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A S ORIGENS DA BASE C ITOLÓGICA

DA H EREDITARIEDADE

Segunda aula Objetivos


(T2) 1. Descrever como e quando foi descoberta a célula.
2. Explicar a idéia central e a importância da teoria celular.
3. Discutir as dificuldades para se identificar os gametas
como células.
4. Descrever os passos que levaram à compreensão da im-
portância do núcleo celular.
5. Identificar as dificuldades para a compreensão do proces-
so de divisão celular.
6. Descrever o raciocínio dedutivo que levou à conclusão de
que a mitose não seria o único tipo de divisão celular.
7. Descrever as meioses masculina e feminina em Ascaris.
8. Explicar o papel da meiose e da fertilização no ciclo de
vida dos organismos.
Texto adaptado de: 9. Listar os principais argumentos que levaram alguns cito-
MOORE, J. A. Science as a Way of Knowing - logistas no final do século XIX a defender a idéia que os
Genetics. Amer. Zool. v. 26: p. 583-747, 1986. cromossomos seriam a base física da herança.

A DESCOBERTA DA CÉLULA sem partes de um musgo em seu microscópio no


dia 8 de abril de 1663. No dia 15 daquele mês o
O nascimento da Citologia pode ser fixado com “Sr. Hooke apresentou dois esquemas
considerável precisão. No dia 15 de abril de 1663, microscópicos, uma representação dos poros da
Robert Hooke (1635-1703) colocou um pedaço cortiça, cortados transversal e perpendicular-
de cortiça sob seu microscópio e mostrou sua es- mente ...”. Esse era o começo de dois séculos de
trutura a seus colegas da Royal Society de Londres. observações e experimentações que estabeleceram
A Royal Society havia sido fundada no ano a Teoria Celular.
anterior com o intuito de melhorar o conheci- As várias observações de Hooke foram reunidas
mento sobre a natureza. Ela reunia uns poucos e publicadas em 1665 com o título de Micrographia,
homens cultos de Londres que se encontravam sob os auspícios da Royal Society. Essa foi a pri-
regularmente, em geral semanalmente, para meira visão geral de uma parte da natureza até então
discutir assuntos científicos e como o conheci- desconhecida. Hooke descreveu e ilustrou muitos
mento poderia ser usado para melhorar as objetos em sua publicação: a cabeça de um alfinete,
atividades práticas. A inspiração para a formação muitos insetos pequenos e suas partes, penas,
da Royal Society veio de uma sugestão anterior “enguias” [nematódeos] do vinagre, partes de muitas
de Francis Bacon. plantas, cabelo, bolores, papel, madeira petrificada,
Hooke, um matemático de excepcional habili- escamas de peixe, seda, areia, flocos de neve, urina,
dade, era um membro muito ativo da Royal So- e, é claro, aquele pedaço de cortiça. (Fig. 1)
ciety. Era costume entre os membros não apenas Hooke imaginou que a cortiça consistia de inú-
discutir mas também realizar experimentos e fazer meros tubos paralelos com divisões transversais:
demonstrações. Havia um grande interesse no “Estes poros, ou células, não eram muito fundos,
novo microscópio que Hooke havia construído e mas consistiam de um grande número de peque-
ele deixou que os membros da sociedade olhas- nas caixas, separadas ao longo do comprimento

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O ESTABELECIMENTO DA TEORIA CELULAR
As células se tornaram verdadeiramente impor-
tantes somente quando foi proposta a hipótese de
que os corpos de todos os organismos eram consti-
tuídos apenas de células ou de produtos de células.
Essa hipótese foi formulada e testada no começo
do século XIX e está associada principalmente a
três cientistas: R. J. H. Dutrochet, Matthias Jacob
Schleiden e Theodor Schwann.
Mas como alguém poderia provar que “os
corpos de todos os organismos são constituídos
apenas de células ou de produtos de células?”
Ao tentar responder essa questão pode-se
aprender algo muito importante sobre ciência. A
Figura 1. Desenhos de cortes de cortiça ao micros- resposta é, obviamente, que não há nenhuma pos-
cópio publicados por Hooke em 1665. sibilidade dessa afirmação ser comprovada. Como
alguém poderia estudar todos os organismos? A
dos tubos por uma tipo de diafragma.” Ele obser- maioria já se extinguiu há muito tempo e não seria
vou estruturas semelhantes em muitos outros nem mesmo possível estudar um indivíduo de
tipos de plantas. Muitos pensam que Hooke des- cada uma das espécies viventes. Qual seria sua
creveu aquelas caixas como vazias e parou por resposta se alguém lhe perguntasse se os corpos
aí. Isso não é verdade, ele observou cortes de dos dinossauros eram constituídos de células?
plantas vivas e verificou que as caixas microscó- Mas lembre-se, tudo o que se pode desejar em
picas eram preenchidas por um suco. ciência é que uma afirmação seja “verdadeira
A presença de células na cortiça e em outras acima de qualquer suspeita.”
plantas poderia ser uma característica geral ou Após as observações iniciais de Hooke, foi
poderia ser restrita a uns poucos tipos de organis- verificado que as células eram uma caracte-
mo. A continuação das pesquisas iria mostrar que rística comum das plantas. Mais e mais plantas
as plantas consistiam inteiramente ou quase intei- de uma quantidade crescente de espécies fo-
ramente de estruturas parecidas, semelhantes a ram estudadas e todas apresentavam estruturas
caixas. Um outro membro da Royal Society, semelhantes a células. Foi observado que essas
Nehemiah Grew (1641 - 1712), publicou uma estruturas microscópicas não tinham todas a
monografia em 1682 que contém muitas pranchas forma de caixa como as células da cortiça.
belíssimas mostrando a estrutura microscópica Descobriu-se que as células podiam ter diversas
das plantas. Com o tempo, a idéia de que os seres formas e tamanhos. Não podemos esquecer que
vivos são formados por células foi estendida para esses microscopistas pioneiros não estavam
os animais. Hooke havia feito uma observação observando células como as entendemos hoje,
interessante que não foi importante na sua época eles observavam paredes celulares.
– ela se tornou uma descoberta importante muito
Schwann e as células nos animais
mais tarde, em função de pesquisas posteriores.
Mais de dois séculos foram necessários para Com poucas exceções, o corpo dos animais
se chegar à conclusão que o conhecimento das não continha estrutura alguma que se parecesse
células era essencial para a compreensão da here- com “células”, isto é, com as paredes celulares
ditariedade. Podemos ter certeza que, quando das plantas. Assim, foi necessário muito trabalho
Robert Hooke sentou-se à frente de seu micros- e imaginação arrojada até tornar óbvio que o con-
cópio, ele não estava interessado em descobrir ceito de célula podia ser aplicado com sucesso
os mistérios da herança. Não havia maior razão aos animais. Isso foi conseguido principalmente
para acreditar que as células tivessem algo a ver por Theodor Schwann (1810-1882) em sua
com a hereditariedade do que, por exemplo, as monografia de 1839, publicada quando ele tinha
cerdas que ele descreveu em detalhe sobre o 29 anos de idade. Algumas de suas ilustrações
corpo de uma pulga. estão reproduzidas na figura 2.

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Schwann enfatizou a gran- A B C
de diferença entre as células
das plantas e o que ele acredi-
tava serem as células dos
animais, mas sugeriu que elas
representavam fundamental-
mente a mesma coisa.
Por que chamar todas essas D F
estruturas tão diversas de E
células?
Procure examinar fotomi-
crografias de diversos tipos de
células de plantas e especial-
mente de animais, ou melhor,
caso tenha oportunidade, ob-
I
serve preparações citológicas
desses tipos no microscópio. H
G
Como é possível dizer que
cérebro, músculos, rins, pul-
mões, sangue, cartilagens,
ossos, parede intestinal etc. Figura 2. Algumas das ilustrações apresentadas por Schwann em sua mono-
são feitos de um mesmo tipo grafia de 1839: A.) células de cebola; B.) de notocorda de um peixe; C.)
de cartilagem de rã; D.) de cartilagem de girino; E.) de músculo de feto de
de elemento? Já que essas
porco; F.) de embrião de porco; G.) de gânglio de rã; H.) de um vaso
estruturas são obviamente tão capilar da cauda de girino; I.) de embrião de porco. Note que o núcleo e os
diferentes, por que afirmar nucléolos estão mostrados em quase todas as células.
que elas são constituídas pelos
mesmos tipos de elementos?
Qual seria a vantagem em se afirmar que as mais importante do que a origem de células alta-
“células” animais correspondiam àquelas mente diferenciadas a partir de células simples.
estruturas com aspecto tão diferente presentes Apenas seis anos antes, em 1833, Robert Brown
nas plantas? (1773 - 1858), o mesmo que descreveu o poste-
Schwann nos fornece a resposta, “Se, no riormente denominado “movimento Browniano”,
entanto, analisarmos o desenvolvimento desses havia descrito a presença de uma auréola circular,
tecidos, então parece que todas essas diversas ou núcleo, em células de orquídeas e de muitos
formas de tecidos são constituídas apenas por outros tipos de plantas. Antes dele, outros observa-
células e são análogas às células das plantas ... dores já haviam visto e desenhado essas estruturas
O objetivo do presente tratado é provar essa idéia em suas publicações, mas não atribuíram nenhuma
por meio da observação.” importância a elas. Brown verificou que muitos tipos
Isto é, apesar da grande diversidade, todas as de célula continham núcleo mas não especulou sobre
estruturas que Schwann propunha chamar de seu significado.
células tinham em comum a característica de se Schwann então mudou as regras para definir
desenvolverem a partir de estruturas muito mais célula. Ao invés de se basear na forma, que nas
simples que podiam ser melhor comparadas com plantas correspondia à estrutura da parede, ele
as células das plantas. Mas, como se poderia escolheu como base para a definição, a presença
definir “célula”? de um núcleo.
Se um neurônio e um leucócito são células, eles Embora Schwann fosse um observador cuida-
devem ter algo em comum para serem reunidos doso, sua principal contribuição não foi o que
em uma mesma categoria. Schwann encontrou ele viu mas como ele interpretou as observações.
um critério: a presença de núcleo, que ele achava Seus antecessores haviam enfatizado as “caixas”;

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Schwann deu ênfase ao que estava dentro das mento, Spallanzani filtrou o sêmen e verificou que,
“caixas”. Para ele a célula animal era uma porção com isso, ele perdia seu poder fecundante. Ele obser-
de matéria viva envolta por uma membrana e vou o que hoje chamamos de espermatozóides, mas
contendo um núcleo, enquanto que as células não os considerou essenciais para a reprodução.
vegetais eram ainda envoltas por uma parede. Foi somente em 1854 que George Newport,
O que essa nova visão de célula tem a ver com usando rãs, forneceu boas evidências de que os
hereditariedade? Muito pouco, tem que se admitir. espermatozóides entram no óvulo durante a fecun-
Seriam necessárias outras duas informações antes dação (Nesse caso, como em muitos outros, é difícil
que as células pudessem ser consideradas impor- dar crédito ao cientista que descobriu um importante
tantes para a hereditariedade: a descoberta de que fenômeno biológico. Afinal, o descobridor do esper-
os gametas são células e o reconhecimento de que matozóide, Leeuwenhoek, havia pensado que o
células só se originam de células pré-existentes. espermatozóide era o agente da fertilização. Outros
antecessores de Newport eram da mesma opinião,
O reconhecimento dos gametas como células
mas foi Newport quem fez as primeiras observações
Schwann reconheceu os óvulos como células, convincentes. Em 1841, Kölliker estudou a
uma vez que eles apresentavam a estrutura reque- histologia dos testículos verificando que algumas
rida por sua definição de célula – o núcleo. A das células testiculares eram convertidas em esper-
natureza do espermatozóide era menos clara. Seu matozóides. Os espermatozóides tinham uma
nome, que significa “animais do esperma”, indica- aparência tão estranha que não eram considerados
va essa incerteza. Em 1667, Antonie van Leeu- células. No entanto, quando se pôde demonstrar
wenhoek havia descoberto e comunicado à Royal que eles se originavam de células típicas, sua
Society de Londres que o fluido seminal continha verdadeira natureza tornou-se evidente. Os esper-
criaturas microscópicas que ele imaginou que matozóides passaram então a ser considerados como
entrassem no óvulo causando sua fertilização. células altamente modificadas.
Essa hipótese foi muito contestada e alguns cien- Vejamos o que se pode concluir dessa análise:
tistas imaginaram que os espermatozóides fossem 1. Os gametas são a única ligação física entre as
parasitas. Na décima segunda edição do livro gerações, pelo menos em muitos organismos
Systema Naturae (1766 - 1768), Linnaeus tentou e possivelmente em todos.
classificar os “animais” encontrados no esperma 2. Portanto, os gametas devem conter toda a
por Leeuwenhoek, mas concluiu que a determi- informação hereditária.
nação de seu lugar correto no sistema de clas- 3. Uma vez que óvulos e espermatozóides são
sificação deveria ser deixado para quando eles células, toda informação hereditária precisa
tivessem sido mais pesquisados. estar contida nestas células sexuais. Portanto,
Cerca de um século mais tarde, em 1784, Spal- a base física da herança são as células sexuais.
lanzani realizou importantes experimentos com o
objetivo de determinar a função do sêmen na Isto não permite concluir que todas as células
reprodução de rãs. Durante o acasalamento, os contenham informação hereditária. Poderíamos
machos abraçam as fêmeas e, como sabemos atual- ainda pensar que os gametas são células
mente, depositam esperma sobre os óvulos à medida especializadas onde os fatores responsáveis pela
que estes saem pela abertura cloacal. De início, herança, talvez as gêmulas, entram. Nós ainda
Spallanzani não sabia disso, foi ele quem descobriu. necessitamos de uma segunda informação: “Qual
Um outro pesquisador com quem ele se corres- é a origem das células?”
pondia havia tentado, sem muito sucesso, descobrir
Omnis cellula e cellula
o papel das rãs machos vestindo-as com calças. Spal-
lanzani repetiu esse experimento e verificou que, A divisão celular foi observada em 1835, mas,
quando o sêmen ficava retido nas calças, os ovos nessa época, não se concluiu que fosse um fenômeno
não se desenvolviam. No entanto, se os ovos fossem geral. Schwann, por exemplo, acreditava que as
colocados em contato com o sêmen retirado das células podiam surgir espontaneamente por agluti-
calças, em um processo de fecundação artificial, eles nação de substâncias amorfas. Essa hipótese assumia
passavam a se desenvolver. Em um outro experi- que a origem das células é um evento episódico no

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ciclo de vida dos organismos. Se isso fosse verdade, O DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO
a unidade da hereditariedade seria o organismo todo E A CITOLOGIA
e não a célula.
A hipótese de Schwann sobre a origem das Durante a maior parte da história da humani-
células foi logo rejeitada, uma vez que a divisão dade as pessoas se basearam quase que inteira-
celular estava sendo observada com freqüência mente em seus órgãos dos sentidos para obter
em uma variedade de organismos e em diferentes informações sobre o ambiente. Cada um de nossos
épocas do desenvolvimento. Mais e mais investi- órgãos sensoriais detecta apenas uma pequena
gadores começavam a suspeitar que a divisão porção da ampla gama de estímulos possíveis.
celular era o único mecanismo para a produção Nossos olhos, por exemplo, só conseguem res-
de novas células. ponder à porção do espectro eletromagnético
Essa foi uma hipótese muitíssimo difícil de se entre o violeta e o vermelho de modo que só
provar acima de qualquer suspeita. Os micros- conseguimos ver os comprimentos de onda en-
cópios e as técnicas para se estudar as células, no tre essas duas cores. Para detectar comprimentos
começo do século XIX, eram muito inadequados de onda menores, como luz ultra-violeta, raios-
e foi preciso muita observação em diferentes tipos X e raios cósmicos, ou comprimentos de onda
de organismos e de tecidos antes que Rudolph maiores, como luz infra-vermelha e ondas de
Virchow pudesse, em 1855, cunhar sua famosa rádio, precisamos utilizar instrumentos especiais.
frase omnis cellula e cellula (“toda célula vem A olho nu não conseguimos visualizar em
de célula”) e que ela fosse amplamente aceita. detalhe nem mesmo objetos em movimentação
Em uma conferência proferida em 1858 ele apre- rápida. As lâminas de um ventilador em movi-
sentou a idéia de que uma célula só surge de outra mento rápido são vistas como um círculo contínuo
célula pré-existente. e uma bala que sai de um rifle é totalmente invisí-
É claro que nem todos concordaram com a vel para nós. Também não conseguimos ver
idéia de Virchow de que todas as células e todos objetos muito pequenos. A aparente uniformi-
os organismos originavam-se de células e de orga- dade de uma ilustração com meios-tons resulta
nismos pré-existentes. Muitos pesquisadores do fato de os pontos individuais estarem tão jun-
continuavam a acreditar que células podiam se tos que o olho humano não consegue distingui-
originar de novo e apresentavam o que pareciam los. Os faróis de um automóvel aparecem como
ser observações acuradas para provar isso. Alguns um único ponto de luz até uma certa distância; à
acreditavam até mesmo que organismos comple- medida que o automóvel se aproxima, somos
tos podiam se originar de novo. Pasteur e a acei- capazes de resolver o ponto único de luz em dois.
tação geral de que geração espontânea não pode O poder de resolução do olho humano, ou seja,
ocorrer ainda estavam no futuro. Mesmo assim, sua capacidade de distinguir dois pontos muito
as duas hipóteses apoiadas por Virchow foram próximos, é da ordem de 100 micrômetros a uma
testadas em um número crescente de pesquisas distância normal de leitura; a maioria das pessoas
e, gradualmente, elas se estabeleceram como uma com visão normal distingue dois objetos
verdade acima de qualquer suspeita. separados por um espaço de um milímetro a uma
Não restando, portanto, dúvida alguma de que distância de 10 metros. Uma afirmação mais geral
a hereditariedade está baseada na continuidade é que o olho humano pode distinguir dois objetos
celular, podemos trabalhar agora com a hipótese separados por um arco de 1 minuto. Esse valor
de que toda informação hereditária está contida foi determinado por Robert Hooke que estava
não apenas nas células germinativas mas também, preocupado em saber qual seria a menor distância
muito provavelmente, nas células a partir das entre duas estrelas para que elas fossem vistas
quais elas se formam – e em todas elas até o como dois objetos separados. Quando elas
zigoto. Igualmente possível é a hipótese de que estavam a uma distância menor do que um arco
todas as células contenham a informação heredi- de 1 minuto, a maioria das pessoas as via como
tária necessária para o desenvolvimento do indiví- um único ponto de luz. Algumas pessoas podem
duo e à sua transmissão, via células sexuais, para ver melhor do que isso, mas o poder máximo de
a geração seguinte. resolução de nosso olho é de 26 segundos de arco.

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Quase todas as células são muito pequenas lâminas cortantes ou em um instrumento
para serem vistas a olho nu, de modo que a Cito- construído para essa finalidade – o micrótomo.
logia não foi possível, nem mesmo teoricamente, Mesmo essas fatias finíssimas podiam revelar
antes da invenção do microscópio – o que ocorreu muito pouco; as células e seus conteúdos internos
provavelmente na última década do século XVI. eram indistinguíveis. Mas aqueles microscopistas
Um tempo relativamente longo se passou entre inventivos tentavam de tudo e logo descobriram
essa invenção e 1663, quando Hooke fez a que alguns corantes tingiam certas partes das
demonstração daqueles pedaços de cortiça para células mas não outras.
os membros da Royal Society. Na verdade, fo- Em 1858, Gerlach descobriu que uma solução
ram poucos os trabalhos sérios e contínuos com diluída de carmim corava mais intensamente o
microscópios antes do século XIX. Durante a núcleo do que o citoplasma das células. Essa
maior parte de sua história, os microscópios não substância era obtida dos corpos secos da fêmea
passaram de brinquedos de adultos. de um inseto (Coccus cacti), conhecido popular-
O pequeno tamanho das células não é o único mente como cochonilha-do-carmim, que vive em
problema que dificulta seu estudo. A maioria dos cactos na América Central e sudoeste dos Estados
animais e de seus tecidos é opaca e, uma vez que Unidos. Em 1865, Böhmer descobriu que a
a observação através do microscópio composto hematoxilina, extraída do tronco de uma árvore
é mais efetiva quando os objetos são iluminados (Haematoxylon campechianum) da América Cen-
com luz transmitida, o objeto a ser estudado tral, também tinha maior afinidade pelo núcleo
precisa ser muito fino ou cortado em fatias bem do que pelo citoplasma.
finas de modo que a luz possa atravessá-lo. Ima- Mais tarde foi sintetizada uma grande
gine tentar cortar fígado, por exemplo, em fatias variedade de anilinas para a indústria téxtil e, entre
com cerca de 10 micrômetros de espessura, para 1875 e 1880, muitas delas mostraram-se úteis
que fosse possível estudá-lo no microscópio. para corar células. Uma dessas anilinas era a
Além da quase impossibilidade de se fazer isso, eosina, que mostrou ter uma grande afinidade por
as células hepáticas, constituídas principalmente proteínas citoplasmáticas. Um procedimento de
de água, iriam secar rapidamente, tornando-se coloração citológica corriqueiro até hoje usa
uma massa enrugada. Esse é um problema espe- hematoxilina e eosina (HE) e cora o núcleo em
cial com as células animais que não possuem uma azul e o citoplasma em laranja.
parede de suporte como as células das plantas. Da mesma forma, houve melhoria dos micros-
Métodos muito especiais tiveram que ser cópios disponíveis para pesquisas citológicas, princi-
desenvolvidos pelos microscopistas do início do palmente no final do século XIX. Muitas delas fo-
século XIX quando eles quiseram aprender sobre ram introduzidas por Ernst Abbe (1840-1905) e pela
a natureza celular dos organismos e, mais tarde, indústria óptica Zeiss em Jena, na Alemanha. Abbe
sobre a estrutura interna das próprias células. foi, durante a maior parte de sua vida, professor de
Tornou-se uma prática comum tentar preservar Física na Universidade em Jena e o principal
os tecidos de tal maneira que a estrutura de suas projetista de lentes da companhia Zeiss, da qual se
células permanecesse intacta e que eles pudessem tornou dono. Em 1878, ele desenvolveu a objetiva
ser cortados em fatias finíssimas. de imersão em óleo e, em 1886, a objetiva apocro-
O primeiro passo foi a fixação. Ela consistia mática. Essas melhorias nas mãos de um microsco-
em tratar o material com álcool, com formaldeído, pista habilidoso tornava possível a obtenção de
ou com soluções de ácido pícrico, de bicromato ampliações de até 2500 vezes. O microscópio
de potássio, de cloreto de mercúrio ou de tetró- fotônico estava chegando ao limite de seu poder de
xido de ósmio. Essas substâncias matam e resolução teórico. Esse limite é imposto pela própria
endurecem as células, em geral, por coagular suas natureza da luz; isto é, dois objetos só podem ser
proteínas. Esperava-se, é claro, que isso aconte- resolvidos se a distância entre eles for, pelo menos,
cesse de tal forma que as partes das células conti- igual à metade do comprimento da onda utilizado.
nuassem a guardar uma certa semelhança com as Oportunidades adicionais para se estudar a
da célula viva. estrutura fina das células estavam ainda para vir
O tecido fixado podia então ser embebido em com a invenção do microscópio de contraste-de-
parafina para ganhar sustentação e ser fatiado com fase e do microscópio eletrônico, no século XX.
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Veremos a seguir como os microscopistas do último O QUE EXISTE NAS CÉLULAS?
terço do século XIX foram capazes de usar a
tecnologia disponível na época e estabelecer, como Durante a última metade do século XIX, a
uma hipótese altamente provável, que a base física hipótese de que os animais e plantas são
da hereditariedade está no núcleo da célula, ou mais compostos somente de células e produtos
especificamente nos cromossomos. celulares estava estabelecida como uma verdade
Não devemos ficar imaginando que esses acima de qualquer suspeita nas mentes da
investigadores não faziam outra coisa senão maioria dos microscopistas competentes. Nós
examinar células vivas e fixadas com o melhor podemos falar, então, da teoria celular, usando o
equipamento óptico disponível, descrevendo do termo “teoria” como um corpo completo de
modo mais preciso o que viam. Um problema dados, hipóteses e conceitos relativos a um impor-
constante era se uma dada estrutura observada tante fenômeno natural. Até hoje a teoria celular
em uma preparação citológica refletia ou não algo é o mais importante conceito relacionado com a
presente na célula viva, ou se era um simples arte- estrutura de animais e plantas e no século XX ele
fato resultante do drástico tratamento a que as foi sendo gradualmente aceito também como o
células eram submetidas para poderem ser mais importante conceito relativo ao funciona-
observadas no microscópio. mento dos organismos.
Uma preparação citológica realmente reflete Essa enorme importância da teoria celular
a estrutura de uma célula viva? A resposta é “Não decorre do fato de ela estabelecer que as células
muito”; mas se o tratamento produz sempre o são as unidades básicas de estrutura e função,
mesmo resultado é possível imaginar como eram que elas são as menores unidades capazes de ter
as preparações quando vivas. Apesar disso, vida independente, isto é, são capazes de usar
nenhuma descoberta importante em Citologia no substâncias obtidas do meio para manter e
século XIX foi aceita de imediato. As observações produzir o estado vivo. A célula é o denominador
eram repetidas e as conclusões originais confir- comum da vida.
madas por uns e contestadas com veemência por Existia uma outra razão importante para se
outros. Uma interpretação errada podia fazer com estudar as células: a análise dos níveis mais sim-
que muitos citologistas perdessem meses na ples de organização contribuem para o enten-
tentativa de repetir as observações. Aconteciam dimento dos níveis mais complexos. As interações
debates intermináveis sobre a estrutura fina do das substâncias químicas são melhor entendidas
protoplasma uma vez que, como era admitido, quando se conhece sua estrutura molecular. Os
estava-se olhando para a base fundamental da movimentos do corpo humano podem ser
vida. Muitos citologistas acreditavam que o estudados em muitos níveis. Pode-se observar e
protoplasma fosse granular, ou um retículo descrever os complexos movimentos de um
fibroso, ou alveolar (composto de gotas) ou bailarino ou de um arremessador de beisebol. A
alguma combinação disso. compreensão aumenta quando se obtém
A Citologia como um caminho para o conheci- informações sobre os diversos músculos e seus
mento, especialmente no século XIX, nos mostra locais de ligação, que tornam os movimentos
que a ciência não progride de maneira ordenada possíveis. Outros tipos de entendimento surgem
mas por meio de testes e retestes constantes das quando se estuda os músculos no nível molecu-
observações, dos experimentos e das hipóteses. lar. E, finalmente, mais informações ainda são
Longe de ser uma linha direta em direção à obtidas quando se aprende sobre a atividade da
verdade, esse caminho assemelha-se mais àquele miosina, da actina e de outras moléculas que parti-
retículo que alguns viam como a estrutura básica cipam da movimentação dos músculos.
do protoplasma. (Devemos ressaltar que o termo O conhecimento obtido em cada nível de
protoplasma é raramente utilizado nos dias de organização contribui para um entendimento do
hoje. Uma vez que ele significa nada mais do que fenômeno como um todo, enquanto cada nível
“substância viva”, Hardin [1956] sugeriu que mantém seu próprio valor. Entender a arte de um
poderíamos passar sem ele.) bailarino ou de um esportista meramente com o

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conhecimento sobre actina e miosina seria tão de 1870, alguns pesquisadores famosos acre-
impossível quanto predizer as propriedades da água ditavam que pelo menos alguns núcleos podiam
a partir do conhecimento sobre os elementos ter uma origem não-nuclear.
hidrogênio e oxigênio. No entanto, pode-se conhecer Nessa mesma época, outros pesquisadores
melhor os níveis mais complexos se conhecermos igualmente competentes estavam clamando que
os mais simples. Assim, os biólogos do século XX todos os núcleos surgiam de núcleos pré-
já pensavam que poderiam saber mais sobre a vida existentes. Diversos processos foram sugeridos
se conhecessem melhor as células. – em geral alguma forma de partição em dois ou
Quando examinavam as células, aqueles citolo- fragmentação, um mecanismo que mais tarde foi
gistas pioneiros encontravam todo tipo de esferas, denominado amitose.
de grânulos e de fibras. Como seria possível Não havia nenhuma razão, é claro, porque os
determinar qual dessas estruturas teria um papel núcleos teriam de surgir por apenas um tipo de
na hereditariedade? Ou melhor, como seria mecanismo. Considerando a enorme variedade de
possível determinar a função de qualquer estru- fenômenos naturais, não seria surpresa se
tura presente nas células? houvesse diversas maneiras de surgimento de
Essa é uma questão difícil e os citologistas núcleos. No entanto, os cientistas procuram regu-
daquela época não conseguiam respondê-la. Eles laridades na natureza e seria mais satisfatório
não podiam fazer outra coisa senão investigar as intelectualmente se houvesse um mecanismo
células de modo aleatório. Este foi um estágio constante para a origem do núcleo.
necessário no desenvolvimento da Citologia – a
identificação de estruturas nas células e, quando
possível, descobrir alguma coisa sobre seu A DESCOBERTA DA DIVISÃO CELULAR
comportamento. Aparentemente se pesquisavam Em 1873, A. Schneider publicou o que agora
células de todo animal e planta disponível à pode ser tomado como a primeira descrição
procura de exemplos de estruturas celulares e, razoável das complexas alterações nucleares, hoje
um a um, todos os reagentes disponíveis nas chamadas de mitose, que ocorrem durante a
estantes dos químicos foram colocados sobre as divisão da célula. Neste ano, Otto Bütschi e Her-
células e suas conseqüências observadas – em mann Fol fizeram descrições semelhantes.
geral matavam as células. Esse período da Cito- A descrição de Schneider foi a mais completa;
logia foi de “procura e destruição.” seu objetivo era descrever a morfologia de
Mesostoma sp., um platelminto. Quase todo seu
O núcleo efêmero trabalho é dedicado à estrutura desse verme mas,
Como mencionado anteriormente, as dificul- sendo um observador cuidadoso, ele descreveu
dades em se analisar células vivas fizeram das tudo o que viu. A fertilização em Mesostoma sp.
preparações fixadas e coradas o material ideal de é interna e o início do desenvolvimento ocorre
estudo. Nesse tipo de preparação, a estrutura mais em um útero. As ilustrações do que ele viu estão
proeminente é o núcleo descrito por Brown. mostradas na figura 3.
Muitos corantes, especialmente os corantes Os primeiros desenhos mostram o ovo
básicos como o carmim e a hematoxilina, coravam rodeado por células foliculares. Na região bem
o núcleo profundamente; isto, juntamente com a central está o pequeno núcleo com seu pequeno
aparente presença universal do núcleo, sugeria nucléolo. As estruturas espirais são espermato-
que ele tivesse um papel importante. zóides. O ovo é a área clara central da ilustração
Mas qual seria a origem do núcleo da célula? e os glóbulos menores ao seu redor são as células
Levou mais de meio século de observações e foliculares, que não foram representadas nos
experimentações por parte de numerosos pesqui- desenhos seguintes. Pouco antes da célula se divi-
sadores para que essa questão fosse respondida. dir o limite do núcleo se torna indistinto. Schnei-
Em 1835, Valentin sugeriu que o núcleo seria der, no entanto, verificou que com a adição de
formado pela precipitação de substâncias no in- um pouco de ácido acético ele se tornava visível,
terior da célula. Três anos mais tarde, Schleiden apesar de dobrado e enrugado. Mais tarde o
e, em seguida, Schwann também sugeriram que nucléolo desaparecia e tudo o que restava do nú-
o núcleo podia se originar de novo. Até por volta cleo era uma área clara na região central da célula.
21
Figura 3. Ilustrações de Schneider (1873) das alterações nucleares durante a clivagem do ovo
de Mesostoma. À esquerda, desenho de um ovo (zona clara central, onde se vê o núcleo com
um nucléolo) rodeado por células foliculares. As outras figuras mostram os filamentos, hoje
chamados de cromossomos, e seus movimentos durante a divisão da célula.

No entanto, o tratamento com ácido acético mos- aumentar e quando a célula se dividia eles iam
trava uma massa de filamentos delicados e curvos. para as células-filhas.
O segundo desenho mostra esses filamentos, os O que alguém faria com essas observações?
cromossomos (um termo que só seria proposto A resposta está longe de ser clara. Se não era
em 1888, por Waldeyer) alinhados em uma placa possível ver os filamentos nas células vivas e, se
equatorial. A quantidade de filamentos parecia eles apareciam repentinamente quando as células

Figura 4. Ilustrações de
Flemming de mitoses em
células fixadas e coradas de
embrião de salamandra. A.)
Duas células em intérfase:
A B não existem cromossomos
visíveis. B.) Célula em pró-
fase: os nucléolos já desapa-
receram, mas a membrana
nuclear continua intacta; o
citoplasma não está mostra-
do. C.) Célula em início de
metáfase: a membrana nu-
clear desapareceu e os cen-
trossomos se separaram. D.)
Uma preparação de
excelente qualidade, onde se
C D vê os cromossomos meta-
fásicos duplos, isto é, com-
postos por duas cromátides.
E.) As cromátides se sepa-
ram e se movem para os
pólos do fuso. F.) Célula em
final de divisão com os
cromossomos dos núcleos-
filhos sendo envolvidos pela
E F membrana nuclear. (Flem-
ming, 1882)

22
Figura 5. Ilustrações de Flemming de mitose em células vivas de larva de salamandra. Os desenhos estão
organizados em seqüência, começando com a prófase, no canto superior à esquerda, e terminando com duas
células, na fileira inferior. Os dois últimos desenhos mostram os cromossomos vistos do pólo da célula e uma
telófase em vista lateral, respectivamente. O desenho mais à direita na segunda fileira mostra que os
cromossomos estão duplos. (Flemming, 1882)

eram tratadas com ácido acético, não seria pios muito melhores do que os existentes ante-
razoável pensar que eles fossem um artefato? No riormente. O uso de células vivas, além de dar a
entanto, o fato de os filamentos serem obser- confiança de que o observado era real e não
vados repetidamente, e de eles parecerem sofrer artefato, permitiu também determinar a seqüência
estranhos movimentos, sugeria que já estivessem dos eventos.
presentes na célula viva, numa forma invisível.
As fases da mitose
Flemming teve sucesso em determinar que os
eventos nucleares observados na célula em divisão Costuma-se dizer que um núcleo que não está
em materiais fixados e corados tinham sua sofrendo divisão encontra-se em repouso. Esse
contrapartida na célula viva. Apesar de não ter é um termo infeliz pois sugere inatividade e hoje
descoberto a mitose, devemos a ele mais do que nós sabemos que a maior atividade fisiológica do
a qualquer outro o conceito de mitose que temos núcleo acontece durante esse período. Flemming
hoje; apenas detalhes do processo foram adicio- não viu cromossomos nos núcleos em “repouso”
nados à sua descrição. (Fig. 4 e 5) de células vivas. Esses núcleos pareciam não ter
O sucesso de Flemming foi conseguido graças nenhuma estrutura interna. Quando essas células
a alguns fatores: material que ele selecionou para eram fixadas e coradas via-se que seus núcleos
seu estudo; ter sido cuidadoso em procurar nas continham uma rede densa com grande afinidade
células vivas as estruturas observadas nas células por certos corantes, além de um ou dois grânulos
fixadas e coradas; ter à sua disposição microscó- esféricos, os nucléolos.

23
Mudanças no núcleo são as primeiras evidên- receba seu lote de cromossomos isto deve indicar,
cias que a mitose está a caminho. No núcleo vivo, sem muita dúvida, que um mecanismo tão elabo-
aparentemente desprovido de estruturas, apare- rado e preciso para duplicação e distribuição é
cem longos e delicados fios. Quando eles podem de importância fundamental. E o que pode ser
ser vistos, é o começo da prófase. (A mitose é mais importante do que assegurar que os ele-
um processo contínuo; ela é dividida em fases mentos controladores da hereditariedade e da vida
pelos citologistas apenas com o intuito de facilitar de cada célula cheguem até elas?
sua descrição.) Esses fios se condensam em Mas alguém pode responder que, sendo as
cromossomos que se posicionam no meio da células-filhas idênticas à célula-mãe, todos os
célula na metáfase, época em que a membrana produtos celulares são reproduzidos. Pode-se
nuclear já desapareceu. Em células coradas pode- argumentar que é mero acidente que o processo
se ver que os cromossomos estão presos a um de reprodução e distribuição seja mais facilmente
elaborada estrutura fibrosa – o fuso. Células observado nos cromossomos. Não existe razão,
coradas podem mostrar também a presença de portanto, para não assumirmos que cromosso-
minúsculos grânulos nas extremidades do fuso – mos, membranas celulares e todos aqueles
os centríolos. Elas podem mostrar também um grânulos e glóbulos observados no citoplasma
outro conjunto de fibras, os raios astrais, que possam ter igual chance de estarem envolvidos
irradiam dos centríolos. Durante a anáfase das na hereditariedade.
células vivas, os cromossomos se separam em
dois grupos que se movem através do fuso para A DESCOBERTA DA MEIOSE
pólos opostos da célula. Quando os cromossomos Flemming e muitos outros citologistas seus
atingem as extremidades do fuso, é a telófase. contemporâneos estavam considerando que as
Os cromossomos nas células vivas se tornam cada divisões mitóticas do núcleo aconteciam em toda
vez menos distintos e a membrana nuclear se divisão celular. A reunião de inúmeras obser-
refaz. O núcleo está de novo em “repouso”. O vações em células de um grande número de
que se pode concluir desse processo? espécies de plantas e animais permitia que se
É óbvio que todas as estruturas celulares fizesse esta afirmação geral. Note que isso é um
precisam ser reproduzidas para que as células- bom exemplo de indução.
filhas sejam idênticas à célula-mãe. Flemming foi Nós podemos agora usar essa afirmação
capaz de explicar como isso acontece para os geral como uma hipótese a ser testada. Isto é,
cromossomos. Se os cromossomos de uma célula nós podemos partir para um raciocínio dedu-
vão ser divididos igualmente entre as células- tivo. Por exemplo: se a hipótese de que o
filhas, eles precisam dobrar em número em algum núcleo sempre divide por mitose for verdadeira,
estágio do ciclo celular. Flemming observou que, então o número de cromossomos deve dobrar
quando os cromossomos aparecem pela primeira a cada geração. Isso seria inevitável. Como os
vez no início da prófase eles já estão duplos; núcleos do óvulo e do espermatozóide se unem
assim, em algum momento entre seu desapareci- na fertilização, caso eles se formassem por
mento na telófase e seu reaparecimento na pró- mitose, o zigoto deveria ter duas vezes o
fase, cada cromossomo deve ter se duplicado. número de cromossomos de seus genitores.
Hoje, é claro, nós consideramos os cromos- Mas isso não acontece: Flemming e outros
somos como estruturas permanentes nas células citologistas estavam cientes de que o número de
mesmo sendo eles visíveis apenas na mitose. Nós cromossomos parecia ser o mesmo em todos os
também reconhecemos a individualidade dos indivíduos e em todas as gerações de uma espécie.
cromossomos, isto é, que eles existem em geral Obviamente existe um problema com essa
em pares homólogos, cada par contendo um hipótese. Deveria haver algum mecanismo que
conjunto específico de genes. Essas conclusões reduziria o número de cromossomos antes ou
poderiam ter sido tiradas a partir das observações durante a fertilização. Seria possível supor que,
de Flemming? Na verdade não. E as hipóteses a quando os núcleos do óvulo e do espermatozóide
seguir, poderiam ser refutadas? se fundiam na fertilização, os cromossomos tam-
Você poderia argumentar o seguinte: como o bém se fundiriam uns com os outros, sendo que
processo mitótico assegura que cada célula-filha metade de cada um deles seria destruída. Uma
24
Fig. 33 Fig. 36 Fig. 42

Fig. 43 Fig. 46
Fig. 45

Figura 6. Ilustrações da meiose em fêmea de Ascaris. Anteriormente às etapas mostradas nos desenhos, os
cromossomos haviam se duplicado e se emparelhado, formando duas tétrades. Estas se separaram na primeira divisão
meiótica e duas díades foram para o primeiro corpúsculo polar, enquanto que as outras duas permaneceram nos
óvulos. Isto é mostrado no desenho 33 de Boveri. No desenho 36, as díades estão em rotação antes da sua separação
na segunda divisão meiótica. O segundo corpúsculo polar pode ser visto na posição correspondente à das duas horas.
Os desenhos 42 e 43 mostram as díades se separando. No desenho 45, a segunda divisão já terminou e o segundo
corpúsculo polar com seus dois cromossomos aparece na superfície do óvulo; o primeiro corpúsculo polar está acima
dele. Os dois cromossomos no óvulo estão para formar o pró-núcleo feminino. O desenho 46 mostra o primeiro
corpúsculo polar na posição correspondente à das 3 horas, o segundo corpúsculo polar na superfície do óvulo, na
posição correspondente à das 12 horas, o pró- núcleo.

hipótese alternativa é que ocorresse redução do está contida no núcleo das células germinativas,
número de cromossomos durante a formação dos no filamento enovelado no interior do núcleo
óvulos e dos espermatozóides nas gônadas. [alguns citologistas pensavam que os
cromossomos formavam um fio contínuo ou
O significado dos corpúsculos polares. espirema durante a interfase], que em certos
Vários pesquisadores tinham descrito, em períodos aparece na forma de alças ou barras
diversas espécies animais, a eliminação de minús- [estes eram os cromossomos nos estágios
culas esferas na região do pólo animal do óvulo, mitóticos]. Nós podemos, além disso, considerar
por ocasião da fertilização. Essas esferas logo que a fertilização consiste no fato de um número
desapareciam e, como pareciam não ter função igual de alças [cromossomos] de cada genitor
alguma, foram denominadas corpúsculos polares. ser colocado lado a lado, e que o núcleo do zigoto
Observou-se também que na partenogênese for- é composto desta maneira. No que diz respeito a
mava-se um único corpúsculo polar, mas que nos esta questão, não tem importância se as alças
óvulos fertilizados eles sempre pareciam ser dois. [cromossomos] dos dois pais se misturam mais
Em algumas espécies, um corpúsculo era formado cedo ou mais tarde ou se permanecem separadas.
antes da fertilização e um segundo, depois da A única conclusão essencial necessária à nossa
entrada do espermatozóide. Em outras espécies, hipótese é que a quantidade de substância
os dois corpúsculos polares eram formados após hereditária fornecida por cada um dos genitores
a fertilização. (Fig. 6) seja igual ou aproximadamente igual entre si.
Em 1887, August Weismann propôs uma Se for assim, as células germinativas dos
hipótese para explicar a constância da quanti- descendentes conterão os germoplasmas de am-
dade de material hereditário de uma geração bos os pais unidos, isso implica que tais células
para outra. Com base na observação de muitos só podem conter metade do germoplasma
citologistas, ele diz: “pelo menos um certo paterno, como estava contido nas células ger-
resultado sugere que exista uma substância minativas do pai, e metade do germoplasma
hereditária, um material portador de materno, como estava contido nas células
tendências hereditárias, e que esta substância germinativas da mãe.”

25
Weismann acreditava que a redução à metade divisões celulares diferentes durante a formação
do material hereditário da mãe, necessária à sua dos gametas, as quais resultam na redução do
hipótese, ocorria quando o segundo corpúsculo número de cromossomos à metade – como Weis-
polar era formado. Diz ele: “Minha opinião sobre mann previu que deveria acontecer. Estas duas
o significado do segundo corpúsculo polar é, em divisões são divisões mitóticas modificadas e fo-
poucas palavras, esta: a redução do germo- ram denominadas divisões meióticas – os nomes
plasma acontece na sua formação, uma redução são tão parecidos que continuam a causar
não só em quantidade, mas sobretudo na comple- problema para os estudantes até hoje. Na
xidade de sua constituição. Por meio da segunda descrição que se segue, utilizaremos a
divisão nuclear, evita-se o acúmulo de diferentes terminologia moderna.
tipos de tendências hereditárias ou germoplas- O ovário de Ascaris começa a se formar no
mas que, sem isso, seria necessariamente produ- início do desenvolvimento e o extraordinário
zido em excesso pela fertilização. Com o núcleo aumento no número de suas células é conseqüên-
do segundo corpúsculo polar são removidos do cia de divisões mitóticas. Cada núcleo tem quatro
óvulo tantos tipos diferentes de idioplasmas [um cromossomos, o número diplóide, e pode-se notar
termo usado na época para designar o material que cada cromossomo aparece duplo já no início
hereditário] quantos serão posteriormente da prófase. Nessa fase, eles estão formados por
introduzidos pelo núcleo do espermatozóide; duas cromátides, indicando que eles se duplicaram
assim, a segunda divisão do núcleo do óvulo antes do início da divisão. Na mitose, as oito
serve para manter constante o número de cromátides são divididas entre as duas células-
diferentes tipos de idioplasmas, que compõem o filhas, o que resulta em quatro cromossomos em
germoplasma durante o curso das gerações.” cada uma delas.
E, se a constância é mantida de geração a À medida que a fêmea de Ascaris amadurece,
geração, Weismann supõe que um processo simi- seu ovário passa a conter células aumentadas, as
lar precisaria ocorrer no macho. Ele diz: “Se o ovogônias, ainda com o número diplóide de
número de germoplasmas ancestrais contido no cromossomos. A célula reprodutiva feminina
núcleo do óvulo destinado para a fertilização permanece diplóide até ser libertada do ovário e
deve ser reduzido à metade, não pode haver penetrada pelo espermatozóide. É somente então
dúvida que uma redução semelhante também que a meiose começa e os corpúsculos polares
deve ocorrer, em alguma época e de alguma são formados. A figura 6 (de Boveri, 1887)
maneira, nos germoplasmas das células germi- mostra o que acontece.
nativas do macho.” No começo da meiose, cada um dos quatro
Na época em que essas surpreendentes longos cromossomos da ovogônia encurta e toma
predições foram feitas (surpreendentes porque se o aspecto de uma pequena esfera. Estes quatro
mostraram essencialmente corretas) os citolo- cromossomos então se juntam em pares, um
gistas estavam encontrando evidências que as processo conhecido como sinapse. Quando isso
apoiavam. A observação mais importante estava ocorre, cada um dos cromossomos já está dupli-
sendo feita no verme nematóide Ascaris, que tem cado, pois a duplicação ocorreu na intérfase
a grande vantagem de possuir poucos cromos- precedente. Assim, a célula em início de meiose
somos e de grande tamanho, o que os torna fáceis terá dois grupos com quatro cromátides cada.
de serem estudados. Cada um desses grupos é denominado tétrade.
As tétrades se separam em uma divisão celular
Meiose na fêmea de Ascaris altamente desigual que resulta em um pequeno
corpúsculo polar e uma célula grande, o futuro
Na penúltima década do século XIX, foram óvulo. Cada uma dessas duas células contém dois
feitas importantes contribuições para o entendi- cromossomos duplicados. Portanto, cada tétrade
mento da formação dos gametas e da fertilização. foi dividida em duas díades.
Três citologistas merecem referência especial: Na segunda divisão meiótica, observa-se uma
Edouard van Beneden (1846-1912), Theodor característica essencial da meiose: os cromos-
Boveri (1862-1915) e Oskar Hertwig (1849- somos não são duplicados. Então, cada díade se
1922). Eles descobriram que ocorrem duas liga ao fuso e, na anáfase, suas duas cromátides
26
vão para pólos opostos. A célula se divide nova- desenvolvimento, as células aumentam em número
mente de modo desigual. O resultado é um por divisões mitóticas, isto é, as células que se
minúsculo corpúsculo polar com dois cromossomos originam desse processo tem o número diplóide de
e um grande óvulo também com dois cromossomos. quatro cromossomos (Bauer, 1893).
Assim, no decorrer das duas divisões que No entanto, no testículo maduro, as duas
compõem a meiose, o número diplóide de quatro últimas divisões antes de as células se diferen-
cromossomos da célula feminina foi reduzido ao ciarem em espermatozóides são diferentes. É
número monoplóide de dois cromossomos. A quando ocorrem as divisões meióticas no macho.
hipótese de Weismann provou ser verdadeira, pelo No que se refere aos cromossomos, os eventos
menos para as fêmeas de Ascaris. são os mesmos que os da fêmea, mas quando se
considera a célula como um todo, existem
Meiose no macho de Ascaris diferenças entre as divisões meióticas de macho
e de fêmea. (Fig. 7)
A previsão de Weismann para os machos também Durante a meiose do macho, os quatro
mostrou-se correta. Quando os testículos foram cromossomos já duplicados se juntam dois a dois,
estudados, verificou-se que, durante o início do formando dois pares, ou duas tétrades. Na

Em Ascaris, a fecundação
Células que irão formar é que desencadeia a
espermatozóides possuem 4 meiose feminina.
cromossomos, o número
diplóide. ➤

No início da meiose, ocorre o


No início da meiose os emparelhamento dos
cromossomos homólogos cromossomos homólogos.
se emparelham. ➤

Os cromossomos emparelhados

Os cromossomos formam tétrades, cada uma com 4


emparelhados formam cromátides.
tétrades, cada uma com 4
cromátides. ➤
Os cromossomos homólogos separam-

Os cromossomos se na primeira divisão da meiose.


homólogos se separam
na primeira divisão da
meiose. ➤

O primeiro glóbulo polar e o futuro


óvulo contêm duas díades cada.


Cada célula-filha da
primeira divisão
contém duas díades. ➤
A formação do segundo glóbulo polar

deixa o óvulo com um número


Não há duplicação haplóide de cromossomos.
cromossômica antes da
segunda divisão da meiose
e as duas cromátides de ➤
cada díade se separam. Os núcleos de origem


paterna e materna se
aproximam um do outro.


Cada pró-núcleo contribui com

dois cromossomos para o


zigoto, restabelecendo o número
diplóide da espécie.
Cada uma das células originadas na meiose
diferencia-se em um espermatozóide.

Figura 7. Representação esquemática da meiose masculina, à esquerda, e da meiose feminina, à direita em


ascaris de cavalos.

27
primeira divisão meiótica os cromossomos de deador do desenvolvimento do ovo, foi desco-
cada par se separam, indo uma díade (cromos- berto por J. L. Prévost e J. B. Dumas em 1824.
somo duplicado) para cada pólo. No entanto, ao No entanto, o real papel do espermatozóide não
contrário da primeira divisão meiótica da fêmea, foi estabelecido nesse trabalho. Como relatado
no macho são produzidas duas células de igual anteriormente, foi George Newport (1854) quem
tamanho. Na segunda divisão meiótica não há demonstrou que o espermatozóide penetra no
replicação cromossômica, as díades se dividem e óvulo das rãs. Mas o que acontece então?
cada célula-filha termina com dois cromossomos. Ascaris mostrou-se um material muito bom
Assim, a partir de cada célula diplóide origi- para o estudo dos detalhes da fertilização, nova-
nal, com quatro cromossomos, formam-se quatro mente devido ao fato de possuir poucos e grandes
células, cada uma com dois cromossomos, o cromossomos. Van Beneden e Boveri descre-
número háplóide. Não há outras divisões dessas veram o processo em detalhe. (Fig.8)
células e cada uma se diferencia em um A figura 8 mostra desenhos de Boveri, publi-
espermatozóide. cados em 1888. A primeira ilustração (A) é de
Uma diferença fundamental entre a mitose e a um corte de um ovo logo após a entrada do esper-
meiose é que na mitose há uma duplicação de matozóide. O pró-núcleo paterno aparece no
cada cromossomo para cada divisão celular; na quadrante inferior direito. As duas massas
meiose há somente uma duplicação de cada irregulares fortemente coradas são os dois
cromossomo para duas divisões sucessivas. cromossomos – dois é o número haplóide. A
Então, a mitose é um mecanismo que mantém estrutura formando uma cápsula dobrada
a constância do número cromossômico nas imediatamente acima do pró-núcleo paterno é o
divisões celulares enquanto a meiose reduz esse acrossomo, que é a parte da cabeça do esperma-
número à metade. tozóide composta por material do aparelho de
Golgi. A massa granular escura no centro do
Fertilização e restabelecimento do número óvulo é o centrossomo, que também se origina
diplóide de cromossomos do espermatozóide. Existem quatro corpos
escuros, aproximadamente na posição correspon-
O fato básico da fertilização, de que é o esper- dente à das 12 horas; os dois superiores são os
matozóide e não o líquido seminal o desenca- cromossomos do segundo corpúsculo polar. Os

A
B C

E F
D

Figura 8. Ilustrações de Boveri da fertilização em Ascaris Veja explicação no texto. (Boveri, 1888)

28
dois de baixo são os cromossomos, em número no entanto, meióticas e não mitóticas. Durante estas
haplóide, do pró-núcleo materno. O segundo duas divisões, as células se dividiam duas vezes mas
corpúsculo polar aparece nos cortes de embriões os cromossomos se replicavam somente uma vez.
mostrados em (C) e (E). Essas divisões celulares eram iguais, isto é,
Em (B), os pró-núcleos materno e paterno já produziam, cada uma delas, duas células de mesmo
se aproximaram um do outro e seus cromossomos tamanho. Isso resultava em quatro células de igual
tornaram-se indistintos. Em (C) os cromossomos tamanho, cada uma com dois cromossomos, o
alongaram-se bastante e, embora agora saibamos número haplóide. As quatro células, então, se
que existem apenas dois cromossomos em cada diferenciavam nos espermatozóides.
pró-nucleo, isto não pode ser visto na ilustração Depois de muitos ciclos celulares de divisões
(este é um exemplo claro da grande dificuldade mitóticas, algumas das células ovarianas aumen-
enfrentada pelos citologistas para chegarem à tavam bastante em tamanho, formando os
conclusão de que o número de cromossomos de ovócitos. Como no caso dos machos, ocorriam
qualquer espécie é constante e que os cromos- duas divisões meióticas do material nuclear com
somos são individualmente únicos – na maioria somente uma única replicação dos cromossomos.
das vezes eles pareciam tão emaranhados como A primeira divisão da célula era tão desigual que
um prato de espaguete). Pode-se distinguir dois a maior parte do material permanecia na célula
grânulos escuros no centrossomo: os centríolos. que iria originar o óvulo e só uma ínfima
Em (D), os cromossomos tornaram-se distin- quantidade era incluída no primeiro corpúsculo
tos uma vez mais [de (B) a (C) eles estavam em polar. Isto se repetia na segunda divisão,
um estágio modificado de “repouso”] e vê-se dois produzindo um minúsculo segundo corpúsculo
em cada pró-núcleo. O centrossomo dividiu-se polar e um grande óvulo. Todavia, os núcleos do
em dois, cada um deles com um centríolo no segundo corpúsculo polar e do óvulo eram
centro. Este processo continua através de (E). idênticos – cada um continha um número haplóide
Em (F), os quatro cromossomos, dois de cada pró- de dois cromossomos.
núcleo, estão alinhados no fuso e, logo depois disso, A meiose em Ascaris produzia, portanto, o
pode-se ver que cada um está duplicado, isto é, com-espermatozóide monoplóide e o óvulo
posto por duas cromátides. As cromátides irão se monoplóide. A união deles originava o zigoto
separar para formar cromossomos independentes diplóide – o início de um novo verme nematóide.
que vão para pólos opostos da célula. Os processos estão sumarizados na figura 7.
A forma do aparelho mitótico está bem Estava claro pelo trabalho de van Beneden,
mostrada em (F). Em cada extremidade do fuso Boveri e outros que cada genitor transmite o mesmo
encontra-se um minúsculo centríolo, cercado por número de cromossomos ao zigoto. Além disso, os
uma área granular escura – o centrossomo. Em cromossomos no núcleo materno e paterno pare-
material bem preservado, pode-se observar fibras ciam ser idênticos. Estas duas observações podiam
irradiando de cada centrossomo, formando um ajudar a explicar o que já se acreditava há algum
áster. Outras fibras se estendem de um centros- tempo: que a contribuição hereditária de cada geni-
somo ao outro, formando o fuso. Em (F), célula tor é aproximadamente a mesma.
em metáfase da primeira divisão embrionária com Este era um campo de pesquisa excitante e
os cromossomos alinhados na placa equatorial. importante e logo muitos pesquisadores estavam
estudando uma grande variedade de plantas e
Significado da formação dos gametas e da
animais. Com poucas exceções, o que se
fertilização
encontrou em Ascaris mostrou-se verdadeiro para
Tudo estava acontecendo como previsto por todos os outros organismos. Certamente existiam
Weismann. As células que iriam, muitas gerações pequenas variações, mas um estudo intenso serviu
mais tarde, formar os gametas, tanto no ovário como somente para aumentar a profundidade do nosso
no testículo de Ascaris, começavam com quatro entendimento do processo global. Um conceito
cromossomos, o número diplóide. E, estas células de aplicação universal havia sido descoberto.
se dividiam repetidamente, sempre por mitose. As extraordinárias observações sobre o
Nos machos, as duas últimas divisões das células comportamento dos cromossomos na mitose,
formadoras de espermatozóides no testículo eram, meiose e fertilização, feitas entre 1870 e 1890,
29
principalmente na Alemanha, forneceram um Provou-se que toda fertilização do óvulo,
quadro geral para a transmissão de geração a envolve a união ou estreita associação de dois
geração das estruturas fundamentais responsáveis núcleos, um de origem materna e o outro de
pela herança. origem paterna. Está estabelecido o fato, algumas
Pode-se argumentar, com razão, que esses vezes chamado de “lei de van Beneden” em home-
estudos não forneceram qualquer evidência cru- nagem ao seu descobridor, que estes núcleos
cial de que os cromossomos seriam, de fato, a germinativos primários dão origem a grupos
base física da hereditariedade. Eles apenas suge- semelhantes de cromossomos, cada um contendo
riam que os cromossomos poderiam desempenhar metade do número encontrado nas células do
tal papel. Nem mesmo durante as últimas duas corpo. Demonstrou-se que quando novas células
décadas do século XIX se chegou próximo à germinativas são formadas cada uma volta a
descoberta de como seria possível estabelecer o receber apenas metade do número característico
papel de uma estrutura celular na herança. Tanto de cromossomos das células do corpo.
a Citologia como o que atualmente chamamos Acumularam-se evidências, especialmente
de Genética estavam no estágio de ciência nor- pelos estudos admiráveis de Boveri, que os
mal Kuhniana, esperando pela chegada de um cromossomos de sucessivas gerações de
novo paradigma. Isso iria ocorrer, de uma forma células, que normalmente não são vistos nos
dramática, no ano de 1900. núcleos em repouso, na realidade, não perdem
Mas antes de entrarmos no século XX, sua individualidade, ou que de uma maneira
podemos concluir com este sumário de E. B. menos óbvia eles se adaptam ao princípio da
Wilson sobre o que havia sido estabelecido du- continuidade genética. Desses fatos, tirou-se
rante o florescimento da Citologia no último uma conclusão de que os núcleos das células
quarto do século XIX. do corpo são diplóides ou estruturas duplas,
“O trabalho da Citologia neste período de descendentes igualitários dos grupos de
estabelecimento de seus fundamentos construiu uma cromossomos de origem materna e paterna do
base ampla e substancial para as nossas concep- ovo fertilizado. Esses resultados, continua-
ções mais gerais de hereditariedade e seu substrato mente confirmados pelos trabalhos dos últimos
físico. Foi demonstrado que a base da heredita- anos [isto é, ciência normal], gradualmente
riedade é uma conseqüência da continuidade tomaram um lugar central na Citologia; [...]
genética das células pela divisão e que as células Uma nova era de descobertas agora se abre
germinativas são o veículo da transmissão de uma [um novo paradigma]. Assim que o fenômeno
geração para outra. Acumularam-se fortes evidên- mendeliano tornou-se conhecido ficou
cias de que o núcleo da célula desempenha um evidente que em linhas gerais, ele forma um
papel importante na herança. complemento para aqueles fenômenos que a
Descobriu-se o significativo fato de que em Citologia já tinha tornado conhecido a
todas as formas ordinárias de divisão celular o respeito dos cromossomos.”
núcleo não divide “em massa” mas que primeiro Esta citação é parte da famosa Croonian Lec-
ele se transforma em um número definido de ture to the Royal Society of London proferida por
cromossomos; estes corpos, originalmente forma- Wilson em 1914. Nessa época as relações entre
dos por longos fios, dividem-se longitudinalmente cromossomos e herança já haviam sido testadas
para efetuar uma divisão merismática da subs- e se mostrado verdadeiras acima de qualquer
tância nuclear inteira. suspeita..

EXERCÍCIOS
PARTE A: REVENDO CONCEITOS BÁSICOS
1. ( ) é um tipo de divisão nuclear em que os
Preencha os espaços em branco nas frases de núcleos-filhos conservam o mesmo número de
1 a 6 usando o termo abaixo mais apropriado. cromossomos do núcleo original.
(a) anáfase (c) metáfase (e) prófase 2. A migração dos cromossomos para os pólos
(b) meiose (d) mitose (f) telófase ocorre na ( ).

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3. ( ) é um tipo de divisão nuclear que reduz à PARTE B: L IGANDO CONCEITOS E FATOS
metade o número de cromossomos nos
núcleos-filhos. Utilize as alternativas abaixo para completar as
4. Cromossomos arranjados na região equa- frases de 18 a 21.
torial da célula caracteriza a fase da divisão a. fertilização b. meiose c. mitose
chamada ( ).
18. Na ( ) ocorre uma replicação cromossômica
5. ( ) é a primeira fase da divisão celular, na para duas divisões celulares.
qual os cromossomos se tornam evidentes.
19. Na ( ) ocorre uma replicação cromossômica
6. ( ) é a fase final da divisão celular, em que para uma divisão do citoplasma.
os núcleos se reorganizam.
20. Apenas células diplóides se dividem por ( ).
21. Células diplóides e haplóides se dividem
Preencha os espaços em branco nas frases de por ( ).
7 a 11 usando o termo abaixo mais apropriado.
(a) corpúsculo polar (c) haplóide (e) ovogônia Utilize as alternativas abaixo para completar as
(b) diplóide (d) ovócito frases de 22 a 25.
a. células diplóides
7. ( ) é uma célula que está sofrendo meiose e
b. células haplóides
dará origem a um gameta feminino.
8. Uma célula animal feminina que irá sofrer 22. Ovogônias são sempre ( ).
meiose é chamada ( ).
23. Gametas são sempre ( ).
9. ( ) é o termo usado para designar uma célula
24. Zigotos são sempre ( ).
que possui dois conjuntos de cromossomos.
10. ( ) é o nome das minúsculas células que se 25. Meiose produz sempre ( ).
formam no decorrer da meiose feminina. 26. Dos cinco eventos listados a seguir,
11. ( ) é o termo que designa uma célula que quatro ocorrem tanto na mitose quanto na
possui apenas um conjunto de cromossomos. meiose. Indique qual deles acontece es-
sencialmente na meiose?
a. Condensação dos cromossomos.
Preencha os espaços em branco nas frases de b. Formação do fuso.
12 a 17 usando o termo abaixo mais apropriado. c. Emparelhamento dos cromossomos.
d. Migração dos cromossomos.
(a) cromátide (d) pró-núcleo e. Descondensação dos cromossomos.
(b) díade (e) sinapse
(c) fertilização (f) tétrade Utilize as alternativas abaixo para completar as
12. Dois cromossomos emparelhados no início frase de 27 e 28.
da meiose formam um(a) ( ). a. Antonie van Leeuwenhoek
13. O emparelhamento de cromossomos na b. Nehemiah Grew
meiose é chamado ( ). c. Robert Brown
d. Robert Hooke
14. ( ) é o nome do núcleo do espermatozóide
ou do óvulo imediatamente antes de eles se 27. ( ) é considerado o descobridor da célula.
fundirem para formar o núcleo do zigoto. 28. ( ) foi o descobridor do núcleo celular.
15. Um cromossomo duplicado, formado
portanto por dois filamentos idênticos, é Utilize as alternativas abaixo para completar as
chamado ( ). frases de 29 a 33.
16. ( ) é nome que se dá a cada um dos dois a. August Weismann c. Theodor Schwann
filamentos que formam um cromossomo b. Rudolph Virchow d. Walther Flemming
duplicado.
29. A idéia de que a formação do corpúsculo polar
17. A fusão de dois gametas com formação de é uma estratégia para a redução do material
um zigoto é chamada ( ). hereditário do óvulo foi lançada em 1887 por ( ).

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30. Um dos formuladores da teoria celular foi ( ). a. Espermatozóide.
b. Óvulo.
31. A célebre frase “omnis cellula e cellula”,
c. Primeiro corpúsculo polar.
indicando que toda célula provém da divisão
d. Segundo corpúsculo polar.
de outra célula, foi cunhada em 1855 por ( ).
e. Ovócito primário.
32. ( ) é considerado o descobridor da mitose f. Ovócito secundário.
pelo fato de ter demonstrado que os eventos
cromossômicos observados em células fixadas 37. Qual é a hipótese central da teoria celular?
e coradas ocorriam nas células vivas. 38. Por que foi difícil estender o conceito de
33. A teoria celular mostrou que, apesar das célula para os animais?
diferenças visíveis a olho nu, todos os seres 39. Que critério Schwann utilizou para
vivos são iguais em sua constituição básica, pois estabelecer relações de semelhança entre as
a. são capazes de se reproduzir unidades microscópicas que compõem o corpo
sexuadamente. dos animais e das plantas?
b. são formados por células.
c. contêm moléculas. 40. Que tipo de observação permitiu concluir
d. se originam de gametas. que espermatozóides eram células?
41. Por que não se deve chamar o núcleo
34. Os vírus não são exceções à teoria
interfásico de núcleo em repouso, como faziam
celular pois os antigos citologistas? Por que era usado
a. são formados por células.
aquele nome?
b. formam gametas.
c. são organismos vivos. 42. O que Weismann imaginou ser necessário
d. só conseguem se reproduzir no interior de para manter a constância do número de
uma célula viva. cromossomos através das gerações?
43. Identifique as principais diferenças entre
mitose e meiose.
PARTE C: QUESTÕES PARA PENSAR E DISCUTIR
44. Analise os tipos de argumento usados para
O número diplóide de cromossomos da espécie justificar a idéia de que a informação hereditária
humana é 46. Essa informação deve ser usada estaria contida nos gametas.
para responder as questões 35 e 36.
45. Que tipo de raciocínio dedutivo levou os
35. Determine o número de filamentos antigos citologistas a concluir que a mitose não
cromossômicos (cromátides) presentes em um poderia ser o único tipo de divisão celular?
núcleo celular humana em 46. Qual é o significado da meiose e da
a. prófase mitótica. d. telófase mitótica. fertilização no ciclo de vida dos organismos?
b. prófase I da meiose. e. telófase I da meiose.
47. Que importantes paradigmas direcionaram
c. prófase II da meiose. f. telófase II da meiose.
as pesquisas citológicas nos primeiros dois
Obs. No caso das telófases, considere apenas
terços e no último terço do século XIX,
um dos núcleos em formação.
respectivamente?
36. Determine o número de filamentos
cromossômicos (cromátides) presente em cada
um dos tipos celulares relacionados a seguir.

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