalidades processuais.

Na matéria das invalidades existe uma tensão latente entre vários interesses, que conflituam. Por um
lado, o interesse ou a finalidade da paz jurídica, que requer celeridade e, por conseguinte, que propugna
ou defende a manutenção ou conservação dos actos, ainda que imperfeitos. Por outro lado, existe a
finalidade da tutela dos direitos individuais, a qual impõe a observância das formas prescritas e, por
conseguinte, a inutilização dos actos contrários à lei.
Assim, a taxatividade vale apenas para as causas de nulidade assim mencionadas pelo legislador, mas
o nosso sistema de invalidades não é taxativo. É um modelo misto, que procura conciliar as vantagens da
taxatividade, com as vantagens do princípio do “numerus apertus”. Com efeito, indicam-se de forma
taxativa os vícios mais graves, mas constrói-se uma cláusula geral ocupada pela figura das
irregularidades.

a) A inexistência jurídica. Origem histórica. Âmbito de aplicação.

Além destas figuras, a doutrina questionou-se ao longo do tempo sobre se haveria ainda outro tipo de
vícios, dando origem a uma outra figura invalidante que denominou de inexistência. A inexistência
ocorre, segundo esta posição, quando o acto nem sequer tem aparência de acto processual, isto é, quando
o acto processual não tem idoneidade para se integrar no sistema normativo, não podendo produzir
quaisquer efeitos. Assim, a inexistência não seria possível de sanação, nem precisaria de ser declarada,
afectando todos os actos que dependam do acto inexistente. A figura da inexistência foi trabalhada
sobretudo para a sentença. Como exemplos de inexistências: condenar uma pessoa que não haja sido
acusada, esta sentença seria inexistente e não apenas nula; é inexistente uma sentença condenatória que
não determina a pena ou a medida de segurança; é inexistente a sentença que condena em pena ou medida
de segurança não prevista na lei portuguesa.

b) As nulidades absolutas ou insanáveis. Elenco normativo. Regime jurídico.

As mais graves chamam-se nulidades insanáveis ou também ditas absolutas, que apresentam como
características essenciais:
(1) São de conhecimento oficioso;
(2) A todo o tempo, ou seja, em qualquer fase do processo (mas não obstam à formação do caso
julgado).

c) As nulidades relativas ou sanáveis. Elenco normativo. Regime jurídico: em especial, o prazo


de arguição e as causas de sanação.

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Direito Processual Penal II
TEÓRICAS
2009/2010

Mas há ainda outros vícios de gravidade média, a que a lei chama de nulidades dependentes de
arguição, ou nulidades sanáveis ou relativas. Estas têm de ser arguidas pelo interessado e dentro de certo
prazo. E verificados certos pressupostos da lei, certos eventos legalmente previstos, ficam sanadas.
Quando o código diz “sob pena de nulidade” refere-se às nulidades sanáveis.
As nulidades sanáveis têm que ser arguidas pelo interessado, porque é ele o titular do direito protegido
pela norma violada. São sanáveis por não terem sido invocadas no tempo previsto ou por outra causa de
sanação previstas no artigo 121º.

d) As simples irregularidades processuais. Não taxatividade. Regime jurídico.

As nulidades só ocorrem nos casos especificamente determinados, mas as invalidades não se reduzem
às nulidades, pois existem também as irregularidades; embora estas não constituam invalidades em
sentido técnico, possuem efeitos invalidantes. Algumas irregularidades desencadeiam verdadeiros efeitos
de anulação do acto, embora nem se inscrevam no âmbito das nulidades em sentido estrito.

e) Efeitos da declaração de nulidade ou anulação.

A invalidade afecta o acto nulo, bem como os actos subsequentes que tenham um nexo de
dependência cronológica e valorativa com o acto nulo, isto é, os que estejam na sua dependência
funcional. Os outros são mantidos e aproveitados. Os efeitos estão previstos no artigo 122º.

(14/05/2010)
SUMÁRIO:
Título IV Teoria dos Recursos em Processo Penal I. Aproximação à problemática dos recursos.
Conceptualização. 1. Noção de recurso. Natureza jurídica dos recursos penais. 2. Espécies de recursos.
Recursos ordinários e extraordinários. II. Princípios gerais em matéria de recursos. 1. Princípio da
recorribilidade (arts. 399.º e 400.º). 2. Proibição da "reformatio in pejus". Âmbito de aplicação.
Fundamentos. O caso especial da agravação da multa. 3. Princípio do dispositivo. Refracções
processuais. 4. Princípios da oralidade, imediação e contraditório (a sua menor incidência na fase de
recurso).

TÍTULO IV
TEORIA DOS RECURSOS EM PROCESSO PENAL

CAP. I
Aproximação à problemática dos recursos. Conceptualização.

1. Noção de recurso. Natureza jurídica dos recursos penais.

O Recurso constitui, no quadro jurídico português, uma garantia importante do processo criminal.
Com esse sentido, aliás, vem consignado o direito ao recurso na CRP no artigo 32º/1. Aqui vem então
consignado o direito ao recurso como uma das mais importantes garantias de defesa do indivíduo: este
artigo durante muito tempo dizia apenas “o processo penal garantirá as garantias de defesa”. No entanto,
era também entendido aqui o direito ao recurso, embora não estivesse expressamente consagrado.
Porém, o direito ao recurso não pertence apenas ao arguido, isto é, os recursos em Processo Penal não
se destinam apenas à defesa do arguido, pois pode haver recursos contra o arguido. De todo o modo, o
recurso não deixa de ser uma das mais importantes garantias de defesa.
Isto prende-se com a concepção global daquilo que se entende por Recurso: para que serve, qual a sua
justificação teleológica, etc. A concepção que se tem sobre os recursos depende da estrutura fundamental
do processo, pois é diferente consoante estejamos numa estrutura mais inquisitória ou, pelo contrário,
numa estrutura mais acusatória. Num processo penal de tendência mais inquisitória, os recursos são vistos
como mecanismos de aperfeiçoamento das decisões, enquanto que numa estrutura de matriz mais
acusatória, os recursos surgem como um expediente excepcional e não como um mecanismo normal, ou
seja, como “remédios jurídicos” para colmatar falhas da decisão em 1ª Instância.
Onde haverá então mais recursos? Num processo inquisitório. Mas isto é uma situação estranha.
Porque é que isto acontece? Primeiro, por causa desta questão da descoberta da verdade, ou seja, o que se
pretendia era descobrir o máximo de informação verdadeira. O ideal inquisitório era um constante
aperfeiçoamento das decisões. O recurso era um mecanismo para atingir este aperfeiçoamento, pois o

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2009/2010
processo inquisitório era um processo de base escrita e as decisões do juiz eram com base em autos, não
importando que a decisão demorasse bastante tempo (interessava apenas a descoberta da verdade). Um
processo dominado por uma oralidade e uma imediação muito fortes era um processo avesso aos recursos.
Nos EUA, a cultura é diferente: as decisões da 1ª Instância são muito fortes, sendo muito difíceis de
anular. Além disso, o Supremo Americano escolhe os casos que vai julgar, logo não é qualquer caso que
lá chega.

2. Espécies de recursos. Recursos ordinários e extraordinários.

Recursos Ordinários

Há vários tipos de recursos ordinários, consoante a decisão que se impugna e o âmbito dos poderes de
cognição do tribunal de recurso.
Às vezes recorre-se de decisões que não conhecem do mérito da causa em termos definitivos, por
exemplo: um despacho que aplica uma medida de coação é recorrível – estas decisões chamam-se
interlocutórias, porque ocorrem a meio de uma decisão definitiva e não são a palavra final do caso,
podendo-se recorrer desta decisão.
Existem também recursos das decisões finais, daquelas que conhecem do mérito da causa, das
sentenças; e aqui há vários tipos de recurso consoante os poderes de cognição, isto é, consoante o âmbito
das matérias que o tribunal de recurso (tribunal “ad quem”) pode conhecer. Quando este tem poderes de
cognição que se estendem a todo o âmbito do tribunal que proferiu a decisão (tribunal “a quo”), esse
recurso chama-se de Apelação. Mas por vezes os poderes de cognição estão limitados, não podendo
conhecer de todo o âmbito da decisão. Assim, este recurso recebeu o nome de Revista.
Há países que têm ainda o recurso de Cassação, que são recursos que apreciam vícios de legalidade.

CAP. II
Princípios gerais em matéria de recursos.

1. Princípio da recorribilidade (arts. 399.º e 400.º).

2. Proibição da "reformatio in pejus". Âmbito de aplicação. Fundamentos. O caso especial da


agravação da multa.

O artigo 401º do CPP estabelece quem tem legitimidade para recorrer. Quanto ao âmbito do recurso,
por regra, o recurso interposto de uma sentença abrange toda uma decisão – artigo 402º/1. No entanto,
pode haver o alargamento do âmbito do recurso, nos termos do artigo 402º/2. Quando a alínea a) deste
artigo refere a expressão “aproveita”, isto mostra um sentido positivo: sendo o recurso interposto por uns,
estende os seus efeitos a outros. O artigo 402º/3 refere que o recurso interposto contra um dos arguidos
não prejudica os outros: princípio da reforma para pior ou “reformatio in pejus”. Pode também o recurso
ser limitado e circunscrever-se apenas a alguns aspectos – artigo 403º: pode-se cingir a uma parte da
decisão que possua autonomia, o que revela que o recurso não corresponde integralmente ao julgamento
em 1ª instância (na 1ª instância não se pode limitar o objecto). No recurso, o princípio do dispositivo está
por isso presente, pois pode-se limitar o âmbito do que vai ser conhecido. Por exemplo, num concurso de
crimes, pode haver uma interposição de um recurso que se pode cingir apenas a um crime. As questões de
determinação da sanção e da culpabilidade são autónomas – artigo 403º/2/d).
Quem recorre pretende que a decisão recorrida seja alterada. A lei portuguesa estabeleceu um
importantíssimo limite à modificabilidade da decisão final: o princípio da proibição da reforma para pior
ou “reformatio in pejus” no artigo 409º. Em que se traduz esta garantia? Quando o recurso é interposto no
interesse do arguido (isto é, quando é interposto por ele ou pelo MP em sua defesa), surge um limite à
modificabilidade da decisão recorrida: o tribunal superior não pode agravar a decisão recorrida, quer na
espécie da sanção, quer na medida dessa mesma sanção.
Esta norma, que é de garantia, pretende potenciar o recurso por parte dos arguidos, na medida em que,
sabendo o arguido que a decisão recorrida pode ser agravada, com mais segurança interporá recurso.
Ainda assim, esta garantia conhece uma excepção, atinente à pena de multa, no artigo 409º/2. Pode
suceder que entre o momento de condenação e o recurso, tenha saído a lotaria à pessoa condenada, então
aquela pena de multa já não teria sentido. Mas, a agravação neste caso, só pode incidir no quantitativo
diário, logo não pode ser agravado o número de dias que continua abrangido pelo princípio da proibição
da reforma para pior.

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Se o recurso for interposto por pessoa que não o arguido ou o MP em sua defesa, mas sim por si
contra si, tudo pode ser agravado na pena de multa, quantitativo diário e número de dias.

3. Princípio do dispositivo. Refracções processuais.

4. Princípios da oralidade, imediação e contraditório (a sua menor incidência na fase de


recurso).

(20/05/2010)
SUMÁRIO:
Capítulo II OS RECURSOS ORDINÁRIOS I. A tramitação unitária dos recursos penais. Momentos
fundamentais. II. Evolução do esquema externo dos recursos. Determinação do tribunal "ad quem".
Poderes de cognição. 1. Na versão originária. 2. Após a revisão de 1998. 3. Após a revisão de 2007. II.
O recurso perante as Relações. 1. Âmbito do recurso. 2. Poderes de cognição. Recurso de apelação ou
plena jurisdição. Análise da prova documentada. Renovação da prova. Reenvio. III. O recurso perante o
STJ. 1. Âmbito do recurso. Hipóteses de duplo grau de recurso. O mecanismo da "dupla conforme". 2.
Poderes de cognição. Recurso de revista ampliada. Reenvio.

CAP. II
Os Recursos Ordinários

1. A tramitação unitária dos recursos penais. Momentos fundamentais.

A lei estabeleceu regras gerais comuns para os Recursos, que importa conhecer. Assim, na tramitação
dos recursos importa saber quem é que pode recorrer, ou seja, quem é que tem legitimidade e interesse
para agir.
A interposição do recurso gera efeitos:
− Devolutivos – os autos são transmitidos ao tribunal de recurso; efeito normal.
− Suspensivos – artigo 408º: ou o processo ou a decisão decorrida não produzem efeitos.
O momento da subida está consagrado no artigo 407º: ao recorrer o recurso tem que ser logo
apreciado? Há recursos que sobem logo, mas há outros que esperam. Sobem logo aqueles que se não
subissem não valia a pena recorrer. Uma decisão que aplica uma medida de coação, por exemplo, deve
subir logo.
Os recursos que não sobem logo ficam à espera de recurso da decisão final – artigos 407º/3 e 412º/5:
este último artigo obriga a pessoa que recorre da decisão final a indicar se mantém interesse nos recursos
retidos.
Um exemplo do efeito suspensivo dos recursos: A é condenado a 5 anos de cadeia e recorre-se; aquela
decisão não é efectivável e o indivíduo considera-se inocente até que se prove o contrário.
O artigo 411º/3 refere que o recurso “é sempre motivado”: assim, é pela motivação do recurso que se
determina o objecto do recurso, pois o recurso não é um novo julgamento. A motivação é então o que
delimita o âmbito do recurso: a motivação e as conclusões do recurso estão previstas no artigo 412º. A
limitação do âmbito do que é cognoscível compreende-se no artigo 412º/1. Do artigo 412º/2, 3, 4 e 5
percebemos que as conclusões são muito pormenorizadas.
O 412º/2 reporta-se ás conclusões que devem ser formuladas quando o recurso incide sobre a matéria
de direito, embora esta seja uma grelha muito apertada. O 412º/3 enuncia as especificidades que têm que
existir quando o recurso incide sobre matéria de facto.
Às vezes os recorrentes não muito rigorosos na especificação das exigências do 412º/2 a 5. Então,
qual deveria ser a consequência? O recurso devia ser recusado. Mas isto era uma situação muito
limitadora. Então a lei admitiu um aperfeiçoamento, no artigo 417º/3: os juízes implicam um pouco com
esta possibilidade, pois vai contra o princípio do dispositivo. Na correcção que é feita, não se pode alargar
ou modificar o âmbito do recurso fixado na motivação.
Depois disto tudo, o processo vai para as mãos do juiz relator, que faz uma reapreciação sumária e
verifica se existem causas que despistem a rejeição do recurso (artigo 417º/6/d)): isto permite que o
relator, após um exame preliminar, profira uma decisão sumária.
Esta alínea d) constitui uma inovação normativa/legislativa – o relator pode proferir uma decisão
sumária quando a questão a decidir já tiver sido apreciada em jurisprudência uniforme e reiterada. A
alínea exprime um esforço da lei para reduzir a carga de recursos que é muito excessiva em Portugal.
Muitos dos recursos têm apenas finalidades dilatórias. Muitos dos conflitos podiam ser resolvidos nos
consultórios dos advogados. Nesta alínea d), prevê-se a possibilidade de, perante uma questão tida como
pacifica entre a nossa jurisprudência, o relator afaste logo ab inicium o recurso.

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Os recursos, alem desta decisão sumária, podem ser julgados em conferência, de acordo com o artigo
419º, ou em audiência. A audiência varia, consoante o recurso seja para Relação ou para o STJ, pois os
poderes de cognição de um e de outro são diferentes. A Relação tem amplos poderes de cognição (de
direito e de facto), enquanto que o STJ tem poderes menos amplos (matéria de direito – recurso de revista
– 410º/2).

2. Evolução do esquema externo dos recursos. Determinação do tribunal "ad quem". Poderes de
cognição.
a) Na versão originária.
b) Após a revisão de 1998.
c) Após a revisão de 2007.

O Código Penal de 1987, na sua versão originária, trouxe consigo alterações muito importantes em
matéria de recursos quer ordinários quer extraordinários; estas alterações enquadram-se na estrutura
global constitucionalmente consagrada: uma estrutura de base acusatória (abandonando o modelo do
código de 1929, de matriz inquisitória).
Os recursos eram então vistos como “remédios jurídicos” e não como instrumentos usuais de
correcção e aperfeiçoamento das decisões jurídicas. O Código Penal de 1987 depositou o essencial, o
núcleo fundamental, sobre a 1ª Instância, porque é aqui que se consegue uma verdadeira Imediação e uma
perfeita Oralidade, daí a necessidade de limitar os recursos. O Código reduziu então de forma
significativa o número de recursos, pois na sua versão originária admitia um único grau de recurso, isto é,
só se podia recorrer uma vez. Havia apenas um duplo grau de jurisdição. E fez isto através da repartição
dos recursos em função do tribunal recorrido; assim, o tribunal “a quo” determinava o tribunal “ad
quem”;
 Do tribunal singular recorria-se sempre e apenas para o Tribunal da Relação (pequena e
média criminalidade);
 Das decisões do tribunal colectivo e de júri recorria-se sempre o só para o Supremo Tribunal
de Justiça (grande criminalidade).
Assim, a Relação podia conhecer da totalidade das questões abrangidas pela decisão recorrida, tanto
de matéria de direito, como de matéria de facto: Recurso de Apelação. Para o poder fazer, tinha de haver
na 1ª Instância documentação da prova. Conhecer de facto é verificar se o estabelecimento da base factual
é ou não correcto: por exemplo, se no dia tal à hora tal aquele indivíduo deu um tiro em X e da maneira
Y. Mas para isto, havia necessidade de voltar a produzir a prova: uma das soluções era renovar a prova
(repetir o julgamento) ou então ter a documentação da prova (teria que ser feito em 1ª Instância), isto é,
ter um suporte do que foi referido e produzido.

2. O recurso perante as Relações.

a) Âmbito do recurso.

A competência da Relação em matéria de recursos é dada pela negativa, pois estabelece-se no artigo
427º as decisões que não devam subir ao Supremo: “exceptuados os casos em que há recurso directo
para o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso da decisão proferida por tribunal de 1.ª instância
interpõe-se para a relação”. Assim, interpreta-se o artigo 427º à luz do 432º, que define quando se pode
recorrer directamente para o Supremo: “a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância; b) De
decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;
c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de
prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito; d) De decisões
interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores”.
Os poderes de cognição da Relação vêm definidos no artigo 428º: “conhecem de facto e de direito”.
Isto hoje é possível, porque entre as várias alterações que o código conheceu, houve uma das alterações
que foi no sentido de a prova ser sempre documentada. Hoje, o julgamento na 1ª Instância conhece
documentação da prova: artigo 363º e 364º.

b) Poderes de cognição. Recurso de apelação ou plena jurisdição. Análise da prova


documentada. Renovação da prova. Reenvio.
O julgamento do recurso interposto para a Relação admite a renovação da prova, nos termos do artigo
430º. No entanto, esta renovação depende de pressupostos:
− Que a Relação esteja a conhecer de matéria de facto e de direito;
− Que se verifiquem os vícios do 410º/2;

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− Que a renovação da prova evite o reenvio do processo.
As provas indicadas na motivação do recurso são novamente produzidas no julgamento do recurso.
Imaginemos que alguém impugna a matéria de facto para a Relação, invocando os vícios do 410º/2, e a
Relação não consegue esclarecer a questão convenientemente só com a documentação da prova, sem a
renovação da prova; que solução lhe restaria? A solução seria anular o julgamento da 1ª Instância e
mandar renovar/refazer o julgamento. Enviava o caso para baixo e mandava repetir o julgamento. Mas o
reenvio é mau, pois põe em causa a oralidade e a imediação. Dai, a lei ter estabelecido a solução da
renovação da prova, sem superar os tais vícios.
No STJ, não há lugar à renovação da prova. O recurso do STJ é um julgamento em matéria de direito.
Imaginemos que se recorreu para o STJ (Revista) e o STJ dá conta de um vício do 410º/2; a
documentação não chega e como não pode renovar a prova, tem de reenviar.
Assim, nos termos do artigo 426º, quando existam os tais vícios presentes no 410º/2 e, por causa
deles, o tribunal não possa decidir da causa, o tribunal de recurso reenvia. O âmbito do reenvio é variável:
− Para todo o objecto do processo;
− Apenas para segmentos, questões concretas.
Surge aqui um problema: o tribunal reenvia, mas para onde? Esta matéria está regulada nos artigos
426º/2 e 426º-A. O STJ, quando reenvia e o recurso vinha já interposto da Relação, tem que reenviar para
a Relação (426º/2) e a Relação é que decide se faz a renovação da prova ou reenvia para a 1ª Instância. O
artigo 426-A reenvia para o artigo 40º, que regula os impedimentos: estabelece-se aqui que o juiz não
pode ser o mesmo. Isto é, pode ser o mesmo tribunal, mas não o mesmo juiz. Se isto não for possível, o
processo vai para o tribunal mãos próximo.
Porque razão o Tribunal da Relação não pode reenviar para um tribunal qualquer? Por causa do
princípio do juiz natural ou legal, previsto no artigo 32º/9 da CRP, que obriga a que a competência seja
estabelecida na lei.

3. O recurso perante o STJ.

a) Poderes de cognição. Recurso de revista ampliada. Reenvio.

Já o STJ, em correspondência com a sua tradição aperfeiçoadora de Tribunal de Revista, conhecia


apenas da matéria de direito: saber se o encaixe normativo feito pela 1ª Instância está ou não correcto.
Ou seja, se estes factos estão correctos, será este o direito mais correctamente aplicável.
Porém, há uma importantíssima particularidade: o Tribunal de Revista, isto é, o tribunal que vê os
seus poderes de cognição limitados à matéria de direito, pode estender a sua cognição a alguns pontos da
decisão recorrida que contendem com a matéria de facto. A isto dá-se o nome de Revista Ampliada ou
Alargada, ou seja, o STJ estendia os seus poderes de cognição aos vícios de legalidade, hipótese
consagrada no artigo 410º/2: “Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso
a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão
recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a
decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a
fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova”. Assim, o STJ não controlam o
estabelecimento da base factual, mas questionam a conclusão retirada pela 1ª Instância da base factual do
processo.
Assim, daqui concluímos que a 1ª Instância é o grande tribunal. No entanto, o código admitiu que a
apreciação dos factos feita por um órgão colectivo dava uma grande garantia de confiança, na qual a base
factual estaria bem estabelecida. Por isso, criou a possibilidade de Revista Ampliada, onde se entende que
a margem de erro seria menor.
Mas esta situação é muito criticada na prática jurídica: a solução do código não era a melhor, porque
não estabelecia um efectivo recurso em matéria de facto para as decisões do Colectivo e do Júri, isto é,
para as decisões que decidiam a grande criminalidade.

b) Âmbito do recurso. Hipóteses de duplo grau de recurso. O mecanismo da "dupla conforme".

Assim, passou a haver a possibilidade de se recorrer das decisões do Colectivo para a Relação, desde
que o recurso visasse o reexame da matéria de facto. Mais tarde, modificou-se novamente permitindo um
recurso das decisões do júri também.
Levanta-se aqui o problema da multiplicação dos recursos. Do colectivo recorre-se para a Relação:
mas a Relação conhece definitivamente ou pode ainda haver recurso? A lei admitiu um duplo grau de
jurisdição, permitindo recorrer da Relação para o Supremo. No entanto, a lei procurou restringir os
recursos através de várias formas; uma delas foi a introdução de um mecanismo limitador dos recursos,

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conhecido como instituto da “dupla conforme”. O princípio geral nesta matéria é o Princípio da
Recorribilidade, consagrado no artigo 399º. No entanto, o artigo 400º vem estabelecer uma listagem das
decisões que não admitem recurso: “a) De despachos de mero expediente; b) De decisões que ordenam
actos dependentes da livre resolução do tribunal; c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações
que não conheçam, a final, do objecto do processo; d) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso,
pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância; e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas
relações, que apliquem pena não privativa da liberdade; f) De acórdãos condenatórios proferidos, em
recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior
a 8 anos; g) Nos demais casos previstos na lei”. A “dupla conforme” vem então prevista nas alíneas d) e
f). Se a 1ª Instância decide num sentido e a 2ª Instância decide no mesmo sentido, não há possibilidade de
Recurso para o STJ. Daí o nome “dupla conforme”: significa que há conformidade entre duas instâncias
de controlo.
O Supremo tem poderes de cognição limitados à matéria de direito. Quando houve as alterações de
1998, em que se permitiu que do Colectivo se podia recorrer para a Relação e da Relação para o
Supremo, colocava-se a questão de saber se o recurso para o Supremo era de Revista ou de Revista
Ampliada. A lei manteve o recurso de Revista Ampliada. Em que se traduz o recurso de Revista
Ampliada ou Alargada? A Revista Alargada é então um recurso que diz respeito à matéria de direito, mas
que a lei permite que se estenda a alguns vícios de legalidade (matéria de facto) previstos no artigo 410º/2
e 3. Este artigo refere vícios particularmente graves e manifestos (que têm de resultar do texto da decisão
recorrida e contendem com aspectos da apreciação da prova), bem como nulidades que não estejam
sanadas (nº3).

(21/05/2010)
SUMÁRIO:
CAPITULO 3 OS RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS I. O recurso para fixação de jurisprudência. 1.
Recurso para fixação de jurisprudência em sentido estrito dito. Antecedentes históricos. Pressupostos.
Procedimento. Efeitos internos e externos. 2. Recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada.
3. Recurso no interesse da unidade do Direito. II. O recurso de revisão. Fundamentos. Modalidades.
Procedimento: Sugestões bibliográficas SANTOS, Manuel Simas - «Nótulas sobre a revisão dos
recursos em processo penal», Revista do Ministério Público, n.º 108 (2006), pp. 43-76. A ANDRADE,
Manuel da Costa [et al.] - «Tempestividade e admissibilidade de recurso para o STJ: anotação ao
Acórdão do STJ, de 6 de Fevereiro de 2003», RPCC (2003), pp. 419-432. SILVA, Germano Marques da
- Curso de Processo Penal, III, 2.ª ed., Lisboa: Editorial Verbo, 2000, pp. 309-393. Encerramento do
curso.

CAP. III
Os Recursos Extraordinários

Quanto aos recursos extraordinários, devemos focar a atenção nos poderes de audição. Os recursos
extraordinários são aqueles que ocorrem (são interpostos) já depois do trânsito em julgado da decisão
recorrida. Destinam-se então a obter uma decisão diversa daquela que ficou transitada em julgado. O
código conhece dois tipos de recursos extraordinários:
1 – Recurso para fixação de jurisprudência – artigos 437º e ss.
2 – Clássico recurso de revisão.

1. O recurso para fixação de jurisprudência.

a) Recurso para fixação de jurisprudência em sentido estrito dito. Antecedentes históricos.


Pressupostos. Procedimento. Efeitos internos e externos.

O recurso para fixação de jurisprudência traduz um mecanismo processual dirigido á uniformização


jurisprudencial. Nos sistemas jurídicos de matriz romano-continentais (aqueles em que nos inserimos) a
fonte prioritária do direito é a lei. E os tribunais devem obediência apenas á lei. Isto é, não estão
vinculados às decisões proferidas por tribunais superiores. O nosso sistema não conhece o instituto do
precedente judiciário que é tão decisivo e importante no sistema anglo-americano. No entanto, isto não
significa que a jurisprudência, sobretudo a jurisprudência superior (das Relações e do Supremo) não
conforme decisivamente o sentido da realização do direito, para além do âmbito do caso concreto em que
se aplicam. Por exemplo, o Tribunal do Porto pode decidir de uma forma e o Tribunal de Gondomar
decidir de outra forma, mas tal não significa que não haja uma força orientadora dos tribunais superiores.
Os Tribunais vão tentando perceber as linhas de rumo que se vão aplicando a casos superiores. No

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entanto, a lei entendeu necessário dotar o sistema de mecanismos de uniformização jurisprudencial de
modo a superar dúvidas na aplicação e na interpretação das normas que suscitem querelas ou divergências
jurisprudenciais. Os tribunais superiores vão fazendo as correntes jurisprudenciais: daí que nos acórdãos
seja frequente ler-se “ é pacífico no Supremo que…”.
Assim surgiram estes recursos para estabelecer jurisprudência obrigatória/vinculativa para uma dada
questão controvertida. Portugal foi dos países do sistema romano-continental que mais longe levou este
desiderato através da famosa figura dos Assentos (eram uma verdadeira fonte de direito porque
assentavam uma decisão que passava a vincular todas as instituições) entretanto revogado.
Este recurso extraordinário obviamente que tem pressupostos, fixados no artigo 437º: em primeiro
lugar, é necessária a existência de dois acórdãos do Supremo ou das próprias Relações que estabeleçam
soluções opostas sobre a mesma questão de direito; depois, estes dois acórdãos opostos têm de ter sido
proferidos no domínio da mesma legislação. Isto acontece com alguma frequência, pois por vezes existe
um acórdão do Supremo que interpreta uma norma num determinado sentido, e outro que o faz num
sentido oposto. Havendo uma divergência nos acórdãos, isso pode dar origem a um recurso.
Nestes casos, há lugar a uma interposição do recurso do acórdão proferido em último lugar, que tem
de ser interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último
lugar. É interposto para o pleno das secções criminais no STJ que depois de diligências preliminares, que
se destinam a verificar se há ou não contradição, há lugar ao julgamento que é feito em conferência e que
decidem o sentido a dar aquela questão. Então fazem um novo acórdão, estabelecendo nele uma linha
jurisprudencial.
Qual é a eficácia deste acórdão tirado pelo Supremo nestes casos? Tem-se notado ao longo dos anos
uma perda do carácter vinculativo deste acórdão de fixação de jurisprudência. De todo o modo, ele possui
uma eficácia reforçada em comparação com os acórdãos normais, como se pode confirmar pelo artigo
445º.
O acórdão de fixação de jurisprudência tem uma eficácia interna e uma eficácia externa. A sua
eficácia interna consiste no facto de se aplicar ao processo em que foi interposto o recurso para fixação de
jurisprudência: passa a ser a última decisão daquele caso (o último). Os juízes podem optar pela
interpretação que foi seguida no primeiro ou no segundo processo. Quanto á eficácia externa, os acórdãos
têm perdido a sua original eficácia. Quando o código foi feito na versão originária este acórdão de
uniformização vinculava os tribunais. Mas este efeito imperativo tem vindo a ser reduzido. Assim o
acórdão para fixação de jurisprudência possui eficácia externa, que se traduz na existência de uma força
cogente para além do processo em que foi tirado, como podemos ver nos artigos 445º/3 e 446º.
No artigo 445º/3 diz-se que a decisão que resolver o conflito não constitui jurisprudência obrigatória:
no entanto, na versão originária constituía, embora se exigisse que estes tribunais fundamentassem as
divergências relativas á jurisprudência fixada naquela questão. Ou seja, se o Supremo emite uma
jurisprudência uniformizada dizendo como a norma deve ser interpretada, os outros tribunais não estão
vinculados àquela jurisprudência, podendo divergir, mas têm um dever de fundamentação acrescido. E tal
já representa alguma vinculatividade, pois é mais fácil o tribunal não se afastar.

b) Recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada.

Já o artigo 446º refere que “é admissível recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça de
qualquer decisão proferida contra jurisprudência por ele fixada”: se o STJ disse “interpreta-se assim” e se
o Tribunal de Matosinhos se afastar daquela decisão, tem o dever de fundamentar e além disso ainda há
um recurso obrigatório para o Supremo, pelo Ministério Público. Este recurso vai outra vez ao Supremo,
que se pode limitar a aplicar a jurisprudência fixada. Mas o Supremo neste recurso pode reexaminar a
questão e alterar a própria jurisprudência fixada se entender que ela esta ultrapassada, como vem previsto
no artigo 446º/3. Assim se vê que a eficácia é menor do que já foi. O Supremo já não tem uma decisão
imobilizada no tempo, pode reapreciar a questão, se assim o entender. Este é o típico recurso para fixação
de jurisprudência que depois tem esta variante do recurso contra decisão contrária a jurisprudência.

c) Recurso no interesse da unidade do Direito.

Mas a lei criou ainda outra modalidade: o recurso no interesse da unidade do direito, previsto no
artigo 447º. Este recurso é interposto pelo Procurador-Geral da República para fixar jurisprudência
mesmo para além do prazo dos 30 dias sobre o trânsito em julgado. Interpõe recurso porque entende que é
necessário uniformizar jurisprudência. Pode ainda o Procurador-Geral da República interpor recurso do
acórdão que fixou jurisprudência por entender que esta está ultrapassada. E qual é a eficácia deste
acórdão novo de fixação? Não tem eficácia interna, portanto, já não vai ser alterado o processo. Apenas
tem eficácia externa, logo ele vale só para fora.

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2. O recurso de revisão. Fundamentos. Modalidades. Procedimento

É o clássico recurso extraordinário, que visa modificar o sentido de uma decisão já transitada em
julgado. Este recurso exprime demasiado bem a tensão existente em todo o direito entre dois fins ou
valores essenciais: o da segurança e o da justiça. Esta antinomia eterna irresolúvel é por vezes resolvida
pelas leis. Por exemplo, a proibição de “non liquet” e o princípio do “in dubio pro reo”: o tribunal tem de
resolver, às vezes em detrimento da justiça.
O mecanismo mais central do direito para assegurar a certeza é então o caso julgado: o que foi
julgado está definitivamente resolvido e não mais pode ser alterado. Prevalece aqui o interesse da
segurança. Mas não se podia anular por inteiro o interesse e o valor da justiça. Então a lei admite casos
excepcionais em que o caso julgado pode ser quebrado e de novo reapreciado. O recurso de revisão
procurar reparar assim gravíssimos erros que se repercutem na justiça da decisão.
Os fundamentos deste recurso constam da lei, no artigo 449º. Até há poucos anos, a lei elencava
quatro fundamentos em quatro alíneas. No entanto, em 2007 acrescentou-se mais três alíneas. Assim, a
revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
“a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido
determinantes para a decisão;
b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou
jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;
c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como
provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram
apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos nºs 1 a 3 do
artigo 126.º;
f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de
norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;
g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for
inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.”
O caso julgado em penal tem uma importante função sancionadora do Estado: se o Estado não foi
diligente, há caso julgado e já não se pode modificar. Segundo o professor Medina Seiça, a lei de 2007 é
das leis mais mal feitas que temos. Isto nota-se, por exemplo, quando uma sentença transitada em julgada
tem considerado falsos meios de prova utilizados.
O recurso de revisão pode ser interposto em favor do arguido ou contra o condenado. Porém, a lei é
muito mais restritiva na admissibilidade de recurso de revisão contra o condenado, como se pode notar
nas alíneas c) e d) – de modo muito mais particular no fundamento previsto na alínea d) (recurso de
revisão propter nova – por causa nova): é o recurso por se terem admitido novos factos ou meios de prova
entretanto surgidos, que só é admissível em sentido favorável ao condenado. Por exemplo, o indivíduo foi
absolvido e surgiram novos factos: não há revisão, só naqueles pressupostos.
O recurso de revisão que pode ser interposto mesmo depois de estar extinto o procedimento criminal e
depois de a pena estar prescrita ou o condenado ter morrido (visa reparar a honra da pessoa) é interposto
para o Supremo Tribunal de Justiça que decide se há ou não fundamentos para a revisão. Se o Supremo
entender que é necessária revisão reenvia-se o processo para um novo julgamento do qual sairá
naturalmente uma decisão – artigo 461º.
Uma das novas causas de revisão consta da alínea e) do 449º. Hoje é admissível recurso de revisão
quando se descubra que a condenação teve por fundamento provas proibidas nos termos do artigo 126º (é
favorável). Esta norma que tem um sentido protector suscita dúvidas sobre o seu sentido e o seu alcance,
sobretudo na parte em que remete para o nº3 do 126º, na medida em que este último preceito não faz uma
enunciação taxativa das proibições de prova que aí se podem ancorar. Como é uma cláusula aberta, tal
gera instabilidade e insegurança num instituto muito delicado: o da revisão.
Vai-se então corrigir, mas quem garante que o novo julgamento esteja bem? Há sempre um limiar de
incerteza no direito. Esta norma levanta assim imensas dúvidas.
Basta então, para desencadear um recurso de revisão, que a condenação se tenha fundado em provas
resultantes de uma proibição de produção do artigo 126º? Ou importa determinar, para admitir a revisão,
que no caso concreto aquela proibição de produção deveria ser acompanhada de uma proibição de
valoração? A lei não dá resposta a este problema.
Há que perceber no processo penal o que é irrenunciável. O Direito Processual Penal hoje está sobre
uma grande tensão que está a introduzir alterações na CRP que estão a desfigurar este modelo. Ele tem,
por um lado, a ideia de protecção das pessoas, sobretudo dos arguidos, mas, por outro lado, pede-se-lhe

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que dê uma pronta resposta á criminalidade que está muito diferente da que existia no século XIX., em
que só se praticavam meia dúzia de crimes. Cada vez existe mais crimes transfronteiriços (criminalidade
organizada).
Portanto, o velho modelo das formas vem sendo cada vez mais posto em causa. Tem-se acentuado o
carácter da negociação, caminhando-se na Europa para um processo de duas classes: temos um sistema
que mantém a audiência adversarial, mas para poucos casos (os “show cases”) e depois temos uma
crescente utilização de formas rápidas e céleres de resolver o conflito, que são a maioria. Na América, a
“plea negotiation” resolve cerca de 94% dos casos.
Então o que é que deve ser irrenunciável no Direito Processual Penal? No entender do professor
Medina Seiça, será a separação entre a investigação e o julgamento e em consequência destas deve
também ser irrenunciável o princípio da acusação. Já o princípio da legalidade não é necessariamente
irrenunciável. O exercício da função do MP não deve ser arbitrário, pois a legalidade tende cada vez mais
para a maximização da repressão, portanto, ela pode sofrer mais encurtamentos. Cada vez mais tem
aumentado assim os casos de diversão, mediação.
Para o professor é renunciável a fase de instrução que só vem colocar atrasos ao processo. Já a
imparcialidade do tribunal é imprescindível e em consequência tem de se manter esta regra de que o MP
não pode aplicar sanções penais. Por isso todas as formas de resolução do conflito penal promovidas pelo
MP (arquivamento, reparações, etc) devem depender sempre do consentimento do arguido.
Talvez se pudesse reduzir o número e o âmbito do direito de recusa do depoimento, porque esses
segredos limitam a informação, no entanto deve continuar a ser irrenunciável o segredo fundado na
garantia contra a auto-incriminação, o fundado em relações familiares e o fundado na esfera da
intimidade.
A presunção de inocência é irrenunciável e, portanto, todas as medidas restritivas aplicadas no
processo antes da sentença não podem ser fundadas na culpabilidade do agente.
É irrenunciável o princípio “in dubio pro reo”, que está muito ameaçado porque começam a haver
crimes que fazem pender sobre o arguido o ónus probatório. Por exemplo, para as causas de justificação o
encargo probatório recai só sobre o indivíduo. Por exemplo, no enriquecimento injustificado, há países
que o punem apenas por ser injustificado. É o indivíduo que tem de provar que não tinha justificação.
Para o professor deve manter-se plenamente este princípio.
E deve manter-se o princípio do direito ao silêncio.

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