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PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes visuais.

2005

Os objetos feitos pelo homem, que não exigem a experiência estética, são comum ente chamados de
"práticos" e podem dividir-se em duas categorias: veículos de comunicação e ferramentas ou aparelhos. O veículo ou
meio de comunicação obedece ao "intuito" de transmitir um conceito. A ferramenta ou aparelho obedece ao "intuito"
de preencher uma função (função essa que, por sua vez, pode ser a de produzir e transmitir comunicações, como é o
caso da máquina de escrever ou da luz do semáforo acima mencionada).

Conteúdo, em oposição a tema, pode ser descrito nas palavras de Peirce como aquilo que a obra denuncia, mas
não ostenta.

Os objetos da história da arte, portanto, só podem ser caractenzados numa terminologia que é tão reconstrutiva
quanto a experiência do historiador de arte é recreativa: precisa descrever as peculiaridades estilísticas,.não .como
dados mensuráveis, ou, pelo menos,~e termmavels, nem como estímulos de reações subjetivas, mas como aquilo que
presta testemunho das "intenções" artísticas.

ICONOGRAFIA E ICONOLOGIA: INTRODUÇÃO AO ESTUDO DADA RENASCENÇA

Iconografia é o ramo da história da arte que trata do tema ou mensagem das obras de arte em contraposição à
sua forma. Tentemos, portanto, definir a distinção entre tema ou significado, de um lado, e forma, de outro.

Significado fatual; é apreendido pela simples identificação de certas formas visíveis com certos objetos que já
conheço por experiência prática e pela identificação da mudança de suas relações com certas ações ou fatos.

Significado assim descoberto pode denominar-se intrínseco ou conteúdo; é essencial, enquanto que os49

outros dois tipos de significado, o primano OU natural e o secundário ou convencional, são fenomenais.

I. Tema primário ou natural, subdividido em[atual e expressional. É apreendido pela identificação das formas
puras, ou seja: certas configurações de linha e cor, ou determinados pedaços de bronze ou pedra de forma peculiar,
como representativos de objetos naturais tais que seres humanos, animais, plantas, casas, ferramentas e assim por
diante; pela identificação de suas relações mútuas como acontecimentos; e pela percepção de algumas qualidades
expressionais, como o cara ter pesaroso de uma pose ou gesto, ou a atmosfera caseira e pacífica de um interior. O
mundo das formas puras assim reconhecidas como portadoras de significados primários ou naturais pode ser chamado
de mundo dos motivos artísticos. Uma enumeração desses motivos constituiria uma descrição pré-iconográfica de
uma obra de arte. secundário ou convencional podem chamar-se imagens, sendo que combinações de imagens são o
que os antigos teóricos de arte chamavam de invenzioni; nós costumamos dar-Ihes o nome de estórias e
alegorias1.Aidentificação de tais imagens, estórias e alegorias é o domínio daquilo que é normalmente conhecido por
"iconografia".

II Tema secundário ou convencional: é apreendido pela percepção de que uma figura masculina comum a faca
representa São Bartolomeu, que uma figura feminina com um pêssego na mão é a personificação da veracidade, que
um grupo de figuras, sentadas a uma mesa de jantar numa certa disposição e pose, representa a Ültima Ceia, ou que
duas figuras combatendo entre si, numa dada posição, representam a Luta entre o Vício e a Virtude. Assim fazendo,
ligamos os motivos artísticos e as combinações de motivos artísticos (composições) com assuntos e conceitos. Motivos
reconhecidos como portadores de um significado.

III. Significado intrínseco ou conteúdo: é apreendido pela determinação daqueles princípios subjacentes que revelam a
atitude básica de uma nação, deum período, classe social, crença religiosa ou filosófica - qualificados por uma
personalidade e condensados numa obra. Não é preciso dizer que estes princípios se manifestam, e portanto
esclarecem, quer através dos "métodos de composição", quer da "significação iconográfica".
A descoberta e interpretação desses valores "simbólicos" (que, muitas vezes, são desconhecidos pelo
próprio artista e podem, até, diferir enfaticamente do que ele conscientemente tentou expressar)é o objeto do que se
poderia designar por "iconologia "em oposição a "iconografia".

A iconografia é, portanto, a descrição e classificação das imagens, assim como a etnografia é a descrição e
classificação das raças humanas;

Iconologia, portanto, é um método de interpretação que advém da síntese mais que da análise. E assim
como a exata identificação dos motivos é o requisito básico de uma correta análise iconográfica, também a exata
análise das imagens, estórias e alegorias é o requisito essencial para uma correta interpretação iconológica.

Tudo isso atesta que a separação entre os temas clássicos e os motivos clássicos se deu, não apenas por
falta de tradição representacional mas também a despeito dela. Sempre que a imagem clássica, ou seja, a fusão de um
tema clássico com um motivo clássico, foi copiada durante o período carolíngio de assimilação febril, tal imagem
clássica foi abandonada tão logo a civilização medieval chegava ao seu auge, para não ser reaproveitada até o
Quatrocentos italiano. Foi um privilégio da verdadeira Renascença reintegrar os temas com os motivos clássicos depois
deum intervalo que pode ser chamado de hora zero.

A HISTÓRIA DA TEORIA DAS PROPORÇÕES HUMANAS COMO REFLEXO DA HISTÓRIADOS ESTILO

Por teoria das proporções, se devemos começar por uma definição, entendemos um sistema de
estabelecer as relações matemáticas entre as diversas partes de uma criatura viva, particularmente dos seres
humanos na medida em que esses seres sejam considerados temas de uma representação artística.

Havia, portanto, três possibilidades diferentes de se chegar a uma "teoria das medidas humanas". Essa
teoria poderia visar ao estabelecimento de proporções "objetivas", sem se incomodar com sua relação com as
"técnicas", ou ao estabelecimento de proporções "técnicas", sem se preocupar com suas relações com as "objetivas";
ou, finalmente, poderia considerar-se isenta de qualquer uma dessas duas escolhas, ou seja, no caso de as proporções
"técnicas" e "objetivas" coincidirem. Essa última opção aconteceu apenas uma vez, de forma pura, na arte egípcia.

ARTE EGÍPCIA = Os movimentos das figuras não são orgânicos, mas mecânicos, isto é., consistem em
mudanças puramente locais nas posições de membros específicos, mudanças essas que não afetam nem a forma nem
as dimensões do resto do corpo.

A arte clássica dos gregos tinha que se libertar, completamente, do sistema egípcio de proporções. Os
princípios da arte arcaica grega ainda eram similares aos dos egípcios; o avanço do estilo clássico em detrimento do
arcaico consistiu em aceitar como valores artísticos positivos precisamente aqueles fatores que os egípcios haviam
negligenciado ou negado. A arte clássica grega levou em conta a mudança das dimensões como resultado do
movimento orgânico; a perspectivação decorrente do processo visual; e a necessidade de corrigir, em certos casos, a
impressão óptica do espectador através de ajustamentos "eurrítmicos".

Policleto - o pai, ou pelo menos o formuIador da antropometria clássica grega.

A Grécia clássica, portanto, opunha ao código de arte inflexível, mecânico, estático e convencional dos
egípcios, um sistema de relações, elástico, flexível, dinâmico e esteticamente relevante.

Assim, existem na arte medieval todos os tipos de forma que, de um ponto de vista puramente técnico,
podemos considerar como "perspectivadas". Porém, já que seus efeitos não se apoiam em meios ópticos, elas não nos
parecem "perspectivações", no sentido em que o termo é em geral usado. Pés colocados obliquamente, por exemplo,
quase sempre provocam a impressão de estarem pendentes mais do que de estarem sendo vistos de frente; e a vista
em três quartos dos ombros, reduzida a uma expressão planar, tende a sugerir uma corcunda.
O estilo da arte medieval (a não ser, talvez, na fase conhecida como Alto Gótico) em distinção ao da
Antiguidade clássica, é normalmente designado como "planar" (fliichenhaft).

A teoria bizantina das proporções que, em correspondência com a enorme influência da arte bizantina,
foi, também, de extraordinária importância para o' Ocidente (ver Fig. 19), ainda denunciava os efeitos subsequentes
da tradição clássica pelo fato de elaborar seus esquemas tomando a articulação orgânica do corpo humano como
ponto de partida: aceitava o fato fundamental de que as partes do corpo se realçam umas das outras pela própria
natureza. Mas não era totalmente não clássica, já que as medidas dessas partes não eram mais expressas por frações
ordinárias e sim pela aplicação, um tanto grosseira, do sistema de módulo ou unidade.

O sistema "fracionário" facilitava a apreciação objetiva das proporções humanas, mas não sua
representação adequada numa obra de arte: um cânone transmitindo relações mais do que quantidades reais provia o
artista de uma ideia vívida e simultânea do organismo tridimensional, mas não lhe dava um método para a construção
sucessiva de sua imagem bidimensional. O sistema algébrico, por outro lado, compensa a perda de elasticidade e
animação por ser imediatamente "construtível".

Consequentemente, a teoria bizantina das proporções ocupou-se em determinar até as medidas dos
detalhes da cabeça em termos do sistema de módulo, tomando o comprimento do nariz (=1/3 do comprimento da
face) como unidade. O comprimento do nariz é igual, segundo o Manual do Pintor do Monte Atos, não apenas à altura
da testa e da parte inferior da cabeça (no que concorda com o código de Vitrúvio e com a maioria dos cânones
renascentistas), mas também à altura da parte superior da cabeça, à distância entre a. ponta do nariz e o canto dos
olhos, e ao comprimento total do pescoço.

O cânone bizantino, apesar de toda a sua tendência para a esquematização, baseava-se, ao menos até
certo ponto, na estrutura orgânica do corpo; e a tendência para a determinação geométrica das formas ainda era
contrabalançada por um interesse nas dimensões. O sistema gótico - distanciado ainda mais um passo do da
Antiguidade - servia quase que exclusivamente para determinar o contorno e as direções do movimento.

A Idade Média tinha inteiro conhecimento da interpretação metafísica da estrutura do corpo humano. Por
exemplo nos “Irmãos da Pureza”.

A Renascença italiana, entretanto, olhava para a teoria das proporções com ilimitada reverência; mas
considerava esta teoria, diferentemente da Idade Média, não mais como um expediente técnico, mas como um
postulado metafísico.

Podemos dizer que a Renascença fundia interpretação cosmológica da teoria das proporções, corrente
nos tempos helenísticos e na Idade Média, com a noção clássica da simetria como princípio fundamental da perfeição
estética.

A teoria das proporções alcançou um prestígio inaudito na Renascença. As proporções do corpo humano
eram louvadas como uma realização visual da harmonia musical. Foram reduzidas a princípios aritméticos e
geométricos gerais.

No que diz respeito a conhecimento sólido e processo metodológico, apenas dois artistas-teóricos da
Renascença italiana deram passos decisivos para desenvolver a teoria das proporções além dos padrões medievais:
LEONE BATTISTA ALBERTI e LEONARDO DA VINCI.

Leonardo da Vinci determinou o engrossamento das juntas flexionadas ou a expansão e contração dos
músculos responsáveis pelos movimentos dos joelhos e cotovelos e conseguiu, finalmente, reduzir todos os
movimentos a um princípio do movimento circular contínuo e uniforme.

Havia três circunstâncias capazes de compelir o artista a fazer uma distinção entre as proporções técnicas
e as objetivas: a influência do movimento orgânico, a influência da perspectivação e o cuidado com a impressão
visual do espectador.

Na arte egípcia somente o objetivo tinha valor porque os seres representados não se moviam por volição
própria e consciência, mas pareciam, em virtude das leis mecânicas, estar eternamente detidos nesta ou naquela
posição; porque não ocorriam perspectivações e porque não se faziam concessões à experiência do espectador.
Na Idade Média, a arte abraçou a causa do plano contra a do sujeito bem como a do objeto e produziu
aquele estilo no qual, embora se verificasse um movimento atual, as figuras pareciam agir sob a influência de um
poder superior e não por livre e espontânea vontade. Não se atinge nem se pretende atingir uma impressão real de
profundidade.

Apenas na Antiguidade clássica o movimento orgânico, a perspectivação e o ajustamento óptico lograram


reconhecimento. Porém, tal reconhecimento não era oficial.

ALBRECHT DüRER E A ANTIGUIDADECLÁSSICA

As obras produzidas por Albrecht Dürer na virada do século XV, marcam o início do estilo renascentista no
Norte. Transição real da Idade Média para a Renascença.

Poder expressivo e beleza do corpo humano foram os dois ideais que a Renascença encontrou realizados
na arte clássica.

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