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JANAYNA TOSO SFAIR


Disciplina de Análise da Música na Mídia 2020
A MISOGINIA NA MUSICA BRASILEIRA E SEUS REFLEXOS NA FORMAÇÃO DE
CULTURA

RESUMO
O presente artigo tem como objetivo trazer o questionamento a respeito da objetificação
da mulher no âmbito da indústria musical do século XX. Abordar o assunto estudado em aula,
tema citado com o artigo sobre mpb, indústria cultural e identidade, com a temática da
misoginia. Observar, analisar e denunciar como a música carrega responsabilidade cultural e
influenciam diretamente quem a escuta, e como essas músicas são agentes de formação de
cultura e de indivíduos, valores e preceitos. E ainda, perceber a normalização da violência contra
a mulher, expressa em letras de sambistas conhecidos desde o começo do século XX, porem
pouco notada e que prevalece ate os dias atuais. Também será abordada a importância de leis que
defendam os direitos da mulher. Tudo isso tomando como apoio a analise de conteúdo, de artigos
e textos.

INTRODUÇÃO

Quando paramos para observar os padrões de composição da música brasileira no


século XX, podemos notar um comportamento que se repete nas letras dos compositores. Trata-
se da exposição do feminino, com letras que envolvem humilhação, violência, xingamentos,
castigos, penalidades, onde a mulher deve obedecer e servir. Tudo isso objetifica e destitui a
mulher de qualquer humanidade.
Além de o gênero masculino dominar a cena musical durante todo o século passado, a
presença do machismo foi e ainda ‘e muito pouco questionada. Esse comportamento musical,
muitas vezes apoiado pela mídia, canções que se tornam sucesso em nosso país, onde as pessoas
cantam como febre e nem percebem o que estão cantando. E ainda, a consequência que letras
como essa trazem na formação de toda uma cultura. Por considerar importante a tomada de
consciência diante dos fatos, que as pessoas possam refletir sobre seus comportamentos, sobre o
que estão cantando e que artistas elas estão idolatrando. Foi dessa reflexão que surgiu o artigo
em questão.
Observar as taxas de violência contra a mulher, o feminicídio crescente, o
comportamento masculino que repete padrões de selvageria justificada, exatamente como nas
letras dessas musicas, onde o abusador justifica as suas ações e tudo fica “exclarecido”. Tudo
isso precisa ser olhado com crítica, pois já estamos em um tempo onde certas coisas precisam ser
banidas, e a mídia, gravadoras, devem ter um mínimo de filtro, bom senso e consciência antes de
aprovar que tais composições cheguem ao público. Pois há uma naturalização da violência contra
a mulher já na construção cultural do nosso país, e estamos em um momento que clama por
transformação.
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DISCUSSÃO

O machismo está presente em todos os gêneros musicais ha muitas décadas. A música,


assim como propagandas, teatro ou filmes, são veiculares de mensagens e ideologias, por isso
tem a forca de manifestações culturais. Mesmo que diretamente a musica não cause violência,
ela opera por reforço uma imagem de submissão e inferioridade feminina. De acordo com o
Behaviorismo, Reforço Consiste em qualquer estímulo ou evento que aumenta a probabilidade
de ocorrência de um comportamento.
A cultura do estupro é escancarada em letras carnavalescas, que estendem e perpetuam a
violência contra a mulher. A misoginia encontra-se em musicas de todo tipo, como por exemplo,
na canção do começo do século XX, composta por Noel Rosa, titulada Mulher Indigesta:

Mas que mulher indigesta!


Merece um tijolo na testa
Essa mulher não namora
Também não deixa mais ninguém namorar
É um bom center-half pra marcar
Pois não deixa a linha chutar
E quando se manifesta
O que merece é entrar no açoite (ROSA, 1932).

Por mais que os tempos de Noel Rosa fossem outros, talvez até mais aceitável que letras
misóginas não fossem questionadas naquela época, já que se tratava dos anos 40 - ainda assim, a
apologia ao feminicídio é inaceitável em qualquer tempo. Existe uma romantização das relações
abusivas, da submissão da mulher. Canções que colocam a mulher no papel de traída, violentada,
mas que continua lá, ao lado do homem. Vivemos em um tempo onde a violência já não
consegue ficar mascarada. Os porquês estão cada vez mais expostos, as mulheres mais
conscientes de que não precisam viver em situações abusivas, e o mais importante, elas tem
encontrado rede de apoio para que consigam sair de relacionamentos tóxicos. Outro exemplo
escancarado de misoginia ‘e a musica Se te pego com outro, composta por Sidney Magal:

Se te agarro com outro te mato


Te mando algumas flores e depois escapo
Se te agarro com outro te mato
Te mando algumas flores e depois escapo
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Dizem que sou violento


Mas a rocha dura se destrói com o vento(Magal,1977).

Sem dúvidas essa música pode ser considerada uma ameaça, além de um reflexo do que
a sociedade vive. Inúmeros casos de violência contra a mulher e morte, são provenientes de
ciúme doentio. Recentemente foi feito um site que denuncia letras dos tempos atuais, questiona e
escreve o porquê do conteúdo ser improprio para a formação de cidadãos conscientes. O site é o
http://www.mmpb.com.br. Feito exclusivamente por mulheres, com o intuito de conscientizar as
pessoas do quão desnecessário para a sociedade é a criação de músicas com apologia à violência.
E ainda, o quanto esse tipo de letras ainda constitui parte do caráter de muitos homens. Olhando
para o lado da defesa da mulher, apenas em um passado recente foi aprovada a Lei Maria da
Penha. Apenas no século XXI, aprovada uma lei que visa defender os direitos da mulher.
A taxa de feminicídio é a quinta maior do mundo. De acordo com o Instituto Patricia
Galvão, “Feminicídio é o assassinato de uma mulher pela condição de ser mulher. Suas
motivações mais usuais são o ódio, o desprezo ou o sentimento de perda do controle e da
propriedade sobre as mulheres, comuns em sociedades marcadas pela associação de papéis
discriminatórios ao feminino, como é o caso brasileiro”.

Segue exemplos de outros compositores (antigos e atuais) e suas respectivas canções. É


importante perceber a misoginia, presente em diferentes gerações e através dos séculos:

“O que ‘e que eu dou?” de Dorival Caymmi:


Eu já fiz tudo,
Fiz tudo pra lhe agradar.
Ela está sempre zangada,
Sempre de cara amarrada.
Será que ela quer pancada?!
É só o que lhe falta dar!
Ela quer apanhar!

“Marina” também de Caymmi:


Marina, você se pintou
Marina, você faça tudo
Mas faça um favor
Não pinte esse rosto que eu gosto
Que eu gosto e que é só meu
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“Loraburra” de Gabriel O pensador;


Não eu não sou machista
Exigente talvez
Mas eu quero mulheres inteligentes
Não vocês
Vocês tão muito carentes
Mas eu só vou te usar
Lôraburra, cê não passa de mulher-objeto.

E a lista poderia seguir por muitas páginas. E como um absurdo desses se tornou algo
normal? Como a sociedade é conivente com esse tipo de comportamento? Artista famoso e
reverenciado, da velha guarda até os mc’s da atualidade, todos eles fazendo sua fama através da
violência, criando cultura, disseminando o ódio, é realmente inexplicável como a sociedade
muitas vezes se deixa levar pela onda da moda, sem qualquer questionamento. E do outro lado,
mães, irmãs, tias, avós, amigas, todas sendo cruelmente violentadas todos os dias. Ao analisar
historicamente, é notável que todo o século passado viveu com o consentimento da cultura
midiática musical brasileira em tratar com normalidade a violência, a subalternidade do sujeito
feminino. Ao apoiar a permanência de tais estereótipos, ha uma conivência com o
comportamento de massa, e isso reforça a nulidade da mulher, a coerção para que ela abaixe a
cabeça, obedeça e não tenha voz. Isso dificulta o acesso da mulher ao respeito e aos direitos nos
mais diferentes aspectos sociais.
Por mais que o movimento feminista e sua luta tenham conseguido conquistas para a
mulher, a existência de musicas que diminuam e façam a apologia a qualquer diminuição do
sujeito feminino, fazem com que a mulher precise remar contra a corrente. São aspectos sociais
que obstaculizam as conquistas de direitos iguais, de poder viver em uma sociedade que respeita
e valoriza essa mulher. A mídia, ao propagar conteúdos sem reflexão, sem uma peneira de
dignidade social, faz o papel de vila e formadora de indivíduos machistas, patriarcais, e por trás
disso, os números de feminicídio aumentam a cada dia.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sob a perspectiva analisada, pode-se observar como os estereótipos femininos, mesmo


atualizados culturalmente no tempo, ainda são alvos da indústria, refletidos e propagados como
produtos, nos diversos gêneros musicais existentes no Brasil. Ao analisar músicas especificas
que trazem a temática da violência e misoginia, a própria letra traz a justificativa para que o
homem aja de tal maneira, culpabilizando a mulher, seja por sua traição, ciúme, recalque ou
comportamento social da mulher, visto como abominável e merecedor de penalização.
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Recentemente o cenário está um pouco mais atento, e artistas do sexo masculino já não
saem tão impunes e estão sendo expostos para que revejam seu comportamento, como é o caso
do MC Diguinho, que precisou se desculpar publicamente após protestos no carnaval de
Pernambuco. Movimentos onde os homens reconhecem a misoginia e voltam atrás, como o caso
do musico Criolo, que refez muitas de suas letras para gravar seus discos quando percebeu que
eram misóginas, são bem raros. Talvez seja irrelevante e insignificante para muitos homens, ter
contato com esses dados, com essa realidade. É mais fácil ficar tranquilo quando não somos
vitimas de preconceito, de violência. É algo que fica distante, que não nos diz respeito. E é
também por isso que a violência precisa ser denunciada, para que não aja mais impunidade. E
situações que fazem apologia a violência contra a mulher, precisam ser escancaradas, para que
cesse o movimento destruidor e que a mídia apoia e se vincula, dia a pós dia. Porque quem está
sentado no privilégio não se importa muito com o que acontece ao redor.
Qualquer estilo de música, sem importar de que artista se trata sua relevância ou
popularidade, precisa respeitar a dignidade e o valor da mulher como ser humano. Se
conseguirmos ultrapassar as armadilhas do patriarcado, chegaremos a um ponto onde reflexões
como essa não serão mais necessárias.

REFERÊNCIAS

FISCHER, Luís Augusto. Como ensinar o que aprendi sem perceber. In: FISCHER, Luís
Augusto; LEITE, Carlos Augusto Bonifácio. O alcance da canção: Estudos sobre música
popular. Porto Alegre: Arquipélago, 2016. p. 10-29.

VELEDA, Suelen Gomes. A cultura da violência contra a mulher na música brasileira (1930-
2017). Mafuá, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, n. 31, 2019.

https://artigo19.org/wp-content/blogs.dir/24/files/2017/12/Os-Dados-Sobre-Feminic
%C3%ADdio-no-Brasil.pdf

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