Coelho Neto- MA
Jun/2021
Introdução
Desde a época de Humboldt, Wallace, Darwin e De Candolle entre muitos outros grandes
naturalistas, uma observação tem cativado a mente dos cientistas: cada região da Terra possui
espécies diferentes, apesar de as condições ambientais adequadas para a sobrevivência dos
organismos serem semelhantes em algumas regiões; isto é, os organismos se encontram
confinados a áreas particulares do globo. Os biogeógrafos estudam a distribuição dos
organismos e as suas características no espaço e no tempo tendo como objetivo fundamental a
caracterização dos padrões de distribuição e a inferência de hipóteses sobre os processos que os
determinam. Ambos os padrões e os processos dependem das escalas espaciais e temporais na
qual são estudados. A biogeografia ecológica foca sobre perguntas de cunho funcional onde a
variáveis ambientais interagem com as características dos organismos para determinar os
limites da distribuição em escalas temporais e espaciais que abrangem, respectivamente, de
minutos até centenas de anos, e de centímetros até milhares de quilômetros quadrados. A
biogeografia histórica abrange escalas temporais de milhares até milhões de anos e escalas
espaciais que incluem áreas de milhares de quilômetros até continentes completos ou o globo.
Biogeografia da Região Neotropical
A Região Neotropical caracteriza-se por (1) ter uma identidade geológica composta com uma
história antiga; (2) ter uma biota única, endêmica, que a identifica como uma área
biogeográfica singular e cujas divisões e subdivisões apontam para histórias bióticas
geograficamente específicas; (3) uma grande diversidade de ambientes, climas e topografia
complexa que suportam a existência de múltiplos biomas e ecorregiões; e (iv)
consequentemente, uma das regiões mais biodiversas do mundo. Do olhar da regionalização
biogeográfica a distribuição dessas espécies endêmicas permite construir um sistema de
classificação hierárquico e inclusivo de regiões, sub-regiões, domínios e províncias. Este
sistema representa uma descrição no tempo presente de um padrão resultante da ocorrência de
múltiplos eventos de fragmentação das biotas no passado. Em geral, com respeito ao padrão de
diversidade, estima-se que a Região Neotropical possui 37% das espécies de plantas
espermatófitas do mundo, ou aproximadamente, 90.000-110.000 espécies.
Eventos históricos e implicações na distribuição da biodiversidade Neotropical
Com o advento da deriva continental, nossos conhecimentos acerca da dinâmica de conexões
biológicas, entre diferentes continentes, mudaram drasticamente. A cerca de 120 Ma, ambos
continentes ainda estavam conectados. Ao longo de aproximadamente 30 Ma esses foram se
separando culminando no surgimento do Oceano Atlântico Sul. Tal separação dos dois
continentes foi desigual ao longo do tempo, tendo ocorrido mais cedo ao sul e mais tarde ao
norte, estando África e América do Sul separadas a cerca de 100 Ma. Neste cenário vicariante,
as biotas ocorrentes ao longo de ambos continentes foram afetadas por essa separação, já que o
Oceano Atlântico passou a ser uma barreira geográfica significativa. Assim, toda esta biota
passou por processos de especiação independentes nos dois novos continentes.
Sistema hidrológico Paleo-Orinoco
Ao longo do Cenozóico, inúmeros eventos de mudanças hidrológicas ocorreram no Oeste da
Região Neotropical. Estes eventos, os quais estão também associados às mudanças geológicas
andinas, modificaram tanto a paisagem quanto a distribuição dos organismos desta região.
Dois desses eventos de mudanças de sistemas hidrológicos são associados como cruciais para
o surgimento da alta biodiversidade na Região Neotropical, o sistema Paleo-Orinoco e o
sistema Pebas. O sistema Paleo-Orinoco esteve associado à Região Neotropical desde o
Cretáceo (a partir de~112 Ma) até o final do Oligoceno (~24 Ma). Durante esse período o
sistema dominou a drenagem fluvial da região noroeste da América do Sul, sendo que a
drenagem ocorria em direção à costa caribenha.
Aquecimento global no Eoceno
Fatores associados a mudanças do clima são muito utilizados para explicar a distribuição das
espécies atualmente no espaço e a alta biodiversidade em decorrência da heterogeneidade de
hábitats que variações do clima trazem. De acordo com registros fósseis de pólens do estudo
de Jaramillo e colaboradores em 2006, existe uma correlação entre altas temperaturas no
Eoceno com a uma alta diversidade de plantas naquele período na Região Neotropical.
Inclusões marinhas do Pacífico
Desde o Eoceno até o Mioceno ocorreram diversas incursões marinhas do Oceano Pacífico em
direção ao noroeste da América do Sul. Possivelmente estas incursões ocorreram através do
chamado Portal do Oeste dos Andes POA. A existência do POA manteve linhagens norte e
central-andinas separadas por um longo período de tempo, o que parece explicar a
distribuição disjunta observada para diversos grupo de plantas andinas, como
Campanulaceae, Passifloraceae e Alstromeriaceae, por exemplo. Isso parece estar associado a
diversificações independentes desses táxons nas porções norte e central dos Andes após
eventos esporádicos de dispersão.
Flutuações climáticas do Pleistoceno
As mudanças climáticas no planeta podem ter suas origens relacionadas a muitas causas, que
foram organizadas por Nieuwolt e McGregor (1998) como causas externas, internas e
relacionadas às atividades humanas. Externas estariam associadas às mudanças na órbita do
planeta em torno do Sol, alterando diretamente a incidência da radiação solar, e as causas
internas representadas por mudanças na dinâmica dos oceanos, como movimento das
correntes marítimas, temperatura e salinidade, do ar, como correntes e composição dos gases
atmosféricos, e relevo, como movimentos de placas tectônicas e atividades vulcânicas.
Formação do Istmo do Panamá
Após cerca de 100 milhões de anos de isolamento da América do Norte e do Sul, o surgimento
de uma estreita porção de terra, denominada Istmo do Panamá, passou a reconectar as
Américas e a separar o Oceano Pacífico do Atlântico, há cerca de 2,8 milhões de anos. Sendo
este, um evento relevante para a compreensão da evolução da biodiversidade nas Américas e
nos oceanos que as circundam. A evidência disponível sugere que muitas linhagens de plantas
chegaram à América do Sul antes do fechamento final do Istmo. A conexão florística da
América do Sul com os continentes da Laurásia foi finalmente completada com o fechamento
do Istmo do Panamá, uma via terrestre entre a América Central, do Norte e do Sul. Sua
formação possibilitou um extenso intercâmbio biótico, uma grande migração entre a biota das
Américas, conhecida como Great American Biotic Interchange.
Biogeografia e narrativa histórica
A estrutura geral da narrativa histórica possui vários tipos de enunciados: premissas teóricas
sobre as relações causais entre os fenômenos estudados, hipóteses auxiliares de outras
disciplinas que complementam a explicação, hipóteses sobre eventos no passado, e
enunciados descritivos deste fenômeno que se procura explicar. É importante destacar que
esse tipo de narrativa aplica principalmente à biogeografia de táxons individuais, sendo que
sua aplicação à biogeografia de biotas implicaria necessariamente identificar padrões
generalizados e associá-los a eventos de grande magnitude capazes de afetar vários táxons no
mesmo ou em diferentes intervalos temporais. O objetivo principal da biogeografia consiste
em procurar explicações deste tipo a partir dos elementos que proveem a sistemática
filogenética, a evolução, a ecologia, a geologia e a climatologia para entender a evolução
espacial das biotas. Levar em consideração os princípios conceituais e metodológicos das
diferentes ciências envolvidas e de vital importância para garantir a validez das inferências
biogeográficas.