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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE ANGOLA

FACULDADE DE ECONOMIA E GESTÃO

DIREITO COMERCIAL

9. Empresa e estabelecimento

Noção de empresa
Noção e elementos de estabelecimento
A transmissão do estabelecimento
A regra da obrigatoriedade na transmissão do estabelecimento

Temos abordado insistentemente que a prática de actos de comércio, mostra-se


dependente da existência de pessoa que os formalize. E que estas pessoas
(singulares ou colectivas) são os comerciantes, ou seja, os sujeitos que actuam no
exercício da actividade mercantil, dando-lhe subsistência, na medida em que sem
os mesmos, inexistem os actos de comércio.

Ora se é certo que os comerciantes praticam os actos de comércio que constituem


a essência da actividade mercantil, facto é que, aquele necessita de um local onde
os possa praticar.

Há de todo a necessidade de o comerciante possuir um local que se mostre


apropriado para a prática dos actos de comércio e consequentemente para o
exercício da actividade mercantil.

Dito de outro modo, significa dizer que o comerciante necessita de um local onde
possa exercer a sua actividade de forma organizada e portanto, as opções que lhe
serão oferecidas, representam efectivamente os modos de organização de que
aquele pode se socorrer.

É assim que se mostra necessário conhecer quais as opções que a ordem jurídica
confere àquele para o exercício desses actos, sendo certo que assiste ao
comerciante, a possibilidade de possuir:

a) Uma empresa, ou;


b) Um estabelecimento comercial.

9.1. Noção de empresa

A legislação comercial não nos oferece um conceito ou noção jurídica de


empresa, tão pouco expressa outra consagração legal senão a definida no artigo
230.º do C.Com., sendo necessário o recurso à doutrina que, como se sabe,
constitui fonte de direito que suporta o direito comercial.

A expressão “empresa” traduz uma série de sectores normativos. Conforme o


contexto, ela pode traduzir ou significar:

a) Empresa como sujeito (pessoa singular) ou agente jurídico que actue nessa
qualidade (como comerciante, advindo daí a proximidade com
denominação empresário), sendo susceptível de direitos e obrigações;

Toma-se como relevante nesse conceito, a própria pessoa do comerciante que


exerce a actividade económico-mercantil de produção ou distribuição de bens
e/ou serviços, por via da correspondente prática de actos de comércio.

b) Empresa como actividade, materializando a prática sucessiva de actos


desenvolvidos pelo comerciante, de modo profissional e organizado;

Ou seja, neste conceito empregar-se-ão as actividades económicas constantes do


artigo 230.º do C.Com., e desenvolvidas pelo comerciante de forma profissional
e organizada, com vista à realização de fins de produção ou de troca de bens e
serviços.

c) Empresa como objecto, representando os factores de produção,


fornecimento e abastecimento necessários pelo comerciante;

Equivale este conceito do modo de organização do estabelecimento que, como


mais adiante se verá, mas que permite agora concluir que empresa e
estabelecimento são sinónimos.

d) Empresa como conjunto activo de elementos, consubstanciado no


património e conjunto de bens e direitos capazes de suportar a actuação de
interessados (actividade);

Constitui tal conceito, o sentido dinâmico do termo empresa, com recurso aos
factores e elementos que permitem actuar sobre o património de coisas e direitos
e dando origem ao nascimento de relações jurídicas.

Ora pelos sectores apontados, dúvidas não subsistem de que o conceito de


empresa, é muito discutido na doutrina, razão pela qual existem diversas noções
dela.
Mas ainda assim, podemos considerar aceite o conceito que de um modo ou de
outro, abarque uma das situações supra descritas.
No entanto é claro, revela-se necessária a adopção de um conceito que se revele
de mais fácil percepção, pelo que, assiste-nos a faculdade de, com base nos
conceitos já avançados, considerar o modo de organização “empresa” como um
conjunto de meios humanos e materiais, dotados de uma especial
organização e de uma direcção, de modo a desenvolver uma actividade,
segundo as regras da racionalidade económica.

Resulta desta noção, a existência de quatro (4) elementos:

1º Elemento humano: ficando aqui abrangidos os recursos humanos, desde os


trabalhadores aos donos, passando pelo quadro de auxiliares e dirigentes.

2º Elemento material: enquadrando-se aqui, as coisas corpóreas, móveis ou


imóveis e seja qual for a fórmula do seu aproveitamento, bem como as coisas
incorpóreas, como as licenças para fabricos de bens e produtos exclusivos, as
marcas, insígnias, aviamento e clientela.

3º Elemento organizacional: comportando todos os recursos materiais,


designadamente, os factores de produção, matéria prima e metodologias de
actuação.

4º Elemento direccional: tratando-se do factor aglutinador dos meios envolvidos


mediante uma estrutura que determine ou defina o contributo de cada uma das
parcelas envolvidas, com vista a serem superiormente definidos mecanismos para
a implementação da actividade.

9.2. Noção e elementos de estabelecimento

Diferente do modo de organização do comerciante por via da “empresa”, o


“estabelecimento comercial” não comporta todas as acepções e oferecidos para
aquele primeiro.

Aqui, basta-nos saber que o “estabelecimento comercial” é o local ou unidade


técnica onde o comerciante exerce a sua actividade comercial, ou seja, a loja, a
fábrica, armazém, etc.

O ordenamento jurídico angolano, não nos dá um conceito legal de


estabelecimento (comercial). Simplesmente retiramos de determinados preceitos
legais, uma noção, podendo seguidamente ser formulada tal definição.
No C.Com., o estabelecimento surge em duas (2) acepções:
1º Como armazém ou loja, nos termos dos arts. 95º, 2 e 263º § único;

2º Como um conjunto de coisas materiais ou corpóreas, nos termos do 425º.

Diante das normas descritas, podemos entender que o estabelecimento, traduz um


conjunto de coisas corpóreas e incorpóreas, devidamente organizado para a
prática do comércio.

No fundo, corresponde grosso modo, a ideia de uma empresa, sem os


elementos humano e direccional, ou seja apenas com os elementos material e
organizacional.

Mas tal como se revelam diversas as acepções de “empresa”, também no


“estabelecimento comercial” podemos evidenciar outros elementos distintos.

Seguindo a técnica contabilística, o estabelecimento contém os elementos activo


(positivo) e o passivo (negativo).

O elemento activo compreende o conjunto de bens e direitos bem como outras


posições equiparáveis afectas ao exercício do comércio. O elemento activo
abrange as coisas corpóreas e incorpóreas, o aviamento e a clientela.

O aviamento corresponde a mais-valia que o estabelecimento representa em


relação a soma dos elementos que o compõem isoladamente; ou seja, a aptidão
funcional e produtiva do estabelecimento.

No fundo, corresponde ao valor que o estabelecimento representa para terceiros.

A clientela equivale ao conjunto real ou potencial, de pessoas dispostas a


contratar ou beneficiar dos bens e serviços do estabelecimento.

O aviamento e a clientela valem para efeitos indemnizatórios, ou seja, em caso de


acções e/ou omissões que prejudiquem o aviamento e a clientela do
estabelecimento, são estes sectores indemnizáveis.

Por seu turno, o elemento passivo corresponde aos débitos (dívidas) e


obrigações contraídas pelo comerciante em nome do estabelecimento por esse
mesmo exercício.

9.3. A transmissão do estabelecimento (regime e natureza)


O ponto mais significativo do regime do estabelecimento é a possibilidade da sua
negociação para transmissão unitária.

Se atermo-nos aos elementos que integram o conceito de “empresa”, claramente


podemos concluir que não se mostra possível a transmissão desse modo de
organização do comerciante.

Situação diferente ocorre com o “estabelecimento comercial”.

Em princípio, perante um conjunto de situações jurídicas distintas, funciona a


regra da especialidade; ou seja, cada uma das situações, para serem transmitidas,
exige a celebração de negócios jurídicos autónomos.

Diferente sucede com os casos de transmissão do “estabelecimento comercial”,


em que obrigatoriamente é aplicável a regra da unidade para a sua transmissão,
com recurso às figuras jurídicas do “trespasse” e/ou da “cessão de exploraão”.

Dá-se pois o “trespasse” ou “cessão de exploração”, porque exige-se, uma


transmissão do estabelecimento no seu todo. É insuficiente que a transmissão
incida sobre apenas alguns dos seus elementos (ou o activo, ou o passivo),
devendo ela operar-se abrangendo um e outro elemento.

Considera-se Trespasse, a transmissão inter-vivos, unitária e definitiva do


estabelecimento comercial, com todos os seus elementos activos e passivos,
conforme se pode aferir da analise aos requisitos contidos no artigo 1118.º do
C.C.

Importa realçar sobre esta questão, que o trespasse é apenas uma transmissão
definitiva do estabelecimento, não importando por que via de contrato essa
transmissão se opere. Assim, ele pode ocorrer por via de um contrato típico
(venda, sublocação ou subarrendamento) ou de um atípico (buscando cláusulas
de vários contratos).

O que deve ser destacado para efeitos desta designação, é a transmissão unitária
(regra da unidade).

Nesse sentido dispõe o § único do disposto o § único do art. 24º do C.Com., que
dispõe que é proibida a aquisição de uma firma comercial sem a do
estabelecimento a que se achar a ela ligada. A firma faz parte do estabelecimento.

O disposto no § anterior é reforçado pela alínea b) do nº 2 do art. 1118º do C.C.,


que considera não haver trespasse comercial, quando a transmissão não seja
acompanhada de transferência em conjunto das instalações, utensílios,
mercadorias ou outros elementos que integram o estabelecimento (elemento
activo e passivo).

Face ao exposto, resulta dessa regra da unidade os seguintes efeitos:

O trespassário adquirente fica adstrito, perante o trespassante, a pagar aos


terceiros, o que este (trespassante) lhes devia (efeito interno) e o alienante
(trespassante) só ficará liberto se os terceiros (credores) o exonerarem dessa
obrigação através do trespasse (efeito externo), ou seja para que haja trespasse,
devem o os credores do trespassante consentirem tal negócio.

Importa também referir, que seja qual for a via de transmissão do trespasse
(contrato), deve ser pactuado naquele, de forma expressa a obrigação do
trespassante não fazer concorrência ao novo adquirente, em homenagem ao
princípio jurídico da “boa fé”.

Diferente do trespasse, é a figura da “cessão de exploração”, porquanto que,


enquanto que naquela há uma transmissão definitiva, nesta última, verifica-se
uma apenas transmissão temporária.

Verifica-se na cessão de exploração uma proximidade do que sucede no contrato


de locação, se ela for a título oneroso, pois nem todas as transmissões
temporárias, exigem contraprestações onerosas.

O Docente,

Dra. Dárjia Nathaly de Sá Nogueira

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