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O problema da definição de arte

1. Teorias essencialistas: As teorias essencialistas defendem que existe uma


essência de arte, ou seja, que existem propriedades essenciais comuns a todas as
obras de arte e que só nas obras de arte se encontram. Ora as propriedades
essenciais são diferentes das propriedades acidentais. Uma propriedade é
essencial se os objetos que a exemplificam não podem deixar de a exemplificar
sem que deixem de ser o que eram. Uma propriedade é acidental se, apesar de
ser realmente exemplificada pelos objetos, poderia não o ser. Isso significa que
as propriedades essenciais da arte são aquelas propriedades que não podem
deixar de se encontrar nas obras de arte. São, portanto, exemplificadas por todas
as obras de arte, reais ou meramente possíveis. Mas uma definição essencialista
exige também que tais propriedades sirvam para distinguir a arte de outras coisas
que não são arte. Daí que se procurem apenas identificar as propriedades
essenciais que sejam individuadoras da arte. Ora, se há propriedades comuns a
todas as obras de arte e individuadoras das obras de arte, é então possível dizer
quais são as suas condições necessárias e suficientes; quer dizer, é possível
fornecer uma definição explícita de arte. Contudo, é preciso reconhecer que nem
todas as definições explícitas são essencialistas.

1.1 Teoria da arte como imitação: Esta é uma das mais antigas teorias da arte. Foi,
aliás, durante muito tempo aceite pelos próprios artistas como inquestionável. A
definição que constitui a sua tese central é a seguinte: Uma obra é arte se, e só
se, é produzida pelo homem e imita algo.
A característica própria desta teoria não reside no facto de defender que uma
obra de arte tem de ser produzida pelo homem, o que é comum a outras teorias,
mas na ideia de que para ser arte essa obra tem de imitar algo. Adequa-se ao
facto incontestável de muitas pinturas, esculturas e outras obras de arte, como
peças de teatro ou filmes imitarem algo da natureza: paisagens, pessoas, objetos,
acontecimentos, etc. Oferece um critério de classificação das obras de arte
bastante rigoroso, o que nos permite, aparentemente, distinguir com alguma
facilidade um objeto que é uma obra de arte de outro que o não é. Oferece um
critério de valoração das obras de arte que nos possibilita distinguir facilmente
as boas das más obras de arte. Neste sentido, uma obra de arte seria tão boa
quanto mais se conseguisse aproximar do objeto imitado.
Objeções: Apesar de muitas obras de arte imitares algo, são inúmeras as que não
o fazem, o que constitui a sua refutação inequívoca. O critério de classificação
de arte proposto por esta teoria não pode ser bom, pois ficamos insatisfeitos ao
verificar que há obras de arte que são reconhecidamente arte e não são
classificadas como tal. Apesar de ficarmos muitas vezes positivamente
impressionados com a perfeição representativa de algumas obras de arte, o seu
critério valorativo falha porque muitas outras obras de arte não poderiam ser
consideradas boas nem más, já que não imitam nada. Mas falha ainda por haver
obras que imitam algo sem que nos encontremos alguma vez em condições de
saber se a imitação é boa ou má.
1.2 Teoria da arte como expressão: Insatisfeitos com a teoria da arte como imitação,
muitos filósofos e artistas românticos do século XIX propuseram uma definição
de arte que procurava libertar-se das limitações da teoria anterior, ao mesmo
tempo que deslocava para o artista a chave da compreensão da arte. Ainda hoje
existe uma enorme quantidade de pessoas que aceitam esta teoria sem a pôr em
causa, sendo a sua tese central a seguinte: Uma obra é arte se, e só se, exprime
sentimentos e emoções do artista. São muitos e eloquentes os testemunhos de
artistas que reconhecem a importância de certas emoções sem as quais as suas
obras não teriam certamente existido. Também nos oferece, como a teoria
anterior, um critério que permite, com algum rigor, classificar objetos como
obras de arte. Com a vantagem acrescida de classificar como arte todas as obras
que não imitam nada, o que acontece frequentemente na literatura e sempre na
música e na arte abstrata. Mais uma vez oferece um critério valorativo: uma obra
é tanto melhor quanto melhor conseguir exprimir os sentimentos do artista que a
criou.
Objeções: Há obras que não exprimem qualquer emoção ou sentimento, pelo
que este ponto é imediatamente refutado empiricamente. A deficiência em
relação ao critério de classificação é praticamente a mesma apontada à teoria da
imitação. A única diferença é que, neste caso, uma maior quantidade de objetos
podem ser classificados como arte. Mas nem todas as obras de arte são, de facto,
classificadas como tal. Sobre o critério de valoração, também as objeções são
idênticas às da teoria da imitação. Se observarmos este critério, então as obras
de arte que não podem ser consideradas boas nem más são inúmeras. Como
podemos nós saber se uma determinada obra exprime corretamente as emoções
do artista que a criou, quando o artista já morreu há séculos? Supondo que,
como já tem acontecido, a obra em causa tinha sido erradamente atribuída a
outro autor, essa obra deixaria de poder ser considerada obra-prima? E as obras
de autores anónimos ou desconhecidos não são boas nem más? E como avaliar
uma obra de arte coletiva ou a interpretação de uma obra musical?

1.3. Teoria da arte como forma significante: Esta teoria considera que não se deve
começar por procurar aquilo que define uma obra de arte na própria obra, mas
sim no sujeito que a aprecia. Isso não significa que não haja uma característica
comum a todas as obras de arte, mas que podemos identificá-la apenas por
intermédio de um tipo de emoção peculiar, a que chama emoção estética, que
elas, e só elas, provocam em nós. De acordo com a teoria formalista, uma obra
é arte se, e só se, provoca nas pessoas emoções estéticas. Note-se que não se
diz que as obras de arte exprimem emoções, senão estar-se-ia a defender o
mesmo que a teoria da expressão, mas que provocam emoções nas pessoas, o
que é bem diferente. Se a teoria da imitação estava centrada nos objetos
representados e a teoria da expressão no artista criador, a teoria formalista parte
do sujeito sensível que aprecia obras de arte. Tendo em conta a definição dada,
reparamos que a característica de provocar emoções estéticas constitui,
simultaneamente, a condição necessária e suficiente para que um objeto seja
uma obra de arte. Mas se essa emoção peculiar chamada “emoção estética” é
provocada pelas obras de arte, e só por elas, então tem de haver alguma
propriedade também ela peculiar a todas as obras de arte, que seja capaz de
provocar tal emoção nas pessoas. Mas essa característica existe mesmo? Clive
Bell responde que si e diz que é a forma significante.
Objeções: Em primeiro lugar, podemos mostrar que algumas pessoas não sentem
qualquer tipo de emoção perante certas obras que são consideradas arte. Quer
dizer que essas obras podem ser arte para uns e não o ser para outros? Nesse
caso o critério para diferenciar as obras de arte das outras de que serviria? Uma
outra dificuldade é conseguir explicar de maneira convincente em que consiste a
tal propriedade comum a todas as obras de arte, a tal “forma significante”,
responsável pelas emoções estéticas que experimentamos. Clive Bell refere
pensando apenas no caso da pintura, que a forma significante reside numa certa
combinação de linhas e cores. Mas que combinação é essa que cores são essas
exatamente? E em que consiste a forma significante na música, na literatura, no
teatro, etc.? A ideia que fica é que a forma significante não serve para identificar
nada. Também a resposta de que a forma significante é a propriedade que
provoca em nós emoções estéticas, depois de dizer que as emoções estéticas são
provocadas pela forma significante é não só inútil, mas dececionante, já que se
trata de uma falácia: a falácia da circularidade.

2. Teorias não-essencialistas: as definições não essencialistas defendem a ideia de


que o que torna um objeto artístico são, de facto, as propriedades extrínsecas ao
próprio objeto. Dentro das teorias não essencialistas, são nos apresentadas a Teoria
Institucional (da autoria de George Dickie) e a Teoria Histórica (defendida por
Jerrold Levingson). Ambas as teorias pretendem demonstrar que as obras de arte
não estão apenas relacionadas com a sua funcionalidade e que, por esse mesmo
motivo, tendem a alargar o conhecimento, exprimir e explorar emoções,
proporcionar boas experiências, divertir e entreter, comunicar ideias, criticar aspetos
de sociedade, transformar o mundo, criar beleza, dar sentido às nossas vidas, entre
outras. Assim, segundo o critério não essencialista, para que um objeto seja uma
obra de arte tem de satisfazer duas condições necessárias: ser um artefacto e
pertencer ao mundo da arte.

2.1 Teoria institucional: A teoria institucional da arte surgiu na década de sessenta, tendo
sido sustentada por George Dickie. Essa teoria enfatiza a importância da
comunidade de conhecedores de arte na definição e ampliação dos limites daquilo
que pode ser chamado de arte. Dickie define a obra de arte como um artefacto que
possui um conjunto de aspetos que lhe conferem o status de candidato à apreciação
das pessoas da instituição do mundo da arte. Algo é arte se e só se é um artefacto
que possui um conjunto de características ao qual foi atribuído o estatuto de
candidato a apreciação, por uma ou várias pessoas da instituição do mundo da
arte. O mundo da arte é uma instituição social, no contexto da qual há lugar a
atribuições de estatuto, por parte dos seus representantes.
Objeções: Ou os entendidos em arte decidem o que deve ser considerado uma obra
de arte com base em razões ou o fazem arbitrariamente. Se eles o fazem com base
em razões, essas razões constituem uma teoria da arte que não é a teoria
institucional. Assim, alguém poderá dizer que os quadros de Wallis apresentam
excelentes combinações de cores aliada a simplicidade formal. Mas essa é uma
maneira de dizer, por exemplo, que eles possuem forma significante. Nesse caso a
teoria institucional colapsa em outras conceções acerca do que é a arte. Suponhamos
agora que os entendidos em arte decidam o que deve ser considerado obra de arte
arbitrariamente. Ora, nesse caso não fica claro porque devemos dar qualquer
importância à arte. Uma objeção adicional seria a de que a teoria institucional é
viciosamente circular. Obras de arte são definidas como objetos que são aceites
como tais pelas pessoas que entendem de arte; e as pessoas que entendem de arte
são definidas como as que aceitam certos objetos como sendo obras de arte.

2.2 Teoria histórico-intencional: A Teoria Histórica apresenta uma definição real de arte
que é simultaneamente processualista e relacional. Levinson defende assim que a
natureza da arte reside em propriedades não manifestas associadas ao modo como se
processa a sua criação e que estas podem ser entendidas como separadamente
necessárias e conjuntamente suficientes para haver arte em qualquer circunstância
possível. Segundo Levinson, a arte é necessariamente retrospetiva, uma vez que a
criação artística estabelece uma relação apropriada com a atividade e o pensamento
humanos que se traduziram na história efetiva da arte. É essa relação que determina
aquilo que a arte é, o seu carácter ontológico, e explica a unidade da arte através do
tempo. A definição histórica de arte é formulada por Levinson do seguinte modo:
Uma obra é arte se, e só se, é um objeto acerca do qual uma pessoa ou pessoas,
possuindo a propriedade apropriada sobre a mesma, têm a intenção não-
passageira de que este seja perspetivado como uma obra de arte. A definição
histórica indica condições necessárias e suficientes para haver arte, aplicando-se
assim – acredita Levinson – a toda a arte possível. A primeira condição é a do
direito de propriedade: o artista não pode transformar em arte objectos que não lhe
pertençam ou em relação aos quais não esteja devidamente autorizado a agir pelos
seus proprietários. Com esta condição Levinson reduz substancialmente o universo
de possibilidades da criação artística. A oposição à teoria Institucional de Dickie é
uma presença declarada na proposta Histórica, e este é um dos pontos que a tornam
mais evidente. A segunda condição é a existência de um certo tipo de intenção que
relaciona a arte do presente com a arte do passado. Ter uma intenção, neste caso, é
ter um propósito ou uma finalidade em mente, e desenvolver uma ação para o
atingir. Esta pode consistir em fazer, apropriar-se ou conceber algo. Embora
possamos não ter acesso às intenções do artista, que são, obviamente, estados
psicológicos, é possível conhecê-las através de pistas, como o contexto de criação, o
género a que a obra pertence, etc. Inferimos as intenções do artista através de
aspetos concretos da obra porque a obra, ela própria, não é mental.
Objeções: O direito de propriedade não pode ser apontado como uma condição
necessária para haver arte. Podemos imaginar contraexemplos que mostram o
contrário do que a teoria propõe. A condição da intencionalidade não é necessária
para haver arte. A teoria Histórica deixa também por resolver a questão de saber o
que muda exactamente no objecto aquando da sua transformação em obra de arte.
Além disso, existe também o problema da indefinição do estatuto das obras
primordiais e das obras primitivas que se lhe seguiram. Se toda a arte, para o ser,
tem de relacionar-se com a sua história, as obras primordiais não podem ser arte
porque antes delas não há arte. Mas se não o são, como podem as obras seguintes –
a arte primitiva – ser arte?

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