Provavelmente ninguém vai se opor à criação de uma Secretaria Municipal Antidrogas em Cascavel, até porque todo sujeito que se meter a condenar a iniciativa da Prefeitura temerá ser colocado no topo da lista de suspeitos de tráfico.
Mas essa tal secretaria é inócua e chove no molhado. Lavra uma
declaração de incapacidade para a estrutura policial (à qual cabe a repressão contra as drogas), judiciária (à qual caberia varrer os traficantes do mapa econômico via condenações) e assistência social (cujo dever é enfrentar as mazelas sociais que geram a dependência e apoiar as famílias dos dependentes). De modo especial e terrível, entretanto, é uma severa condenação à Secretaria Municipal da Saúde (Sesau). Lê-se fácil nas entrelinhas que a Sesau fracassou no quesito saúde mental, na medida em que é uma das secretarias com maiores dotações orçamentárias, mas não dá conta da prevenção em saúde mental e tratamento dos enfermos. Se a saúde mental é a praia onde a Sesau morre, uma “Secretaria Antidrogas” será inócua, apenas mais uma estrutura paralela, repetitiva, redundante, e por isso plenamente dispensável, para lidar com a doença, reflexo do descuido com a saúde. A criação de mais uma secretaria para resolver problemas que as outras não conseguem é uma confissão oficial de fracasso do sistema administrativo. Medida mais correta seria extinguir todas as secretarias, manter algumas diretorias administrativas e no mais criar controles rígidos, sob o crivo da sociedade, trabalhando sobretudo com projetos e cobranças a cargo dos conselhos. 2
Se o projeto não vingou no prazo determinado, mete inquérito,
reestuda, troca equipe, reformula para ter eficiência e castiga com demérito quem não deu conta do serviço, como propõe o PCB de Cascavel. Quem se qualifica para levar um projeto adiante, não dá conta dele e ainda exige aditivos milionários merece arcar com os custos da sua incompetência e não com prêmios por amizade ao rei. Secretário que é compadre, correligionário ou parente do prefeito é sempre imexível, mesmo sendo o fracasso em pessoa, a menos que assassine o Papa. A saída dos fracassados é sempre a mesma: pôr a culpa nos barnabés, condenando a estabilidade no emprego. Mais que qualquer ilusão com as justificativas dadas para criar essa nova secretaria prevalece o fato de que ela, nas linhas e entrelinhas, é um atestado cabal de incompetência para toda a estrutura de saúde. A começar, do próprio Município. É um atestado de demérito, igualmente, para a desnutrida estrutura de saúde do Estado, até porque a desnutrição é o principal problema de saúde, já que leva à doença. E demérito à política de saúde da União, que enriquece laboratórios transnacionais e milionárias clínicas privadas enquanto aperta o SUS numa camisa- de-força financeira e estrutural. Médico da família? Pesque e pague! A Secretaria Antidrogas, nesse caso, é uma droga a mais, nada além disso. Será, contraditoriamente, um instrumento de apologia às drogas. Sua criação significa, numa frase, o seguinte: “Fracassamos na prevenção em saúde mental, mas vamos esconder isso tratando os malucos”. 3
Como as drogas foram criadas para gerar felicidade, só faz
sentido agir antes que elas escravizem o cidadão. Quanto mais os escravos estão felizes, mais seus senhores enriquecem. Lutar meramente contra suas consequências garante uma derrota antecipada. Enquanto alguém lucrar com a venda de remédios (drogas, em seu sentido geral) criando e estimulando as doenças, haverá o culto da dependência. Criar uma Secretaria Antidrogas é confessar o fracasso da estrutura de saúde, a inutilidade da assistência social, as graves deficiências da estrutura econômica, a incapacidade do aparelho de segurança e a rendição frente ao tráfico de todos os tipos, das armas aos órgãos, passando pelas drogas: “Vocês alimentam a doença, nós fingimos que curamos”. Está bem: já criticou. Mas o que fazer, então? Fazer a Secretaria da Saúde se tornar resolutiva. Sem isso, de nada adiantará criar mais uma secretaria da doença. ** Alceu A. Sperança – escritor alceusperanca@ig.com.br