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CURRÍCULO E SOCIEDADE

AULA 6

Profª Dinamara Machado


Profª Kátia Cristina Dambiski Soares
CONVERSA INICIAL

O objetivo desta aula será refletir sobre os desafios atuais no campo


curricular. Iniciaremos explicando a teoria multicultural de currículo e sua
relação com aspectos da diversidade presente na nossa sociedade. Também
trataremos sobre o processo de inclusão das pessoas com deficiência ou
alguma necessidade educativa especial, ou seja, adaptações e flexibilização
curricular. Outros tópicos a serem abordados são as exigências legais a
respeito da elaboração e implementação de currículos nas escolas brasileiras.
Nesse caso, destacaremos a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB) e a nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Caminhamos para a
discussão sobre as dificuldades na efetivação do currículo no cotidiano escolar,
os desafios e incertezas que se colocam nessa direção.
Esperamos que, mais do que trazer respostas, as questões abordadas
aqui contribuam para fomentar a reflexão crítica e teoricamente fundamentada
a respeito do currículo escolar e suas possibilidades de contribuir com a
melhoria da qualidade do ensino ofertado nas escolas brasileiras.
Para finalizar esta aula, deixaremos o convite de que vocês prossigam
os estudos com base nos aspectos que destacamos e aprofundem o
entendimento sobre currículo escolar, de modo a assumirem o compromisso
com uma escola que realmente se coloque a favor de um ensino de qualidade
para toda a população. Ou seja, na direção de fortalecer uma escola que se
coloque contrária à exclusão, à desigualdade e a todos os movimentos que se
manifestam em oposição às práticas humanitárias, solidárias. A proposta é que
aceitem a diversidade e a multiculturalidade como aspectos fundantes do
nosso ser social.

TEMA 1 – TEORIA MULTICULTURAL DE CURRÍCULO

Iniciamos esta aula destacando o papel das teorias consideradas pós-


críticas na área de currículo:

No campo do currículo, a expressão teorias pós-críticas é utilizada


para se referir às teorias que questionam os pressupostos das teorias
críticas, marcadas pelas influências do marxismo, da Escola de
Frankfurt e em alguma medida da fenomenologia, discussões em que
as conexões entre currículo, poder e ideologia são destacadas.
Nessa perspectiva, por vezes estabelece-se uma linha do tempo na
história do pensamento curricular, como se o currículo tivesse
evoluído das teorias tradicionais para as teorias críticas de enfoque
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moderno e estruturalista para em seguida avançar para as teorias
pós-críticas (Lopes, 2013, p. 9).

Embora exista a crítica a essa evolução linear das teorias tradicionais no


campo curricular para as teorias críticas e destas para as teorias pós-críticas
(Lopes, 2013, p. 9), ainda é muito comum utilizar-se essa classificação para
apresentar as teorias a respeito de currículo. Interessa-nos, no momento,
destacar o papel do multiculturalismo e seu entendimento como base fundante
de determinado pensamento crítico a respeito do currículo na atualidade, dado
que as teorias pós-críticas

fundamentadas no pós-estruturalismo, destacam o multiculturalismo


como um movimento de adaptação e resistência. O currículo deve ser
elaborado a partir da preocupação com a formação da identidade dos
indivíduos e de acordo com os significados sobre a realidade
expressa nos discursos desses indivíduos. A realidade, portanto, não
pode ser concebida sem considerarmos a significação que esta tem
para os indivíduos aos quais o currículo se destina. (Lima; Zanlorenzi;
Pinheiro, 2011, p. 94)

Ressalta-se que o multiculturalismo, pensado em termos de currículo


escolar, tende a enfatizar a valorização das subjetividades, a diversidade, a
inclusão das minorias historicamente marginalizadas, as diferentes identidades
dos sujeitos das práticas educativas, os discursos e seus significados de forma
contextualizada.
Nessa direção, a aceitação da diferença como parte integrante da nossa
sociedade, está para além da vontade pessoal de dizer sim ou não para essa
realidade, visto ser uma realidade inquestionável perante o contexto da
sociedade em que vivemos. Nas palavras de Moreira (2013, p. 85):

quer rejeitemos ou aceitemos a diferença, quer pretendamos


incorporá-la à cultura hegemônica, quer defendamos a preservação
de seus aspectos originais, quer procuremos desafiar as relações de
poder que a organizam, não podemos, em hipótese alguma, negá-la.
Ela estará presente, em todos os cenários sociais, empobrecendo-os
e contaminando-os, segundo alguns, enriquecendo-os e renovando-
os, segundo outros. Em síntese, queiramos ou não, vivemos em um
mundo inescapavelmente multicultural.

Assim, a realidade é multicultural, permeada e formada pela composição


de várias culturas e etnias que se relacionam constantemente. O
multiculturalismo é um pressuposto básico para a elaboração e execução de
currículos que desejem ser efetivados numa perspectiva crítica e
transformadora.

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TEMA 2 – AS ADAPTAÇÕES OU FLEXIBILIZAÇÃO CURRICULAR E O
PROCESSO DE INCLUSÃO

Se desejamos discutir currículo numa perspectiva, de fato, crítica e


reflexiva, precisamos incluir a questão das adaptações ou flexibilização
curricular nessa discussão, que está relacionada com a aceitação de objetivos
educacionais que se coloquem na direção de uma educação inclusiva. A esse
respeito:

Os objetivos educacionais de inclusão se projetam em direção a um


bem comum e desejável a todos os cidadãos. Na linha dessa
proposta, vislumbra-se uma reorganização das escolas, que depende
de um encadeamento de ações e planejamentos curriculares. O
currículo se torna um instrumento de serviço ao que se pretende
alcançar nas propostas educativas. Portanto, em uma educação para
todos, sem exceção ou distinção de direitos, os conteúdos do
currículo podem sofrer modificações, não podendo ser negados aos
educandos. A negação de um conteúdo sob a alegação de falta de
competência ou capacidade acarreta em um pré-julgamento,
segmentando os educandos aos quais devem ser ensinados esses
ou aqueles conhecimentos. (Lima; Zanlorenzi; Pinheiro, 2011, p. 129).

Assim, é preciso discutir o currículo adaptado ou mais flexível em


relação aos alunos que por acaso tenham alguma deficiência ou necessidade
educativa especial, de qualquer tipo: deficiência intelectual, motora, transtornos
globais do desenvolvimento (por exemplo, o autismo), déficit de atenção, para
citar apenas alguns. Qualquer pessoa, criança, adolescente, jovem ou adulto,
deve ser respeitado no seu ritmo de aprendizagem e ter a seu favor, no campo
educacional, o princípio da equidade, no sentido de que deve ser dado a cada
qual as condições de que necessita para poder aprender. O currículo, nesse
sentido, não deve ser minimizado, mas modificado na medida do possível para
que todos possam ter acesso aos conhecimentos historicamente produzidos
nesta sociedade. Nesse caminho, cabe discutirmos o que são as adaptações
curriculares:

As adaptações curriculares, sejam elas de pequeno ou de grande


porte, são fundamentais no processo de inclusão educacional. A
relação entre elaboração, adequação e adaptação curricular, deve
ser assentada em uma plasticidade de tempo, espaço, contexto e
necessidade do educando. Essa maneira de pensar o currículo se
relaciona com a descentralização do ato pedagógico antes focado
no ensino e agora centrado na aprendizagem do educando. (Lima;
Zanlorenzi; Pinheiro, 2011, p. 131)

A respeito das adaptações curriculares, podemos dizer que podem ser


de grande ou pequeno porte. As adaptações curriculares de grande porte estão
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além da área de ação do professor e se dirigem às questões estruturais,
financeiras e de necessidade de ação governamental. Já as adaptações
curriculares de pequeno porte são aquelas que podem ser realizadas pelo
próprio professor, na sala de aula, com alterações metodológicas que poderão
favorecer a aprendizagem dos alunos.

TEMA 3 – AS EXIGÊNCIAS LEGAIS, DA LDB À BNCC

Toda e qualquer ação da área de currículo deve ter por base a


consideração da legislação que lhe dá suporte. As questões referentes ao que
se deve ensinar, aos conteúdos que serão desenvolvidos em cada fase e etapa
do ensino no Brasil, fazem parte das políticas educacionais. Essas políticas,
são elaboradas e efetivadas com base na definição de leis na área da
educação. A lei maior é a Constituição Federal e baseada nela se desmembra
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e muitas outras que
detalham sobre cada especificidade ali prevista:

é com a aprovação da Constituição Federal de 1988 que a


organização do ensino no Brasil passa por alterações que culminam
na aprovação da LDBEN de 1996, fato que culminou, em seguida,
nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), nas Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Básica, nos projetos político
pedagógicos e nos regimentos escolares (Lima; Zanlorenzi; Pinheiro,
2011 p. 65).

Portanto, é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) que


irá definir os aspectos gerais para a elaboração das propostas pedagógicas
dos estabelecimentos educacionais. Lembramos aqui que a proposta
pedagógica significa, em termos gerais, o mesmo que projeto político
pedagógico, visto que, na própria Lei n. 9.394/96, os dois termos são utilizados.
Sobre a Lei de Diretrizes e Bases, é possível afirmar:

A LDBEN de 1996 define aspectos gerais para a elaboração da


proposta pedagógica das escolas, que se apresenta como um
documento de identidade do estabelecimento de ensino. No entanto,
as respostas para as questões fundamentais para a concretização do
currículo (O quê? Como? Para que ensinar?) são explicitadas na
proposta pedagógica de cada escola. (Lima; Zanlorenzi; Pinheiro,
2011, p. 168).

Entretanto, a sociedade está em constante transformação, e também a


educação e o currículo escolar. Por esse motivo, outras indicações legais e
governamentais constantemente ocorrem e interferem, com maior ou menor
intensidade, na organização das propostas curriculares. Podemos lembrar aqui
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os Parâmetros Curriculares Nacionais, PCNs (1996) e os Referenciais
Curriculares para Educação Infantil, RCNEI (1998).
Mais recentemente, temos a aprovação da Base Nacional Comum
Curricular, BNCC (2017 e 2018). Todas essas orientações respondem às
demandas dos nossos tempos, aos interesses e às interferências do campo
político no campo educacional, numa relação dialética e muitas vezes
conflituosa. Mesmo assim, as determinações legais e as políticas educacionais
implementadas, sejam quais forem, não retiram da escola a sua autonomia no
sentido de refletir criticamente sobre o que é proposto pelos órgãos superiores.
Aliás, quanto maior a participação de toda a sociedade civil organizada e dos
educadores, de modo específico, na elaboração e implementação dessas leis,
maior a legitimidade e a possibilidade de que a teoria se torne efetivamente
prática.

TEMA 4 – A EFETIVAÇÃO DO CURRÍCULO NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

São muitas as demandas no campo educacional que envolvem o


currículo escolar, ou seja, as definições sobre o que ensinar, por que ensinar e
como ensinar. Essas demandas recaem, sem dúvida, sobre as possibilidades
reais de uma educação plural e democrática, numa sociedade desigual e
injusta, que é o caso da sociedade capitalista em que estamos inseridos. A
esse respeito, destacamos e concordamos com Apple (2005, p. 52-53) quando
afirma:

Não posso aceitar uma sociedade em que mais do que uma entre
cada cinco crianças nasce na pobreza, condição essa que está se
agravando dia a dia. Tampouco posso aceitar como legitima uma
definição de educação que estabeleça como nossa tarefa a
preparação de alunos para funcionar sem problemas nos “negócios”
dessa sociedade. Nações não são empresas. E escolas nação fazem
parte de empresas; para ficarem eficientemente produzindo o “capital
humano” necessário para dirigi-las. Ferimos o nosso próprio senso de
bem comum só de pensar no drama humano da educação nesses
termos.

A efetivação do currículo na realidade brasileira é algo bastante


complexo e que exige a consideração das múltiplas relações em que estamos
inseridos – econômicas, políticas, sociais, culturais, para citar apenas algumas.
Nesse contexto, o papel dos professores é fundamental para que, em cada
instituição de ensino, se efetive, na prática, uma educação comprometida com
os interesses da maioria da população, a classe trabalhadora:

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Os conteúdos, como já afirmamos formalmente, são organizados na
proposta pedagógica de cada instituição. No entanto, cada professor,
ao planejar sua aula, deixa sua marca individual, ou seja, sua
concepções, seus princípios e seus posicionamentos a respeito da
temática trabalhada. (Lima; Zanlorenzi; Pinheiro, 2011, p. 179)

TEMA 5 – DESAFIOS E INCERTEZAS A RESPEITO DO CURRÍCULO NA


ATUALIDADE

São muitos os desafios e as incertezas no campo curricular na


atualidade. Destacaremos apenas alguns, que nos parecem mais prementes
dada a realidade brasileira. São eles a formação de professores, a necessidade
de pesquisas na área da educação e, em específico, do currículo e a
consideração da não neutralidade do currículo escolar.
Sobre a formação de professores, entendemos que essa é uma temática
atual e recorrente, mas sobre a qual efetivamente poucos avanços temos tido.
Apenas a valorização profissional e uma formação sólida e de qualidade teórica
e metodologicamente pode fortalecer nossos professores para que de fato
tenham condições de fazer escolhas politicamente conscientes a respeito do
ato de educar.
Sobre as pesquisas na área da educação e do currículo, ainda é preciso
investir muito, afinal:

é importante reafirmar, ainda uma vez mais, a necessidade de


fomentar a pesquisa na área da educação e de levar em conta os
resultados da pesquisa científica nas decisões de caráter
educacional. Sem isso, torna-se difícil compreender a realidade, fazer
cumprir seu papel, contribuir para a democratização da educação
dirigida às diversas populações de crianças, jovens e adultos
(Kramer, 2013, p. 181).

Sobre a não neutralidade do currículo, queremos indicar que essa é uma


discussão necessária, em tempos neoliberais e neotecnicistas, em que
surgem e se fortalecem propostas que querem censurar a autonomia do
professor em sala de aula e de certa forma tratar a educação como se
pudesse ser neutra e desvinculada de interesses políticos. Quando se fala em
política aqui, não se está referindo à partidos políticos, mas à política como
tomada de decisão, como categoria fundante e ontológica, ou seja, vinculada
ao próprio ser social. Nessa direção:

entendemos que o currículo não é neutro, pois é marcado por opções


teóricas, políticas e ideológicas. Com isso, deixamos o desafio para
os educadores, no sentido de colocar em prática uma proposta que
possibilite o acesso ao conhecimento científico de maneira
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significativa e contextualizada (Lima; Zanlorenzi; Pinheiro, 2011, p.
182).

NA PRÁTICA

Para melhor entender os conteúdos desta aula, sugerimos que você


entreviste um professor(a) que atue em uma escola pública perto de onde você
reside. Indague o professor(a) sobre os desafios e incertezas na sua profissão
na atualidade. Conversem e discutam sobre a questão do currículo escolar.
Para tanto, elabore um roteiro do que irá perguntar. Marque o dia e horário para
a conversa, registre as constatações e converse com outros colegas de curso
no seu polo sobre as questões que surgiram.

FINALIZANDO

Esta aula buscou refletir sobre os desafios atuais a respeito do currículo


escolar. Explicamos a teoria multicultural de currículo e sua relação com
aspectos da diversidade presente na nossa sociedade. Também abordamos
sobre o processo de inclusão das pessoas com deficiência ou alguma
necessidade educativa especial, ou seja, adaptações e flexibilização curricular,
de pequeno e grande porte.
Outros tópicos sobre os quais discutimos foram as exigências legais a
respeito da elaboração e implementação de currículos nas escolas brasileiras.
Nesse caso, destacamos a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB) e a nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Concluímos nossa
discussão apontando as dificuldades na efetivação do currículo no cotidiano
escolar e os desafios e incertezas que se colocam em relação a isso. Nessa
direção, destacamos a necessidade de se investir na formação e na
valorização de professores, na importância das pesquisas na área educacional
e de currículo e na necessidade de reflexão crítica e consciente sobre a não
neutralidade a respeito das definições na área do currículo escolar.
Finalizamos esta aula ressaltando a importância do papel do professor
como protagonista a respeito da efetivação das propostas curriculares e, nesse
sentido, alguém que precisa ser comprometido com a edificação de uma
sociedade humana, igualitária, inclusiva e que pode ser, pouco a pouco,
construída no seio das contradições da própria sociedade capitalista.

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REFERÊNCIAS

APPLE, M. W. Repensando ideologia e currículo. In: MOREIRA, A. F.;


SILVA, T. T. da. Currículo, cultura e sociedade. São Paulo: Cortez, 2005.

KRAMER, S. Propostas pedagógicas ou curriculares: subsídios para uma


leitura crítica. In: MOREIRA, A. F. B. Currículo: políticas e práticas. Campinas,
SP: Papirus, 2013.

LIMA, M. F.; ZANLORENZI, C. M. P.; PINHEIRO, L. R. A função do currículo


no contexto escolar. Curitiba: Ibpex, 2011. (Série Formação do Professor).

LOPES, A. C. Teorias pós-críticas, política e currículo. Revista Educação,


Sociedade e Cultura. n. 39, 2013, p. 7-23.

MOREIRA, A. F. B. Multiculturalismo, currículo e formação de professores.


In: MOREIRA, A. F. B. Currículo: políticas e práticas. Campinas, SP: Papirus,
2013.

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