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Resenha: SPINOZA, Baruch de.

Tratado político; tradução, introdução e notas de


Diogo Pires Aurélio; revisão da tradução Homero Santiago. São Paulo: Editora
WMF Martins Fontes, 2009. Capítulos I a V.

Em uma carta enviada para o amigo que sugeriu a Spinoza a escrever sobre
política, o próprio autor, sintetiza os assuntos que são abordados nos capítulos de I a V
de sua obra da seguinte forma: introdução; o direito natural; o direito dos poderes
soberanos; de quais assuntos políticos que dependem do governo do estado; e no quinto
capítulo descreve o melhor estado que uma sociedade pode ter em vista.
Spinoza introduz o seu livro com uma crítica a utopia dos filósofos e aos
tratados políticos clássicos, que idealizavam a natureza humana e as suas práticas
políticas com o intuito de atingir o bem comum. O autor ressalta a discrepância entre a
política na teoria da prática, considerando a concepção tradicional de filosofia política
uma sátira, pois suas teorias políticas não poderiam ser aplicadas na vida real. Como
Maquiavel, Spinoza busca conceber os homens como são, encarando os afetos humanos
e suas paixões como propriedades inerentes da própria natureza humana e buscam
utilizar a política como um instrumento prático para administrar os conflitos humanos
em sociedade.
No capítulo II, Spinoza retoma conceitos que foram expostos originalmente em
duas obras anteriores, o Tratado Teológico-Político e a Ética.
Segundo Spinoza, o indivíduo possui o direito de natureza, ou seja, o direito
natural de ter potência para existir e agir com o intuito de conservar-se na existência,
esse direito é concedido unicamente pela imanente essência de Deus, pela sua potência
que é completamente livre, pois Deus tem tanto o direito a tudo, como todo o poder para
realizar todas as coisas.
O esforço individual para perseverar na existência é denominado conatus, e
através de nossas relações afetivas, dos afetos e das paixões, a potência de agir pode
aumentar (alegria) ou diminuir (tristeza), fortalecendo ou debilitando a força para
existir, o conatus. Sendo assim, o direito natural se estende até onde vai o conatus.
Para o autor, o homem totalmente livre é aquele que é conduzido pela razão,
pois a razão pode moderar as paixões, mas como não é possível o homem ser racional o
tempo inteiro, e na realidade, na maior parte do tempo o homem é sujeito aos afetos por
natureza, logo os homens se tornariam inimigos, e cada um ficaria sob sua própria
jurisdição para se precaver de ser oprimido pelo outro. Porém, o homem sozinho
dificilmente pode preservar a sua existência, sendo assim para garantir o seu direito de
natureza e ampliar sua potência, se faz necessária a união cooperativa dos homens, e a
definição de direitos comuns a todos. Quando os homens são conduzidos como que por
uma só mente, onde o direito comum é mais potente do que o direito natural individual,
aí temos a potência da multidão.
O terceiro capítulo trata sobre o direito do estado ou dos poderes soberanos, que
consiste no direito de natureza determinado pela potência da multidão. O direito natural
de cada um ser juiz de si próprio cessa no estado civil, porém o direito de natureza
permanece, pois, o homem independente do estado, natural ou civil, continuará agindo
segundo as leis da natureza para se preservar na existência. As atitudes para a
autopreservação humana são reguladas em ambos os estados, pelo medo ou pela
esperança, a diferença é que no estado de natureza o homem teme uns aos outros,
enquanto no estado civil todos temem as mesmas coisas e o estado tem o papel de
garantir a concórdia e segurança de todos, buscando eliminar o medo comum.
A manutenção do estado de natureza em conjunto com o estado civil é que é a
grande diferença entre Hobbes e Spinoza, pois para Spinoza o direito é a potência e a
potência é a própria essência, sendo assim não há como o homem transferir seu direito
sem abdicar da sua essência, sem desistir da sua faculdade de julgar e exercer seu
direito. Nesse caso, a natureza não poder ser anulada por nenhum tipo de contrato.
No estado natural não há pecado, pois cada um tem o direito natural de discernir
o que é bom ou mau, porém quando o estado determina através do direito comum o que
é bom e o que é mau, o cidadão deve considerar tais leis como se tivessem sido
decretadas por cada um, passando a estar sob a jurisdição da cidade e não mais de si
próprio. Sendo assim, é no estado civil que o pecado pode ser concebido, quando se faz
o que não se tem o direito de fazer, ou o que é proibido no direito. Os que escolhem
permanecer sob sua própria jurisdição, ou seja, não temem e nem esperam nada, se
tornam inimigos do estado e devem ser coibidos.
Cabe a república administrar os assuntos comuns do estado, como uma
democracia, aristocracia ou monarquia, instituindo e interpretando as leis, julgando cada
um de acordo com o direito comum estabelecido, estabelecendo alianças com outras
cidades, ou declarando estados de guerra ou de paz.
No capítulo IV, Spinoza expõe que a república depende unicamente da
orientação daquele que detém o estado soberano e que este soberano deve observar as
leis estabelecidas no contrato, as quais buscam garantir a autopreservação da multidão, e
deve tratar os assuntos públicos de acordo com a razão, para não causar a ruína da
cidade, fazendo-a pecar contra si mesma. Se porventura, o contrato, instituído pela
transferência do direito da multidão ao soberano, for violado, os cidadãos na sua
indignação podem dissolver a cidade, cessar e violar o contrato pelo direito de guerra,
com o intuito de se preservar a salvação comum.
Por fim, o autor afirma no capítulo V que o melhor estado é aquele instituído
pela livre escolha da multidão, pois seus súditos são conduzidos mais pela esperança do
que pelo medo e podem ser livres para cultivar a vida. Porém, se o estado é apoderado
da multidão por direito de guerra, os súditos são transformados em servos, subjugados
ao medo e destinados somente a evitar a morte.
Portanto, para Spinoza o melhor estado possível é aquele definido pela razão,
instituído pela livre escolha da multidão, e que permite que os homens possam conviver
em paz e segurança, garantido assim que seus direitos comuns não serão infringidos.

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