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Notas de Aula - Dinâmica Relativística, Copyrigth© 2019 by Manoel Messias Ferreira Jr.

Notas de Aula - Dinâmica Relativística


P ROF. M ANOEL M ESSIAS F ERREIRA J R .

D EPARTAMENTO DE F ÍSICA - U NIVERSIDADE F EDERAL DO M ARANHÃO

1 Introdução
A mecânica newtoniana é notoriamente invariante perante as transformações de Galileu, o que implica na exis-
tência do princípio da relatividade de Galileu. As transformações de Lorentz constituem o novo grupo de trans-
formações de coordenadas (representativas de uma mudança de referencial) compatíveis com os dois postulados
de Einstein, em cima das quais toda a cinemática relativística está baseada. Sendo a mecânica newtoniana não-
invariante perante as transformações de Lorentz, torna-se necessário derivar as leis de uma nova mecânica,
compatíveis com os postulados da TRR e com as transformações de Lorentz. Parte desta nova mecânica já é co-
nhecida: os elementos da cinemática relativística (transformações de Lorentz, de velocidade, aceleração e suas
conseqüências) já foram estabelecidos e estudadas nos capítulos anteriores. Convém agora estabelecer as leis da
nova dinâmica, principalmente a nova lei de força, invariante sob as transformadas de Lorentz, o que dá concre-
tude ao princípio da relatividade de Einstein (em experimentos mecânicos). Esta nova dinâmica, compatível com
os postulados de Einstein, é conhecida como dinâmica relativística1 . Constitui nosso objeto de estudo neste
capítulo.
Algumas propriedades da mecânica newtoniana estão em flagrante descompasso com as previsões da TRR
já estudadas. Primeiro, na mecânica de Newton uma partícula massiva pode ser acelerada a velocidades pro-
gressivamente mais altas, sem nenhum limite superior. Como veremos mais à frente, a nova dinâmica estipula
a proibição da aceleração de partículas subluminais (brádions) a velocidades superluminais de maneira contun-
dente 2 . A mecânica de Newton também estabelece a validade da lei de ação e reação para partículas distantes
(separadas espacialmente) e interagentes (via mecanismo da "ação à distância"). Logicamente, esta asserção está
construída sob a concepção de um tempo absoluto, que estabelece a simultaneidade de quaisquer eventos tam-
bém como algo absoluto. Como na TRR, a simultaneidade de eventos separados espacialmente é algo relativo, a
validade da terceira lei de Newton no contexto de uma mecânica relativística para dois eventos separados espaci-
almente poderia ser definida apenas no referencial de simultaneidade dos eventos; em todos os outros referenciais,
onde a simultaneidade deixa de valer, esta lei não seria válida. Por enquanto, uma boa maneira de contornar esta
dificuldade, é considerando corpos interagentes através de força de contato, tais como ocorre durante uma colisão.
Neste caso, como as forças de ação e reação atuam em pontos contíguos do espaço, não há separação espacial e
a simultaneidade está definida para todos os referenciais de Lorentz, valendo sempre a lei da ação e reação (em
todos os referenciais inerciais). Veremos mais à frente que a terceira lei de Newton continua válida no contexto da
DR, com uma restrição óbvia, já incorporada no bojo da teoria da relatividade desde o início dos estudos cinemáti-
cos: não há mecanismo de "ação à distância"no contexto da TRR3 . Por questão de maior simplicidade, tomaremos
como ponto de partida para o estudo da DR exemplos ilustrativos envolvendo colisões.
Um outro ponto que evidencia a falha da mecânica newtoniana é a suposição de que a massa é sempre con-
servada num processo de colisão. Em colisões relativísticas, a massa perde o status de invariante, uma vez que
é sabido que partículas massivas podem desintegrar-se em radiação, respeitando apenas os princípios de conser-
vação de energia e momento4 . Na realidade, a não-invariância da massa está intimamente ligada a um resultado
fundamental da dinâmica relativística, enunciado por Einstein já em 1905: a equivalência ou ambivalência entre
massa e energia, resumida na fórmula mais conhecida e propalada da história da ciência: E = mc2 . É exatamente
esta equivalência que permite a uma partícula transformar-se em radiação pura ou outras partículas diferentes
1 Observe que esta denominação não é inteiramente adequada, uma vez que a dinâmica newtoniana também é uma teoria relativística
(invariante sob o grupo das transformações de Galileu). Entretanto, a denominação "relativística"é amplamente empregada para as teorias
invariantes perante as transformações de Lorentz.
2 Dentro do contexto da mecânica relativística, pode-se facilmente mostrar que o custo de energia para acelerar um brádion até a velocidade
da luz é infinito. A dinâmica relativística nada fala, entretanto, sobre partículas que já "nascem"superluminais, ou seja, os táquions, do ponto
de vista energético. Em resumo, se os táquions existem, eles são intrinsecamente superluminais, já "nascem"com v > c . Observe que os
fótons já nascem com v = c . Em resumo, a existência de partículas que já nascem superluminais não é proibida pela dinâmica, mas sim pela
cinemática relativística e os efeitos causais (causa e efeito) envolvidos.
3 Sabemos atualmente que este tipo de interação foi definitivamente banido de todas as teorias físicas, uma vez que não há transmissão
com velocidade infinita.
4 Na Física de partículas, há outros princípios de conservação que norteiam os processos de desintegração e colisão de partículas, tais
como conservação da carga, do número leptônico, conservação do número bariônico, etc... Estes números quânticos estão relacionados com a
natureza das partículas envolvidas e não com as suas massas.
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durante um processo de colisão ultra-energética. De maneira geral, quanto maior a energia (relativística) das par-
tículas colidentes, maior a diversidade de partículas criadas como subproduto da colisão. Este fato, por violar a
conservação de massa, não pode em absoluto ser explicado pela mecânica newtoniana, sendo mais uma evidência
irrefutável da necessidade de uma nova dinâmica.
Antes de proceder na tarefa de construção das leis da DR, é necessário deixar claro que a dinâmica newtoniana
é uma teoria altamente bem sucedida nas mais diversas experiências do cotidiano, constituindo a base de muitas
outras teorias de grande sucesso, tais como: resistência dos materiais, mecânica dos fluidos e dos meios contínuos,
estática, gravitação universal, etc... Pode-se dizer que algumas engenharias (mecânica, civil, naval, espacial) são
inteiramente baseadas nas leis de Newton, o que atesta ainda mais sua validade e precisão em diversas tarefas
usuais do cotidiano. Vale ainda lembrar que para enviar uma sonda espacial à Marte e outros planetas, programas
científicos que envolvem grande complexidade de cálculos, usa-se apenas a mecânica newtoniana, e não a relati-
vística, uma vez que processos deste tipo envolvem baixas velocidades (v/ c << 1 ⇒ γ ∼ 1) e campos gravitacionais
fracos5 . Na verdade, pelo fato da dinâmica newtoniana funcionar tão bem no domínio das baixas velocidades, esta
constitui um raro caso de teoria que foi reformulada antes que as suas deficiências tenham sido denunciadas pelos
experimentos6 . Portanto, o domínio de validade da mecânica newtoniana engloba processos que se desenrolam a
baixas velocidades e cujos constituintes exibem comprimento característico muito maior que a dimensão atômica7
(caso contrário, adentra-se no regime da Mecânica Quântica). Em processos de laboratório envolvendo colisão
de partículas elementares, fatores de Lorentz da ordem de γ ∼ 104 são corriqueiramente atingidos. Neste regime
de velocidades, as leis da mecânica newtoniana falham fragorosamente. Importante ainda assinalar que raios
cósmicos ultra-energéticos, com fator de Lorentz da ordem de γ ∼ 1011 , atingem a alta atmosfera. Nesta escala de
energia as leis da mecânica de Newton são inúteis para descrever a natureza.
Devemos agora nos perguntar como proceder para construir uma dinâmica relativística, ou seja, uma dinâ-
mica Lorentz-invariante. O primeiro ponto, certamente, é questionar a validade das leis de Newton no contexto
relativístico. No que concerne à primeira lei, nada há nas premissas da TRR que venha a depor contra a validade
desta lei verdadeiramente fundamental da natureza, que está associada, de certa forma, ao próprio princípio
da relatividade. Vale lembrar que, na dedução das transformações de coordenadas de Lorentz, foram adotados
como critérios complementares aos 2 postulados de Einstein, a isotropia e homogeneidade do espaço. Num espaço
homogêneo e isotrópico, a lei da inércia reina absoluta e soberana, uma vez que tal espaço não apresenta diferen-
ças, como já percebera Aristóteles, ao conjecturar sobre o vazio8 , no século III A.C. Portanto, podemos assumir
que a primeira lei de Newton, compatível com um espaço isotrópico e homogêneo, é válida também no contexto
relativístico. Quanto a segunda lei, f = d p/ dt, uma análise mais criteriosa faz-se necessário. Dado que vale a
primeira lei de Newton, claro está que, ao haver aplicação de força sobre um corpo em MRU ou repouso, tal corpo
experimentará uma alteração do seu estado de movimento. Tal variação implica necessariamente em variação
de velocidade (aceleração). Devemos ter, portanto, força diretamente proporcional à aceleração ( f = βa). Na me-
cânica Newtoniana, a constante de proporcionalidade, β, equivale exatamente à massa do corpo9 . No contexto
relativístico, dado que vale a lei da inércia, deve também valer uma correspondência entre força e aceleração, ou
seja, se há força, há aceleração. Entretanto, neste caso, a relação de proporcionalidade não é tão direta quanto
na mecânica newtoniana, pelo motivo da massa, na dinâmica relativística, não ser mais uma constante, e sim
uma função dependente da velocidade10 . Deste modo, como veremos mais à frente, a lei de força relativística
deve obedecer uma forma geral similar aquela para um corpo de massa variável na dinâmica newtoniana, com a
diferença que aqui a variação da massa segue uma relação pré-concebida.
Podemos também recolocar esta discussão em termos do conceito de invariância da lei de força. Cabe então

5 Quando os campos gravitacionais são intensos, tais como aqueles gerados por estrelas de grande massa (gigantes vermelhas) ou buracos
negros, a teoria de gravitação de Newton perde validade, sendo necessário substituí-la pela Teoria da Relatividade Geral (TRG) de Einstein.
6 O único fenômeno bem estabelecido de falha da mecânica newtoniana, observado antes do advento da teoria da relatividade, é o avanço do
periélio do planeta Mercúrio, medido pelos astrônomos (desde o século XIX) em 5600” de arco por século, enquanto que a teoria da gravitação
de Newton só consegue proporcionar um avanço de 5557” de arco por século, havendo um erro de 43” entre os cálculos e a medida. Um dos
primeiros triunfos da TRG de Einstein foi conseguir calcular exatamente o valor residual, fornecendo 43,03” como resultado, em ótimo acordo
com as observações. Vale ainda destacar que Mercúrio é o único planeta em que este efeito é tão pronunciado, uma conseqüência de estar
mais próximo do Sol (submetido a campo gravitacional mais forte, constituindo assim um sistema fora do domínio de validade da teoria de
gravitação de Newton).
7 Efetivamente, a mecânica newtoniana sofreu duas correções principais ao longo do século XX, dadas na forma de duas novas teorias: a
TRR e a Mecânica Quântica, válida em sistemas de dimensão espacial da ordem atômica.
8 . "... qualquer corpo dentro do vazio é obrigado a permanecer em repouso, pois não há algum lugar para o qual este corpo tenda a se
mover que seja preferencial a qualquer outro lugar, porque o vazio, por definição não contém diferenças. Além do mais seria impossível
explicar porque algo que foi posto em movimento deveria parar em algum lugar: Por que deveria parar aqui ou ali?? Ou ele nunca se move ou
permanece se movendo para sempre, ao menos que algo mais forte impeça seu caminho". [Trecho extraído do Livro IV da Física de Aristóteles].
Observe que o vazio a que Aristóteles se refere pode ser entendido como o espaço, na sua concepção moderna.
9 O próprio Newton realizou uma série de experimentos envolvendo corpos de várias naturezas para chegar a esta conclusão.
10 Observe que esta nova definição de massa altera completamente o conceito newtoniano da inércia de um corpo, que reflete apenas o seu
conteúdo de matéria no estado de repouso. Na TRR, a inércia do corpo passa a depender da sua velocidade, e do observador a quem se refere.

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a seguinte questão: na mecânica newtoniana, a segunda lei de Newton, f = ma, é igualmente válida (na mesma
forma matemática) em todos os referenciais inerciais, ou seja, é uma lei Lorentz-invariante, e nesta invariância
está fundamentada a validade do princípio da relatividade Galileu. No contexto da mecânia Einsteiniana, há
também uma segunda lei de força, f = ma + ṁv, que permanece invariante sob as transformadas de Lorentz.
Tal invariância é condição essencial para a validade do princípio da relatividade de Einstein (na perspectiva dos
experimentos mecânicos). Esta invariância está demonstrada no Apêndice deste capítulo.
A obtenção da forma correta desta lei força no contexto relativístico passa necessariamente pela dedução de
uma lei de força que tenha a mesma forma para todos os referenciais inerciais, uma exigência em conformidade
com o princípio da relatividade. Portanto, um dos critérios a serem seguidos na dedução de uma lei de força
relativista é a sua invariância sob as transformações de Lorentz. A elucidação desta questão é um dos objetivos
centrais deste capítulo.

2 Segunda lei de Newton, Conservação de momento linear, flexibili-


zação do conceito de massa, redefinição do momento linear na TRR
Na mecânica newtoniana, o princípio da conservação do momento linear está intimamente atrelado a segunda lei
de Newton, de modo que, para um sistema composto por N partículas, na ausência de forças externas, se vale tal
lei, vale também a conservação do momento. Portanto, podemos conduzir, de início, a nossa investigação acerca
da validade da segunda lei de Newton no contexto relativístico em termos da validade do princípio da conservação
do momento. Vale observar que esta correspondência só é perfeita na ausência de forças externas. Uma vez
estabelecida, ainda restará mostrar que a mesma continua válida numa situação que a força resultante atuante
é não nula.
Dentro da dinâmica relativística, é possível mostrar que a conservação de momento linear só pode ser estabe-
lecida, sem contradições, se a massa passar a ser uma função da velocidade (flexibilização do conceito de massa).
A seguir será apresentado um exemplo ilustrativo que ilustra a necessidade desta flexibilização, que envolve uma
colisão entre duas partículas de mesma massa ( m). Observe que durante uma colisão só atuam forças internas
que formam um par ação e reação, e não há forças externas, o que implica na conservação do momento linear,
ou seja: d p/ dt = 0 ⇒ p = cte. Analisaremos então o caso de uma colisão relativística, impondo a conservação do
momento como premissa básica, tentando observar se tal imposição é consistente com uma lei de força do tipo
f = d p/ dt. Se esta lei de força não for consistente com a premissa adotada, chegaremos numa contradição, que
denunciará a necessidade de alterar ou a lei de forças ou a premissa da conservação do momento.
No primeiro exemplo ilustrativo, consideraremos duas partículas colidentes locomovendo-se ao longo do eixo–y
dos seus respectivos referenciais inerciais. A partícula A locomove-se com velocidade −v ao longo do eixo– y0 do
Ref. S 0 , enquanto a partícula B locomove-se com velocidade v ao longo do eixo–y do Ref. S . Estes dois referenciais
estão dispostos de acordo com a ilustração da Fig. (1).

Figura 1: Ilustração dos movimentos da partícula A e B ao longo dos eixos y e y0 .

O Ref. S está em repouso enquanto o Ref. S 0 aproxima-se do mesmo com velocidade u. Podemos usar as
fórmulas relativísticas de adição de velocidades para calcular a velocidade das partículas A e B, medidas por
observadores postados nos refs. S e S 0 . Sendo v0A = (0, −v) a velocidade da partícula A no Ref. S 0 , v0Ax = 0, v0A y = −v,
sua velocidade no Ref. S é dada pela transformada da componente-y, com v0x = 0:

v0y p
vy = = v0y 1 − u2 / c2 , (1)
γ

que implica em: p


v Ax = u, v A y = −v 1 − u2 / c2 , (2)

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A velocidade da partícula B no Ref. S é vB = (0, v), enquanto no Ref. S 0 está dada por
p
v0Bx = − u, v0B y = v 1 − u2 / c2 . (3)

É certamente possível ajustar as velocidades v e u de modo que as partículas A e B colidam frontalmente


exatamente no instante em que a origem do Ref. S 0 superpõe-se à origem do Ref. S . Neste caso, a colisão frontal
ocorre sobre as origens dos dois sistemas inerciais (momentaneamente superpostos). Vamos ainda supor que a
colisão é totalmente inelástica, de tal modo que as duas partículas permaneçam acopladas após o choque, dando
origem a uma única partícula. Vamos também supor válida a conservação do momento linear durante o cho-
que, e analisar o resultado sob a perspectiva de observadores postados nos refs. S e S 0 . Realizamos inicialmente
a análise do ponto de vista do observador S.
Ponto de vista do observador S: para este observador, a partícula B tem velocidade vB y = v, enquanto
p
a partícula A tem velocidade: v A y = −v 1 − u2 / c2 . O momento total inicial no eixo-y antes da colisão ( p i y =
p B y + p A y ) é dado por:
p ³ p ´
p i y = mv − mv 1 − u 2 / c 2 = mv 1 − 1 − u 2 / c 2 . (4)
p
Como 1 − v2 / c2 < 1, obtemos p i y > 0. Supondo que haja conservação do momento no eixo–y, o momento final tem
que ser positivo, ou seja: p f y > 0, evidenciando que a partícula resultante locomove-se para cima após o choque.
Este cenário está ilustrado na Fig. (2).

Figura 2: Cenário anterior e posterios da colisão das partículas A e B sob a persspectiva do Ref. S.

Ponto de vista do observador S 0 : para este observador, a partícula A tem velocidade v A y = −v, ao passo
p
que a partícula B tem velocidade vB y = v 1 − u2 / c2 . O momento total inicial no eixo-y, p0i y = p0B y + p0A y , é dado por:
p ³ p ´
p0i y = − mv + mv 1 − u2 / c2 = mv −1 + 1 − u2 / c2 . (5)
p
Como 1 − u2 / c2 < 1, resulta p0i y < 0. Supondo a conservação do momento linear ao longo do eixo–y, temos
p0f y < 0, que indica que é consistente com a partícula resultante locomovendo-se para baixo após o choque, con-
forme a ilustração seguinte:

Figura 3: Cenário anterior e posterios da colisão das partículas A e B sob a persspectiva do Ref. S 0 .

Até aqui apenas impusemos a conservação do momento linear em cada um dos sistemas de referência. Verifi-
camos que esta imposição implica em sentidos distintos para a partícula final C nos sistemas S e S’. Esta distinção

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Figura 4: Visão comparativa dos momentos finais.

constitui uma contradição ou uma manifestação aceitável do princípio da relatividade? Para elucidar melhor a
situação, vamos comparar os cenários finais (pós-colisão) visualizados nos dois referenciais, apresentamos a Fig.
Lembramos que trabalhamos com a definição p f y = mv f y (no ref. S). Logo, se p f y > 0, resulta v f y > 0. Ademais,
sabemos que a componente-y da velocidade transforma-se como:

v0f y v0f y
vf y = ¡ → v f y = . (6)
γ 1 + uv0x / c2 γu
¢

Tal transformada mostra que, se v f y > 0, teremos v0f y > 0, já que γu > 0. Portanto, o sinal da velocidade ortogonal
ao movimento relativo entre S e S 0 não pode ser alterado pelas transformações relativísticas de velocidades. No
ref. S’, vale: p0f y = mv0f y > 0 se p f y > 0. Vemos assim que o movimento de uma partícula ao longo do eixo-y não
pode ter seu sentido revertido de um referencial para o outro (o sentido do movimento da partícula resultante ao
longo do eixo-y não pode depender do referencial). Logo, o fato dos observadores S e S 0 perceberem a partícula
resultante locomovendo-se em direções opostas após o choque constitui uma contradição física.
A análise desta colisão relativística coloca sob suspeita o princípio da conservação do momento linear e a
validade da 2a Lei de Newton no contexto relativístico, únicas premissas assumidas como corretas no início deste
desenvolvimento. Veremos, a seguir, que a conservação do momento linear pode ser restabelecida para este
processo quando o conceito de massa é flexibilizado, deixando de ser um invariante universal, tal como ocorre
na mecânica de Newton, para apresentar uma dependência em termos da velocidade da partícula.
Hipótese central para solução da contradição: a massa de uma dada partícula num dado referencial é
uma função da sua velocidade medida neste referencial. Vamos agora analisar a colisão entre as partículas A e B,
de acordo com esta nova hipótese.
Do ponto de vista do referencial S, a massa das partículas B e A valem

m B = m(v), m A = m(Λ), (7)

onde v e Λ correspondem aos módulos da velocidade da partícula B e A (respectivamente) medidas por S, sendo
este último dado por q p
Λ = v2Ax + v2A y → Λ = u2 + v2 (1 − u2 / c2 ). (8)

Podemos então calcular o momento total antes do choque (ao longo do eixo–y):
p h p i
p i y = m(v)v − m(Λ)v 1 − u2 / c2 = v m(v) − m(Λ) 1 − u2 / c2 . (9)

Agora, lançamos mão de mais uma hipótese:


p
m(Λ) 1 − u2 / c2 ≤ m(v), (10)

que implica em P i y ≥ 0. Valendo a conservação do momento, teremos P f y ≥ 0, que implica em partícula resultante
locomovendo-se para cima (ponto de vista do Ref. S ) ou permanecendo em repouso.
Do ponto de vista do referencial S 0 , a massa das partículas B e A valem

m A = m(v), m B = m(Λ), (11)

onde Λ está dado pela Eq. (8). O momento total no eixo–y antes do choque é
h p i
p0i y = v m(Λ) 1 − u2 / c2 − m(v) . (12)

Considerando a hipótese (10), teremos: p0i y ≤ 0. A conservação do momento implica em p0f y ≤ 0, indicando que a
partícula resultante permanece em repouso ou locomove-se para baixo na perspectiva do Ref. S 0 . Vemos assim

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que a única condição que evita a contradição da partícula resultante locomovendo-se em direções opostas para
os refs. S e S 0 é justamente impor
p
m(Λ) 1 − u2 / c2 = m(v), (13)

que conduz a p f y = p0f y = 0 (partícula resultante em repouso tanto no Ref. S quanto no Ref. S 0 ). Portanto, esta
condição resolve a contradição aparentemente advinda da conservação do momento.
Tal condição pode ser estudada numa situação mais simples, onde as massas colidentes exibam apenas uma
componente de velocidade. Isto é conseguido no limite em que v → 0 (velocidade das partículas no eixo–y anulando-
se), a velocidade relativas
p das partículas reduz-se à velocidade relativa entre S e S 0 , u. Neste limite, a condição
(13) reduz-se a m(Λ) 1 − u2 / c2 = m(0), que equivale a ter:
m0
m( u ) = p , (14)
1 − u2 / c2
onde m 0 = m(0) é a massa da partícula no referencial de repouso, denominada de massa de repouso; m(v) é a
massa da partícula em função da sua velocidade (medida no referencial em que a velocidade da partícula vale
v). Observe que, nesta situação, temos: se a velocidade da partícula A no Ref. S é v, então m(v) é a massa da
partícula A neste referencial. Se a velocidade da partícula B medida por S 0 é -v, então a massa da partícula B
medida por S 0 é m(v) = m(−v).
Por definição, a massa de repouso, m 0 , corresponde a um invariante relativístico (escalar de Lorentz),
uma vez que corresponde à medida da massa no referencial de repouso. Assim sendo, é possível expressá-la
em termos de uma contração tensorial, como será visto quando apresentarmos o 4-vetor de energia-momento
(P µ ). Podemos então extrair a seguinte conclusão: a conservação do momento linear vale no caso da dinâmica
relativística desde que a massa seja tomada como uma função da velocidade, tal como

m(v) = m 0 γ(v), (15)

e o momento relativístico seja definido na forma:

p = m(v)v = m 0 γ(v)v. (16)

De outra forma: a conservação do momento linear torna-se Lorentz-invariante (verdadeira em qualquer


referencial inercial) somente quando a massa apresenta a dependência com a velocidade, tal qual dado na Eq.
(15), e o momento é dado como na Eq. (16). Com isto, a conservação do momento, se estabelecida em um dado
referencial, passa a valer como verdade para qualquer outro referencial inercial. Por fim, uma vez que ocorre
conservação de momento linear relativístico (na ausência de forças externas), tal fato pode ser entendido como
uma conseqüência da validade da segunda lei de Newton, f = d p/ dt (no contexto da TRR), com p = m(v)v.
A lei de força relativística, f = d ( mv)/ dt ou f = ma + ṁv, se corretamente estabelecida, deve ser Lorentz-
invariante, ou seja, covariante. Isto significa que tal lei deve ter a mesma forma em todos os referenciais inerciais.
Assim, no referencial S 0 esta lei deve ser escrita como: f 0 = m0 a0 + ṁ0 v0 . A demonstração deste fato só poderá
ser realizada quando as transformações relativísticas de força estiverem determinadas, e será adequadamente
abordada no final deste capítulo.

Nota histórica: A flexibilização do conceito de massa, juntamente com a redefinição do momento linear, são
alguns dos resultados mais fundamentais da dinâmica relativista estabelecida por Einstein em 1905. En-
tretanto, deve ser ressaltado que a variação da massa com a velocidade não foi um conceito introduzido na
Física pela primeira vez pela TRR, uma vez que a teoria eletromagnética de Abraham já fazia uma previsão
deste tipo. Interessante notar que nos primeiros anos após a publicação da TRR, esta não era uma teoria
muito aceita. Nestes anos, alguns experimentos foram realizados tentando observar a variação da massa
de elétrons com a velocidade, com o intuito de decidir entre a fórmula de Einstein ou da Abraham. Neste
sentido, notabilizaram-se os experimentos de A. H. Bucherer.

3 Energia relativística e energia cinética relativística


Na mecânica newtoniana, a força que atua sobre um corpo é uma medida direta da variação temporal do seu mo-
mento linear: f = d p/ dt. No caso em que a massa do corpo é constante no tempo, tal definição recai simplesmente
em: f = ma. No caso em que tal massa varia no tempo, temos:

d dm du
f= ( mu) , f = u+m . (17)
dt dt dt

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Esta é uma fórmula genericamente válida para sistemas newtonianos onde a massa é variável, sendo dm/ dt a
taxa de variação temporal da massa, um dado específico de cada sistema físico em consideração. Um bom exemplo
disto é um foguete em ascensão (consumindo combustível), onde a variação temporal da massa vem da queima de
combustível, caso corriqueiramente estudado em cursos de Mecânica Clássica.
No caso relativístico, a fórmula (17) é válida para qualquer partícula elementar massiva, sendo feita a res-
salva que neste caso a massa depende intrinsecamente da velocidade, que varia quando há uma força aplicada,
implicando também em variação de massa ( dm/ dt 6= 0). Neste caso, a taxa dm/ dt passa a ser conhecida não como
uma característica de um sistema particular, mas como uma decorrência da dinâmica relativística.
Na mecânica newtoniana, a energia cinética é dada pelo trabalho realizado pela força f sobre uma partícula
massiva, enquanto a sua velocidade varia de 0 até v, sendo este o enunciado do teorema trabalho-energia:
Z v
K= f · dl (18)
v=0
Para o caso de um sistema unidimensional, temos:
Z v
dv
Z
K= f dx = m 0 dx. (19)
v=0 dt
Sabemos que
dv dv dv
µ ¶
dx = v dt = v dt = v d v, (20)
dt dt dt
onde usamos dx = v dt, d v = ddtv dt. Com isto,
Z v
K = m0 v d v = m 0 v2 /2. (21)
0

No caso de um sistema relativístico, podemos também partir do teorema trabalho-energia para obter a expres-
são da energia cinética relativística (K R ). Partindo da definição (18), temos:
Z v
d ( mv)
Z
KR = f dx = dx, (22)
v=0 dt
Observando o resultado (20), percebemos que vale igualmente,

d ( mv) d ( mv)
µ ¶
dx = v dt = v d ( mv), (23)
dt dt

onde usamos
dg
µ ¶
dt = d g, (24)
dt
sendo g uma função de t, ou seja, g = g( t). Temos assim:
Z Z v Z v
K R = v d ( mv) = v(v dm + md v) = (v2 dm + mv d v). (25)
v=0 v=0
A equação da massa relativística elevada ao quadrado é:

m20
m2 = → m2 c2 − m2 v2 = m20 c2 . (26)
1 − v2 / c2
Diferenciando implicitamente esta expressão e, dividindo tudo por 2 m, obtemos:

c2 2 mdm − v2 2 mdm − m2 2v d v = 0 → c2 dm = v2 dm + mv d v, (27)


que é exatamente o integrando da Eq. (25). Portanto:
Z v Z v
2 2
¯m(v)
KR = c dm = c dm = c2 m¯m0 = c2 ( m(v) − m 0 ), (28)
v=0 v=0

K R = m(v) c2 − m 0 c2 ou K R = E − E0. (29)


Nesta última fórmula a energia cinética relativística está escrita em termos do conceito de energia relativís-
tica total (E = mc2 ) e a energia relativística de repouso (E 0 = m 0 c2 ). A energia E 0 equivale ao conteúdo de energia
que um corpo possui quando parado. não se trata obviamente de energia cinética ou potencial. Esta grandeza
reflete a quantidade de energia associada com a massa de repouso ( m 0 ) do corpo. já a equação E = mc2 estabelece

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o conteúdo de energia que o corpo possui quando em movimento, incluindo a chamada energia cinética relativís-
tica (K R ). As relações E 0 = mc2 , E = mc2 estabelecem a equivalência física entre massa e energia, conceito
inovador introduzido por Einstein também em 1905, na primeira publicação em dinâmica relativística da histó-
ria. Tal relação mostra que massa e energia são intercambiáveis, ou seja, podem ser convertidos um no outro:
massa pode ser convertida em energia, e vice-versa. Isto explica como uma única partícula pode originar muitas
outras num processo de desintegração, ou como uma colisão entre duas partículas elementares pode gerar uma
grande variedade de partículas diferentes como subprodutos, a exemplo do que ocorre nos grandes aceleradores
de partículas. A conversão de massa em energia permite entender como um nêutron pode gerar um próton, um
elétron e um anti-neutrino, no chamado decaimento beta:

n → p + e + ν̄. (30)

Neste caso, a massa de repouso do nêutron, sendo maior que a do próton, encerra energia suficiente para gerar
o próton, o elétron (partícula beta) e o anti-neutrino11 . Observe que num processo deste tipo a partícula origi-
nal desintegra-se, gerando novas e diferentes partículas. Não ocorre conservação da massa de repouso, mas há
conservação da energia (E = mc2 ) e do momento relativístico ( p = m 0 γv). Processos deste tipo serão melhor es-
tudados no capítulo sobre colisões relativísticas, onde aprenderemos que a energia E é sempre conservada nos
processos relativísticos, ao passo que a energia de repouso e massa de repouso (E 0 = m 0 c2 , m 0 ) só são conservadas
em colisões elásticas (na quais K R é também conservada).
Outro ponto digno de nota diz respeito à proibição de um brádion (partícula subluminal) ser acelerado a
velocidades superluminais, que tem explicação dinâmica. Sendo E = m 0 γ(v) c2 , ocorre que a massa e a energia
relativística da partícula tendem ao infinito quando a sua velocidade aproxima-se da velocidade da luz (v → c), o
que requer que uma quantidade também infinita de energia seja entregue à partícula. Como não há nenhuma
3-força que possa realizar um trabalho infinito sobre a partícula, a mesma nunca poderá atingir a velocidade v = c.
A partícula pode atingir velocidades muito próximas de c, mas nunca igual a c. Quanto mais próxima de c estiver,
maior será a sua energia relativística, e o custo de energia associado para levá-la a esta velocidade. Há relatos
de raios cósmicos (prótons) ultra-energéticos com fator de Lorentz γ = 1011 , e energia relativística da ordem de
1020 eV. Isto implica em uma velocidade tão próxima da luz quanto

v = 0.99999999999999999999995 c. (31)

A eq. (29) mostra que a energia cinética relativística equivale à diferença entre E e E 0 , refletindo quanta
energia o corpo ganha ao entrar em movimento. Isto é bastante sensato, pois toda energia acima do valor de
repouso é atribuída ao movimento (energia cinética), uma vez que supomos aqui o corpo livre da influência de
interações12 . A eq. (29) pode ser igualmente escrita como

E = K R + m 0 c2 , (32)

relação que explicita a energia relativística total da partícula como uma soma de duas parcelas: a energia relati-
vística de repouso ( m 0 c2 ) e a energia cinética relativística (K R ).
A energia K R pode ser escrita em outras formas:

K R = m 0 γ(v) c2 − m 0 c2 , (33)
K R = m 0 c2 γ(v) − 1 .
£ ¤
(34)

No limite de baixas velocidades (v ¿ c), podemos fazer uso da expansão binomial para o fator de Lorentz,

γ(v) = 1 + v2 /2 c2 + 3v4 /8 c4 + . . . , (35)

de modo que a energia cinética resulta igual a:

v2 3 v4
· 2
v 3 v4
· ¸ ¸
K R = m 0 c2 + + . . . = m 0 + + . . . (36)
2 c2 8 c4 2 8 c2
11 As massas de repouso do nêutron, próton e elétron valem: m −27 K g = 939.573 M eV / c2 , m
0( neutron) = 1.6745705 × 10 0( proton) = 1.672625 ×
10−27 K g = 938.280 M eV / c2 , m 0( el etron) = 9.10953 × 10−31 K g = 0.511003 M eV / c2 . Observe que a diferença entre a massa do nêutron e do
próton, cerca de 1.29 MeV, é suficiente para criar um elétron (partícula beta) bastante rápido e mais um anti-neutrino, partícula que possui
massa de repouso muito próxima de zero (situada entre 0 e 4 eV ).
12 Na ausência de interações, temos energia potencial nula (U = 0) . Em situações onde existe interação com algum campo, a energia potencial
U deve ser considerada juntamente com a energia cinética (ou relativística) no cômputo da relativística (E ), ou seja, E = E 0 + K R + U. Uma
situação deste tipo será ilustrada na seção em que abordamos o problema da força central relativístico.

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Como v ¿ c, os termos de ordem superior da expansão acima podem ser desprezados, sendo mais significativo
apenas o primeiro termo da série, K R = m 0 v2 /2, que equivale à energia cinética newtoniana. Isto mostra que a
energia cinética relativística recai na expressão da energia cinética newtoniana no limite de baixas velocidades,
sendo este um resultado esperado.
Vamos agora determinar uma outra expressão para a energia relativística, que não envolva (explicitamente)
a velocidade v, e sim o 3-momento p. Sabemos que o quadrado da energia relativística total,

m20 c4
E2 = . (37)
1 − v2 / c 2
envolve o quadrado da 3-velocidade. Portanto, devemos agora expressar v2 em termos do 3-momento. Para isto,
tomamos a fórmula do momento linear (ao quadrado), p2 = m20 v2 /(1 − v2 / c2 ). Isolando v2 , obtemos:

p2 c 2
v2 = , (38)
(p2 + m20 c2 )

cuja substituição na eq. (37), conduz a

m20 c4 m20 c4 (p2 + m20 c2 )


E2 = = = c2 (p2 + c2 m20 ), (39)
1 − p2 /(p2 + m20 c2 ) m20 c2

E 2 = ( m 0 c 2 ) 2 + c 2 p2 , (40)
que implica em
q
E= ( m 0 c2 )2 + p2 c2 . (41)
Esta é uma expressão que relaciona energia de repouso, momento e energia relativística total, sendo uma das
fórmulas mais úteis e conhecidas da dinâmica relativística. É fácil verificar que a eq. (41) pode ser obtida di-
retamente da expressão da massa relativística. De fato, elevando-se esta expressão ao quadrado, temos m2 =
m20 /(1 − v2 / c2 ). Fazendo o desenvolvimento algébrico e multiplicando ambos os lados por c4 , encontramos rapida-
mente

m20
m2 = → ( mc2 )2 = ( m 0 c2 )2 + ( mv)2 c2 , (42)
1 − v2 / c 2
que corresponde exatamente a E 2 = ( m 0 c2 )2 + ( pc)2 , quando usamos p = mv. Esta segunda dedução é mais simples
e rápida que a primeira. Isto ilustra como na dinâmica relativística o caminho adotado para alcançar um resultado
faz bastante diferença: há caminhos muito rápidos e fáceis, enquanto outros são difíceis e penosos. Outra fórmula
muitas vezes útil é aquela que expressa a velocidade da partícula como uma razão entre momento e energia,
p/E = mv/ mc2 , ou seja:
p mv p v p
= → = → v = c2 → β = cp/E, (43)
E mc2 E c2 E
sendo β =v/ c.
__________________________
Exemplo resolvido 1: Obtenha a expressão da energia cinética relativística usando-se o teorema trabalho-
energia, partindo-se do infinitésimo de trabalho, dW = f · dl, e usando-se a substituição v = c sin φ na integração.

Solução: O elemento infinitesimal de trabalho é dW = f · dl, ou dW = (f · v) dt, onde usamos dl = v dt. No caso
de um sistema unidimensional, resulta: dW = ( f v) dt. O teorema trabalho-energia assegura que este elemento de
trabalho seja igual à variação de energia cinética, ou seja, dK = ( f v) dt. Sabemos que f = d ( mv)/ dt, de modo que

d ( mv)
dK R = v dt = v d ( mv), (44)
dt
d ( mv)
Z Z Z
KR = v dt = v d ( mv) = v d [ m 0 γ(v)v]. (45)
dt
Fazemos agora a seguinte substituição: v = c sin φ, temos: γ(v) = 1/ cos φ,

1 sin φ
Z · ¸ Z Z · ¸
K R = c sin φ d m 0 c sin φ = m 0 c2 sin φ d tan φ = m 0 c2 d φ.
£ ¤
(46)
cos φ cos2 φ

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d (cos φ) 1 φ
Z · ¸
K R = m 0 c2 − = m 0 c 2
(47)
cos2 φ cos φ 0
1
· ¸
K R = m 0 c2 − 1 = m 0 c2 γ(v) − 1 .
£ ¤
(48)
cos φ

Obtemos, desta forma, o mesmo resultado da Eq. (34).

4 4 –Vetor Energia-momento
Iniciamos apresentando a definição do 4-vetor de energia-momento (P α ) de uma partícula, também chamado de
4-momento:

P α = m 0U α , (49)
α
sendo este o produto da sua massa de repouso com a sua 4-velocidade (U ). Note que o produto da 4-velocidade
por um escalar de Lorentz ( m 0 ) gera automaticamente outro 4-vetor (P α ). Trata-se do mesmo procedimento de
multiplicar ou dividir um 4-vetor por uma quantidade inerte sob transformações de Lorentz, tal como explicado
na definição de 4-velocidade.
O 4-momento P α engloba a energia relativística e o momento relativístico da partícula, como podemos
mostrar a seguir:

P µ = m 0 γv ( c, v), P µ = m( c, v), P µ = ( mc, mv), (50)

P µ = (E / c, p) . (51)
2
onde γv = γ(v), E = mc é a energia relativística e p = mv é o momento relativístico. Da contração tensorial do
4-momento consigo próprio, resulta:

E2 E2
P µ Pµ = P02 + P i P i = 2
− p · p = 2 − p2 , (52)
c c
onde usamos a métrica gµν = (+, −, −, −) , de assinatura igual −2. Considerando a Eq. (40), temos:

P 2 = P µ Pµ = P · P = m20 c2 . (53)
A relação (53) confirma o caráter Lorentz-invariante da massa de repouso, uma vez que expressa m 0 em
termos de uma contração tensorial (escalar de Lorentz). O 4-vetor energia-momento ocupa lugar de destaque na
dinâmica relativística, sendo ferramenta de primeira importância neste contexto. A principal vantagem do seu
uso é a simplificação que proporciona ao tratamento de problemas dinâmicos (tais como colisões relativísticas),
permitindo obter soluções de maneira mais direta. Como um primeiro exemplo, na próxima seção usaremos o
4-momento para obter transformações relativísticas de energia e momento.

4.1 Transformações relativísticas de momento e energia


A maneira mais simples e imediata de obter as transformações de Lorentz para momento e energia é partindo da
transformação para 4-vetores, escrita para o 4-momento, ou seja:
0
P 0α = Λα β
β P . (54)

Usando-se a matriz de transformação genérica de Lorentz, dada pela Eq. (??), sendo u a velocidade relativa entre
os referenciais, e sabendo-se que P 0α , P β podem ser escritos como matrizes coluna 4 × 1, reescrevemos a Eq. (54)
como a seguinte expressão matricial:

E0/c γ −γ u x / c −γ u y / c −γ u z / c E/c
    
 p0x   −γ u x / c 1 + (γ − 1) u2x / u2 (γ − 1) u x u y / u2 (γ − 1) u x u z / u2   px 
,
 p0  =  −γ u y / c (55)
(γ − 1) u x u y / u2 1 + (γ − 1) u2y / u2 (γ − 1) u z u y / u2   p y
   
y

p0z −γ u z / c (γ − 1) u x u z / u2 (γ − 1) u y u z / u2 1 + (γ − 1) u2z / u2 pz

onde γ = γ( u). Para a componente-zero, temos:

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E 0 / c = γE / c − γ u x p x / c − γ u y p y / c − γ u z p z / c, (56)
0
E = γ[E − ( u x p x + u y p y + u z p z )], (57)

que equivale a
E 0 = γ E − (u · p) .
£ ¤
(58)
Esta equação é a transformação da energia relativística, que assume um valor diferente em cada referencial
inercial: a energia não é um invariante relativístico.
Para a componente- x do momento, temos:

p0x = −γ u x E / c2 + 1 + (γ − 1) p x u2x / u2 + (γ − 1) u x p y u y / u2 + (γ − 1) u x p z u z / u2 , (59)

p0x = p x − γ u x E / c2 + (γ − 1) u x (u · p)/ u2 , (60)


resultado este que pode ser equivalentemente estendido para qualquer uma das outras componentes espaciais:

p0y = p y − γ u y E / c2 + (γ − 1) u y (u · p)/ u2 , (61)


2 2
p0z = p z − γ u z E / c + (γ − 1) u z (u · p)/ u . (62)

Tais expressões são componentes da transformação genérica de momento, escrita na forma vetorial:

E u
p0 = p − γ u + (γ − 1)(p · u) 2 , (63)
c2 u
As transformações reversas são:

E = γ E 0 + (u · p)0 ,
£ ¤
(64)
0
E u
p = p0 + γ u + (γ − 1)(p0 · u) 2 . (65)
c2 u
Podemos agora particularizar as transformações (64) e (65) para o caso em que a velocidade relativa entre os
referenciais S e S 0 aponta na direção do eixo-x, u = ( u, 0, 0). Neste caso, obtemos simplesmente: p0y = p y , p0z = p z .
Usando ainda (u · p) = u p x , temos: p0x = γ( p x − uE / c2 ). Tais transformadas e suas reversas, particularizadas para
esta configuração, são:

E 0 = γ [E − u p x ] E = γ E 0 + u p0x ,
£ ¤
→ (66)
2
p0x = γ( p x − uE / c ) → p x = γ[ p0x + uE 0 / c2 ], (67)
p0y = p y, p0z = pz → p y = p0y , p z = p0z . (68)

Vemos que a componente tranversal da transformada (65) é mantém invariante,

p⊥ = p0⊥ , (69)

enquanto a componente longitudinal é

E0 E0
· ¸
pk = p0k + γ u + (γ − 1)p0k → pk = γ p0k + 2 u , (70)
c2 c

onde usamos p0k = (p0 · u)u/ u2 . Vemos que a componente longitudinal à direção do boost é a única que sofre al-
teração. As componentes do momento ortogonais à direção do movimento permanecem inalteradas sob ação
da transformação de Lorentz. Este é um fato aparentemente curioso, uma vez que sabemos que as componentes
transversas da velocidade não permanecem invariantes. Ocorre, entretanto, que a massa se transforma (perante
uma mudança de referencial) de tal maneira que compensa exatamente a alteração sofrida pelas componentes
transversas da velocidade, o que conduz à invariância das componentes transversas, p ⊥ .
A transformação genérica (64) da energia pode ainda ser escrita como:

E = γE (1 + u · v/ c2 ), (71)

11
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onde p = vE é a 3-velocidade da partícula e u é a velocidade de "boost". Importante ainda observar que, o fato
da energia assumir valores diferentes em referenciais distintos não compromete o teorema da conservação de
energia. A conservação da energia total (E ) é uma realidade em qualquer processo relativístico (na ausência de
forças externas dissipativas) e verificável em qualquer referencial. Ocorre que a energia total assume um valor
específico em cada referencial inercial, sendo este valor constante (conservado) neste referencial. Portanto, não
se deve confundir a alteração do valor de uma grandeza (devido às transformações de Lorentz) com ausência de
conservação da referida grandeza em cada referencial inercial.

Comparando as transformações de momento e energia com as transformações de coordenadas de Lorentz,


percebemos que há uma clara analogia: as transformações de momento podem ser obtidas das transformações de
coordenadas de Lorentz fazendo-se as seguintes transposições: x → p x , y → p y , z → p z , t → E / c2 , ou seja:

r → p, t → E / c 2 . (72)
Sabemos que as transformações gerais de Lorentz são dadas por:

t0 = γ( t − u · r/ c2 ), r0 = r − γ tu + (γ − 1)(r · u)u/ u2 . (73)


Substituindo nestas transformações as operações (72), obtemos as transformações genéricas de momento e ener-
gia:

E 0 = γ(E − u · p), (74)

E u
p0 = p − γ u + (γ − 1)(p · u) 2 . (75)
c2 u
__________________________
Exemplo Resolvido 2: Mostre que podemos obter as transformações relativísticas para o 3-momento relati-
vístico, p = m 0 γ(v)v, e para a energia relativística, E = m 0 γ(v) c2 , partindo-se diretamente das definições usuais
de cada uma destas grandezas nos Refs. S e S 0 , que guardam entre si velocidade relativa u.
Solução: podemos escrever o momento linear de uma partícula nos refs. S e S 0 , na forma:

p = m 0 γ(v)v, p0 = m 0 γ(v0 )v0 , (76)

onde v e v0 são as 3-velocidades da partícula nos refs. S e S 0 , respectivamente. Do capítulo anterior, conhecemos
as transformações genéricas para a 3-velocidade e γ(v0 ), dadas por:

[v − γ( u)u + (γ( u) − 1)(u · v)u/ u2 ]


v0 = , (77)
γ( u)(1 − u · v/ c2 )

γ(v0 ) = γ( u)γ(v)(1 − (u · v)/ c2 ), (78)


0
Substituindo estes resultados no momento p , resulta:

[v − γ( u)u + (γ( u) − 1)(u · v)u/ u2 ]


p0 = m 0 γ( u)γ(v)(1 − (u · v)/ c2 ) , (79)
γ( u)(1 − u · v/ c2 )
p0 = [ m 0 γ(v)v − m 0 γ(v)γ( u)u + m 0 γ(v)(γ( u) − 1)(u · v)u/ u2 ], (80)

p0 = [p − E γ( u)/ c2 u + (γ( u) − 1)(u · p)u/ u2 ], (81)


onde usamos p = m 0 γ(v)v e E = m 0 γ(v) c2 . A energia da partícula no Ref. S 0 é dada por E 0 = m 0 γ(v0 ) c2 . Substi-
tuindo (78) nesta expressão, temos:

E 0 = m 0 γ( u)γ(v) c2 (1 − (u · v)/ c2 ), (82)


E 0 = γ( u) m 0 γ(v) c2 − m 0 γ(v)(u · v) ,
£ ¤
(83)

E 0 = γ( u)[E − (u · p)], (84)


confirmando os resultados já obtidos. Vemos assim que, partindo das definições cinéticas para as componentes do
3-momento, 3-velocidade, do fator de Lorentz, obtemos as transformações relativísticas para as componentes do

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momento e também para a energia. Certamente, existem diversos caminhos para dedução de tais transforma-
ções.
__________________________
Exemplo resolvido 3: Considere duas partículas, A e B, que possuem 3-momentos p A e pB arbitrários no
Ref. S, conforme ilustração da Fig. (5). (a) Determine o momento da partícula B relativo à partícula A . (b) Tais
partículas possuem energias E A e E B . Determine a energia da partícula B relativa à partícula A . (c) Determine a
velocidade da partícula B relativa à partícula A usando os resultados dos itens (a) e (b). (d) Mostre que a energia
da partícula B relativa à partícula A pode ser escrita na forma invariante (PB · P A )/ m 0 A .

Figura 5: Partículas com momentos p A e pB (do ponto de vista do Ref. S ).

Solução - item (a): Sendo p A e pB os momentos das partículas no Ref.S, devemos determinar o 3-momento
da partícula B no referencial da partícula A (definido quando montamos sobre a partícula A ). Partimos da trans-
formação genérica do momento (75), escrevendo-a para relacionar o 3-momento da partícula B no Ref. S , pB , com
o 3-momento da partícula B no referencial da partícula A, p0B :

E u
p0B = pB − γ
2
u + (γ − 1)(pB · u) 2 , (85)
c u
Considerando agora u = v A e o 3-momento da partícula B no referencial da partícula A, A pB , temos:

EB
A pB = pB − γ A v A + (γ A − 1)(pB · v A )v A /v2A , (86)
c2

onde γ A = γ(v A ). Sabendo que p A = m 0 A γ A v A e E 0 A = m 0 A c2 , resulta:

EB pA
A pB = pB − + (γ A − 1)(pB · p̂ A )p̂ A , (87)
c2 m 0 A
EB
A pB = pB − p A + (γ A − 1)(pB · p̂ A )p̂ A . (88)
E0A

Item (b): Para encontrar a energia relativa, partimos da transformação genérica de energia, dada pela Eq.
(58), observando que E B é a energia da partícula B no Ref. S , e E 0B = ( A E B ) é a energia da partícula B no
referencial da partícula A. No caso, a velocidade relativa entre os dois referenciais é a velocidade da partícula A ,
ou seja, u = v A . Temos assim:

= γ(v A ) E B − (v A · pB ) ,
£ ¤
A EB (89)
Sabemos que pB = vB E B / c2 , resulta:

= γ(v A ) E B − (v A · vB )E B / c2 ,
£ ¤
A EB (90)
2
A E B = γ A E B 1 − (v A · vB )/ c ,
£ ¤
(91)

sendo este o resultado procurado. Escrevendo em função dos momentos, usamos v A = c2 p A /E A , ou seja:

c2 c2
· ¸ · ¸
A EB = γA EB − (p A · pB ) = γ A E B 1 − (p A · pB ) . (92)
EA E A EB

Item (c): Finalmente, é possível calcular a velocidade da partícula B relativa à partícula A usando-se a
fórmula conhecida, v = c2 p/E, no caso escrita como

A vB = c 2 ( A pB ) / A E B . (93)

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Temos então: ³ ´
EB
pB − γ A v + (γ A − 1)(pB · v A )v A /v2A
c2 A
A vB = c2 , (94)
γ A E B 1 − (v A · vB )/ c2
£ ¤

implementando-se a divisão por E B , obtemos:

vB − γ A v A + (γ A − 1)(vB · v A )v A /v2A
¡ ¢
A vB = . (95)
γ A 1 − (v A · vB )/ c2
£ ¤

Este é o mesmo resultado apresentado na Eq. (??) do Cap. 2, o que demonstra a consistência do nosso procedi-
mento.
Item (d): Iniciamos escrevendo os 4-momentos, PB = (E B / c, pB ), P A = (E A / c, p A ). Calculamos a contração
tensorial PB · P A :
PB · P A = E B E A / c2 − (pB · p A ) = E B E A / c2 − (vB · v A )E B E A / c4 ,
£ ¤ £ ¤
(96)
2 2 2
PB · P A = E B E A / c 1 − (vB · v A )/ c = E B m 0 A γ(v A ) 1 − (vB · v A )/ c ,
£ ¤ £ ¤
(97)
o que implica diretamente em
PB · P A
= γ(v A )E B 1 − (vB · v A )/ c2 ,
£ ¤
(98)
m0 A
equivalente à expressão (91), ou seja,
PB · P A
A EB = . (99)
m0 A

__________________________
µ
Exemplo resolvido 4: Considere uma partícula A em um referencial T , onde possui 4-momento T P A . O
referencial T possui 3-velocidade u e 4-velocidade S UT do ponto de vista de um outro observador S . No Ref. S , a
µ
partícula A possui 4-momento S P A . Podemos escrever a energia da partícula relativa ao observador T ou S como
uma contração dos 4-vetores momento e UTα ? Se possível, faça-o, justificando sua resposta matematicamente.
µ µ
Solução: O 4-momento da partícula A no Ref. S é S P A = (E A / c, p A ) , enquanto no Ref. T é T P A = E 0A / c, p0A .
¡ ¢

A 4-velocidade do referencial T é dada por:


S UT = γ( u) ( c, u) . (100)
µ
Propomos a contração dos 4-vetores S P A e UT , ambos definidos no Ref. S :

S P A · (S UT ) = γ( u) E A − u · p A ,
¡ ¢
(101)

que corresponde à E A - energia da partícula A no Ref. T. Escrevemos assim:

TEA = (S P A ) · (S UT ) . (102)
Podemos também fazer a análise da perspectiva do referencial T, que observa o referencial S afastando-se
com velocidade −u. A 4-velocidade de S em relação ao Ref. T é:

T US = γ( u) ( c, −u) .
µ
Fazemos a contração dos 4-vetores T P A e T US , ambos definidos no Ref. T :
¡ 0 0
¡ 0 0
T P A · (T US ) = γ( u) E A − (−u) · p A = γ( u) E A + u · p A ,
¢ ¢
(103)

que corresponde à E A - energia da partícula A no Ref. S. Escrevemos assim:

SEA = (T P A ) · (T US ) . (104)
Conclusão: Tomando a contração dos 4-momento da partícula, P A , e da 4-velocidade do referencial Z , U Z , do
ponto de vista de quem enxerga esse referencial Z em movimento, encontraremos a energia da partícula no
próprio referencial Z.

5 Equivalência entre massa e energia


A equivalência entre massa e energia estabelecida pela fórmula E = mc2 constitui uma mudança essencial do
nosso entendimento da natureza. São diversos os fenômenos físicos que envolvem a transformação entre energia
e massa (e vice-versa), que não podem ser entendidos dentro do cenário newtoniano, mas foram adequadamente
explicados sob a lógica da conversabilidade massa-energia. Neste sentido, a dinâmica relatívistica descortinou
um admirável mundo novo, que é base dos processos fundamentais entre partículas elementares.

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5.1 Energia de ligação


Uma das aplicações mais evidentes da conversibilidade entre massa e energia é a chamada energia de ligação
entre partículas ou constituintes atômicos, que precisa ser contabilizada no cômputo da massa da partícula final,
núcleos ou átomos. Neste sentido, a energia total do sistema formado será a soma das energias individuais dos
constituintes com a energia de ligação entre tais elementos, ou seja,

E total = ( m 01 + m 02 + ... + m 0 j + ... + m 0 N ) c2 + ∆E l i g , (105)


de modo que E total do sistema já constituído é menor que a soma das massas de repouso das partes, uma vez que
∆E l i g < 0 (a energia de ligação é sempre negativa):

E total = ( m 01 + m 02 + ... + m 0 j + ... + m 0 N ) c2 − ¯∆E l i g ¯ .


¯ ¯
(106)

E total < ( m 01 + m 02 + ... + m 0 j + ... + m 0 N ) c2 . (107)


A fórmula (106) cumpriu papel bastante interessante ao longo do século XX, permitindo elucidar questões
científicas de primeira grandeza, como por exemplo a natureza do nêutron como partícula elementar. Ocorre que
após a descoberta do nêutron por James Chadwick (1932), não se sabia se o nêutron seria partícula elementar ou
composta. O próprio Chadwick declarou em 1932:
“É claro que é possível supor que o nêutron é uma partícula elementar. Mas não há presentemente muitas
evidências para apoiar esta visão, exceto pela possibilidade de explicar a estatística de núcleos como N 14 .”
A ideia de uma partícula neutra composta por um elétron e um próton foi proposta por Rutherford por volta de
1920. Incorporando esta ideia, Heisenberg propôs uma teoria de troca, em que nêutrons se transformariam
em prótons e prótons em nêutrons através da perda ou ganho de um elétron, respectivamente. Neste cenário,
haveria alguns elétrons no interior do núcleo atômico que ficariam sendo trocados entre prótons e nêutrons,
gerando a conversão próton-nêutron ou nêutron-próton. Essa interação de troca manteria o núcleo estável. Se a
teoria de Heisenberg estivesse correta, a energia de repouso total do nêutron (enquanto partícula composta
constituída) seria dada por:

m 0 n c 2 = ( m 0 p c 2 + m 0 e c 2 ) + ∆ E l i g = ( m 0 p c 2 + m 0 e c 2 ) − ¯∆ E l i g ¯ ,
¯ ¯
(108)

o que implica na seguinte relação para a massa de repouso do nêutron:

m 0 n = ( m 0 p + m 0 e ) + ∆ E l i g / c 2 = ( m 0 p + m 0 e ) − ¯∆ E l i g ¯ / c 2 ,
¯ ¯
(109)
ou seja,
m 0n < ( m 0 p + m 0 e ), (110)
uma vez que ∆E l i g < 0. Por volta de 1934, Chadwick e Goldhaber realizaram experimentos usando raios gamma
para quebrar um núcleo de 2 H (deutério), conseguindo mostrar que a massa do nêutron era cerca de 0.08% maior
que a soma da massa do próton com a massa do elétron, ou seja, m 0(n) = 1.0008( m 0( p) + m 0( e) ). Esse experimento
jogou por terra a teoria do nêutron composto de Heisenberg, evidenciando que o nêutron deveria ser uma
partícula elementar. Os valores atuais das massas de repouso do nêutron, próton e elétron são:

m 0(n) = 939.573 M eV / c2 , m 0( p) = 938.280 M eV / c2 , m 0( e) = 0.511003 M eV / c2 . (111)

Portanto: ( m 0( p) + m 0( e) ) = 938.791 M eV / c2 , ou seja,


m 0(n)
= 1.00083, (112)
( m 0( p) + m 0( e) )

o que confere com o resultado experimental de Chadwick e Goldhaber.

6 O 4 –vetor força e 3-força relativística


O conceito de 4-força na TRR corresponde à generalização da idéia de força no âmbito de um espaço quadri-
dimensional. Trata-se da mesma generalização em forma de 4-vetor já adotada para outras grandezas, tais
como posição, velocidade, aceleração, energia e momento, agora¡ sendo realizada para força e potência, que são os
elementos do 4-vetor força (4-força). Por definição, a 4-força F λ é dada pela variação do 4-momento em relação
¢

ao tempo próprio (pelas razões já conhecidas), ou seja:

dP λ d λ
Fλ = → Fλ = γ P , (113)
dτ dt

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onde o 4-momento P α = m 0U α está dado pela Eq. (49), ou simplesmente: P µ = ( mc, p), sendo p = mv o 3-momento
relativístico. Partindo da definição, escrevemos:

d dm d p dm
µ ¶ µ ¶
µ
F = γ ( mc, p) = γ c , =γ c ,f , (114)
dt dt dt dt
onde f = d p/ dt é a 3-força relativística, que é o análogo relativístico da força newtoniana, sendo dada por

f = d ( mv)/ dt = mv̇ + ṁv. (115)

A eq. (114) pode também ser lida na forma

1 dE
µ ¶
µ
F =γ , f = γ ( ṁc, f ) , (116)
c dt
onde E é a energia relativística (E = mc2 ). A componente-zero deste 4-vetor, dE / dt, corresponde à variação da
energia no tempo (potência), ou a taxa com que a 3-força ( f ) transfere energia para a partícula. Este termo pode
ser facilmente calculado:

d
Ė = ( m 0 γ c2 ) = m 0 c2 γ̇ → Ė = m 0 γ3 (v · a), (117)
dt
onde usamos Ė = dE / dt, e
γ̇ = γ3 (v · a)/ c2 . (118)

Veremos mais à frente que o termo Ė equivale ao produto escalar da 3-força com a 3-velocidade, f · v (potência).
Observe que a definição de 4-força genericamente contempla até mesmo a possibilidade de variação da massa
de repouso no tempo. Partindo da definição, F λ = d ( m 0U λ )/ d τ, temos:

dU λ dm 0
F λ = m0 +Uλ . (119)
dτ dτ
O fato da massa de repouso m 0 ser um invariante de Lorentz (apresentar o mesmo valor em todos os referenci-
ais inerciais) não impede que tal quantidade possa sofrer variação em alguns processos, variação esta
atrelada à mudança da energia interna das partículas ou das partes do sistema considerado. Uma quantidade
Lorentz-invariante pode sim sofrer variação ao longo do tempo. A única restrição é que a variação tem que ocorrer
de tal forma que a quantidade continue apresentando o mesmo valor em todos os referenciais inerciais.
Durante uma colisão elástica frontal de duas partículas iguais, por exemplo, as mesmas são levadas ao re-
pouso no instante exato do choque, quando a energia cinética é totalmente (e momentaneamente) transformada
em energia potencial elástica, vinculada à deformação dos corpos colidentes. No instante que a superfície está
deformada, tais corpos estão em repouso (K R = 0). Portanto, o incremento na energia potencial implica na verdade
num aumento de energia interna e, conseqüentemente, da massa de repouso ( m 0 ). Temos assim um exemplo em
que dm 0 / dt 6= 0 ao longo do processo. Observe que, imediatamente após o choque frontal, a superfície dos corpos
reassume a forma original, com a transformação de energia potencial de deformação (energia interna) novamente
em energia cinética. Conseqüentemente, a massa de repouso reassume seu valor inicial. Este é um exemplo típico
de colisão elástica em que ocorre variação de m 0 durante um pequeno lapso de tempo, mas ao final, a massa de
repouso reassume seu valor original. Em colisões inelásticas, porém, a variação de m 0 é permanente, sendo verifi-
cada no final do processo. Por razões didáticas, é conveniente separar o estudo da 4-força e da 3-força relativística
em dois casos: quando a massa de repouso é constante no tempo ( dm 0 / dt = 0), quando a massa de repouso varia
no tempo ( dm 0 / dt 6= 0).

6.1 Forças puras: a massa de repouso não varia no tempo ( dm 0 / dt = 0).


Neste caso, a 4-força pode ser definida em termos da 4-aceleração, A µ , de fato:

d µ
F µ = m0 U = m0 A µ , (120)

onde A µ = dU λ / d τ é a 4-aceleração, dada por A µ = γ( cγ̇, γ̇v + γa). Substituindo este resultado na eq. (120),
acarreta:

F µ = m 0 γ(v)( cγ̇, γ̇v + γa) = γ(v)( m 0 γ̇ c, m 0 γ̇v + m 0 γa) = γ(v) ( c ṁ, ṁv + ma) , (121)

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onde usamos ṁ = m 0 γ̇. Igualando esta expressão com Eq. (114), temos:

F µ = γ(v) ( c ṁ, ṁv + ma) = γ(v) ( c ṁ, f ) , (122)

o que fornece a seguinte expressão da 3-força relativística:

f = ma + m 0 γ̇v. (123)
Fazendo-se uso da derivada (118), obtemos

ṁ = m 0 γ̇(v) = mγ2 (v · a)/ c2 . (124)

Substituindo este resultado na Eq. (123), resulta:

f = ma + m 0 γ3 (v · a)v/ c2 → f = ma + mγ2 (v · a)v/ c2 . (125)


Portanto, considerando dm 0 / dt = 0, a 3-força relativística apresenta uma componente na direção da 3-aceleração
(a) e outra na direção da 3-velocidade (v). Vemos assim que a 3-força relativística ( f ), em geral, não é paralela
à aceleração, embora possa resultar paralela à aceleração em alguns casos particulares (a serem especificados
adiante).
É possível escrever o termo mγ2 (v · a) numa outra forma, para isto tomamos o produto escalar da 3-força pela
3-velocidade, f · v, dado a seguir:

( f · v) = m(v · a) + mγ2 (v · a)v2 / c2 = m(v · a) 1 + γ2 v2 / c2 ,


¡ ¢
(126)

( f · v) = mγ2 (v · a), (127)


quantidade que corresponde à potência realizada pela 3-força sobre o sistema. Na obtenção da Eq. (127), usamos:

1 + γ2 v2 / c2 = γ2
¡ ¢
(128)

De posse do resultado (127), a 3-força pode ser reescrita na forma:

f = ma + ( f · v) v/ c2 , (129)
enquanto a variação temporal da massa e energia relativísticas são lidas como:

ṁ = ( f · v) / c2 → Ė = ( f · v). (130)
Com tais resultados, 4-força é reeditada na forma
µ
f ·v

β
F = γ(v) ,f . (131)
c
Vale ressaltar que os resultados acima foram obtidos para o caso em que a 3-força, f , não produz alteração da
massa de repouso ( dm 0 / dt = 0). Neste caso, a 3-força é chamada de força pura (“pure force”). No caso da força
ser pura, ṁ 0 = 0 ou m 0 = cte, temos F λ = m 0 A λ , o que implica em

F αUα = 0, (132)

sendo este último resultado decorrente diretamente do fato A αUα = 0, já estabelecido no estudo dos 4-vetores
velocidade e aceleração, no Cap. [3].
As eqs. (123), (125) e (129) indicam que as relações entre força e aceleração na TRR não são mais triviais como
no caso newtoniano, tendo como primeira conseqüência o fato de força e aceleração não serem mais paralelas. Tais
relações poderiam ensejar a possibilidade de uma situação absurda: a existência de aceleração (a 6= 0) na ausência
de força ( f = 0). Entretanto, da eq. (125) vemos que a força é nula quando a aceleração é nula. Ademais, a eq.
(129) permite expressar a aceleração em termos da 3-força,

1 £
f − ( f · v) v/ c2 ,
¤
a= (133)
m
estipulando que a aceleração (a = 0) seja nula quando a força é nula ( f = 0). Portanto, na ausência de força
inexiste aceleração e vice-versa. Do mesmo modo, podemos afirmar que quando existe aceleração, há
força.

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• Conservação do 4-momento: Importante acrescentar que a conservação do 4-momento de uma partícula


ocorre na ausência de forças externas ou mais precisamente, na ausência de 4-força.¡ Lembrando que F λ =
λ λ λ β 1
dP / d τ, decorre P = cte quando F = 0. No caso em que ṁ 0 = 0, em que vale F = γ c f · v, f , na ausência
¢

de forças externas ( f = 0), a 4-força também é nula (F λ = 0), o que implica na conservação do 4-momento:

dP µ
= 0 → P µ = cte. (134)

É ainda relevante mencionar que P µ = (E / c, p) = cte implica em duas quantidades conservadas: energia
relativística (E = cte) e momento relativístico (p = cte). Portanto, a conservação de energia e momento na
dinâmica relativística pode ser tratada conjuntamente através da conservação do 4-momento, estando defi-
nido na ausência da 3-força relativística ( f = 0).

6.2 Movimento sob ação de força relativística


No movimento de uma partícula sob ação da força relativística, pode ocorrer de haver aceleração numa deter-
minada direção do espaço mesmo quando a força naquela direção é nula, e vice-versa. A expressão da força
relativística, f i = ma i + mγ2 (v · a) v i / c2 , permite antever um resultado bastante interessante: na dinâmica relati-
vística é possível ter aceleração numa determinada direção em que não há força aplicada. Observe que se f i = 0,
temos: a i = −γ2 (v · a) v i / c2 . Esta componente a i será não nula sempre que o produto escalar (v · a) e a componente
de velocidade v i forem também não nulos. Uma situação em que isto ocorre é quando uma partícula desloca-se ao
longo de uma direção e sofre ação de força na direção ortogonal. Um exemplo concreto é a partícula deslocando-se
ao longo
¡ do eixo-x (v ¢ x 6= 0), sob ação de uma força paralela ao eixo- y, que cria aceleração e velocidade ao longo deste
eixo a y 6= 0, v y 6= 0 , o que assegura (v · a) 6= 0. Neste caso, surge uma aceleração negativa (desaceleração) ao longo
do eixo-x (a x < 0) , eixo em que não há força aplicada, desde que v x 6= 0 (movimento precisa ser bidimensional).
Esta situação, específica da dinâmica relativística, será discutida em mais detalhes nas seções seguintes.
Um dos primeiros estudos a examinar a relação intrincada entre força e aceleração na dinâmica relativística
foi realizado por Tolman, em 1911,7 que investigou a condição para haver aceleração apenas em um eixo quando
a força aplicada é bidimensional. Para entender melhor esta questão, vamos iniciar examinando a situação em
que se aplica força em uma dada direção ê, ou seja, f = | f | ê. Neste caso surge aceleração neste eixo, o que
gera aumento do módulo da velocidade longitudinal, vk = (v · ê)ê, crescimento da massa e também do momento
relativístico longitudinal. Neste cenário, podem ocorrer duas situações distintas:

(1) Movimento unidimensional acelerado: se a velocidade da partícula é confinada ao eixo da força, v = (vk , 0),
o movimento resulta unidimensional, reproduzindo o padrão acelerado hiperbólico já estudado.

(2) Movimento bidimensional acelerado: se a velocidade da partícula é inicialmente bidimensional, v = (vk , v⊥ ),


a força aplicada no eixo longitudinal, f = | f | ê ou f = ( f , 0), gera aceleração nos eixos longitudinal e
ortogonal. No eixo ê⊥ (ortogonal a ê), em que não há força aplicada, o 3-momento é designado por

p⊥ = m 0 γ(v)v⊥ , (135)

sendo esta uma quantidade conservada (uma vez que não há força neste eixo): p⊥ = cte. À medida que a
velocidade vk cresce, em decorrência da ação da força, cresce o fator de Lorentz,

¤−1/2 h i−1/2
γ(v) = 1 − v2 / c2 = 1 − (v2⊥ + v2k )/ c2
£
. (136)

Como p⊥ = cte, a velocidade v⊥ precisa descrescer, o que implica na existência de uma aceleração (negativa)
nesta direção, a⊥ . Portanto, para uma força f = | f | ê, ocorre aceleração nos eixos longitudinal e ortogonal a
ê, ou seja, a = (ak , a⊥ ) 6= 0, desde que a velocidade inicial tenha uma componente ortogonal à força aplicada,
ou seja, v0 = (v0k , v0⊥ ) 6= 0.

Há situações, também, em que pode ocorrer força aplicada em dois eixos, f = ( f x , f y ), e aceleração apenas em
1 eixo, tal como observado por Tolman,7 .8 Para caracterizá-las, tomemos as componentes x e y da 3-força (125):

f x = ma x + mγ2 (v x a x + v y a y )v x / c2 , (137)
2 2
f y = ma y + mγ (v x a x + v y a y )v y / c . (138)

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Supondo-se uma força aplicada bidimensional, f = ( f x , f y ), quando há aceleração apenas no eixo-y, a x = 0, a y 6= 0,


ocorre:
f x = mγ2 (v y v x )a y / c2 , f y = m[1 + γ2 v2y / c2 ]a y , (139)
que conduz à seguinte razão:

fx γ2 v y v x / c2 γ2 v y v x / c2 γ2 v y v x / c2 v y vx
= = = = , (140)
f y 1 + γ2 v y / c2 1 + (v y / c2 )(1 − v x / c2 − v y / c2 )−1 γ2 (1 − v x / c2 ) c2 − v2x
2 2 2 2 2

estabelecida para assegurar a x = 0, a y 6= 0, com força aplicada em ambos os eixos, f = ( f x , f y ). Note que aqui
vale γ2 = 1/(1 − v2x / c2 − v2y / c2 ).
Caso esta condição não seja satisfeita, ocorre aceleração em dois eixos. É importante destacar, como já colocado,
que mesmo para forças unidirecionais, tais como f = (0, f y ), pode ocorrer aceleração em dois eixos, dependendo do
alinhamento inicial entre a força e a aceleração. Este fenômeno ainda será estudado em mais detalhes.

6.3 Direção entre a 3-força pura, 3-velocidade e 3-aceleração


Em geral, a 3-força ( f ) é um vetor que aponta numa direção intermediária entre a 3-velocidade (v) e 3-aceleração
(a), não sendo mais necessariamente paralelo à 3-aceleração. Esta é uma conseqüência direta do fato da parte
espacial do 4-vetor aceleração, A µ , também não ser paralelo à 3-aceleração (a), A = γa+γ3 (v · a)v/ c2 , o que também
fica claro à luz das expressões (115) ou (123) para a 3-força relativística.
É possível mostrar que a 3-força forma um ângulo sempre agudo com a 3-aceleração. Para tanto, tomemos o
produto escalar da Eq. (129) com a 3-força,

f = ma + ( f · v) v/ c2 , (141)

f 2 = m(a · f ) + ( f · v)2 / c2 → f 2 − m(a · f ) = ( f · v)2 / c2 . (142)


Sabemos que ( f · v)2 / c2 < f 2 v2 / c2 < f 2 , o que leva à desigualdade f 2 − m(a · f ) < f 2 , ou simplesmente

(a · f ) > 0. (143)

Se então concluímos que cos φ > 0, ou seja,


− π/2 < φ < π/2, (144)
o ângulo entre a e f é agudo. Da Eq. (142), obtemos ainda

| f | [1 − (v2 / c2 )cos2 θ ] = m |a| cos φ. (145)

Da igualdade (127), lemos


| f | cos θ = mγ2 |a| cos σ, (146)
que mostra uma dependência interessante entre os ângulos θ e σ. Quando cos θ > 0, valerá cos σ > 0, e cos σ < 0
quando cos θ < 0, o que evidencia que velocidade e aceleração formando ângulo agudo (obtuso) implica em força e
acelereação formando ângulo agudo (obtuso). Considerando a Eq. (129), há dois cenários de configuração geomé-
trica para os 3 vetores, f , a, v : (a) aceleração e velocidade formando ângulo agudo, 0 < σ < π/2; neste caso, (v · a) > 0
e, observando-se Eq. (125), percebemos que a força f é a soma de dois vetores que apontam nos sentidos de a e
v, estando disposta entre ambos. Vide Fig. (6a). (b) aceleração e velocidade formando ângulo obtuso, π/2 < σ < π;
neste caso, a força será dada pela soma de dois vetores que apontam nos sentidos de a e −v, e não estará disposta
entre a e v mais. Vide Fig. (6b). Observe que em ambos casos, a força forma um agudo com a aceleração (−π/2 <
φ < π/2).
Tomemos o produto escalar da Eq. (129) com a 3-aceleração, temos:

f · a = ma2 + ( f · v) (v · a)/ c2 , (147)


| f | cos φ = m |a| + | f | |v|2 cos θ cos σ/ c2 , (148)

m |a|
|f | = £ ¤. (149)
cos φ − |v|2 cos θ cos σ/ c2
Substituindo a Eq. (149) na expressão Eq. (145), resulta:
2
m |a| [1 − (v2 / c2 ) cos θ ]
¤ = m |a| cos φ, (150)
cos φ − (|v|2 / c2 ) cos θ cos σ
£

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Figura 6: Ângulos entre os vetores f , a, v nas duas configurações espaciais possíveis.

[1 − β2 cos2 θ ]
cos φ = £ ¤, (151)
cos φ − β2 cos θ cos σ

onde β2 = v2 / c2 . Sabemos que σ = (θ + φ) para o caso em que a força está entre v e a, vide Fig. (6a), e σ = (θ − φ)
para o caso em que a força não está entre v e a, vide Fig. (6b). Usando cos σ = cos θ cos φ ± sin θ sin φ, obtemos:

1
sin2 φ[1 − β2 cos2 θ ] = ± β2 sin φ cos φsin 2θ , (152)
2
(β2 sin 2θ )/2 β2 tan θ
tan φ = ± → tan φ = ± £ ¤. (153)
[1 − β cos θ ]
2 2 1 − β2 + tan2 θ

A expressão acima, obtida na Ref.,10 mostra que teremos φ = 0 (força paralela à aceleração) apenas quando
θ = 0 ou θ = π/2. Essa expressão é também compatível com −π/2 < φ < π/2, ângulo entre força e aceleração agudo.
Essas duas possibilidades de configuração serão estudadas na próxima seção em maiores detalhes.

6.4 Casos em que a 3-força pura resulta paralela à 3-aceleração


Em 1911, Tolman também observou a existência de duas situações em que força e aceleração permanecem pa-
ralelas:8 (i) quando a força é aplicada longitudinalmente à direção do movimento ( f ∥ v), (ii) quando a força é
aplicada ortogonalmente à direção da velocidade ( f ⊥v), descrevendo um movimento circular. Em ambas situa-
ções, a configuração geométrica inicial é preservada no tempo: a 3-força permanece paralela à 3-aceleração
enquanto o movimento evolui, sendo tais situações ilustradas na Fig.(7). Tomaremos como ponto de partida para
esta investigação as eqs. (125) e (129) para a força pura.

Figura 7: Ilustração das duas situações em que a 3-força permanece paralela à aceleração.

Situação 1: A força é aplicada paralelamente à velocidade ( f //v), tal como ilustrado na Fig. (7-a). Nesta
situação, temos também: a//v , uma vez que f , a, v são colineares.
Neste caso, vale: v · a = v |a| , v = vâ = va/ |a|. Substituindo estas expressões na Eq. (125), temos: f = ma +
mγ2 (v · a)v/ c2 .

va 1
f = ma + mγ2 (v |a|) = ma 1 + γ2 v2 / c2 = mγ2 a,
¡ ¢
(154)
|a| c2
onde usamos a Eq. (??). Encontramos o resultado:

f = mγ2 a → f k = m k ak , (155)

sendo f k a chamada força longitudinal (por ser aplicada na direção da velocidade v), e ak é a aceleração
longitudinal, dada por ak = (v · a)â/v, e m k é a massa longitudinal, dada por:

20
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m k = m 0 γ3 . (156)
A massa longitudinal corresponde à massa inercial que a partícula apresenta ao ser solicitada por uma força
paralela à sua velocidade. Na dinâmica relativística, a inércia (massa) do corpo depende da direção em que a força
é aplicada sobre o mesmo (em relação à velocidade).
Situação 2: A força é aplicada ortogonalmente à velocidade, f ⊥ v, tal como ilustrado na Fig. (7-b).
Neste caso, temos: f · v = 0, o que reduz a Eq. (129) simplesmente a f = ma. Portanto, a lei de força pode ser
lida na forma,

f ⊥ = m ⊥ a⊥ , (157)
onde f ⊥ é a força transversa, a⊥ é a aceleração transversal, e definimos também a massa transversa,

m ⊥ = m 0 γ, (158)
que representa a massa inercial da partícula ao ser solicitada por uma força ortogonal a sua velocidade v.
Observe que sempre vale,
mk > m⊥ , (159)
indicando que os efeitos inerciais são maiores quando a 3-força é aplicada na direção da velocidade, ou seja, o
corpo exibe maior massa quando solicitado por uma força longitudinal a sua velocidade. Significa que "custa"mais
acelerar um corpo ao longo do eixo do seu movimento que na direção transversal ao mesmo.

6.5 Forças não puras - A massa de repouso varia no tempo [ dm 0 / dt 6= 0]


No caso das forças de ação e reação, que atuam durante uma colisão frontal, estas não são exemplos de forças
puras, uma vez promovem a variação temporal da massa de repouso (mesmo que momentaneamente). São deno-
minadas de forças impuras (“impure force”), estando a princípio dadas da mesma forma,

f np = ma + ṁv. (160)

Nesta situação, temos:


dm d
= ( m 0 γ) = ṁ 0 γ + m 0 γ̇. (161)
dt dt
Com isto, as expressões (130) são reescritas na forma:

ṁ = ṁ 0 γ + mγ2 (v · a)/ c2 → Ė = ṁ 0 γ c2 + mγ2 (v · a). (162)


A variação temporal da energia relativística agora engloba também um termo proporcional a ṁ 0 , além do antigo
termo de potência mγ2 (v · a). Substituindo a variação temporal da massa na expressão da 3-força (160), temos

f np = ma + [ ṁ 0 γ + m 0 γ3 (v · a)/ c2 ]v, (163)


2 2
f np = ( ma + mγ (v · a)v/ c ) + ṁ 0 γv, (164)
| {z }
f pure

ou seja,

f np = f pure + ṁ 0 γv. (165)

Tomando o produto escalar f · v, agora obtemos: ( f np · v) = ( f pure · v) + γ ṁ 0 v2 , ou melhor,

( f np · v) = m(v · a)γ2 + ṁ 0 γv2 , (166)


onde usamos o resultado (127). Substituindo este último resultado na eq. (??), temos:

Ė = γ c2 ṁ 0 + f np · v − ṁ 0 γv2 , (167)

resultado que pode ser rearranjado como:

¢ ṁ 0 c2
Ė = f np · v + ṁ 0 γ( c2 − v2 ) →
¡ ¢ ¡
Ė = f np · v + . (168)
γ

21
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¡ ¢
A eq. (168) indica que a variação da energia relativística Ė é dada agora por dois termos: um correspondente
à potência dissipada pela força impura (via alteração da velocidade da partícula) e outro associado à variação da
massa própria. Isto obviamente reflete o fato de que parte do efeito da força f np sobre a partícula é alterar a sua
massa de repouso.
Para uma partícula com 4-velocidade U α , submetida à ação de uma 4-força impura, F µ , podemos calcular a
seguinte contração tensorial, F αUα . Usamos a definição de 4-velocidade U α = γ( c, v) e a definição de 4-força dada
pela Eq. (114), resulta:

µ ¶
Fµ = γ , f np , (169)
c

ṁ 0 c2
F αUα = γ2 Ė − f np · v = γ2
¡ ¢
, (170)
γ
o que leva
F αUα = γ ṁ 0 c2 , (171)
quando usamos a Eq.(168). Observe que a eq. (171) reproduz o resultado obtido no caso da força pura, F αUα = 0,
para m 0 = cte. Vale destacar que a Eq. (171) aparentemente não representa um escalar de Lorentz, uma vez
que o fator de Lorentz, γ, depende da velocidade. Entretanto, é possível mostrar que esta quantidade é de fato
Lorentz-invariante, uma vez que

d d τ dm 0 1 dm 0 dm 0
µ ¶ µ ¶
γ ṁ 0 = γ m 0 = γ =γ = , (172)
dt dt d τ γ dτ dτ

sendo vista como a razão entre dois invariantes de Lorentz.

7 Transformações relativísticas genéricas para 3-força e potência


A maneira mais direta de se obter as transformações de 3-força ( f ) e potência ( f · v) é através da transformação
de Lorentz para a 4-vetor força, F µ , a exemplo que já foi feito para o 4-momento. Considere agora uma dada
partícula A, com 3-velocidade v0 (medida pelo referencial S 0 ), e sob ação uma 3-força f 0 , conforme a Fig. (8).

Figura 8: Partícula A deslocando-se com velocidade v0 sob ação da 3-força f 0

Vamos agora escrever o 4-vetor força que atua sobre a partícula do ponto de vista dos referenciais S 0 e S :

1
µ ¶
F 0µ = γ(v0 ) f 0 · v0 , f 0 , (173)
c
1
µ ¶
F µ = γ(v) f · v, f , (174)
c

onde v, v0 é a velocidade da partícula A medida nos Ref. S e S 0 . A transformação de Lorentz para 4-vetor força é
µ0 µ0
escrita na forma usual, F 0µ = Λν F ν , onde Λν é a matriz de Lorentz genérica. Escrevemos assim:

γ v0 ¡( f ¢· v)0 / c γ −γ u x / c −γ u y / c −γ u z / c γ (v) ( f · v) / c
 ¡ ¢    
 γ ¡v0 ¢ f x0   −γ u x / c 1 + (γ − 1) u2x / u2 (γ − 1) u x u y / u2 (γ − 1) u x u z / u2   γ (v) f x 
,
= (175)
(γ − 1) u x u y / u2 1 + (γ − 1) u2y / u2 (γ − 1) u z u y / u2  
 
 γ v0 f y0   −γ u y / c γ (v) f y 
γ v0 f z0 −γ u z / c (γ − 1) u x u z / u2 (γ − 1) u y u z / u2 1 + (γ − 1) u2z / u2 γ (v) f z
¡ ¢

onde γ = γ( u). Iniciamos fazendo a multiplicação matricial para a componente-zero da 4-força,

γ v0 ( f · v)0 / c = γ( u)γ (v) ( f · v) / c − γ( u)γ (v) f x u x / c − γ( u)γ (v) f y u y / c − γ( u)γ (v) f z u z / c,


¡ ¢

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γ v0 ( f · v)0 = γ( u)γ (v) [( f · v) − ( f · u)] .


¡ ¢
(176)
Usando-se a expressão (78), γ v0 = γ( u)γ (v) (1 − u · v/ c2 ), resulta
¡ ¢

( f · v) − ( f · u) f · (v − u)
( f · v)0 = → ( f · v)0 = . (177)
(1 − u · v/ c2 ) (1 − u · v/ c2 )

onde ( f · v)0 = f 0 · v0 . Esta é transformação relativística para potência dissipida pela 3-força f .
Realizando a multiplicação matricial para a componente- x da 3-força,

γ v0 f x0 = −γu u x γ (v) ( f · v) / c2 + γ (v) f x + (γu −1) u2x f x γ (v) / u2 + (γu −1) u x u y f y γ (v) / u2 + (γu −1) u x u z f z γ (v) / u2 , (178)
¡ ¢

γ v0 f x0 = γ (v) f x − γ u x γ (v) ( f · v) / c2 + (γ − 1) u x γ (v) ( f · u)/ u2 ,


¡ ¢
(179)
γ v0 f x0 = γ (v) f x − γ( u) u x ( f · v) / c2 + (γu −1) u x ( f · u)/ u2 .
¡ ¢ £ ¤
(180)

Usando-se a expressão (78), resulta

1
f 0x = f x − γu ( f · v) u x / c2 + (γu − 1)( f · u) u x / u2 .
£ ¤
(181)
γu (1 − u · v/ c )
2

Analogamente, obtemos para as componentes y e z:

1
f 0y = f y − γu ( f · v) u y / c2 + (γu − 1)( f · u) u y / u2 ,
£ ¤
(182)
γu (1 − u · v/ c )
2

1
f 0z = f z − γu ( f · v) u z / c2 + (γu − 1)( f · u) u z / u2 .
£ ¤
(183)
γu (1 − u · v/ c )
2

Estas três transformações acima são componentes da seguinte expressão vetorial:

1 γu
· ¸
u
f0= f − ( f · v)u + ( γ u − 1)( f · u) , (184)
γu (1 − u · v/ c2 ) c2 u2

que é a transformação relativística genérica para a 3-força.

__________________________
Exemplo resolvido 6: Obtenha as transformações de 3-força e potência na situação em que o movimento
relativo ocorre ao longo do eixo- x, ou seja, u = u x̂.

Solução: Partimos das transformações genéricas (177, 181, 182, 183). No caso em que u = u x̂ ou u = ( u, 0, 0),
temos (u · v) = uv x , ( f · u) = f x u. Substituindo estes produtos escalares nas transformações de potência e 3-força, e
fazendo algumas simplificações,obtemos facilmente:

( f · v) − ( f · u) ( f · v) − u f x
( f · v)0 = → ( f · v)0 = . (185)
(1 − u · v/ c2 ) (1 − uv x / c2 )

f x − γu ( f · v) u x / c2 + (γu − 1)( f · u) u x / u2 f x − γu u ( f · v) / c2 + (γu − 1) f x f x − u ( f · v) / c2


£ ¤
f 0x = → f x0 = → f 0
x = ,
γu (1 − u · v/ c2 ) γu (1 − uv x / c2 ) (1 − uv x / c2 )
(186)

f y − γu ( f · v) u y / c2 + (γu − 1)( f · u) u y / u2 0 fy
f 0y = → fy = ¢, (187)
γu (1 − u · v/ c2 ) γu 1 − uv x / c2
¡

f z − γu ( f · v) u z / c2 + (γu − 1)( f · u) u z / u2 0 fz
f 0z = → fz = . (188)
γu (1 − u · v/ c2 ) γu (1 − uv x / c2 )

As transformações reversas de força e potência estão dadas por:

f y0
( )
( f · v)0 + u f x0 f x0 + u( f · v)0 / c2 f z0
£ ¤
( f · v) = , fx = , fy = , fz = . (189)
(1 + uv x / c2 ) (1 + uv x / c2 ) γu (1 + uv x / c2 ) γu (1 + uv x / c2 )
__________________________

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Exemplo Resolvido 7: (a) Mostre que podemos obter as transformações genéricas para a 3-força, partindo-
se da definição f = d p/ dt, sendo u a velocidade relativa entre os referenciais. (b) Demonstre o mesmo para a
potência, ( f · v).

Solução (a): podemos escrever a 3-força no Ref. S como f = d p/ dt, enquanto no Ref. S 0 vale f 0 = d p0 / dt0 .
Sabendo-se que d p0 / dt0 = ( d p0 / dt)( dt/ dt0 ), e usando o resultado (63), temos:

d p0 dt d p0 dt d E
· ¸
0 2
= → f = 0 p − γu 2 u + (γu − 1)(p · u)u/ u , (190)
dt0 dt0 dt dt dt c

dt
· ¸
u 2
f0= f − γ u 2 Ė + ( γ u − 1)( f · u)u/ u , (191)
dt0 c

onde foi usado f = ṗ, f · v = Ė. Lembrando que dt/ dt0 = [γu (1 − u · v/ c2 )]−1 , resulta

1 γu
· ¸
u
f0= f − ( f · v)u + ( γ u − 1)( f · u) . (192)
γu (1 − u · v/ c2 ) c2 u2

Solução (b): Interessante também é calcular a transformação da potência, dada no Ref. S como ( f · v), e no
Ref. S 0 como ( f · v)0 . Para tanto, tomamos o produto escalar da 3-força f 0 com a 3-velocidade v0 à esquerda e à
direita, na expressão (192), tendo o cuidado de usar a expressão generalizada para transformação de 3-velocidade,
dada na Eq. (??), do lado direito. Temos assim:

1 γu (γu − 1)
· ¸ · ¸
2
f 0 · v0 = f− ( f · v)u + (γ u − 1)( f · u)u/ u · v − γ u u + (u · v)u . (193)
γ2u (1 − u · v/ c2 )2 c2 u2

Escrevemos explicitamente o numerador ( N ) como uma soma de 9 termos:

(γu − 1) γu γ2 γu (γu − 1)
N = f · v − γu ( f · u) + 2
(u · v) ( f · u) − 2 ( f · v) (u · v) + 2u ( f · v)u2 − 2 (u · v)( f · v)u2
u c c c u2
(γu − 1) γu (γu − 1) 2 (γu − 1)2
+ ( f · u)(u · v) − ( f · u)u + ( f · u)(u · v)u2 , (194)
u2 u2 u4

que pode ser bastante simplificado com alguma álgebra:

γu γu (γu − 1)
· ¸
N = f · v − γu + γu (γu − 1) ( f · u) − 2 +
£ ¤
(u · v)( f · v)+
c c2
(γu − 1) (γu − 1)2 (γu − 1) γ2
· ¸
2
+ 2
+ 2
(u · v) ( f · u) + 2u ( f · v)u2 , (195)
u u u c

γ2u (γ2u − 1) γ2u u2


N = f · v − γ2u f · u − (u · v)( f · v) + (u · v) ( f · u) + ( f · v). (196)
c2 u2 c2
Simplificando ainda mais, encontramos

γ2 (γ2 − 1)
N = γ2u ( f · v) − 2u (u · v)( f · v) + u 2 (u · v) ( f · u) − γ2u ( f · u) , (197)
· c u·
(u · v) (u · v)
¸ ¸
2 2
N = γu ( f · v) 1 − − γ u ( f · u) 1 − , (198)
c2 c2
N = γ2u [ f · v − f · u] 1 − (u · v)/ c2 = γ2u f · (v − u) 1 − (u · v)/ c2 ,
£ ¤ £ ¤
(199)

onde usamos a identidade (??) e (γ2u − 1)/ u2 = γ2u / c2 . Substituindo o numerado N na Eq. (193), encontramos a
transformação procurada:

γ2u f · (v − u) 1 − (u · v)/ c2
£ ¤
0 f · (v − u)
( f · v) = → ( f · v)0 = , (200)
γ2u [1 − u · v/ c2 ]2 [1 − u · v/ c2 ]

que é a expressão genérica para a transformação relativística de potência, já encontrada na Eq. (177).

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8 Partícula em movimento bidimensional acelerado: uma solução ana-


lítica
O movimento unidimensional de uma partícula com aceleração própria constante, α, em relação a um referencial
inercial foi estudado no Cap. II. Este tipo de movimento é denominado de hiperbólico porque a linha de mundo da
partícula é uma hipérbole no espaço de Minkowski.
Nesta seção, encontraremos a solução analítica para a trajetória de uma partícula em movimento bidimensio-
nal acelerado, sujeita à ação de uma força que aponta na direção de um único eixo. Veremos que este movimento
é dotado de uma característica interessante: a existência de aceleração em uma direção em que não há força,
sendo este um efeito relativístico sem análogo newtoniano. Vamos considerar o movimento (bidimensional) de
uma partícula carregada, de velocidade inicial apontando na direção do eixo-x, v0 = (v0 x , 0), sob ação de uma força
constante que aponta na direção do eixo-y, f = (0, f y ). No eixo-y, teremos um movimento uniformemente acele-
rado (aceleração própria constante), tal qual descrito na seção anterior. Além do movimento acelerado no eixo-y, a
partícula movimenta-se também no eixo-x. Deste modo, abordagem agora não é mais tão simples, uma vez que o
módulo quadrático da velocidade da partícula depende das componentes–x e –y, ou seja, v2 = v2x + v2y . Neste caso,
a equação a y = α/γ3 escreve-se como:

dv y α
= , (201)
dt [1 − (v2x + v2y )/ c2 ]3/2
onde α é a aceleração própria. Como não sabemos como v x varia, não podemos simplesmente integrar a equação
acima inadvertidamente. Um procedimento alternativo consiste em escrever a equação f = ṗ em componentes,
ou seja, f x = ṗ x , f y = ṗ y , o que implica em:

ṗ x = 0, ṗ y = f y . (202)
Resolvendo tais equações, obtemos:

p x = p 0 x = cte, p y = p 0 y + f y t. (203)
Dado que p 0 y = 0 (condição inicial do problema), temos:

p y = f y t. (204)

O momento relativístico e a energia relativística da partícula são dados por


¡ ¢2
p2 = p2x + p2y = p20 x + f y t , (205)

q q
E= m20 c4 + c2 ( p20 x + f y2 t2 ) = ∆20 + ω2 t2 , (206)
onde
∆20 = m20 c4 + p20 x c2 , ω = c f y . (207)
O fato do momento p x ser constante indica que a velocidade neste eixo não poderá manter-se constante! De fato,
a força aplicada no eixo- y provoca aumento da magnitude de v y , o que determina conseqüente aumento da massa
relativística ( m). Sabendo que p x = mv x , para que p x permaneça constante é necessário que v x decresça em igual
proporção ao aumento da massa, mesmo sem q haver força aplicada neste eixo. Este resultado pode ser facilmente
obtido da expressão v = ( c2 p/E ) ou v = c2 p/ ∆20 + ω2 t2 , cujas componentes são:

q
v x = c2 p 0 x / ∆20 + ω2 t2 , (208)
q
v y = c2 p y / ∆20 + ω2 t2 . (209)

Vale destacar que a velocidade v x decresce com o tempo, uma vez que p 0 x = cte. A Fig. (11) - da próxima seção
- ilustra o comportamento desta velocidade no tempo. Este gráfico confirma o que já foi dito aqui antes: pode
haver aceleração (neste caso desaceleração) numa
q direção em que não há força. Iniciamos resolvendo a Eq. (208),
substituindo o momento (203): dx/ dt = c2 p 0 x / ∆20 + ω2 t2 . Isolando os diferenciais e integrando, temos:
Z x( t) Z t dt
dx = c2 p 0 x q , (210)
x0 0 ∆0 + ω2 t2
2

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1
µ · q ¸ ¶
x( t) − x0 = c2 p 0 x ln ω t + ∆20 + ω2 t2 − ln ∆0 , (211)
ω
 q 
c p0x  ω t + ∆2 + ω2 t 2
0
x( t) = x0 + ln  . (212)

fy ∆0

Este resultado13 pode ser escrito em outra forma. Para isto, definimos uma nova função
 q 
ω t + ∆2 + ω2 t 2
0
g = ln  , (213)
 
∆0
q
o que acarreta ∆20 + ω2 t2 = ∆0 e g − ω t. Elevando ao quadrado e, isolando a variável ∆0 , resulta

∆0 (1 − e2 g ) = −2 e g ω t, (214)

( e2 g − 1) ω t ( e g − e− g ) ω t ωt
= , = , sinh( g) = . (215)
2e g ∆0 2 ∆0 ∆0
ωt
µ ¶
g = sinh−1 . (216)
∆0
c p0x ωt
µ ¶
x( t) = x0 + arc sinh . (217)
fy ∆0
Passamos agora para resolver a Eq. (209), substituindo o momento (204):

dy c2 f y t cω t
=q =q . (218)
dt ∆0 + ω2 t2
2 ∆0 + ω2 t2
2

Integrando em ambos os lados, e fazendo algumas manipulações, temos:


y( t ) cω t tdt
Z Z
dy = . (219)
∆0
q
0 0 1 + ω2 t2 /∆20

Integrando:
q ¯t
1 + ω2 t2 /∆20 ¯¯
¯
cω c∆0 q
· ¸
y( t) − y0 = = 1 + ω 2 t 2 /∆2 −1 , (220)
∆0 ω2 /∆20 ω 0
¯
¯
¯
0

∆0 q 1 q 2
· ¸ · ¸
y( t) = y0 + 1 + ω2 t2 /∆20 − 1 → y( t) = y0 + ∆0 + ω2 t2 − ∆0 . (221)
fy fy
De posse da Eq. (221), podemos agora determinar a velocidade v y ( t) fazendo uma simples derivada temporal:
 
2
1  ω t
v y ( t) = . (222)

fy
q
∆ +ω t
2 2 2
0

Para saber a forma da curva que esta ³ ´partícula descreve ³ no ´plano x − y, devemos tomar as eqs. (217) e (221)
c p0x ωt qE x
com x0 = 0, ou seja, x( t) = qE y arcsin h ∆0 ⇒ ω t = ∆0 sin h c p0yx . Substituindo esta expressão na Eq. (221) com
y0 = 0, encontramos:
"s # "s #
1 f yx ∆0 f yx
µ ¶ µ ¶
y( x) = ∆0 + ∆0 sin h
2 2 2 − ∆0 → y( x) = 1 + sin h 2 −1 , (223)
fy c p0x fy c p0x

∆0 f yx
· µ ¶ ¸
y( x ) = cos h −1 . (224)
fy c p0x

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Figura 9: Ilustração da forma da trajetória do movimento bidimensional relativístico.

Esta equação descreve uma catenária, descrita na Fig. (9). Vale destacar que no cenário newtoniano a forma
da trajetória, neste tipo de problema, é sabidamente uma parábola.
É interessante comparar este resultado com aquele que seria obtido para o caso de um movimento uni-
dimensional
hp acelerado no eixo-y, com aceleração própria constante neste eixo, cuja solução seria: y( t) = y0 +
2 t2 / c2 − 1 . Comparando esta solução com a Eq. (221), notamos que vale: c = ∆0 ou α = qE y . É
i
c2 2
α
1 + α α qE y ∆0 / c2
q
interessante observar que ∆0 / c = m 0 c + p 0 x c / c tem dimensão de massa relativística. Deste modo, vemos
2 2 4 2 2 2

que a aceleração αcorresponde à razão entre força e massa relativística, como esperado.

9 Movimento de uma partícula sujeita à ação da 3-força relativística


unidimensional: solução numérica
Uma das consequências mais interessantes do não paralelismo entre força e aceleração é a existência de acelera-
ção em direções em que não há força aplicada. Esse problema foi abordado na literatura como sob a perspectiva
da observação aceleração negativa (,1112 ), e será estudado aqui no contexto de um movimento bidimensional onde
só há força aplicada numa direção.
Faremos agora uma análise simples, partindo das equações diferenciais que regem a dinâmica do sistema,
e obtendo-se a solução numérica para as mesmas. Trataremos uma situação em que uma partícula de massa
de repouso m 0 desloca-se inicialmente ao longo do eixo-x, e adentra no campo de ação de uma força constante
que atua na direção do eixo-y ( f = f 0 ŷ), tal qual ilustrado na Fig.(10). Como a força é inicialmente ortogonal
ao movimento, f ⊥ v, teremos f ∥ a no instante inicial. Nos instantes posteriores, entretanto, deixa de valer
f ∥ a, uma vez que a força gera aceleração e velocidade na direção do eixo-y, transformando o movimento em
bidimensional, deixando de valer f ⊥ v. Para tratar esta situação em detalhes, partimos da expressão da força

Figura 10: Representação esquemática do movimento de uma partícula (inicialmente unidimensional) sob ação
de uma força (inicialmente) transversa ao movimento, fixa, atuante ao longo do eixo-y.

relatvística, Eq. (129), montando as equações diferenciais associadas:


³ p ´
13 Na obtenção desta expressão foi usada a integral: p dt = a1 ln at + b + a2 t2 .
R
b + a2 t2

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f x f x v2x f y v y v x
f x = ma x + ( f x v x + f y v y )v x / c2 , ax = − − , (225)
m m c2 mc2

fy
f x v y vx f y v2y
f y = ma y + ( f x v x + f y v y )v y / c2 , ay =
− − , (226)
m m c2 mc2
onde consideramos o caso bidimensional f = ( f x , f y ). Para melhor estudar este sistema, tais equações podem ser
escritas na seguinte forma:

d vx fx v2 f y vx v y
µ ¶
= 1 − 2x − , (227)
dt m(v) c m(v) c2
v2y
à !
dv y fy f x v y vx
= 1− 2 − , (228)
dt m(v) c m(v) c2

constituindo um conjunto de duas equações diferenciais acopladas não-lineares para v x e v y . Aqui, m(v) é a massa
q
relativística, dada por m(v) = m 0 / 1 − (v2x + v2y )/ c2 . No caso específico da situação inicialmente proposta na Fig.
(10), em que só há força aplicada ao longo do eixo-y, f = (0, f 0 y ), este sistema é simplificado à forma:

v2y
à !
d vx f 0 y vx v y d v y f0 y
=− , = 1− 2 , (229)
dt m(v) c2 dt m(v) c

v2y q
à !
d vx f 0 y vx v y q 2 2
dv y f0 y
=− 2
1 − (v x + v y )/ c , = 1− 2 1 − (v2x + v2y )/ c2 , (230)
dt m 0 c2 dt m0 c
Sabendo-se que as velocidades v x , v y são positivas, podemos antever que a dinâmica do movimento da partícula
ocorrerá da seguinte forma: (i) a partícula será acelerada ao longo do eixo-y até aproximar-se (assintoticamente)
da velocidade da luz; (ii) ao longo do eixo-x, apesar de não existir força alguma aplicada nesta direção, a partícula
sofrerá desaceleração (aceleração negativa), até aproximar-se do repouso. Este é um efeito genuinamente
relativístico (sem análogo clássico), que advém da primeira das eqs. (229) - d v x / dt < 0. No fim, o movimento
tende a recuperar a configuração de um movimento unidimensional, mas só que ao longo do eixo-y. Para resolver
este problema adequadamente, é necessário partir da expressão da 3-força relativística, dada na Eq. (129),
decompondo-a nos eixos-x e –y, ou seja:
As eqs. (229) continuam sendo não-lineares, o que dificulta a obtenção de uma solução analítica para o sistema.
No entanto, tal sistema pode ser solucionado numericamente, fornecendo o perfil das velocidades v x e v y ao longo
do tempo, dependendo das condições iniciais do problema.
Caso 1 - Velocidade inicial: v0 = (v x0 , 0). Um primeiro perfil, obtido numericamente, é exibido na Fig. 11,
onde foram usadas unidades naturais ( c = 1), e acerca do qual alguns comentários interessantes podem ser feitos.
Neste gráfico estão representados os perfis das velocidades v x e v y , para o caso em que v0 = (v x0 , 0). Primeiro,
observa-se que a força direcionada ao longo do eixo-y, f = (0, f 0 y ), acelera a partícula continuamente ao longo deste
eixo, fazendo a componente de velocidade v y sair o zero, crescer e aproximar-se assintoticamente da velocidade da
luz (v y → 1). Este é um comportamento esperado, de acordo com os nossos entendimentos anteriores. A surpresa
advém do perfil da velocidade v x , que partindo do valor , sofre declínio monótono, tendendo assintoticamente a
zero, tal como ilutrado pelo gráfico v x × t. Isto significa que a partícula tende ao estado de repouso no eixo-x, para
tempos grandes. Após um tempo suficientemente longo, o movimento da partícula volta a ser unidimensional,
como no início, só que agora ao longo do eixo-y. O motivo da desaceleração ao longo do eixo-x pode ser lido
diretamente da primeira das eqs. (229), onde se percebe que, sendo f 0 , v x e v y positivos, a aceleração d v x / dt resulta
negativa. Isto explica a desaceleração que ocorre neste eixo. Esta análise explica a razão da desaceleração não ser
imediata quando temos v y (0) = 0 (que implica em d v x / dt| t=0 = 0), fato comprovado pelo pequeno platô no gráfico
v x × t da Fig. 11, observado logo no instante inicial ( t → 0).
Caso 2 - Velocidade inicial: v0 = (v x0 , v y0 ). Neste caso, o comportamento geral do sistema continua sendo
dado pelas eqs. (229), cuja solução numérica leva aos perfis da Fig.(12). Este caso difere do precedente apenas
pela velocidade inicial não nula no eixo-x, que agora irá determinar desaceleração imediata neste eixo, ou seja,
tão logo a força comece a atuar no eixo-y, ocorrerá desaceleração no eixo-x (que implica em d v x / dt| t=0 6= 0), fato
comprovado pelo pequeno platô no gráfico v x × t da Fig. 11. A diferença é a ausência do pequeno platô observado
no gráfico v x × t da Fig.(11) (para t → 0). Isto decorre do fato da velocidade inicial v y (0) ser não-nula. Obviamente,
se v y (0) > 0, obtemos d v x / dt| t=0 < 0, implicando em desaceleração logo no instante inicial.
Caso 3 - Velocidade inicial: v0 = (v x0 , −v y0 ). Outra situação de interesse é aquela em que a velocidade inicial
ao longo do eixo-y é negativa, sendo a velocidade inicial v x (0) positiva. Neste caso, a primeira das eqs. (229) já

28
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Figura 11: Gráfico das velocidades v x , v y × tempo. A linha mais espessa (negra) descreve o com portamento de
v y ( t), tomando a velocidade inicial v y (0) = 0; a linha mais fina descreve o com portamento de v x ( t), considerando
v x (0) = 0.8 c.

Figura 12: Gráfico das velocidades v x , v y × tempo. A linha mais espessa (negra) descreve o com portamento
de v y ( t), tomando como velocidade inicial v y (0) = 0.5 c; a linha mais fina descreve o com portamento de v x ( t),
considerando v x (0) = 0.8 c.

nos antecipa que a aceleração d v x / dt será inicialmente positiva, fazendo a velocidade v x crescer. Este crescimento
ocorrerá enquanto a velocidade v y permanecer negativa. Dado que a força f = (0, f 0 y ) acelera a partícula ao longo
do eixo-y, irá reverter o sinal da velocidade v y (tornando-a positiva) em algum momento; a partir deste instante,
começa a ocorrer desaceleração ao longo do eixo-x ( d v x / dt < 0), recuperando o padrão de comportamento do gráfico
das Fig. (11) e (12). O gráfico da Fig. 13 ilustra este novo comportamento.
Caso 4 - Velocidade inicial: v0 = (−v x0 , −v y0 ). Uma última situação é aquela em que as velocidades inicias
são ambas negativas, v x (0) < 0, v y (0) < 0. Neste caso, obtemos inicialmente d v x / dt < 0, o que faz o módulo da
velocidade v x ( t) crescer (movimento é acelerado - velocidade e aceleração negativas). Os perfis correspondentes
são exibidos no gráfico da Fig. (14). Analogamente, o crescimento do módulo da velocidade v x persiste apenas
enquanto a aceleração a x é negativa. Devido à açã da força f , a velocidade v y torna-se positiva, e a aceleração
a y torna-se também positiva, gerando um movimento retardado, em que o módulo de v x e tende a zero. Este é
comportamento descrito na Fig. (14).
Resumo dos resultados obtidos nesta seção: Em todos os exemplos estudados, foi observado que o efeito
de uma força relativística (inicialmente ortogonal ao movimento da partícula) consiste em acelerar a partícula
até a velocidade limite ( c) ao longo do eixo em que a força atua, enquanto ao longo do eixo inicial do movimento
(em que não há força aplicada), a partícula é desacelerada assintoticamente ao repouso. No final, recupera-
se a configuração de um movimento unidimensional, só que ao longo do eixo em que inicialmente não havia
movimento. É importante destacar que estes resultados coincidem com aqueles obtidos pelo método analítico
desenvolvido nas seções anteriores. A existência de aceleração ou desaceleração no eixo ortogonal à força aplicada
pode ser entendida como uma decorrência da conservação do momento relativístico. Devido à inexistência de

29
Prof. Manoel Messias Ferreira Jr - Dinâmica Relativística

Figura 13: Gráfico das velocidades v x , v y × tempo. A linha mais espessa descreve o com portamento de v y ( t),
tomando como velocidade inicial v y (0) = −0.5 c; a linha mais fina descreve o com portamento de v x ( t), considerando
v x (0) = 0.8 c

Figura 14: Gráfico das velocidades v x , v y × tempo. A linha mais espessa descreve o com portamento de v y ( t),
tomando como velocidade inicial v y (0) = −0.5 c; a linha mais fina descreve o com portamento de v x ( t), considerando
v x (0) = −0.8 c.

força aplicada, o momento relativístico é constante. Como a velocidade cresce na direção da força aplicada, cresce
também a massa relativística. Logo a velocidade no eixo ortogonal decresce para manter o momento relativístico
constante.

10 4-momento de fótons na dinâmica relativística


Os fótons, na teoria da relatividade restrita, são descritos como partículas que se locomovem com v = c, e apresen-
tam energia dada pela relação de Planck, E = hν, e momento dado pela relação de de Broglie, p = h/λ, sendo h a
constante de Planck. Os fótons são tratados como partículas relativísticas de massa de repouso nula ( m 0 = 0), de
modo que a relação (41) conduz a:
E = |p| c. (231)
Considerando a fórmula de Planck, hν = |p| c, um fóton tem momento dado por:

|p| = hν/ c, (232)

Observe que este mesmo resultado pode ser encontrado partindo-se da relação de de Broglie, |p| = h/λ, simples-
mente fazendo-se ν = c/λ. O momento pode também ser escrito em termos do vetor de onda, k = 2π/λ → λ = 2π/ k,
h
p= ou |p| = ħ k, (233)
2π/ k

30
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cuja forma vetorial é


p = ħk, (234)

sendo k = k k̂ o vetor que fornece a direção de propagação do fóton e ħ = h/2π. O 3-vetor momento pode ser lido
como p = p k̂ ou p = ( hν/ c) k̂.
Da mesma forma como fazemos para brádions, podemos escrever o 4-momento P µ = (E / c, p) dos fótons,

P µ = hν/ c, ( hν/ c) k̂ ,
¡ ¢
(235)

nas seguintes formas:


hν ¡ Eγ ¡
Pµ = Pµ = P µ = |p| 1, k̂ .
¢ ¢ ¡ ¢
1, k̂ , 1, k̂ , (236)
c c
Note que a norma quadrática do 4-momento é nula,

P 2 = P · P = |p|2 1 − k̂ · k̂ = 0,
¡ ¢
(237)

sendo consistente com o caráter não massivo do fóton. Note que usamos k̂ · k̂ = 1.
µ µ
Para dois fótons de freqüências ν1 e ν2 , os 4-momentos são P1 = E γ1 1, k̂ 1 / c, P2 = E γ2 1, k̂ 2 / c, com E γ1 = hν1 ,
¡ ¢ ¡ ¢

E γ2 = hν2 . Tomando o produto escalar,

µ E γ1 E γ2
P 1 P µ2 = P 1 · P 2 = (1 − k̂ 1 · k̂ 2 ), (238)
c2
µ h 2 ν1 ν2
P 1 P µ2 = P 1 · P 2 = (1 − cos θ ) , (239)
c2

onde consideramos que os fótons se deslocam formando um ângulo θ , k̂ 1 · k̂ 2 = cos θ . Podemos apontar os seguintes
cenários envolvendo fótons:

• Para fótons paralelos: P1 · P2 = 0, independentemente da frequência.

• Para fótons antiparalelos: P1 · P2 = 2 h2 ν1 ν2 / c2 .

• Para fótons ortogonais: P1 · P2 = h2 ν1 ν2 / c2 .

• Para um fóton e um brádion de massa m 0 : no referencial de repouso do brádion, P2 = ( m 0 c, 0), temos


P1 · P2 = m 0 hν01 , onde ν01 é a freqüência do fóton no referencial do brádion.

11 Sistemas de propulsão com massa de repouso variável


Na mecânica newtoniana, os foguetes são exemplos de sistemas de massa variável em que a redução da massa é
usada como mecanismo de propulsão. Uma situação bastante conhecida é a do foguete que se desloca no espaço
livre da ação de forças externas, sendo propelido pela ejeção de parte de sua massa (gases de combustão). Este é
exemplo em que vale a conservação do momento linear (ausência de forças externas). Suponha que a velocidade
instantânea do foguete é v, tendo momento linear igual a p i = mv neste momento. A ejeção de parte infinitesimal
de sua massa, dm, ocorre com velocidade − u, medida no referencial de repouso do foguete. Após a ejeção, o
momento do sistema vale: p f = ( m − dm)(v + d v) + dm(v − u). Exigindo-se conservação de momento linear, obtemos:

mv = ( m − dm)(v + d v) + dm(v − u), (240)

o que implica em d v = udm/ m. Integrando-se, resulta:

mi
µ ¶
v f = v i + u ln . (241)
mf

Este é o resultado da mecânica newtoniana. Este tipo de sistema pode também ser estudado no caso da dinâmica
relativística, onde podemos ter um foguete propelido pela emissão de fótons ou gases (partículas massivas).

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11.1 Mecanismo de propulsão do foguete baseado na emissão de fótons


Tomemos o caso de um foguete de massa de repouso inicial igual a M0 i , que emite fótons no sentido oposto ao
de seu movimento. Este foguete locomove-se em movimento retilíneo a partir de uma 3-velocidade inicial v i até
atingir uma 3-velocidade final v f , quando a sua massa de repouso é igual p a M0 f . Vamos mostrar existe uma
relação entre as massas de repouso inicial e final, dada por: M0 i / M0 f = ( c + v f )/( c − v f ). Consideramos que toda
energia perdida pelo foguete é igual a energia dos fótons emitidos. Começamos montando os 4-momentos inicial e
final do foguete,

µ µ
P i = M0 i γ i c, p i , P f = M0 f γ f c, p f ,
¡ ¢ ¡ ¢
(242)

onde
µ µ
γ i = γ(v i ), γ f = γ(v f ), p i = M0 i γ i v i , p f = M0 f γ f v f , P i P iµ = M02i c2 , P f P f µ = M02 f c2 , (243)

enquanto o 4-momento total de todos os fótons emitidos pelo foguete é

µ X hν i
P ph = (1, n̂) . (244)
i c

Aqui, ν i é a frequência do i-ésimo fóton emitido, e n̂ é o versor que descrimina a direção e sentido dos fótons
emitidos. Observe que todos os fótons são emitidos na mesma direção e sentido: aquele oposto ao movimento do
µ µ µ
foguete, dado pelo versor n̂. Sendo P T = P f + P ph o 4-momento total da configuração final, e considerando a
f
µ µ
conservação do 4-momento, P T = P T , escrevemos:
i f

µ µ µ
P i = P f + P ph . (245)

¡ µ ¢2 ³ µ µ 2
´
Quadrando-se, P i = P f + P ph , temos:

P i2 = P 2f + P 2ph + 2P f · P ph , (246)

que implica em:


M02i c2 = M02 f c2 + 2P f · P ph . (247)
Calculamos o produto escalar,
¢¤ X hν i X hν i
P f · P ph = M0 f γ f c − p f · n̂ M0 f γ f c − (v f · n
£ ¡ £ ¤
= b) , (248)
i c i c

onde foi usado p f = M f γ f v f . Dado que v f · n̂ = −v f , resulta:

X hν i
M0 f γ f c + v f .
£ ¤
P f · P ph = (249)
i c

A energia perdida pelo foguete é igual à energia de todos os fótons emitidos: ∆E = i hν i . Esta energia é igual à
P

diferença entre a energia inicial e a energia final do foguete, sendo escrita como: ∆E = M0 i c2 − M0 f γ f c2 . Substi-
tuindo i hν i = M0 i c2 − M0 f γ f c2 na Eq. (249), encontramos:
P

P f · P ph = cM0 f γ f [ M0 i − M0 f γ f ] c + v f .
£ ¤
(250)

Substituindo este resultado na Eq. (247), temos:


³ ´£
M02i c2 = M02 f c2 + 2 c M0 i M0 f γ f − M02 f γ2f c + v f ,
¤
(251)

M02 f c2 − 2 c c + v f M02 f γ2f + 2 c c + v f M0 i M0 f γ f − M02i c2 = 0,


¡ ¢ ¡ ¢
(252)
¶2
M0 f ¢ ¢ M0 f
µ µ ¶
c2 − 2 c c + v f γ2 + 2 c c + v f γ f − c 2 = 0.
¡ ¢ ¤ ¡ ¡
£
(253)
M0 i M0 i
¡ ¢
A equação do segundo grau acima tem apenas uma raiz. Solucionando-a para M f / M i , encontramos:

c2 + cv f γ f
¡ ¢
M0 f
=− ¢ . (254)
c2 − 2 c2 + 2 cv f γ2f
¡
M0 i

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¢2
Observando que c2 − 2 c2 + 2 cv f γ2f = − c + v f γ2f , resulta
¡ ¢ ¡

q
M0 f c c2 − v2f
=¡ = , (255)
c + vf γf
¢
M0 i c + vf
s
M0 f c − vf
= . (256)
M0 i c + vf

Esta expressão pode ser escrita para v f na forma:

M02i − M02 f
à !
M0 i − M0 f M0 i / M0 f − 1
µ ¶ µ ¶
vf = c =c =c . (257)
M02 f + M02i M0 i + M0 f M0 i / M0 f + 1

É interessante destacar que este resultado não depende da velocidade inicial do foguete, uma vez que não faz
qualquer menção à velocidade v i . Se o foguete partir do repouso, obteremos a mesma expressão (257). Este
resultado também não depende da frequência dos fótons emitidos, uma vez que esta não foi especificada. Da
Eq.(257), percebemos que a velocidade final é tanto maior quanto maior for a razão M0 i / M0 f . A tabela abaixo
exibe alguns valores da velocidade final para alguns valores da razão M0 i / M0 f .

M0 i / M0 f 2 3 4 5 10 20
vf 0. 6 c 0. 8 c 0.88 c 0.92 c 0.98 c 0.995 c

Tabela 1: Valores da velocidade final para alguns valores da razão M0 i / M0 f .

Vemos que para o foguete adquirir velocidades finais cada vez mais próximas à da luz, a sua massa inicial
deve ser muito maior que a sua massa final, indicando que o mesmo deve carregar inicialmente uma grande
quantidade de combustível.

11.2 Mecanismo de propulsão do foguete baseado na emissão de gases


Tomemos o caso de um foguete de massa de repouso inicial igual a M0 i , que emite moléculas de gás no sentido
oposto ao de seu movimento, sempre com velocidade U (medida no ref. de repouso do foguete). Este foguete
locomove-se em movimento retilíneo do repouso até atingir uma velocidade final v f , quando a sua massa de
repouso é igual a M0 f . Mostramos que existe uma relação entre as massas inicial e final de repouso, M0 i e M0 f ,
dada por:
M0 i / M0 f = [( c + Vf )/( c − Vf )] c/2U . (258)

Analisaremos o problema no referencial do centro de massa do sistema foguete-moléculas, que observa o fo-
guete se locomovendo com velocidade crescente por ejeção das moléculas de gás. Sabendo que o 4-momento total
do sistema é conservado, podemos escrever a seguinte equação, válida para qualquer instante:
µ µ µ
PR + P g = PT , (259)
µ µ µ
em que P R , P g e P T são os 4-momentos do foguete, das moléculas de gás e total, respectivamente. Diferenciando
a eq. (259) resulta:
µ µ
dP R = − dP g . (260)
Escrevendo os 4-momentos do foguete e das moléculas, temos:
µ
P R = ( M0 γv c, M0 γv v), (261)
µ
Pg = ( m 0 γw c, − m 0 γw w), (262)

em que v, w, M0 , m 0 são as velocidades do foguete, das moléculas, a massa de repouso do foguete e das moléculas,
respectivamente. Também usamos γv = γ(v), γw = γ(w). Escrevendo a eq. (260) para as componentes temporal e
espacial dos 4-momentos e usando (261) e (262), temos:

d ( M0 γv c) = − d ( m 0 γw c), (263)
d ( M0 γv v) = d ( m 0 γw w). (264)

33
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Podemos escrever w como função da velocidade u das moléculas no ref. de repouso do foguete usando a trans-
formação de velocidades w = ( u − v)/(1 − uv/ c2 ). Como o foguete emite moléculas sempre com a mesma velocidade
no seu ref. de repouso, cada grupo de moléculas ejetado em cada instante terá velocidade constante no ref. do
centro de massa. Como a eq. (259) é válida para todo instante de tempo, concluímos que em qualquer instante
w é constante nessa equação, uma vez que se refere ao mesmo grupo de moléculas. Portanto, as equações (263) e
(264) podem ser escritas como

d ( M0 γv ) = −γw d ( m 0 ), (265)
d ( M0 γv v) = wγw d ( m 0 ). (266)

Substituindo (265) em (266) e definindo α ≡ M0 γv , temos:

dv dα
=− . (267)
w+v α

Usando a transformação de velocidades para as moléculas w = ( u − v)/(1 − uv/ c2 ), em que u é a sua velocidade no
ref. de repouso do foguete, e integrando resulta:
Z vf dv
Z αf dα
Z vf 1 − uv/ c2 α0
µ ¶
u−v =− → dv = ln , (268)
0 1− uv/ c2
+v α0 α 0 u − v + v − uv2 / c2 αf

c
Z βv f 1 − βu βv
µ
α0

d (βv ) = ln , (269)
u 0 1 − β2v αf
em que foi usado βv = v/ c e βu = u/ c. Separando a integral da Eq. (269) em duas e, resolvendo-as separadamente,
temos: Z βv f Z βv f
1 1 1 + βv f βu βv 1
µ ¶ ³ ´
2
d (βv ) = ln , d (βv ) = − β u ln 1 − β vf , (270)
0 1 − β2v 2 1 − βv f 0 1 − β2v 2
de modo que a Eq. (269) torna-se

c 1 + βv f 1 ³ M0 i
µ ¶ ´ µ ¶
2
ln + ln 1 − βv f = ln , (271)
2u 1 − βv f 2 M0 f γ(v f )

em que usamos α0 = M0 i e α f = M0 f γ(v f ). Usando as propriedades de logaritmo, conseguimos simplificar a


expressão para
¶c
1 + βv f 2u M0 i
µ
1
(1 − β2v f ) 2 = . (272)
1 − βv f M0 f γ(v f )
1
Como γ(v f ) = (1 − β2v f )− 2 e usando βv f = v f / c, o resultado final é:

M0 i c + v f c/2u
µ ¶
= . (273)
M0 f c − vf

12 Momento angular e torque relativístico


Na dinâmica relativística, o 3-momento angular (relativístico) é definido como

L = r × p = m(r × v) = m 0 γ(v)(r × v), (274)

onde p = mv é o 3-momento relativístico. As componentes deste 3-vetor podem ser lidas na forma

L i = ² i jk r j p k , (275)

sendo ² i jk o símbolo de Levi-Civita. O 3-torque relativístico é dado pela derivada temporal do 3-momento angular,
ou seja,
d
τ= L = r× f , (276)
dt
onde f = d p/ dt é a 3-força relativística. No caso em que a 3-força é central, f = f ( r ) r̂, vale τ = 0 ou d L/ dt = 0, e o
3-momento angular é conservado no tempo, L = cte, em padrão análogo ao caso newtoniano.
Há uma generalização relativística do conceito de momento angular, 4-dimensional, definido por

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Lµν = xµ pν − xν pµ , (277)
µν νµ
denominada de tensor de 4-momento angular, antisimétrico por definição, L = −L , o que implica em 6 compo-
nentes independentes, a saber: L01 , L02 , L03 , L12 , L13 , L23 , que podem ser representadas genericamente na notação
indicial, L0 i , L i j . Entre estas 6 componentes estão contidas as componentes do 3-momento angular relativístico
(L = r × p) . Como pµ = (E / c, p) , temos p i = p i e as componentes espaciais do tensor Lµν são escritas como,

Li j = xi p j − x j p i . (278)

Fazendo a contração da expressão (275), L c = ² c jk r j p k , com o símbolo ²abc , temos:

²abc L c = ²abc ² c jk r j p k = δa j δbk − δak δb j r j p k = r a p b − r b p a = Lab ,


¡ ¢
(279)

que estipula uma correspondência das componentes Lab com o 3-momento angular relativístico,

Lab = ²abc L c , (280)

que implica em L12 = L(3) , L23 = L(1) , L31 = L(2) . Fazendo a contração desta expressão com ²abk , escrevemos:

Lab ²abk = ²abk ²abc L c → Lab ²abk = 2δkc L c = 2L k , (281)

ou mais claramente,
1
L k = ²kab Lab , (282)
2
que implica em L(1) = L23 , L(2) = L31 , L(3) = L12 . Portanto, o setor espacial do tensor Lµν equivale a uma matriz 3 × 3
anti-simétrica, tendo 3 componentes independentes que correspondem às componentes do 3-momento angular,
L = r × p. As componentes L0 i = x0 p i − x i p0 são dadas por
E
L0 i = tp i − x i E / c = ( ctp i /E − x i ), (283)
c
L0 i = m 0 γ c(v i t − x i ) = m 0 γ c(v t − x) i . (284)

A forma explícita do tensor de momento angular está escrita a seguir:

0 m 0 γ c(v x t − x) m 0 γ c(v y t − y) m 0 γ c(v z t − z)


 
m γ c ( x − v t ) 0 Lz −L y
Lµν = 
 0 x 
,
 m 0 γ c ( y − v y t) (285)
−L z 0 Lx 
m 0 γ c ( z − v z t) Ly −L x 0

onde L z = L(3) , L y = L(2) , L x = L(1) .


Podemos também apresentar uma generalização do conceito de torque, dada pela derivada do tensor do 4-
momento angular em relação ao tempo próprio, ou seja,
d µν
τµν = L , (286)

o que implica em:
d µν d µ ν d µ ν d ν d ν µ d µ
µ ¶ µ ¶
L = ( x p − xν p µ ) = x p + xµ p − x p − xν p , (287)
dτ dτ dτ dτ dτ dτ
τµν = U µ pν + xµ F ν − U ν pµ − xν F µ , (288)

onde usamos F µ = d pµ / d τ, U µ = dxµ / d τ. Como pµ = m 0U µ (para o caso de força pura), temos:

τµν = m 0U µU ν + xµ F ν − m 0U νU µ − xν F µ , (289)
e o tensor de 4-torque (relativístico) resulta dado por

τµν = xµ F ν − xν F µ . (290)

Sendo τµν antisimétrico, possui apenas 6 componentes não nulas: τ01 , τ02 , τ03 , τ12 , τ13 , τ23 , representadas generi-
camente na notação indicial, τ0 i , τ i j . Considerando a Eq. (116), as suas componentes espaciais, τ i j , fornecem

τ i j = x i F j − x j F i = γ( x i f j − x j f i ), (291)

35
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de modo que vale a seguinte relação com o 3-torque relativístico:

τ i j = γ² i jk τk , (292)
1
τi = ² i jk τ jk , (293)

onde τ = r × f é o 3-torque relativístico e f é a 3-força relativística. Aqui, τk = (r × f )k representa uma componente


do 3-torque. Escrevendo a Eq. (286) para as componentes espaciais, temos:

d ij d
τi j = L = γ Li j , (294)
dτ dt
d d k d k
µ ¶
γ² i jk τk = γ ² i jk L k → γ² i jk τk − L = 0 → τk − L = 0, (295)
dt dt dt
o que fornece uma relação "newtoniana",
d k
τk = L , (296)
dt
entre o 3-torque relativístico, τk = (r × f )k , e 3-momento angular relativístico, L k = (r × p)k .

13 Problema da Força Central relativística


O problema da força central no contexto relativístico tem grande importância histórica, principalmente devido à
formulação do modelo atômico de Sommerfeld, o primeiro a usar correções relativísticas para explicar o fenômeno
da estrutura fina do espectro atômico (associado à quebra da degenerescência dos níveis de energia), questão que
só foi completamente entendida depois do advento da mecânica quântica, do conceito de spin e do acoplamento
spin-órbita.
Iniciamos com uma partícula sujeita à força central genérica, ¢ f ( r ) r̂, que causa 3-torque nulo e determina
¡ f =
3-momento angular conservado. Usando coordenadas polares, r, φ , a 3-velocidade e 3-aceleração da partícula
são dadas por

v = ṙ r̂ + r φ̇φ̂, (297)
2
a = ( r̈ − r φ̇ ) r̂ + (2 ṙ φ̇ + r φ̈)φ̂. (298)

O 3-momento é p = m ṙ r̂ + mr φ̇φ̂,ou simplesmente p = p r r̂ + p φ φ̂ = ( p r , p φ ), com p r = m ṙ, p φ = mr φ̇. O 3-momento


angular é
L = r × p = r × ( m ṙ r̂ + mr φ̇φ̂) = ( mr 2 φ̇) ẑ, (299)
onde ẑ = r̂ × φ̂, e m = m 0 γ. O 3-momento angular L = mr 2 φ̇ é análogo ao caso newtoniano, com a diferença que
m = m 0 γ é a massa relativística. Como a 3-força é central, o 3-torque é nulo e L = cte. Deste modo, vale φ̇ = L/ mr 2 .
O comportamento da partícula é regido pela equação

d β d
Fβ = P = γ P β, (300)
dτ dt

onde F β = γ(v) (( f · v)/ c, f ) é a 4-força e P β = (E / c, p) o 4-momento. Desta expressão, surge:

d
f= p, (301)
dt
( f · v) = Ė, (302)

Como já sabemos, a Eq. (301) equivale a

f = ma + ( f · v) v/ c2 . (303)

com ṁ = ( f · v) / c2 . Para o caso de força central coulombiana,


α
f= r̂, (304)
r2
vale ( f · v) = α ṙ / r 2 . A Eq. (303) é escrita como
α α ṙ
r̂ = m( r̈ − r φ̇2 ) r̂ + m(2 ṙ φ̇ + r φ̈)φ̂ + ( ṙ r̂ + r φ̇φ̂)/ c2 , (305)
r2 r2

36
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o que fornece duas equações diferenciais,

α α ṙ 2
= m( r̈ − r φ̇2 ) + , (306)
r2 c2 r 2
α ṙ φ̇
0 = m(2 ṙ φ̇ + r φ̈) + 2 . (307)
rc

Por sua vez, a Eq. (301) fornece α ṙ / r 2 = ṁc2 , ou

d 1 d ³ α
µ ¶ ´
−α = ṁc2 , − − mc2 = 0, (308)
dt r dt r

cuja integração direta no tempo conduz a α/ r + mc2 = cte,

U ( r ) + E = cte, (309)

sendo E = mc2 a energia relativística e U ( r ) = α/ r a energia potencial,


α
+ mc2 = cte. (310)
r

Usando φ̇ = L/ mr 2 , a Eq. (306) é


L2 α ṙ 2
α = mr 2 r̈ − + 2 , (311)
mr c
Em desenvolvimento....

14 Apêndice: Demonstração da covariância da expressão da 3-força


relativística
A dinâmica relativística, para ser válida e ser devidamente denominada de relativística, deve ser covariante.
Isto significa que as leis que a regem devem ser covariantes - exibir a mesma forma (matemática) em todos os
referenciais inerciais. A lei de força que faz o papel da segunda lei de Newton é f = ma + ṁv, com m = m(v). Se
esta lei é covariante, então deve ter a mesma forma em um outro Ref. S 0 , ou seja, f 0 = m0 a0 + ṁ0 v0 , com m0 = m(v0 ).

14.1 Demonstração em Componentes cartesianas


Para demonstrar a covariância desta fórmula, tomamos como ponto de partida a lei de força f = ma + ṁv, escrita
em suas componentes cartesianas no Ref. S :

f x = ma x + ṁvx ou f x = ma x + (( f · v)/ c2 )vx , (312)

f y = ma y + ṁvy ou f y = ma y + (( f · v)/ c2 )vy , (313)


f z = ma z + ṁvz ou f z = ma z + (( f · v)/ c2 )vz , (314)
2
onde usamos ṁ(v) = ( f · v)/ c . Vamos nos ater de início à Eq. (312), que representa a componente-x da 3-força
relativística. Substituindo as transformadas de f x ,a x , vx , e ( f · v)/ c2 em (312), temos:

f x0 + u( f · v)0 / c2 a0x 1 ( f · v)0 + u f x0 u + v0x


µ ¶
¢ = m(v) + , (315)
2 γ( u) (1 + uv x / c )
3 0 2 3 2 0 2 1 + u v0 x / c 2
¡
0
1 + uv x /c c 1 + uv x / c

m(v)a0x 1 ( f · v)0 + u f x0
µ ¶
f x0 + u( f · v)0/ c2 = + ( u + v0x ), (316)
γ3 (1 + uv0x / c2 )2 c2 1 + uv0x / c2
onde m(v) = m 0 γ(v). Resta transformar a massa, o que é feito de acordo com:

m(v) = m 0 γ(v0 )γ( u)(1 + uv0x / c2 ) = m(v0 )γ( u)(1 + uv0x / c2 ), (317)

onde usamos a equação γ(v) = γ( u)γ(v0 )(1 + uv0x / c2 ). Substituindo a expressão (317) na Eq. (316), resulta:

m(v0 )γ( u)(1 + uv0x / c2 )a0x 1 ( f · v)0 + u f x0


µ ¶
f x0 + u( f · v)0 / c2 = + ( u + v0x ), (318)
γ32 (1 + uv0x / c2 )2 c2 1 + uv0x / c2

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u( f · v)0 1 ( f · v)0 + u f x0 m(v0 )a0x


µ ¶
f x0 + − 2 ( u + v0x ) = , (319)
c 2 c 1 + uv0x / c2 γ( u)2 (1 + uv0x / c2 )
Trabalhando o lado esquerdo da equação acima, obtemos:

( c2 f x0 + uv0x f x0 + u( f · v)0 + u2 ( f · v)0 v0x / c2 − ( f · v)0 u − ( f · v)0 v0x − u2 f x0 − uv0x f x0


= (320)
c2 (1 + uv0x / c2 )

c2 f x0 (1 − u2 / c2 ) − ( f · v)0 v0x (1 − u2 / c2 ) c2 f x0 − ( f · v)0 v0x


= = , (321)
c2 (1 + uv0x / c2 ) c2 (1 + uv0x / c2 )γ2 ( u)
o que nos leva a:
c2 f x0 − ( f · v)0 v0x m(v0 )a0x
= , (322)
c2 (1 + uv0x / c2 )γ2 ( u) γ2 (1 + uv0x / c2 )
f x0 − ( f · v)0 v0x / c2 = m(v0 )a0x , (323)
f x0 = m(v0 )a0x + [( f · v)0 / c2 ]v0x , (324)
f x0 = m(v 0
)a0x + ṁ(v0 )v0x . (325)
0 0 2
onde usamos ṁ(v ) = [( f · v) / c ]. Vemos assim que a componente-x da força é escrita numa forma covariante.
Um procedimento similar pode ser aplicado à componente-y da força, dada pela Eq. (313). Substituindo as
transformadas relativísticas de f y , a y , ( f · v)/ c2 , v y , na Eq. (313), obtemos:
¶ 0p
f y0 a0y u(v0y / c2 )a0x ( f · v)0 + u f x0 v y 1 − u2 / c2
" #
1
µ
¢ = m(v) − + 2 , (326)
γ( u) 1 + uv0x / c2 γ2 (1 + uv0x / c2 )2 γ2 (1 + uv0x / c2 )3 1 + uv0x / c2 1 + uv0x / c2
¡
c

¶ 0p
f y0 a0y u(v0y / c2 )a0x
( f · v)0 v y 1 − u2 / c2
" # µ
= m(v) − + , (327)
γ( u) γ2 (1 + uv0x / c2 ) γ2 (1 + uv0x / c2 )2 c2 1 + uv0x / c2

f y0 a0y u(v0y / c2 )a0x v0y


" # µ
( f · v)0 + u f x0

0 0 2
= m(v )γ( u)(1 + uv x / c ) − + , (328)
γ( u) γ2 (1 + uv0x / c2 ) γ2 (1 + uv0x / c2 )2 c2 γ( u)(1 + uv0x / c2 )

f y0 a0y u(v0y / c2 )a0x v0y


" # µ
(( f · v)0 + u f x0

0
= m(v )γ( u) − + , (329)
γ( u) γ( u)2 γ( u)2 (1 + uv0x / c2 ) c2 γ( u)(1 + uv0x / c2 )

f y0 u(v0y / c2 )a0x
" 0
v0y
# µ
ay (( f · v)0 + u f x0

0
= m(v ) − + , (330)
γ( u) γ( u) γ( u)(1 + uv0x / c2 ) c2 γ( u)(1 + uv0x / c2 )

u(v0y / c2 )a0x v0y


" # µ
( f · v)0 + u f x0

0 0 0
f y = m(v ) a y − + , (331)
(1 + uv0x / c2 ) c2 (1 + uv0x / c2 )

u(v0y / c2 )a0x ( f · v)0 v0y + u f x0 v0y


f y0 = m(v0 ) a0y − m(v0 ) + , (332)
(1 + uv0x / c2 ) (1 + uv0x / c2 ) c2
[( f ·v)0 / c2 ]v0x
z }| {
( f · v)0 v0y + u f x0 v0y − m(v0 ) uv0y a0x ( f · v)0 v0y + uv0y ( f x0 − m(v0 )a0x )
f y0 = m(v0 )a0y + = m(v0 )a0y + , (333)
(1 + uv0x / c2 ) c2 (1 + uv0x / c2 ) c2
( f · v)0 v0y + uv0y [( f · v)0 / c2 ]v0x 1 + uv0x / c2
f y0 = m(v0 )a0y + = m(v0 )a0y + ( f · v)0 v0y , (334)
(1 + uv0x / c2 ) c2 (1 + uv0x / c2 ) c2
f y0 = m(v0 )a0y + ( f · v)0 v0y / c2 , (335)
f y0 = m(v0 )a0y + ṁ(v0 )v0y . (336)
Este resultado confirma a covariância da componente f y . Da mesma forma como realizado para a componente-y,
podemos demonstrar a covariância para a componente-z da força, dada pela Eq. (314). Substituindo as transfor-
madas relativísticas de f z , a z , ( f · v)/ c2 , v z , e fazendo os mesmos desenvolvimentos, encontramos:

f z0 = m(v0 )a0z + ṁ(v0 )v0z . (337)

A demonstração da covariância das componentes -x,-y,-z, equivale a demonstrar a covariância da 3-força relati-
vística. Portanto, se vale f = ma + ṁv, com m = m(v), então também vale f 0 = m0 a0 + ṁ0 v0 , com m0 = m(v0 ).

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14.2 Demonstração genérica usando-se transformações vetoriais


Podemos ainda demonstrar a covariância da expressão f = ma + ṁv através de uma abordagem totalmente
vetorial, usando-se as transformadas relativísticas generalizadas. Para isto, partimos da expressão da 3-força no
Ref. S 0 ,
f 0 = m0 a0 + ṁ0 v0 , (338)

com m0 = m(v0 ) = m 0 γ(v0 ), tendo como propósito obter a relação de força válida no sistema S, ou seja, f = ma + ṁv.
Usamos a transformação genérica da 3-força relativística, derivada temporal da massa, aceleração e velocidade:

1 γ
· ¸
2
f0= f − ( f · v)u + ( γ − 1)( f · u)u/ u , (339)
γ( u)(1 − u · v/ c2 ) c2
" ¤#
a(1 − u · v/ c2 ) + (u · a) v/ c2 + u 1 − γ /( u2 γ)
£ ¡ ¢
0
a = , (340)
γ2 (1 − u · v/ c2 )3

1 dE 0 1
ṁ(v0 ) = 2
= 2 ( f · v)0 , (341)
c dt c

[v − γu + (γ − 1)(u · v)u/ u2 ]
v0 = . (342)
γ(1 − u · v/ c2 )
e lembramos que a transformada generalizada de potência é dada por

( f · v) − ( f · u)
( f · v)0 = . (343)
(1 − u · v/ c2 )

O procedimento consiste em substituir todas as grandezas do Ref. S 0 , presentes na Eq. (338), pelas Eqs. (339,
340, 341, 342, 343), lembrando que m0 = m(v0 ) = m 0 γ(v0 ), ou seja:

h i
f − γ cu2 ( f · v) + (γ − 1)( f · u)u/ u2
" ¤#
a(1 − u · v/ c2 ) + (u · a) v/ c2 + u 1 − γ /( u2 γ)
£ ¡ ¢
2
= m(v)γ( u)(1 − u · v/ c )
γ( u)(1 − u · v/ c2 ) γ2 ( u)(1 − u · v/ c2 )3
( f · v)/ c2 − f · u/ c2 [v − γu + (γ − 1)(u · v)u/ u2 ]
+ , (344)
(1 − u · v/ c2 ) γ( u)(1 − u · v/ c2 )

Fazendo algumas simplificações:

{(1 − u · v/ c2 ) m(v)a + m(v)(u · a) v/ c2 + u 1 − γ /( u2 γ) }


· ¸ £ ¡ ¢ ¤
u 2
f − γ 2 ( f · v) + (γ − 1)( f · u)u/ u =
c (1 − u · v/ c2 )
2 2
( f · v)/ c − f · u/ c [v − γu + (γ − 1)(u · v)u/ u2 ]
£ ¤
+ , (345)
(1 − u · v/ c2 )

m(v)(u · a)v/ c2 m(v)(u · a)u 1 − γ /( u2 γ)


· ¸ ¡ ¢
u 2
f − γ 2 ( f · v) + (γ − 1)( f · u)u/ u = m(v)a+ +
c (1 − u · v/ c2 ) (1 − u · v/ c2 )
( f · v)/ c − f · u/ c [v − γu + (γ − 1)(u · v)u/ u2 ]
2 2
£ ¤
+ . (346)
(1 − u · v/ c2 )

Lembramos que f · u = m(v)(u · a) + ( f · v)(u · v)/ c2 , o que leva a

m(v)(u · a) = ( f · u) − ( f · v)(u · v)/ c2 . (347)

Desta forma, escrevemos:

m(v)(u · a)v/ c2 = ( f · u) v/ c2 − ( f · v)(u · v)v/ c4 , (348)

1−γ 1−γ
¡ ¢ ¡ ¢
¢ 2
m(v)(u · a)u 1 − γ /( u γ) = ( f · u)u 2 − ( f · v)(u · v)u 2 2 .
¡
(349)
u γ u γc

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Substituindo tais relações do lado direito da equação

1−γ
¡ ¢
1
· ¸ ½
u 2 ( f · u) v
f − γ 2 ( f · v) + (γ − 1)( f · u)u/ u = m(v)a + v − ( f · v)(u · v) 4 + f · u)u 2
c (1 − u · v/ c2 ) c2 c u γ
1−γ
¡ ¢ ·
( f · v) ( f · u)
¸ ¾
2
−( f · v)(u · v)u 2 2 + − [v − γu + (γ − 1)(u · v)u/ u ] . (350)
u γc c2 c2

Agrupando os termos contendo ( f · v) do lado direito:

1−γ
¡ ¢¸
( f · v)
·
2 u
= v−(u · v)v/ c − γu + (γ − 1)(u · v) − (u · v)u , (351)
c2 u2 u2 γ
( f · v) ¡
· µ ¶¸
u u
v 1 − (u · v)/ c2 − γu + (γ − 1)(u · v) 2 + 2
¢
= 2 , (352)
c u u γ

Fazendo diversas simplificações, e usando u2 = (γ2 − 1) c2 /γ2 , alcançamos:

1−γ
¡ ¢¸
( f · v) ( f · v) £
·
2 u
v−(u · v)v/ c − γu + (γ − 1)(u · v) 2 − (u · v)u 2 v − γu 1 − (u · v)/ c2 .
¤¡ ¢
= (353)
c 2 u u γ c 2

Agrupando os termos do lado direito contendo ( f · u):

1 − γ c2 1 − γ c2
¡ ¢ ¡ ¢
( f · u) 2 ( f · u) u
[v − v + γu − (γ − 1)(u · v)u/ u + u ] = [γu + (1 − γ)(u · v) + u ]. (354)
c2 u2 γ c2 u2 u2 γ

Apos simplificações, ficamos com

1 − γ c2
¡ ¢
( f · u) 2 u
[v − v + γu − (γ − 1)(u · v)u/ u + u ] = ( f · u) 2 (γ − 1) 1 − (u · v)/ c2 .
£ ¤
(355)
c2 u2 γ u

Substituindo estes resultados na expressão (350), temos:

1
· ¸
u
f − γ 2 ( f · v) + (γ − 1)( f · u)u/ u2 = m(v)a + ×
c (1 − u · v/ c2 )
( f · v) £
· ¸
2 u 2
γ γ
¤¡ ¢ £ ¤
× v − u 1 − (u · v)/ c + ( f · u) (1 − ) 1 − (u · v)/ c , (356)
c2 u2
( f · v) ( f · v)
· ¸ · ¸
u u
f − γ 2 ( f · v) + (γ − 1)( f · u)u/ u2 = m(v)a + v − γ u + ( f · u) (( γ − 1) , (357)
c c2 c2 u2
que recai simplesmente em:

f = m(v)a + ( f · v)v/ c2 , (358)


f = m(v)a + ṁ(v)v, (359)

que é exatamente a lei de força válida no Ref. S . Demonstramos, assim, de maneira genérica, a covariância da lei
de força da dinâmica relativística.

15 Questões: Responda às questões abaixo, sempre explicando suas


respostas.
1. Na dinâmica relativística, é possível acelerar um brádion a velocidades acima de c, ou seja, é possível
tranpor a barreira da velocidade da luz? Qual é o custo de energia associado a este processo? tal argumento
explica a não existência ou não observação de táquions?

2. A dinâmica newtoniana é também uma teoria relativística, ou seja, mantém-se invariante sob algum grupo
de transformações de coordenadas?

3. Na dinâmica relativística, força e aceleração só são paralelas em casos particulares: quando a força é pa-
ralela ou perpendicular à velocidade da partícula. No caso geral, não vale o paralelismo. Sendo a força
um vetor, ela pode ser sempre decomposta em duas componentes: uma na direção da velocidade, outra
perpendicular à mesma. Explique porque então a força não é sempre paralela à aceleração?

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4. Na dinâmica relativística, existem dois tipos de massa inercial: massa longitudinal e massa transversal.
Explique o significado destes conceitos, e o motivo da diferença entre ambos.

5. É mais fácil acelerar uma partícula na direção da sua velocidade ou na direção ortogonal a sua velocidade?
Explique.

6. Baseado nas transformações relativísticas de força, é correto afirmar que uma partícula, no seu referencial
próprio, está sujeita a forças menores que nos outros ref. inerciais?

7. Numa colisão relativística ocorre conservação da energia total e do momento total. (i) tal fato significa que
a energia total é a mesma (mesmo valor numérico) em todos os referenciais ? (ii) Em que sentido vale a lei
de conservação? (iii) E quanto à massa de repouso , ela é conservada numa colisão relativística? Em que
sentido ela é um invariante? (iv) invariantes relativísticos são diferentes de quantidades conservadas?

8. Na cinemática relativística todas as transformações podem ser obtidas diretamente dos dois postulados de
Einstein. O mesmo se aplica à dependência da massa em termos da velocidade?

9. A razão entre força e massa, F / m, é um invariante relativístico?

10. Em que situações a massa de repouso de um corpo deixa de ser constante? Massa de repouso variando depõe
contra seu caráter de invariante de Lorentz?

11. O fato de os fótons não possuírem massa de repouso implica também que eles não carregam momento?
Explique.

12. Na mecânica newtoniana, duas partículas distantes podem interagir através de um processo instantâneo
que se convencionou chamar de “interação à distância”, sempre com patível com a lei da ação e reação. Na
mecânica relativística, vale a terceira lei de Newton para partículas que interagem desta forma? Justifique.
E para as partículas numa colisão? A introdução do conceito de campos, como mediadores da transmissão
de informação, resolve o problema da compatibilidade da lei da ação e reação para partículas distantes com
os postulados da relatividade restrita ?

13. No estudo da dinâmica relativística, aprendemos que a energia relativística (E = m 0 γ c2 ) é conservada em


qualquer colisão ou processo relativístico. isto significa que tal energia tem o mesmo valor quando medida
por qualquer referencial inercial? Justifique explicando o que significa conservação da energia na TRR.

14. Sobre a segunda lei de Newton: (a) Na teoria da relatividade restrita, sendo f a 3-força, e o p 3-momento,
sob qual condição vale a segunda lei de Newton ( f = d p/ dt)? (b) Partindo da expressão acima, mostre que:
f = ma + ( f · u) u/ c2 , onde m é a massa relativística, a é a 3-aceleração. (c) Em que situações a força f
é paralela à aceleração? Mostre que em cada uma delas temos uma massa inercial diferente. Derive as
expressões para tais massas, identificando-as, e comentando o significado de cada uma. Responda: Acelerar
uma massa na direção longitudinal tem o mesmo custo que acelerar na direção transversal?

15. Na dinâmica relativística, sendo a 3-força ( f = d p/ dt) nula, a 4-força (F µ = γ ( dP µ / dt)) será também sempre
nula? Explique e cite um contra-exemplo, se existir.

Problemas:
1)Calcule o fator γ para um próton acelerado a energias de 20 GeV e 20TeV.
2) Paradoxo da alavanca: Considere uma alavanca em de braços retilíneos e de mesmo comprimento, formando
um ângulo reto. No Ref. S 0 , a alavanca está em repouso , quando são então aplicadas duas forças de igual módulo
sobre a mesma, uma paralela ao eixo-x, outra paralela ao eixo-y, como mostrado na figura abaixo. Neste referencial
o torque total sobre o sistema é nulo, e alavanca não gira. Considere agora um outro referencial inercial S, que
vê o Ref. S 0 em movimento relativo. (i) Do ponto de vista do Ref. S , ocorre rotação da alavanca? (ii) Dê um bom
argumento para mostrar que a alavanca não pode girar. (iii) Mostre, usando equações, que o torque total no Ref.
S 0 também é nulo.
3) Considere a seguinte grandeza, U α Fα , com posta a partir da 4-velocidade (U α ) e da 4-força (F α = dP α / d τ).
(a) Mostre que: U α Fα = c2 γ ( dm 0 / dt) ; (b) Em que tipo de situação ocorre dm 0 / dt 6= 0? (c) A grandeza U α Fα é
um invariante de Lorentz? Em caso afirmativo, como explicar a possibilidade desta quantidade sofrer variação
quando m 0 = m 0 ( t)?

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Referências
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[3] J. Aharoni, “The special theory of relativity”, Oxford University Press, 1959.

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[5] R. Hagedorn, “Relativistic Kinematics”, W.A. Benjamin, INC. New York, 1963.

[6] R. A. d’Inverno, “Introducing Einstein’s Relativity”, Oxford University Press, 1992.

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[8] R. C. Tolman, Relativity Thermodynamics and Cosmology, Claredon, Oxford, 1934.

[9] D.F. Lawden, “An introduction to tensor calculus, relativity and cosmology”, John Wiley & Sons, 1982.

[10] J. L. Redding, "Spatial relations between force and acceleration in relativistic mechanics", Am. J. Phys. 50,
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