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Nelson Raúl Beira, Novembro/2016

ISCED

Manual de Curso de Licenciatura em Direito

3º Ano

Disciplina: Direito Criminal Especial

Código: ISCED32-CJURCFE026

TOTAL HORAS/2o SEMSTRE: 125

CRÉDITOS (SNATCA): 5

Número de Temas: 4

Instituto Superior de Ciências e Educação a Distância (ISCED).


Direitos de autor (copyright)

Este manual é propriedade do Instituto Superior de Ciências e Educação a Distância (ISCED),


e contém reservados todos os Direitos. É proibida a duplicação ou reprodução parcial ou
total deste manual, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (electrónicos, mecânico,
gravação, fotocópia ou outros), sem permissão expressa de entidade editora (Instituto
Superior de Ciências e Educação a Distância (ISCED).

A não observância do acima estipulado o infractor é passível a aplicação de processos


judiciais em vigor no País.

Instituto Superior de Ciências e Educação a Distância (ISCED)


Coordenação do Programa de Licenciaturas
Rua Dr. Lacerda de Almeida, N.o 211, Ponta - Gêa

Beira - Moçambique
Telefone: 23323501
Cel: +258 823055839
Fax:23.324215
E-mail:.direccao.geral@isced.ac.mz
Website: www.isced.ac.mz
Agradecimentos

O Instituto Superior de Ciências e Educação a Distância (ISCED) agradece a colaboração dos


seguintes indivíduos e instituições na elaboração deste manual:

Autor Nelson Raúl

Coordenação Direcção Académica do ISCED

Design Instituto Superior de Ciências e Educação a Distância (ISCED)

Financiamento e Logística Instituto Africano de Promoção da Educação a Distancia


(IAPED)
Revisão Científica
XXXXX
Revisão Lingística
XXXXX
Ano de Publicação
ISCED – BEIRA
Local de Publicação
XXXXX
Edição
XXXXX
Tiragem
XXXXX
Gráfica
XXXXX
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
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Índice

Visão geral 1
Benvindo ao Módulo de Direito Penal e Especial ............................................................ 1
Objectivos do Módulo ...................................................................................................... 1
Quem deveria estudar este módulo ................................................................................... 1
Como está estruturado este módulo .................................................................................. 2
Ícones de actividade .......................................................................................................... 4
Habilidades de estudo ....................................................................................................... 4
Precisa de apoio? .............................................................................................................. 7
Tarefas (avaliação e auto-avaliação)................................................................................. 8
Avaliação .......................................................................................................................... 8

TEMA – I: Considerações introdutórias ao estudo da “Parte Especial” do Código Penal 11


UNIDADE Temática 1.1. Considerações Introdutórias ao estudo da parte especial do
código penal .................................................................................................................... 11
Introdução ....................................................................................................................... 11
Exercícios........................................................................................................................ 19

TEMA II. DOS CRIMES CONTRA AS PESSOAS 23


UNIDADE TEMÁTICA 1.1. CRIMES CONTRA A VIDA ......................................... 23
Introdução ....................................................................................................................... 23
Sumário ........................................................................................................................... 30
Exercícios do tema 2. Unidade temática 1. ..................................................................... 30
Unidade temática 1.2. Homicídio Qualificado ............................................................... 31
Introdução ....................................................................................................................... 31
Sumário ........................................................................................................................... 43
Exercícios........................................................................................................................ 44
UNIDADE TEMÁTICA 2.3. AUXÍLIO AO SUICÍDIO............................................... 45
Introdução ....................................................................................................................... 45
ELEMENTOS DO TIPO E SUJEITOS DO CRIME ..................................................... 47
ELEMENTO SUBJETIVO............................................................................................. 49
NEXO DE CASUALIDADE.......................................................................................... 50
LAPSO ENTRE A INSTIGAÇÃO OU AUXÍLIO E O SUICÍDIO – PRAZO DE
PRESCRIÇÃO ................................................................................................................ 50
TENTATIVA .................................................................................................................. 51
Sumário ........................................................................................................................... 52
Exercícios........................................................................................................................ 52
UNIDADE TEMÁTICA 2.4. ABORTO ........................................................................ 54
Introdução ....................................................................................................................... 54
O BEM JURÍDICO ......................................................................................................... 55
O tipo objectivo de ilícito ............................................................................................... 55
O tipo subjectivo de ilícito .............................................................................................. 57
AS FORMAS ESPECIAIS DO CRIME ......................................................................... 57

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ii

ABORTO AGRAVADO ................................................................................................ 58


AS FORMAS ESPECIAIS DO CRIME ......................................................................... 59
INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ NÃO PUNÍVEL OU ABORTO NÃO PUNÍVEL: 60
A indicação médica (ou terapêutica) em sentido estrito ................................................. 60
Pressupostos comuns da justificação relativos à intervenção ......................................... 62
Justificação da interrupção sem consentimento .............................................................. 63
Sumário ........................................................................................................................... 64
Exercícios........................................................................................................................ 65

TEMA III. CRIMES CONTRA A INTEGRIDADE FÍSICA 67


UNIDADE TEMÁTICA 3.1. OFENSAS CORPORAIS VOLUNTÁRIAS SIMPLES 67
Introdução ....................................................................................................................... 67
CONCEITO .................................................................................................................... 67
O BEM JURÍDICO ......................................................................................................... 69
O TIPO OBJECTIVO DE ILÍCITO ............................................................................... 70
O TIPO SUBJECTIVO DE ILÍCITO ............................................................................. 71
CAUSAS DE JUSTIFICAÇÃO ..................................................................................... 71
OFENSAS CORPORAIS QUALIFICADAS ................................................................. 73
AS FORMAS ESPECIAIS DO CRIME ......................................................................... 74
Sumário ........................................................................................................................... 74
Exercícios........................................................................................................................ 75
Unidade temática 3.2. PARTICIPAÇÃO EM RIXA ..................................................... 77
Introdução ....................................................................................................................... 77
OS BENS JURÍDICOS ................................................................................................... 78
O TIPO OBJECTIVO DE ILÍCITO ............................................................................... 79
O TIPO SUBJECTIVO DE ILÍCITO ............................................................................. 79
AS CAUSAS DE JUSTIFICAÇÃO ............................................................................... 80
AS CAUSAS DE EXCLUSÃO DE CULPA ................................................................. 82
MORTE OU OFENSA CORPORAL GRAVE COMO CONDIÇÕES OBJECTIVAS
DE PUNIBILIDADE ...................................................................................................... 83
AS FORMAS ESPECIAIS DO CRIME ......................................................................... 84
Sumário ........................................................................................................................... 86
Exercícios........................................................................................................................ 87
UNIDADE TEMÁTICA 3.3. MAUS TRATOS OU SOBRECARGA DE MENORES,
IDOSOS OU INCAPAZES ............................................................................................ 88
Introdução ....................................................................................................................... 88
O BEM JURÍDICO ......................................................................................................... 89
O TIPO OBJECTIVO DE ILÍCITO ............................................................................... 89
O TIPO SUBJECTIVO DE ILÍCITO ............................................................................. 90
AS FORMAS ESPECIAIS DO CRIME ......................................................................... 90
Sumário ........................................................................................................................... 91
Exercícios........................................................................................................................ 91

TEMA VI: CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL 93


Introdução ....................................................................................................................... 93
CRIME DE VIOLAÇÃO SEXUAL ............................................................................... 94
CONCURSO E COMPARTICIPAÇÃO ........................................................................ 95

ii
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iii

CRIME DE ACTOS SEXUAIS COM MENORES (ART. 220º) .................................. 95


CRIME DE ATENTADO AO PUDOR ......................................................................... 97
O BEM JURÍDICO ......................................................................................................... 97
ELEMENTOS DO TIPO ................................................................................................ 98
AGRAVAÇÃO ESPECIAL (ART.º 222º) ..................................................................... 99
ARTIGO 223º (DENÚNCIA PRÉVIA) ....................................................................... 100
CRIME DE ASSÉDIO SEXUAL ................................................................................. 100
O BEM JURÍDICO ....................................................................................................... 101
ELEMENTO DO TIPO ................................................................................................ 101
CRIME DE ULTRAJE PÚBLICO AO PUDOR .......................................................... 102
CRIME DE ULTRAJE À MORAL PÚBLICA ............................................................ 103
Sumário ......................................................................................................................... 103
Exercícios...................................................................................................................... 104
EXERCÍCIOS DO MÓDULO...................................................................................... 105
Bibliografia ................................................................................................................... 110

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ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
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Visão geral

Benvindo ao Módulo de Direito Penal e Especial

Objectivos do Módulo

Ao terminar o estudo deste módulo de Direito Penal Especial


deverás ser capaz de: saber definir o conceito dos crimes
tipificados no novo CP; conhecer os capítulos a que pertencem os
mesmos; Saber qualificar os crimes e os seus agentes; descortinar
as diferenças entre os crimes no antigo Código e no novo;

 Conhecer a noção de saber definir o direito penal especial;


 Conhecer a evolução dos crimes no direito penal
moçambicano;
 Conhecer as características do direito penal especial;
Objectivos
 Saber quais são as circunstâncias agravantes e atenuantes,
Específicos
bem como a qualificação dos crimes

Quem deveria estudar este módulo

Este Módulo foi concebido para estudantes do 3º ano do curso de


licenciatura em Direito. Poderá ocorrer, contudo, que haja leitores
que queiram se actualizar e consolidar seus conhecimentos nessa
disciplina, esses serão bem-vindos, não sendo necessário para tal
se inscrever. Mas poderá adquirir o manual.

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ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
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Como está estruturado este módulo

Este módulo de Direito Comunitário, para estudantes do 2º ano do


curso Direito, à semelhança dos restantes do ISCED, está
estruturado como se segue:

Páginas introdutórias

 Um índice completo.

 Uma visão geral detalhada dos conteúdos do módulo,


resumindo os aspectos-chave que você precisa conhecer para
melhor estudar. Recomendamos vivamente que leia esta
secção com atenção antes de começar o seu estudo, como
componente de habilidades de estudos.

Conteúdo desta Disciplina / módulo

Este módulo está estruturado em Temas. Cada tema, por sua vez
comporta certo número de unidades temáticas visualizadas por
um sumário. Cada unidade temática se caracteriza por conter uma
introdução, objectivos, conteúdos. No final de cada unidade
temática ou do próprio tema, são incorporados antes exercícios de
auto-avaliação, só depois é que aparecem os de avaliação. Os
exercícios de avaliação têm as seguintes características: Puros
exercícios teóricos, Problemas não resolvidos e actividades
práticas algumas incluído estudo de casos.

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ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
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Outros recursos

A equipa dos académicos e pedagogos do ISCED pensando em si,


num cantinho, mesmo o recôndito deste nosso vasto Moçambique
e cheio de dúvidas e limitações no seu processo de aprendizagem,
apresenta uma lista de recursos didácticos adicionais ao seu
módulo para você explorar. Para tal o ISCED disponibiliza na
biblioteca do seu centro de recursos mais material de estudos
relacionado com o seu curso como: Livros e/ou módulos, CD, CD-
ROOM, DVD. Para além deste material físico ou electrónico
disponível na biblioteca, pode ter acesso a Plataforma digital
moodle para alargar mais ainda as possibilidades dos seus
estudos.

Auto-avaliação e Tarefas de avaliação

Tarefas de auto-avaliação para este módulo encontram-se no final


de cada unidade temática e de cada tema. As tarefas dos
exercícios de auto-avaliação apresentam duas características:
primeiro apresentam exercícios resolvidos com detalhes. Segundo,
exercícios que mostram apenas respostas.

Tarefas de avaliação devem ser semelhantes às de auto-avaliação


mas sem mostrar os passos e devem obedecer o grau crescente de
dificuldades do processo de aprendizagem, umas a seguir a outras.
Parte das tarefas de avaliação será objecto dos trabalhos de
campo a serem entregues aos tutores/docentes para efeitos de
correcção e subsequentemente nota. Também constará do exame
do fim do módulo. Pelo que, caro estudante, fazer todos os
exercícios de avaliação é uma grande vantagem.

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ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
4

Comentários e sugestões

Use este espaço para dar sugestões valiosas, sobre determinados


aspectos, quer de natureza científica, quer de natureza didáctico-
Pedagógica, etc. deveriam ser ou estar apresentadas. Pode ser que
graças as suas observações, o próximo módulo venha a ser
melhorado.

Ícones de actividade

Ao longo deste manual irá encontrar uma série de ícones nas


margens das folhas. Estes ícones servem para identificar
diferentes partes do processo de aprendizagem. Podem indicar
uma parcela específica de texto, uma nova actividade ou tarefa,
uma mudança de actividade, etc.

Habilidades de estudo

O principal objectivo deste capítulo é o de ensinar aprender a


aprender. Aprender aprende-se.

Durante a formação e desenvolvimento de competências, para


facilitar a aprendizagem e alcançar melhores resultados, implicará
empenho, dedicação e disciplina no estudo. Isto é, os bons
resultados apenas se conseguem com estratégias eficientes e
eficazes. Por isso é importante saber como, onde e quando
estudar. Apresentamos algumas sugestões com as quais esperamos
que caro estudante possa rentabilizar o tempo dedicado aos
estudos, procedendo como se segue:

1º Praticar a leitura. Aprender a Distância exige alto domínio de


leitura.

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ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
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2º Fazer leitura diagonal aos conteúdos (leitura corrida).

3º Voltar a fazer leitura, desta vez para a compreensão e


assimilação crítica dos conteúdos (ESTUDAR).

4º Fazer seminário (debate em grupos), para comprovar se a sua


aprendizagem confere ou não com a dos colegas e com o padrão.

5º Fazer TC (Trabalho de Campo), algumas actividades práticas ou


as de estudo de caso se existirem.

IMPORTANTE: Em observância ao triângulo modo-espaço-tempo,


respectivamente como, onde e quando...estudar, como foi referido
no início deste item, antes de organizar os seus momentos de
estudo reflicta sobre o ambiente de estudo que seria ideal para si:
Estudo melhor em casa/biblioteca/café/outro lugar? Estudo
melhor à noite/de manhã/de tarde/fins de semana/ao longo da
semana? Estudo melhor com música/num sítio sossegado/num
sítio barulhento!? Preciso de intervalo em cada 30 minutos, em
cada hora, etc.

É impossível estudar numa noite tudo o que devia ter sido


estudado durante um determinado período de tempo; Deve
estudar cada ponto da matéria em profundidade e passar só ao
seguinte quando achar que já domina bem o anterior.

Privilegia-se saber bem (com profundidade) o pouco que puder ler


e estudar, que saber tudo superficialmente! Mas a melhor opção é
juntar o útil ao agradável: Saber com profundidade todos
conteúdos de cada tema, no módulo.

Dica importante: não recomendamos estudar seguidamente por


tempo superior a uma hora. Estudar por tempo de uma hora
intercalado por 10 (dez) a 15 (quinze) minutos de descanso
(chama-se descanso à mudança de actividades). Ou seja que

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ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
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durante o intervalo não se continuar a tratar dos mesmos assuntos


das actividades obrigatórias.

Uma longa exposição aos estudos ou ao trabalho intelectual


obrigatório, pode conduzir ao efeito contrário: baixar o rendimento
da aprendizagem. Por que o estudante acumula um elevado
volume de trabalho, em termos de estudos, em pouco tempo,
criando interferência entre os conhecimentos, perde sequência
lógica, por fim ao perceber que estuda tanto mas não aprende, cai
em insegurança, depressão e desespero, por se achar injustamente
incapaz!

Não estude na última da hora; quando se trate de fazer alguma


avaliação. Aprenda a ser estudante de facto (aquele que estuda
sistematicamente), não estudar apenas para responder a questões
de alguma avaliação, mas sim estude para a vida, sobre tudo,
estude pensando na sua utilidade como futuro profissional, na área
em que está a se formar.

Organize na sua agenda um horário onde define a que horas e que


matérias deve estudar durante a semana; Face ao tempo livre que
resta, deve decidir como o utilizar produtivamente, decidindo
quanto tempo será dedicado ao estudo e a outras actividades.

É importante identificar as ideias principais de um texto, pois será


uma necessidade para o estudo das diversas matérias que
compõem o curso: A colocação de notas nas margens pode ajudar
a estruturar a matéria de modo que seja mais fácil identificar as
partes que está a estudar e Pode escrever conclusões, exemplos,
vantagens, definições, datas, nomes, pode também utilizar a
margem para colocar comentários seus relacionados com o que
está a ler; a melhor altura para sublinhar é imediatamente a seguir
à compreensão do texto e não depois de uma primeira leitura;

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ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
7

Utilizar o dicionário sempre que surja um conceito cujo significado


não conhece ou não lhe é familiar;

Precisa de apoio?

Caro estudante, temos a certeza que por uma ou por outra razão, o
material de estudos impresso, lhe pode suscitar algumas dúvidas
como falta de clareza, alguns erros de concordância, prováveis
erros ortográficos, falta de clareza, fraca visibilidade, páginas
trocadas ou invertidas, etc). Nestes casos, contacte os serviços de
atendimento e apoio ao estudante do seu Centro de Recursos (CR),
via telefone, sms, E-mail, se tiver tempo, escreva mesmo uma carta
participando a preocupação.

Uma das atribuições dos Gestores dos CR e seus assistentes


(Pedagógico e Administrativo), é a de monitorar e garantir a sua
aprendizagem com qualidade e sucesso. Dai a relevância da
comunicação no Ensino a Distância (EAD), onde o recurso as TIC se
torna incontornável: entre estudantes, estudante – Tutor,
estudante – CR, etc.

As sessões presenciais são um momento em que você caro


estudante, tem a oportunidade de interagir fisicamente com staff
do seu CR, com tutores ou com parte da equipa central do ISCED
indigitada para acompanhar as sua sessões presenciais. Neste
período pode apresentar dúvidas, tratar assuntos de natureza
pedagógica e/ou administrativa.

O estudo em grupo, que está estimado para ocupar cerca de 30%


do tempo de estudos a distância, é muita importância, na medida
em que permite-lhe situar, em termos do grau de aprendizagem
com relação aos outros colegas. Desta maneira ficará a saber se
precisa de apoio ou precisa de apoiar aos colegas. Desenvolver
hábito de debater assuntos relacionados com os conteúdos

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ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
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programáticos, constantes nos diferentes temas e unidade


temática, no módulo.

Tarefas (avaliação e auto-avaliação)

O estudante deve realizar todas as tarefas (exercícios, actividades e


autoavaliação), contudo nem todas deverão ser entregues, mas é
importante que sejam realizadas. As tarefas devem ser entregues
duas semanas antes das sessões presenciais seguintes.

Para cada tarefa serão estabelecidos prazos de entrega, e o não


cumprimento dos prazos de entrega, implica a não classificação do
estudante. Tenha sempre presente que a nota dos trabalhos de
campo conta e é decisiva para ser admitido ao exame final da
disciplina/módulo.

Os trabalhos devem ser entregues ao Centro de Recursos (CR) e os


mesmos devem ser dirigidos ao tutor/docente.

Podem ser utilizadas diferentes fontes e materiais de pesquisa,


contudo os mesmos devem ser devidamente referenciados,
respeitando os Direitos do autor.

O plágio1 é uma violação do Direito intelectual do(s) autor(es). Uma


transcrição à letra de mais de 8 (oito) palavras do texto de um
autor, sem o citar é considerado plágio. A honestidade, humildade
científica e o respeito pelos Direitos autorais devem caracterizar a
realização dos trabalhos e seu autor (estudante do ISCED).

Avaliação

Muitos perguntam: Com é possível avaliar estudantes à distância,


estando eles fisicamente separados e muito distantes do

1
Plágio - copiar ou assinar parcial ou totalmente uma obra literária,
propriedade intelectual de outras pessoas, sem prévia autorização.

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ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
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docente/tutor!? Nós dissemos: Sim é muito possível, talvez seja


uma avaliação mais fiável e consistente.

Você será avaliado durante os estudos à distância que contam com


um mínimo de 90% do total de tempo que precisa de estudar os
conteúdos do seu módulo. Quando o tempo de contacto presencial
conta com um máximo de 10%) do total de tempo do módulo. A
avaliação do estudante consta detalhada do regulamento de
avaliação.

Os trabalhos de campo por si realizados, durante estudos e


aprendizagem no campo, pesam 25% e servem para a nota de
frequência para ir aos exames.

Os exames são realizados no final da cadeira disciplina ou modulo e


decorrem durante as sessões presenciais. Os exames pesam no
mínimo 75%, o que adicionado aos 25% da média de frequência,
determinam a nota final com a qual o estudante conclui a cadeira.

A nota de 10 (dez) valores é a nota mínima de conclusão da


cadeira.

Nesta cadeira o estudante deverá realizar pelo menos 3 (três)


testes e 1 (um) (exame).

Algumas actividades práticas, relatórios e reflexões serão utilizados


como ferramentas de avaliação formativa.

Durante a realização das avaliações, os estudantes devem ter em


consideração a apresentação, a coerência textual, o grau de
cientificidade, a forma de conclusão dos assuntos, as
recomendações, a identificação das referências bibliográficas
utilizadas, o respeito pelos Direitos do autor, entre outros. Os
objectivos e critérios de avaliação constam do Regulamento de
Avaliação.

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ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
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TEMA – I: Considerações introdutórias ao estudo da “Parte Especial” do Código Penal

UNIDADE Temática 1.1. Considerações Introdutorias ao estudo da


parte especial do codigo penal
UNIDADE Temática 1.2. Exercícios do Tema

UNIDADE Temática 1.1. Considerações Introdutórias ao estudo da parte


especial do código penal

Introdução

O estudo dos tipos-de-ilícito previstos na Parte Especial do Código


Penal moçambicano necessariamente deverá restringir-se às
conquistas da chamada Teoria Geral da Parte Especial, pois "enquanto
os estudos sobre a Parte Geral alcançaram notável grau de
aperfeiçoamento técnico, os escritos que se têm produzido sobre a
Parte Especial situam-se em plano nitidamente inferior."

Na verdade, os estudos relativos à Teoria Geral da Parte Especial do


Código Penal ou, de forma mais modesta e acertada, os estudos
relativos à Introdução dos Crimes em Espécie, referem-se ao bem
jurídico e à estrutura do tipo-de-ilícito. Aníbal Bruno bem o disse: "a
concepção de uma Parte Geral da Parte Especial foi em verdade uma
exacerbação da ideia que impunha uma reconstrução mais orgânica da
exposição dos crimes em espécie". Já nos sentimos atraídos por essa
ideia da criação de uma Parte Geral que reunisse, os princípios
necessários à elaboração mais completa e ordenada das características
dos tipos e da sua classificação. Entretanto, talvez, devêssemos reduzir
esse propósito a mais modestas proporções. Mas é certo que se faz
preciso sobrepor à necessária descontinuidade dos elementos que a
formam uma reestruturação logicamente mais articulada, menos
arbitrária e dispersiva, embora os

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ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
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processos de reforma se desenvolvam dentro do âmbito mesmo da


Parte Especial. Então poderíamos ter uma construção que não seria
somente uma teoria geral do tipo mas abrangeria também a posição
do bem jurídico na Parte Especial e as implicações que daí decorrem."

Ao completar esta unidade, você será capaz de:

 Saber definir o Direito Penal Especial;

 Conhecer os conceitos básicos do Direito Penal;


Objectivos
Específicos  Distinguir o Direito Penal Especial e o Direito Penal Geral;

 Analisar os conceitos de Crime e de contravenção;

UNIDADE Temática 1.1. Considerações Introdutórias ao estudo da


parte especial do código penal

Teoria Geral da Parte Especial

O estudo dos tipos-de-ilícito previstos na Parte Especial do Código


Penal moçambicano necessariamente deverá restringir-se às
conquistas da chamada Teoria Geral da Parte Especial, pois "enquanto
os estudos sobre a Parte Geral alcançaram notável grau de
aperfeiçoamento técnico, os escritos que se têm produzido sobre a
Parte Especial situam-se em plano nitidamente inferior."

Na verdade, os estudos relativos à Teoria Geral da Parte Especial do


Código Penal ou, de forma mais modesta e acertada, os estudos
relativos à Introdução dos Crimes em Espécie, referem-se ao bem
jurídico e à estrutura do tipo-de-ilícito. Aníbal Bruno bem o disse: "a
concepção de uma Parte Geral da Parte Especial foi em verdade uma
exacerbação da ideia que impunha uma reconstrução mais orgânica da
exposição dos crimes em espécie. Já

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ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
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nos sentimos atraídos por essa ideia da criação de uma Parte Geral
que reunisse, os princípios necessários à elaboração mais completa e
ordenada das características dos tipos e da sua classificação.
Entretanto, talvez, devêssemos reduzir esse propósito a mais
modestas proporções. Mas é certo que se faz preciso sobrepor à
necessária descontinuidade dos elementos que a formam uma
reestruturação logicamente mais articulada, menos arbitrária e
dispersiva, embora os processos de reforma se desenvolvam dentro
do âmbito mesmo da Parte Especial. Então poderíamos ter uma
construção que não seria somente uma teoria geral do tipo mas
abrangeria também a posição do bem jurídico na Parte Especial e as
implicações que daí decorrem."

Conceito básico do Direito Penal

É o conjunto de normas jurídicas que associam factos penalmente


relevantes uma determinada consequência jurídica, uma sanção
jurídica ou, conjunto de normas jurídicas que fazem corresponder a
uma descrição de um determinado comportamento uma determinada
consequência jurídica desfavorável.

A esses factos penalmente relevantes correspondem determinadas


sanções jurídico-penais, que são basicamente: As penas, e as
principiais são; Prisão; Multa; As medidas penais, e as principiais são;
Medidas de segurança; Medidas de correcção, todas estudadas de
forma cabal na cadeira de Direito Penal ou Direito Criminal, conforme
for o caso.

Direito Penal geral e Direito Penal especial

O Código Penal moçambicano, instituído pela Lei nº 35/2014 de 31 de


Dezembro, a exemplo dos demais códigos penais modernos, está
dividido em duas partes distintas:

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ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
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A Parte Geral (art. 1º ao art. 154) e a Parte Especial (art. 154º e


termina no art. 567º).

Na primeira estão previstas as regras aplicáveis a todos os crimes


tratados no Código Penal e também subsidiariamente àqueles
tipificados por leis extravagantes, enquanto a que na Parte Especial se
encontram os preceitos que estabelecem os delitos em particular.

Assim a Parte Especial (art. 155º ao art. 567º) se desenvolve por meio
da definição dos delitos, com as sanções particulares de cada um e
acrescida, em determinados pontos, de regras particulares que
excepcionam princípios contidos na Parte Geral, tal como se dá nas
normas não incriminadoras nela previstas.

Importância da Parte Especial

A Parte Especial, ao tipificar crimes e cominar penas, constitui-se em


corolário do princípio da reserva legal ou da estrita legalidade,
consagrado no art. 7º CP e pelo art. 60º da CRM: Não há crime sem lei
anterior que o defina. Não há pena sem prévia previsão legal.2

Neste norte, mister se faz relembrar as funções do tipo:

a) Função de garantia (ou garantidora)

No sentido de que o agente somente poderá ser penalmente


responsabilizado se cometer uma das condutas proibidas ou deixar de
praticar aquelas impostas pela lei penal. Ressalte-se, aqui, a ideia de
Von Liszt, quando diz que “O Código Penal era a Carta Magna do
delinquente”. O tipo penal exerce a função de garantia à medida que
temos o direito de, ao analisá-lo, saber o que nos é permitido fazer.
Roxin assevera que “todo cidadão deve ter a possibilidade, antes de
realizar um fato, de saber se sua acção é punível ou não”.

b) Função fundamentadora

2
Principio de Nullum Crimen Sine Lege
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ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
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Eis que é correto afirmar que o Estado, por intermédio do tipo penal,
fundamenta suas decisões, fazendo valer o seu ius puniendi. Dessa
forma, a função fundamentadora exercida pelo Estado, lhe abre a
possibilidade de exercitar o seu direito de punir sempre que o seu tipo
penal for violado.

c) Função seleccionadora de condutas

Condutas que deverão ser proibidas ou impostas pela lei penal, sob
ameaça de sanção, tendo o legislador, como norte, os princípios da
intervenção mínima e da adequação social, fazendo com que a
protecção do direito penal recaia somente aos bens de maior
importância, deixando de lado as condutas consideradas socialmente
adequadas ou que não atinjam bens de terceiros.

Dessa forma, punem-se as infracções penais em conformidade com as


figuras típicas das normas incriminadoras, para que o Estado proteja
os bens jurídicos cuja violação comprometa as condições existenciais
da vida em sociedade. Entretanto, se as condutas indesejadas não
estiverem previstas e configuradas em textos legais como crimes,
faltará ao Estado o poder de punir.

Título do Crime

Título do crime, também chamado de nomem iuris, é o nome pelo


qual um delito é ‘baptizado’ pelo legislador, por intermédio da rubrica
marginal, ou seja, a denominação que consta ao lado dos crimes
definidos na Parte Especial do Código Penal. Exemplificativamente, o
art. 155º do Código Penal chama-se a conduta de ‘matar alguém’ de
homicídio.

Apresentação da Parte Especial

Em cumprimento ao princípio da reserva legal, o Estado exerce seu


direito de punir de forma condicionada e limitada. Além dos limites

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ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
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temporais e processuais, deve respeitar uma condição fundamental:


somente pode impor uma pena a pessoa responsável pela prática de
um fato descrito em lei como infracção penal.

As classificações modernas, baseadas na gravidade dos crimes,


iniciaram-se no século XVIII. Assim, actualmente, a Parte Especial do
Código Penal está ordenada em conformidade com a natureza e a
importância do objecto jurídico protegido pelos tipos penais. Essa
classificação racional possui íntima correspondência com o conceito
material de crime. Com efeito, se o crime é a acção ou omissão
humana que lesa ou expõe a perigo de lesão bens jurídicos
penalmente tutelados, decorre como natural o efeito da divisão com
arrimo na objectividade jurídica.

Todavia, alguns doutrinadores dissertando sobre o tema, ensinam


que: “(...) O bem jurídico adquire importância como critério regente
enquanto constitui a essência da anti-juridicidade, porém não é um
modulo exclusivo. O objecto sobre o qual recai a conduta, o meio
empregado para cometer o delito e todas as demais modalidades do
tipo que transcendem a anti-juridicidade da conduta aqui também
influem. Na realidade, nenhuma classificação das que partem do bem
jurídico deixa de levar em conta as aludidas modalidades. Por si só o
bem jurídico é insuficiente para a classificação exaustiva, pois existem
numerosos delitos que apresentam o mesmo objecto de ataque, por
exemplo furto e roubo (a propriedade representada pelas coisas
móveis), o homicídio e o infanticídio (vida humana)”.

O Código Penal, em vigor e com índole manifestamente individualista,


inicia-se com os crimes que atentam imediatamente contra bens
jurídicos individuais até chegar aos crimes contra os interesses do
Estado, de natureza difusa e, consequentemente, de interesse
mediato das pessoas em geral. Nesse contexto, são tipificados em
primeiro lugar os crimes contra a pessoa, passando pelos crimes

16
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
17

contra o património, até serem alcançados, finalmente, os crimes


contra o Estado.

Divisão da Parte Especial do Código Penal

Ao iniciarmos o estudo da Parte Especial do Código Penal, podemos


perceber a preocupação do legislador no que diz respeito à protecção
de diversos bens jurídicos. São 10 títulos existentes que traduzem os
bens que foram objecto de tutela pela lei penal, títulos esses que, por
sua vez, foram subdivididos em capítulos, individualizando, ainda mais,
os bens juridicamente protegidos pelos tipos penais incriminadores.
Exemplificativamente podemos citar: No Título I – inserido no livro
segundo- Crimes Contra as Pessoas- CAPÍTULO I-Crimes contra a vida-
SECÇÃO I-Homicídio voluntário

De todas as infracções penais o homicídio é aquela que,


efectivamente, desperta mais interesse. O homicídio reúne uma
mistura de sentimentos – ódio, rancor, inveja, paixão, etc. – o que o
torna um crime especial, diferente dos demais. Normalmente, quando
não estamos diante de criminosos profissionais, o homicida é autor de
um único crime do qual, normalmente, se arrepende.

“A Bíblia nos relata a história do primeiro homicídio, cometido por


Caim contra seu irmão Abel, em Génesis, Capítulo 4, versículo 8. Caim
agiu impelido por um sentimento de inveja, pois Deus havia se
agradado da oferta trazida pelo seu irmão Abel e rejeitado o dele.
Dessa forma, Caim chamou Abel para com ele ir ao campo e, lá, o
matou. Pelo fato de ter causado a morte de seu irmão, Deus puniu
Caim, amaldiçoando-o, fazendo com que passasse a ser um fugitivo e
errante pela Terra.”

Crime ou Delito

Infracção mais grave, conduta humana ilícita (elemento formal) que


contrasta com os valores e interesses

17
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
18

da conduta social (elemento material), decorrente de uma acção ou


omissão, definida em lei, necessária e suficiente para que ocorrendo
faça nascer o “jus puniendi” do Estado. Os infractores sujeitam-se as
penas de detenção e reclusão.

Legalmente o crime é o facto voluntário declarado punível pela lei


penal, nos termos do art. 1º do novo código penal.

Contravenção

Infração menos grave por definição do legislador; são punidas apenas


com multa ou prisão simples e estão arroladas tanto np codigo penal,
coo em legislacao extravagante, temos como exemplo as
contravencoes de estrada, estabelecidas no Codigo da Estarada,
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 1/2011, de 23 de Março, que aprova o
Código de Estrada, revogando, em simultâneo, o anterior Código de
1954, que ainda se mantinha em vigor não obstante ter tido, ao longo
dos anos que se seguiram à Independência de Moçambique, em 1975,
várias alterações, que resultaram em diversos diplomas dispersos e de
difícil consulta.

Sumário

Na presente unidade temática abordamos necessariamente sobre a


parte introdutória da matéria concernente ao Direito Penal Especial.
Abordamos desde o conceito, as divisão entre o direito penal especial
e o direito penal, defendemos a seguinte divisão: A Parte Geral (art. 1º
ao art. 154) e a Parte Especial (art. 154º e termina no art. 567º).
Estabelecemos a importância do direito penal especial, que se resume
em tipificar crimes e cominar penas, constitui-se em corolário do
princípio da reserva legal ou da estrita legalidade, consagrado no art.
7º CP e pelo art. 60º da CRM: Não há crime sem lei anterior que o
defina. Actualmente, a Parte Especial do Código Penal está ordenada
em conformidade com a natureza e a importância do objecto jurídico

18
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
19

protegido pelos tipos penais. Quanto a divisão, da parte especial,


encontramos 10 títulos existentes no Codigo Penal, que traduzem os
bens que foram objecto de tutela pela lei penal, títulos esses que, por
sua vez, foram subdivididos em capítulos, individualizando, ainda mais,
os bens juridicamente protegidos pelos tipos penais incriminadores. E
por fim, definimos o crime e as contravenções.

Exercícios

Exercícios do tema 1. Unidade Temática 1.1.

1. Pode ser definido o Direito Penal como sendo:

a) Conjunto de normas jurídicas que definem a pena;

b) Conjunto de normas jurídicas que associam factos penalmente


relevantes uma determinada consequência jurídica, uma
sanção jurídica.

c) Conjunto de normas jurídicas que estabelecem os requisitos da


inconstitucionalidade;

d) Conjunto de penas aplicadas a infractores;

A resposta correcta é: B

2. "A concepção de uma Parte Geral da Parte Especial foi em


verdade uma exacerbação da ideia que impunha uma
reconstrução mais orgânica da exposição dos crimes em
espécie." Esse enunciado pertence à:

a) Aníbal Bruno.

b) Damásio de Jesus.

c) Carlos Alberto da Motta Pinto.

d) Gomes Canotilho.

19
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
20

A resposta correcta é: A

3. O crime se diferencia da contravenção penal:

a) Pela natureza entre as infracções penais.

b) Pela espécie de pena imposta.

c) Pela capacidade psicológica do agente.

d) Pelo requisito subjectivo da infracção.

A resposta Correcta é: B

4. As principais penas de acordo com a legislação penal


moçambicana são:

a) Penas de prisão, multa e perpetuas;

b) Penas de multa e de morte;

c) Carcere privado, multa e medidas de segurança;

d) Pena de Prisão, Multa e Medidas de Segurança;

A resposta correcta é: D

5. O nosso código penal assim como muitos outros encontra-se


dividido em:

a) Três partes;

b) Cinco partes;

c) Duas partes;

d) Quatro partes;

A resposta correcta é: C

6. De acordo com o CP, considera-se praticado o crime:

20
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
21

a) Somente no lugar onde se produziu ou deveria produzir-se o


resultado.

b) Somente no lugar em que ocorreu a acção ou omissão.

c) No lugar em que ocorreu a acção ou omissão, no todo ou em parte,


bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado.

d) Todas as alternativas estão corretas.

A resposta correcta é: C

7. Na parte especial do Código Penal, encontram-se os preceitos


que estabelecem os delitos individual.

a) Verdadeiro

b) Falso

A resposta correcta é: A

8. O Estado detentor do Ius Puniendi, exerce seu direito de punir


de forma incondicional e ilimitada, uma vez ser ele que
estabelece as normas incriminadoras.

a) Verdadeiro

b) Falso

A resposta correcta é: B

21
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
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9. Função a) O agente somente


fundamentador poderá ser penalmente
a responsabilizado se
cometer uma das
condutas proibidas ou
deixar de praticar aquelas
impostas pela lei penal

10. Função de b) Da ao Estado a


garantia possibilidade de exercitar
o seu direito de punir
sempre que o seu tipo
penal for violado,
fundamentando sempre
as suas decisões.

11. Função c) Condutas que deverão


seleccionadora ser proibidas ou impostas
de condutas pela lei penal, sob
ameaça de sanção, tendo
o legislador

As respostas correctas são:

9-B

10-A

11-C

22
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
23

TEMA II. DOS CRIMES CONTRA AS PESSOAS

Unidade temática 1.1. Crimes contra a vida

UNIDADE TEMÁTICA 1.1. CRIMES CONTRA A VIDA

Homicídio voluntário

Introdução

O crime de homicídio descrito no art. 155º CP constitui o tipo legal


fundamental dos crimes contra a vida. É a partir deste tipo legal
fundamental que a lei edifica os restantes tipos de crimes contra a
vida, ora qualificando-o, ora especializando as formas de ataque ao
bem jurídico ou tipo subjectivo de ilícito e o tipo de culpa congruente.
O bem jurídico protegido pelo homicídio, não é simplesmente a vida
humana, mas, mais rigorosamente, a vida de pessoa já nascida. É a
Constituição a impor a defesa da vida humana. O direito à vida funda-
se na norma constitucional que consagra a sua inviolabilidade e proíbe
a pena de morte (art. 40º nº 1 CRM). Decorre da consagração deste
direito o comando ao legislador ordinário para que incrimine o
homicídio e os comportamentos perigosos para a vida alheia mais
relevantes.

 Analisar o tipo legal de homicídio voluntário simples


 Apresentar o bem jurídico protegido;
 Comentar as posições apresentadas sobre o início e o
término da vida;
Objectivos Específicos
 Examinar os sujeitos activos e passivos do tipo
 Conceituar o tipo subjectivo de ilícito

O tipo objectivo de ilícito

23
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
24

O tipo objectivo de ilícito do homicídio consiste em matar outra


pessoa. Atrás desta aparente simplicidade esconde-se uma série de
problemas dos mais complexos e de difícil e contestável solução com
que depara a doutrina do direito penal; e não só do direito penal ou
mesmo do direito, senão que de todo o pensamento filosófico e
científico que tem a ver com o homem.

O início da vida ou início da vida extra-uterino

Duas teses se apresentam como possíveis e têm, na verdade, sido


defendidas na literatura jurídico-penal. Segundo uma dessas teses a
vida começaria, tal como para o direito civil é prescrito pelo art. 66º nº
1 CC, com a completação do processo de nascimento (o “nascimento
completo e com vida”). Segundo uma outra tese a protecção
dispensada pelo crime de homicídio iniciar-se-ia não com a conclusão,
mas pelo contrário com o início do acto de nascimento. A vida
relevante para efeitos de homicídio ou de crimes de perigo para a vida
do capítulo I é a vida extra-uterina. O momento de início da vida
verifica-se quando se iniciar contracções ritmadas, intensas e
frequentes que previsivelmente conduzirão à expulsão do feto. A
capacidade de vida autónoma do feto não é pressuposto da qualidade
de pessoa para efeito de integração do tipo objectivo de ilícito.
Suficiente é que a criança, no referido momento inicial do nascimento,
esteja viva. Por isso o crime de homicídio é possível relativamente a
crianças que, pelos mais diversos motivos não tenham nenhuma
possibilidade de continuar a viver fora do ventre materno.

O termo da vida

O momento a partir do qual cessa a tutela jurídico-legal dispensada


por aquele tipo. A qualidade da pessoa para efeito do tipo de ilícito
objectivo do homicídio termina com a morte. O critério adoptado é o
da morte cerebral. Morte é assim, para este efeito, a destruição

24
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
25

anatómica estrutural do cérebro na sua totalidade; nunca, portanto,


uma mera lesão cerebral ou mesmo a chamada “morte neocortical”3.
O tipo objectivo de ilícito do homicídio deve pois, dizer-se que ele se
realiza com a morte de uma pessoa, isto é, com o causar a morte de
pessoa diferente do agente, o “causar morte” significa que tem de se
estabelecer o indispensável nexo de imputação objectiva do resultado
à conduta.

O tipo subjectivo de ilícito

O tipo subjectivo de ilícito do homicídio previsto no art. 155º CP, exige


o dolo, em qualquer das suas formas contempladas no art. 3º CP,
directo, necessário ou eventual. Trata-se por isso de um tipo
relativamente ao qual se verifica aquilo que a doutrina chama de total
congruência entre a sua parte objectiva e a parte subjectiva. Importa
todavia sublinhar que, para se verificar dolo eventual relativamente a
condutas objectivamente e mesmo extremamente perigosas, não
basta que o agente preveja o perigo de resultado e se conforme com
ele, tornando-se antes sempre necessário que aquele preveja e se
conforme com o próprio resultado; e o mesmo se dirá para as acções
cometidas em estado de afecto, por mais que as regras da experiência
mostrem que as acções como a levada a cabo se segue normalmente o
resultado morte.

As causas de exclusão

Consentimento: seja ele presumido ou consentido (arts. 32º CP) não


exclui, em caso algum, a ilicitude do homicídio doloso, mas pode
conduzir a que a punição venha ocorrer, antes que pelo art. 155º SS do
CP.

3
Destruição irreversível da função do córtex cerebral, ou tudo, ou muito para que o
paciente é incapaz de uma actividade de relacionamento, mas mantém muitas
características do cérebro e tronco cerebral intacta (veja estado vegetativo
persistente). Não é a morte (v.) a pessoa, embora alguns autores igualam.
25
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
26

As formas especiais do crime

a) Tentativa

A tentativa do cometimento do homicídio é sempre punível por força


do disposto no 156º conjugado com art. 14º nº 1 CP. Dada a particular
gravidade do crime em questão, há por vezes tendência
jurisprudencial para antecipar o mais possível o início da tentativa,
reputando actos de execução o que verdadeiramente não passa de
actos preparatórios, em princípio não puníveis4[1].

b) Comparticipação

Em matéria de autoria e de cumplicidade valem completamente as


regras gerais. Particulares dificuldades suscita todavia a questão de
saber se, relativamente a um mesmo crime de homicídio, pode um
comparticipante ser punido por homicídio simples e outro por
homicídio qualificado ou privilegiado.

Tipos de culpa “exclusivas”

A estrutura dos homicídios é refractária a que sejam “puros” tipo de


ilícito, ou seja, erguidos em função do maior ou menor desvalor
material dos comportamentos homicidas que registam, e só nessa
base consideráveis. A lei usa terminologia de onde se conclui que é a
culpa que desencadeia a aplicação destas normas. Tem de haver maior
censurabilidade ou perversidade do agente para que o homicídio
simples (art. 155º CP) produza efeitos; tem de haver menor culpa,
para que o qualificado do art. 157º CP actue.

ELEMENTOS DO TIPO E SUJEITOS DO CRIME

4[1]
Esta tendência é injustificável e deve ser decididamente combatida.

26
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
27

Acção nuclear

O delito de homicídio tem por acção nuclear o verbo “matar”, que


significa destruir ou eliminar, no caso, pessoa, utilizando qualquer
meio de execução. Trata-se de crime de acção livre, pois o tipo não
descreve nenhuma forma específica de actuação que deva ser
observada pelo agente. Desse modo, o agente pode lançar mão de
todos os meios, não só materiais, para realizar o núcleo da figura
típica. Pode-se matar:

a) Por meios físicos ou materiais (mecânicos, químicos ou


patogénicos): entre os meios mecânicos incluem-se os instrumentos
contundentes, perfurantes e cortantes; entre os meios químicos
incluem-se as substâncias corrosivas (como o ácido sulfúrico), que são
geralmente utilizadas para causar o envenenamento do indivíduo;
finalmente, entre os meios patogénicos incluem-se os vírus letais
(como o da HIV que causa o Síndroma de Imune Deficiência Adquirida,
SIDA);

b) Por meios morais ou psíquicos: o agente se serve do medo ou da


emoção súbita para alcançar seu objectivo;

c) Por meio de palavras: por exemplo, dizer a um cego para avançar


em direcção a um penhasco.

d) Por meio directo: o agente ataca o corpo da vítima, por exemplo,


desferindo-lhe facadas.

e) Por meio indirecto: quando se lança mão de meio que propicie a


morte por factor relativamente independente do criminoso ou de seu
contacto directo com a vítima, como atraí-la para lugar onde fique
exposta a descarga de forte corrente eléctrica ou uma fera a ataque.

f) Por acção ou omissão: acção é o comportamento positivo, a

27
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
28

movimentação corpórea, o facere. Exemplos: empurrar a vítima para


um precipício, desferir tiros com arma de fogo ou facadas etc. A
omissão penalmente relevante é a constituída de dois elementos: o
non facere (não fazer) e o quod debetur (aquilo que tinha o dever
jurídico de fazer). Não basta, portanto, o “não fazer”, sendo
necessário, no caso concreto, haver uma norma a qual determine o
que deveria ser feito. Essa é a chamada teoria normativa, adoptada
pelo Código Penal. O art. 2, nos números 1 e 2 prevê as três hipóteses
em que está presente o dever jurídico de agir. Ausente este, o agente
não comete crime algum.

Sujeito activo

Qualquer pessoa, pois se trata de crime comum. A lei não exige


nenhum requisito especial; não se trata de crime próprio, que requer
legitimidade activa especial, nem mesmo reclama pluralidade de
agentes (não é crime plurissubjetivo). Com a inovação legislativa
trazida pelo novo Código, será considerado crime hediondo quando
praticados com extrema violência, crueldade, sem nenhum senso de
compaixão ou misericórdia de seus agentes, causando profunda
repugnância e aversão à sociedade. Se for cometido por intermédio de
conduta omissiva, deve o sujeito activo ter as condições pessoais que
o façam juridicamente obrigado a impedir o resultado, nos termos do
art. 2 nº 2 do CP.

Sujeito passivo

No caso do delito de homicídio, o sujeito passivo é qualquer pessoa


com vida, é “o ser vivo, nascido de mulher” (HUNGRIA; FRAGOSO,
Citado por CAPAZES, Fernando)5. Cuida-se aqui, entretanto, da
protecção da vida humana extra- uterina; a destruição da vida humana

5
Embora com o avanço da tecnologia e da medicina, já podemos ver seres humanos
nascidos de homens, que deram a luz, os filhos destes não terão protecção jurídica, é
essa posição é antiquada, na medida em que foi defendida numa altura em que a
tecnologia e a medicina ainda não estavam tão avançadas.
28
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
29

intra-uterina tipificará o delito de aborto.6 O delito de homicídio em


sua capitulação legal não exige que a vítima detenha qualquer
qualidade especial. Há excepções, contudo, atentar contra a vida do
Presidente da República, O atentado contra a vida dos titulares e
membros dos órgãos de soberania, Provedor de Justiça e dos
magistrados, dos presidentes, secretários-gerais ou equivalentes das
organizações partidárias com assento parlamentar, configurará Crimes
contra a segurança interior do Estado, constante dos art. 383º e ss CP,
bem como outras hipóteses constantes das leis extravagantes.

ELEMENTO SUBJETIVO

Em homicídio, o elemento subjectivo é o dolo (animus necandi ou


occidendi), consistente na vontade consciente e livre de matar. Pode
ser:

a) Directo ou determinado: o agente quer realizar a conduta e produzir


o resultado. Exemplo: o sujeito atira contra o corpo da vítima,
desejando matá-la.

b) Indirecto ou indeterminado: divide-se em dolo eventual e dolo


alternativo. Na primeira espécie, o agente não quer directamente o
resultado, mas aceita a possibilidade de produzi-lo, como no caso do
sujeito que faz disparos contra o seu adversário, prevendo e aceitando
o fato de os projécteis alcançarem também quem está por trás; na
segunda espécie, o agente não se importa em produzir este ou aquele
resultado (quer ferir ou matar).

c) Geral ou erro sucessivo ou aberratio causae: o agente, após realizar


a conduta, supondo ter produzido o resultado, pratica o que entende
ser um exaurimento e nesse momento atinge a consumação. Por
exemplo: “A” esfaqueia a vítima e pensa que a matou. Ao tentar
ocultar o cadáver, jogando-o ao mar, vem efectivamente a matá-la por
6
Matéria que será objecto de estudo mais adiante.
29
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
30

afogamento. Haverá tentativa de homicídio (pelas facadas) em


concurso com homicídio voluntario simples ou qualificado,
dependendo do caso, desde que hajam sido preenchidos um dos
requisitos do art. 157º CP.

Sumário

Nessa unidade temática introdutória do estudo dos crimes em


especial, debruçamos um dos tipos de homicídio constantes do nosso
código, o maior e mais protegido bem jurídico da comunidade, a vida.
Vimos que a primeira forma de protecção desse bem jurídico dita da
própria CRM, no art 40º onde preconiza no nº 1 que: "Todo o cidadão
tem direito à vida e à integridade física e moral e não pode". Por sua
vez o nº 2 estabelece que: Na República de Moçambique não há pena
de morte. Também foi objecto de estudo nessa unidade os elementos
constitutivos do homicídio, bem como os sujeitos.

Exercícios do tema 2. Unidade temática 1.

1. Pare efeitos de crime de homicídio, a vida inicia-se:

a) Com o nascimento completo e com vida;


b) Quando se iniciar contracções ritmadas, intensas e frequentes,
que conduzirão a expulsão do feto;
c) Com a saída do feto do ventre da mãe;
d) Com a fecundação do ovulo;

A resposta correcta é: B

2. Figura como sujeito activo nos crimes de homicídio:

a) Qualquer pessoa;
b) Somente os homens;
c) Por ser um crime especial, somente os homens negros

30
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
31

d) A lei exige um requisito especial para definir o sujeito activo,


assim, a designação é casuística.

A resposta correcta é: A

3. O consentimento no crime de homicídio funciona como causa


de exclusão de ilicitude (F)

A. Verdadeiro
B. Falso

4. Como formas especiais do crime de homicídio, a tentativa não


é punível nos termos do código penal (F)
5. Qual é o elemento subjectivo do tipo legal de crime de
homicídio?

Unidade temática 1.2. Homicídio Qualificado

Introdução

O homicídio qualificado está previsto no art. 157º do CP. Trata-se de


causa especial de majoração da pena. Certas circunstâncias agravantes
previstas no art. 37º do CP vieram incorporadas para constituir
elementares do homicídio, nas suas formas qualificadas, para efeito de
majoração da pena. Dizem respeito aos motivos determinantes do
crime e aos meios e modos de execução, reveladores de maior
periculosidade ou extraordinário grau de perversidade do agente,
conforme a Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal. O
critério generalizador, dos exemplos-padrão consubstancia-se num
tipo de culpa, cuja função é a de caracterizar de forma autónoma uma
atitude do agente actualizada no facto como especialmente
censurável ou perversa.

31
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
32

A delimitação da noção do tipo de culpa é fundamental na apreensão


do critério generalizador utilizado pelo legislador. A sua existência e a
sua missão no âmbito de um conceito material de culpa, capaz de
converter-se numa medida susceptível de elevação ou diminuição para
além dos limites fixados pela graduação da ilicitude. O homicídio
qualificado não é mais que uma forma agravada do homicídio
“simples” previsto no art. 155º CP.

 Analisar o tipo legal de homicídio voluntário simples


 Apresentar o bem jurídico protegido;
 Comentar as posições apresentadas sobre o início e o término
da vida;
Objectivos Específicos
 Examinar os sujeitos activos e passivos do tipo
 Conceituar o tipo subjectivo de ilícito

NATUREZA JURÍDICA

A qualificação deriva da verificação de um tipo de culpa agravado


assente numa cláusula geral extensiva e descrito com recurso a
conceitos indeterminados: a “especial censurabilidade ou
perversidade” do agente, verificação indiciada por circunstâncias ou
elementos uns relativos ao facto, outros ao autor, exemplarmente
elencados no art. 157º nº 1 CP. Elementos estes assim, por um lado,
cuja verificação não implica sem mais a realização do tipo de culpa e a
consequente qualificação; e cuja não verificação, por outro lado, não
impede que se verifiquem outros elementos substancialmente
análogos aos descritos e que integrem o tipo de culpa qualificador.

Estes elementos são típicos de certas classes de crimes,


designadamente das que constituem grupos valorativos que exprimem
um maior ou menor desvalor da atitude relativamente ao tipo
fundamental. Ou seja, são típicos os crimes a que se pode chamar

32
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
33

variantes que constituem especificações dependentes através da


adição ao tipo fundamental de elementos que exprimem uma
agravação ou uma atenuação quer do conteúdo da ilicitude quer do
conteúdo da culpa dando origem a tipos qualificados ou privilegiados.

Face ao art. 157º CP não parece porém que se possa defender outra
doutrina que não seja a de ver ali, elementos constitutivos do tipo de
culpa. É exacto, que muitos dos elementos constantes das diversas
alíneas do art. 157º nº 1 CP, em si mesmos tomados, não contendem
directamente com uma atitude mais desvaliosa do agente, mas sim
com um mais acentuado desvalor da acção e da conduta, com a forma
de cometimento do crime. Ainda nestes casos, porém, não é esse
maior desvalor da conduta o determinante da agravação, antes ele é
mediado sempre por um mais acentuado desvalor da atitude: a
especial censurabilidade ou perversidade do agente é dizer, o especial
tipo de culpa do homicídio agravado. Só assim se podendo
compreender e aceitar que haja hipóteses em que aqueles elementos
estão presentes e, todavia, a qualificação vem em definitivo a ser
negada. Tido isto tudo na conta devida não há objecções de princípio a
que se defenda que a agravação da culpa é em todos os casos
suportada por (ou se reflecte necessariamente em) uma
correspondente agravação (gradual-quantitativa) do conteúdo de
ilícito.

Princípio da legalidade

O que está aqui em causa é o maior grau de culpa e não de ilicitude


porque nem todas as condutas do n.º 1 envolvem uma maior ilicitude.
A ilicitude tem que estar definida e não estar em aberto “são estas
entre outras”, por isso a técnica legislativa pelo legislador é
incompatível com a ilicitude. A atitude interna do agente tem a ver
com a individualidade (culpa). O fundamento de qualificação é a culpa
agravada devido a especial

33
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
34

censurabilidade ou perversidade porque o ilícito é o mesmo do 155º, e


por isso o nº 1 tem um carácter exemplificativo, segundo a doutrina. 7
Exemplos padrão, “são estas entre outras”. O nº 1 do 155º é que
tipifica, e o nº 1 do art. 157º é que qualifica o homicídio.

Há autores que entendem que é um tipo misto de ilicitude e culpa


(Teresa Beleza, Costa Pinto, Fernanda Palma).

A qualificação assenta na culpa, critério para qualificar é a “especial


censurabilidade ou perversidade”, o agente actuou com uma
exigibilidade acrescida.

As circunstâncias do n.º 1 só levam à qualificação se estiver


preenchido o art. 155º, o agente actua com culpa agravada, uma vez
que a diferencia está na culpa (é mais grave a culpa do agente).

Para Fernanda Palma, Teresa Beleza e Costa Pinto a culpa agravada é


um critério para a qualificação, mas não é o único fundamento,
integram também uma ilicitude acrescida (há um misto de ilicitude e
culpa). Na alínea a) o comportamento do agente revela um maior
desvalor da acção (da conduta), é um grau mais grave de ilícito e se
fosse só a culpa não era necessário descrever as situações porque a
culpa é um juízo de censura. Na regra de determinação da pena
(moldura penal) não se pode ter um tipo de crime que assenta só na
culpa, tem de ter também como fundamento a ilicitude.

Estrutura do homicídio qualificado:

Começa-se pelo art. 155º (homicídio voluntario simples), depois vai-se


ao art. 157º n.º 1 e de para ver se a conduta se integra nalguma das
alíneas. Duas características do n.º 1 do art. 157º:

7
Embora não seja esse o nosso entendimento, entendemos nos que na parte final
do nº 1, o legislador é claro, ao estabelecer que: "quando concorrer qualquer das
circunstâncias seguintes", fica clara a alusão do legislador em estabelecer que só e
somente só as circunstâncias constantes das alíneas a) até h) poderão ser
consideradas qualificadas.
34
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
35

1) “É susceptível” (não funciona automaticamente), o facto de o n.º


1 estar preenchido não significa que seja homicídio qualificado, só o é
se estiver preenchido também o nart. 155º CP.

Contêm apenas elementos indiciadores (duplo efeito):

- Positivo (só se integra numa das alíneas, em principio revela


especial censurabilidade ou perversidade, indicia a circunstância mas
pode não revelar).

- Negativo (se o caso não se integra em nenhuma das alíneas, a


partida não revela especial censurabilidade ou perversidade, mas pode
revelar)

2) “Entre outras” – carácter exemplificativo, não há um carácter


taxativo, pode-se fazer uma analogia orientada.

Duplo critério para aplicar o art. 157º num caso não previsto nas
alíneas:

Aproximação quantitativa, (se se pode aplicar analogamente numa das


alíneas).

Integração do critério qualitativo, (saber se revela especial


censurabilidade ou perversidade).

Para o Prof. Fernando Silva – é compatível com a constituição, porque


mesmo que se integre no n.º 1 tem de se ver se a conduta revela
especial censurabilidade ou perversidade (faz-se analogia para chamar
à colação certas circunstâncias), não é inconstitucional, porque o
critério está presente no art. 155.

Para Figueiredo Dias – não se viola um princípio constitucional


(princípio da legalidade), porque estamos a falar da culpa.

35
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
36

Conclusão: As circunstâncias do n.º 1 não funcionam


automaticamente, e as circunstâncias têm um carácter meramente
exemplificativo.

Do ilícito penal

A estrutura do ilícito penal não pode deixar de reflectir a concepção


que se adopte acerca da essência da ilicitude. Esta, por seu turno,
depende decisivamente da posição que se perfilhe sobre a natureza
das normas jurídicas, em especial das normas jurídico-penais, assim,
uma conduta é ilícita na medida em que contradiz uma norma jurídica
(ilicitude formal) e, ao contrariá-la, lesa ou põe em perigo os bens
jurídicos protegidos pela norma (ilicitude material). As normas
incriminadoras constituem verdadeiros imperativos endereçados a
todos, impondo a quem o seu conteúdo afecta uma conduta conforme
ao direito. Daí que se deva concordar que a vontade dirigida ao fim a
alcançar pertence ao tipo de ilícito dos crimes dolosos. A norma
incriminadora não é só norma de determinação, é também norma de
valoração. Desde logo porque a razão de ser da própria imperatividade
deve buscar-se no valor que há-de ser realizado pela conduta
prescrita.

Da culpa jurídico-penal

A culpa é, ao lado da ilicitude, o outro pressuposto material


fundamental da punibilidade. Desde logo, importa referir que a
problemática da culpa pode ser vista a partir da sua consideração
como categoria dogmática ou dando corpo ao princípio jurídico-
constitucional da culpa. A culpa a apreciar em ambos os casos é,
obviamente, uma e a mesma entidade. De acordo com aquele
princípio, a culpa é fundamento da pena e limite da sua medida, ou
seja, não há pena sem culpa, e a medida da pena não pode ultrapassar
a medida da culpa. Esta decorrência do princípio da culpa, a que há

36
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
37

que reconhecer a natureza de princípio constitucional da política


criminal, integrante da Constituição em sentido material. O princípio
da culpa deduz-se do reconhecimento da dignidade da pessoa
humana, do direito à integridade moral e física (art. 40º nº 1 CRM) e
do direito à liberdade (art. 56º CRM), podendo acrescentar ainda que
constitui pressuposto de várias outras disposições constitucionais. De
acordo com este princípio, a pena pressupõe a culpa, e esta consiste
num juízo de censura dirigido ao agente que, tendo podido actuar
segundo o dever, optou por agir ilicitamente, evidenciando uma
atitude contrária ao direito. Ou seja, o fundamento de uma agravação
ou de uma atenuação que altera uma moldura penal pode não ser um
fundamento de ilicitude, mas apenas um fundamento da culpa. O
princípio da culpa visa a realização da justiça, limitando assim as
exigências que de outros pontos de vista se façam à responsabilização
do autor, e a maximização da liberdade individual, duas funções que
não têm a ver com a teoria dos fins das penas.

Tipos de culpa agravadores da pena

O especial tipo de culpa do homicídio voluntário simples é em


definitivo conformado através da verificação da “especial
censurabilidade ou perversidade” do agente. À primeira vista dir-se-ia
que, traduzindo-se a culpa jurídico-penal, em último termo, em um
juízo de censura, apelar tipicamente para uma especial
censurabilidade só poderia ter o significado tautológico e, como tal,
inútil e equívoco, de apelar para uma culpa especial. A ideia de
censurabilidade constitui conceito nuclear sobre o qual se funda a
concepção normativa da culpa. Culpa é censurabilidade do facto ao
agente, isto é, censura-se ao agente o ter podido determinar-se de
acordo com a norma e não o ter feito. No art. 157º CP trata-se de uma
censurabilidade especial: as circunstâncias em que a morte foi causada
são de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente

37
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
38

distanciada do agente em relação a uma determinação normal de


acordo com os valores. Nesta medida, pode afirmar-se que a especial
censurabilidade se refere às componentes da culpa relativas ao facto,
ou seja, funda-se naquelas circunstâncias de um maior grau de
ilicitude. Com a referência à especial perversidade tem-se em vista
uma atitude profundamente rejeitável, no sentido de ter sido
determinado e constitui indício de motivos e sentimentos que são
absolutamente rejeitados pela sociedade. Significa isto, pois, um
recurso a uma concepção emocional da culpa e que pode reconduzir-
se “à atitude má, eticamente falando, de crasso e primitivo egoísmo
do autor”, importa salientar que a qualificação de especial se refere
tanto à censurabilidade como à perversidade. A razão da qualificação
do homicídio reside exactamente nessa especial censurabilidade ou
perversidade revelada pelas circunstâncias em que a morte foi
causada.

A natureza jurídica que se atribui aos exemplos-padrão, no art. 157º


CP é a de determinação de uma moldura penal agravada, e, de modo
algum, a de elementos do tipo. A relação entre uma especial maior
culpa e uma moldura penal agravada está perfeitamente de acordo
com o princípio da culpa.

a) Artigo 157º nº 1 al g) CP: “ascendente, descendente, adoptado,


adoptante, padrasto, madrasta, enteado, cônjuge ou pessoa com
quem vive como tal”:

Neste, se tem pretendido encontrar uma particular justificação para a


ideia de que circunstâncias como esta seriam particularmente
indicativas de que a agravação do homicídio tem de que ver também
com um maior desvalor do tipo de ilícito, só por essa via relevando
para a verificação de um tipo de culpa especialmente agravado.

b) Artigo 157º nº 1 al b) CP: empregar tortura ou acto de crueldade

38
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
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para aumentar o sofrimento da vítima”:

Traduz-se em o agente se servir de uma forma de actuação causadora


da morte em que o sofrimento físico ou psíquico infligido, pelo acto de
matar ou pelos actos que o antecedem, ultrapasse sensivelmente, pela
sua intensidade ou duração, a medida necessária para causar a morte,
com a precisão, em todo o caso de que o acto de crueldade tem de ter
lugar para aumentar o sofrimento da vítima: relação meio-fim.

c) Artigo 132º/2-e CP: “ser determinado por ódio racial, religioso ou


político”;

d) Artigo 157º nº 1 al c) CP: “mesmo crime tiver por objecto


preparar ou facilitar ou executar qualquer outro crime ou assegurar a
sua impunidade;”

Não é necessário que este outro crime venha a ter lugar, ainda que
mesmo só sob a forma tentada, bastando que, no plano do agente, o
homicídio surja (relação meio-fim) como determinado, ainda que só
de forma eventual, pela perpetração de um outro crime. Como
necessário não é, por outro lado, que o homicida seja agente do outro
crime, podendo este ser cometido por “terceiro”. Como necessário é
ainda que o homicídio seja cometido com dolo intencional ou directo,
bastando dolo eventual.

e) Artigo 132º/2-g CP: “praticar o facto juntamente com, pelo


menos, mais duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso
ou que se traduza na prática de crime de perigo comum”:

Juntam-se nesta alínea três constelações que se deixam reduzir à


mesma estrutura através da ideia da particular perigosidade do meio
empregado e da consequente maior dificuldade de defesa em que se
coloca a vítima.

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ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
40

Relações entre tipo objectivo, o tipo subjectivo de ilícito e o tipo de


culpa.

O homicídio qualificado é, tal como o homicídio voluntario simples um


tipo unicamente punível a título de dolo sob qualquer uma das suas
formas inscritas no art. 3º CP: intencional, directo ou eventual. Uma
vez que os exemplos-padrão não fazem parte do tipo de ilícito, uma de
duas: ou se mantém em plena congruência entre o tipo objectivo e
tipo subjectivo de ilícito – caso em que o dolo não será necessária nem
a representação, nem a vontade de realização dos elementos
integradores dos exemplos-padrão, tudo se passando nesta sede como
se de um homicídio simples se tratasse; ou, em nome de argumentos
específicos de protecção e defesa do agente, análogos aos que dão
corpo ao princípio da legalidade, se exige que o agente tenha
representado e querido os elementos que constituem os exemplos-
padrão, pelo menos aqueles “que respeitem ao lado objectivo do
ilícito, isto é, ao desvalor objectivo da conduta”.

As formas especiais do crime

a) Tentativa

Se o tipo objectivo de ilícito do homicídio qualificado é, como tem


vindo a defender-se, exactamente o tipo objectivo de ilícito do
homicídio simples, então nada haverá nesta matéria a apontar de
particular quanto à necessária caracterização dos actos constitutivos
de uma tentativa como actos de execução para efeito do disposto no
art. 14º CP; nem tão-pouco quanto ao dolo que os deve abranger.
Questão será saber se – partindo uma vez mais da factualidade
representada pelo agente – os actos de execução praticados revelam
já a especial censurabilidade do agente. Em caso afirmativo o agente
deve ser punido por tentativa de homicídio qualificado. Situação
diversa será a de o homicídio simples se ter consumado mas as

40
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
41

circunstâncias que fundamentam o exemplo-padrão terem sido


apenas tentadas.

A concepção vincadamente objectiva que caracteriza a tentativa no


Código Penal refere-se igualmente nos critérios em que se funda a
definição de actos de execução, nas diversas alíneas do art. 14º CP.

Característica comum a esta definição tripartida de actos de execução


é a referência aos elementos constitutivos do tipo de crime,
integrando, deste modo, “a exigência da criação de um perigo de lesão
do bem jurídico tutelado para se afirmar a existência de um acto
executivo”.

b) Comparticipação

A técnica utilizada pelo Código Penal em matéria de qualificação do


homicídio simplifica altamente as questões relativas à autoria e
participação em matéria do homicídio qualificado. Se todas as
circunstâncias contidas no art. 155º nº 1 CP não são mais que casos
exemplares que podem conduzir à integração do tipo de culpa
agravado consagrado no art. 155º nº 1 CP, e se, como é indispensável
à afirmação do dolo, para integração daquele tipo tem de partir-se das
representações do agente – fica então próxima a afirmação de que a
contribuição de cada um dos agentes para o facto tem de ser valorada
autonomamente, enquanto fundamentadora ou não de uma especial
censurabilidade ou perversidade do agente respectivo. A apreciação a
efectuar deverá incluir a contribuição de cada comparticipante,
valorando-a autonomamente enquanto reveladora ou não de uma
especial censurabilidade ou perversidade8[2]. A acessoriedade
prescreve a aplicação da moldura penal modificada apenas quando se

8[2]
Teoria da acessoriedade limitada

41
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
42

trate de uma modificação com natureza típica, ou seja, de uma


regulamentação legal fechada das circunstâncias modificativas da
pena. No art. 155º CP a cláusula geral exemplificada – a especial
censurabilidade ou perversidade – integra um tipo de culpa. O que
significa que o legislador entendeu fornecer ao juiz um critério
decisivo, à luz do qual têm, de ser consideradas as diversas alíneas
desse artigo e a própria noção de Leitblid dos exemplos-padrão do
homicídio qualificado. Daí que não baste um aumento – ainda que
essencial – do grau de ilicitude para se afirmar a especial
censurabilidade ou perversidade do agente, devendo também
verificar-se uma atitude particularmente rejeitável ou desviada
relativamente aos valores.

Dir-se-á que um aumento essencial da ilicitude se reflecte, em regra,


num aumento também ele essencial da culpa.

c) Concurso

Não pode aceitar-se a existência de problemas de concurso nem entre


a verificação de diversos exemplos-padrão, nem entre tipo
fundamental e regra de determinação da moldura penal do grupo
valorativo de homicídio especialmente grave, nem entre esta e a regra
de determinação da moldura penal contida no art. 157º CP. E isto é
assim, em virtude deste preceito não conter verdadeiro tipo de crime,
mas apenas regras modificativas das molduras penal do homicídio. Dai
que não possa encarar-se como concurso ideal o caso do homicídio
qualificado em que se verifica o preenchimento de dois ou mais
exemplos-padrão.

d) A proibição da dupla valoração

A proibição do duplo aproveitamento ou da dupla valoração de


elementos do tipo de crimes na determinação da medida concreta da

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ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
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pena está prevista no art. 59º nº 3 CP. Nestes termos é proibido


aproveitar mais uma vez circunstâncias que levaram à formação da
moldura penal, e que são pressupostos da sua aplicação, na fixação da
medida da pena no caso individual. A fundamentação desta proibição
é evidente: os elementos do tipo de crime foram já ponderados no
âmbito da determinação da moldura penal, e deste modo, constituem
já pressupostos da medida concreta da pena, que há-de ser escolhida
dentro dos limites daquela moldura, sem que os referidos elementos a
possam voltar a influenciar.

Sumário

Nesta unidade tratamos sobre o tipo legal de crime de homicídio


qualificado, Homicídio é o substantivo masculino que significa o ato de
matar uma pessoa, quer seja de forma voluntária ou involuntária. É
sinónimo de assassínio ou assassinato. O homicídio é qualificado
quando revela uma atitude especialmente censurável ou perversa do
praticante. Pode ser quando o homicida tortura a sua vítima,
aumentando o seu sofrimento. Também pode ser considerado
qualificado quando o motivo do homicídio está relacionado com a
discriminação (racial, sexual ou religiosa). A premeditação de um
homicídio também pode ser um factor que o classifica como
qualificado. Por exemplo, uma pessoa que envenena outra poderá ser
julgada por homicídio qualificado. Os factores que determinam o
homicídio, como o motivo, meio, ou quando é feito para encobrir
outro crime, são chamados de qualificadores. Esse tipo legal é
"nascido" do crime de homicídio voluntário simples, de acordo com
perversidade do agente bem como o grau de parentesco ou profissão
do agente ou da vítima confere uma certa agravação a moldura penal
contida no art. 155º CP.

43
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
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Exercícios

1. Marcos, querendo matar seu pai, faz um disparo em sua


direcção. No entanto, não chega nem a lesioná-lo. Marcos:

a) Responderá por tentativa de homicídio

b) Não responderá por crime nenhum, pois nem chegou a atingir seu
pai.

c) Responderá por tentativa de lesão corporal.

d) Responderá lesão corporal consumada.

A resposta correcta é: A

2. O homicídio qualificado, assim como o crime de homicídio


voluntario simples, são crimes comuns. Crime comum é
aquele que:

a) Pode ser cometido por qualquer pessoa.

b) Exige uma qualidade especial do sujeito ativo.

c) Exige uma qualidade especial do sujeito passivo.

d) Embora passíveis de serem cometidos por qualquer pessoa,


ninguém os pratica por intermédio de outrem.

A resposta correcta é: A

3. A qualificação assenta na culpa, critério para qualificar é a


“especial censurabilidade ou perversidade”, o agente actuou
com uma exigibilidade acrescida.

A. Verdadeiro

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ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
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B. Falso

A resposta correcta é: A

4. O homicídio qualificado é, tal como o homicídio voluntario


simples um tipo unicamente punível a título de dolo sob
qualquer uma das suas formas inscritas no art. 3º CP.

A. Verdadeiro
B. Falso

A resposta correcta é: A

5. Descreva a natureza jurídica do tipo legal de homicídio


qualificado.

UNIDADE TEMÁTICA 2.3. AUXÍLIO AO SUICÍDIO

Introdução

O direito canónico equiparou o suicídio ao homicídio (réus homicidii


est qui, se interficiendo, innocentem hominem interfecerit). No Concílio
de Arles (452) declarou-se o suicídio um ato inspirado pela possessão
diabólica. Um século depois, declarou-se que o corpo do suicida não
deveria ter sepultura cristã. Aliás, entre os povos antigos existiu o
costume de negar sepultura aos cadáveres dos suicidas. O Concílio de
Toledo (693) decretou a excomunhão dos que voluntariamente se
matavam. Na Idade Média, por influência do direito canónico, o
suicídio era considerado grave pecado contra Deus e equiparado ao
homicídio. A pena aplicada era a suspensão do cadáver à forca e a
privação de sepultura eclesiástica, além do confisco. A tentativa de
suicídio era considerada como tentativa de homicídio, embora fosse

45
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
46

aplicada neste caso pena arbitrária (a critério do juiz). Vários praxistas,


porém, seguindo a tradição romanística, davam relevância a certos
motivos determinantes do suicídio, para excluir o crime ou atenuar a
pena. Entre os mais importantes estava o taedium vitae. Excluía-se
também o crime se o suicídio fosse praticado em consequência de
grave sofrimento físico (impatientia doloris) ou por vergonha (si qui
pudore motim anus in se inferunt non puniantur). Todavia, as
legislações penais modernas, atendendo ao valor excepcional da vida
humana, passaram a prever uma figura de delito sui generis, com a
participação dolosa no suicídio que alguém pratique. A matéria não foi
prevista nem pela legislação francesa, nem pela alemã. O projecto do
CP elaborado por LIVINGSTON, para a Louisiana, em 1822, foi dos
primeiros a incluir um título especial de auxílio ao suicídio (art. 548).

 Conceituar o tipo legal de crime de auxílio ao


suicídio;

 Discutir a acção nuclear do tipo;


Objectivos Específicos
 Analisar os elementos do tipo;

 Examinar os agentes intervenientes no tipo legal


de crime;

 Debater sobre a prescrição nesse tipo legal de


crime.

CONCEITO

O suicídio é a deliberada destruição da própria vida. Suicida, segundo


o Direito, é somente aquele que busca directa e voluntariamente a
própria morte. Apesar de o suicídio não ser um ilícito penal, é um fato
antijurídico, dado que a vida é um bem jurídico indisponível, a
ninguém é dado o direito de dispor da própria vida.

46
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
47

OBJECTO JURÍDICO

O Direito Penal tutela o direito à vida e à sua preservação. A ninguém


é dado o direito de ser cúmplice na morte de outrem, ainda que haja o
consentimento deste, pois a vida é um bem indisponível.

ELEMENTOS DO TIPO E SUJEITOS DO CRIME

Acção nuclear

As acções nucleares deste tipo legal, segundo a doutrina,


consubstanciam-se nos verbos “induzir”, “instigar” e “auxiliar”. Trata-
se de um tipo misto alternativo (crime de acção múltipla ou de
conteúdo variado). Segundo o nosso código penal, a acção nuclear
consiste em "prestar ajuda", nesses termos para ser sujeito activo
deste tipo legal, terá de prestar ajuda, ajuda essa que será prestada
induzindo, instigado ou auxiliando alguém a retirar a própria vida, será
punido com pena de prisão, nos termos do art. 163º nº 1.

O agente, ainda que realize todas as condutas, responde por um só


crime. A participação em suicídio pode ser moral, por meio de
induzimento ou instigação, ou material, que é realizada por meio de
auxílio. O delito em estudo é também classificado como crime de
acção livre, pois o tipo não exige uma forma especial de execução do
delito, podendo este ser praticado por qualquer meio, comissivo ou
omissivo. Por exemplos: fornecer arma ou veneno para que a vítima se
suicide; director de prisão que intencionalmente não evita que o
condenado morra por greve de fome; pai que não impede a filha
seduzida de acabar com a própria vida em virtude desse facto
desonroso.

Induzir

Significa suscitar a ideia, sugerir o suicídio. Ocorre o induzimento

47
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
48

quando a ideia de autodestruição é inserida na mente do suicida, que


não havia desenvolvido o pensamento por si só. Por exemplo:
indivíduo que perde o emprego e é sugestionado pelo seu colega a
suicidar-se por ser a única forma de solucionar os seus problemas.

Instigar

Significa reforçar, estimular, encorajar um desejo já existente. Na


instigação, o sujeito activo potencializa a ideia de suicídio que já existia
na mente da vítima.

Prestar auxílio

Consiste na prestação de ajuda material, cujo carácter é meramente


secundário. O auxílio pode ser concedido antes ou durante a prática
do suicídio. Destacamos a questão do auxílio por omissão: a
possibilidade de prestar auxílio ao suicídio por meio de uma conduta
omissiva é tema bastante controvertido na doutrina e jurisprudência.
Sabemos que é possível prestar auxílio por meio de acção, por
exemplo, emprestar uma arma ao suicida; como fica, contudo, o
enquadramento legal da conduta daquele que com a sua omissão
contribui para o suicídio do agente?

a) Na doutrina há posicionamentos favoráveis à possibilidade do


auxílio por omissão no suicídio. Magalhães Noronha compartilha desse
entendimento, desde que estejam presentes o dever jurídico de
obstar o resultado e o elemento subjectivo.

Nélson Hungria e Heleno Fragoso também adoptam esse


posicionamento, desde que exista o dever jurídico de impedir o
resultado. No mesmo sentido.

b) Em contrapartida a essa linha doutrinária que aceita a figura do


auxílio por omissão, temos alguns doutrinadores que repelem tal

48
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
49

possibilidade argumentando que “prestar auxílio é sempre conduta


por acção”. Adoptam essa tese: José Frederico Marques (1997),
Damásio de Jesus e Celso Delmanto et al. Nesse sentido também se
manifestou a jurisprudência brasileira. 9

SUJEITO ACTIVO

Qualquer pessoa (crime comum) que tenha capacidade de induzir,


instigar ou auxiliar alguém, de modo eficaz e consciente, a suicidar-se.

SUJEITO PASSIVO

Qualquer pessoa, desde que possua capacidade de resistência e


discernimento. Nos casos de ausência de capacidade de entendimento
da vítima (pessoa com anomalia psíquica ou criança), o agente será
considerado autor mediato do delito de homicídio, uma vez que a
vítima, em face da ausência de capacidade penal, serviu como um
mero instrumento para que o agente lograsse o seu propósito
criminoso, qual seja eliminar a vida do inimputável, por exemplo:
fornecer uma arma a um louco e determinar que ele atire contra si
próprio. A vítima há-de ser determinada, ainda que haja mais de uma.
A instigação, a indução ou o auxílio de carácter geral que atinja(m)
pessoa(s) incerta(s), por meio de livros, discos, espectáculos, não
tipifica(m) a conduta de que se cuida.

ELEMENTO SUBJETIVO

O elemento subjectivo do delito de participação em suicídio é


somente o dolo, directo ou eventual, consistente na vontade livre e
consciente de concorrer para que a vítima se suicide. Não há previsão
legal da modalidade culposa do crime de participação em suicídio. Se

9
Citados por CAPEZ, Fernando, Direito Penal Simplificado – Parte Especial, 16ª Ed,
Saraiva Editora, 2012, São Paulo.
49
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
50

alguém, por culpa, dá causa a que outrem se suicide, não responderá,


assim, pelo crime em tela.

A questão dos maus-tratos sucessivos está solucionada na


previsibilidade do suicídio da pessoa seviciada por parte do autor das
sevícias. Se houver previsão por parte deste e, ainda assim, ele insistir
nos maus-tratos, será responsabilizado penalmente pelo suicídio da
pessoa seviciada a título de dolo eventual. Por exemplo: a vítima,
repetidas vezes, afirma que não suporta mais ser humilhada e
agredida daquele modo e avisa que vai se matar, e o agente,
percebendo a seriedade da situação, persiste agindo do mesmo modo,
avisando que não se importa, ou seja, para ele tanto faz se a vítima vai
ou não se suicidar.

NEXO DE CASUALIDADE

Faz-se necessário que entre a acção dolosa do agente (participação


moral ou material) e o suicídio haja nexo de causalidade. A
participação há de se revelar efectiva, como causa do atentado levado
a efeito pela própria vítima. Deve-se comprovar, assim, a contribuição
causal da participação moral ou material no suicídio.

MOMENTO CONSUMATIVO

Estamos diante de um crime material que exige a produção do


resultado morte ou lesões corporais para a sua consumação. Se
houver lesão corporal ou a vítima não sofrer nenhuma lesão, o fato
não é punível, é atípico.

LAPSO ENTRE A INSTIGAÇÃO OU AUXÍLIO E O SUICÍDIO –


PRAZO DE PRESCRIÇÃO

Não afasta a caracterização do crime de participação em suicídio tão


só o fato de ter transcorrido lapso entre a instigação ou auxílio e o

50
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
51

suicídio, sendo somente necessário estabelecer-se o nexo causal entre


ambos. Desse modo, se o agente auxiliar a vítima fornecendo uma
arma para que esta se suicide, vindo ela, contudo, a consumar o seu
propósito seis meses depois, aquele será responsabilizado pelo
delito10. O crime em questão somente se configurou no momento em
que a vítima eliminou a própria vida, devendo o início do prazo
prescricional ser contado a partir desse evento e não do fornecimento
da arma à vítima.

TENTATIVA

É inadmissível, embora, em tese, fosse possível. De acordo com a


previsão legal do Código Penal, se não houver, contudo, a ocorrência
de morte, o fato é atípico. O legislador condicionou a imposição da
pena à produção desses eventos. Desse modo, o ato de induzir,
instigar ou prestar auxílio para que alguém se suicide, sem que
efectivamente ocorram os eventos naturalísticos mencionados, não
constitui crime. Por exemplo: “A” fornece a arma para que “B” se
suicide. “B”, ao direccionar a arma contra si, é impedido por “C” de
realizar o seu propósito suicida. “A” não responderá pelo delito de
auxílio ao suicídio na forma tentada, sendo o fato atípico. Importante
lembrar que não se confundem as figuras da tentativa de suicídio e a
da tentativa de participação em suicídio. A primeira é perfeitamente
admissível e ocorre na hipótese em que o agente é impedido por
circunstâncias alheias de suicidar-se, e a tentativa, no caso, é relativa
ao próprio suicídio; a segunda diz respeito à hipótese estudada, ou
seja, à tentativa de participação no suicídio, a qual não é admitida em
nosso CP. O fato é atípico se o agente auxilia de qualquer forma a
vítima e o suicídio não vem a se consumar ou não advém lesão
corporal de natureza grave.

10
Posição doutrinaria defendida por CAPEZ, Fernando, obra já citada na pag anterior.
51
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
52

Sumário

Nesta unidade temática discutimos sobre o tipo legal de crime de


auxílio ao suicídio, previsto e punido no art. 163º CP, do qual parece-
nos indiscutível que prestar auxílio pressupõe necessariamente um
comportamento positivo. Não cremos possa haver dúvida de que não
presta auxílio ao suicídio o pai que deixa, propositalmente, que o filho
menor, acusado de fato desonroso, ponha termo à vida; ou o
carcereiro que nada faz para impedir a morte do preso em greve de
fome, ou ainda, o enfermeiro que, percebendo o desespero do doente
e seu propósito de suicídio, não lhe toma a arma ofensiva de que está
munido com que vem, realmente, a matar-se. Notamos que o crime só
é punível a título de dolo, que é a vontade livre e consciente de
instigar ou induzir, ou prestar auxílio a alguém para que se suicide. É
também indispensável que tais acções sejam praticadas para o fim de
levar a vítima a matar-se (dolo específico). Quanto a prescrição, não
afasta a caracterização do crime de participação em suicídio tão só o
fato de ter transcorrido lapso entre a instigação ou auxílio e o suicídio,
sendo somente necessário estabelecer-se o nexo causal entre ambos.
De acordo com a previsão legal do Código Penal, se não houver,
contudo, a ocorrência de morte, o fato é atípico. O legislador
condicionou a imposição da pena à produção desses eventos. Desse
modo, o ato de induzir, instigar ou prestar auxílio para que alguém se
suicide, sem que efectivamente ocorram os eventos naturalísticos
mencionados, não constitui crime.

Exercícios

1. António e sua mulher Antónia resolveram, sob juramento,


morrer na mesma ocasião. António, com o propósito de
livrar-se da esposa, finge que morreu. Antónia, fiel ao
juramento assumido, suicida-se. Nesse caso, António

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ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
53

responderá por:

a) Auxílio ao suicídio.

b) Homicídio qualificado.

c) Homicídio voluntário simples

e) Tentativa de homicídio.

A resposta correcta é: A

2. Manuel, portador de anomalia psíquica, resolveu aconselhar


seu amigo João a tirar a própria vida, porque este já não
aguentava mais ficar sem emprego. Dias depois João salta do
10º andar de um prédio e morre: Manuel respondera por:

a) Crime hediondo
b) Homicídio qualificado
c) Auxilio ao suicídio
d) Nenhuma das alternativas está correcta, uma vez ser o Manuel
inimputável.

A resposta correcta é: D

3. Nos casos de ausência de capacidade de entendimento do


sujeito activo do tipo legal de auxílio ao suicídio (pessoa com
anomalia psíquica ou criança), o agente será considerado autor
mediato do delito de homicídio.

A. Verdadeiro
B. Falso.

A resposta correcta é: A

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ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
54

4. Se com o fim de prestar ajuda chegar ele mesmo a executar a


morte, será punido com pena de homicídio.

A. Verdadeiro
B. Falso

A resposta correcta é: B

5. Discuta sobre a questão da prescrição no tipo legal de crime de


auxílio ao suicídio.

UNIDADE TEMÁTICA 2.4. ABORTO

Introdução

Tal como decorre da própria lei, o legislador moçambicano adoptou a


solução correspondente ao modelo das indicações. Partindo do
princípio da dignidade penal do bem jurídico da vida intra-uterina, o
legislador consagrou situações medicamente indicadas em que este
valor pode ser sacrificado face a outros valores constitucionalmente
relevantes. Isto significa essencialmente que a solução adoptada pelo
legislador moçambicano se baseia na impunidade da interrupção da
gravidez fundada numa ideia de conflito de valores. A concretização da
solução desse conflito de valores dá-se exactamente pela
regulamentação das indicações.11

Deste modelo resulta um princípio de punibilidade do crime de aborto,


em correspondência com a ideia de dignidade de protecção,
constitucionalmente fundada, da vida intra-uterina.

11[14]
A indicação médica – em sentido estrito – e em sentido lato; a indicação feteopática e a
indicação criminológica.

54
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
55

 Definir o Aborto;
 Qualificar o tipo legal de crime do aborto;
Objectivos
 Analisar bem como criticar a posição legislativa.
específicos

O BEM JURÍDICO

O bem jurídico protegido no crime de aborto é a vida humana intra-


uterina. Trata-se de um bem jurídico autónomo e também
eminentemente pessoal. A autonomia do bem jurídico resulta da
consideração de que, no crime de aborto, não está protegida a vida
humana que é protegida nos crimes de homicídio, isto é, a distinção
entre o crime de homicídio e de aborto não é uma mera distinção de
objectos da conduta criminosa. Ao poder-se afirmar que o bem
jurídico principal é a vida intra-uterina, resultam daí imediatamente
algumas consequências em termos de definição do objecto de
protecção: tem que estar em causa a vida humana implantada no
útero da mãe, pode dizer-se, em suma, que o bem jurídico
fundamental dos crimes de aborto é a vida intra-uterina. Mas por
forma diversa, intervêm ainda outros bens jurídicos na concreta
conformação típica do crime de aborto, em especial os valores da
liberdade e da integridade da mulher grávida.

O tipo objectivo de ilícito

Embora o tipo objectivo de ilícito não o refira expressamente, objecto


de crime de aborto é o feto ou o embrião. O crime de aborto não
distingue, para efeitos de punibilidade, entre feto e embrião, como
cientificamente acontece. O crime de aborto só se pode verificar até
ao momento em que não se possa

55
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
56

falar mais de vida intra-uterina e se verifique o início da vida humana


para efeitos de tutela penal; pelo que a morte de uma criança após o
início do acto de nascimento deverá ser equacionada no âmbito dos
crimes contra a vida.

A acção tem que consistir em fazer abortar. A expressão utilizada pelo


legislador não é de todo inequívoca, pois abortar tanto significa
expulsar o feto do ventre materno, como a eliminação do feto. Dada a
configuração do tipo legal e o bem jurídico em causa, parece que o
aspecto essencial é o resultado: morte do feto. O crime de aborto é
pois um crime de resultado. A forma por que se provoca a morte do
feto é irrelevante. Tanto pode ser por intervenção directa sobre o feto
como por intervenção indirecta, por actuação sobre a mulher grávida.
Decisivo é que aquela actuação torne o feto incapaz de viver.

O tipo de crime de aborto, como crime de resultado que é, pode


também ser cometido por omissão, segundo as regras gerais (art. 2º
CP). Saliente-se que o dever de garante recai sobre a mulher grávida,
mas recai também sobre o médico e, eventualmente, sobre o pai.12 O
crime de aborto assume distintas ilicitudes consoante o agente em
causa e consoante a mulher grávida preste o consentimento ao aborto
ou não. No caso mais grave, o crime pode ser praticado por qualquer
pessoa (crime comum), tanto por um leigo, como por um médico13[15],
mas sem o consentimento da mulher grávida. Neste caso, aplicam-se
as regras gerais da autoria e comparticipação.

A segunda hipótese é a de se verificar um crime comum, mas em que


o aborto é realizado com o consentimento da mulher grávida. O
agente é mulher grávida constitui um factor de redução do ilícito.

A terceira hipótese é a de ser a própria mulher grávida a realizar o


aborto. O art. 166º nº2 CP distingue a realização por facto próprio ou

12
Nº 3, 4, 5 do art. 166º CP
13[15]
Se não se verificar uma das indicações previstas no art. 166º CP.

56
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
57

por facto alheio. Isto significa que a realização pela mulher grávida do
aborto pode assumir a forma de autoria mediata, co-autoria ou
autoria individual. Por outro lado, a mulher grávida pode, da mesma
forma, ser responsabilizada pelo assentimento dado ao aborto.
Naturalmente que, neste caso, para se verificar o assentimento é
irrelevante saber de quem a iniciativa partiu.

O tipo subjectivo de ilícito

O crime de aborto tem de ser realizado dolosamente, sendo suficiente


o dolo eventual. O dolo tem evidentemente que se referir também ao
resultado: a morte do feto. Este aspecto pode contribuir para a
resolução de problemas atinentes à punibilidade, ou não, do aborto
nas hipóteses de tentativa de suicídio da mulher grávida.

No art. 166º CP vêem consideradas três modalidades de aborto:

1) Aborto consentido: é praticado com o consentimento da mãe


(art. 166º nº2 CP), neste tipo legal de crime o consentimento é um
elemento positivo do tipo, para estar preenchido o tipo tem que haver
consentimento.

2) Aborto passivo: vem tipificado no art. 166º nº1 CP, a diferença é a


ausência do consentimento, é um elemento negativo do tipo. O tipo
para estar preenchido é necessário a ausência do consentimento.

3) Aborto activo: o art. 166 nº3 in fine CP refere-se à conduta da


mãe, ou ao dar consentimento que se faça o aborto (o que é por si
crime) ou à conduta de ela própria se fazer abortar. Dar
consentimento para praticar o aborto é uma conduta que é crime.

AS FORMAS ESPECIAIS DO CRIME

a) Tentativa

57
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
58

Não haverá punibilidade da tentativa seja para terceiro, seja para a


mulher grávida – nos casos em que a mulher grávida tente abortar ou
der assentimento a um aborto tentado. Mantém-se porém, punível a
tentativa do crime de aborto mais grave, portanto, sem
consentimento da mulher grávida. Em regra, a tentativa iniciar-se-á
com a intervenção corporal sobre a mulher, em ordem a produzir o
aborto.

b) Comparticipação

A mulher grávida é quase exclusivamente punível como autora. É


possível a afirmação da cumplicidade por um terceiro.

c) Concurso

Uma vez que o bem jurídico protegido pelo crime de aborto é um bem
jurídico pessoal, a pluralidade de abortos implicará por regra a
pluralidade de crimes. As hipóteses de concurso de crimes podem
manifestar-se de forma algo complexa nos casos de aborto sem
consentimento. De facto, o preenchimento do art. 166º CP envolverá
necessariamente o preenchimento de crimes contra a integridade
física e contra a liberdade. Aplicar-se-ão aqui as regras gerais para esta
forma de concurso de crimes.

No caso do aborto consensual já não serão pensáveis – além dos casos


previstos no art. 166º CP – hipóteses de concurso.

ABORTO AGRAVADO

O crime de aborto agravado pelo resultado (art. 167º CP)

O fim protectivo da norma é facilmente perceptível: agravar a punição


por abortos realizados em situação de particular risco para a vida e
integridade física da mulher grávida. É indiscutivelmente um caso

58
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
59

praeterintencional, resultante da combinação entre um crime


fundamental doloso (o crime de aborto, art. 166º CP) e um evento
agravante (a morte ou a ofensa à integridade física da mulher) que,
nos termos gerais do art. 4º CP deve ser imputado a título de
negligência.

O tipo de ilícito

Pressupostos de realização do tipo legal de aborto agravado é, em


primeiro lugar, a realização de um crime de aborto pelo agente,
podendo este ser realizado com ou sem consentimento da mulher
grávida. Deve fazer-se notar que, a despeito de alguma equivocidade
na descrição típica, o crime de aborto tem de ser consumado, ou seja,
tem de verificar-se a morte do feto. De facto, embora o tipo legal
refira o aborto ou os meios empregues, a verdade é que a pena
(agravada) é aplicável “àquele que a fizer abortar”. Assim a
circunstância (o evento) agravante pode estar associada aos meios
utilizados, mas tem de verificar-se sempre um aborto. É necessário
que do aborto ou dos meios nele empregues resulte um evento
agravante: a morte ou a ofensa à integridade física grave da mulher
grávida. Para ambos os casos o evento tem de ser imputado a título de
negligência.

AS FORMAS ESPECIAIS DO CRIME

a) Tentativa

É possível a tentativa do crime de aborto agravado quando se tiver


verificado um dos eventos agravantes em razão dos meios empregues,
não se verificando, porém, o aborto; mas só é possível a tentativa,
havendo tentativa do crime fundamental doloso com verificação do

59
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
60

evento agravante.

b) Comparticipação

É admissível nos termos gerais em que esta é admissível nos crimes


praeterintencionais. As duas únicas excepções residem em que não é
punível a comparticipação da mulher grávida (sob qualquer forma),
nem é concebível a cumplicidade, para este tipo de crime, quando o
aborto tenha sido realizado pela própria mulher grávida.

c) Concurso

Uma vez que o crime praeterintencional constitui uma derrogação às


regras do concurso de crimes, não se colocam quaisquer problemas,
em geral, de concurso. A situação mais corrente de concurso será
eventualmente com as outras circunstâncias agravantes do aborto.

INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ NÃO PUNÍVEL OU ABORTO


NÃO PUNÍVEL:

A indicação médica (ou terapêutica) em sentido estrito

A interrupção da gravidez encontra-se justificada nos termos do art.


168º nº1 al a) CP. A interrupção tem de "constituir o único meio de
remover o perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o
corpo ou para a saúde física, psíquica ou mental da mulher grávida",
não um meio simplesmente possível ou (e) adequado, não o meio
porventura mais pesado, física ou (e) psicologicamente, para a mulher
grávida, mas o único meio de tutela dos valores ou interesses
tipicamente protegidos, em suma, um meio sem alternativa. É preciso
que o perigo não seja removível de outro modo. Necessário se torna,
em segundo lugar, que a interrupção se revele indispensável não
simplesmente para evitar, mas para remover o perigo. É preciso por
isso que o perigo seja actual e não meramente potencial, que ele se

60
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
61

encontre já “instalado” no momento em que a intervenção tem lugar.

Já na al b) do mesmo art, estabelece que a interrupção deve: "se


mostrar indicada para evitar perigo de morte ou de grave e duradoura
lesão para o corpo ou para a saúde física, psíquica ou mental da
mulher grávida e for realizado nas primeiras doze semanas de
gravidez; O perigo existente tem, por outro lado, de dizer respeito à
vida ou ao corpo ou à saúde física ou psíquica da mulher grávida,
embora o legislador estabeleça um prazo de 12 semanas para que haja
a intervenção, quer com isso dizer que os primeiros quarto meses de
gravidez é que são admitidos abortos nos termos da alínea a) desse
artigo. Indispensável é ainda que o perigo se refira a uma lesão grave e
irreversível do corpo ou da saúde, devendo ter-se em atenção que
estes requisitos não são cumulativos, mas sim alternativos.

Verificada a existência de uma indicação médica em sentido estrito, a


interrupção não pode ser levada a cabo em qualquer momento
temporal de evolução da gravidez, tendo o legislador estabelecido
prazos para que tal seja feito, prazos que variam de 12 a 24 semanas
de gravidez, conforme o art de base desse tema.

A indicação médica (ou terapêutica) em sentido lato

A interrupção de uma gravidez pode ser justificada, em segundo lugar


nos termos do art. 167º nº 1 al c) CP. Há aqui um alargamento dos
limites da indicação médica ou terapêutica.

Para além de se requerer que seja grave, não se exige aqui o carácter
irreversível da lesão do corpo ou da saúde mas sim que ela seja
duradoura.

A indicação embriopática ou de fetopática

Encontra-se justificada no art. 167º n 1 al c)CP: "houver seguros

61
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
62

motivos para prever que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável,


de doença grave ou má-formação congénita, e for efectuado nas
primeiras vinte e quatro semanas de gravidez, comprovadas por
ecografia ou outro meio adequado, segundo as normas da profissão e
da ciência medica." Exige-se, que recaía um juízo de previsão fundada
em motivos seguros. Esta previsão não pode deixar de ser
medicamente fundada.

À verificação da indicação torna-se necessário que o juízo de previsão


se dirija a uma doença grave ou malformação congénita incurável, isto
é, a uma lesão do estado de saúde que ou deixa ao nascituro
pequenas hipóteses de sobrevivência ou lhe causa danos irreparáveis
físicos ou psíquicos.

A indicação criminal

Encontra-se justificada no art. 167º nº1 al f) CP: "A gravidez tenha


resultado de crime de violação sexual ou de relações de incesto, e o
aborto tenha lugar nas primeiras dezasseis semanas." Sérios indícios
têm o significado de crença fundada que o médico deve inquirir acerca
de a mulher ter sido vítima de crime sexual e deste ter resultado a
gravidez.

Pressupostos comuns da justificação relativos à


intervenção

O primeiro dos pressupostos é que ela seja " certificada por atestado
médico, escrito e assinado antes da intervenção por dois profissionais
de saúde diferentes daquele por quem ou sub sua direcção o aborto
será efectuado. A razão de ser desta exigência é claramente a de, no
interesse da grávida, afastar a possibilidade de a interrupção ser feita
por qualquer pessoa não completa e oficialmente capacitada para
levar a cabo diagnósticos e intervenções médicas particularmente

62
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
63

melindrosas.

O segundo pressuposto é o de que a interrupção tenha lugar “em


estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido” (art.
168º nº1, 2ª parte CP). Ainda aqui se trata principalmente de proteger
o interesse da grávida assegurando-lhe um serviço que dê garantias de
qualidade e de responsabilização.

4.5. Pressupostos comuns de justificação relativos ao consentimento

A interrupção da gravidez deve ter lugar “com o consentimento da


mulher grávida” (art. 167º nº 3 CP).

Especialidades relativamente ao consentimento geral existem desde


logo em matéria de capacidade. Com efeito, capaz de consentir não é
a mulher de 14 anos que possua o discernimento necessário para
avaliar o seu sentido e alcance; capaz de consentir é só a mulher de 16
anos ou mais que seja psiquicamente capaz (art. 167º n 3 al b) CP).

Se a mulher for incapaz o consentimento é prestado “respectiva e


sucessivamente, conforme os casos pelo representante legal, por
ascendente ou descendente ou, na sua falta por quaisquer parentes da
linha colateral” (art. 167º nº 3 al b) 2ª parte CP).

Justificação da interrupção sem consentimento

A lei renúncia à exigência de consentimento da grávida como condição


de justificação (art. 167º nº 4 CP) no pressuposto da verificação
cumulativa de dois pressupostos:

1) Que não seja possível obter o consentimento nos termos do art.


167 nº 3 CP ; e

2) Que a efectivação da interrupção se revista de urgência.

63
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
64

Não é possível obter o consentimento, relativamente a mulher maior


de 16 anos e psiquicamente capaz (art. 167º nº 3 CP) se aquela se não
encontrar em estado de poder exprimir ou transmitir validamente a
sua vontade.

A efectivação da interrupção é urgente, quando o seu retardamento


representa a criação ou potenciação de um risco para os interesses
que a lei tem em vista proteger ou permitir a interrupção.

A decisão sobre a urgência pertence ao médico e deve ser encontrada


tendo em atenção o estado dos conhecimentos e da experiência da
medicina, socorrendo-se sempre que possível do parecer de outro ou
outros médicos.

Sumário

Nessa unidade temática sobre os crimes contra a vida, discutimos


sobre o aborto, em todas as suas vertentes, desde a parte punível pela
legislação penal bem como a parte não punível da mesma realidade.
Determinadas leis restritivas de direitos são ineficazes nos objectivos
moralistas, porém eficazes na promoção da destruição social com a expansão
do aborto ilegal. Dessa sorte e seguindo essa linha de raciocínio, melhor foi a
legalização do aborto terapêutico, sentimental e eugénico: o primeiro, por
representar risco substancial à saúde da gestante; o segundo, por tornar
possível à mulher optar pela interrupção de uma gestação resultante de um
acto involuntário e violento, ou pelo prosseguimento, desde que suas
condições psicológicas assim o permitam; e o terceiro, por oferecer à mulher
o direito de evitar o nascimento de um ser com defeitos físicos ou mentais.
Em contrapartida, certamente, esta postura encontra resistência nas
instituições religiosas, éticas e sociais, mas não podemos nos esquecer
de que a tendência histórica é no sentido de rejeitar essa oposição. As
religiões em sua maioria se mostram tolerantes ou favoráveis à
legalização do aborto somente no tocante aos aspectos terapêuticos e
humanitários, encontrando-se

64
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
65

resistência acentuada no catolicismo que entende o acto como o


"homicídio de um inocente". Alegações éticas de que seria o aborto a
legalização da imoralidade, estimulando dessa forma a promiscuidade
sexual, não merecem ser acolhida, posto que a própria história
demonstra não ser verdade. Por outro lado, contestações sociais de
que a legalização aumentaria a taxa de abortos são também
recusáveis: primeiro, porque a experiência histórica não autoriza a
afirmação; segundo, porque a realização dos abortos só é legalizada
nas instituições que a lei as considere, nos termos do art. 168º CP.

Exercícios

1. No que toca ao delito de aborto e seus permissivos legais, é


correcto afirmar que:

a) Não é admissível e hipótese alguma na legislação interna,


diante do direito à vida consagrado na CRM;

b) É amplamente admissível na legislação interna, diante da


supremacia da disposição da mulher sobre o seu corpo;

c) É excepcionalmente admissível na legislação interna, no caso


de o aborto terapêutico ou eugénico:

d) É amplamente admissível na legislação interna, em razão de


questões de política de saúde pública.

A resposta correcta é: C

2. É correcto afirmar que o aborto praticado por médico:

a) Não é punível, ainda que haja outro meio de salvar a vida da


gestante;

b) Não é punível, se não houver outro meio de salvar a vida da


gestante;

65
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
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c) Não é punível em hipótese alguma;

d) É punível quando o aborto resulta de estupro e o aborto é


precedido do consentimento da gestante, ou quando incapaz,
do seu representante legal.

A resposta correcta é: B

3. Dizem que o feto ainda não é pessoa e por isso não tem
direitos.

A. Verdadeiro

B. Falso

4. Nos casos em que não é possível obter o consentimento da


mulher gravida, em hipótese alguma o medico deve realizar o
aborto.

A. Verdadeiro

B. Falso

A resposta correcta é: B

5. Já existe alguma prova científica de que a vida começa com a


concepção?

66
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
67

TEMA III. CRIMES CONTRA A INTEGRIDADE FÍSICA

UNIDADE TEMÁTICA 5.1. OFENSAS CORPORAIS VOLUNTÁRIAS


SIMPLES

UNIDADE TEMÁTICA 3.1. OFENSAS CORPORAIS


VOLUNTÁRIAS SIMPLES

Introdução

O crime de ofensas corporais, surge como o tipo legal fundamental em


matéria de crimes contra a integridade física. É a partir da “ofensa ao
corpo ou à saúde de outrem” que se deixa constituir uma série de
variações, como e o caso das ofensa corporais qualificadas (art. 176º
CP),). De realçar a similitude entre a forma como passam a ser
estruturados no Código Penal os crimes contra a integridade física e
contra a vida.

 Definir o crime de ofensas corporais e integra-lo nos crimes contra


a integridade física;
 Qualificar o crime de ofensas corporais;
 Analisar os agentes desse tipo de crime;
Objectivos específicos
 Compreender as diferenças entre a incriminação desse crime no
anterior CP e no novo CP

CONCEITO

A doutrina conceitua o crime de ofensas corporais da seguinte forma:


O delito de lesão corporal pode ser conceituado como a ofensa à
integridade corporal ou à saúde, ou seja, o dano ocasionado à
normalidade funcional do corpo humano, quer do ponto de vista
anatómico, quer do ponto de vista fisiológico ou mental (MIRABETE,

67
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
68

2011, p. 103).14

A relevância desse conceito de lesão corporal está no fato de que se


deve atentar para que ela não se reduza apenas à lesão física,
materialmente constatável, mas abrange também o dano ao normal
funcionamento do organismo (fisiológico) e também ao dano psíquico
(mental).

(Damásio E. Jesus).

Constitui lesão corporal realizar tatuagem em menor impúbere ainda


que com consentimento de seu representante legal, seja pai ou
mesmo mãe. Embora tolere-se as tatuagens meramente pintadas sem
perfurações e nem definitivas.

Fragoso entende diferentemente, argumenta que o consentimento do


ofendido exclui a ilicitude, desde que validamente obtido e a acção
não ofenda aos bons costumes.

Victor Eduardo Rios Gonçalves se posiciona de forma intermediária,


entendendo que a integridade física e mental, é bem jurídico é,
apenas relativamente indisponível, pois além das hipóteses já
mencionadas das lesões socialmente aceitas, deve-se lembrar que a
que a apuração do crime de lesões leves depende de representação,
de tal forma que, no presente momento, a legislação indica que para
essa forma de lesão o consentimento exclui o crime.

No conceito de lesão corporal não se enquadra qualquer ofensa moral.


É preciso que a vítima sofra algum dano em seu corpo, alterando-se
interna ou externamente, podendo ainda, abranger qualquer
alteração prejudicial à saúde comprometendo-lhe funções orgânicas
ou causando-lhe abalos psíquicos.

14
Citado por CABETTE, Eduardo Luiz Santos, Direito Penal-Parte Especial I, 6ª Ed,
Saraiva Editora, São Paulo, 2012
68
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
69

Não indispensável a emanação de sangue ou a existência de qualquer


dor. Na lição de Antolisei, a lesão pode ser cometida por meios não
violentos, como por exemplo, mediante grave ameaça a vítima,
provocando-lhe séria perturbação mental. Mesmo a chamada morte
por emoção advinda por um violento trauma, mesmo quando a
autópsia não consegue revelar qualquer lesão violenta, está
caracterizada a lesão corporal seguida de morte, ou ainda, a lesão
corporal de natureza grave.

O BEM JURÍDICO

O bem jurídico protegido é a integridade física da pessoa humana.


Relativamente ainda ao conceito de integridade física e ao seu
conteúdo cabe não perder de vista que se, por um lado, não lhe
deverá reconhecer uma amplitude excessiva, que possa contender
inclusivamente com a protecção dispensada a outros bens jurídicos
pelo Código Penal, por outra banda, é inegável que certas lesões do
corpo ou da saúde, certos “maus-tratos físicos”, acarretam
necessariamente consigo consequências psíquicas, e que é de
considerar como lesão da saúde o abalo psicológico de certa
gravidade.

Trata-se de um crime material e de dano. O tipo legal em análise


abrange com efeito um determinado resultado que é a lesão do corpo
ou da saúde de outrem, fazendo-se a imputação objectiva deste
resultado à conduta ou omissão do agente de acordo com as regras
gerais. Está-se também perante um tipo legal de realização
instantânea, bastando para o seu preenchimento a verificação do
resultado descrito.

69
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
70

O TIPO OBJECTIVO DE ILÍCITO

A lei distingue duas modalidades de realização do tipo:

a) Ofensas no corpo- art. 170º nº 1 CP;

b) Ofensas na saúde- art. 171º nº 1 CP.

Muitas das vezes haverá coincidência entre estas duas formas de


realização do tipo. O tipo legal do art. 170º CP fica preenchido
mediante a verificação de qualquer ofensa no corpo ou na saúde,
independentemente da dor ou sofrimento causados, ou de uma
eventual incapacidade para o trabalho.

Por ofensa no corpo poder-se-á entender “todo o mau trato através


do qual o agente é prejudicado no seu bem-estar físico de uma forma
não insignificante”.

Objecto da acção é o corpo humano. Contemplam-se aqui unicamente


“ofensas contra o físico ou contra a parte corporal do homem”. O
elemento típico “corpo” é ainda susceptível de abranger próteses
quando estas se encontrem ligadas à pessoa com carácter de
permanência.

A ofensa ao corpo não poderá ser insignificante. Sob o ponto de vista


do bem jurídico protegido não será de ter como relevante a agressão e
ilícito o comportamento do agente, se a lesão é diminuta. A
apreciação da gravidade da lesão não se deve deixar fundar em
motivos e pontos de vista pessoais do ofendidos, necessariamente
subjectivos e arbitrários, antes deverá partir de critérios objectivos, se
bem que não perdendo totalmente de vista factores individuais.

Como lesão da saúde deve considerar-se “toda a intervenção que


ponha em causa o normal funcionamento das funções corporais da

70
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
71

vítima, prejudicando-a”. É de considerar como lesão da saúde, em


primeiro lugar, a criação de um estado de doença, seja através de uma
infecção, do contágio de uma doença sexualmente transmissível, ou
por qualquer outra via.

O preenchimento do tipo legal, tanto pode ter lugar por acção como
por omissão quando sobre o omitente recaía um dever jurídico que
pessoal o obrigue a evitar o resultado (dever jurídico de garante – art.
2º nº 2 CP).

O TIPO SUBJECTIVO DE ILÍCITO

O tipo legal do art. 170º CP exige o dolo em qualquer das suas


modalidades (art. 3º CP). O dolo de ofensa à integridade física refere-
se às ofensas no corpo ou na saúde do ofendido. A motivação do
agente é irrelevante sob este ponto de vista, embora possa ser tida em
conta para efeitos de determinação da medida da pena.

Em matéria de erro sobre o tipo são aqui pensáveis várias situações,


todas elas no entanto reconduzíveis às soluções vertidas pelo
legislador no CP.

CAUSAS DE JUSTIFICAÇÃO

O consentimento funciona aqui como uma verdadeira e própria causa


de exclusão da ilicitude, uma vez que, não obstante reconhecido o
valor da autonomia do titular do bem jurídico e penalmente tolerada a
conduta, está em causa uma manifestação de danosidade social que a
ordem jurídica não pode ser indiferente. O consentimento, segundo a
doutrina, pode ser expresso, como consta (art. 32º CP).

As formas especiais do crime

a) Tentativa

71
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
72

O crime de ofensas corporais simples não é punível no estádio da


tentativa. De facto, o limite mínimo previsto para a punibilidade da
tentativa (art. 14º CP) não é atingido pela moldura penal do art. 170º
CP.

b) Comparticipação

É um crime individual, pelo que se aplicam as regras gerais sobre a


comparticipação criminosa.

c) Concurso

Encontram-se em concurso legal ou aparente com o tipo legal de


ofensa à integridade física simples os tipos legais de crime
correspondentes aos arts. 170º ss CP. Da mesma forma mostra-se
passível de excluir a aplicação do art. 170º CP, desta feita em virtude
de interceder entre os respectivos tipos legais uma relação de
consunção, a participação em rixa (art. 190º CP), os maus-tratos ou
sobrecarga em menores, de incapazes ou do cônjuge (art. 179º CP), a
coacção (art. 197º CP), o roubo (art. 290º CP). Pode haver concurso
efectivo com o crime de difamação (art. 387º CP), violação (art. 218º
CP), ameaça (art. 260º CP) entre outros.

Bastante discutida tem sido a questão do concurso entre os crimes de


homicídio (art. 155º CP) e de ofensa à integridade física. O problema
não terá grande relevância sempre que o homicídio venha a
consumar-se, pois que aqui funcionam as regras gerais do concurso
aparente sob a forma da relação de subsidiariedade. Diferente será a
situação se se consuma o crime de ofensa à integridade física, tendo
lugar ao mesmo tempo uma desistência da tentativa relevante em
relação ao crime de homicídio. Neste caso deve punir-se o agente pelo
crime doloso, na medida em que o dolo de homicídio parece conter
em si o dolo de ofensa à integridade física (aquele que pretende matar

72
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
73

outrem tem que ferir, envenenar, ou por outra forma lesar a


integridade física de outrem). Envereda-se assim pela aceitação de
uma relação de subsidiariedade entre o tipo legal de ofensa à
integridade física e o de homicídio, independentemente de em relação
a este último se ter agido com dolo eventual ou outro qualquer tipo de
dolo.

OFENSAS CORPORAIS QUALIFICADAS

Fundamento e âmbito de aplicação do tipo qualificado

Repousa este tipo legal no mesmo pensamento que presidiu à


construção do tipo legal de homicídio qualificado (art. 157º CP), ou
seja, a ideia de “uma especial censurabilidade ou perversidade do
agente”. A aplicação deste art. 176º CP e o funcionamento da
qualificação que aqui se prevê supõem a verificação de uma lesão da
integridade física simples (art. 170º CP), a ocorrência de um dos
resultados que nos termos do art. 172º e 173º CP são susceptíveis de
conduzir a uma agravação da responsabilidade do agente.

Além da verificação de qualquer destes resultados, necessário se torna


que a conduta do agente revele uma censurabilidade acrescida, uma
“especial censurabilidade ou perversidade”, tendo em conta o agente
que a pratica, o legislador qualificou o crime de ofensas corporais de
acordo com o grau de "parentesco" entre o agente e a vitima.

O tipo de culpa

Todas as circunstâncias referentes no art. 176º nº 1 CP são relativas à


culpa, e é feita a gravidade desta culpa assim indiciada que justifica, ou
deixa fundar, a agravação do crime constante no art. 170º CP. E esta
última proposição é certa, quer enveredemos pela caracterização
destas circunstâncias como elementos da culpa, quer consideremos
que todas estas circunstâncias dizem

73
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
74

respeito ao tipo de ilícito, uma vez que mesmo sufragando esta última
posição se terá que reconhecer que não basta o grau mais grave do
ilícito, é necessário que este reflicta uma especial censurabilidade do
agente, vale dizer, uma atitude não conforme com os valores
fundamentais defendidos pelo ordenamento jurídico-penal. O crime
de ofensa corporais qualificadas apenas é punível a título de dolo; o
dolo eventual é suficiente.

AS FORMAS ESPECIAIS DO CRIME

a) Tentativa

A tentativa deste crime é punível sempre que o agente pratica actos


de execução do crime de ofensas corporais, sem que este chegue a
consumar-se, em circunstâncias susceptíveis de revelar especial
censurabilidade. Será todavia necessário que em causa estejam lesões
da integridade física simples, uma vez que a moldura penal prevista
para as lesões da integridade física simples não admite a punição da
tentativa, e, por outra banda, afasta-se a consideração da tentativa
relativamente ao crime praeterintencional do art. 170º CP.

Sumário

A descrição típica abrange alternativamente ofensa à integridade


física ou à saúde da vítima. O que crime de lesão não é próprio, por
isto, pode ser cometido por qualquer pessoa, portanto, não se exige
qualquer qualificação legal do sujeito activo, bem como atingir a
qualquer ofendido. Cometido o facto doloso contra vítima menor de
16 anos de idade ou incapaz, o procedimento criminal dependera da
simples participação do ofendido ou do seu representante legal. A
lesão corporal é delito consumptivo integrando o delito de maior
gravidade que o absorve, se não for essa a intensão do criminoso,
como resulta do art. 173º CP. Trata-se de delito material, de

74
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
75

comportamento e de resultado, em que o tipo exige a produção deste.


O crime de lesão corporal se aperfeiçoa no momento em que há a real
ofensa à integridade física ou à saúde física ou mental do ofendido. O
CP não pune Auto lesão, excepcionalmente a Auto lesão pode servir
de meio de execução de outros crimes. É punida a Auto lesão se
estiver vinculada à violação de outro bem ou interesse juridicamente
protegido, como o agente, pretendendo obter indemnização ou valor
de seguro, fere o próprio corpo, mutilando-se. A lesão física é
constituída de modificação do organismo humano por intermédio de
ferimentos, mutilações, equimoses. O dano pode também ser
psíquico. O sujeito responde por delito único ainda que produza
diversas lesões corporais no sujeito passivo. Há um só delito apesar do
autor causar múltiplas fracturas, contusões, equimoses e outras lesões
na vítima. A ofensa à saúde engloba perturbações fisiológicas que
corresponde ao desajuste no funcionamento de algum órgão ou
sistema componente do corpo humano (como o que causa vómitos,
paralisia, impotência sexual, que afecte função respiratória ou
circulatória. Perturbação mental que é o que prova o desarranjo
cerebral. O objecto jurídico tutelado é a incolumidade da pessoa física
e psíquica. Tal bem é indisponível, de sorte que mesmo havendo
consentimento da vítima, não se exclui o crime. Excepto quando social
e culturalmente aceitas como por exemplo, a perfuração dos lóbulos
das orelhas para a colocação de brincos ou apetrechos similares. O
crime pode ser praticado por acção ou omissão.

Exercícios

1. O bem jurídico protegido no crime de ofensas corporais é:

a) O corpo das pessoas


b) As mulheres
c) As partes íntimas das pessoas

75
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
76

d) O património das pessoas

A resposta correcta é: A

2. Amílcar, durante uma briga, tenta chutar seu adversário, mas


sem querer acerta a própria esposa, que buscava apartar a
contenda. Atingida no ventre, a mulher sofre ruptura do baço
e é submetida a uma cirurgia de emergência, na qual tem o
órgão extraído de seu corpo, medida que garante sua
sobrevivência. Considerando que Amílcar em momento algum
agiu com dolo, o comportamento do autor caracteriza:

a) Crime de ofensas corporais voluntárias;

b) Ofensas corporais qualificadas, em virtude da relação conjugal entre


autor e vítima.

c) Não será punido em virtude de não ser a pessoa que ele pretendia
atingir

d) Será punido nos termos do art. 32º CP.

3. O crime de ofensas corporais simples não é punível no estádio


da tentativa.

A resposta correcta é: D

A. Verdadeiro;
B. Falso;

A resposta correcta é: A

4. Àqueles que, voluntariamente e com intenção de fazer mal,


ministrarem a outrem de qualquer modo substâncias que,
não sendo em geral por sua natureza mortíferas, são contudo
nocivas à saúde, serão

76
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
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punidos pelo crime de envenenamento.

A. Verdadeiro
B. Falso

A resposta correcta é: B

5. Discuta sobre o tipo subjectivo de ilícito do crime de ofensas


corporais

Unidade temática 3.2. PARTICIPAÇÃO EM RIXA

Introdução

A interpretação desenvolvida do tipo de crime de participação em rixa,


bem como a mediação sobre as razões de política criminal que
nortearam o legislador, a par da análise da técnica legislativa utilizada
para prosseguir a protecção dos bens jurídicos são os principais
instrumentos para alcançar a dilucidação relativa à qualificação e
classificação deste tipo de crime. A participação em rixa, crime
capitulado no artigo 193º do Código Penal, no título dos crimes contra
integridade física, está tipificado, e nos descreve algumas condutas, as
quais serão previamente abordadas nesta unidade temática. Elemento
fundamental nesse crime, como em qualquer outro é o verbo penal,
pois este tem o condão de demonstrar o especial fim de agir do
criminoso e seu elemento subjectivo, o dolo. No tipo em tela temos o
verbo nuclear com peculiaridades distintas “intervir”, manifesta-se de
tal forma que o participante da rixa deve ter efectivamente vontade
de interagir, juntamente em conluio com outros participantes para
praticar o crime por algumas formas, como socos, pontapés,
arremesso de objectos perigosos, dentre outras. O objectivo do
interventor é trazer e restabelecer a interrupção e a paz,

77
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
78

respectivamente, do dissídio violento entre participantes de rixas.

 Analisar o tipo legal de crime de participação e rixa;

 Conceituar o tipo legal de crime de participação em rixa;

 Discutir as questões doutrinárias sobre o tipo legal de crime;


Objectivos específicos
 Debater sobre as causas de exclusão de ilicitude;

 Descrever o bem jurídico protegido pela incriminação do tipo


legal de participação em rixa.

OS BENS JURÍDICOS

A rixa pressupõe uma desordem, uma contenda física entre duas ou


mais pessoas com golpes de reciprocidade. A conduta prevista no tipo
de crime consiste em “intervir” ou “tomar parte”, assentando num
envolvimento pessoal de cada um dos intervenientes, que contribuem
desse modo para a desordem. É possível identificar, a partir desta
ideia de rixa três elementos:

1) A existência de uma contenda, ou seja, uma briga envolvendo


agressões físicas;

2) A participação de duas ou mais pessoas;

3) A vontade de intervir, ou tomar parte na rixa, pois está-se na


presença de um tipo doloso.

O tipo legal de crime do art. 190º CP, pode interpretar-se como sendo
pluriofensivo, integrando um leque de bens jurídicos que de forma
mediata ou imediata conhecem nesta incriminação uma tutela penal.
Os bens jurídicos protegidos pelo art. 190º CP, são a vida (art. 155º CP)
e a integridade física (art. 170º CP).

78
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
79

O TIPO OBJECTIVO DE ILÍCITO

O tipo objectivo de ilícito consiste em intervir ou tomar parte em rixa


de duas ou mais pessoas. É que a ocorrência da morte ou de uma
ofensa à integridade física grave, embora seja um elemento do tipo
legal condicionante da punibilidade, não integra, todavia, o conteúdo
do ilícito da participação em rixa.

Considera-se que este tipo de crime deve ser classificado como crime
de perigo, a conduta de intervir ou tomar parte na rixa revela-se por si
perigosa para a vida e para a integridade física, para além de ameaçar
toda uma série de bens jurídicos que de forma mediata surgem
acautelados. No entanto, só pode responsabilizar-se a conduta dos
que intervêm na rixa nos casos em que essa perigosidade assume
maiores proporções, concretizadas na verificação de uma morte ou de
uma ofensa grave à integridade física. As condições objectivas de
punibilidade, neste caso, constituem uma indicação de quais os bens
jurídicos tutelados pela norma. A morte ou às ofensas à integridade
física graves constituem condições objectivas de punibilidade do tipo
legal de crime. O preenchimento do tipo esgota-se com a intervenção
ou com o facto de tomar parte numa rixa de duas ou mais pessoas,
não constituem por isso resultado típicos do crime. A exigência da
verificação dos respectivos bens jurídicos, bem pelo contrário, só seria
incompatível a consideração da morte ou da ofensa grave como
resultado do tipo.

O TIPO SUBJECTIVO DE ILÍCITO

Exige o dolo em qualquer das suas formas contempladas no art. 3º CP:


directo, necessário ou eventual. Mas este dolo refere-se
exclusivamente à perigosidade da rixa e não ao resultado morte ou
lesão corporal. Assim, é indiferente a representação ou não da
eventualidade do resultado,

79
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
80

indiscutível e suficiente é a representação e conformação com a


perigosidade da rixa: dolo de perigo concreto. Sendo a morte ou a
lesão corporal grave uma condição objectiva de punibilidade, evidente
se torna a irrelevância da não representação ou da não conformação
com um tal resultado.

Considerada a acção descrita no art. 193º nº 1 CP como um tipo legal


de crime de perigo concreto, então não basta, para afirmação do
respectivo dolo, a representação e conformação com a perigosidade
abstracta da participação na rixa, mas exige-se o conhecimento do
perigo que concretamente a rixa, em que se participa, constitui para a
vida ou integridade física substancial.

AS CAUSAS DE JUSTIFICAÇÃO

Dadas as particularidades do crime de participação em rixa


(contribuição causal e voluntária de cada um dos participantes na
criação da situação de perigo para os bens vida e integridade física
substancial), resulta complexa a questão da justificação, tanto mais
quanto é certo que a prática de uma tal conduta de verdadeira
participação em rixa nunca está ao serviço da realização de qualquer
interesse juridicamente protegido.

Não tem sentido a invocação do consentimento, uma vez que, sendo


este pressuposto pelo próprio conceito de rixa, mesmo assim a lei
considera a rixa como crime. Além desta decisiva razão, acresce ainda
o facto de estarem em causa bens jurídicos indisponíveis: a vida e a
integridade física.

A única causa de justificação que é pensável em relação à participação


em rixa é a legítima defesa, própria ou alheia. Todavia, em relação à
legítima defesa própria, uma vez que cada um dos participantes é,
simultaneamente, agressor e agredido, nunca poderá um participante

80
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
81

na rixa exercer qualquer direito de legítima defesa, enquanto não


abandonar, manifestamente, a rixa.

Diferente já é o caso da justificação de uma acção mortal praticada por


um dos participantes sobre um outro que, no decurso da rixa
constituída por ofensas corporais mesmo que graves, se decide e
prepara para matar aquele. Aqui, poderá considerar-se justificado o
homicídio com base no direito de necessidade defensiva, mas não a
acção de participação em rixa15.

Diferente é o tratamento da intervenção de um terceiro com o


objectivo de separar os contendores ou de defender um deles. O art.
193º nº 3 CP, contém uma disposição específica para estas situações:
“a participação em rixa não é punível quando for determinada por
motivo não censurável nomeadamente quando visar reagir contra um
ataque, defender outrem ou separar os contendores”. Esta norma
consagra expressamente um direito de intervenção de um terceiro
alheio à criação ou desenvolvimento da situação de rixa.

Apesar de na simples rixa (tipo legal de perigo abstracto que, como


não está previsto no art. 190º CP) serem afectados apenas bens
jurídicos disponíveis (a integridade física simples), deve entender-se
que mesmo em relação a esta rixa mantém-se o direito de intervenção
de terceiro, direito que, nesta hipótese, se traduz em separar os
contendores.

Considerar-se-á agora, o direito de intervenção de terceiro, quando a


rixa constitui um perigo concreto de lesão de vida ou da integridade
física grave dos contendores:

a) A primeira hipótese prevista no art. 193º nº 2 CP – “quando visar


reagir contra um ataque”. Quando alguém se vê obrigado a envolver-
se fisicamente com outrem que o vai agredir, não está a participar ou
15
Art. 195 nº 1
81
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
82

a tomar parte numa rixa (nem sequer a pôr-lhe termo), mas pura e
simplesmente a reagir contra uma agressão, face à qual tem o direito
de legítima defesa ou, pelo menos, o direito de necessidade defensiva.

b) Segunda hipótese prevista no art. 193º nº 2 CP – “quando visar


[…] defender outrem” – contempla as situações em que, no decurso
da rixa um ou alguns dos corrixantes se vêem na impossibilidade física
de reagir contra as agressões do outro ou outros. A partir de um tal
momento, a intervenção de um terceiro pode configurar-se como um
direito de necessidade defensiva (“legítima defesa limitada”) alheia.

c) A terceira hipótese – “quando visar […] separar os contendores” –


configura um direito de necessidade defensiva alheia. Cada um dos
contendores, dada a indisponibilidade dos bens jurídicos lesados pela
rixa, ou em risco de o serem, é simultaneamente agredido e agressor.
Assim, o terceiro tem em relação a todos eles, enquanto agressores, o
direito de impedir essas agressões. E, na medida em que todos são
agressores, tem esse direito em relação a todos eles (contendores). A
forma de impedir essas mútuas agressões é separá-los, pondo, assim,
termo à rixa.

Esta intervenção positiva (no sentido de impedir danos ainda mais


graves num dos rixantes ou de pôr termo à rixa) pode converter-se de
um direito num dever, quando sobre o terceiro recaia um dever de
garante, face aos rixantes ou algum deles. É claro que este dever de
intervenção está condicionado à inexistência de riscos graves para a
vida ou integridade física do terceiro.

AS CAUSAS DE EXCLUSÃO DE CULPA

Nesta matéria, pouco há que registar de específico. Quanto aos


verdadeiros participantes na rixa (art. 190º CP), apenas haverá que ter
em conta a eventual inimputabilidade (art. 46º CP) dos ou de algum

82
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
83

dos participantes. Quanto à intervenção de terceiro (art. 193º nº 2


CP), poderá haver situações de excesso no exercício do direito de
intervenção, devido a eventuais perturbações não censuráveis
(excesso do direito de necessidade defensiva).

MORTE OU OFENSA CORPORAL GRAVE COMO


CONDIÇÕES OBJECTIVAS DE PUNIBILIDADE

Por condições objectivas de punibilidade stricto sensu, entende-se as


condições que se têm de verificar para que aqueles que praticam um
facto típico ilícito e culposo possam ser punidos.

Integram a categoria analítica da punibilidade e constituem situações


positivas de cuja verificação depende a possibilidade de
responsabilização dos agentes. Para além de se registar a existência de
algumas destas condições com carácter geral, alguns tipos legais,
exigem especificamente que, para além da conduta do agente ter de
preencher os elementos objectivos e subjectivos do tipo, tenha ainda
de provocar a verificação de determinada situação objectiva.

No tipo legal de crime de participação em rixa a morte e a ofensa à


integridade física constituem condições objectivas de punibilidade.
Neste crime a conduta do agente consiste em intervir ou tomar parte
na rixa, para o preenchimento do tipo de ilícito basta que alguém
dolosamente intervenha ou tome parte na rixa de duas ou mais
pessoas.

Para a punibilidade dos participantes, quer o dano se verifique num


dos participantes, quer se verifique em terceiro que nada tenha a ver
com a rixa; a única ligação necessária é de carácter puramente
objectivo, e traduz-se na existência de uma imputação objectiva com a
rixa. Podendo ocorrer a qualquer título de imputação subjectiva e em
qualquer vítima.

83
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
84

AS FORMAS ESPECIAIS DO CRIME

a) Comparticipação

É um tipo legal de crime de comparticipação necessária.

b) Concurso

Excluída fica à partida, qualquer possibilidade de concurso com o


crime de ofensas corporais simples (art. 170º CP). É que, pressupondo
a participação em rixa a aceitação livre de recíprocas ofensas
corporais, estas, quando simples, não podem ser consideradas ilícitas.

Em rigor não se pode falar de verdadeiro concurso de crimes, mas tão


só em concurso de normas (concurso legal) o que se traduz num
problema de determinação da norma aplicável. A relação de concurso
aparente consagra-se por conexões de subordinação e hierarquia,
podendo identificar-se essencialmente três tipos de relações:
especialidade (sempre que um dos tipos incorpore os elementos
essenciais do outro acrescentando-lhe elementos especializadores que
pretendem conceder maior precisão àquela situação. Uma norma
prevalece sobre a outra por particularizar dentro daquele tipo de
crime a forma de cometimento do mesmo. Centra-se numa conexão
de relatividade, uma norma é especial em relação a outra que é geral,
ou então é ainda mais especializada do que outra já de si especial.
Uma das normas contém todos os elementos da outra, aditando-lhe
elementos suplementares que constituem a especialização);
subsidiariedade (nos casos em que uma norma vê a sua aplicabilidade
condicionada pela não aplicabilidade de outra norma, só se aplicando
a norma subsidiária quando a outra não se aplique. A norma
prevalente condiciona de certo modo o funcionamento daquela que
lhe é subsidiária. Está-se perante um concurso por força da
subsidiariedade nos casos em que as normas se condicionam

84
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
85

expressamente, ou seja, por imposição da própria lei – subsidiariedade


expressa; ou nos casos em que há uma relação lógica detectada
através de um raciocínio interpretativo que permite extrair essa
conclusão – subsidiariedade implícita.); consunção (sempre que um
tipo de crime faça parte, por definição, de um outro. A descrição típica
de uma norma é de tal forma ampla que acaba por abranger
elementos da descrição típica da outra. O âmbito de protecção visado
por uma das normas acaba por ser consumida pela norma mais
abrangente, tornando dispensável a sua aplicação, uma vez que os
interesses que pretende salvaguardar estão assegurados pela
aplicação da outra. A relação de consumação acaba por colocar em
conexão os valores protegidos pelas normas criminais. Não deve
confundir-se com a relação de especialidade, pois ao contrário do que
se verifica naquela relação de concurso de normas, a norma
prevalente não tem necessariamente de conter na sua previsão todos
os elementos típicos da norma derrogada).

Quanto ao concurso existente entre o tipo legal de crime de


participação em rixa e o de homicídio. Sempre que esteja em causa
determinar a responsabilidade daquele que durante uma rixa mata
alguém, deve proceder-se no apuramento da sua responsabilidade
criminal, a um concurso aparente, fruto da relação de consunção em
que os tipos legais de crime de participação em rixa e de homicídio se
encontram.

A relação concursal aqui existente estabelece-se entre um crime de


dano e um crime de lesão para o mesmo bem jurídico16[19].

16[19]
Se o bem jurídico colocado em perigo e o que for efectivamente lesado não
corresponderem, ou seja, se não se estiver perante o mesmo, o concurso será
necessariamente efectivo, pois o desvalor do facto não pode ser abarcado por um só
dos tipos de crime mas apenas por ambos em conjunto

85
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
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O tipo legal de crime previsto no art. 193º CP procura tutelar a vida e a


integridade física, e o âmbito desta tutela fica salvaguardado se for
possível imputar ao agente a prática de um crime de homicídio, cuja
abrangência envolve a tutela que a participação em rixa pretende
proteger.

No que diz respeito ao crime de ofensa à integridade física e à sua


relação com a participação em rixa, entende-se haver igualmente um
concurso aparente por força da consunção. As razões invocadas para o
homicídio aplicam-se, mutatis mutandis, para este crime. O agente
deve ser punido pelo crime mais grave por ele praticado, ou seja, o de
ofensas corporais. Uma vez que esta situação configura um exemplo
de dispensa de aplicação do crime de participação em rixa. Pois
também aqui se pune a consumação da lesão e se deve afastar a
incriminação do simples perigo por esta estar abrangida pela primeira.

Tratando-se de crimes que tutelam o mesmo bem jurídico, o crime de


homicídio e o de participação em rixa, têm um campo de aplicação
que se entrecruza. A participação na rixa protege a vida e a
integridade física, nomeadamente em situações que envolvem perigo
para esses bens jurídicos, mas só, faz sentido responsabilizar o agente
que com a sua conduta preenche os pressupostos desta incriminação
se a sua conduta não lesou efectivamente a vida ou a integridade física
de outros intervenientes ou de terceiro. Pois, neste caso, ele deverá
ser incriminado pela norma mais abrangente e mais grave.

Sumário

Conseguimos expor o conceito de rixa no ordenamento jurídico, suas


questões sociais, seu objecto, natureza e peculiaridades dentro do
contexto actual. Considerando a análise previamente abordada,
acreditamos que de alguma forma conseguimos contribuir
simploriamente, com clareza, objectividade e desenvolturas pessoais

86
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
87

de ideias, apoiado em alguns mestres do âmbito jurídico, tudo com a


certeza de que pulverizamos alguns aspectos sociais ocorridos, aliados
a escora jurídica, especificamente a luz do direito penal.

Exercícios

1. O Código Penal, ao disciplinar “OS CRIMES CONTRA A


PESSOA, prevê inúmeras infracções penais que podem ser
praticadas por uma só pessoa. Essas infracções são
denominadas pela doutrina como crimes unissubjetivos. Já
outras, exigem que mais de duas pessoas participem do crime
para que se possa configurar a infracção penal, e estes são os
denominados crimes plurissubjetivos. Tendo em vista o
exposto, qual dos crimes abaixo elencados é plurissubjetivo?

a) Participação em rixa;
b) Auxilio ao suicídio;
c) Homicídio;
d) Aborto provocado por terceiro.

A resposta correcta é: A

2. Com relação aos dispositivos previstos na parte especial do


Código Penal e com a matéria aprendida nessa unidade
temática, responda a seguinte questão: O delito de rixa é um
crime de concurso necessário, uma vez que exige a
participação de três ou mais pessoas.
3. No tipo legal de participação em rixa, as duas formas
especiais do crime são:

a) Especial e comum
b) Participação e concurso
c) Concurso e admissão

87
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
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d) Participação e consumpção.

A resposta correcta é: B

A. Verdadeiro
B. Falso

A resposta correcta é: A

4. O crime de participação em rixa, com tipificação expressa no


código penal, exige, no mínimo, a participação de seis
pessoas, sendo irrelevante que, dentro do número mínimo,
um deles seja inimputável.

A. Verdadeiro
B. Falso

A resposta correcta é: B

5. Apresente as causas de exclusão de ilicitude do tipo legal de


participação em rixa.

UNIDADE TEMÁTICA 3.3. MAUS TRATOS OU SOBRECARGA


DE MENORES, IDOSOS OU INCAPAZES

Introdução

A função do art. 179º CP é prevenir as frequentes e, por vezes, tão


“subtis” quão perniciosas para a saúde física e psíquica e/ou para o
desenvolvimento da personalidade ou para o bem-estar formas de
violência no âmbito da família, da educação e do trabalho. A
necessidade prática da criminalização das espécies de
comportamentos descritos neste art.

88
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
89

179º CP resultou de um duplo factor: por um lado, o facto de muitos


destes comportamentos não configurem em si o crime de ofensas
corporais simples (art. 170º CP; por outro lado, a criminalização destas
condutas, com a consequente responsabilização penal dos seus
agentes, resultou da consciencialização ético-social dos tempos
recentes sobre a gravidade individual e social destes comportamentos.

 Definir o crime de maus tratos;


 Analisar o tipo legal de crime de maus tratos segundo a lei
criminal moçambicana;
 Descortinar o CP bem como outras legislações avulsas que
Objectivos específicos
versam sobre a matéria.

O BEM JURÍDICO

A ratio do tipo não está, na protecção da comunidade familiar,


conjugal, educacional, mas sim na protecção da pessoa individual e da
sua dignidade humana. O âmbito punitivo deste tipo de crime inclui os
comportamentos que, de forma reiterada, lesam esta dignidade. Se,
em tempos passados, se considerou que o bem jurídico protegido era
apenas a integridade física, constituindo o crime de maus-tratos uma
forma agravada do crime de ofensas corporais simples, hoje, uma tal
interpretação redutora é, manifestamente, de excluir.

O TIPO OBJECTIVO DE ILÍCITO

O crime de maus-tratos, de sobrecarga de menores, idosos ou


incapazes pressupõe um agente que se encontre numa determinada
relação para com o sujeito passivo daqueles comportamentos. É,
portanto um crime específico. Crime específico que será impróprio ou
próprio, consoante as condutas em si mesmas consideradas já
constituam crime, ou consoante as condutas não configurem em si

89
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90

mesmas qualquer crime.

Sujeito passivo ou vítima só pode ser a pessoa que se encontre, para


com o agente, numa relação de subordinação existencial, ou numa
relação de coabitação conjugal ou análoga.

O TIPO SUBJECTIVO DE ILÍCITO

Este crime exige dolo. Todavia, uma vez que este crime tanto pode ser
um crime de resultado (caso de maus-tratos físicos) como de mera
conduta, como ainda noutra perspectiva, tanto pode ser um crime de
dano como crime de perigo, o conteúdo do dolo é variável em função
da espécie de comportamento do agente.

AS FORMAS ESPECIAIS DO CRIME

a) Comparticipação

O crime previsto no art. 179º CP é um crime específico, que tanto


pode ser próprio como impróprio, isto é, a especial relação existente
entre o agente e a vítima fundamenta, nuns casos, a ilicitude do
comportamento, e, noutros, apenas agrava a ilicitude deste. Ora,
atendendo-se quer à gravidade da pena, quer ao facto de poderem
subsumir-se ao tipo legal condutas pela incomunicabilidade das
relações especiais. Autor ou cúmplice deste crime só pode ser, pois,
quem estiver, para com o sujeito passivo, na relação prevista no tipo
legal.

Relativamente a pessoas que estejam nas relações de protecção


previstas, então já são possíveis as diversas espécies de autoria
(nomeadamente a co-autoria) e a cumplicidade.

b) Concurso

90
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
91

Entre o crime de maus-tratos físicos ou psíquicos (art. 179º nº 1 CP) e


o crime de ofensas corporais simples (art. 170º CP) existe uma relação
de especialidade, só se aplicando, portanto, a pena estabelecida para
aquele. O mesmo se diga da relação entre o crime de maus-tratos
(psíquicos) de difamação (art. 229º CP) ou de injúria (art. 231º CP), em
que também o concurso é aparente, cedendo estes àquele.

Sumário

Diante de tantos casos envolvendo torturas contra crianças e


adolescentes e maus tratos contra a pessoa idosa, é que se tornou
necessária a incriminação de forma especial deste tipo legal de crime
no nosso CP. Recentemente, uma criança de menos de um ano de
idade, foi torturada até a morte pelo padrasto. Casos como estes,
infelizmente, não puderam ser revertidos. Na sobrevivência de
qualquer pessoa, os danos psicológicos, principalmente, são
irreversíveis. Quando crianças ou adolescentes são agredidas por pais,
padrasto, madrasta, tio/tia, babás, etc., conforme vemos todos os dias
nos veículos de comunicação social. Assim, a questão dos maus-tratos
deve ser resolvida perquirindo-se o elemento volitivo. Se o que
motivou o agente foi o desejo de corrigir, embora o meio empregado
tenha sido desumano e cruel, o crime é de maus tratos, ou se a
conduta não tem outro móvel senão o de fazer sofrer, por prazer, ódio
ou qualquer outro sentimento vil.

Exercícios

1. Qual é o bem jurídico protegido pela incriminação do tipo


legal do art. 179º CP?

a) A família;
b) A comunidade;
c) A dignidade humana;

91
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
92

d) Os alunos do ensino primário.

2. O tipo de ilícito de crime do art. 179º CP é um tipo:

a) Próprio
b) Comum
c) Comum e próprio
d) Específico, que será impróprio ou próprio, consoante as
condutas em si mesmas consideradas

3. Sujeito passivo ou vítima só pode ser a pessoa que se


encontre, para com o agente, numa relação de subordinação
existencial, ou numa relação de coabitação conjugal ou
análoga.

A. Verdadeiro
B. Falso

4. O crime de maus tratos ou sobrecarga de menores, idosos ou


incapazes, não admite concurso, uma vez ser o corolário de
todas as possibilidades em si mesmo.

A. Verdadeiro
B. Falso

5. Discuta a necessidade da tipificação do tipo legal de crime de


maus tratos ou sobrecarga de menores, idosos ou incapazes do
art. 179º.

92
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
93

TEMA VI: CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL

UNIDADE TEMÁTICA 6.1. CRIME DE VIOLAÇÃO

Introdução

Como ponto de partida deve ter-se presente que só é crime o que se


encontra tipificado na lei, isto é, todos os actos que constam do
Código Penal ou legislação avulsa que consagre determinado acto
como crime. Assim, a nossa lei penal prevê a violação como crime,
enquadrado nos crimes contra a liberdade sexual. Comete o crime de
violação, aquele que tiver coito com qualquer pessoa, contra a
vontade dela, por meio de violência física, veemente intimidação, ou
de qualquer fraude, que não constitui sedução, ou achando-se a
mulher privada de uso da razão ou dos sentidos. Desta noção importa
compreender o sentido e alcance dos seguintes termos: Contra a
vontade – sem consentimento; Violência física, contra a vontade da
pessoa, havendo constrangimento ou violência física mesmo quando
esta não oferece resistência desesperada até ao esgotamento;
Veemente intimidação, um acto do agente que intimide a ofendida.
Por exemplo, dar-lhe a conhecer a sua intenção de lhe fazer mal se ela
não ceder; Fraude, comportamento do agente com vista a induzir a
outra pessoa em erro a fim de ela não opor resistência. Enganar-lhe;
Privada do uso da razão ou dos sentidos – por exemplo, uma pessoa
embriagada ou demente está impossibilitada de avaliar o significado e
as consequências do acto sexual. O significado comum de coito “exige
uma conjunção de corpos com intervenção do órgão sexual
masculino”. Por outro lado, ao conceito de coito é inerente a ideia de
penetração, pelo que, se esta não existir, não ocorrerá coito. Assim,
para ocorrer coito vaginal (cópula), necessária se torna a penetração,
total ou parcial, da vagina pelo pénis, ou seja, a conjugação carnal

93
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
94

entre órgão sexual masculino e feminino, com introdução daquele


neste, mesmo sem emissio seminis.

 Analisar os todos tipos legais de crimes contra a liberdade sexual


estabelecidos no código penal
Objectivos
 Estabelecer uma ligação entre os tipos legais de crime contra a liberdade
específicos
sexual

 Caracterizar os crimes contra a liberdade sexual

 Conceituar e descrever os principais termos usados pela doutrina e pela lei.

CRIME DE VIOLAÇÃO SEXUAL

Encontra-se consagrado no art. 218º CP, trata-se de um crime


estruturante de todo um sistema de tutela jurídico-penal de valores
inequivocamente relevantes e, seguramente, daqueles que mais deve
merecer atenção e preocupação por parte das instâncias de
investigação criminal e judiciárias, atendendo ao potencial de traumas
e consequências na personalidade das vítimas. Reporta-se este crime à
previsão do comportamento que consiste no coito com qualquer
pessoa, contra a sua vontade, por meio de violência física, de
veemente intimidação, ou de qualquer fraude, que não constitua
sedução, ou achando-se a vítima privada do uso da razão, ou dos
sentidos.17 Abandonou-se, pois, a ideia tradicional, plasmada no
anterior C.P, de que só a mulher é susceptível de ser sujeito passivo
(vítima) do crime. Assim, vítima deste crime pode agora ser qualquer
pessoa, do sexo masculino ou feminino, maior ou menor de idade. E
agente deste crime pode também ser qualquer pessoa, do sexo
masculino ou feminino. A violação de menor de 12 anos é punível nos
termos do art.º 219.º, mesmo que não haja violência física, ameaça ou

17
PINTO, Víctor Pereira e SUSANO, Helena, Análise de alguns crimes contra a
liberdade sexual (crimes sexuais), Março 2016, Maputo
94
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
95

fraude e estando ela virgem ou não. Por outro lado, o acto sexual de
especial relevo aqui punido é agora o coito, ou seja, um conceito mais
vasto que o de cópula a que o tipo legal do anterior C.P fazia
referência. Assim, deve considerar-se que integra este conceito legal
de coito não só a cópula (conjugação carnal entre órgão sexual
masculino e feminino) mas também o coito anal e o coito oral. 18

CONCURSO E COMPARTICIPAÇÃO

Se podem aqui colocar questões, nomeadamente em termos de


concurso com o crime de cárcere privado (rapto), em que se entende
que só quando exceda o necessário para a prática da violação é
possível estabelecer uma relação do concurso efectivo. No caso de
ofensas corporais, uma vez que a violência é também elemento o tipo,
oferece-se dizer que só quando a ofensa corporal exceda o limite
necessário para a consumação da violação poderá considerar-se o
concurso. Por outro lado, pode haver concurso efectivo entre violação
e atentado ao pudor quando os actos que integrem este não se
destinarem a preparar o coito.

A jurisprudência portuguesa tem considerado que este não é um crime


de mão própria, pelo que pode ser autor deste crime quem auxilia
outrem a manter cópula com a vítima (segurando-a para não resistir,
por exemplo). E cometem dois crimes cada um se cada um deles
mantiver cópula com a vítima enquanto o outro a imobiliza para não
resistir.19

CRIME DE ACTOS SEXUAIS COM MENORES (ART. 220º)

Elementos típicos deste crime são:

18
Ibidem
19
ibidem
95
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
96

1 – A prática, com a vítima, de qualquer acto de natureza sexual, que


não implique cópula

Acto de natureza sexual será a toda acção com conotação sexual


realizada com a vítima (toque, com objectos ou partes do corpo, nos
órgãos genitais, seios, nádegas, coxas e boca – por ex, apalpar as ancas
ou os seios de uma mulher ou acariciar-lhe a vagina, apalpar ou
agarrar o pénis do homem, “roçar-se” noutra pessoa, etc). Não se
abarcam aqui os actos sexuais praticados diante da vítima, que apenas
poderão integrar o crime de atentado ao pudor do art.º 221º.
Integram-se também aqui o coito anal e o coito oral praticado com
menor com idade compreendida entre doze e (menos de) dezasseis
anos que nele consinta (se faltar o consentimento, o crime é o de
violação do art.º 218º; se for menor de doze anos, o crime é o do art.º
219º) mas, incompreensivelmente, exclui-se expressamente do tipo
legal a cópula, de forma que em caso de cópula consentida com
menor de dezasseis anos (mas com doze ou mais anos) a punição só
pode fazer-se pelo crime de atentado ao pudor do art.º 221º, a que
corresponde uma pena incomparavelmente mais leve que a deste art.
220º. Tendo em conta o que ficou referido quanto ao conceito de
cópula abarcado no art.º 218º, terá que se entender, pelo menos, que
a “cópula” excluída deste preceito é a cópula vaginal, não a vulvar ou
vestibular, o que mais acentua a incoerência do legislador –
incoerência que vai ao ponto de tratar de forma desigual no art.º 220.º
(cópula versus coito oral e anal) o que trata de forma igual no art.º
218º.20

2 – A idade inferior a 16 anos

A vítima tem que ter menos de dezasseis anos. E a idade da vítima tem
de estar abarcada pelo dolo do agente. Assim, há que provar que este
conhecia a idade da vítima (menor de dezasseis anos), pois o erro

20
Cf obra citada na pag anterior.
96
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
97

sobre a idade exclui o dolo. Por isso, este conhecimento da idade da


vítima por parte do agente do crime há-de sempre ser levado à
acusação (elemento subjectivo).

3 – Com ou sem consentimento da vítima

O consentimento da vítima é, aqui, irrelevante. Uma questão que se


pode colocar é a da prática de actos de natureza sexual consentidos
com rapariga menor de 16 anos que se prostitua. A verdade é que o
âmbito de protecção da norma não distingue a situação das demais,
fazendo incorrer o agente em responsabilidade penal (ponto é que
haja prova da consciência da idade da ofendida, por parte do agente).

CRIME DE ATENTADO AO PUDOR

Encontra-se previsto no art. 221º CP. Mesmo não se surpreendendo


nele qualquer cláusula de subsidiariedade expressa, o crime de
atentado ao pudor é um crime residual, por nele caberem um vasto
conjunto de situações que não se integram em nenhuma das outras
incriminações. Nele se contempla a hipótese de o atentado ao pudor
conceito não definido legalmente – ser cometido com violência, quer
seja para satisfazer paixões lascivas, quer seja por qualquer outro
motivo. A pena aplicável é a de prisão (ou prisão correccional – de três
dias a dois anos - art. 62º do C.P.).

Sendo o ofendido menor de 16 anos, mesmo não havendo violência, a


pena aplicável é a mesma – nº 2 do art.º 221º.

O BEM JURÍDICO

O bem jurídico protegido parece ser o pudor, a vergonha, o


sentimento perante os valores dominantes da sexualidade, de outrem,
não fazendo a lei a exigência de que o acto atentatório seja praticado
sobre a pessoa ofendida, directamente. Os actos podem ser praticados

97
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
98

com ela ou perante ela, desde que sejam tendentes a ofender o seu
pudor. Daí que se entenda que um terceiro que assista a um crime de
violação, sem nele intervir, pode cometer o crime de atentado ao
pudor.

Podem esses actos revestir uma multiplicidade de comportamentos,


sendo vasta a jurisprudência portuguesa que referencia, não sem
contradições entre arestos, diversas situações. Entre elas, a troca de
beijos e abraços para saciar apetites sexuais; a entrega de fotografias
pornográficas a menores; entrar numa casa de banho onde está uma
senhora nua, contra a vontade dela, só para a ver nessa situação; o
presenciar actos de cariz sexual entre terceiros; o encostar ou
friccionar o pénis contra a vontade da vítima em partes do corpo da
mesma (sendo esta maior de dezasseis anos, pois se for menor de
dezasseis o crime é o do art.º 220.º), etc. Divergência jurisprudencial
encontra-se quanto à questão de saber se este crime pode ser
cometido por meio de palavras.

ELEMENTOS DO TIPO

Quanto ao termo violência, que é elemento típico do crime que seja


cometido contra maior de dezasseis anos, convém precisar o seu
alcance, sobretudo no cotejo com o conceito de violência expresso no
art. 218.º, que é mais explícito. Para efeitos de atentado ao pudor,
deve entender-se que existe violência sempre que o acto é praticado
contra ou sem a vontade da vítima. Por contraponto a esta
perspectiva, poderá dizer-se que só excluirá a ilicitude o eventual
consentimento do ofendido. Por isso, mesmo que a vítima disso não se
aperceba, um acto de voyeurismo relativamente a uma mulher maior,
ou um acto de atentado ao pudor com uma deficiente psíquica
integram o requisito de violência, sendo puníveis, pois no primeiro
caso, a ofendida não deu o consentimento e, no segundo, nunca o

98
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
99

poderia conceder.

Este crime distingue-se dos de ultraje público ao pudor (art.º 225.º) e


de ultraje à moral pública (art.º 241.º) porque nesses se protege a
moral pública, enquanto neste crime se protege o pudor individual de
uma pessoa (de qualquer sexo). Analisá-los-emos, por isso, embora de
forma breve, mais adiante.

AGRAVAÇÃO ESPECIAL (ART.º 222º)

Os casos de agravação que tem por efeito a aplicação das penas dos
escalões imediatamente superiores constam do art. 222º, salientando-
se os casos de parentesco, tutela, curatela, ou relação de autoridade
na educação, direcção ou guarda, ministério de qualquer culto,
emprego público do agente, provocação de gravidez e ameaça com
arma branca ou de fogo.

Cabem na agravação da al. b), por exemplo, as situações (que


constituem atentado ao pudor) em que o chefe apalpa a subordinada,
contra vontade desta (o crime de atentado ao pudor será então
agravado nos termos desta disposição legal)

São ainda agravantes o facto de o agente ser serviçal da ofendida ou


da família, ou ter o agente actuado como profissional que exija título,
tendo influência sobre a pessoa ofendida.

Por fim, contemplam-se ainda as situações da comunicação de


infecção de transmissão sexual. Embora não se faça expressa
referência à necessidade de conhecimento do agente de que tem uma
tal doença, afigura-se que é essencial que tal conhecimento exista,
uma vez que, também aqui, está em causa o dolo do agente, sendo
que tal elemento só se poderá verificar quando o agente sabe que é
portador de uma doença sexualmente transmissível e, não obstante
(ou mesmo, exactamente, porque tem

99
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
100

tal conhecimento) não se abstém de praticar os actos sexuais referidos


nos tipos criminais aqui em questão e que serão, assim, agravados.

ARTIGO 223º (DENÚNCIA PRÉVIA)

Nos casos dos crimes sexuais previstos nos art.s 218º a 221º, os
mesmos assumem natureza semi-pública («não tem lugar o
procedimento criminal sem prévia denúncia do ofendido, ou de seus
pais ou adoptantes, avós, cônjuge ou pessoa com quem viva como tal,
irmãos, tutores ou curadores»), salvo nas circunstâncias elencadas nas
als. a) a c) do art. 223º (caso em que passam a ter natureza pública): a
vítima ser menor de dezasseis anos; sendo cometida violência
qualificada pela lei como crime, cuja acusação não dependa da
denúncia ou da acusação da parte; viver a vítima em estado de
pobreza ou achando-se a mesma a cargo de estabelecimento de
beneficência. Mas depois de apresentada denúncia e instaurado
procedimento criminal não se admite o perdão e a desistência da
parte (nº 2 do artigo).

CRIME DE ASSÉDIO SEXUAL

Encontra-se previsto no art. 224º CP. O crime de assédio sexual


consiste no facto de o agente constranger alguém com o intuito de
obter vantagem ou favorecimento sexual, seja com promessa de
benefício de qualquer natureza, seja prevalecendo-se o agente de sua
condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao
exercício de emprego, cargo ou função ou abusando o agente da
autoridade que as suas funções lhe conferem, por intermédio de
ordens, ameaças ou coacção, ou ainda valendo-se o agente de
relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade ou abusando
ou violando deveres inerentes ao seu ofício ou ministério.

100
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
101

O BEM JURÍDICO

O bem jurídico protegido é a liberdade sexual, no sentido de a vítima


não ser importunada por pessoas que se prevalecem da sua condição,
designadamente de superior hierárquico ou de ascendência, para
obter favores sexuais.

ELEMENTO DO TIPO

O núcleo do tipo penal está representado pelo verbo constranger, que


significa incomodar, importunar, insistir com propostas à vítima, para
que com ela obtenha vantagem ou favorecimento sexual, existindo,
em regra, uma ameaça, expressa ou implícita, relacionada com algum
prejuízo para a vítima, designadamente de natureza profissional. A
própria palavra “assédio” tem o significado de importunar, molestar,
com pretensões insistentes. O constrangimento pode ser realizado
verbalmente, por escrito ou por gestos.

O emprego de ameaça não é elemento essencial do crime, ou seja, a


sua existência não é requisito essencial para a verificação do tipo legal.
Por exemplo, o superior hierárquico pode cometer o crime se insistir
apenas em prometer uma vantagem para a vítima (caso aceite
relacionar-se comigo, farei com que seja promovida) – nº 1 do artigo.
É comum, todavia, o emprego da ameaça (caso não aceite relacionar-
se comigo, farei com que não seja promovida).

A ameaça referida nos nºs 2 e 3 do preceito, para ser relevante,


deverá estar ligada ao exercício do emprego, cargo ou função. Assim,
se o assédio ocorrer fora do ambiente de trabalho, desvinculado da
posição de hierarquia ou ascendência inerentes ao exercício de
emprego, cargo ou função, não há falar em crime de assédio sexual.

Superior hierárquico é o funcionário que possui, em relação a outros,


uma autoridade maior na estrutura

101
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
102

administrativa da organização a que pertence. Ascendência significa a


superioridade em termos de poder de mando, que alguém possui, na
relação de emprego ou na função que exerce, em relação a outros.

O crime de assédio sexual é punível apenas a título de dolo,


consistente na vontade livre e consciente de importunar alguém com
pretensões insistentes. É necessário, ainda, que o agente aja “com o
intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual”. Trata-se de um
crime formal, que se consuma sem a produção do resultado
naturalístico, embora ele possa ocorrer. Consuma-se, portanto, no
momento em que o agente constrange a vítima, independentemente
da efectiva obtenção da vantagem ou favorecimento sexual visados.
Algumas situações concretas, são por exemplo:

a) Se a intenção do agente não for a de obter um simples


favorecimento sexual, mas uma relação estável e duradora, o facto é
atípico em razão da ausência do elemento subjectivo específico “com
o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual”, algo
incompatível com a busca de um relacionamento sério;

b) Este crime pode ser cometido por professor em relação a aluno – nº


3 e al. b) do nº 4 do artigo 224º CP

CRIME DE ULTRAJE PÚBLICO AO PUDOR

Encontra-se descrito no art. 225º CP, aqui incriminam-se actos


ofensivos do pudor público. A publicidade é elemento constitutivo do
crime e pode resultar do lugar ou de outras circunstâncias de que o
crime for acompanhado. A publicidade pode ser efectiva ou potencial,
ou seja, para integrar o tipo legal basta que os actos sejam praticados
por tal modo, em tal lugar ou em tal ocasião que a eles assista ou
possa assistir, contra sua vontade, qualquer pessoa.

102
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
103

A referência à acção como forma de cometimento do crime não afasta


a sua comissão por omissão, pois com a expressão acção o que se
pretendeu foi afastar a ultraje cometido por palavras, escritos ou
desenhos previsto no art.º 241º. Trata-se de um crime formal, não se
exige como resultado a ofensa do pudor individual de alguém.

Comete este crime quem se apresenta nu na via pública. Ou quem vai


apanhar banhos de sol todo nu para o terraço do prédio onde mora, se
tal terraço está acessível a todos os moradores do prédio.

CRIME DE ULTRAJE À MORAL PÚBLICA

Este crime encontra-se descrito no art. 241º, tem afinidade com o de


ultraje público ao pudor do art.º 225º, dele se distinguindo quanto ao
processo de execução, pois aqui incriminam-se as ofensas à moral
pública por meio de palavras, escritos, desenhos publicados ou outros
meios de publicação enquanto no art.º 225º se punem actos ofensivos
do pudor público.

Sumário

Da análise às disposições legais do Código Penal vigente, referentes ao


crime de violação, avulta que não se pode falar de violação entre
pessoas casadas, subentendendo-se que a prática de relações sexuais
entre pessoas casadas é, aliás, o fim do casamento. Ora, mesmo no
estado de casada, a mulher bem como o homem, pode não ter
vontade de ter relações sexuais. No entanto, embora algumas ou
muitas vezes a vontade da mulher é muitas vezes ignorada pelo
marido e, na prática, quando ela diz não ao acto sexual, o marido
entende que o que ela pretende dizer é exactamente o contrário. A
mulher vê assim limitada a liberdade de manifestar a sua vontade para
a prática do acto sexual, por vezes com consequências graves para a
sua saúde, como é o caso de transmissão de doenças sexualmente

103
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
104

transmissíveis. Segundo Alda Facio, quem faz as leis são pessoas de


carne e osso que estão impregnadas de atitudes, juízos e preconceitos
em relação àquelas com quem se relacionam, principalmente quando
são do sexo feminino. Porém, no que respeita aos direitos humanos da
mulher, o casamento assenta no princípio de livre consentimento
previsto tanto na lei civil como nas Convenções Internacionais
ratificadas por Moçambique, por isso quer-nos parecer contraditório
que, pelo casamento, a mulher esteja sujeita a relações sexuais
forçadas.

Exercícios

1. Maura uma carismática secretaria do lar da casa onde reside


Sílvio, um adolescente de 15 anos. Maura trabalha na casa a 8
anos, e num determinado dia em que somente estavam os dois
na casa, essa dirigiu-se até ao quarto do rapaz e começou a
tocar as partes intimas deste, visto que o rapaz nunca havia
sentido tal sensação, ficou maravilhado, a sessão durou a tarde
inteira. Nessa situação hipotética Maura:

a) Cometeu o crime de violação sexual


b) Não cometeu nenhum tipo de crime, uma vez que não houve
penetração;
c) Cometeu o crime de violação sexual agravada, nos termos do
art 122º CP
d) Cometeu o crime de invasão ao domicílio.

A resposta correcta é: C

2. No crime de violação sexual, o procedimento criminal só terá


lugar:

a) Com prévia denúncia do ofendido;


b) Apenas uma queixa;

104
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
105

c) No caso de o ofendido for menor e não tiver ascendente, não


há lugar a procedimento crime;
d) Nenhuma das alternativas está correcta.

A resposta correcta é: A

3. O crime de assédio sexual prescinde de prevalecer-se o agente


de sua condição de superior hierárquico ou ascendência
inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.

A. Verdadeiro
B. Falso

A resposta correcta é: A

4. Pratica crime de corrupção de menores, previsto no artigo 228


do Código Penal, aquele que induz menor de dezasseis anos a
satisfazer a lascívia de outrem.

A. Verdadeiro
B. Falso.

A resposta correcta é: B

5. Debruce sobre o crime de atentado ao pudor

EXERCÍCIOS DO MÓDULO

1. Pode ser definido o Direito Penal como sendo:

e) Conjunto de normas jurídicas que definem a pena;


f) Conjunto de normas jurídicas que associam factos
penalmente relevantes uma determinada consequência
jurídica, uma sanção jurídica.
g) Conjunto de normas jurídicas que estabelecem os requisitos da

105
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
106

inconstitucionalidade;
h) Conjunto de penas aplicadas a infractores;

2. De acordo com o CP, considera-se praticado o crime:

a) Somente no lugar onde se produziu ou deveria produzir-se o


resultado.

b) Somente no lugar em que ocorreu a acção ou omissão.

c) No lugar em que ocorreu a acção ou omissão, no todo ou em


parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o
resultado.

d) Todas as alternativas estão corretas.

3. Pare efeitos de crime de homicídio, a vida inicia-se:


e) Com o nascimento completo e com vida;
f) Quando se iniciar contracções ritmadas, intensas e frequentes,
que conduzirão a expulsão do feto;
g) Com a saída do feto do ventre da mãe;
h) Com a fecundação do ovulo;
6. Figura como sujeito activo nos crimes de homicídio:
e) Qualquer pessoa;
f) Somente os homens;
g) Por ser um crime especial, somente os homens negros
h) A lei exige um requisito especial para definir o sujeito activo,
assim, a designação é casuística.
4. Marcos, querendo matar seu pai, faz um disparo em sua
direcção. No entanto, não chega nem a lesioná-lo. Marcos:

a) Responderá por tentativa de homicídio

b) Não responderá por crime nenhum, pois nem chegou a


atingir seu pai.

106
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
107

c) Responderá por tentativa de lesão corporal.

d) Responderá lesão corporal consumada.

5. O homicídio qualificado, assim como o crime de homicídio


voluntario simples, são crimes comuns. Crime comum é aquele
que:

a) Pode ser cometido por qualquer pessoa.

b) Exige uma qualidade especial do sujeito ativo.

c) Exige uma qualidade especial do sujeito passivo.

d) Embora passíveis de serem cometidos por qualquer pessoa,


ninguém os pratica por intermédio de outrem.

6. António e sua mulher Antónia resolveram, sob juramento,


morrer na mesma ocasião. António, com o propósito de livrar-
se da esposa, finge que morreu. Antónia, fiel ao juramento
assumido, suicida-se. Nesse caso, António responderá por:

a) Auxílio ao suicídio.

b) Homicídio qualificado.

c) Homicídio voluntário simples

d) Tentativa de homicídio.

7. Manuel, portador de anomalia psíquica, resolveu aconselhar


seu amigo Joao a tirar a própria vida, porque este já não
aguentava mais ficar sem emprego. Dias depois Joao salta do
10º andar de um prédio e morre: Manuel respondera por:
e) Crime hediondo
f) Homicídio qualificado
g) Auxilio ao suicídio

107
ISCED CURSO: Direito; Disciplina: Direito Penal Especial
108

h) Nenhuma das alternativas está correcta, uma vez ser o Manuel


inimputável.
8. O bem jurídico protegido no crime de ofensas corporais é:
e) O corpo das pessoas
f) As mulheres
g) As partes íntimas das pessoas
h) O património das pessoas
9. Amílcar, durante uma briga, tenta chutar seu adversário, mas
sem querer acerta a própria esposa, que buscava apartar a
contenda. Atingida no ventre, a mulher sofre ruptura do baço e
é submetida a uma cirurgia de emergência, na qual tem o
órgão extraído de seu corpo, medida que garante sua
sobrevivência. Considerando que Amílcar em momento algum
agiu com dolo, o comportamento do autor caracteriza:

a) Crime de ofensas corporais voluntárias;

b) Ofensas corporais qualificadas, em virtude da relação


conjugal entre autor e vítima.

c) Não será punido em virtude de não ser a pessoa que ele


pretendia atingir

d) Será punido nos termos do art. 32º CP.

10. O Código Penal, ao disciplinar “OS CRIMES CONTRA A PESSOA,


prevê inúmeras infracções penais que podem ser praticadas
por uma só pessoa. Essas infracções são denominadas pela
doutrina como crimes unissubjetivos. Já outras, exigem que
mais de duas pessoas participem do crime para que se possa
configurar a infracção penal, e estes são os denominados
crimes plurissubjetivos. Tendo em vista o exposto, qual dos
crimes abaixo elencados é plurissubjetivo?
e) Participação em rixa;
f) Auxilio ao suicídio;
g) Homicídio;
h) Aborto provocado por terceiro.

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11. O crime de maus tratos ou sobrecarga de menores, idosos ou


incapazes, não admite concurso, uma vez ser o corolário de
todas as possibilidades em si mesmo.

A. Verdadeiro
B. Falso

12. Sujeito passivo ou vítima só pode ser a pessoa que se encontre,


para com o agente, numa relação de subordinação existencial,
ou numa relação de coabitação conjugal ou análoga.
A. Verdadeiro
B. Falso
13. Na parte especial do Código Penal, encontram-se os preceitos
que estabelecem os delitos individual.

A. Verdadeiro
B. Falso

14. O Estado detentor do Ius Puniendi, exerce seu direito de punir


de forma incondicional e ilimitada, uma vez ser ele que
estabelece as normas incriminadoras.

A. Verdadeiro
B. Falso

15. A qualificação assenta na culpa, critério para qualificar é a


“especial censurabilidade ou perversidade”, o agente actuou
com uma exigibilidade acrescida.
A. Verdadeiro
B. Falso

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Bibliografia

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2. 12ª Ed, São Paulo, Saraiva Editora.
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São Paulo, Saraiva Editora.
 SUMARIVA, Paulo (2012), Direito Penal – Parte Especial III, vol
8, São Paulo, Saraiva Editora.
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Esquematizado: Parte Especial, 2ª Ed. São Paulo, Saraiva
Editora.
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Coimbra, F. Franfa Amado Editor.
 Faculdade Três Pontas – FATEPS, (2006), APONTAMENTOS DE
DIREITO PENAL III PARTE 1.
 SALGADO, Catarina (2010), Do regime jurídico da violência
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moçambicano – Algumas considerações.
 Curso de Magistrados do Ministério Público – PGR (2016),
Análise de alguns crimes contra a liberdade sexual (crimes
sexuais).
 Direito Penal especial. (2016). Crimes contra a vida. Acedido
em 10 de Outubro de 2016 em: http://www.octalberto.com.pt
 Direito Penal Especial. (2016) crimes contra as pessoas.
Acedido em Novembro de 2016 em: http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=resultadoBusca&q=Crim
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