Você está na página 1de 10

53

IMPACTO DA GESTÃO DE ESTOQUES NA RENTABILIDADE DAS


EMPRESAS DO BRASIL, AMÉRICA LATINA E EUA:
UMA ANÁLISE DE CORRELAÇÃO*

Luciano Ferreira Carvalho Osvaldo Sílvio Giachero


Mestrando em Administração pela Mestrando em Administração pela
Faculdade de Gestão e Negócios da Faculdade de Gestão e Negócios da
Universidade Federal de Uberlândia - MG Universidade Federal de Uberlândia - MG
lucianofc@netsite.com.br osgiachero@gmail.com

Kárem Cristina de Sousa Ribeiro


Doutora em Administração
Professora Adjunta do Departamento de Administração
da Faculdade de Artes, Filosofia e Ciências Sociais
da Universidade Federal de Uberlândia - MG
kribeiro@ufu.br

RESUMO

Um dos principais conflitos que existem na administração de estoque é determinar seu nível de manutenção,
já que este gera custos que, por sua vez, reduzem a rentabilidade da empresa. Mas, por outro lado, um
baixo estoque pode levar a perdas de vendas em função das oscilações da demanda, ou a um custo pela
perda de economia de escala. Nesse sentido, o presente artigo tem como objetivo apresentar uma
comparação entre os Prazos Médios de Estoque (PMRE) por setores econômicos no Brasil, América Latina
(AL) e Estados Unidos da América (EUA), assim como analisar os reflexos desses PMREs na rentabilidade
da empresa. Para tanto, foi utilizado o coeficiente de correlação entre o PMRE e o Retorno Sobre o Ativo
(ROA), e entre o número de dias em que o estoque é financiado pela empresa (PMFE – Prazo Médio de
Financiamento de Estoques) e o ROA. Os resultados obtidos mostraram que os PMREs nos EUA são
menores que no Brasil e AL, e que há uma correlação negativa entre PMRE e ROA nos EUA, mas essa
correlação é positiva no Brasil e AL. Já, em relação ao número de dias em que o estoque é financiado pela
empresa, sua correlação com o ROA se mostra negativa para as três regiões analisadas.

Palavras-chave: Prazo Médio de Renovação de Estoques; Prazo Médio de Financiamento dos Estoques;
Retorno Sobre o Ativo; Análise de Correlação.

ABSTRACT

One of the main conflicts that exist in the inventory management is to determine its maintenance level,
since this generates costs that, for its time, they reduce the profitability of the company. But, on the other
hand, a low inventory can take the losses of sales in function of the oscillations of the demand, or at a cost
for the loss of scale economy. In that sense, the present article has as objective to present a comparison
among the Average Term of Inventory (PMRE) for economic sections in Brazil, América Latina (AL) and
United States of America (USA), as well as analyzing the reflexes of those PMREs in the profitability of the
company. For so much, the correlation coefficient was used between PMRE and the Return on the assets
(ROA), and enter the number of days in that the inventory is financed by the company (PMFE - Average
Term of Financing of Inventory) and ROA it. The obtained results showed that PMREs in the USA is smaller
than in Brazil and AL, and that there is a negative correlation among PMRE and ROA in the USA, but that
correlation is positive in Brazil and AL. Already, in relation to the number of days in that the inventory is
financed by the company, its correlation with it ROA it negative it is shown for the three analyzed areas.

Keywords: Average Term of Renewal of Inventory; Average Term of Financing of the Inventory; Return On
the Assets; Analysis of Correlation.

* Artigo publicado nos Anais do X SEMEAD, FEA-USP- São Paulo, agosto/2007.

Enf.: Ref. Cont. Paraná v. 26 n. 3 p. 53 - 62 setembro / dezembro 2007


54
LUCIANO FERREIRA CARVALHO • OSVALDO SÍLVIO GIACHERO • KÁREM CRISTINA DE SOUSA RIBEIRO

1 INTRODUÇÃO uma entre os Prazos Médios de Renovação Estoque


(PMRE) e os Retornos Sobres os Ativos (ROA), e
As organizações vêem-se obrigadas a manter certos outra entre os Prazos Médios de Financiamento dos
níveis de estoque em razão da incerteza da demanda, Estoques (PMFE) e os ROA. Os índices analisados
bem como para estabilizar a produção num nível referem-se a treze setores econômicos com dados
econômico ótimo. De acordo com Scherr (1989, registrados na Economática, abrangendo o Brasil,
p.283), se demanda futura e recebimento de bens outros países da América Latina (AL) e os Estados
pudessem ser conhecidos precisamente não haveria Unidos da América (EUA), no ano de 2006.
necessidade de se manter um estoque. Além disso,
quando empresas produzem vários tipos de produtos, Este trabalho está estruturado em seis seções: (1)
usando o mesmo equipamento, há custos e atrasos Introdução; (2) Conceitos: Gestão de estoques e
em mudanças de produção de um produto para outro. índices de prazos médios; (3) metodologia; (4)
Dessa forma, torna-se necessária a manutenção de obtenção e tratamento dos dados; e (5) análise e
um alto nível de estoque para evitar esses custos e considerações finais.
atrasos em função da transição.
1.1 Problema de pesquisa e objetivo
A manutenção dos níveis de estoque incorre em uma
imobilização de capital, gerando um custo de Este trabalho apresenta uma análise da influência dos
oportunidade pelo que se poderia obter desses estoques sobre a rentabilidade das empresas
recursos em uma aplicação externa. De acordo com pertencentes à base de dados da Economática: Brasil,
Clemente (1998), o custo de oportunidade é o custo outros países da AL, e EUA. As questões de pesquisa
de se investir em uma alternativa que não é a melhor, são: (1) Qual é o efeito causado pelo PMRE no retorno
incorrendo dessa forma em perda de oportunidade sobre o ativo? (2) Qual é o efeito causado pelo PMFE
de obter maiores ganhos. O custo de oportunidade no retorno sobre o ativo?
será a diferença entre seus rendimentos e os ganhos
da melhor alternativa possível. Como os recursos Este estudo se justifica por ser o estoque um ativo
imobilizados no estoque possuem um rendimento que demanda recursos das empresas. Assim, este
financeiro nulo, seu custo de oportunidade é dado estudo, que analisa os efeitos do estoque e do seu
pela melhor taxa de desconto obtenível. financiamento na rentabilidade das empresas,
contribui para uma melhor compreensão das
O custo de manutenção do estoque é calculado em condições em que estas se encontram e possibilita a
função do tempo que, por sua vez, pode ser medido geração de reflexões sobre as estratégias
pelo prazo médio de estocagem (PME), expresso pelo empresariais das diferentes organizações nos
número de dias em que a mercadoria permanece quatorze setores econômicos citados.
armazenada, desde sua produção ou aquisição até o
momento da venda. 2 CONCEITOS DE GESTÃO DE ESTOQUES
E DE ÍNDICES DE PRAZOS MÉDIOS
A análise somente do PME é superficial. O que
interessa de fato é se a empresa financia seus 2.1 Gestão de estoques
estoques ou é financiada pelos seus fornecedores.
Um exemplo pode ser dado a partir de uma empresa Um importante assunto da administração é a
que mantém seus estoques elevados, porém, tem determinação ideal dos níveis de estoques. Quando
um Prazo Médio de Pagamento (PMP) superior ao estes são elevados, geram custos de manutenção
prazo de estocagem, revelando que ela é financiada que podem reduzir a rentabilidade da empresa.
pelos seus fornecedores. Já outra empresa que Entretanto, os estoques podem evitar perdas de
mantém um baixo nível de estoque, mas tem suas vendas.
compras à vista, ou tem PMP menor do que o PME,
financia seu estoque por menor que ele seja. Dessa 2.1.1 Classificação e razão dos estoques
forma, a primeira empresa, mesmo tendo um PME
maior, ao ser financiada pelos fornecedores, estará Os estoques dividem-se em: estoque de matéria
obtendo uma vantagem em relação à segunda que prima; materiais em processamento; produtos finais;
financia seu estoque, devendo apresentar uma e materiais de consumo.
diferenciação no seu resultado.
Outros itens necessários para a operação e
Neste trabalho, serão analisadas duas correlações: manutenção de equipamentos e serviços

Enf.: Ref. Cont. Paraná v. 26 n. 3 p. 53 - 62 setembro / dezembro 2007


55
IMPACTO DA GESTÃO DE ESTOQUES NA RENTABILIDADE DAS EMPRESAS DO
BRASIL, AMÉRICA LATINA E EUA: UMA ANÁLISE DE CORRELAÇÃO

administrativos também devem estar disponíveis em funcionam como amortecedores das


estoque. São exemplos desses itens: combustíveis, entradas e saídas entre duas etapas dos
lubrificantes, fluidos de sistemas de refrigeração; processos de comercialização e
peças de reposição; material de limpeza; material de produção. Assim sendo, os estoques
podem contribuir para minimizar os
escritório; equipamentos de proteção individual;
efeitos de erros de planejamento e
uniformes; e alimentos. oscilações inesperadas de oferta e
procura, bem como para ajudar a isolar
As empresas podem manter estoque de matéria- ou diminuir a interdependência de todas
prima com o objetivo de não parar a produção. Se as partes da organização
faltar a matéria-prima, a produção interrompe, ainda (SANVICENTE, 1997, p.129).
que a empresa possua os recursos de equipamento
e de mão-de-obra e, neste caso, as operações ficam Nesse sentido, lotes de compra ou de fabricação
sujeitas à chegada desses materiais. Quando as elevados podem proporcionar vantagens de preço ou
empresas industriais produzem vários tipos de de custos de produção, em função dos ganhos de
produtos usando o mesmo equipamento, há custos economia de escala conquistados com a redução dos
e tempos envolvidos na preparação da produção em tempos dedicados à preparação dos equipamentos
função da troca, na linha de fabricação, de um produto ou devido ao melhor aproveitamento de equipamentos
para o outro. Este tipo de produção exige a de transportes de alta capacidade e baixo custo
manutenção de estoques de matéria-prima e de operacional.
material em processamento para permitir a produção
em uma determinada etapa do processo produtivo, 2.1.2 Vantagens e desvantagens de custos
ainda que outra esteja parada. devido à manutenção dos estoques

O estoque de material em processo tem por objetivo A manutenção dos estoques pela empresa implica
garantir a continuidade da operação a partir da etapa em uma imobilização de capital, gerando um custo
seguinte, reduzindo os custos de parada de de oportunidade, que poderia ser obtido se estes
equipamentos. O estoque de produto final tem por recursos rendessem alguma quantia em uma
finalidade diminuir a probabilidade de falta de bens aplicação externa. De acordo com Clemente (1998),
ou serviços para os clientes. o custo de oportunidade é o custo de se investir em
uma alternativa que não a melhor. Portanto, ao
Não importa o que está sendo imobilizar recursos financeiros em estoques (que não
armazenado como estoque, ou onde ele proporcionam rendimento algum), a perda dos
está posicionado na operação; ele rendimentos é chamada de custo de oportunidade
existirá porque existe uma diferença de
em que a empresa incorre. Aqui, ambas as
ritmo ou de taxa entre fornecimento e
demanda. Se o fornecimento de alternativas (aplicar os recursos financeiros no
qualquer item ocorresse exatamente estoque ou noutra alternativa) são consideradas de
quando fosse demandado, o item nunca baixo risco e alta liquidez.
seria estocado (SLACK, 1996, p.383).
Manter um estoque mais elevado é uma alternativa
Os estoques devem, então, garantir as operações para a empresa garantir a produção de alta escala, o
cotidianas das organizações e cobrir as oscilações que pode proporcionar um menor custo unitário de
de demanda, de produção e de oferta (por parte dos produção. Esta é uma particularidade para manter
fornecedores), principalmente, quanto às oscilações altos estoques, denominada de vantagens de
no prazo de resposta ao pedido. Estas variações economia de escala. Entretanto, é necessário que
exigem a formação dos estoques de segurança. exista demanda para este volume.
Scherr (1989, p.283) aponta que, se a demanda futura
e o recebimento de bens pudessem ser conhecidos Tratando deste assunto, Assaf Neto (2006) afirma:
com precisão (sem oscilações), não haveria
Para muitas empresas, um alto nível de
necessidade de se manter estoques de segurança. produção poderá gerar importantes
Sanvicente (1997, p.128) afirma que manter estoques, reduções (econômicas) nos custos
seja qual for o tipo, é uma condição muito importante unitários dos produtos acabados,
para a flexibilidade operacional da empresa. determinadas, fundamentalmente, por
maior diluição dos custos de despesas
Em termos amplos, os estoques, tal fixos nas unidades fabricadas. Essa
como acontece com disponibilidades, forma de barateamento de custos,

Enf.: Ref. Cont. Paraná v. 26 n. 3 p. 53 - 62 setembro / dezembro 2007


56
LUCIANO FERREIRA CARVALHO • OSVALDO SÍLVIO GIACHERO • KÁREM CRISTINA DE SOUSA RIBEIRO

conhecida como economia de escala, condições específicas, as receitas mínimas para


pode economicamente justificar a tornar o fluxo de caixa positivo.
manutenção de maiores estoques de
produtos acabados que em vez de Manter estes estoques pode levar a empresa a
serem produzidos todos os meses, em
empatar elevados montantes financeiros em materiais
pequenas quantidades, o são uma, duas
ou três vezes por ano, em lotes maiores que nem sempre possuem alta liquidez. Assaf Neto
(ASSAF NETO 2006, p.532). (2006) comenta esta possibilidade:

Em certos casos, estoques elevados protegem a Os estoques costumam manter uma


empresa contra a elevação de preços de matéria- participação significativa no total dos
investimentos ativos da maior parte das
prima sazonal; em outros, o estoque elevado é
empresas industriais e comerciais. Na
resultado da compra de um grande lote de produtos, realidade, por demandarem vultosos
forçada pelo desconto no preço unitário devido à volumes de recursos (imobilizados)
elevação do volume negociado. aplicados em itens de baixa liquidez,
devem as empresas promover rápida
Em determinados tipos de produção, o estoque de rotação em seus estoques como forma
material em processamento entre duas etapas de de elevar sua rentabilidade e contribuir
produção sucessivas garante a continuidade da para manutenção de sua liquidez
operação a partir da próxima etapa, reduzindo os (ASSAF NETO 2006, p.530).
custos de parada de equipamentos.
Quanto e quando pedir de cada vez são questões
Um elevado estoque de produto final diminui a que devem ser analisadas constantemente para evitar
probabilidade de falta de produtos ou serviços para falta e excesso de estoque.
os clientes. Se a demanda e os intervalos de tempo
entre as chegadas de mercadorias são incertos, é O modelo geral do custo total de estocagem pressupõe
necessário manter o estoque de segurança para cobrir que a composição deste se faz com o custo de
os erros de previsão e garantir um nível de colocação de pedido e do custo de manutenção de
atendimento adequado aos clientes, mantendo, em estoque para o período de interesse (equação 1).

Enf.: Ref. Cont. Paraná v. 26 n. 3 p. 53 - 62 setembro / dezembro 2007


57
IMPACTO DA GESTÃO DE ESTOQUES NA RENTABILIDADE DAS EMPRESAS DO
BRASIL, AMÉRICA LATINA E EUA: UMA ANÁLISE DE CORRELAÇÃO

O custo de colocação de pedidos refere-se às imobilizado, e depende da taxa de desconto e do


despesas em que o departamento de compras incorre estoque médio no período. O custo de armazenagem
ao realizar os pedidos, e é inversamente proporcional está associado à acomodação física dos bens, aluguel
ao tamanho do lote de compra. Quanto menor a de armazém, iluminação, segurança e climatização.
quantidade do pedido, mais pedidos serão feitos ao O custo de obsolescência decorre da evolução
longo de um determinado período e maior será o custo tecnológica, mudança de tendências, e o de
de colocação dos mesmos. Como exemplos desses deterioração decorre dos estragos devido ao
custos, têm-se: tarefas de escritório para preparar o armazenamento ou ao esgotamento do prazo de
pedido e sua documentação necessária; elaboração validade do item.
para pagamento de fornecedores; despesas com fax
e telefone; despesas de inspeção e recebimento. O A gestão de estoques deve procurar o menor custo
modelo padrão de custo de estoque pressupõe que total. À medida que a quantidade de um pedido se
o custo de realizar um pedido não altera diante da eleva, reduz-se o número de pedidos e eleva o
quantidade de encomenda. estoque médio. Se por um lado o menor número de
pedidos implica em um menor custo de colocação de
O custo de manutenção de estoque possui dois pedidos, um estoque médio mais alto gera um maior
componentes: (1) custo juros e (2) custo de custo de manutenção. O menor custo total será obtido
armazenagem. O custo de juros (oportunidade) está no ponto de custo mínimo de estocagem, o que
associado ao rendimento obtenível com o capital indicará o lote econômico (Figura 1).

Figura 1 - Custo de estocagem em função do tamanho do lote de compra


Fonte: Adaptado de Monks (1987, p.276)

A realização de um pedido deve considerar pelo estoque de segurança, evidentemente, condicionado


menos duas variáveis probabilísticas: o prazo de a um nível de atendimento (probabilidade
reabastecimento e o ritmo de demanda. atendimento a toda a demanda).

Quando se trata das previsões para o futuro, as Outro custo que não pode ser desprezado pela
médias destas variáveis geram os parâmetros para empresa é o custo de falta de estoque. De acordo
a determinação do lote de compra (antes do estoque com Scherr (1989, p.287), custo de falta de estoque
de segurança) e do momento de encomenda (ponto ocorre quando uma mercadoria é requerida, mas
de pedido). Por outro lado, as oscilações prováveis não há estoque disponível. Ele está relacionado à
em torno destas médias e suas respectivas incerteza da demanda e do tempo de
distribuições de freqüência e desvios-padrão geram reabastecimento de mercadorias. Uma decisão
os parâmetros necessários para a determinação do errada quanto ao tamanho do estoque de segurança

Enf.: Ref. Cont. Paraná v. 26 n. 3 p. 53 - 62 setembro / dezembro 2007


58
LUCIANO FERREIRA CARVALHO • OSVALDO SÍLVIO GIACHERO • KÁREM CRISTINA DE SOUSA RIBEIRO

pode levar à probabilidade de não atendimento à de seus ativos, o que gera maior rentabilidade.
totalidade dos clientes, o que causará a insatisfação
dos mesmos e a perda de receita. 2.2.2 Prazo Médio de Pagamento de Compras
(PMPC)
O custo de falta inclui a perda de lucros por não
atender ao cliente ou à demanda das operações da Assaf Neto (2003, p. 109) define o PMPC: “é o prazo
empresa. No que se refere aos produtos finais, que revela o tempo médio (em meses ou dias) que
quando a falta se torna freqüente, aumenta a chance a empresa tarda em pagar suas dívidas de
de o cliente deixar de comprar o item no futuro, fornecedores” (Equação 3):
prejudicando a imagem da empresa.

2.2 Índices de Prazos Médios

O custo de manutenção do estoque dá-se em função


do tempo em que este empata recursos financeiros Os encargos das compras a prazo em geral são
e dos custos de zelo em que os mesmos incorrem menos onerosos que os recursos financeiros
ao estarem armazenados. Assim, o Prazo Médio de tomados de empréstimos. Normalmente, não há
Renovação dos Estoques (PMRE) afeta o custo de nenhum custo explícito, tal como juros, associados
manutenção do estoque e interfere no Retorno Sobre às compras a prazo, o que não significa que não
o Ativo - (ROA) - razão entre o lucro líquido e o ativo haja custos implícitos. Além disso, não há
total. Além disso, o Prazo Médio de Financiamento necessidade de vincular ativos como colaterais.
dos Estoques (PMFE), que é a diferença entre o Assim, os fornecedores caracterizam-se como a
Prazo Médio de Recebimento das Vendas (PMRV) principal fonte de financiamento a curto-prazo que
e o Prazo Médio de Pagamento das Compras não necessita de garantias, sendo ideal para a
(PMPC), também influencia no ROA. empresa, que mantenha um PMPC mais elevado
(quanto maior melhor).
Os índices de prazos médios – PMRV, PMPC e
PMRE - devem ser analisados sempre em conjunto. 2.2.3 Prazo Médio de Renovação de Estoques
(PMRE)
Matarazzo (2003, p. 311) argumenta que a
conjugação dos três índices de prazos médios leva Em uma empresa comercial, o PMRE é o tempo de
à análise dos ciclos operacional e de caixa, estocagem de mercadorias, enquanto na empresa
elementos fundamentais para a determinação de industrial é o tempo de produção e estocagem (de
estratégias empresariais, tanto comerciais quanto matéria-prima e de produto final). O PMRE pode ser
financeiras, geralmente, vitais para a determinação medido em número de dias em que o estoque é, em
do fracasso ou sucesso de uma empresa. média, mantido na empresa, considerando o curso
de tempo desde sua chegada, seu processamento
Os conceitos destes índices são apresentados a (produção - no caso de fábrica) ou aquisição
seguir. (comércio), até o momento da venda.

2.2.1 Prazo Médio de Recebimento de Vendas Assaf Neto (2003, p. 109) define o PMRE (Equação
(PMRV) 4): “é o prazo médio necessário para a completa
renovação dos estoques da empresa”.
Assaf Neto (2003, p. 110) assim define o PMRV: “é
o prazo que revela o tempo médio (meses ou dias)
que a empresa despende para receber suas vendas
realizadas a prazo” (Equação 2):
Quanto menor for este prazo, melhor para a
empresa. Um baixo PMRE indica, relativamente aos
ativos da empresa, um pequeno investimento de
recursos financeiros no almoxarifado. Esse indicador
O ideal é que a empresa abrevie este período mostra a eficiência com que os estoques são
(quanto menor, melhor). Dessa forma, poderá administrados e como podem influenciar no retorno
manter recursos disponíveis para outras aplicações global da empresa. Um incremento no PMRE implica
mais rentáveis por mais tempo, e aumentar o giro em uma redução no ROA.

Enf.: Ref. Cont. Paraná v. 26 n. 3 p. 53 - 62 setembro / dezembro 2007


59
IMPACTO DA GESTÃO DE ESTOQUES NA RENTABILIDADE DAS EMPRESAS DO
BRASIL, AMÉRICA LATINA E EUA: UMA ANÁLISE DE CORRELAÇÃO

O PMRE depende mais da própria administração 2.3 O PMRE e os Ciclos Operacional e


do que do mercado, enquanto o PMRV e o PMPC Financeiro
dependem do comportamento do mercado. Portanto,
ambos merecem grande atenção, porém o primeiro Somando o PMRE ao PMRV (Figura 4), obtém-se o
exige um controle interno rigoroso. Ciclo Operacional - CO (tempo entre a chegada da
compra e o recebimento das vendas). O CO é o
2.2.4 Prazo Médio de Financiamento dos tempo entre a chegada do item comprado, a
Estoques (PMFE) produção, a estocagem até o recebimento referente
às vendas da mercadoria (ou produto) vendida
O PMFE (Figura 2) é a diferença entre o PMRE e o (Equação 6):
PMPC e representa o período em que o estoque
deixa de ser financiado pelos fornecedores e passa
a ser financiado pela empresa. Neste período, a
empresa deve ter fundos para cobrir os custos de
manutenção de estoques. Este custo é chamado de
custo de capital de giro parcial e está associado aos
juros de empréstimos (se os recursos de terceiros
são usados para este fim) e ao custo de oportunidade
(se os recursos próprios são usados para este fim).

PMFE = PMRE - PMPC (5) Figura 4 - os fornecedores financiam totalmente


os estoques e uma parte das vendas
Fonte: Adaptado de Matarazzo (2003, p.319)

CO = PMRE + PMRV (6)

Quanto ao financiamento das operações, podem


ocorrer situações diversas: se o PMPC for maior do
que o PMRE, os fornecedores financiarão as fases
de produção, a estocagem e parte das vendas da
empresa (Figura 4); se o PMPC for menor do que o
Figura 2 - os fornecedores financiam apenas
PMRE, a empresa deve obter financiamentos para
parte do estoque e a outra parte, a própria
operacionalizar suas vendas e para parte do tempo
empresa financia
em que a mercadoria fica no estoque (Figura 5).
Fonte: Adaptado de Matarazzo (2003)

Quando o PMPC é maior que o PMRE, os estoques


são totalmente financiados pelos fornecedores,
sobrando ainda um prazo de ganhos financeiros
(Figura 3).

Figura 5 - os fornecedores financiam apenas


parte do estoque
Fonte: adaptado de Matarazzo (2003, p.320)
Figura 3 - os fornecedores financiam os
O tempo decorrido entre o pagamento ao fornecedor
estoques totalmente
e o recebimento do cliente é o período em que a
Fonte: Adaptado de Matarazzo (2003)

Enf.: Ref. Cont. Paraná v. 26 n. 3 p. 53 - 62 setembro / dezembro 2007


60
LUCIANO FERREIRA CARVALHO • OSVALDO SÍLVIO GIACHERO • KÁREM CRISTINA DE SOUSA RIBEIRO

empresa precisa obter financiamento – chamado de Isto significa que, se o coeficiente de correlação for
Ciclo Financeiro (CF) ou Ciclo de Caixa (Equação positivo, uma variável cresce positivamente em
7). O CF é obtido pela diferença entre CO e PMPC. relação ao crescimento da outra; se for negativo, uma
Quanto menor o CF, melhor para a empresa, pois variável decresce em relação ao crescimento da outra.
significa menor tempo de financiamento dos
estoques e do prazo oferecido aos clientes para que Segundo Stock e Watson (2004, p. 54),
os mesmos quitem as mercadorias adquiridas,
implicando em menores custos financeiros das Um coeficiente de correlação alto não significa
necessariamente que a reta possui uma declividade
operações de comercialização. acentuada, mas sim que os pontos do gráfico de
dispersão estão muito próximos de uma linha reta.

CF = CO - PMPC Frente a estes conceitos, o estudo aqui desenvolvido


(7) obtém e analisa os coeficientes de correlação entre
os índices PMRE e ROA e PMFE e ROA.
2.4 Os efeitos do PMPC e do PMRE sobre o
financiamento dos estoques 3 MÉTODO DO ESTUDO

O presente estudo realiza uma pesquisa descritiva.


Uma empresa que mantém seus estoques elevados, Segundo Andrade (2004), nesse tipo de pesquisa
porém, tem um PMPC superior ao prazo PMRE e os fatos são observados, registrados, analisados,
estará com seus estoques sendo financiados pelos classificados e interpretados; porém, sem que o
seus fornecedores. Ocorrendo um PMPC maior que pesquisador interfira sobre eles.
o PMRE, este ganho financeiro é chamado de receita
de capital de giro parcial. O presente estudo toma como referência os dados
secundários constantes na base de dados
Outra empresa que mantém um baixo nível de Economática, de treze setores econômicos do Brasil,
estoques, mas tem suas compras à vista ou tem América Latina (AL) e dos Estados Unidos da
PMPC menor do que o PMRE, terá seus estoques América (EUA). O método comparativo é usado para
sendo financiados por ela própria. explicar as divergências entre os índices dos
diferentes setores econômicos. Os índices de
Ainda que tenha o PMRE maior do que o PMRE da PMRE, PMFE são correlacionados ao ROA, do dia
segunda, a primeira empresa estará obtendo uma 31 de dezembro do ano de 2006, analisados e
vantagem em relação a esta. interpretados.

2.5 Análise de correlação


4 ANÁLISE DOS RESULTADOS
Gujarati (2000, p. 773-774), tratando do coeficiente A análise tem início com a comparação entre o
de correlação da população, cita: PMRE e ROA, por setor, nas três regiões geográficas
citadas, e prossegue com a análise dos coeficientes
O coeficiente de correlação na população
de correlação entre os índices PMRE e ROA e o
(rô) é definido como PMFE e o ROA.

Uma simples observação da Tabela 1 evidencia que,


com exceção do setor de Química, todos os demais
setores da economia apresentam um PMRE menor
para os EUA do que para as demais regiões. Isso
Assim definido, é uma medida da associação linear pode demonstrar uma superioridade na
entre duas variáveis e se encontra entre -1 e +1, sendo que administração de estoque das empresas dos EUA
-1 indica uma associação negativa perfeita e +1, uma
associação positiva perfeita.
em relação às empresas das outras duas regiões
geográficas.

Enf.: Ref. Cont. Paraná v. 26 n. 3 p. 53 - 62 setembro / dezembro 2007


61
IMPACTO DA GESTÃO DE ESTOQUES NA RENTABILIDADE DAS EMPRESAS DO
BRASIL, AMÉRICA LATINA E EUA: UMA ANÁLISE DE CORRELAÇÃO

Tabela 1 - PMRE e ROA de 13 setores para o Brasil, outros países da AL e EUA

Fonte: Banco de dados Economática

As correlações entre o PMRE e o ROA e entre o e provoca interrogações sobre quais razões levam
PMFE e ROA, para os dados das treze empresas, ao não incremento do ROA nestas duas regiões,
para cada uma das três regiões geográficas, são quando o PMRE é reduzido. Cabe questionar,
mostradas na Tabela 2. principalmente para os dados do Brasil, se na
contabilidade destas empresas não estariam
Tabela 2 - Correlação entre PMRE e ROA e contando as aplicações financeiras, dentro da conta
entre PMFE e ROA para as empresas das três ativos, bem como os rendimentos das mesmas.
regiões geográficas Caso isto venha a se confirmar, ficaria cristalizada a
compreensão de que o excesso de liquidez que as
empresas brasileiras possuem, devido,
principalmente, aos altos juros que o governo vem
sustentando, distorce os resultados contábeis e
provoca um contra-senso, conforme aqui exposto:
correlação positiva e fraca entre PMRE e ROA.

Fonte: Autores Os coeficientes de correlação negativos e baixos


entre os PMFE e ROA, para todas as três regiões
O coeficiente de correlação negativo distante de -1 (0,185, -0,196 e -0,054), mostram que o
(-0,421), definido para a relação entre o PMRE e o crescimento do PMFE implica em redução do ROA
ROA das empresas dos EUA, indica que um para todas as regiões. Este fato é condizente com
incremento no PMRE implica em uma redução no a abordagem teórica, que apregoa a necessidade
ROA. Este resultado corresponde às abordagens de se reduzir o prazo médio de financiamento dos
teóricas que apontam a necessidade de reduzir o estoques pela própria empresa para melhorar o
PMRE para aumentar o ROA. Entretanto, os dados ROA. Entretanto, os coeficientes de correlação
não são satisfatoriamente ajustados à reta de entre os PMFE e ROA, para as três regiões
regressão; estes são relativamente dispersos. geográficas, demonstram uma baixa relação linear.
Ficou evidenciado, assim, que o prazo em que as
Para os dados das outras duas regiões geográficas, empresas financiam, ou têm seu estoque
Brasil e outros países da AL, a correlação entre o financiado, é decisivo na rentabilidade das
PMRE e o ROA é positiva, porém bastante próxima empresas. Importante ressaltar que o resultado da
de zero, mostrando uma baixíssima relação linear. correlação é apenas um indicativo e não uma
Este fato contraria a lógica das abordagens teóricas conclusão a respeito do estudo em questão.

Enf.: Ref. Cont. Paraná v. 26 n. 3 p. 53 - 62 setembro / dezembro 2007


62
LUCIANO FERREIRA CARVALHO • OSVALDO SÍLVIO GIACHERO • KÁREM CRISTINA DE SOUSA RIBEIRO

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS

Neste artigo analisou-se, por meio de coeficiente de ANDRADE, Maria Margarida de. Como Preparar
correlação, o efeito do estoque e do seu trabalhos para cursos de pós-graduação. São
financiamento na rentabilidade das empresas. Tendo Paulo: Atlas, 2004.
em vista que a formação do estoque absorve
recursos do ativo e não gera um rendimento direto, ASSAF NETO, Alexandre. Finanças corporativas
procurou-se estudar o impacto dessas imobilizações e Valor. São Paulo: Atlas, 2006.
de capital na rentabilidade das empresas.
CLEMENTE, Ademir. Projetos empresariais e
Este trabalho não teve a pretensão de explorar todos públicos. São Paulo: Atlas, 1998.
os aspectos referentes à formação de estoques nas
empresas, porém, as análises dos índices de prazo GUJARATI, Damodar N, Econometria Básica. São
médio e suas correlações com o retorno sobre o Paulo: Pearson Makron Books, 2000.
investimento permitem inferir que elas podem
melhorar esses retornos; o que é alcançável se as MATARAZZO, Dante C. Análise financeira de
mesmas adotarem estratégias que possibilitem a balanços. São Paulo: Atlas, 2003.
redução dos prazos médios de financiamento dos
estoques com recursos próprios. MONKS, Joseph G.. Administração da Produção.
São Paulo: McGraw-Hill, 1987.
Ao se analisar apenas os PMREs, constatou-se que
os EUA apresentam um gerenciamento mais eficaz SANVICENTE, Antônio Zoratto. Administração
dos seus estoques, o que foi evidenciado pelo menor Financeira. 3.ed. São Paulo: Atlas, 1997.
número de dias em relação as outras duas regiões,
Brasil e AL. Tal constatação se deu na quase SCHERR, F.C. Modern Working Capital
totalidade dos setores econômicos avaliados, à Management. New York: Prentice-Hall, 1989.
exceção do setor químico onde o PMRE nos EUA
SILVA, Ângela Maria; PINHEIRO, Maria Salete de
foi maior do que nas outras regiões.
Freitas; FRANÇA, Maira Nani. Guia para
normalização de trabalhos técnico-científicos:
Na análise de correlação entre PMRE e ROA
Projetos de pesquisa, trabalhos acadêmicos,
observou-se uma incoerência nos coeficientes do
dissertações e teses. Uberlândia: EDUFU, 2006.
Brasil e AL. De acordo com tais coeficientes, o PMRE
e o ROA estão positivamente correlacionados, o que
SLACK, Nigel; et al. Administração da produção.
significaria dizer que, quanto mais lenta for a
Revisão técnica: Henrique Corrêa; Irineu Gianesi.
renovação de estoque, maior será a rentabilidade. Já
São Paulo: Atlas, 1996.
o resultado dessa correlação, para os EUA, mostrou-
se de acordo com o esperado, haja vista que o PMRE
STOCK, James H; WATSON, Mark W.
e o ROA estão negativamente correlacionados.
Econometria. São Paulo: Addison Wesley, 2004.
O estudo indica ainda que a simples correlação entre Endereço dos autores:
o PMRE e o ROA é insuficiente para obter uma
conclusão satisfatória. Assim, para que um estudo Universidade Federal de Uberlândia
seja capaz de indicar ações para novas estratégias Faculdade de Artes, Filosofia e Ciências Sociais
empresarias, é necessária a consideração do PMFE, Departamento de Administração
a diferença entre o PMRE e o PMPC, bem como a Av. João Naves de Ávila, 2121 – Bloco 1F
análise da correlação entre o PMFE e o ROA. Uberlândia – MG
38400-902
A conclusão do estudo mostra que a redução do
PMFE, que retrata o período de financiamento do
estoque pela própria empresa, implica em melhoria
no ROA, ainda que esta relação não seja
perfeitamente linear. Lembrando que o resultado da
correlação é apenas um indicativo e não uma
conclusão a respeito do estudo em questão.

Enf.: Ref. Cont. Paraná v. 26 n. 3 p. 53 - 62 setembro / dezembro 2007

Você também pode gostar