ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA
São Luís
2011
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UNIDADE 1
FENOMENOLOGIA HUMANA ........................................... 23
UNIDADE 3
CONCEPÇÕES ANTROPOLÓGICAS À LUZ DA FILOSOFIA
NO OCIDENTE ........................................................................ 111
UNIDADE 4
DIMENSÕES FUNDAMENTAIS DO HOMEM ..................... 149
UNIDADE 5
DUAS PERSPECTIVAS HUMANISTAS: o marxismo e o
existencialismo ............................................................................ 193
EMENTA
OBJETIVOS
Geral
Específicos
CONTEÚDO PROGRAMÁTICO
UNIDADE 1
FENOMENOLOGIA HUMANA
UNIDADE 2
CONSTITUIÇÃO CIENTÍFICA DA ANTROPOLOGIA NO
OCIDENTE
UNIDADE 3
CONCEPÇÕES ANTROPOLÓGICAS À LUZ DA FILOSOFIA NO
OCIDENTE
UNIDADE 4
DIMENSÕES FUNDAMENTAIS DO HOMEM
UNIDADE 5
DUAS PERSPECTIVAS HUMANISTAS: o marxismo e o
existencialismo
METODOLOGIA
AVALIAÇÃO
Caro estudante,
Uma das coisas que notaremos bem é que a cultura, assim como a
história, é uma construção humana. O homem é assim o artífice do
mundo e de seu destino. Podemos adiantar que nada nos é dado a
priori, isto é, antes da existência propriamente dita. Considerando
estas afirmações, já estamos no campo de discussão sobre a liberdade
pensada por Sartre no texto O Existencialismo é um Humanismo. E
assim encerramos nossa quarta unidade.
1
Objetivos dESTA unidade:
FENOMENOLOGIA HUMANA
Compreender o homem
enquanto ser complexo e
pluridimensional;
Analisar criticamente
alguns traços
fundamentais do homem;
ITINERÁRIO DE ESTUDOS
24 filosofia
O que é o homem? É ponto de partida da
Antropologia Filosófica
26 filosofia
Destarte, você percebe bem que a marca primordial do homem é
exatamente a complexidade em função da sua multidimensionalidade.
É uma condição sine qua non para um sério enfoque antropológico.
É claro que se pode privilegiar ou sublinhar qualquer um destes aspectos Lima Vaz observa, por
exemplo, que o reducionismo
numa determinada análise, desde que se evite o reducionismo economicista que ocorre em
certas interpretações marxistas,
antropológico. A especialidade deixa de ser legítima à medida inviabiliza uma compreensão
globalizante de homem.
que pretenda um teor de totalidade. Ressalte-se que cada dimensão,
exprime não uma fração, mas o homem global. Neste sentido, vejamos
o que o antropólogo Arduini (1989, p. 19) afirma:
De igual modo, Jaspers observa que o homem foi definido como ser de
palavra e pensamento (zoon logon echon), que estabelece legislação
à cidade (zoon politikon), que fabrica e trabalha com utensílios (homo
faber e laborans) e que assegura comunitariamente sua subsistência
(homo laborans). O que essas definições ratificam, afirma Jaspers,
28 filosofia
é que na perspectiva antropológica a imutabilidade é inconcebível.
Ao contrário, “a essência do homem é mutação: o homem não pode
permanecer como é. [...]. Contrariamente aos animais, ele não é um
ser que se repete de geração para geração.” (JASPERS, 2006, p. 47).
30 filosofia
práxis, à medida que exerce atividade externamente modificando a
natureza e desenvolvendo faculdades latentes.
E ainda:
32 filosofia
Se queremos resolver essa questão [...] de
‘superioridade’ do homem aos animais, eu não vejo
senão um meio: por decididamente de lado, no feixe
dos comportamentos humanos, todas as manifestações
secundárias e equívocas da atividade interna e encarar
bem de frente o fenômeno central da Reflexão. [...],
por sermos reflexivos, não somos apenas, mas outros.
Não só simples mudança de grau, - mas mudança de
natureza – que resulta de uma mudança de estado
(CHARDAIN, 2006, p. 186-187).
O helenista Sir Moses Finley Imaginemos a discussão que certamente na altura daquele século
frisa que na literatura arcaica
grega mitos e logos significam VI a.C., deve ter provocado entre os que viam no logos – na razão
exatamente expressão
oral contrastando com a superação do mito – narrativas (talvez) imaginárias, flutuantes e
ação. Entretanto, Hecateu
(predecessor do historiador aqueles que, inversamente, não renunciavam sua pia confiança nas
grego Heródoto) afirmava
serem suas narrações tradicionais “histórias” divinas. Talvez algo semelhante ao intenso
(mytheitai) verdadeiras
enquanto outros gregos tinham debate entre fé e razão nos tempos primordiais do cristianismo.
narrativas (logoi) falsas. Já em
Píndaro os mythoi são relativos
à falsidade e logos à verdade.
Na verdade, a razão, por um lado, é certa continuação do mito, por
outro, entretanto, ruptura, em função de sua lógica própria. O mito
é uma narrativa e não a solução de um problema; a razão toma a
forma de um problema adequadamente formulado. “O espaço do
questionamento não pode ser liberado senão a partir do processo de
laicização do discurso que envolve o da constituição e desenvolvimento
das cidades.” (LACROIX, 2009, p. 25). O mito confunde os planos
E você, advogaria para quem?
Para a tese de Burnet que divino natural e humano; à luz da razão as questões políticas começam
defendia a ruptura entre mito
e razão ou para Conford que, a ser realmente discutidas. O mito concebe os elementos naturais como
ao contrário, via continuidade
entre mito e logos?
realidades físicas e divinas; desde a cosmologia dos jônicos aqueles
elementos são abstratamente definidos.
34 filosofia
E Heráclito, como compreende o logos? Lacroix (2009, p. 35), explica:
36 filosofia
[...] a revolução copernicana de Kant é a substituição,
em teoria do conhecimento, de uma hipótese idealista
à hipótese realista. O realismo admite que uma
realidade nos é dada, que seja de ordem sensível
[...] ou de ordem inteligível [...], e que o nosso
conhecimento deve modelar-se sobre essa realidade.
Ora, observe que conhecer é dar forma a uma matéria dada, esta
é a posteriori e a forma é a priori. A primeira é variável, mas a
segunda imposta pelos sujeitos ao objeto será encontrada em todos os
cognoscentes (sujeitos).
38 filosofia
Rabuske exprime o presságio dessa crise cultural na declaração a
seguir:
40 filosofia
As primeiras uniões entre pessoas, oriundas de uma
necessidade natural, são aquelas entre seres incapazes
de existir um sem o outro...[...]. A comunidade
construída a partir de vários povoados, é a cidade
definitiva; [...] assim, ao mesmo tempo que já tem
condições para assegurar a vida de seus membros, ela
passa a existir também para lhes proporcionar uma
vida melhor. Estas considerações deixam claro que a Na Ética Nicômacos (1097b),
cidade é uma criação natural, e que o homem é por Aristóteles também afirma
natureza um animal social, e um homem que por esta condição do homem, ao
dizer: “Quando falamos em
natureza, e não por mero acidente, não fizesse parte autossuficiente não queremos
de cidade alguma, seria desprezível ou estaria acima aludir àquilo que é suficiente
da humanidade. [...]. É claro, portanto, que a cidade apenas para um homem
tem precedência por natureza sobre o indivíduo. isolado, para alguém que leva
uma vida solitária, mas para
(ARISTÓTELES, 1997, p. 14-15). seus pais, filhos, esposa e,
em geral, para os amigos e
Veja, então, que o homem é inconcebível fora da sociedade. Ampliando concidadãos, pois o homem
é por natureza um animal
o instinto gregário enquanto condição primária de sobrevivência, o social.” (ARISTÓTELES, 2001,
p. 23).
homem estabelece elos cooperativos como fundamento das instituições
sociopolíticas, demarcadas por valores e legislações que orientam e
regulam, cuja finalidade última, em tese, é o bem-estar individual e
coletivo. Portanto, o homem, porque é sociável, é eminentemente
político. Hannah Arendt (2007, p.23) é enfática ao explicar esta
correlação (socialidade-política): “zoon politikon como se no homem
Convém notar que para
houvesse algo político que pertencesse à sua essência [...]. A política Rousseau a associação e os
consensos derivados entre os
surge no entre-os-homens; portanto, totalmente fora dos homens. homens devem fundamentar-
se imprescindivelmente na
[...]. A política surge no intraespaço e se estabelece como relação.” liberdade consciente.
Aliás, a autora já havia ressaltado em A Condição Humana em 1958,
que a vida política é uma ação que por excelência sobrepõe-se ao
labor – dinâmica biológica do corpo e ao trabalho – artificialidade da
existência, dizendo o seguinte:
42 filosofia
grande mediador, um magno sistema capaz de harmonizar os conflitos
sociais. Entretanto, como se sabe, numa perspectiva marxista o Estado
é uma instituição que interfere nas lutas de classes e, geralmente, em
favor das classes dominantes. De fato, Engels, o amigo de Marx, diz
que o Estado é um organismo que protege os que possuem contra
os que não possuem. O marxista francês Louis Althusser afirma o
seguinte:
44 filosofia
O homem como ser ético-moral
O homem, então, uma vez dotado de senso ético e consciência moral, Convém distinguir juízos de
realidade de juízos de valor.
faz juízos de valor sobre o modo de agir de si mesmo e dos demais. “juízos de realidade, quando
partimos do fato [...], mas
Tugendhat (1996, p. 12) afirma “que não podemos desconsiderar juízos de valor, quando lhes
atribuímos uma qualidade
que tanto no âmbito das relações humanas quanto no político, que mobiliza nossa atração ou
repulsa.” ARANHA, Maria L.
constantemente julgamos de forma moral.” Isto implica dizer que os de Arruda & MARTINS, Maria
H. Pires. Filosofando. São
comportamentos morais aprováveis ou reprováveis são inseparados Paulo: Moderna, 2009, p.213
historicamente, das comunidades humanas. Vázquez (1982, p. 7) tem,
Importante explicar que os Originalmente o termo moral remete-nos a mos-mores – que em latim
gregos davam dois sentidos
ao termo ethos. Quando significa costume e valores de uma determinada cultura. Ética, por sua
grafado ethos (eta incial – “e
pequeno”) designa moradia vez, é uma palavra derivada de ethos, que no grego também significa
de maneira geral dos
animais ou dos homens. Esta costumes e valores de um povo. Com efeito, explica Perine (1988; p.
metáfora da morada e do
abrigo quer dizer que a partir 25), que “tanto em latim quanto em grego refere-se aos costumes, ao
do ethos o mundo se torna
habitável para o homem.
caráter, às atitudes humanas em geral e, particularmente, às regras de
Quando escrito Ethos (epsilon conduta e à sua justificação.”
incial – “E grande”) refere-se
ao comportamento resultante
da repetição dos mesmos
atos. Nesse nível assinala-se
Considere, entretanto, a ressalva que certos autores,
que o habitual opõe-se ao sublinham quanto à diferença entre os dois termos.
natural. Note-se, contudo,
que ao fundo, os dois sentidos Para Leonardo Boff, por exemplo, dizer que uma
se interligam: quando o
homem constrói sua moradia, pessoa não possui ética significa dizer que essa
estabelece, ao mesmo tempo,
certos costumes. pessoa não possui princípios, age mobilizado pelas
vantagens circunstanciais. Por outro lado, uma
pessoa é imoral porque engana clientes, rouba
Leonardo Boff (1938)
Fonte: http://www.google. o dinheiro público, explora os trabalhadores, é
com.br
agressor onde convive. Isto é, pode até ter ética –
Não seria antiético uma princípios e valores fundamentais, mas age contrariamente a estes.
pessoa que se orienta pelo
princípio de levar vantagem
em tudo (lei dos ditos mais Em um nível mais teórico, Vázquez esclarece da seguinte forma: “a
espertos)? E não seria imoral
porque, apesar de reconhecer moral não é ciência, mas objeto da ciência; e neste sentido, é por ela
o valor da honestidade, da
sinceridade, da verdade etc.,
estudada e investigada. A ciência não é a moral e, portanto, não pode
porém, de modo geral age sem ser reduzida a um conjunto de normas e prescrições; sua missão é
respeito aos outros? Quantas
situações dessas flagramos explicar a moral efetiva e, neste sentido, pode influir na própria moral.”
no cotidiano da família, das
relações sociais, das empresas, (VAZQUEZ, 1982, p. 13-14). Isto quer dizer que os homens não só
da política, da religião, para
citar algumas! agem moralmente, mas refletem sobre esse comportamento prático,
ou seja, tomam-no como objeto de seu pensamento. Nesse sentido,
denota-se a transição da moral efetiva para a moral reflexa.
46 filosofia
de caráter para agir, o termo hexis para indicar o hábito espontâneo
e plenamente assumido pelo agente e, portanto, manifestação da
autarquia (autárkeia) individual, isto é, domínio de si mesmo. Assim, o
ethos, é por excelência, o espaço próprio da práxis humana. Decorre,
então, uma eloquente conclusão de Lima Vaz:
48 filosofia
E o homem porque livre na condição, não pode não agir. Não obstante,
Lima Vaz adverte que o conflito moral não implica uma contraposição
estéril, um “permissismo anômico”, isto é, uma sabotagem arbitrária
e individualista à revelia de regras e valores. Ao contrário, um
Individualista - Lima Vaz
enfrentamento de dogmatismo e determinismo reflete-se numa argumenta que o não-
individualismo é o critério
rearticulação ou reinvenção saudável da moral, verifica-se um no e a medida de toda práxis
humana.
interior de um processo explicado por Henri Bérgson.
Valores - Lima Vaz, discorda
ainda da tese nietzscheana de
Há uma moral estática, que existe em dado momento, em dada que a educação ocidental é
sociedade. Ela fixou-se nos costumes, nas idades, nas instituições; seu caracterizada por uma moral
sistematicamente cerceadora.
caráter de obrigatoriedade reduz-se em última análise, à exigência pela Para o autor brasileiro,
é preferível um sistema
natureza da vida em comum. Há, por outro lado, uma moral dinâmica, orientador de valores a um
niilismo ético.
que é impulso, e que se liga à vida em geral, criadora da natureza
que criou a exigência social. A primeira obrigação, na medida em que
pressão, é infarracional. A segunda, na medida em que aspiração, é
suprarracional.
50 filosofia
Na Suma Teológica Tomás de Aquino, por sua vez, afirma:
Ora, como a vontade humana naturalmente pode ser coagida pelas Dever - Marcelo Perine,
sublinha que o dever é a
contingências e interesses particulares, Kant enfatiza a necessidade da categoria que contém a
totalidade do problema moral;
coordenação da força do dever sobre a ação. Por isso ele é enfático: é o princípio a partir do qual
“[...] o dever é uma ação por respeito à lei” (KANT s/d, p. 31). Para se determinam historicamente
todos os sistemas morais
Kant (s/d, p. 23) uma lei moral universal, exige ser traduzida no célebre positivos.
Forma - A lei assumida
princípio: “[...] devo proceder de maneira que eu possa querer que enquanto forma é ratificada
na tese básica anunciada no
minha máxima se torne uma lei universal.” Ora, observe que esta lei terceiro teorema da Crítica
objetiva precisa superar as imperfeições subjetivas, por isso em vez de da Razão Prática (1788): “se
um ente deve representar
imperativos hipotéticos – condicionados pela matéria dos interesses, suas máximas como leis
universais práticas, então ele
exige-se um imperativo categórico – princípio e forma que fundamenta somente pode representá-las
como princípios que contêm
uma ação em si mesma necessária. Com efeito, “este imperativo pode o fundamento determinante
da vontade, não segundo a
chamar-se o imperativo da moralidade.”(KANT, s/d, p. 52). matéria, mas simplesmente
segundo a forma.” (KANT,
2002; p. 45).
O princípio categórico da moralidade assenta-se na vontade livre
submissa às leis. “Todo ser que não pode agir senão sob a ideia de
liberdade, é por isso mesmo em sentido prático, verdadeiramente
Entre os críticos dessa moral formal de Kant, está Hegel para quem o
caráter puramente formal expresso na força do imperativo categórico
exige que se abstraia os conteúdos particulares das máximas de
condutas e deveres. Para Habermas, o problema central da ética
kantiana é a prioridade individualista.
52 filosofia
O próprio Bentham explica a natureza do princípio da utilidade:
Na teoria moral da justiça Para Rawls, enfim, “parece razoável que os participantes optem pelos
rawlseana racional e
razoável são distintos, porém dois princípios da justiça como equidade, que garantem a todos a
interligados, explica Silva. “O
Racional é a faculdade que todos a total liberdade, os bens primários básicos e a posição social
articula os meios eficientes
para atingir os fins. [...].
segundo sua qualificação, formação e capacidade”(PEGORARO,
O Razoável expressaria 2008; p. 129).
a capacidade de aceitar
restrições para a sua própria
concepção e implementação
do seu bem.” (SILVA, 2003, p.
E se pensarmos cada pessoa assumindo-se co-legislador e co-artífice
65-66). de um projeto de mundo melhor? É nessa direção que se orienta o
pensamento de Habermas.
54 filosofia
racionalidade comunicativa, porque segundo Habermas (2000, p. 414),
“o que está esgotado é o paradigma da consciência. Se procedermos
assim, certamente devem se dissolver os sintomas de esgotamento na
passagem para o paradigma do entendimento recíproco.”
motivado por este paradigma ele faz amplas leituras críticas de grandes
teóricos da linguagem como Frege, Wittgenstein, Austin, Searle,
Chomsky, entre outros, para demonstrar que mais do que parâmetros
semântico, sintático e de sentido a linguagem deve ser considerada
pela sua função pragmática. Assim, é impossível propor uma ética
abstraindo-se da discursividade.
A partir deste paradigma, Habermas, contra o ceticismo moral, acredita No texto “Teorias da Verdade”,
1972, Habermas já definia o
que a mesma pode ser validada desde que fundamentada no discurso. discurso como uma forma de
E por isso à diferença da ética formalista kantiana, a ética discursiva argumentação onde se testam
as pretensões de validade e a
de Habermas tem uma natureza essencialmente intersubjetiva, legitimidade dos argumentos.
Vinte anos depois, 1992,
precisamente, porque “garante a generalidade das normas admissíveis em Direito e Democracia I
ele reafirma seu conceito:
e a autonomia dos sujeitos ativos apenas através da capacidade de “discurso racional é toda
tentativa de entendimento
redenção discursiva....” (HABERMAS, 1980, p. 114). sobre pretensões de validade
problemáticas, na medida
em que ele se realiza sob
Percebamos que normas válidas são aquelas em que os envolvidos condições de comunicação
que permitem o movimento
ou afetados por elas podem dar seu assentimento. Da mesma forma, livre de temas e contribuições,
informações e argumentos
a durabilidade de um corpo de normas depende da possibilidade de no interior de um espaço
público constituído através de
razões que legitimem a pretensão de validez entre os concernidos, obrigações ilocucionárias.”
isto é, a justificação das normas é processo contínuo no âmbito da (HABERMAS, 1997, p. 142).
56 filosofia
intervenções radicais sobre a natureza exterior e sobre a própria
natureza humana, exigindo, com efeito, proporcional a este poder
de ação tecnológica do homem hodierno, uma normatização
ética embasada numa práxis coletiva cujo princípio essencial é a
responsabilidade.
58 filosofia
que decorre não da consciência de que o poder humano é ínfimo
e insignificante em relação à incomensurável potência natural, que
produz um excesso, uma desmesura excessiva de nosso poder de agir
sobre o poder de prever, valorar e agir.” (OLIVEIRA, 2000, p. 206).
60 filosofia
ele e transforma [...] transforma sua própria natureza desenvolvendo
as potências que nele dormitam e submetendo o jogo de suas forças a
sua própria disciplina.” (VAZQUEZ, 1977, p. 198).
62 filosofia
Estes versos, como podemos ver, enfocam uma questão específica: o
belo. O belo é um tema da arte. Arte é uma dimensão essencialmente
humana. Só o homem, a rigor, produz arte porque sabe que faz, como
faz e porque faz. Susanne Langer (2004, p. 248), ressalta:
É claro que os homens sempre fizeram arte, mas esta só passou a ser
expressa com o termo estética no século XVIII, precisamente por volta
de 1750, quando o alemão Alexander Gottlieb Baumgarten, em sua
obra Aesthética na qual a questão do gosto e de experiências ligadas
à arte. Na verdade, tentou articular uma lógica da imaginação. Mas
como observa Cassirer, a lógica da imaginação nunca se equalizaria à
dignidade lógica do intelecto puro.
64 filosofia
À luz da interpretação fenomenológica, algo é belo à medida que realiza
sua finalidade e é autêntico, ou seja, conforme sua forma particular de
ser e desse modo seu significado é apreendido conforme a experiência
estética.
Este sentido sui generis da arte, de modo geral, nos parece bem
realçado nas seguintes palavras de Cassirer:
66 filosofia
Assim, mais que construir o mundo como sua casa, o homem mediante
a arte projeta-se, articula outros horizontes, numa clara manifestação
de anseios ou esperanças e possibilidades, além do seu mundo real,
sem que seja covarde fuga. Ora, essa transcendentalidade humana
explicita-se, mais incisivamente, em suas experiências religiosas (não
necessariamente doutrinárias e/ou eclesiásticas).
Pois bem, estas são perguntas cujas respostas possíveis são captáveis
– se for o caso, pela afeição da alma religiosa. Alves ressalta que as
respostas, diz ele, são variadas e contraditórias. Não obstante “o que
torna a religião mais enigmática ainda é o fato de que, apesar de não
entendermos suas origens – ou talvez precisamente por não entendê-
las – o homem não consegue se desvencilhar do seu fascínio.” (ALVES,
1988, p. 33).
Por outro lado, tem razão o mitólogo Mircea Eliade quando adverte
que não se pode compreender um fenômeno religioso fora de sua
modalidade, ou seja, da própria categoria de religiosidade. Com
efeito, diz ele: “sendo a religião uma coisa humana, é também de fato,
uma coisa social, linguística e econômica [...]. Mas seria vão querer
explicar a religião por uma dessas funções fundamentais que definem
o homem.” (ELIADE, 2002, p. 1).
Mircea Eliade (1907-1986) Então estejamos certos de um fato: não se pode negar a universalidade
Fonte: http://www.google.com.br
do fenômeno religioso. Batista Mondin assinala que todas as tribos
e todas as populações em qualquer situação cultural estabeleceram
alguma forma de religião. E Rubem Alves (1988, p. 33) diz igualmente
que “não se tem notícia de cultura alguma que não tenha produzido
religião de uma forma ou de outra.” Ambos coadunam-se a Plutarco
que, na Antiguidade, já afirmava não haver povo sem Deus, sem
oração, sem juramentos, sem ritos religiosos, sem sacrifícios.
68 filosofia
a escondiam, como se ela fosse uma peste contagiosa.” Ou como diz
Eliade (2001, p. 19), “o mundo profano na sua totalidade, o Cosmos
totalmente dessacralizado, é uma descoberta recente na história do
espírito humano.” Tanto que, de modo geral, a educação orientava-
se, ou inspirava-se no paradigma religioso, ratificado por relatos de
milagres, aparições, experiências divinas ou demoníacas, de modo que
se acreditava que seres, fenômenos e eventos revelavam ou escondiam
um poder espiritual.
70 filosofia
Acompanhemos, então, ainda que brevemente suas linhas de
pensamento.
72 filosofia
tecnologia podem ser utilizadas para aniquilar a mesma civilização. É
por isso que medidas de coerção se destinam a reconciliar os homens
com a civilização e recompensá-los por seus sacrifícios. Incluem-se
entre medidas a frustração – a não satisfação de um instinto; proibição
– regulamento proibitivo e a privação – efeito da proibição. Com efeito,
afirma Freud, a coação externa gradativamente internaliza-se, porque
o superego – agente mental – é assumido como mandamento pelo
homem.
Battista Mondin observa que Convicto das forças decrépitas da religião, ele radicaliza ressaltando
já em Totem e Tabu, Freud
afirmara que no complexo que a “religião seria a neurose obsessiva da humanidade; tal como a
de Édipo acham-se juntos
os princípios da religião, da neurose obsessiva das crianças, ela surgiu do complexo de Édipo, do
moral, da sociedade e da arte.
A religião é, pois, neurose e relacionamento com o pai [...], o afastamento da religião está fadado a
delitos coletivos.
ocorrer com a fatal inevitabilidade de um processo de crescimento...”
(FREUD, 1997, p. 69). Tem-se que dizer, argumenta Freud, que as
verdades religiosas são tão deformadas e disfarçadas que a massa não
pode tomá-las como verdade. A ciência, ao contrário, afirma Freud
(1997; p. 85), “através de seus numerosos e importantes sucessos,
já nos deu provas de não ser uma ilusão” e seus inimigos mais
No livro O Antricisto (1895)
- aforismo 49, Nietsche intransigentes são os que manifestam ou secretamente temem que a
aproximar-se-ia de Freud
neste sentido, ao afirmar: “O fé religiosa seja esclarecida e depois suprimida pelo saber científico.
sacerdote conhece apenas um
grande perigo: a ciência – a
sadia noção de causa e efeito.” Freud encerra o texto sublinhando que se ele e os partidários posteriores
de suas ideias estiverem iludidos as expectativas serão abandonadas.
Ao contrário, as ilusões religiosas não admitem correções. Além disso,
as falhas de sua crítica não implicariam afirmação da religião. Se os
objetivos da razão são históricos, os da religião se esperam em Deus e
depois da morte; porém, a longo prazo, a própria religião não escapará
à sobrepujança científica.
Pensemos, enfim, nesta assertiva com a qual Freud encerra seu livro:
“Não, nossa ciência não é uma ilusão. Ilusão seria imaginar que aquilo
Desde que Freud (em O
Futuro de uma Ilusão, 1927) que a ciência não nos pode dar, podemos conseguir em outro lugar.”
defendeu a superação da
religião pela ciência, se esta (FREUD, 1997, p. 40).
realmente avançou sobre a
religião, em que nível estaria
este avanço em nossos tempos?
Ou ao contrário, a religião Portanto, para Freud a ciência será a única força terapêutica capaz
conserva margem de autarquia
perante evoluções científico- de expurgar essa “neurose obsessiva da humanidade”, a religião, cujos
tecnológicas?
fundamentos são essencialmente psicológicos.
74 filosofia
Friedrich Nietzsche é o terceiro grande ateu do século XIX.
Thrower (s/d, p. 131) frisa que para Nietzsche “a estabilidade política
e o desenvolvimento da época não valiam nada, comparadas com o
único fato que para ele contava, mas que seus contemporâneos se
recusavam a aceitar: Deus tinha morrido.”
Com isto, ainda em Gaia Ciência, ele propala que a morte do Deus cristão
é a magna notícia dos últimos tempos e que, portanto, a crença em Deus,
já indefensável, espraia-se pela Europa. A morte de Deus para Nietzsche,
implica o fim de todo idealismo assimilado e apregoado pelo cristianismo.
É por isso que sobre a doutrina cristã pesa para Nietzsche a acusação
de inversão de valores – “não existem fenômenos morais, apenas uma
interpretação moral dos fenômenos...” (NIETZSCHE, 2000, p. 73)
– logo, o cristianismo articula seu triunfo sobre as falsas promessas,
ao preço do sacrifício da humanidade do homem. É por isso que ele
radicaliza sua crítica quando em O Anticristo (2007, p. 23), Aforismo
5, destaca o seguinte:
76 filosofia
enfim, sobrepõe o sacrifício à energia vital. No quarto artigo da “Lei
Contra o Cristianismo”, registrado no epílogo de o Anticristo (2007, p.
81), repudia, particularmente, o cânone da castidade, nestes termos:
78 filosofia
[...] é criar novos valores. Aqui Nietzsche pretende realizar obra análoga
à dos legisladores: estabelecer novas tábuas de valores”.
80 filosofia
A transcendência permite a liberdade criativa, isto é, capacidade de
protestar e transigir toda forma de opressão sistemática: educação,
família, política, religião etc., por isso, Boff (2000, p. 39) alerta: “Não
nos deixemos mediocrizar, mantenhamos nossa grandeza, nossa
capacidade de voo, nossa capacidade de transcendência.”
82 filosofia
errado, mas, sim, porque se publica algo que por definição não é público.”
(STORK: ECHEVARRÍA, 2005, p. 85). A intimidade é diversificada, pois
“nenhuma intimidade é igual à outra. [...]. A pessoa é única e irrepetível,
porque é um alguém; não é apenas um que, mas sim um quem. [...]. A
pessoa é um absoluto, no sentido de um único, irredutível a qualquer
coisa.” (STORK: ECHEVARRÍA, 2005, p. 86-87) [grifos do tradutor].
Daquilo que foi dito até aqui e do que já se sabe, entretanto, há que se
repetir, enfim, que o homem é em essência um ser finito e inacabado.
Lembremo-nos de Ferreira Gullar, o que inicia seu famoso poema.
Traduzir-se dizendo eloquentemente: “Uma parte de mim é todo mundo;
outra parte é ninguém: fundo sem fundo.” E superar-se a si mesmo e ao
mundo, projetar-se para além, transcender, é o desafio eterno do homem.
84 filosofia
Mas, apesar da morte, ou justamente por causa dela, o homem está
sempre buscando algo mais enquanto atravessa ou trafega pela
existência. Maranhão (1985, p. 64), argumenta justamente que “à
medida que nos conscientizamos de nossa condição de mortais,
percebemos mais a mais, que não temos o direito de desperdiçar o
pouco tempo da nossa existência.” Neste sentido, é que o homem
aspira ao infinito, pretende alcançá-lo através dos aperfeiçoamentos
ininterruptos.
CONCLUSÃO
86 filosofia
integrativa que objetive levar em consideração as múltiplas
dimensões do ser humano em sociedade. [...] uma das
maiores vocações de nossa abordagem (antropológica)
consiste em não parcelar o homem...” (LAPLANTINE,
François. Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense,
2007, p. 16).
1. Hominização
Uma ficção sobre a vida terrestre no século XXI, à medida que questiona
o que é o ser humano, dada a semelhança entre este e os andróides
2. Problema da razão
88 filosofia
3. Problema sociopolítico
4. Problema ético-moral
6. Religião e transcendência
90 filosofia
TEXTO COMPLEMENTAR
A relação homem-mundo
Edvino A. Rabuske
92 filosofia
A experiência humana sempre está penetrada pela compreensão
racional, pela avaliação volitiva e emocional, pela recordação do
passado e pela antecipação do futuro. No nosso mundo da experiência
nos encontramos, antes de tudo, como homens entre homens. O ser-
no-mundo é inseparável do ser-com-outros. A compreensão do mundo
é social: somente pela relação com os outros homens participamos
dum mundo histórico-cultural. [...].
94 filosofia
unidade
2
ObjetivoS dESTA unidade:
CONSTITUIÇÃO CIENTÍFICA DA Compreender a natureza
ANTROPOLOGIA NO OCIDENTE e a especifidade da
Antropologia Filosófica;
Destacar teorias e
autores fundamentais
para a sistematização
científica da Antropologia
Filosófica;
Sublinhar metodologias e
PALAVRA INICIAL... técnicas mais apropriadas
neste campo de pesquisa.
Caro estudante,
96 FILOSOFIA
de êxito e, reciprocamente, o sucesso da pesquisa ou atuação de
um antropólogo pode ser facilitada se ele levar em conta dados
agronômicos relativos aos regimes de estilos e trabalhos agrícolas de
uma determinada comunidade rural daquelas mesmas regiões tomadas
como exemplo. Em tese, portanto, ciências exatas e naturais e ciências
sociais e humanas não se excluem mutuamente. Pelo contrário, frisamos
acima que o homem é, a rigor, um objeto de pesquisa razoavelmente
inteligível se tomado sob o critério da interdisciplinaridade.
Não obstante, Demo (2006, p. 13) ressalve que “[...] justifica-se uma
metodologia relativamente específica para as ciências humanas,
porque o fenômeno humano possui componentes irredutíveis às
características da realidade exata e natural.”
98 FILOSOFIA
O cientista natural tem seu desenvolvimento inevitável
como cidadão que é: mas isto não faz parte intrínseca
de seu objeto de estudo, embora faça parte extrínseca.
Políticos somos todos nós, pelo simples fato de
ocuparmos uma posição qualquer na sociedade,
dominante ou dominada. Não precisa ser posição
partidária. O cientista social tem tal imbricação no
próprio objeto de estudo, com o qual em última
instância se identifica (DEMO, 2006, p. 19).
100 FILOSOFIA
A fase atual de conhecimentos, diante da complexidade de saberes
que envolvem o homem-objeto e, consequentemente, suscita uma
variedade de abordagens sobre o homem confluídas naquela pergunta
“o que é o homem”? A Antropologia Filosófica assume o desafio
de sistematizar e sintetizar as diversas explicações sobre o homem,
buscando constituir, enfim, o discurso filosófico sobre o homem ou, de
outro modo, um discurso antropológico de teor ontológico.
102 FILOSOFIA
Battista Mondin (1980, p. 6) retoma uma interessante observação de
Max Scheler, sobre a importância da Antropologia Filosófica que diz
o seguinte:
104 FILOSOFIA
a Etnografia e a Antropologia Social. A Arqueologia, ligada à
Antropologia Física, analisa uma cultura antepassada através de
vestígios deixados em objetos, moradias, artes etc. Escavação é uma
das técnicas mais usadas nesse tipo de pesquisa; a Linguística volta-se
para a compreensão do sistema linguístico de povo e, por extensão,
axiomas, costumes, regras etc., e a Etnologia, como o termo induz,
analisa ou estuda a identidade de um povo em seus vários aspectos,
sobretudo o cultural. O método comparativo é comum neste tipo de
pesquisa.
106 FILOSOFIA
mensurar, controlar e manipular, mas busca compreender as
interpretações, o pensamento sobre o objeto em pesquisa. Há neste
sentido uma coligação com o método transcendental, haja vista que
este “move-se a partir dos fenômenos e os estuda profundamente
com a finalidade de descobrir as raízes últimas. No caso do homem,
ele busca uma justificação última de todos os seus comportamentos,
inferindo as condições que os tornam possíveis.” (MONDIN, 1980,
p. 17).
CONCLUSÃO
108 FILOSOFIA
TEXTO COMPLEMENTAR
Battista Mondin
110 FILOSOFIA
unidade
3
ObjetivoS dESTA unidade:
CONCEPÇÕES ANTROPOLÓGICAS À LUZ
DA FILOSOFIA NO OCIDENTE Explicitar as etapas e
os esforços principais
pelos quais perpassou o
processo de construção
científica da Antropologia
Filosófica;
PALAVRA INICIAL...
Destacar contribuições
Caro estudante, decisivas para
compreensão universal
de homem;
Demarcar caracteres
Esta terceira unidade é relevante, porque poderemos acompanhar, que explicam o homem
ainda que com certos limites, compreensões antropológicas em suas diversas fases
históricas;
retesadas entre os gregos arcaicos e os nossos tempos. Seguindo
basicamente as primorosas reflexões do filósofo brasileiro Padre Analisar o permanente
desafio antropológico
Henrique Cláudio de Lima Vaz na sua valiosa obra Antropologia diante da ininterrupta
Filosófica (2 vol.), de 1993, poderemos perceber com nitidez as complexidade humana.
diversas interpretações, por conseguinte, as multifaces pelas quais
o homem vem denotado ao longo dessa trajetória histórica, cerca
de 29 séculos.
112 FILOSOFIA
degenera valores humanos e a propriedade privada é a matriz das
injustiças espraiadas na civilização.
Ainda neste cenário moderno, nos fins do século XVIII, Kant escreve
um texto sobre antropologia no qual ressalta as dimensões histórica,
política e pedagógica e no interior destas a educação, a política e
a liberdade civil. Hegel, como perceberemos, afirma que o homem
é matéria, forma e figura, portanto, objeto, respectivamente, da
antropologia, da fenomenologia e da psicologia.
114 FILOSOFIA
A imagem do homem na Grécia Arcaica, tem, pelo menos, três níveis
fundamentais.
Teológico ou religioso
Cosmológico
Antropológico
Enfim, convém dizer que o homem grego arcaico está acima de tudo
submetido ao destino em dois sentidos. Primeiro um pessimismo
radical, pelo qual o homem encontra-se frágil e desamparado, e depois
o moralismo fundado na responsabilidade pessoal, pela qual imputa-
se o mérito ou demérito de sua escolha.
A antropologia sofística
116 FILOSOFIA
• individualismo relativista como reflexo das primeiras articulações
ceticistas em relação à verdade;
A transição socrática
Antropologia platônica
118 FILOSOFIA
Enfim, ressalta Lima Vaz, em vários dos seus Diálogos célebres, Platão
enfoca temas humanos, influenciando, definitivamente, a imagem de
homem em nossa civilização:
Antropologia aristotélica
• homem como zôon ligikón, uma vez que distingue-se pela sua
racionalidade; dotado de logos o homem não é, pois, meramente
um “ser natural.” Neste sentido, destacam-se três aspectos:
primeiro, enquanto psyché o homem eleva sua atividade intelectual
(nous) acima dos sentidos; segundo, finalismo explícito no saber
objetivizado seja na contemplação (theoría) – busca da verdade:
Física, Matemática e Teologia; ação (práxis) – busca do bem ou
da virtude: Ética e Política e fabricação (poíesis) – artificialidades
prazerosas como a linguagem na Poética e Retórica; e terceiro, os
processos formais como na ciência lógica em que a codificação
da forma do pensamento implica tradução simbólica do saber
científico. Portanto, ressalta Lima Vaz (1981, p.40), reportando-se
a Eric Weil (L’Anthropologie d’Aristote),“que enquanto ser dotado
de logos (da fala e do discurso), o homem transcende de alguma
maneira a natureza e não pode ser considerado simplesmente um
ser ‘natural’”.
120 FILOSOFIA
• homem passional e desejante. Aspectos incluídos tanto na psyché,
sede das paixões (pathê), e desejo (órexis), como na própria ação
“irracional” que intervém na ética, na política e no fazer humano.
122 FILOSOFIA
Concepção Medieval de Homem
124 FILOSOFIA
dos séculos XIX e XX. Nessa época, as concepções se complexificam
em decorrência da “pluralidade antropológica” que, por conseguinte,
dissipa aquela unidade cultural (grega) ou religiosa (medieval) em torno
da imagem do homem, a qual doravante “é desfeita pela descoberta
da imensa diversidade das culturas e dos tipos humanos e pelo próprio
avançar das ciências do homem que submetem o seu objeto a uma
análise minuciosa e, aparentemente, desagregadora de sua unidade.”
(VAZ, 1981, 77).
126 FILOSOFIA
Na segunda metade daquele século XVII, o pensamento de Blaise Pascal
é tensionado, por um lado pela ordem eterna da natureza contemplada
nos abismos do infinitamente grande e do infinitamente pequeno e,
por outro, pela miséria bem expressa na corrupção da natureza e das
faculdades humanas. Para Lima Vaz, o Cogito pascalino também ressalta
a importância do homem; porém à diferença de Descartes, não se volta
para o domínio do mundo, mas para a dimensão moral. O mais importante
em Pascal não é a ciência, mas a situação cósmica do homem: demasiado
pequeno supera pelo pensamento, compreende o universo cuja dimensão
absorve-o. O homem pascalino encontra-se, pois, num dilema trágico:
nem se abriga na ordem cósmico-teológica da compreensão cristã-
medieval, nem se apossa do mundo como em Descartes.
128 FILOSOFIA
Compreensão kantiana de homem
130 FILOSOFIA
distanciamento da vida natural, caminho de vida infeliz. No Discurso
sobre a Origem da Desigualdade estabelece as razões da desigualdade
e da injustiça social. Com efeito, homem natural e sociedade integram-
se, essencialmente.
132 FILOSOFIA
da qual produz sua vida, empregando-se neste processo elementos
como: intencionalidade, linguagem, instrumentos e cooperação
intersubjetiva.
E em segundo lugar,
134 FILOSOFIA
caso de Abraão, cuja prova de obediência a Deus para matar o próprio
filho Isaac ultrapassa os códigos éticos.
136 FILOSOFIA
espelho convergente de intencionalidade de toda a realidade e, por
outro, abrem a polêmica sobre essa centralidade humana em função
da diversidade das ciências da natureza e do próprio homem.
CONCLUSÃO
138 FILOSOFIA
Que tipo de mudança conceitual sobre o homem se
verifica na sofística em relação à conceitos antropológicos
da Grécia arcaica?
140 FILOSOFIA
TEXTO COMPLEMENTAR
Ernst Cassirer
142 FILOSOFIA
incidentais. Não chamai do homem nenhuma daquelas coisas que
não lhe cabem como homem... [Marco Aurélio]. [...]. Riquezas,
posição, distinção social, até mesmo a saúde e os dotes individuais –
tudo isso torna-se indiferente. Tudo o que interessa é a tendência, a
atitude interior da alma; e tal princípio não pode ser perturbado. [...]
Aquele que vive em harmonia consigo mesmo, com seu demônio, vive
em harmonia com o universo; [...]. A própria vida está mudando e
flutuando, mas o verdadeiro valor da vida deve ser buscado em uma
ordem eterna que não admite qualquer mudança. [...]
144 FILOSOFIA
Foram necessários os esforços combinados de todos os metafísicos do
século XVII para superar a crise intelectual provocada pela descoberta
do sistema copernicano. [...]. Galileu afirma que, no campo da
matemática, alcança o ápice de todo conhecimento – conhecimento
que não é inferior ao do intelecto divino. [...]. Descartes começa sua
dúvida universal que parece encerrar o homem nos limites de sua
própria consciência. [...]. Mas mesmo neste caso, porém, a ideia do
infinito acaba sendo o único instrumento para a derrubada da dúvida
universal. Só por meio desse conceito podemos demonstrar a realidade
de Deus e, de maneira indireta, a realidade do mundo material. Leibniz
combina essa prova metafísica a uma nova prova científica. Pelas regras
desse cálculo [infinitesimal] o universo físico torna-se inteligível. [...]. É
Spinoza quem se aventura a dar o último passo, decisivo, nessa teoria
matemática do mundo e da mente humana. [...], concebe uma nova
ética, uma nova teoria das paixões e afetos, uma teoria matemática do
mundo moral. [...]. A razão matemática é a chave para uma verdadeira
compreensão das ordens cósmica e moral. [...].
146 FILOSOFIA
GRECETHUYSEN, Bernard. Antropologia Filosófica. Lisboa:
Presença, s/d.
4
DIMENSÕES FUNDAMENTAIS DO ObjetivoS dESTA unidade:
150 FILOSOFIA
ROTEIROS PARA ESTUDOS
(Rousseau)
De fato, hoje se admite que o homem como ser falante – homo loquens,
é uma definição bem apropriada porque realmente a categoria da fala
estabelece nitidamente a fronteira entre o homem e os outros animais,
acentuando, assim, a particularidade daquele sobre estes últimos.
152 FILOSOFIA
ocasiões, torna-se uma força natural, e até sobrenatural.” Não obstante
acreditarmos ou não em palavras mágicas e místicas atribuídas à
linguagem,
154 FILOSOFIA
o designado por uma expressão quando a linguagem se refere aos
estados de mundo. A sintaxe refere-se à análise da estrutura interna
dos signos em níveis de conteúdo e expressão. Todavia, convém
ressalvar que normatividade, hierarquização e prescrição de uma
língua dependem de fatores (ideologias, poderes, juízos de valores
etc.) externos à sintaxe. A semântica, terceiro lugar, representa o signo
linguístico em relação aquilo que ele se refere. Trata-se, portanto, de
uma mediação homem-mundo e homem-homem e, neste sentido,
a semântica não sendo neutra pode, consequentemente, reproduzir
traços ideológicos. Por fim, no aspecto pragmático considera-se a
dinamicidade do signo linguístico, isto é, uma cadeia de interpretantes
põe em ação ou exercitam a complexidade sígnica.
156 FILOSOFIA
interior, ou seja, ao pensamento de palavras aderidas à memória, o
que implica absorção das coisas pela mente. As palavras são sinais das
coisas.
158 FILOSOFIA
de Praga e o Círculo de Copenhague. Da primeira Escola,
destacam-se Trubetzkoy e Jakobson. O primeiro, distingue fonética
como ciência dos sons da fala de fonologia – ciência dos sons da
língua. Esta última só considera um som que tem determinada
função numa língua. “O fonema é a soma das particularidades
fonológicas pertinentes que uma imagem fônica comporta” e
“os sons concretos que figuram na linguagem são antes simples
símbolos materiais dos fonemas.” O segundo, Jakobson, destacou,
entre suas contribuições, que os signos enquanto elementos
distintivos de uma língua possuem doze oposições binárias. Nove
delas quanto à sonoridade: vocálico/não vocálico, consonantal/
não-consonantal, compacto/difuso, tenso/frouxo, sonoro/surdo,
nasal/oral/descontínuo/contínuo, estridente/doce e brusco/fluente
e três quanto à tonalidade: grave/agudo, rebaixado/sustentado
e incisivo/raso. E ainda: que a comunicação linguística envolve
fatores fundamentais: remetente (emotivo), contexto (referência),
contato (fato), destinatário (conato), código (metalinguagem) e
mensagem (poética). À segunda Escola pertence Hjelmslev, o qual
afirma, basicamente, que a língua é um sistema a partir do qual
se elaboram textos que possibilitam outros. E neste contexto, o
signo é fundamental porque funciona, designa, significa.
160 FILOSOFIA
[...] uma semântica se apresenta quando as regras
sintáticas são completadas por regras de designação
que especificam as coisas à quais as expressões
linguísticas se relacionam e as regras de linguagem
explicitam as condições de verdade. Além disso, para
Carnap numa frase a intensão é a proposição e a
extensão é o objeto designado.
162 FILOSOFIA
(performance) de alguns tipos de ato.” (ARMENGAUD, 2006, p.99).
O pioneiro dessa concepção é o filósofo de Oxford, John Langshaw
Austin.
Compreendamos que, partindo do princípio de que a teoria dos atos De fato, a obra capital de
Austin sobre o assunto tem o
de fala é um estudo sistemático entre os signos e seus intérpretes, apropriado título: “Quando
Dizer é Fazer”.
Austin distingue os enunciados constatativos (os de pura constatação)
dos performativos (dos inglês to perform) que a rigor executam uma
ação. Neste caso, uma fala implica alguma ação: afirmar, perguntar,
ordenar, prometer, descrever, felicitar, sugerir, culpar-se, suplicar,
desafiar, autorizar etc. É por isso que Manfredo (1996, p. 157), ressalta
que, para Austin, cada ato de fala é uma realidade complexa e, por
isso, “para tentarmos captar a ação linguística em sua totalidade,
faz-se necessário, em primeiro lugar, tentar analisar suas diferentes
dimensões.”
164 FILOSOFIA
Ora, este paradigma contraiu atualmente maior notabilidade e,
consequentemente, amplos debates por conta de Habermas, o
herdeiro vivo da Escola de Frankfurt. Ele redimensiona a linguagem,
sobretudo teoria dos atos de fala no sentido da Pragmática Universal.
Realmente a guinada pragmática habermasiana situa-se num
programa que reconfigura, inclusive, o conceito de racionalidade. No
princípio da década de 80, Habermas (1987, p. 16) já assinalava que
por “racionalidade antes de tudo, a disposição de sujeitos capazes de
falar e agir para adquirir e aplicar um saber falível.” Recentemente ele
o ratifica da seguinte forma: Uma pessoa se exprime racionalmente
na medida em que se orienta performativamente por pretensões de
validade...” ( HABERMAS, 2004a, p. 102).
166 FILOSOFIA
A Cultura
(Ruth Benedict)
168 FILOSOFIA
ciência e a tecnologia, e os valores que encerram,
podem situar-se, em definitivo, em relação aos
sistemas culturais? [...]. Por um lado, deve permitir ao
ser humano encontrar-se no mundo e interpretar-se
a si mesmo como ser humano. [...]. Por outro, dever
permitir-lhe orientar-se tanto em sua vida individual
quanto em sua vida coletiva, congregar suas atividades
numa visada unificadora capaz de conferir um sentido
aceitável em seus empreendimentos (LADRIÈRE,
1979, p. 77 e 2002).
Natureza e Cultura
170 FILOSOFIA
Na sua Ideologia Alemã, Marx (1984, p. 15), diz que “[...] os homens se
distinguem dos animais assim que começam a produzir os seus meios
de vida, passo este que é condicionado pela sua organização física.” É
neste sentido, que também Marx afirma que o homem à medida que
humaniza a natureza, humaniza-se também, indicando com isso que
a partir e sobre o mundo natural, o homem ergue o próprio mundo
humano.
Cultura e Sociedade
172 FILOSOFIA
desequilíbrio haveria uma cultura com força agregadora, que favoreça,
dessa forma, uma identidade comum.
Ele começa dizendo que a cultura é uma criação humana, decorrente Hominização é um termo de
cunho antropológico para
da complexidade das operações que ascendentemente este animal designar, de modo geral, o
processo de evolução humana
precisa desenvolver para assegurar a própria existência. Deste modo, em todas dimensões.
a cultura está intimamente vinculada ao processo de hominização,
no sentido de que a partir do contato inventivo com o mundo natural
o homem processualmente vai inserindo contornos mais definidos de
seu pensamento, consequentemente, destacando o mundo cultural do
mundo natural.
174 FILOSOFIA
Num trecho seguinte de forma eloquente o autor explica a dialética em
que se entrelaçam homem, produção, cultura e alienação.
Observemos, então, que neste cenário, como salienta Vieira Pinto, por
um lado verificamos um grupo minoritário e dominante, que apropria-
se da parte ideal de criação cultural, enquanto a imensa maioria se vê
forçada a apenas operacionalizar os produtos materiais da cultura; por
outro, percebemos que o mesmo grupo dominante além de absorver os
produtos de fabricação mas o próprio homem enquanto instrumento
produtivo. Chega-se, portanto, à extrema forma de apropriação
distorcida da cultura.
176 FILOSOFIA
A cultura é simultaneamente operação inteligente
exercida no mundo material e ideação operatória na
esfera do pensamento.[...]. A cultura é um produto do
existir do homem, resulta de vida concreta do mundo
que habita e das condições, principalmente sociais,
em que é obrigado a passar sua existência.
Pode o homem ser É agora no campo da liberdade que vamos nos permitir pensar e
absolutamente livre ou a
liberdade sem a presença de discutir criticamente o que seja o homem livre. Inicialmente é importante
determinações é impossível?
acentuarmos que o problema da liberdade põe imediatamente duas
perspectivas opostas: há os que não acreditam na possibilidade de
escolha e há que os que a identificam com a ausência de qualquer
constrangimento.
Na Grécia, a eleutéria De fato, o homem livre (eleuteria) para os gregos é o não escravizado,
opunha-se à douléia (servidão
do escravo). Trata-se da que possui o espírito de liberdade. Conforme esta compreensão,
liberdade social e política que
gozava o cidadão ateniense. liberdade significa decisão e ação sem nenhuma determinação causal,
Por exemplo: direitos à palavra
em assembleia, a pedir contas seja externa (ambiente em que se vive), seja interior (motivações
ao magistrado, de ser julgado
por um tribunal sem temer psicológicas ou emotivas). Ser livre é, portanto, ser incausado.
pressões. A rigor, “o ateniense
era livre a vida cotidiana como
bem entendesse, educar seus Não obstante, Ferrater Mora diz que, de modo geral a liberdade pode
filhos [...] trabalhar ou ser
ocioso, viajar, etc.” (MOSSÉ, ser considerada em três sentidos: liberdade natural, entendida como
2004, p. 117).
a “possibilidade de furtar-se (pelo menos parcialmente) a uma ordem
cósmica predeterminada e invariável, a qual se apresenta como uma
‘forçosidade.’” (MORA, 1994, p. 407). Em segundo lugar, na esfera
social ou política a liberdade fundamentalmente como autonomia ou
independência. Claro, fala-se aqui de uma noção de relação muito
178 FILOSOFIA
superficial entre liberdade e política. De passagem, é conveniente notar
que para Hannah Arendt, por exemplo, a razão de ser da política é a
liberdade. As experiências totalitárias a levaram a questionar, porém, se
política e liberdade não se excluiriam: “[...] com as formas de governo
totalitárias [...], surge a questão de saber se política e liberdade são,
de algum modo, conciliáveis, [...] se a liberdade, de certa maneira,
não começa apenas lá onde a política termina...” (ARENDT, 1993, p.
118). Apesar dessa explícita frustração, relembremos que, para ela, a
liberdade e a política condicionam-se simultaneamente. Em terceiro
lugar, Ferrater Mora destaca que a liberdade pode chamar-se pessoal ou
autônoma, neste caso, entretanto, como “independência das pressões
ou coações procedentes da comunidade, quer como sociedade, quer
como Estado.” (MORA, 1994, p. 408).
180 FILOSOFIA
significa senão “o homem ligado por um compromisso e que se dá
conta que não é apenas aquele que escolhe ser, mas de que é também
um legislador pronto a escolher, ao mesmo tempo que a si próprio, a
humanidade inteira...” (SARTRE, 1978, p. 7).
Parafraseando Sartre, um
individuo que decida fumar
Para quem imagina que a liberdade como Sartre a prega seja diante de um tanque inflamável
não é livre, mas um insensato
individualista, equivoca-se totalmente. Como ele mesmo frisa, a ou aloprado.
CONCLUSÃO
182 FILOSOFIA
é tanto a existência social como o conhecimento complexo de um
povo. Com efeito, universalidade, estrutura, teleologia e pluralidade
culturais são subconceitos agregados e, portanto, inerentes às culturas;
importantes, inclusive, para precaver ou advertir atitudes etnocêntricas.
Todavia, além dessa compreensão, é importante perceber a cultura
inserida num contexto de relações de produção como nos mostrou
Vieira Pinto, onde podemos apreendê-la em níveis de produção,
distribuição, equalização, fragmentação, hierarquização, alienação no
interior de uma comunidade específica.
184 FILOSOFIA
1. Dimensão da linguagem
2. Cultura
3. Liberdade
186 FILOSOFIA
Agir Comunicativo versus Agir Estratégico
Jurgen Habermas
Teoria da Cultura
188 FILOSOFIA
Com efeito, se a cultura é simultaneamente ação e ideia, enquanto ação
significa a mediação entre duas ideias e enquanto ideia, a mediação
entre duas ações. [...]. A cultura de cada momento representa a
mediação histórica que possibilita a aquisição de outros dados culturais,
que condiciona a expansão do conhecimento, sendo possível dizer-se
que a cultura, enquanto ideia, imagem, valores, conceitos e teorias
científicas, se cria a si mesma por intermédio das operações práticas de
descobertas das propriedades dos corpos e da produção econômica
dos bens necessários à vida social.
Jean-Paul Sartre
Dostoïevsky escrevera: “Se Deus não existisse tudo seria permitido.” [...].
Com efeito, tudo é permitido se Deus não existe, consequentemente, o
homem encontra-se desamparado, pois não encontra nem dentro nem
fora de si mesmo uma possibilidade de agarrar-se a algo. [...]. Se, com
efeito, a essência precede a essência nunca se poderá recorrer a uma
natureza humana dada e definida para explicar alguma coisa; dizendo
de outro modo, não existe determinismo, o homem é livre o homem é
liberdade. Por outro lado, se Deus não existe, não encontraremos valores
ou ordens que legitimem nosso comportamento. Assim, nem atrás de nós,
nem à nossa frente, ou no domínio numinoso dos valores, dispomos de
justificativas ou escusas. É o que exprimirei dizendo que o homem está
condenado a ser livre. [...]. O existencialista não crer no poder da paixão.
Ele nunca pensará que uma bela paixão é uma torrente devastadora que
leva fatalmente o homem a certos atos que, consequentemente, representa
uma escusa. Acredita que o homem é responsável por sua paixão. [...].
Assim, pensa o homem, sem nenhum tipo de apoio nem auxílio, está
condenado a inventar a cada instante o homem. [...]. E querendo a
liberdade, descobrimos que ela depende inteiramente da liberdade dos
Hannah Arendt
190 FILOSOFIA
ARAÚJO, Inês Lacerda. Do Signo ao Discurso. São Paulo: Parábola,
2004.
5
ObjetivoS dESTA unidade:
DUAS PERSPECTIVAS HUMANISTAS:
Motivar reflexões críticas
o marxismo e o existencialismo sobre o homem à luz
do marxismo e do
existencialismo;
Favorecer discussões
em torno da relevância
e limites dessas duas
teorias;
PALAVRA INICIAL...
Assinalar caracteres
Caro estudante, humanos distintos tanto
no marxismo como no
existencialismo;
O percurso antropológico que temos feito nos conduziu agora
para a seguinte bifurcação humanista: o homem interpretado Destacar porque Marx
por Marx e o homem pensado pelo existencialismo de Jean- e Sartre são referências
indispensáveis para
Paul Sartre. estudos moderno-
contemporâneos de
Vamos perceber na breve exposição a seguir, que em Marx antropologia.
o ponto de partida é o primado da matéria sobre o espírito.
Motivado por esta tese primordial de Feuerbach, ele rechaça
transparentemente paradigmas metafísicos tomados como
parâmetro de leituras sobre o mundo e sobre o homem. Ambos,
o mundo e o homem, são, portanto, analisados exclusivamente
no contexto da realidade concreta: correlações de forças
entre classes opostas, resultantes do sistema capitalista de
produção. Veremos que, para Marx, qualquer possibilidade
de emancipação humana exige, condicionalmente, a negação
do capitalismo, cujo processo de luta incluiu expurgos
das ideologias alienantes, impregnadas principalmente
na religião. Uma nova humanidade é essencialmente livre de
opressões trabalhistas, religiosas ou políticas. Poder-se-ia dizer
que o capitalismo, contrariando a profecia de Marx, permanece
muito vivo ou talvez pelo fato mesmo de se apresentar ainda
mais vicejante, sobretudo, em esquemas mais sofisticados e sutis
de exploração e em escala global, a crítica marxista permanece
necessária.
ITINERÁRIO DE ESTUDOS
194 FILOSOFIA
O homem no marxismo
196 FILOSOFIA
Etcheverry (1975, p. 168) destaca uma apropriada observação de
Engels a este respeito: “nos nossos dias, a razão considerada pelos
filósofos como testemunhas de verdades universais e eco de princípios
absolutos, não representa na realidade senão a mentalidade idealizada
da burguesia.”
198 FILOSOFIA
união entre o homem e o universo, órgão de ligação entre as pessoas,
[...] destinado a promover a plenitude e a felicidade do homem
[...] o regime capitalista tornou-o um instrumento de alienação.”
(ETCHEVERRY, 1975, p. 182).
Vejamos que é por isso que para Marx a luta de classes é a profunda
mola da história e o proletariado, mediante seu sofrimento e consciência
infeliz, encarna a inquietação do mundo. Por outro lado, o proletário
é o sal da história, ele é a negação ativa de sua negação, isto é, o
capitalismo. Este produz seus próprios coveiros, isto quer dizer que
há uma revolução em marcha. O proletariado triunfará ainda que se
considere uma longa guerra. Uma intensa luta que para Marx tem
caracteres duplos: sangrenta e não sangrenta, violenta e pacífica,
militar e econômica, pedagógica e administrativa.
O homem no existencialismo
200 FILOSOFIA
O fato é que o idealismo prioriza suas investigações em torno do
conhecimento, desinteressando-se ao mesmo tempo pelo homem
concreto: vivo e responsável.
202 FILOSOFIA
duas dimensões diferentes do ser. Mais exatamente, a existência não
designa o fato banal de ser, comum a todas as realidades. É o privilégio
do homem, a interioridade que só ele sente (ser para si), ao passo que
as coisas simplesmente a ser (em si).” (ETCHEVERRY, 1975; p. 67).
O primeiro designa uma realidade bruta, cheia, compacta, maciça;
coincide consigo próprio, não tem avanço nem recuo. Sua existência é
exclusivamente fenomenal. O ser-por-si, enquanto consciência, Sartre
(1997, p. 235) diz que “um ser para o qual, em seu próprio ser, está em
questão o seu ser, enquanto este ser é essencialmente um certo modo
de não ser um ser que, ao mesmo tempo, ele posiciona como outro
que não si mesmo...” Este ser, porque é consciência, é radicalmente
diferente: define-se como sendo aquilo que não é e não sendo aquilo
que é.
204 FILOSOFIA
certezas. Kierkegaard afirma que a angústia é simultaneamente uma
atração e um temor do futuro a escolher. É uma antipatia simpática
e uma simpatia antipática. É, pois, ambivalente. Heidegger, por sua
vez, a descreve com a indecisão. O homem vaga no vazio, refém do
abandono. Mas desta queda no nada ou no abismo é que brotam
a autêntica condição humana e a revelação do mundo. Para Sartre,
a angústia enquanto mal-estar é uma aversão instintiva e conflui na
náusea.
206 FILOSOFIA
Na condição de “embarcado” o homem tem que agir, compromissar-
se. É claro que quando escolhemos e nos deixamos determinar apenas
pelos objetos deste mundo escolhemos a existência falsa; mas quando
tomamos caminhos diferentes destes, fazemos de nossa sua vida uma
obra nossa e, sobretudo, existimos autenticamente. Marcel afirma,
ressaltando Giordani (1976, p. 128), que “ato livre é aquele em que
me reconheço a mim mesmo e me expresso autenticamente diante dos
meus próprios olhos.”
CONCLUSÃO
208 FILOSOFIA
Explicite brevemente o sentido de homem pensado no
existencialismo de Kierkegaard e de Sartre.
1. O homem no marxismo
2. O homem no existencialismo
As premissas com que começamos não são arbitrárias, não são dogmas,
são premissas reais, e delas só na imaginação se pode abstrair, são os
indivíduos reais, a sua ação e as suas condições materiais de vida, tanto
as que encontraram como as que produziram pela sua própria ação.
Estas premissas são, portanto, constatáveis de um modo puramente
empírico.
210 FILOSOFIA
portanto, com a sua produção com o que produzem e também com
o como produzem. Aquilo que os indivíduos são, depende, portanto,
das condições materiais da sua produção.
O humanismo existencialista
Auguste Etcheverry
212 FILOSOFIA
ETCHEVERRY, Auguste. O Conflito Atual dos Humanismos.
Porto: Tavares Martins, 1975.
Realmente Buzzi (1987, p. 240) parece ter razão quando diz que “procurar
e encontrar é próprio do homem e isso o torna capaz de experiência. A
experiência, supõe, procura e encontro.” Nos orientamos exatamente por
esta expectativa de compreender melhor o homem, através dos temas
que estudamos, refletimos e discutimos. É verdade que nos conduzimos
sob advertência de que não há uma linearidade antropológica que possa
obedecer a uma espécie de “maquete arquétipa.” “Tudo que sabemos do
homem, tudo que cada um de nós sabe sobre si mesmo não corresponde
ao homem”, sabiamente diz Jaspers (2006, p. 48). Aliás, basta ressaltar que
as silhuetas movidas pelas relatividades culturais já alteram uma suposta
idealidade de apreensão definitiva do homem. Este, como sabemos, não
se permite fotografar assim. Por outro lado, nenhum sistema o aprisiona
por muito tempo, críticos radicais da estirpe de Jesus, Buda, Marx,
Nietzsche e mesmo movimentos “contraculturais” como nos anos 60 nos
Estados Unidos ou revolucionários latino-americanos, manifestam bem o
poder de transformação que o homem pode assumir. Mas esta labilidade
não impede que a antropologia demarque certos vestígios que explicitem
o fenômeno humano.
214 FILOSOFIA
modo geral, a funcionalidade do mundo suporta-se no instrumental
tecnocientífico, tornando-se, com efeito, uma condição de possibilidade
de realizações e contentamentos humanos. Tecnologias ascendentes
nos surpreendem com inovações cada vez mais céleres e fabulosas e,
com isso, têm estreitado, proporcionalmente, o intervalo entre a ficção
e o real e excitado o homem ao que se chama tecnognosticismo - crença
numa força hiper-poderosa da tecnologia, provocada principalmente
em função da combinação por vezes híbrida entre o homem e a
máquina. O matemático norte-americano Vernon Vinge, por exemplo,
assegura que há possibilidades exequíveis de computadores de
inteligência sobre-humana e da biotecnologia expandir nosso intelecto
humano, de maneira que já estaríamos ingressando numa condição
pós-humana, que, segundo o ficcionista e ensaista Jair Ferreira, “o
que vivemos agora é a revolução artificial do homem, que deriva do
impacto das tecnologias da informação sobre a natureza humana.”
A informação é o elo entre o homem e a máquina. A sensação,
portanto, é que doravante a dinâmica do mundo e da vida dependerá
da intimidade entre ambos, homem e máquina. Com efeito, reflexões
sobre “o que é o homem?” envolvem, atualmente, a tecnociência.
Muito obrigado!
Professor Msc. José Carlos Dantas
216 FILOSOFIA
REFERÊNCIAS
218 FILOSOFIA
BUZZI, Arcângelo R. Introdução ao Pensar. 16. ed. Petrópolis/RJ:
1987.
220 FILOSOFIA
HABERMAS, Jurgen. A crise do Capitalismo Tardio. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1980.
222 FILOSOFIA
MADURO, Otto. Religião e Lutas de Classes. Petrópolis: Ed. Vozes,
1998.
224 FILOSOFIA
PINTO, Álvaro Vieira. Ciência e Existência. São Paulo: Paz e Terra,
1979.
SOUZA, Sonia Maria Ribeiro de. Um Outro Olhar. São Paulo: FTD,
1995.
226 FILOSOFIA
. Ética. 5. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
___________________
1982.
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