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á uma ciência (às vezes arte) de morrer.
...Nosso mais original poeta maior (e aqui Drummond tinha toda razão) vem com
pondo seu monumental e intrincado painel temporal à maneira de um bordado oblí
quo, conduzido pela fina agulha eminentemente elegíaca da melhor lírica moderna.
B r u n o T o l e n t in o
ISBN 8 5 - 7 4 7 5 - 0 4 6 - 8
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ALGUMAS PARTITURAS
Obras do autor:
ALGUMAS PARTITURAS
Copyright© Gerardo Mello Mourão, 2002
Revisão
Jaqueline Holanda
Capa
Adriana Moreno
SUÍTE DO COURO
ou
LOUVAÇÃO DO COURO
Este poema teve sua primeira partitura composta e impressa
pelo autor em HP Laser Jet, numa pequena tiragem H.C. de
setenta exemplares distribuída a amigos, em jantar íntimo,
no dia do aniversário de Léa, Maura e Tunga, a 9 de feverei
ro de 2000. O couro é presença elementar do quotidiano
nordestino na região sertaneja. Ali prosperaram boiadas,
criando-se, desde os meados do século XVII e inícios do
século XVIII, até as primeiras décadas do século XX, a civi
lização do couro, estendida dos sertões da Bahia às ribeiras
do Piauí e do Maranhão. A caça ao boi, nos pastos bons e
nos currais, era, na verdade, uma caça ao couro, artigo de
consumo interno primordial e expressivo produto de expor
tação. Já não urram bois nas soltas e nas serras silenciosas.
Acabaram-se os chocalhos plangentes da rês que caminhava
vagarosa por campina e vale. Acabaram-se os vaqueiros
encourados que andavam pela chã ou pelo monte, escoteiros
ou em bando. Acabaram-se os rebanhos bovinos sertanejos,
numa predação ecológica cruel, prenuncio da predação que
hoje ameaça os pés de pau da mata atlântica. Mas o boi é
um fantasma. E é também a memória mais viva do sertão,
até nas festas do bumba-meu-boi e do boi-bumbá. Quem
sobrevoa a região, em vôo baixo, sob o céu claro do sertão,
ao contemplar o chão malhado tem a impressão de que ele é
feito de couro estendido na terra desolada. Por ela vagueiam
penadas as almas dos bois que nos deram para sempre o
couro — com o qual se inaugurou naquele tempo nosso
duro trabalho de viver. Em seu trato oficinal balbuciamos a
beleza da arte criada em nossas mãos por modos de artesa-
nia singular e vária.
Entre os vivos,
a Vírgilio Maia, poeta,
por (A)mo®de
de bois e couros.
' m m 1-
SUÍTE DO COURO — 1
CHÃO DO PAÍS
13
Gerardo Mello Mourão
Em maranhões emaranhados
No chão de couro pelas paraíbas
Piauís pernambucos siarahs até
As bahias malhadas onde
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AlgumasPartituras
SUÍTE DO COURO — 2
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Gerardo Mello Mourão
16
Algumas Partituras
SUÍTE DO COURO — 3
EmmemóriadasbibliotecasdeMonsenhorNabuco
e de GustavoBarroso, viciadosemcourospreciosos
de encadernação
18
Algumas Partituras
SUÍTE DO COURO — 4
19
Gerardo Mello Mourão
20
Algumas Partituras
“O boi é um centauro”.
Francisco Carvalho
21
Gerardo Mello Mourio
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Algumas Partituras
SUÍTE DO COURO — 6
Na garupa
Das selas de vaqueta e alforges bordados
Era a paçoca pisada no pilão de pau-d’arco;
E as rações de água fresca viajavam
Na borracha de sola ao balanço da canga
Dos bois de carro.
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Gerardo Mello Mourão
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Algumas Partituras
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Gerardo Mello Mourão
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Algumas Partituras
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Gerardo Mello Mourão
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Algumas Partituras
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Gerardo Mello Mourão
SUÍTE DO COURO — 7
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Gerardo Mello Mourão
Eeles
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Algumas Partituras
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Gerardo Mello Mourão
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Algumas Partituras
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Partitura Número 2
DE SIBILAS
&
LABIRINTOS
Para
para Dora
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Gerardo Mello Mourão
SIBILA
(Ultimo oráculo)
42
AlgumasPartituras
*Apolo Lakeutès — um dos títulos do Apoio — ”vox clamantis" — voz do que clama,
como de si mesmo dizia João Batista.
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Gerardo Mello Mourão
44
Algumas Partituras
45
Gerardo Mello Mourão
*Maldonado, Edgard Maldonado Bailey, velho amigo dos tempos de Buenos Aires,
morou na casa do poeta, no Rio, entre 1941 e 1942. Queria que alguns de seus poemas
fossem cantados por Araci de Almeida. Queria ouvi-los na cadência eólia de seu canto e
no instrumento raro de sua voz. Juntos levamos os poemas à casa da cantora, que se
encantou com o trabalho. Mas advertiu logo que ia “recortar os hinos”, escolhendo os
versos que queria, em espanhol, traduzindo outros para a gíria carioca. Gravamos da
aventura um pequeno disco numa cabine da Agência dos Correios, que então oferecia
esse tipo de serviço. Maldonado voltou a Buenos Aires, onde adotou o nome de Edgar
Bailey, para distinguir-se do arquiteto de Ulm, Tomás Maldonado, seu irmão. Tomou-
se poeta famoso e chefe de escola, o “creacionismo", depois o "invencionismo”. Mas
sempre me escrevia, como eu sempre repito: “é preciso levar todo o nosso trabalho a
Araci; só ela sabe recortar os hinos”.
46
Algumas Partituras
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Gerardo Mello Mourão
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Algumas Partituras
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Gerardo Mello Mourão
Copacabana, 02/12/97
50
Algumas Partituras
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Algumas Partituras
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Gerardo Mello Mourão
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Algumas Partituras
55
Gerardo Mello Mourão
Fortaleza, 10/12/98
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Algumas Partituras
OS POMOS DE OURO
HÉRCULES — 1
Copacabana, 29/12/98
57
Gerardo Mello Mourão
HÉRCULES — 2
Copacabana, 01/01/99
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Algumas Partituras
HÉRCULES — 3
59
GerardoMelloMourão
60
AlgumasPartituras
O POÇO
61
Gerardo Mello Mourão
Copacabana, 09/01/99
62
Algumas Partituras
0 CARACOL
Copacabana, 09/01/99
63
Gerardo Mello Mourão
LAURÊNCIA
64
Algumas Partituras
E lá na serra da Estrela
da velha tia Lourença
dez borregos vinte ovelhas
e os queijos feitos na prensa.
65
Gerardo MelloMourão
Copacabana, 12/01/1999
66
Algumas Partituras
OS ANJOS
67
Gerardo Mello Mourão
ÚLTIMA ELEGIA
Eras uma vez e serás uma vez uma romã de ouro e cristal
e à sombra de suas folhas ouvirás um sopro entre os cabelos
e verás com sua flauta de dois furos te fitando
entre seus cornos de marfim— os olhos do sileno.
poderias, formosa,
reconhecer a própria voz — a que compõe e afaga
as linhas para sempre de teu mero rosto
moradora que moras para sempre
na primeira manhã
na rosa de cristal e na maçã de ouro
na pupila e nos chifres de marfim do tocador de flauta
erguidos sobre a testa entre as folhas do bosque.
La Serena, Chile
70
Algumas Partituras
LABIRINTO — 9
:Sipf
Homem nenhum é uma flecha;
de coração a coração
da alma tua à minha alma
o caminho mais curto não é a linha reta:
é o labirinto
e o labirinto em linhas retas mastros velas curvas ondulantes
e precipícios e vulcões.
de suas
sombras apalpadas
pode erguer-se o sopro de uma voz
o sabor do pêssego maduro— pêssega—
e o aroma— teu aroma— perdido e achado
em relva e gruta — e ali estremeceras trêmula
ao beijo de uma estrela.
72
Algumas Partituras
LABIRINTO DA VOZ
73
Gerardo Mello Mourão
Beja, Alentejo
74
Alguma$Partituras
AFLECHADEEROS
75
GerardoMelloMourão
Nápoles
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Algumas Partituras
E na hora da partida
as palmas das mãos ungidas
dos santos óleos — e acesa
a vela benta a monção
da viagem derradeira
quero dizer com ternura
meu pai, meu bem, meu Jesus.
Se no mármore ou granito
sobre meus ossos transidos
levantarem uma esteia,
sobre ela escrevam meus filhos:
“o poeta que aqui jaz
morreu dizendo baixinho
meu pai, meu bem, meu Jesus”.
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Algumas Partituras
FUGADECAPRI
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Gerardo Mello Mourão
Firenze, 1954
80
Algumas Partituras
GLOSA E CONTRAPONTO
DE ANTÔNIO BOTTO*
* * *
“E eu quisera, Praxiteles,
pôr a mão onde puseste
a mão de tua Afrodite:
sobre esses pêlos ocultos,
na palma daquela mão
pôr meus olhos meu desejo
e ao desespero de um beijo
naqueles lábios abertos
meus lábios meu coração”.
81
GerardoMelloMourão
LIRA DA CHINA
Algumas Partituras
Ch’en Tsu-Ang *
*Ch’en Tsu-Ang, poeta chinês da dinastia Tang (661-702), que foi conselheiro da
imperatriz Wu Hou. Esta e outras traduções chinesas aqui apresentadas foram feitas
com a ajuda do Padre Joaquim Angélico Guerra. O texto poético aqui tentado resulta
da tradução literal, que me era feita “verbum ad verbum" pelo saudoso jesuíta por
tuguês, talvez o mais erudito dos sinólogos ocidentais, com quem convivi intensa
mente em Pequim, em Shanghai, em Guanshu e em Hong Kong e Macau, onde fui seu
hóspede na velha residência dosjesuítas, do século XVII, entre 1980 e 1982. Devo-lhe
também aquilo que ele chamava a “acústica"dos versos, cujo ritmo original a transfigu
ração na língua e linguagem aqui experimentadas busca o eco pentatônico da limpa e
sonora musicalidade da poesia chinesa da idade de ouro.
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Gerardo Mello Mourão
LUA DA FRONTEIRA
LiPo*
* Li Po será, decerto, o m ais fam oso poeta chinês. Nos dias da dinastia Tang era
chamado “o ano da poesia", enquanto Tu Fu, o outro grande poeta que figura a seu
lado, era chamado “o anjo bêbedo".
* * M edida chinesa de itinerário.
86
Algumas Partituras
PENSAMENTO NOTURNO
LiPo
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Gerardo Mello Mourão
TEMPLO NO ALTO
LiPo
T\iFu
89
Gerardo Mello Mourão
Ts’en Shen*
* Tsen Shen, muitas vezes chamado Ts’en Tssan, era funcionário imperial, como a
maioria dos poetas chineses, que entravam para o serviço da corte depois de diSceis
concursos. E considerado um mestre de quadras breves, mas muito admirado por seus
poemas de peripécia das batalhas. Em muitas delas tomou parte, como mandarim
guerreiro.
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Algumas Partituras
O CANTO DE LUN-TAI
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Gerardo Mello Mourão
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Algumas Partituras
ADEUS
Wang Wei*
* Wang Wei (699-759) era poeta, pintor e médico. Vale lembrar que a profissão de
médico, em seu tempo — e ainda hoje, de certo modo — se confunde na China com as
artes da magia. Exerceu altos cargos políticos, participou de revoluções, e sua poesia,
como a de tantos de seus contemporâneos da dinastia T’ang, canta as batalhas, as guer
ras e os heróis militares, num tom que não é comum no Ocidente. Pois lembram, aci
ma de tudo, os sofrimentos dos guerreiros, a nostalgia da pátria distante e das aldeias
de onde partiram.
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Gerardo Mello Mourão
SUL DO RIO
Wei Chuang*
* Viveu nos anos de 900. Natural do norte, encantou-se com as baladas do sul de que
este texto é uma amostra antológica da pauta da poesia Tz'u, feita para ser cantada.
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Algumas Partituras
dedicadoaograndeSecretárioFang
Li Ch’i*
95
Gerardo Mello Mourão
96
Algumas Partituras
Na cidade de Ch’ang-na,
nos muros ocidentais do palácio
frente ao lago da Fênix
na porta de Ch’ing-so
altos portais majestosos e ricos
esperam dia e noite que tu chegues
com teu alaúde na mão.
97
Partitura Número 4
CARTÕES POSTAIS
Algumas Partituras
ATENAS
paraDanai
101
Gerardo Mello Mourão
102
Algumas Partituras
alegria da Grécia.
Homero, o Cego —, oferece aos deuses
a beleza de Heitor
as crinas de seu cavalo e seu elmo de prata;
Briseidas indóceis
tomam banho de lua pelas bandas do mar— dos mares
teus, Homero,
mares cor de rosa —
até que um sol de aurora venha
fulgurar entre a lança e o escudo de Aquileu— e tua voz,
Cassandra,
ao longe, sopra
os cílios ruivos de Odisseu: gota de sangue, espinho
rosa para sempre— pois, o azul os ares lava e tudo
ali está na rosa
e a rosa em tudo—
ó rosa azul em talo vertical na cauda
e na garupa, Dora,
de teu cavalo azul, da nave calipígia: —
sobre as espumas
cavalgava à lua, calipígia também, nossa amiga Melpômene.
103
Gerardo Mello Mourão
104
Algumas Partituras
ruínas juvenis.
E ergues o punho viril de um general do mar
e os marinheiros helenos — que a vaga iônia criou
belos piratas morenos— do mar que Ulisses cortou
cruzam nos cafés da avenida com Temístocles, Tucídides,
e os heróis te aclamam com o povo da ágora.
105
Gerardo Mello Mourão
106
Algumas Partituras
107
GerardoMello Mourão
BELÉM DE JUDÁ
paraLilia eJoão
flutuam
no poço de seus olhos anjo e estrela— estrela dalva
sobre esteias perenes de deuses e de heróis.
109
Gerardo Mello Mourão
eu te saúdo
na flor do lírio de teu regaço, rosa rosarum
virgo virginum preclara
mihi jam non sis amara
apoiada ao ombro humano de José, vergine madre
filha de teu filho.
Ricordo, 25/12/96
110
Algumas Partituras
BELÉM DO PARÁ
paraAntônioAmaral
l li
Gerardo Mello Mourão
Ricordo, 28/12/1996
112
Algumas Partituras
PRAGA
113
Gerardo Mello Mourão
de zimarra preta:
uma loura cantarola Smetana um rapaz assobia Dvorak,
e João de Huss cruza com João Nepomuceno e no cemitério
estremecem cantam os ossos dos judeus na cidade judia
e os reis cantam o hino de ferro das armas de Venceslau:
114
Algumas Partituras
Ricordo, 1997
115
Gerardo Mello Mourão
RIMINI
116
Algumas Partituras
117
GerardoMelloMourão
Ricordo—Rio, abril de 64
118
Algumas Partituras
NOVA YORK
119
Gerardo Mello Mourão
e o horizonte?
e o labirinto?
Onde a miragem?
O oásis onde?
120
Algumas Partituras
Eu te amo e te odeio
e não me esqueço de ti, Jerusalém,
da carícia de tua mão devassa e virgem
do chicote no lombo do Marquês— Donatien. —
121
Gerardo Mello Mourão
Raquel e Jezebel
Babilônia Babel e Babelônia
e ribeira azul dos rios do mundo
onde os poetas tocamos viola
com saudades de Jerusalém— a outra— e
entre ossos de defuntos de todas as mortes
cantamos uns versos de Daniel
de oito pés em quadrão.
122
Algumas Partituras
ISTAMBUL
para ChristosKlairis
Armênias outonais,
curdas às vezes na moldura dos cabelos negros
123
Gerardo Mello Mourão
124
Algumas Partituras
e na cerúlea tarde
estendo o meu cartão e informo soldados assustados:
“sou o Conde do Azul”.
Ricordo, 1997
125
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