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José de Sá Araújo Neto

CORTELLA, Mário Sérgio. A escola e o conhecimento: Fundamentos


Epistemológicos e políticos. 2ª Edição. São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire, 1999.
O Profº Drº Mário Sérgio Cortella, apresentando a tese fundamental de sua
Obra “A escola e o conhecimento: fundamentos epistemológicos e políticos” logo no
exórdio desta, defende que o conhecimento é uma produção cultural
(consequentemente, social e histórica) e não, a descoberta da verdade. A escola, por
sua vez, figura como o veículo transportador dessa produção cultural, tendo um
comprometimento político de caráter conservador e inovador que também pode se
expressar no modo como o conhecimento é compreendido, selecionado, modificado e
transmitido.
Analisando o seu primeiro capítulo (objetivo deste resumo), pode-se, logo de
início, captar que o autor não considera o conhecimento apenas na perspectiva de
desenvolvimento de habilidades científicas, mas deseja aprofundar a ideia de que as
diversas modalidades do saber (religioso, afetivo, estético etc) são indispensáveis
quando se trata da relação do homem com o meio onde está inserido e com o qual
realiza uma interação ora produtora, ora produtiva. Cortella empreende,
primariamente, um “passeio” de análise conceitual de homem, indo sucintamente
desde a filosofia antiga grega até o existencialismo moderno, ou seja, do homem
entendido como animal dotado de razão até o devir, fluxo contínuo, no qual está
submerso. Partindo, então, da noção de homem como um animal “não-especializado”
ou imperfeito (não acabado pela natureza), o que o desperta para a questão do
“sentido da vida” e o lança como um “estranho - ser no mundo”, afirma que este “ser -
aí” é o construtor dele mesmo, delineando (não sozinho) o sentido (significação e
direção) de sua fugaz existência. Isso mesmo só é possível graças a sua capacidade
inata de transformação consciente: o homem, dentro de um ambiente não favorável a
sua sobrevivência, logo de início buscada, mas sempre acompanhada da questão do
sentido, realiza, conscientemente, investidas constantes de transformação desse
ambiente objetivando adequá-lo às suas necessidades.
O “mundo humano”, pois produzido e produtor deste ser inacabado, é a
cultura, e o seu instrumento de intervenção consciente é o trabalho. Com isso, Cortella
faz uma afirmação categórica: sendo a cultura o efeito da capacidade de
transformação do ambiente inerente a todo gênero humano, é absurdo supor que haja
alguém que não a tenha, ou esteja fora dela, ou mesmo não seja por ela social e
historicamente formado. Destarte, o homem, que potencialmente já nasce humano,
efetiva/concretiza a sua hominização ao longo das relações sociais e históricas que
tece internamente à cultura da qual faz parte. Chegando a esse ponto, surge de
imediato a questão da precedência e, por consequência, do grau de importância dos
elementos: quem é primário? O homem ou a cultura? Dando como resposta a
simultaneidade, o autor salvaguarda que não se pode conceber um na ausência do
outro.
Da basilar relação citada acima, nascem os produtos culturais, as ideias e as
coisas, interdependentes, pois aquelas não podem ser separadas do ambiente físico
onde o homem realiza sua existência, e estas não podem ser concebidas sem antes
terem sido pensadas pelo homem. Sendo esses produtos úteis para o cotidiano, são
chamados de bens, ou de consumo ou de produção. E o mais importante bem de
produção é o humano e, inseparavelmente dele, a cultura. Como implicação, aquilo
que é fonte e sustento desse vínculo, o conhecimento, é considerado imprescindível
para a existência humana.
Nessa dinâmica, a educação, afirma o autor, é o veículo de produção,
transmissão, modificação e reprodução do conhecimento e de valores. Estes são
inseridos como um produto cultural necessário para o sentido da vida, pois é a partir
dos conceitos que a pessoa humana guia a sua existência. Contudo, como há diversas
culturas e nelas distintas experiências, o significado simbólico dessas referências
existenciais jamais é único, mas sempre múltiplo.
Por ser individual a exteriorização dos valores, mas coletiva a sua construção, a
vida social se configura também como vida política, logo, essa edificação de conceitos
norteadores não pode ser neutra. Visto que as mais diferentes sociedades apresentam
desigualdades em todos os seus níveis, é relevante a influência da classe dominante
sobre as menos abastadas e isso claramente se reflete no campo dos valores,
ocorrendo via convencimento ou imposição que, por sua vez, pode ocorre pela mídia
ou por governos ardentemente guiados por ideologias. Nessa realidade, os processos
pedagógicos, justamente por não serem neutros, ocupam os importantes papeis de
conservadores do conhecimento engendrado por aqueles que, em sua maioria, são
considerados “sem cultura”, e inovadores por unir a educação vivencial à intencional
(escolar).
Por conseguinte, o autor compreende a educação como o meio pelo qual o
homem, imergido em seu cotidiano, extraindo dele saberes e valores, e mediante os
conhecimentos que se propôs a aprender na escola, pode entender a sua realidade e
transformá-la, procurando ser agente do conhecimento e interventor no mundo
humano, na cultura que constrói e que é também por ela formado.

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